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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 02

de Samuel Beckett

direcção / tradução João Lagarto

desenho de luz José Carlos Gomesrealização plásticaAna Teresa Castelomúsica Jorge Palmaprodução (Teatro do Bolhão) Pedro Aparíciodirecção de cenaCristina Vidaloperação de som António Venânciooperação de luz Luís Lopes

com João Lagarto

co- produção TNDM II / ACE Teatro do Bolhão

SALA ESTÚDIO10 ABR a 01 JUN

* Espectáculo vencedor do Prémio de Melhor Actor (2006), atribuído pela Associação Portuguesa deCríticos de Teatro (APCT)

Começar a Acabar *

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"Começar a Acabar" é um monólogo em que um homem se dirige directamente ao público para contar a sua

história. A primeira frase que profere dá-nos, desde logo, o tom do discurso: "Em breve estarei morto finalmente

apesar de tudo".

Enquanto espera que chegue a sua última hora, este homem recorda momentos significativos do seu passado: as

relações tensas com o pai, que morreu cedo; a ligação terna à mãe, com quem nunca se conseguiu entender; uma

infância passada com grande agitação interior; a maturidade decorrida sem amor ("Nunca amei ninguém acho eu,

senão lembrava-me"); uma velhice vivida em solidão, sem mulher, filhos ou netos que o entretenham.

Mas à medida que as memórias mais insignificantes lhe acorrem ao espírito, o homem evoca também assuntos

comezinhos, de forma aparentemente aleatória…

Sinopse

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Poucas peças existirão em que, sentado na plateia, o espectador consegue sentir a respiração da morte e a

constante presença do fim como em "Começar a Acabar", de Samuel Beckett. A partir de três textos chave da sua

ficção - "Molloy", "Malone está a Morrer" e "O Inominável" - o dramaturgo irlandês juntou fragmentos, (re)ordenou-

-os e, em alguns casos, chegou a reescrevê-los. O resultado é este magnífico espectáculo encenado e interpreta-

do por João Lagarto que o TNDM II volta a apresentar na Sala Estúdio onde, em 2006, se estreou com grande êxito.

O reconhecimento deste trabalho com o Prémio da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (2006) mostrou

como esta é não só uma homenagem a Beckett, uma das grandes referências literárias do século XX, mas também

um texto onde é obrigatório sentir o espectáculo. A depuração das palavras aliada à presença em palco de João

Lagarto, cujo trabalho de voz e de corpo revelam uma brilhante interpretação, fazem de "Começar a Acabar" um

desafio, uma partilha com cada espectador.

Uma caixa negra e três lâmpadas, que mal iluminam um cenário também desprovido de objectos, são o suficiente

para, subitamente, o palco se encher com a presença do protagonista, um mendigo que joga com pedras nos

bolsos, que faz rir a plateia e que a faz congelar quando diz: "Em breve estarei morto". De repente, o espaço parece

pequeno, abafado por tantas memórias que se vão soltando pelo ar, pelo passado que ora teima em ir ou voltar,

pelas palavras pesadas de ironia e, sobretudo, pelo silêncio. O silêncio que nos faz reflectir, ao mesmo tempo que

aquele homem, com quem estamos a sós, contraria as ilusões.

Demora-se a partir, que é como quem diz, a morrer. Mas neste monólogo, inédito em Portugal, a habilidade de

Beckett é bem visível. O humor não abandona o texto, mesmo quando se abre o livro da vida e nele se encontram

actos sem sentido, obsessões, isolamentos, caminhos subterrâneos que escondem aquilo que não pode ser

escondido: a iminência do fim.

O TNDM II, seguindo a sua linha de programação de grandes textos da dramaturgia contemporânea, apresenta

este espectáculo intimista, da autoria de um dos maiores vultos do teatro, cuja escrita depurada instituiu um

estilo único. Durante cerca de uma hora, ouvimos aquele homem vestido de trapos que nos faz rir da desgraça. A

qualquer momento pode regressar o silêncio e a escuridão e o espectador volta a ficar como quando se sentou:

só. Porque com Beckett aprendemos que o fim persegue o começo de tudo.

Bom espectáculo.

Carlos Fragateiro

A sós com Beckett

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"Começar a Acabar" resulta da amizade de dois homens - o dramaturgo Samuel Beckett e o actor Jack MacGowran.

O projecto terá partido de MacGowran que, no fim dos anos sessenta, começou a tentar juntar fragmentos da obra

do seu conterrâneo na forma de um monólogo que foi sempre, e em primeiro lugar, uma homenagem e um acto

de amizade. Primeiro, chamou-se "End of Day" e, ao que se sabe, dele fazia parte o "Acto sem Palavras I", o

monólogo de Lucky de "À Espera de Godot" e o fabuloso "From an Abandoned Work".

Beckett mantinha-se à distância até que, em 1970, se decide a intervir mais activamente. O monólogo passa a

chamar-se "Beggining to End" e, não sendo uma obra nova de Beckett, é uma revisão de alguns dos seus textos

mais emblemáticos montados num monólogo duma espantosa unidade dramática sobre a morte, ou melhor:

sobre o fim. Beckett terá dito a certa altura do processo que a questão não estava nos fragmentos a utilizar mas sim

na maneira de os agrupar. A situação é a de um homem que está a morrer e que entretanto vai contando histórias.

Passamos pelas palavras de Krapp, de Lucky, de Molloy, de Clov e de Hamm, de Watt, de Malone, de Vladimir, pelos

poemas e tudo acaba nas palavras finais desse livro único chamado "O Inominável".

O espectáculo estreou a 23 de Abril de 1970, no teatro Édouard VII para o "tout Paris", e continuou a sua carreira

nos anos seguintes até à morte de MacGowran, que se tornara numa estrela do cinema mundial, representou

"Beggining to End" nos Estados Unidos da América, por toda a Europa e até em Dublin. Beckett começava a ser

mais do que um autor de culto para alguns iniciados e este acto de amizade do actor ao seu dramaturgo terá

contribuído em larga medida para isso.

A história desse monólogo também é a história da evolução da ideia beckettiana de actor. Nas primeiras versões,

MacGowran ficava estático, sorria apenas uma vez (ao que parece com efeitos devastadores) e mantinha-se

naquela posição neutra de transmissor dos ritmos das frases que se atribui muitas vezes ao actor "beckettiano".

Progressivamente ele, e Beckett, foram mudando. Não sei muito bem onde chegaram, parece que os mendigos de

Dublin estavam presentes em palco, sem limites de exuberância. MacGowran fazia questão de dizer todas as

palavras que lá estavam e Beckett, que não encenou o espectáculo mas acompanhou os ensaios, às vezes ficava

em silêncio durante bastante tempo e depois dizia duas ou três frases fundamentais.

Nunca vi o monólogo, nem feito por MacGowran nem por ninguém (aliás, não tenho conhecimento de ele ter

voltado a ser feito) mas conheço o texto final e os vários fragmentos de que Beckett partiu para o construir, o que

me permitiu assistir ao minucioso trabalho dramatúrgico que Beckett fez sobre os seus próprios textos. São

partituras e quando assistimos ao autor a recortá-las, ou a traduzi-las, mais entendemos que o são.

Quanto aos sem abrigo de Dublin também nunca conheci nenhum. Mas sempre me pareceu que os mendigos de

Beckett não são mendigos sociais, são mendigos da alma - homens diante do mistério da morte, ou melhor do fim.

Uma vez, Jack MacGowran perguntou a Beckett se ele queria que o público se risse em "Beggining to End", ao que

Beckett terá respondido "o máximo de gargalhadas que tu consigas".

João Lagarto

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Como é que descobriu este texto e em que condições decidiu levá-lo à cena?

Descobri o texto quando estava a ler uma biografia do Beckett, há uns anos, e a certa altura falava-se deste

monólogo, estreado em 1970. Comecei à procura da peça mas não foi fácil… A única edição do texto é antiga e

está esgotadíssima, porque foram feitos apenas 300 exemplares. Acabei por encontrá-la em Nova Iorque. Traduzi o

texto, arranjei maneira de o produzir e chegamos agora ao fim desse longo processo. Uma montagem que tem

três anos de preparação.

Sempre a pensar no centenário de Beckett, que se comemora este ano?

Não. Na altura nem me ocorreu que se celebrava a data. Em 2005 já tinha feito "Endgame", com o Teatro Meridional,

e em Abril de 2006 fiz as "Peças Radiofónicas", na cerimónia de reabertura do Teatro Maria Matos, com transmissão

em directo para a Antena 2. É um projecto que vamos manter em repertório.

Refere-se a que estrutura de produção?

A companhia Crónicos, que fundei com o Gonçalo Waddington, a Carla Maciel, o meu filho Afonso, a Valerie

Braddell e o Fernando Mota, da música. Temos muitos projectos alinhavados, mas um deles é sem dúvida retomar

as "Peças Radiofónicas".

A sua relação com Beckett vem de longa data?

Não. É recente. Conheci a obra de Beckett há relativamente pouco tempo e fiquei fascinado. Sobretudo ao ler os

romances da trilogia - "Malone Está a Morrer", "Molloy" e "O Inominável" -, de onde ele retirou o material para este

monólogo. Só posso dizer que nunca tinha lido nada assim. Beckett consegue aliar uma forma moderna, que

rompe com as estruturas narrativas tradicionais, e um conteúdo humanamente significativo e totalmente

universal.

Beckett fala da morte, da decadência física, da perda de capacidades intelectuais… Beckett é deprimente.

Sim, claro. Beckett é deprimente. Deprimentíssimo. Mas também diz que a coisa mais divertida é o sofrimento.

O facto de ser deprimente não o dissuadiu de fazer este espectáculo…

O monólogo "Começar a Acabar" foi estreado em 1970. Beckett tinha ganho o Nobel em 1969 e até então tinha

sido um autor de culto só para iniciados. Não tinha a dimensão que depois ganhou… Quando as pessoas o

descobriram, passaram a associá-lo a uma grande aridez, a um elevado grau de abstracção, uma grande secura…

Um autor triste, lúcido. Claro que Beckett é isso. Mas também é - e isso vê-se claramente neste monólogo - um tipo

com um humor extraordinário. "Começar a Acabar" revela esse seu lado irlandês, alcoólico, gozão e iconoclasta que

ele soube manter.

Acha que é por causa do humor que a obra de Beckett é tão frequentemente levada à cena?

Beckett foi a última pessoa a trazer alguma coisa de novo para o teatro. Desde Beckett não aconteceu mais nada

de extraordinário no teatro. Há acontecimentos… Levá-lo à cena é imprescindível.

"Quando faço Beckett sinto-me um intérprete musical"João Lagarto fala sobre Samuel Beckett e sobre a peça "Começar a Acabar"Entrevista conduzida por A. Ribeiro dos Santos

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É comum dizer-se que Beckett desconfiava dos actores e dos encenadores, que temia aquilo que

pudessem fazer aos seus textos. Daí a sua obsessão com as didascálias. Como actor, sente-se limita-

do pelas indicações cénicas do dramaturgo?

Acho que Beckett não fez as didascálias para se assegurar de que os actores não saíam dos seus propósitos, mas

sim porque elas fazem parte integrante de uma orquestração. Os textos do Beckett são partituras musicais e ele é

um grande orquestrador. Não esqueçamos que era um melómano, um pianista amador, um homem que conhecia

profundamente o universo musical. Se virmos, por exemplo, como traduziu as suas obras do inglês para o francês

percebemos que lhe interessou acima de tudo manter o ritmo dos textos, a sua musicalidade. As didascálias têm

a mesma função: contribuir para a marcação de determinado ritmo.

Nunca se sentiu, portanto, condicionado pelos textos?

Este monólogo tem duas didascálias e há uma que não cumpro. Nem percebo o que é que está lá a fazer. Outra

cumpro, e percebo. Percebo até bem demais. Mas o 'Endgame' está cheio de didascálias, as "Peças Radiofónicas"

também e nunca senti isso como uma agressão. Pelo contrário. Fazer Beckett, do ponto de vista da interpretação,

é uma experiência 'sui generis'. Dá ao actor a sensação de que, em última análise, o que está a fazer em palco é a

dizer palavras. E não a criar arquitecturas narrativas complicadas, com personagens, situações…. Não. São palavras.

E essa é uma das chaves para entrar em Beckett: dizer as palavras, mesmo quando não se sabe exactamente o que

se está a dizer. Quando faço Beckett sinto-me um intérprete musical. É um pouco estranho.

Mas é um processo prazenteiro ou incómodo?

As duas coisas à vez. Quando corre bem, quando sinto prazer, isso normalmente quer dizer que no dia seguinte vai

ser horrível. Beckett dá-nos a experiência do falhanço. Ele próprio, a certa altura da vida, teve êxito. Um êxito

enorme. Mas durante muitos anos conviveu com o insucesso. E mesmo depois do 'boom' Beckett, continua a haver

gente que o acha intragável. Ele diz: "Alguma vez falhaste? / Alguma vez tentaste? / Tenta outra vez. / Falha outra

vez. / Falha melhor."

Tem mais projectos em carteira para fazer Beckett?

Tenho. Vou retomar as "Peças Radiofónicas". Mas gostaria, posteriormente, de pegar no romance "Watt" e de o levar

à cena. Já tenho algumas ideias sobre esse processo, mas ainda não sei muito bem como concretizá-las.

* Entrevista realizada em Setembro de 2006, por ocasião da estreia de "Começar a Acabar", no TNDM II

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Samuel Barclay Beckett nasceu a 13 de Abril de 1906, numa sexta-feira 13, perto da cidade de Dublin. Teve uma

infância feliz, mas era, nas suas próprias palavras, "pouco dotado para a felicidade". Aos 17 anos, entrou na

Universidade de Trinity, onde se destacou como desportista e se interessou por línguas estrangeiras e literatura,

envolvendo-se no meio artístico irlandês. Terminados os estudos superiores, foi professor de línguas durante anos

mas, depois de conhecer James Joyce e de se tornar seu secretário, começou a escrever, a instâncias do mestre. Fez

crítica literária, publicou ensaios, poesia, romances. Chegou a escrever uma carta a Eisenstein, propondo-se ir para

Moscovo estudar cinema, mas ficou sem resposta. Ainda assim, deixou para a História uma aventura na sétima arte

chamada, simplesmente, "Film": uma produção muda interpretada por Buster Keaton (Charlie Chaplin tinha

recusado o papel). Aos 31 anos, em Paris, na sequência de uma briga que não provocou, Beckett foi esfaqueado

junto ao coração e socorrido por Suzanne Deschevaux-Dumesnil, seis anos mais velha do que ele e, a partir de

então, sua companheira para o resto da vida. Em 1940, integrou a Resistência Francesa a pedido de Jeannine

Picabia (filha do pintor Francis Picabia), adoptando o nome de código "Sam" ou "O Irlandês".

Com mais de 40 anos, começou finalmente a escrever teatro, arte que lhe daria notoriedade. Fê-lo, como ele

próprio confessou, para sair da depressão em que se encontrava. "Pensei que o teatro seria uma distracção", diria

mais tarde. "À Espera de Godot", "Endgame" ou "Os Dias Felizes" transformaram o teatro ocidental e mudaram a vida

de Beckett que, a partir dos 47 anos, veria o mundo render-se finalmente ao seu talento. O Nobel chegou em 1969,

mas Beckett, que estava na Tunísia por razões de saúde, não o foi receber pessoalmente. Entregou parte do

dinheiro (73 mil dólares) para financiar a actividade de jovens artistas: pintores, escritores, eruditos, e para pagar

espectáculos de teatro experimental. Hospitalizado no início do mês de Dezembro de 1989, Samuel Beckett

morreu no dia 22 do mesmo mês, à uma da tarde. Seis meses depois de Suzanne.

Samuel BeckettNota Biográfica

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1906

Nasce Samuel Beckett em Foxrock, nos arredores de Dublin.

1920

Aluno na Portora Royal School, no Norte da Irlanda. Educação severa, estudos brilhantes dominados pelo gosto

pelo francês e pela prática do desporto, onde Beckett se destaca (cricket e rugby).

1923

Aluno do Trinity College. Estuda inglês e italiano. O professor Rudmose-Brown fá-lo descobrir o mundo da literatu-

ra francesa. Lê Dante e frequenta o Abbey Theatre depois da guerra civil.

1926

Férias em França: Beckett visita os castelos do Loire de bicicleta.

1927

Férias em Itália (Florença). Completa o bacharelato de Artes. Obtém as melhores notas nos exames de fim de curso.

1928

É professor durante dois trimestres no Campbell College, em Belfast. Parte para Paris onde, durante dois anos é pro-

fessor de inglês na Ecole Normale Superieure.

Torna-se amigo de Alfred Péron. Conhece Joyce, de quem se torna amigo íntimo.

Estuda Descartes.

1929

Compõe "Dante... Bruno, Vico... Joyce", para o livro de Joyce "Our Examination Round his Factification for

Incamination of Work in Progress". "Assumptio", um conto de 1500 palavras aparece na revista "Transition". Encontra

Ezra Pound.

1930

Publica o poema "For Future Reference", na "Transition". Traduz com Alfred Péron "Anna Livia Plurabelle", a secção

mais conhecida do Work in Progress do Joyce. Joyce reformulará todo o seu trabalho. Escreve o poema

"Whoroscope". Em Setembro regressa a Dublin e torna-se Professor Assistente de Francês no Trinity College. Lê

Schopenhauer e Kant. Compõe um ensaio sobre Proust.

1931

Escreve, em colaboração com um amigo, e interpreta a peça "Kid", paródia a partir do "Cid" de Corneille que se apre-

senta no Peacock Theatre, em Dublin.

Cronologia

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1932

Beckett pede a demissão do seu cargo de professor. Viaja para Inglaterra, Alemanha, Itália, e, finalmente, Paris.

Traduz "Le Bateau Ivre" de Rimbaud. Depois do assassinato de Paul Doumer tem de sair de França, e volta à Irlanda.

Começa a escrever "Dream of Fair to Middling Women", romance que nunca acabará e de onde sairão os contos

"More Pricks than Kicks" e alguns poemas de "Echo's Bones".

Traduz vários poetas franceses para a revista "The Quarter".

1933

Compõe os contos para "More Pricks than Kicks". Morre o seu pai. Instala-se em Londres com o pouco dinheiro da

herança paterna.

1934

Publica "More Pricks than Kicks", que não obtém qualquer sucesso. Uma visita a um hospital psiquiátrico dá-lhe a

ideia para "Murphy", o seu primeiro romance. Publica a novela "A Case in a Thousand" na revista Bookman, assim

como ensaios sobre Pound, Dante e O'Casey.

1935

Publicação em Paris de "Echo's Bones". Escreve "Murphy".

1936

Parte para a Alemanha. Recenção ao romance de Jack Yeats no "Dublin Magazine".

Publica na mesma revista o poema "Cascando".

1937

Instala-se definitivamente em Paris. Conhece os irmãos Van Velde. Sobrevive à custa de traduções. Volta a frequen-

tar a casa de James Joyce. Conhece Giacometti e Duchamp. Escreve os primeiros textos em francês, poemas que

serão publicados depois da guerra.

1938

É apunhalado nas ruas de Paris por um desconhecido. Conhece a pianista Suzanne Dumesnil, com quem casará

mais tarde. Publica "Murphy" em Londres, que agrada a Joyce e do qual Dylan Thomas fará uma recenção elogiosa

na "New English Weekly". Traduz "Murphy" para francês, com a ajuda de Alfred Péron. Publica o poema "Ooftish" na

"Transition".

1939

Está em Dublin a visitar a mãe quando deflagra a Segunda Guerra Mundial.

1940

Beckett junta-se a um grupo da Resistência Francesa que fornece informações aos Aliados sobre os movimentos

das tropas nazis.

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1941

Morre James Joyce, a 13 de Janeiro.

1942

Beckett e Suzanne escapam por minutos à visita da Gestapo e têm de refugiar-se no campo. Partem para

Roussillon, onde Beckett vai escrever "Watt", o seu último romance em inglês.

1945

Regresso a Paris. Vai a Dublin ver a mãe e para voltar mais facilmente a França engaja-se como intérprete num

hospital da Cruz Vermelha irlandesa instalado em Saint-Lô, na Mancha. Ficará aí até 1946. Escreve o poema "Saint-

Lô".

1946

"Saint-Lô" é publicado no Irish Times. Escreve "Mercier et Camier" e "Premier Amour", só publicados em 1970.

Escreve as novelas "L'Expulsé" (publicada na revista "Fontaine"), e "Suite" (ou "La Fin") que aparecerá em "Temps

Modernes", de Jean-Paul Sartre.

Publicação dos poemas dos anos 37-39 na "Temps Modernes".

1947

Escreve "Eleutheria", peça em três actos, em francês. Termina as novelas "L'Expulsé", "Le Calmant" e "La Fin", que só

serão publicadas em 1955. A tradução francesa de "Murphy" é publicada em Paris. Começa a escrever "Molloy".

1948

Termina "Molloy". Escreve "Malone Meurt". Escreve "En Attendant Godot". Os "Trois Poèmes" são publicados na

"Transition".

1949

Faz alterações em "En Attendant Godot", que termina em Janeiro. Escreve "L'Innommable". Dá entrevistas a Georges

Duthuit - "Three Dialogues with Georges Duthuit", publicadas na "Transition".

1950

Escreve os "13 Textes pour Rien". Tristan Tzara e Roger Blin lêem "En Attendant Godot" e entusiasmam-se.

Morre May, mãe de Beckett. Aceita uma comissão da UNESCO para traduzir poesia mexicana escolhida por Octavio

Paz. O volume será publicado em 58.

1951

Publicação de "Molloy", pelas Editions de Minuit, sob a direcção de Jerôme Lindon. Georges Bataille escreve sobre

"O Silêncio de Molloy". Publicação de "Malone Meurt".

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1952

Publicação de "En Attendant Godot".

1953

Estreia "En Attendant Godot" no Teatro Babylone, de J.-M. Serreau. Espectáculo encenado por Roger Blin.

Publicação de "L'Innommable". "Watt" é publicado em inglês, em Paris.

1954

A peça "Waiting for Godot", tradução de Beckett, é publicada em Nova Iorque pela Grove Press. Começa a

escrever o que será "Fin de Partie".

1955

"Molloy" é publicado em inglês mas é interdito na Irlanda. "Waiting for Godot" é representado em Londres no Arts

Theatre Club. "Waiting for Godot" é representado em Dublin. Publicação de "Nouvelles" e "Textes pour Rien".

1956

"Malone Dies" é publicado em Nova Iorque. "Godot" é representado na América, primeiro em Miami e depois em

Nova Iorque. Escreve em inglês "All That Fall", peça radiofónica escrita a pedido da BBC. Termina "Fin de Partie" e

escreve "Acte sans Paroles". Começa a escrever em inglês aquilo que será "From an Abandoned Work", que nunca

terminará.

1957

Publicação de "Fin de Partie". Estreia de "Fin de Partie" em Londres, em francês, numa encenação de Roger Blin.

Estreia "Fin de Partie" em Paris, no Studio. Tradução e publicação de "Tous Ceux qui Tombent", tradução de Robert

Pinget e Samuel Beckett.

1958

Publicação de "Anthology of Mexican Poetry". Publicação de "The Unnamable". "Endgame", traduzida por Beckett, é

representada pela primeira vez no Cherry Lane de Nova Iorque. Encenação de Alan Schneider. Beckett escreveu a

Schneider 14 cartas sobre a dificuldade de encenar esta peça, que são publicadas na revista "Village Voice". Escreve

e publica em inglês "Krapp's Last Tape", que estreará em Londres no Royal Court Theatre.

1959

Compõe a peça radiofónica "Embers" ("Cendres"). Recebe o título honoris causa do Trinity College. Escreve "Acte

sans Paroles II". Tradução francesa e publicação de "La Dernière Bande" e de "Cendres". Publicação da trilogia

"Molloy", "Malone Meurt" e "L'Innommable" em Paris e Nova Iorque. "Krapp's Last Tape" e "Embers" publicadas em

Londres. Começa a escrever "Comment C'est".

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1960

Estreia "La Dernière Bande" no Théâtre Récamier. Estreia na América de "Krapp's Last Tape" em Nova Iorque. "Act

Without Words" é representado em Londres, e em Londres também é publicada a trilogia "Molloy", "Malone Meurt"

e "L'Innommable". "Krapp's Last Tape" é publicada em Nova Iorque. Termina "Comment C'est" e começa "Happy

Days".

1961

Publicação de "Comment C'est". Estreia na Alemanha de "Krapp ou la Dernière Bande", ópera de Marcel Mihalovici.

Termina "Happy Days", que é publicado em Nova Iorque. Partilha com Jorge Luis Borges o Prémio Internacional dos

Editores.

Estreia "Happy Days", no Cherry Lane de Nova Iorque.

1962

Tradução de "Happy Days - Oh Les Beaux Jours". Escreve "Words and Music", peça radiofónica, com música original

do seu sobrinho John Beckett e que é publicada na "Evergreen Review" de Nova Iorque. Traduz "Comment C'est"

para inglês.

1963

Escreve "Cascando", peça radiofónica, com música de Marcel Mihalovici. Tradução inglesa aparece na "Evergreen

Review". Publicação de "Oh Les Beaux Jours" em Paris. Escreve "Play" ("Comédie"), que estreia na Alemanha em Ulm.

Trabalha no argumento de "Film".

1964

Publicação de "Play", que estreia no Cherry Lane, Nova Iorque. "Play" é representado em Inglaterra no National

Theatre. Publicação de "The Way It Is", tradução de Beckett para "Comment C'est". Beckett termina o argumento de

"Film", e vai para Nova Iorque onde Alan Schneider o realiza, com Buster Keaton no papel principal. Estreia de

"Comédie" em Paris. "Godot" volta ao Royal Court Theatre, encenação de Anthony Page com Beckett como

assistente.

1965

"Film" é apresentado em Veneza, onde obtém o Prémio da Jovem Crítica. Escreve e publica "Imagination Morte

Imaginez". Tradução publicada em Londres - "Imagination Dead Imagine". "Molloy" é adaptado ao teatro e estreia

em Geneva.

Escreve "Dis Joe", peça para televisão.

1966

Publicação da "Comédie et Actes Divers". Tradução e representação de "Dis Joe - Eh Joe" - pela BBC. Publicação de

"Assez" e de "Bing". "Va-et-Vient" é representado em Paris.

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1967

Publicação de "Cascando and Other Short Dramatic Pieces", de "Come and Go" e de "Stories and Texts for Nothing".

O argumento de "Film" é publicado em Inglaterra e depois em Nova Iorque. "Eh Joe and Other Writings" é publica-

do em Londres.

Beckett dirige o seu primeiro espectáculo - "Fin de Partie", em Berlim, no Schiller Theatre, fim de 67 e princípio de 68.

1968

Estreia de "Dis Joe". "Come and Go" é representado pela primeira vez em Dublin. "L'Issue", fragmento em prosa, é

publicado pelas Edições Georges Visat. Publicação da tradução de Agnès e Ludovic Janvier (com a colaboração de

Beckett) de "Watt" para francês.

1969

"Sans", texto em prosa, é publicado em Paris. Beckett recebe o Prémio Nobel da Literatura. Jérôme Lindon vai a

Estocolmo receber o prémio, enquanto Beckett está de férias na Tunísia.

1970

Escreve "Breath", que estreia em Oxford. "Lessness", tradução de Beckett para "Sans", será publicada em Londres.

Beckett autoriza a publicação de "Mercier et Camier" e "Premier Amour".

1971

A tradução francesa de "Breath - Souffle" é publicada. "Le Dépeupleur", começado em 67 e terminado em 70, é

publicado em Paris. Beckett dirige "Oh Les Beaux Jours" no teatro Schiller, em Berlim. "Breath and Other Stories" é

publicado em Londres.

1972

"The Lost Ones", tradução de "Le Dépeupleur", é publicado em Londres e Nova Iorque. Estreia mundial de "Not I",

em Nova Iorque, encenação de Alan Schneider.

1973

"Not I" é representado em Londres, Beckett participa na montagem da peça juntamente com Anthony Page. "Not

I" é publicado em Londres. "First Love", tradução de "Premier Amour", é publicado em Londres.

1974

"First Love and Other Stories" é publicado em Nova Iorque. "Mercier and Camier", tradução de Beckett, é publicado

em Londres e Nova Iorque.

1975

Beckett encena "En Attendant Godot" em Berlim. Pouco depois encena "Pas Moi" e "La Dernière Bande" em Paris.

Termina "That Time", iniciado em 74. Escreve "Footfalls" e a peça para televisão "Ghost Trio".

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1976

Estreia de "That Time" e de "Footfalls" no Royal Court Theatre de Londres. Publicação de "All Strange Ways". Escreve

a peça para televisão "But the Clouds". Publicação de "Ghost Trio" em Nova Iorque e de "Radio I", em inglês.

1977

Beckett encena "Krapp's Last Tape" em Berlim. Publicação de "But the Clouds" em Londres. Realização em televisão

de "But the Clouds".

1978

Publicação de "Pas" suivi de "Quatre Esquisses", em Paris. Estreia de "Pas", encenação de Beckett e retoma do

espectáculo "Pas Moi" no Théâtre d'Orsay. Beckett encena "Comédie" no Schiller Werkstatt, em Berlim.

1979

Publicação de "Company", em Londres. Beckett encena "Happy Days" em Londres, no Royal Court Theatre.

1980

Escreve "A Piece of Monologue" ("Solo"), peça que será encenada por David Warrilow em Nova Iorque e que depois

irá em tourné pelos Estados Unidos.

Publicação em francês de "Compagnie".

1981

Publicação de "Mal vu Mal dit", em Paris. Festival Samuel Beckett, em Paris, organizado por Tom Bishop. Beckett

escreve "Rockaby" ("Berceuse") para a actriz Billie Whitelaw. Encenação de Alan Schneider. Escreve "Quad", peça

para televisão.

1982

Publicação de "A Piece of Monologue" e de "Rockaby" em Londres. Beckett escreve "Catastrophe", dedicando-o a

Vaclav Havel. A peça é montada em Avignon aquando da Noite Vaclav Havel. Escreve e realiza "Nacht und Traume".

1983

Difusão na televisão alemã de "Nacht und Traume". Publicação de "Wordsward Ho", em Londres. Criação em francês

de "Solo" e "Cette Fois", no Teatro Gérard Philipe.

Criação em francês de "Berceuse" e "Impromptu d'Ohio". Retoma de "Catastrophe", encenação de Pierre Chabert.

Publicação de "Disjecta", "Miscellaneous Writings and a Dramatic Fragment", sob a direcção de Ruby Cohn, em

Londres. Estreia de "What There" e "Catastrophe", retoma de "Ohio Impromptu" no Teatro Harold Clurman.

Encenação de Alan Schneider.

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 16

1984

Publicação de "Quad" e "Catastrophe" em Londres. Beckett supervisiona a encenação de "Waiting for Godot",

"Endgame" e "Krapp's Last Tape" em Londres.

Objectivo: uma tourné pela Australia denoninada “Beckett directs Beckett”.

Publicação em francês de "Quoi où". Beckett participa na adaptação à cena de "Compagnie", com Pierre Dux.

Festival Samuel Beckett em Edimburgo.

1985

Festival Samuel Beckett em Madrid. Criação em espanhol de "Nana" ("Berceuse"), "Impromptu del Ohio" e

"Catastrofe". Festival Samuel Beckett em Jerusalém. Beckett adapta para televisão "Quoi où".

1986

Multiplicam-se as manifestações em França e no resto do mundo para celebrar o 80º aniversário de Beckett: festi-

vais, representações, conferências, publicações diversas, exposições, difusões radiofónicas e televisivas. Beckett

escreve, em inglês, o texto curto "Fragment".

1987

Publicação de "As the Story Was Told", escrito em 73. Escreve a continuação de "Fragment" e o todo intitular-se-á

"Stirrings Still".

1988

Publicação de "L'Image", escrito em 59. Depois de uma hospitalização de um mês e meio, Beckett vai para uma casa

de repouso em Paris. Escreve o poema "Comment Dire". Publicação de "Le Monde et Le Pantalon" (de 46) e de

"Stirrings Still".

1989

Publicação do poema "Comment Dire". Beckett começa a traduzir "Stirrings Still" ("Soubressauts"). A 17 de Julho

Suzanne Beckett morre. Publicação de "Soubressauts". Beckett traduz para inglês "Comment Dire - What is the

Word".

Hospitalizado no início do mês de Dezembro, Samuel Beckett morre dia 22 do mesmo mês, à uma da tarde.

Fonte: Deirdre Bair, “Samuel Beckett: A Biography”, New York: Harcourt Brace, 1978.

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 17

1959

"À Espera de Godot", trad. António Nogueira Santos, Enc. Francisco Ribeiro, Teatro Nacional Popular.

1961

"Acto sem Palavras II" e "A Última Gravação", trad. Luís de Lima, Enc. Luís de Lima, 3º Ciclo de Teatro do Círculo de

Iniciação Teatral da Academia de Coimbra.

1962

"A Espera de Godot", trad. António Nogueira Santos, Enc. Rui Lebre, Círculo Experimental de Teatro de Aveiro.

1967

"À Espera de Godot", Jacinto Ramos, Grupo de Teatro do Banco de Angola.

1968

"Dias Felizes", trad. Jaime Salazar Sampaio, enc. Artur Ramos, Casa da Comédia.

1969

"À Espera de Godot", trad. António Nogueira Santos, Enc. Francisco Ribeiro, Teatro Nacional Popular.

1970

"Fim de Festa", trad. Curado Ribeiro, Enc. Júlio Castronuovo, Teatro Experimental do Porto.

1971

"Acto sem Palavras", Enc. Águeda Sena, Teatro Experimental de Cascais.

"Teatro sem Palavras", trad. Luiz Francisco Rebello, Enc. Inês Palma, Grupo Cénico do Gripo Cultural e Desportivo da

Companhia Nacional de Navegação.

1973

"Pantominas em Preto e Branco", Enc. Júlio Castronuovo, Teatro Experimental do Porto.

1980

"Beckett" (a partir de vários textos do autor), Enc. Marck Pys e Piotr Szcerski, Teatr-38 (Polónia), 2ª Semana

Internacional de Teatro Universitário de Coimbra.

"O Expulso", trad. Liberto Cruz, Enc. Diogo Dória, Teatro da Cantina Velha.

1982

"Fim de Festa", B.M.E. Pantomin M.T. (Hungria), 3ª Semana Internacional de Teatro Universitário de Coimbra.

"Dias Felizes", trad. Jaime Salazar Sampaio, Enc. Artur Ramos, Casa da Comédia / Centro Bernardo Santareno.

Beckett no Teatro Português

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 18

"Irivir", trad. e enc. Osório Mateus, Produções Teatrais.

1983

"Samuel Beckett [Eu não + Play]", trad. Miguel Esteves Cardoso, Enc. Carlos Quevedo, Companhia de Teatro de

Lisboa.

"A Última Gravação", Enc. Queiroga Santos, Teatro D'Água Acesa.

"À Espera de Godot", Sociedade Filarmónica União Seixalense.

1984

"Acto sem palavras I e II e Vai e Vem", No Pote das Ginjas.

"Confissões numa Esplanada de Verão", trad. Luiz Francisco Rebello, Enc. Mário Viegas, Novo Grupo / Teatro Aberto.

1985

"À Espera de Godoy", trad. Isabel Alves, Enc. Jorge Castro Guedes, Teatro Estúdio de Arte Realista.

"Ofício Número Barra Oitenta e Cinco", Enc. Antonino Solmer, ContraRegra.

1986

"Catástrofe ou O Mundo de Samuel Beckett", trad. Luiz Francisco Rebello, Enc. Mário Viegas, Teatro Experimental do

Porto.

1987

"A Última Gravação de Krapp", Grupo Cultural Origem.

"A Última Gravação", Enc. Edgar Valdês, Teatro da Rainha.

"Improviso de Ohio", trad. e enc. Isabel Alves.

1988

"Final", trad. Manuela de Freitas e Mário Viegas, Enc. Mário Viegas, Companhia Teatral do Chiado.

"Fragmentos de Teatro", trad. Miguel Esteves Cardoso, Enc. Carlos Quevedo, Companhia de Teatro de Lisboa.

1989

"Céu de Papel" (textos vários; texto de Samuel Beckett - "Catástrofe"), trad. Luiz Francisco Rebello, Enc. Luís Miguel

Cintra, Teatro da Cornucópia.

"Monte" (textos vários; texto de Samuel Beckett - "Dias Felizes"), Enc. Mário Penim, Escola Secundária dos Olivais II.

1991

"Três Actos de Beckett" ("A Última Bobina", "Balanceada", "Fôlego"), trad. Luiz Francisco Rebello, Enc. Mário Viegas,

Companhia Teatral do Chiado.

"Silêncio, depois", Enc. Constança Capdeville e Manuel Cintra, Festival Internacional de Teatro.

"Até que como o quê quase" ("Aquela Vez", "Fragmentos para Teatro I e II", "Solo" e "O quê onde"), trad. e enc. Luís

Miguel Cintra, Teatro da Cornucópia.

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1992

"Dias Felizes", trad. Jaime Salazar Sampaio, Enc. Nuno Pino Custódio, Teatro Experimental A Barca.

"Dias Felizes", trad. Regina Guimarães, Enc. Saguenail.

"Beckett" (textos vários), Enc. Paulo Castro, Instituto Francês do Porto.

1993

"A Última Bandana de Krapp", trad. e enc. Mário Viegas, Companhia Teatral do Chiado.

"Os Dias Felizes", trad. José Vieira de Lima, Enc. Júlio Castronuovo, Companhia de Teatro de Almada.

"Desastres" (textos vários; texto de Samuel Beckett - "Vaivém"), trad. Maria Wallenstein, Enc. Miguel Guilherme.

"Enquanto se está à espera de Godot", trad. e enc. Mário Viegas, Companhia Teatral do Chiado.

1994

"Mulher Sentada com Sombrero Azul" (a partir de "Os Dias Felizes"), dir. Filipa Francisco, A Torneira.

"Absurdos…?" (textos vários), Escola de Formação Teatral da Seiva Trupe.

"Corações de Papel Pardo" ("Acto sem Palavras I"), Enc. José António Pires, Ópera Segundo São Mateus.

"Resíduos" ("O Expulso e De Uma Obra Abandonada), Enc. José Meireles, Teatro do Século.

1995

"Duas Comédias sem Palavras" ("Acto sem Palavras I" e "Vai e Vem"), Enc. Sandra Faleiro e Carlos Pisco, Companhia

Teatral do Chiado.

"Dias Felizes", trad. Bárbara Heliodora, Enc. Jacqueline Laurence.

1996

"Última Jogada", trad. e enc. Ana Tamen, ACARTE / Fundação Calouste Gulbenkian.

"Beckett - Primeira Jornada" ("Fôlego", "Não Eu", "O Improviso de Ohio" e "Fragmentos de Teatro I"), trad. José Vaz

Simão e Alberto Nunes Sampaio, Enc. António Augusto Barros, A Escola da Noite.

"Vai e Vem" (a partir de "À Espera de Godot", "O quê onde", "Catástrofe", "Acto sem Palavras I e II", "Vai e Vem" e "Dias

Felizes"), Enc. José Wallenstein, Ballet Teatro Escola Profissional.

1997

"Evocações… e não só", trad. Armando Caldas e Fernando Tavares Marques, Enc. Armando Caldas, Intervalo Grupo

de Teatro.

"Samuel Beckett: Four Short Plays", Enc. Jonathan Weightman, George Ritchie e Robert Taylor, Lisbon Players.

1998

"Esperando Deus" (a partir de "À Espera de Godot"), Enc. Edward Fão, Associação Cultural Só Nós Três?!!!

"Vozes na Lama" (a partir de "Aquela Vez", "Fragmento para Teatro I", "Passos" e "Cadeira de Baloiço"), Enc. Diogo

Dória, Visões Úteis.

"Oh les Beaux Jours", Enc. Peter Brook, Théâtre des Bouffes du Nord, Expo'98 / CCB.

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"À espera de Godot", trad. Isabel Alves, Enc. Júlio Castronuovo, Seiva Trupe.

1999

"Zapatistas AM/PM" (a partir de "À Espera de Godot"), Enc. Colectiva, Suburbe.

"Nada ou O Silêncio de Beckett", Enc. João Paulo Seara Cardoso, Teatro de Marionetas do Porto.

"Tot Esperant Godot!", trad. Joan Oliver, Enc. Lluis Pasqual, Companya Teatre Lliuew, Festival Internacional de Teatro

de Almada.

"Fim de Partida", Enc. Rui Mário, Teatro Tapa Furos.

2000

"Fim de Partida", Enc. Paulo Castro.

"Pedras Falhadas / Voar", trad. Miguel Esteves Cardoso, Dir. Conceição Nunes, Companhia Lusófona de Dança e

Teatro - A Cria.

"Oh Que Dias tão Felizes!", trad. Jaime Salazar Sampaio, Enc. Francisco Brás, CRINABEL.

"À Espera de Godot", trad. José Maria Vieira Mendes, Enc. João Fiadeiro, Artistas Unidos.

"En Attendant Godot", Enc. Luc Bondy, Odéon - Théâtre de l'Europe, Teatro Nacional de S. João / Festival

Internacional de Teatro de Almada.

"Godot ou o Sonho", Enc. Pedro Estorninho, Teatro em Branco.

"Godot ou o Sonho", Enc. Pedro Estorninho, Teatro em Branco.

"À Espera de Godot", trad. Inês Lage, Enc. Miguel Guilherme, David & Golias.

2001

"Catástrofe", Enc. Anabela Garcia, Varazim Teatro.

"Primeiro Amor", trad. Francisco Frazão, Enc. Miguel Borges, Artistas Unidos.

"Fim de Partida", adap. e Enc. Edward Fão, Associação Cultural Só Nós Três?!!!

"Dias Felizes", trad. Jaime Salazar Sampaio, Enc. Madalena Victorino, Artistas Unidos.

"5!" (a partir de textos de vários autores), Enc. Amadeu Neves, Teatro das Ciências - Grupo da Associação de

Estudantes da F.C. U.L.

2002

"A Última Bobina", trad. Isabel Lopes, Enc. Fernando Mora Ramos, Teatro da Rainha.

"A Última Gravação de Krapp", trad. Francisco Luís Parreira e Paulo Campos dos Reis, Enc. Paulo Campos dos Reis,

Teatromosca.

"Três Peças de Samuel Beckett" ("Balanço", "Acto sem Palavras I e II", "Não Eu"), trad. Paula Seixas, Enc. Júlio

Castronuovo, Centro Dramático de Évora.

"Auto da Revisitação" (alusões a "À Espera de Godot"), de Pedro Eiras e Jorge Louraço, Enc. António Fonseca, TNSJ.

"À Espera de Godot", Enc. Pedro Wilson, A Gaveta - Associação Teatral e Pesquisa Teatral.

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2003

"Esperando Deus", Enc. Edward Fão, Teatro Kaos.

"Fim de Partida", Enc. Edward Fão, Teatro Kaos.

"Oh, que Ricos Dias!", trad. Gustavo Rubim, Enc. Juvenal Garcês, Companhia Teatral do Chiado.

"Os Dias Felizes", trad. José Vieira de Lima, Enc. Joaquim Benite, Companhia de Teatro de Almada.

"Quatro em Beckett" (a partir de "Não Eu", "Comédia" e "Vai e Vem"), Enc. Álvaro Correia, Escola Superior de Música

e Artes do Espectáculo.

"Beckett Festival", Enc. Darren Scully e Stephen Jürgens, St. Jullian's Theatre Ensemble. Get Real - Project.

"Endgame", trad. Francisco Luís Parreira, Enc. Bruno Bravo, Teatro Meridional / Primeiros Sintomas.

"Pioravante Marche", trad. Miguel Esteves Cardoso, Enc. Joana Providência, Academia Contemporânea do

Espectáculo / Teatro do Bolhão / TNSJ.

2004

"Esquina de uma Rua! (a partir de textos vários), Enc. Mónica Calle, Casa Conveniente.

"Neither" (ópera), Enc. David de Almeida, Teatro Nacional de S. Carlos.

"Ser e não Ser", Enc. e dramaturgia Maria do Céu Guerra, A Barraca.

"À Espera de Godot", trad. António Nogueira Santos, Enc. Carla Chambel, Flores de Outono - Grupo Sénior de Teatro.

"Homem no Limite! (a partir de textos de vários autores), Enc. Bruno Schiappa, Teatro da Trindade - INATEL.

2005

"O Atraso de Godot", Enc. Nuno Pino Custódio, Teatro Oficina.

"Endgame Revisitado", trad. Francisco Luís Parreira, Enc. Bruno Bravo, Teatro Meridional / Primeiros Sintomas.

"Lissão" (a partir de textos de vários autores), Novo Núcleo de Teatro da Faculdade de Ciências e Tecnologia da

Universidade Nova de Lisboa.

"Vai e Vem", Teatro Passagem de Nível.

"Enquanto se Está à Espera de Godot", Enc. Miguel Sopas, Teatro Amador de Pombal.

2006

"À Manhã" (a partir de textos de vários autores), de José Luís Peixoto, Enc. Miguel Seabra e Natália Luiza, Teatro

Meridional / Teatro Municipal S. Luiz.

"Todos os que Caem", trad. Carlos Machado Acabado, Enc. João Mota, Comuna - Teatro de Pesquisa.

"A Colher de Samuel Beckett", de Gonçalo M. Tavares, Enc. João Mota, Comuna - Teatro de Pesquisa.

"Samuel Beckett - Ensaios para Rádio", trad. Luís Fonseca, Enc. Gonçalo Waddington e João Lagarto, Crónicos

Associação Cultural / Antena 2 / Teatro Maria Matos.

"A Última Gravação de Krapp", trad. Sandra Roque, Enc. Paulo Duarte e Carlos Apolo, Festival Beckett no Teatro

Académico de Gil Vicente.

"Waiting for Godot", trad. Francisco Luís Parreira, Enc. Miguel Seabra, Teatro Meridional / CCB.

"[Sobressaltos]", trad. Paulo Eduardo Carvalho, Enc. João Cardoso, ASSÉDIO.

"Play", trad. e enc. Sofia Lobo, A Escola da Noite.

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"Giorni Felici", trad. Carlo Fruttero, Enc. Giorgio Strehler, Piccolo Teatro di Milano - Teatro d'Europa, Festival

Internacional de Teatro de Almada.

"Começar a Acabar", trad. e enc. João Lagarto, Crónicos, TNDM II, ACE - Academia Contemporânea do Espectáculo

/ Teatro do Bolhão.

"Reset" (a partir de textos vários), dram. Vasco Mendonça, Enc. Caroline Petrick, Festival Temps d'Images / Culturgest

/ Muziektheater Transparant.

"Todos os que Falam", trad. Paulo Eduardo de Carvalho, Enc. Nuno Carinhas, Assédio Ensemble / TNSJ.

"Andando, Andando… na Noite", Mostra de Teatro Amador, Biblioteca Operária Oeirense.

"Fragmentos" (a partir de vários textos), Enc. Eduardo Faria, Varazim Teatro.

“68” (a partir de "Act Without Words")

2007

"A Última Gravação de Krapp", Ensemble-Sociedade de Autores.

"Esperando Godot", dir. Marcelo Lazzarato, Boa Companhia.

"Vladimir 2", dir. Conceição Nunes, Casa d'Os Dias da Água.

"Daqui em Diante", coreo. Olga Roriz, Companhia Olga Roriz.

"Eu Não", dir. Francisco Alves, trad. José Paulo Moura, Teatro Plástico.

"Variação sobre a Última Gravação de Krapp", Enc. Mónica Calle, Casa Conveniente.

2008

"Catástrofe", enc. Francisco Alves, Teatro Plástico.

Fontes: CETBase - Centro de Estudos de Teatro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa / Sinais de Cena, nº5, Lisboa, Campo das Letras,

Junho de 2006.

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Armando Nascimento Rosa

(dramaturgo, ensaísta e professor na Escola Superior de Teatro do Instituto Politécnico de Lisboa)

"MRS. ROONEY (Aflita): Cuidado com a galinha! (Guinchar de travões. Cacarejo) Oh, céus, esborrachou-a! Continue!

Continue, não páre! (O carro acelera. Pausa) Que maneira de morrer! Num momento a escavar satisfeita, em pleno

sol, debicando feliz no esterco, na estrada, permitindo-se ocasionalmente o prazer de um bom

mergulho na poeira e, no instante seguinte - zás! - eis que todos os seus tormentos chegam bruscamente ao fim.

(Pausa) Tanto esforço a pôr ovos, a chocá-los... (Pausa) Um breve cacarejo mais sonoro e em seguida - a paz! (Pausa)

De qualquer das maneiras, acabariam por cortar-lhe o pescoço."

SAMUEL BECKETT, Todos os que Caem

(trad. de Carlos Machado Acabado)

"Não pasme de que eu assim fale. Sou naturalmente poeta, porque sou a verdade falando por engano, e toda a

minha vida, afinal, é um sistema especial de moral velado em alegoria e ilustrado por símbolos. (...)

Vivemos neste mundo dos símbolos, no mesmo templo claro e obscuro - treva visível, por assim dizer; e cada

símbolo é uma verdade substituível à verdade até que o tempo e as circunstâncias restituam a verdadeira."

FERNANDO PESSOA, A Hora do Diabo

Sinais do Demiurgo CegoEm Todos os que Caem, de Samuel Beckett

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 24

A capacidade de protesto ontológico em torno da condição humana tal como ela é, através de um escárnio

implacável, que tempera a todo o tempo o pathos (sofrimento) trágico com o bathos (gozo) risível, é uma

constante que define a mundividência beckettiana, marcando especialmente a primeira fase, fundadora da sua

dramaturgia (embora tal aliança se mantenha presente na progressiva desagregação minimal das vozes teatrais,

que se abstractizam em lirismo verbal ameaçado pela afasia, nas suas micropeças posteriores, das quais Not I /Não

Eu e Rockaby/Balanço são dois exemplos significativos). É um facto que Beckett aplica o modelo tragicómico

segundo a interpretação de Schopenhauer (um dos seus filósofos electivos), no sentido em que o pessimismo do

autor alemão concebe a dupla visão que podemos reter da representação da existência individual: numa visão

diacrónica, macroscópica, ela será inexoravelmente trágica, porque desenrola um percurso ascensional e

desejante, para desaguar na aniquilação da morte; numa perspectiva sincrónica, microscópica, a vida mostra-se

cómica, preenchida com os seus equívocos, os seus pequenos nadas, as aspirações patéticas que constituem a

nossa cartesiana duplicidade, enquanto organismos vivos e entidades pensantes. O resultado é que apenas a

tragicomédia será para Schopenhauer a mimese dramática apropriada para captar a essência vivente do humano.

Beckett subscreve e torna operativa esta visão ao subintitular de tragicomédia os dois actos de À Espera de Godot

(bem como tragicómicos serão os seus personagens, de Winnie a Krapp, de Hamm a Mrs. Rooney). Aliás, esta

mistura explosiva entre austeridade metafísica e paródia burlesca será sempre causa para que a tragicomédia deste

palco singular atinja inevitavelmente as tentativas dos hermeneutas, que, como é o caso agora do autor destas

linhas, se afadigam em descortinar sentidos implícitos nos dramas de Beckett, não obstante a já lendária revelia do

autor face a tais empresas especulativas. Ainda não há muito tempo, o outrora pouco beckettiano George Steiner

(e digo isto remetendo o leitor para o primordial cepticismo manifestado por Steiner perante o teatro de Beckett,

em A Morte da Tragédia, 1961), em conferência dada em Lisboa, (Fundação Luso-Americana, Junho de 2002), jun-

tava um ingrediente de farsa prosaica aos conhecidos intentos de descodificação hierológica do nome da mais

célebre peça de Beckett. Assim, segundo nos advertia Steiner, seria conveniente atentarmos em fontes explicativas

a que os exegetas não prestam habitualmente atenção, como seja o domínio do desporto. E dava o exemplo com

o título À Espera de Godot. Enquanto os neurónios dos comentadores se consomem com a imagem de um Deus

escondido na palavra Godot (estou ironicamente a parafraseá-lo), ninguém repara num ignorado pormenor

biográfico. Beckett, dizia o ensaísta multilingue, era aficcionado de umas corridas de bicicleta a que os franceses

chamavam velodrôme. Durante seis dias e seis noites, os esforçados ciclistas pedalam sem parar num dado circuito,

fazendo apenas pequenas pausas para as necessidades fisiológicas indispensáveis. Consta porém que havia um

destes atletas que chegava invariavelmente no fim, bem depois de todos já terem terminado aquela maratona no

selim. Era então que a voz de um fiscal de linha anunciava e repetia altissonante: En Attendant Godot... en attendant

Godot! Porque o mais lento dos ciclistas se chamava Godot, disse Steiner, Armand Godot (e mais me ri eu ainda,

pelo nome próprio deste Godot ser um homónimo francês do discreto beckettiano leitor que sou); eis

portanto desvendado o segredo, segundo Steiner, que divertiu a sala. Mas esta foi uma face burlesca do enigma,

que não enevoou a minha tendência para exegeses de metafísico alcance. Tivesse Steiner dado a oportunidade a

que a assembleia pudesse colocar perguntas, e eu já tinha um argumento na manga. De facto, a explicação

desportiva era contundente no seu prosaísmo, mas não me parecia esgotar-se em si mesma, porque os

obstinados ciclistas pedalavam, sublinhe-se, durante seis dias e seis noites, ou seja, o tempo mítico da criação do

mundo, segundo o Génesis; tempo este que servirá depois para a anedota do alfaiate (que faz umas calças

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perfeitas em longos três meses que exasperam o cliente, mas o artesão não admite comparações entre o seu labor

escrupuloso e a pressa com que Deus terá alinhavado este mundo em seis escassos dias) contada por Nagg em

Fin de Partie (1957). Mas mesmo que a origem do nome proviesse desse contexto de dura competição, Beckett

poderia tê-lo escolhido em consciência, motivado pelo tempo simbólico da sua duração; reforçado, além do mais,

pelo facto de Godot ser realmente um nome peculiar, que contém o diminutivo ou corruptela de um deus menor

no seu interior (esse deus a quem os gnósticos designavam por Samael, que significa deus cego, nome enfim tão

semelhante com o nome próprio do autor). A explicação paródica unia-se assim à hermenêutica hierológica; a

comédia imediata continuou a ser também metafísica - visão, aliás, que o autor de Gramáticas da Criação decerto

não recusaria. E esta é uma virtude típica dos textos beckettianos, dotados de um elevado potencial significador;

mesmo se a sua estratégia dominante se centre na aparente pobreza e despojamento discursivos, eles são capazes

de satisfazer, com plausibilidade, diversos pontos de vista interpretativos e, em analogia ao que o seu amigo e

compatriota Joyce desejara para os romances seus, também Beckett continuará por certo a ocupar as novas

gerações de académicos, mercê dos segredos cifrados na sua escrita, tão transparente quanto enigmática.

É nesta linha de perseguição de pistas sémicas que proponho aqui um breve relance por All That Fall/Todos os que

Caem (TOQC), de modo a identificar os traços dessa mítica personagem central do cosmodrama gnóstico,

antagonista do espírito humano, presente nas especulações desses heréticos sublimes dos primeiros séculos da

era cristã: o demiurgo é o deus menor responsável por uma criação desastrada com que a condição humana está

comprometida; Samael cuja cegueira é imagem de ignorância e incapacidade, e não de iluminação interior (como

acontece com a clarividente cegueira do adivinho Tirésias). Mas antes de fornecer um esboço desta presença

arquetípica nos insterstícios de sentido do texto, convém apresentar a peça propriamente dita.

Em 1956, na sequência do impacto produzido pelas sucessivas estreias, em diferentes palcos mundo fora, de À

Espera de Godot, Beckett recebe um convite da BBC para escrever uma peça para rádio. Daí resultará All That

Fall/Todos os que Caem (Setembro de 1956, data de escrita), a sua primeira peça radiofónica, e a mais extensa de

todas as que viria ainda a escrever para este meio de comunicação, que assinala uma estreia dramatúrgica em

língua inglesa; uma vez que tanto a enjeitada Eleutheria (sua primeira peça não incluída no seu teatro completo, e

conhecendo apenas edição póstuma em 1995) como En Attendant Godot e Fin de Partie, os seus três textos dramáti-

cos inaugurais para palco, possuem uma versão originária em francês. Todos os que Caem, a mais irlandesa das suas

obras teatrais, que permite ao autor revisitar ficcionalmente lugares e personagens da sua infância, teria ainda a

particularidade de ser a segunda peça de Beckett, depois de Godot, a ter uma realização pública, uma vez que é

transmitida pela rádio britânica em 13 de Janeiro de 1957.

Não é esta das peças mais conhecidas do autor, muito por culpa dele teimar na não autorização a que o texto

conheça outra forma de encenação que não a radiodifusão para a qual foi concebida (a única surpreendente

excepção em vida do autor seria a realização televisiva da peça por Michel Mitrani, com os actores Alice Sapritch e

Guy Tréjean, em 1963, da tradução para francês de Robert Pinget, de 1957, Tous Ces Qui Tombent, que Beckett ainda

assim rodeou com o maior dos cepticismos, não permitindo depois disso mais experiências de transposição fílmi-

ca, e muito menos cénica) (Simon, pp. 241, 291). Beckett sempre afirmou que os rostos prefigurados em All That

Fall só lhe fariam sentido emergindo da escuridão ("coming out from the dark") (Knowlson, p. 565), isto é, brotan-

do o seu acontecer de um universo que o receptor mentalmente constrói pela audição das vozes e dos sons, des-

tituídos de imagem concreta. Beckett chegaria ao cúmulo da "demiurgia" autoral, ao recusar a proposta que lhe foi

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feita pessoalmente pela dupla Laurence Olivier e Joan Plowright, em 1969 (Knowlson, p. 565), desejosos de inter-

pretar em palco ou no cinema os protagonistas deste Todos os que Caem; peça que retrata as misérias da condição

humana com um humor patético e cúmplice, a partir de um casal de idosos, o cego Mr. Rooney e a sua mulher,

Maddy, que o vai esperar à estação ferroviária. A espera é um motivo que se prolonga da peça de Godot, ainda que

ela se preencha agora de um modo diverso e de tal modo objectivo, que, não obstante a sua destinação radiofóni-

ca (e também graças a ela), All That Fall prescreve um conjunto de elementos sonoplásticos de carácter naturalista

(em texto didascálico), que por vezes, para o leitor/ouvinte mais desarmado, podem parecer não mais que

pitorescos (e estou a pensar nos sons ilustrativos de animais, sobretudo domésticos e insectos, que se vão nome-

ando e ouvindo ao longo da peça; porém, esta insistência na fauna, como se algo houvesse aqui de testemunho

de Noé, o salvador mítico das espécies animais, encontrará outras ressonâncias que adiante pretendo destacar). A

espera agora é activa e constitui-se na peregrinação de Mrs. Rooney em direcção ao caminho de ferro de Boghill -

nome da localidade forjada onde decorre a acção -; ao contrário da espera abstracta e estática de Vladimir e

Estragon, sempre tagarelando junto da sua árvore solitária. Contraste aqui também porque a espera diz respeito a

uma pessoa identificável, o velho marido cego de Maddy, e não, como no caso de Godot, por um

indivíduo do qual nunca se descortina devidamente a identidade.

Comparando ainda com a abstracção simbólica do lugar dramático em À Espera de Godot, a concretude das

ambiências dramáticas é deveras acentuada em Todos os que Caem, porque, já atrás o anotei, nesta peça Beckett

(como o explicita em carta a Aidan Higgins) serve-se da memória de lugares e de gentes com que conviveu na

infância, na sua Irlanda natal; e conforme a minúcia de conhecedor do seu biógrafo James Knowlson no-lo dá a

saber: desde as coordenadas topográficas da estação ferroviária desta Boghill de ficção serem concordantes com

essoutra estação real chamada Foxrock, até à referencialidade de inúmeros nomes próprios, inspirados por pessoas

com quem o autor se cruzara na juventude; donde destaco essa informação espantosa, dada por Knowlson, de ser

a protagonista Rooney o retrato transfigurado da "formidável educadora do jardim de infância, Ida 'Jack' Elsner"

(Knowlson, p. 429) que Beckett frequentou, entretanto, supõe-se, feita envelhecer pelo transcorrer dos anos, para

habitar esta peça purgatorial sobre o declínio e a queda como imagens obsessivas da existência. Fundidas num

acto único a bipartição que Beckett previu inicialmente para este texto (de novo num símile com Godot), Todos os

que Caem acompanha o trajecto de Mrs. Rooney pela estrada que a conduz à estação de Boghill (cuja tradução

possível é monte do pântano, bem concordante com a colectiva queda inscrita no título). Ela é o centro da peça,

visto que esta se constitui por intermédio do encontro dela com diferentes personagens em trânsito, até chegar

ao destino desejado, regressando depois na companhia de Dan, o marido invisual, junto do qual exerce uma

função de guia. Encontros que são outros tantos motivos para despoletar esse solilóquio intérmino que

individualiza as personagens de Beckett, numa expiação punitiva cuja causa desconhecem; e que faz da vida, nelas,

um misto de limbo expectante, purgatório moroso, e inferno de penas repetitivas, previsíveis; e o Inferno de Dante,

autor central para Beckett - de onde este extraiu o protagonista Belaqua, seu alter ego de outras prosas - será

mesmo citado por Mr. Rooney, comparando-se a si e à mulher, na sua trôpega travessia, com o papel dos

condenados infernais.

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 27

"MR. ROONEY: Sim. Ou melhor: tu para a frente e eu para trás. O par perfeito. Como os condenados de Dante,

com os rostos assentes nas nádegas uns dos outros: assim as lágrimas cobrir-nos-ão mutuamente os traseiros."

(TOQC, p. 18)

Mas repare-se, bem antes deste momento textual, nas imagens de uma queda fisiológica como putrefacção do

corpo em vida (esse mesmo corpo incómodo da velhice que dificilmente entra e sai do automóvel de Mr. Slocum

que a transportará no final do trajecto, e é por isso fonte de comédia), e logo a seguir, uma confissão de falha de

afecto (numa passagem que legitima o facto de Beckett afirmar que a sua escrita se tornava subitamente

sentimental quando escrevia na materna língua inglesa, pelo que a expressão em francês será fuga a essa voz

interior da anima) que Mrs. Rooney enuncia, falando sozinha na sua via sacra, como se fosse uma versão feminina

do Job bíblico.

"MRS. ROONEY: (...) Que fiz eu para merecer tudo isto - o quê?! (Os pés arrastando-se) (...) Como posso continuar?

Não posso! Oh, vou simplesmente parar e deixar-me cair na estrada como um grande bocado de geleia viscosa

escorrendo de um frasco - derramando-me molemente no solo para nunca mais tornar a levantar-me. Uma coisa

grande, espessa e mole, viscosa como lodo - coberta de terra, de poeira e de moscas que, para ser removida tivesse

de ser despegada do solo com uma pá. (...) Oh, eu sei que não passo de uma velha bruxa histérica, arruinada física

e moralmente pelo sofrimento, pela crua erosão da dor e da vontade sempre insatisfeita e permanentemente

incumprida, pelo peso da própria gentileza e pela frequência regular do templo - pela obesidade, pelo reumatismo

e por toda uma existência sem filhos. (Pausa. Entrecortadamente) Minnie! Minha pequena Minnie! (Pausa) O amor -

eu não pedia mais nada: um pouco de amor todos os dias, um pouco de amor a cada dia, duas vezes ao dia:

cinquenta anos de amor-duas-vezes-ao-dia - como se se tratasse nem sequer de amar mas de ir ao talho comprar

carne de cavalo com a estrénua perseverança de uma dona-de-casa parisiense ocupando-se das suas compras.

Que mulher normal ocupa os seus sonhos mais profundos com o afecto?" (TOQC, p. 6)

Por estas auto-revelações a vamos conhecendo, em toda a sua humana singularidade, de lucidez, senescência

auto-consciente, e torrente interior monologante (ou não fosse ela uma ascendente de Winnie, até porque o nome

da sua filha morta Minnie em muito se lhe assemelha, tendo Maddy por nome de solteira Dunne, ou seja duna, o

lugar físico onde Winnie se enterrará viva, conforme nos lembra Carlos Machado Acabado, em preciosas notas à

sua tradução portuguesa inédita desta peça, elaborada em 2000), fruto de interacção com rostos conhecidos desse

mundo exterior no qual ela se aventura, após um período considerável de recolhimento em casa, por motivo de

doença, segundo o texto o deixa entender, na conversa com Mr. Barrell, o chefe da estação.

"MR. BARRELL: (...) Pois é, Mrs. Rooney, é um prazer vê-la aí, a pé, toda afadigada outra vez. A senhora esteve tanto

tempo fechada lá em cima!

MRS. ROONEY: E não foi o suficiente, Mr. Barrell! (Pausa) Quem me dera a mim estar ainda agora na cama, Mr.

Barrell! (Pausa) Quem me dera poder estar, toda repimpada, no conforto da minha cama, deixando simplesmente

que o tempo passasse por mim e me fosse lentamente corroendo e consumindo sem requerer esforço ou dor

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alguma da minha parte, comendo araruta e geleia-de-mão-de-vaca - ah, poder ir desaparecendo, assim, a pouco

e pouco, debaixo da roupa da cama até ser possível, um dia, no limite, confundir-me com o plano horizontal da

própria cama! (Pausa) E sem ter sequer tosse, nem expectoração; sem sangrar ou ter vómitos, apenas mergulhan-

do progressivamente na vida superior - mas sempre recordando, sempre recordando (a voz vai-se-lhe tornando

entrecortada) como se... como se toda a estúpida infelicidade... como se nunca tivesse existido... mas onde é que

eu meti o lenço? (Som do lenço a ser usado) (...)" (TOQC, p. 11)

Uma constante destes encontros de Maddy, não obstante o traço forte de uma paradoxal e insana felicidade

arrancada ao infortúnio (de que Winnie será depois o máximo expoente), é a ideia inescapável de fim anunciado,

de decadência vivente, fisiológica e anímica, que contagia tudo e todos, de forma insidiosa, sofredora mas também

risível, nesse registo de humor negro habilmente cultivado por Beckett.

A poeira do caminho que é simultaneamente o pó da matéria viva decomposta; a lama, o lodo e o omnipresente

esterco como metáforas escatológicas de um fossar vivente; a doença e a esterilidade biológica (o caso da filha de

Mr. Tyler, a quem foram extirpadas, conforme este informa Mrs. Rooney, as "coisas todas de dentro da barriga",

TOQC, p. 7), a morte na infância (os casos da filha Minnie e da criança vitimada na linha); a morte da linguagem,

aflorada pelo diálogo entre o casal (e a morte, em particular, da língua gaélica, às mãos da dominação inglesa); a

imagem do naufrágio (do Titanic ou do Lusitânia) pela lembrança da canção que os quasi-afogados entoavam... Eis

alguns dos tópicos recorrentes que invadem literalmente o texto numa exaustividade semântica que amplia essa

Queda originária grafada no título da peça, oriundo de um salmo do Antigo Testamento, que Maddy e Dan citarão

para depois dele se rirem "a bandeiras despregadas" ("in wild laughter"), em regresso a casa, quase no final da

acção: "O Senhor ampara todos os que caem e ajuda a erguer todos aqueles que Ele determinou que se

curvassem". (TOQC, p. 22) E quem cai, objectivamente, é uma criança na linha férrea, que assim perde a vida,

causando um atraso de quinze minutos no comboio em que Dan viajava; havendo a suspeita de ter sido

eventualmente o velho a empurrá-la, segundo o desfecho da peça o deixa supor; quando Jerry, o moço de fretes

(um duplo ou irmão cénico do Boy que anuncia Godot, ou do rapazito "potencial procriador", que Clov e Hamm

avistam em A Última Jogada) vem de bicicleta na direcção de ambos para devolver um objecto que parece uma

bola, e que Mr. Barrell afirma ser de Dan, mas que pode muito bem ter pertencido à criança (o sexo da criança

nunca é especificado) colhida pelo comboio - e daí a ansiedade inquiridora de Maddy, exigindo que o marido lhe

diga que objecto é aquele. Nunca o saberemos, mas a suspeição fica levantada, acentuando o escárnio dúbio em

relação ao conteúdo tutelar do salmo.

De resto, a abundância quase asfixiante de signos bíblicos e cristológicos, paródica ou explicitamente evocados, é

decerto um factor fulcral que deve orientar antes de mais uma leitura mitocrítica da peça.

(Abundância esta capaz de relegar, para um segundo plano, leituras de analogia helenizante, igualmente possíveis.

Porque não deve esquecer-se o quanto este casal contém de simbologia edipiana. Mr. Rooney é um velho cego,

como Édipo a caminho de Colono, e junta em si a sombra de Laio, inimigo da descendência, manifestando

impulsos filicidas numa verbalizada pedofobia; e Mrs. Rooney amparando-o, condensa, freudianamente, as

imagens de uma Jocasta sobrevivente ao suicídio e de uma Antígona substituta, visto que a filha de ambos, Minnie,

morreu na infância, conforme Maddy amargamente o lamenta. Mas estas são leituras analógicas curiosas, porém

secundárias para o contexto simbólico que pretendo evidenciar.)

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Abrindo com sons rurais de animais entre o arrastar de pés de Mrs. Rooney, a significativa presença musical em

fundo é de A Morte e a Donzela, de Schubert; e a primeira frase da peça pode ser lida/ouvida como comiseração

auto-referencial da protagonista, que no ocaso do corpo se retrata: "Pobre mulher! Completamente só naquela

casa em ruínas!" (TOQC, p. 5) São três as pessoas que Mrs. Rooney encontra antes de chegar à entrada da estação,

todas elas homens, e cada um aparece num diferente meio de transporte, cuja sequência não está isenta de

significação alegórica: primeiro a carroça de Christy, depois a bicicleta de Mr. Tyler, e finalmente o automóvel de Mr.

Slocum - que a levará de boleia - numa espécie de sequência evolutiva dos meios de transporte, e do domínio

humano da técnica, para percorrer um único e mesmo caminho, em direcção à última estação de um percurso que

é a existência.

Começa-se por Christy, o carroceiro, com um carregamento de esterco de porco, puxado por uma mula. A paródia

cristológica é óbvia, no nome próprio Christy (que, ao contrário dos restantes, não é tratado por Mr., facto que, se

indicia a sua condição social humilde e/ou a familiaridade com a protagonista, expõe mais ainda a anedótica

alusão messiânica); e se bem que mais tarde Dan e Maddy evoquem a entrada de Cristo em Jerusalém a cavalo

num burro, aqui é uma mula (fêmea estéril, como o porco castrado, de cujas cerdas se fazem escovas de dentes,

mencionado por Willie em Dias Felizes) a transportar este Christy, que pretende sem sucesso vender estrume a

Maddy, num gesto de alegórico sarcasmo (Christy chama mula do inferno ao animal, por esta se recusar a andar; e

chego mesmo a pensar, quando Maddy lhe pergunta pela "pobre mulher" dele - ao que Christy responde que ela

"não está melhor" -, se de facto não haverá aqui intenção de atingir essa mulher simbólica que a retórica eclesial

atribui ao próprio Cristo, tão historicamente influente e poderosa na Irlanda de Beckett: ou seja, a Igreja Católica).

E atente-se ainda no jogo antroponímico implícito: Um Cristozinho (Christy) que quer impingir algum do seu

estrume a uma Louquinha (Maddy). Numa nota em jeito de pista de leitura, o tradutor vê no nome Maddy, em

primeiro lugar, o diminutivo de 'Madeline' ou 'Madeleine' (TOQC, p. 25), isto é uma referência à cristológica

Madalena, no que intensificará a simbologia dramatúrgica deste face-a-face inicial entre ambos; o encontro

inaugural da peça é entre uma velha Maddy e um Christy carroceiro, do mesmo modo que é a Madalena, a mais

afrodítica das santas cristãs, que Cristo se dá a ver em primeiro lugar depois da morte por crucificação.

A peça encontra-se, de resto, saturada, como já o sublinhei, de menções bíblicas, ou de contextualização religiosa,

com o sentido de as parodiar sem gratuitidade; veja-se o tratamento dado aos êxtases místicos de Miss Fitt, outra

das figuras que encontra Maddy no termo da sua viagem, e que ajudará a idosa, de forma quase relutante, a subir

os degraus de acesso à estação. Diz-nos esta alucinada Miss Fitt, que quando se encontra dentro da Igreja, sozinha

com o seu Criador ("alone with my Maker"), não vê ninguém nem sequer reconhece a sua velha conhecida Maddy.

Não obstante o retrato cómico da solteirona devota, no que um freudiano chamaria de neurose cristã, nele

coexiste a empatia com essas ausências quasi-xamânicas, que todos em seu torno compreendem, e pressupõem

um escape do sujeito face à ditadura do tempo comum. Nesta peça onde comparece a memória de Jung, na longa

citação de Maddy, de uma conferência a que Beckett assistira vinte e um anos antes em Londres (1935), o autor

traduz em drama a convicção junguiana de que a crença é uma função da psique, mesmo que ela conduza a

comportamentos de aparente fuga à normalidade (e isto através de Miss Fitt, cujo nome antecipa, como o

assinalou Machado Acabado, os célebres Misfits/Inadaptados de Arthur Miller, mas arrancados à vida dos actores

que os interpretaram nesse filme de culto de John Huston, porém com data posterior a esta peça); e não

esqueçamos o quanto Beckett, ele próprio um paciente de psicoterapias, se mostrou sensível na vida àqueles que

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Teatro Nacional D. Maria II 2008 // ”Começar a Acabar” - Dossier de Apoio 30

designamos por mentalmente alienados. Não é só riso que se produz na apresentação desta Miss Fitt, em ligação

directa com uma divindade cujo caminho ela encontra dentro de si mesma (no que é uma marca característica da

noção de transcendência interior gnóstica); a experiência mística sempre foi transgressora das ortodoxias, porque

invalida a função dos intermediários eclesiásticos. De facto, Miss Fitt prescinde de sacerdotes-funcionários; ela é

uma crente em auto-gestão, que descobre os seus momentos de euforia na ascese solitária dos altares.

Schopenhauer não está longe de novo, quando afirmava, apesar do seu tenaz ateísmo, que duas são as fugas à tira-

nia da vontade cósmica: a representação estética e a experiência ascética de renúncia subjectiva e consequente

evasão de um eu que carrega consigo o selo do mundo instrumentalizado.

"MISS FITT: (...) Mesmo depois de o serviço religioso ter terminado, quando saio para o ar livre, durante os

primeiros cento e cinquenta ou duzentos metros, ando aos tropeções, como numa espécie de sonho ou de transe,

por assim dizer - e não consigo ver nenhum dos outros paroquianos. E a verdade é que eles são muito gentis, tenho

de reconhecê-lo - a maioria, pelo menos: muito gentis e compreensivos. Agora já me conhecem bem e não me

guardam ressentimentos. 'Lá vai ela! (dizem); 'Lá vai a Miss Fitt sempre tão severa, tão concentrada, tão sozinha com

o seu Criador - não perturbem a sua concentração!' E afastam-se para evitarem chocar comigo. (Pausa) Ah, sim, erro

com frequência por outros mundos interiores, completamente ausente - mesmo aos dias de semana. Pergunte à

Mãe, se não acredita. (...) 'Hetty, como é que tu consegues ser tão distraída?' (Suspira) Suponho que a verdade é que

eu não estou aqui, Mrs. Rooney, que não estou realmente aqui. Vejo, cheiro e essas coisas todas, faço os

mesmos movimentos que todos fazem - mas o meu coração está algures, Mrs. Rooney, o meu coração não está de

facto em nenhuma dessas coisas. (...)" (TOQC, p. 12)

Miss Fitt é uma estrangeira face à vida; não tendo chegado ao grau limite dessa jovem, tratada sem sucesso por

Jung, que Maddy evoca, e que terá morrido pelo facto paradoxal de nunca ter nascido para a vida. Como sempre

em Beckett, o sofrimento de existir é demasiado sério, e por isso mesmo há que saber rir dele e com ele, para poder

sobreviver nele, homeopaticamente, com alguma sanidade (o biógrafo Knowlson considera que a escrita de All

That Fall reflecte em catarse criativa, dois anos passados, o choque e a sensação de impotência vividos pelo autor

junto do seu irmão Frank, um adepto convicto da doutrina cristã, suponho que protestante, por ser a religião de

família, e que morrera de doença incurável, numa prolongada agonia: Knowlson, p. 430).

Aliás estou persuadido de que esta peça poderia ter o nome dantiano de A Humana Comédia, na qual a Beatriz

salvífica (expressão medieval do arquétipo que Goethe designará por Eterno Feminino) é agora uma incomparável

Louquinha ou, se quisermos, uma emanação da redimida e liberadora Maria Madalena, a guiar o seu Dante (Mr.

Rooney chama-se Dan, não sabemos se de Daniel, se de um disfarçado Dante em abreviatura). Os papéis invertem-se

ou condensam-se, conforme os casos, como na lógica do sonho: em vez de ser Dante que busca Beatriz, é a Beatriz

Maddy que vai em demanda dele, fazendo também as vezes de um feminino Virgílio cicerone deste cego (numa

genderização beckettiana, de céltica cepa, ao dotar de maior passividade as personagens masculinas, se

comparadas com a determinação e desenvoltura das femininas, de que Winnie, Maddy e Nell são exemplos

maiores), enquanto Dan mata a visão pueril em si e por isso é literalmente cego e literalmente velho (esqueceu já

a idade que tem, como o demiúrgico Senhor do Tempo das aventuras gnósticas que destinei para a cénica Lianor

no País Sem Pilhas: "Fiz cem anos, hoje?... Já tenho cem anos, Maddy?", TOQC, p. 18), fisicamente doente e inimigo mor-

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tal das crianças que representam em concreto o potencial da vida e, simbolicamente, o tempo das gerações

futuras; segundo a confissão psicopática que ele faz à mulher:

"MR. ROONEY: Já alguma vez desejaste matar uma criança? (Pausa) Arrancar um jovem destino directamente pela

raiz - como uma flor no botão. (Pausa) Muitas vezes, à noite, no Inverno, quando regressava a casa envolto no

negrume da noite, estive prestes a lançar-me sobre o rapaz. (Pausa) Pobre Jerry! (Pausa) Que foi que me deteve,

então? (Pausa) Não foi o medo físico. (...)" (TOQC, p. 18)

E neste aspecto sinistro do seu perfil, radica um acesso possível ao título que motivou esta minha leitura: ele é um

sinal de Samael, o demiurgo cego. Na carta já referida a Aidan Higgins, na qual Beckett traça a gestação prevista de

Todos os Que Caem, para além das referências a personagens e lugares reconhecíveis do seu tempo de meninice,

ele remata no seu estilo de críptica concisão, sobre uma personagem mais que por lá deambulará: "e o Diabo

cambaleando no fosso" ("and the Devil tottered in the ditch", Knowlson, p. 428). Que diabo é este? perguntamos nós.

E onde está ele na peça? Será uma personificação respeitante às tendências infanticidas de Mr. Rooney? Estará esse

diabo implícito na própria (in)humana natureza de Dan Rooney, que assusta o chefe da estação, deixando-o como

se este tivesse visto um fantasma, quando encara com ele no comboio à chegada? O mesmo Dan que dirá à

mulher ter conversado no comboio com os seus habituais demónios do ocaso. E o nome Dan, não poderá ser uma

deturpação de damn (danado), numa espécie de demonologia dantesca?

Foi por certo este tipo interrogações que terão levado Knowlson a estranhar a abundância de signos religiosos

(onde até da caixa de velocidades do carro de Mr. Slocum se diz que está a ser crucificada) numa obra que,

aparentemente, recusa conferir-lhes veracidade, tal é a abordagem paródica (e semi-abjeccionista) a que os

submete.

"A peça radiofónica desenvolveu-se claramente do profundo agnosticismo de Beckett. Contudo, um agnóstico que ataca

um Deus, que não existe, pelo facto de ser cruel e injusto está a praticar um tipo de retórica particularmente vazia."

(Knowlson, p. 430)

A não ser que esse agnosticismo tenha bem mais que se lhe diga, como é minha convicção, a partir das

informações que os textos nos fornecem. É aqui que entra na cena analítica a personagem do demiurgo. Como já

referi nas páginas de Falar no Deserto - Estética e Psicologia em Samuel Beckett (Lisboa, Cosmos, 2000), tendo em

conta o prazer de Beckett nos jogos onomásticos, para deles tirar significados múltiplos, isto por um lado, e por

outro, a sua declarada postura de irrisão existencial e religiosa, habitualmente conotada como peculiar teologia

negativa; é bem possível que o autor tivesse conhecimento da proximidade entre o seu nome próprio e a

designação dada pelos antigos gnósticos (que ele lê, juntamente com Platão, Aretino e Aristóteles, na biblioteca

do Museu Britânico em Londres, em 1932, segundo o testemunha o biógrafo Knowlson: p. 161) ao deus menor

responsável pela criação do cosmos que habitamos: Samael. É provável que a mundividência expressa nas suas

obras tirasse partido dessa analogia curiosa. Especulações à parte sobre o nome de Samael atribuído ao demiurgo,

o certo é que a inversão e subversão do sentido alegórico dos mitos tradicionais da ortodoxia, característica da

rebeldia exegética da imaginação gnóstica, é um dado importante dos textos beckettianos, nomeadamente deste

sobre o qual se detém a nossa atenção. Para além das divergências entre as várias sensibilidades do gnosticismo

antigo, desde a visão marcionita mais desesperançada até à promessa viva da iluminação hermética e alquímica

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(que inspirarão e encontram linhas várias de sintonia em autores oito e/ou novecentistas como Pessoa, Artaud,

Jung, Benjamin, Kafka, Pascoaes, Melville, Philip K. Dick, António Patrício, Jorge Luis Borges, Camus, Lawrence

Durrell, Guimarães Rosa, Hilda Hist, María Zambrano, Hermann Hesse, Natália Correia e, entre os fisicamente vivos,

o crítico Harold Bloom), a resposta comum da interrogação gnóstica sobre a origem do mal e do sofrimento é a de

conceber uma dualidade cosmogónica altamente dramática. A questão gnóstica é que o mal e o sofrimento não

podem ser dependentes directos da responsabilidade humana (como a interpretação eclesial do mito adâmico

nos pretende fazer crer, ao culpar os humanos por uma desobediência primordial); mas devem ser atribuídas ao

autor que nos criou. No entanto, se ele nos fez assim, é porque ele próprio não soube e/ou não foi capaz de fazer

melhor. A cegueira deste deus incompetente é a causa primeira de uma criação falhada. Mas ele não está sozinho

no trono universal. O gnosticismo é um monoteísmo em fissão nuclear; a sua mitologia possui duas personagens

centrais (para além de outras entre as quais nós, humanos, nos incluimos, por sermos também pequenos deuses,

à nossa dimensão), raiz para um autêntico cosmodrama, dividido entre um deus menor, arrogante e prepotente

(que corresponde ao Javé brutal do Antigo Testamento), fazedor do mundo físico, e carcereiro das divinas

centelhas nas dimensões fenoménicas do tempo, do espaço, e da morte (aprisionamento este de que se lamenta,

por exemplo, a personagem de Andrei no último acto de Três Irmãs de Tchekov, impedindo o desenvolvimento

genuíno das crianças da sua cidade); e um Deus estrangeiro e ignoto, com o qual a nossa natureza interior tem

afinidade (o Pai de Cristo, que comparece apenas no Novo Testamento), mas que se encontra exilado deste mesmo

universo de que não é autor. E por isso também nós estamos exilados como ele, sujeitos ao esquecimento

perpétuo da nossa verdadeira origem transcendente.

A corrente literária existencialista no séc. XX, de cariz ateu, graças principalmente a Albert Camus (que começou,

curiosamente, por escrever uma tese de licenciatura sobre Gnose e Neoplatonismo), constituiu-se como uma

manifestação de gnosticismo dito secular, isto é, conservando a sua inquietação profunda e exasperação

consciente, mas destituído da intuição da tal transcendência exilada que nos fala ao espírito, por este possuir uma

natureza que lhe é análoga. Mesmo assim, no vocabulário simbólico de Camus abundam títulos de gnóstica

ressonância: O Estrangeiro, A Queda, O Exílio e o Reino, etc. Isto para dizer que a temática gnóstica, ainda que numa

apropriação exclusivamente secular moderna (apropriação esta que tem em Voltaire o seu primeiro e importante

expoente na Idade Moderna) está presente na geração intelectual que é contemporânea da aparição de Godot nos

palcos franceses. Cioran, o filósofo niilista romeno, próximo de Beckett, também como este radicado em Paris, e

com quem por vezes almoça (e imaginar as conversas de ambos à mesa seria um belo exercício de escrita dramáti-

ca), é um interessado nesta matéria, e publicará mesmo um ensaio mais tarde, em 1969, intitulado O Mau Demiurgo,

onde desabafa que a história da cultura ocidental teria sido bem diferente se se tivesse dado ouvidos ao heresiar-

ca Marcião, o mais pessimista de todos os antigos gnósticos (que alguns recusam mesmo em classificar como

gnóstico, dada a sua concepção demasiado deceptiva de salvação). É ainda da responsabilidade do filósofo Hans

Jonas a revitalização reflexiva, na 1ª metade do séc. XX, em torno da antiga religião gnóstica, que inclui uma influ-

ente reinterpretação desta à luz da mundividência existencialista; Gnosticismo e Niilismo Moderno é um ensaio seu

que surge em inglês em 1952 (anexado mais tarde como epílogo da sua obra incontornável: The Gnostic Religion,

1958). E é claro que não podemos esquecer aqui a importância do gnosticismo na psicologia analítica de Jung,

autor que impressionaria Beckett de forma perdurável, desde que com ele se cruzou ao vivo em Londres, em 1935,

(confronto este, entre Beckett e Jung, que foi central para a minha abordagem em Falar no Deserto). E enfim, o

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próprio Beckett manifestará a sua proximidade em relação à metafísica maniqueia, ao

comentar que só o combate perpétuo entre a Luz e as Trevas, que identifica esta corrente gnóstica dos primeiros

séculos da era cristã, poderia tornar compreensível a simbologia subjacente às alternâncias luminoplásticas previs-

tas para A Última Fita de Krapp, peça (muito autobiográfica) escrita em 1958, a seguir a Todos os Que Caem. (E nos

textos maniqueus, os olhos, do género feminino no aramaico, são alegoria de receptividade feminina face à luz

fecundante do conhecimento; sendo luz do género masculino). Porque ao contrário do que afirma Anthony

Cronin, em Samuel Beckett: The Last Modernist, com inaceitável ligeireza, não é minimamente crível que Beckett só

conhecesse do gnosticismo aquilo que consta no verbete da enciclopédia britânica (Cronin, p. 486). Basta invocar

um exemplo. Apaixonado como era pela obra de Dante, razão pela qual aprendeu a língua italiana para a ler no

original (tal como Joyce fizera em relação à língua de Ibsen), e além do mais francófilo, é praticamente certo que

Beckett conhecia ou tinha notícia do polémico livro de Eugène Aroux: Dante hérétique, revolutionnaire et socialiste;

publicada em França em 1853 e reeditada em 1939, que desenvolve uma tese de leitura iconoclasta d' A Divina

Comédia, ao ver nela um fruto imenso da heresia albigense (neomaniqueia), disfarçada com as vestes próprias para

ser aceite pela Igreja Católica, e para que o seu hábil autor pudesse escapar ileso à fogueira (tese comentada e

divulgada em Portugal por Sampaio Bruno nos anos dez do século XX, em artigos de imprensa que seriam desti-

nados à planificação do livro inconcluso Os Cavaleiros do Amor ou a Religião da Razão). Quanto mais não fosse pelo

prazer do sarcasmo, e com o intuito de atingir as ortodoxias cristãs dominantes (católica e

protestante), esta visão subversiva, de um Dante cátaro escondido na odisseia medieva que escreveu, devia ser do

maior interesse para a imaginação dramática de Beckett. Ora o radicalismo das heresias neomaniqueias medievais

traduz o dualismo, que esquematizei atrás, dos gnósticos antigos, por uma leitura que identifica o demiurgo com

Satanás, fonte do mal e da matéria mortal, e príncipe deste mundo, enquanto o verdadeiro Deus continua a ser

exterior a este cosmos, de que ele não é autor, mas onde a nossa alma expia penosamente o seu fascínio pela

criação diabólica.

Agora voltemos a Todos os Que Caem, e com estes dados olhemos para vários pormenores sintomáticos. As

inúmeras referências do texto ao demoníaco agrupadas, em especial, em torno de Dan Rooney não são casuais;

esta personagem parodia a criação falhada de um Javé demiúrgico, porque criado à imagem e semelhança dele,

assim a sua condição é a de um velho cego, doente e decrépito, com impulsos psicopatas. Mas ponhamos a

hipótese de que em Dan Rooney nós temos a condensação (de novo um topos de interpretação onírica, que bem

se quadra a uma peça plena de ambiguidades como esta) entre uma figura humana e a representação simultânea

do demiurgo cego Samael, dos gnósticos, numa troça de heresia hierológica ao Deus uno dos monoteísmos

dominantes (troça esta que Beckett acabara inclusive de personificar no cego paralítico Hamm de A Última Jogada,

no qual inscreveu múltiplas irrisões teológicas). E em benefício desta minha perspectiva, elucidou-me o tradutor

Carlos Machado Acabado que Dan em inglês é um termo que designa, nada mais nada menos, do que um

indivíduo católico romano; mas também, pasme-se, um guarda de latrina pública (e com efeito Dan dirá à mulher

que se encontrava na casa de banho dos homens desde que o comboio parou). Um sarcasmo radical no seu

mecanismo excremencial de inversão e implosão sémicas (esse teatro da derrisão, na expressão cunhada por

Emmanuel Jacquart, que tem em Beckett o seu mais acerado gume).

Numa pluralidade de níveis hermenêuticos (entre o real objectivo representado e as imaginações simbólicas que

dele emanam e nele se projectam), especialmente aplicável a textos de intenção alegórica como A Divina Comédia,

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Dan Rooney não seria somente esse velho escriturário cego com passe para a viagem de comboio, que comenta

a rotina remediada do seu dia-a-dia repetitivo, de funcionário; ele pode personificar, em leitura

arquetípica, o demiurgo cego dos gnósticos, identificado por eles com o Javé veterotestamentário e que, para os

cátaros, seria sinónimo do demoníaco tirano do mundo físico. Isto poderia explicar certas passagens enigmáticas

(para não buscarmos refúgio em exclusivo no termo absurdo, cujo uso aplicado ao seu teatro desagradava Beckett,

não obstante a fortuna crítica que o conceito conheceu, na moldagem sólida com que Martin Esslin o dotou,

depois de o haver colhido no ensaio de Camus O Mito de Sísifo - Ensaio sobre o Absurdo, de 1943), como seja aque-

la em que Mr. Rooney pergunta pela idade que tem; e Maddy em vez de responder-lhe, começa a enunciar todos

os seres que observa em redor deles, para concluir que não há quem lhe saiba responder - isto é, todos os seres

inanimados, bem como os muitos animais que pululam em ruído na peça, integram a criação e participam portan-

to da alienação mesma de que sofre o seu fazedor. Jamais lhe poderão responder a esta pergunta sobre as suas

origens. E por isso ela conclui: "Estamos sós. Não há ninguém a quem perguntar." (TOQC, p. 18) Um

elemento perturbador é o facto de Mr. Rooney anunciar à sua mulher que se deseja reformar, para espanto do

leitor/ouvinte, nesse mesmo dia em que a mulher diz ser o dia do aniversário dele. Ora que função profissional

poderá ainda exercer cabalmente esta personagem cega e corroída de achaques? De que escritório será ele

assalariado? E na busca pela "psicanálise dos nomes" (de que fala o tradutor Machado Acabado), exigida por esta

como por outras peças de Beckett, temos de recordar o nome da estação Boghill, o monte do pântano, que

pressupõe a queda e o afundamento. Caminhar no seu sentido pode significar um gesto sacrificial; como parece

que sucedia com os ritos dos antigos celtas, que davam oferendas aos deuses, colocando-as nos pântanos (bogs)

para submergirem. Bog pode soar foneticamente como jogo de aliteração com god, para além de ser simultanea-

mente partícula que remete para demónios (bogeys) ou para charlatanice, farsa, fraude (bogus). Dan chega mesmo

a dizer de si mesmo: I'm agog, numa dessas charlas sonoras que parecem soar a uma confissão satírica auto-

-referencial (I'm a god): de ser ele de facto a representação humanizada de um deus menor.

Daí que Dan Rooney, personagem da peça que sucede a Godot na sua pública realização, possa ser visto como um

retrato possível desse mesmo Godot, que continha os sinais alegorizantes para ser identificado como demiurgo

cego. Da leitura desta peça multívoca, destinada apenas pelo seu autor a ser ouvida, materializou-se esta minha

arriscada hipótese hermenêutica. Talvez ficção da imaginação mitocrítica. Mas Godot pode muito bem ser esse

diabo cambaleando no fosso, camuflado no rosto de Dan Rooney. E assim sendo, a criança que ele empurrou para

cair na linha poderá ter sido o Boy que era seu crístico mensageiro em À Espera de Godot. Beckett é sério e paródi-

co em simultâneo, como é sabido: auto-cita-se e baralha dados anteriores. O Godot como demiurgo cego em Mr.

Rooney é um Javé filicida que mata o seu simbólico filho cristológico. E como Javé que é, apenas se pode dar a

conhecer através do som, da fala, e nunca da visão. Por isso (e não obstante a experiência isolada de Michel Mitrani

na transposição tele-visualizável da peça vertida em francês), Beckett proibirá a montagem em palco ou ecrã (na

língua em que a escreveu) de All That Fall. Godot, qualquer que seja o seu figurino, jamais se dará a ver, porque ele

próprio não vê nada além de si, na cegueira do seu autismo déspota. E como toda a palavra é polissémica,

demiurgo significa artífice e obreiro; ou seja, é também a imagem do artista. Beckett encontra-se então espelhado

no Samael de Dan Rooney? A cegueira do velho dependente nesta sexta-feira de um Junho em que as folhas

apodrecem, amontoadas de todos os anos anteriores, de todos os Verões da vida acumulados. Sinais nele de um

demiurgo mítico e psicoactivante? Vestígios de auto-retrato alegórico do autor? Talvez tudo isso reunido num

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Dante cego guiado, na purgatorial poeira dos caminhos, por uma Beatriz idosa e enfermiça. Um poeta das trevas

(essas trevas que o auto-biográfico Krapp confessa serem a sua melhor e mais forte fonte criativa, em Krapp's Last

Tape/A Última Fita de Krapp) projectado no velho pueril que odeia crianças, de braço dado em casamento com a

sombra cénico-fantasmática da sua inesquecível educadora de infância.

Évora/Lisboa, Novembro/2002 - 2003

Referências bibliográficas

BECKETT, Samuel, The Complete Dramatic Works, Londres, Faber & Faber, 1990.

________________, Todos os que Caem, trad. de Carlos Machado Acabado, Lisboa, 2000, dactiloscrito inédito com notas de leitura.

CRONIN, Anthony, Samuel Beckett: The Last Modernist, Londres, Harper Collins, 1996.

KNOWLSON, James, Damned to Fame. The Life of Samuel Beckett, Londres, Bloomsbury, 1996.

SIMON, Alfred, Beckett, Paris, Pierre Belfond, 1983.

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"Samuel Beckett escreveu obsessivamente sobre a ideia de fim e não deixa de ser curioso como o título 'Beginning

to End / Começar a Acabar' sintetiza, de alguma forma, a sua obra. 'Começar a Acabar' não é um texto qualquer, é

um texto que corta e cola fragmentos de várias obras do autor irlandês (…) e que reduziu o teatro ao mínimo,

limpando do palco o acessório reduzindo-o ao essencial, criando tensão dramática com a inacção."

Joana Gorjão Henriques, Público (2006)

"A presença despojada de Lagarto sublinha a depuração do texto, conseguindo instalar uma intensa tragicomici-

dade apenas com o seu corpo e voz. Os espectadores fixam-se nestes, do início ao fim, sem qualquer distracção."

Paulo Trindade, Público (2006)

"O actor está impecável na pele deste vagabundo, conseguindo mudar frequentemente de registo e fazendo-nos

rir da desgraça, como Beckett gostaria. Um espectáculo que se vê com um sorriso nos lábios e uma lágrima no

olho."

Ana Maria Ribeiro, Correio da Manhã (2006)

"'Começar a Acabar ' é um trabalho dramatúrgico surpreendente elaborado por Samuel Beckett e que revisita as

suas obras mais emblemáticas ('Molloy', 'Malone está a Morrer', 'À Espera de Godot' e 'O Inominável')".

SIC (2006)

"João Lagarto desenvolve o sentido dionisíaco do texto e contagiou o público com o absurdo da existência da

personagem que interpretou. Neste espectáculo o público é apanhado de surpresa no início e fica suspenso no

texto até ao fim. Porque o texto de Beckett é forte e humano e porque a personagem é desconcertantemente

bela".

Ana Oliveira, Jornal do Algarve (2006)

Revista de Imprensa

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João Lagarto[direcção, tradução, interpretação]

Estudou Actuação, no Conservatório de Lisboa (1972/74) e na Fundação Gulbenkian com o professor Adolfo Gutkin

(1980 / 81), e é actor profissional desde 1974. Trabalhou como actor, encenador e tradutor em mais de 60 peças de

autores como Gil Vicente, Samuel Beckett, William Shakespeare, Georges Feydeau, Botho Strauss, Bertolt Brecht,

Harold Pinter, David Mamet, Alfred Jarry, Brian Friel e António Patrício. É fundador de cinco grupos de teatro: Centro

Cultural de Évora (1975), Maizum (1981), Alta Recreação (1984), Teatro da Malaposta (1988) e Os Crónicos (2004). O

primeiro filme em que participou é "Histórias Selvagens", de António Campos (1978), tendo, desde então,

trabalhado com realizadores como Luís Rocha, Walter Salles Júnior, Ruy Guerra, João Mário Grilo, Joaquim Leitão,

Toni Verdaguer, Laurence Ferreira Barbosa, Bertrand Tavernier, Luís Galvão Teles, José de Sá Caetano ou Manuel

Mozos. Na televisão, começou por participar nos filmes de Luís Felipe Costa e na série "Duarte e Companhia", de

Rogério Ceitil, vindo a integrar os elencos de algumas telenovelas ("A Banqueira do Povo", "Os Lobos", …) e de várias

séries ("Cluedo", "Ballets Rose", "Os Polícias", "A Febre do Ouro Negro", "Os Távoras"…). Apresentou o programa "Mesa

à Portuguesa", participou em diversas produções para as televisões francesa, inglesa e alemã, onde trabalhou, entre

outros, com os realizadores Claude Guillemot, Franck Apprenderis, Michel Lang, Gero Erhardt, Marc Rivière, Robin

Davis, Gerard Marx, Susan Belbin, Joel Santini ou Pierre Koralnik. Foi responsável pela área de teatro no

lançamento da Escola de Circo - Chapitô. Foi professor de Actuação no IFICT (Instituto de Formação, Investigação

e Criação Teatral), participou no arranque do Curso de Animadores Turísticos da Escola Superior de Hotelaria e

Turismo do Estoril, como responsável pela cadeira de Artes e Espectáculos.

No TNDM II: "A Minha Mulher" (2007); "Começar a Acabar" (2006).

Ana Teresa Castelo [realização plástica]

Tem o curso de Design de Moda do IADE (Instituto de Arte e Design) e especializou-se em Fotografia de Moda no

mesmo Instituto. É formada em Realização Plástica do Espectáculo pelo Conservatório Nacional (Escola Superior de

Teatro e Cinema de Lisboa). Em televisão, trabalhou em várias séries e telenovelas ("Filhos do Vento") e na área da

publicidade trabalhou para a empresa de Lisboa Multitarefa, colaborando em diversas campanhas publicitárias. Em

teatro, fez cenografia e adereços para encenadores como Diogo Infante ("Um Vestido para 5 Mulheres"), Luís Miguel

Cintra ("Os Sete Infantes"), António Pires ("Peter Pan") e Filipe La Féria, com quem trabalhou durante três anos

consecutivos. Como figurinista colaborou com encenadores como José Gil, Kuniaki Ida ("A Resistível Ascensão de

Arturo Ui", de Brecht), João Paulo Costa ("A Ópera do Falhado", de JP Simões, e "Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?",

de Edward Albee), Sérgio Praia ("No Tempo dos Assassinos") e com a coreógrafa Joana Providência ("A Fada Oriana",

de Sophia de Mello Breyner). Actualmente, integra o quadro de docentes da Academia Contemporânea do

Espectáculo, onde lecciona as disciplinas de Figurinos e Prática Teatral e é figurinista da Companhia de Teatro ACE

/ Teatro do Bolhão.

Curricula

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Jorge Palma [música]

Fez estudos no Conservatório Nacional onde foi aluno, entre outros, de Maria Fernanda Chichorro. Entre 1986 e

1989 regressa, aliás, ao Conservatório, onde conclui o Curso Geral de Piano e frequenta o antigo Curso Superior de

Piano, onde é aluno da compositora Maria de Lourdes Martins. Em 1963, venceu o segundo prémio do Concurso

Internacional de Piano, integrado no Festival das Juventudes Musicais, em Palma de Maiorca (1963) e, a par da

formação erudita, começa a interessar-se pelo rock'n'roll e, de um modo geral, pela música popular americana e

inglesa. Integrou, nos anos seguintes, vários grupos musicais, como os Black Boys ou Sindicato. A estreia a solo de

Jorge Palma acontece com o single "The Nine Billion Names of God" (1972), título de um conto de Arthur C. Clarke

e inspirado também no livro "O Despertar dos Mágicos", de Louis Pauwels e Jacques Bergier. Por esta altura, inicia

uma colaboração com José Carlos Ary dos Santos, que o ajuda a aperfeiçoar a escrita poética e com quem

estabelece uma relação aluno-mestre. Depois de uma longa viagem pelos Estados Unidos, Canadá, Caraíbas ou

Dinamarca, regressa a Portugal após o 25 de Abril de 1974, iniciando uma carreira como orquestrador, entre 1974

e 1977, na indústria discográfica. Aqui se estabelece, com algumas viagens pontuais, e afirma-se como um dos

maiores músicos, compositores, letristas portugueses. "Acto Contínuo" (1982), "O Lado Errado da Noite" (1985; onde

se inclui o single "Deixa-me Rir"), "Bairro do Amor" (1989), "Só" (1991), "Jorge Palma" (2001), "Norte" (2004) e o seu

mais recente "Voo Nocturno" (2007) foram alguns dos êxitos que marcaram a sua carreira.

José Carlos Gomes [desenho de luz]

Tem o Curso de Realização Técnica do Espectáculo pela Academia Contemporânea do Espectáculo e frequentou a

licenciatura em Direito pela Universidade Portucalense. Realizou um estágio em Realização Técnica, na área da

Iluminação, no Reino Unido, onde trabalhou, como assistente, no Royal Tournement, sob a direcção de Robert

Ornbo, e no Royal National Theatre de Londres, sob a direcção de Rick Fisher. Foi coordenador técnico do Theatre

Royal, sob a direcção de Mark Passey. Como desenhador de luz, trabalhou com encenadores como Óscar Branco,

José Caldas, Caldeira Pires, Filipe Crawford, Jorge Alonso, Júlia Correia, Peta Lily, João Garcia Miguel, Isabel Alves,

Lygia Pap, António Capelo, Joana Providência, João Paulo Costa, Ricardo Pais, Nuno Carinhas ou Kuniaki Ida. Foi

membro e fundador do grupo de Teatro Bruto. Na área do cinema e vídeo, realizou o vídeo "A Cidade dos Diários",

para a companhia Visões Úteis. Realizou ainda, em co-autoria, o vídeo do espectáculo "Pioravante Marche", de

Joana Providência e assinou a fotografia do filme "O Belo Indiferente", de Jean Cocteau, realizado por André

Delalley. É director do Curso de Realização Técnica da Academia Contemporânea do Espectáculo / Escola de Teatro,

actual Director Técnico e Desenhador de Luz da Academia Contemporânea do Espectáculo / Teatro do Bolhão.

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Fundada no Porto, em 1990, a ACE Teatro do Bolhão configura-se como um espaço teatral sinergético, ancorado

numa considerável infraestrutura técnica e logística, que promove, em paralelo, a dinamização de uma escola

(Academia Contemporânea do Espectáculo) e de uma companhia. Sob a direcção artística de António Capelo, João

Paulo Costa, Joana Providência e Pedro Aparício a companhia promove um modelo eclético de produção teatral

agregando um conjunto alargado de profissionais residentes (encenadores, actores, coreógrafos, cenógrafos,

iluminadores, etc). Do âmbito do seu programa, de espectro artístico amplo, destacam-se: “A Resistível Ascensão de

Arturo Ui”, de B. Brecht, enc. Kukiaki Ida (co-produção TNSJ), “Começar a Acabar”, de S. Beckett, enc. João Lagarto

(co-produçao TNDM II), “Mão na Boca”, a partir de Paula Rego, enc. Joana Providência (co-produção Fundação de

Serralves), “A Ópera do Falhado”, de JP Simões, enc. João Paulo Costa (co-produção Coimbra 2003) e “Quem tem

Medo de Virgínia Woolf”, de e. Albee, enc. João Paulo Costa.

O ano de 2008 é marcado pela presença regular da companhia em Lisboa destacando-se as apresentações de “A

Ronda Nocturna”, de Lars Norén, encenação de João Paulo Costa, em co-produção com o Teatro Maria Matos e

“Ladrões de Almas”, a partir de Herberto Helder, coreografia de Joana Providência, em co-produção com a

Culturgest.

ACE / Teatro do BolhãoA Companhia

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TNDM IIPraça D. Pedro IV1000 - 201 Lisboawww.teatro-dmaria.pt

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