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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
URGENTE: ADOLESCENTE INTERNADO
INAPLICABILIDADE DA INTERNAÇÃO-SANÇÃO – REMISSÂO –
NULIDADE ABSOLUTA POR AUSÊNCIA DE DEFESA EM TODO O
PROCESSO - PRESCRIÇÂO
BRUNO CESAR DA SILVA, brasileiro, solteiro,
Defensor Público do Estado de São Paulo, classificado na Defensoria Pública de
Bauru, com endereço para intimação na cidade de Ribeirão Preto- SP, Rua Alice
Alem Saad, 1.256, vem impetrar ordem de HABEAS CORPUS com pedido de
LIMINAR em favor de LUAN MARCOS CAMPOS, por estar sofrendo
constrangimento ilegal nos autos do processo de execução de medida
socioeducativa nº 0001629-42.2013.8.26.0070, trâmite na Comarca de Batatais-SP
figurando como autoridade coatora o MM. JUIZ DA VARA DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE DA COMARCA DE BATATAIS, em virtude de decisão que decretou a
internação-sanção do adolescente sem amparo legal e em clara violação dos
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
preceitos do Estatuto, havendo ainda uma sucessão de ilegalidades permeando o
referido processo, conforme adiante se demonstrará.
I - DOS FATOS
Em setembro de 2012, o adolescente Luan Marcos
Campos recebeu remissão ministerial como forma de exclusão do processo
cumulada com a medida de Liberdade Assistida em virtude da suposta prática de
ato infracional equiparado ao crime de lesão corporal (artigo 129 do CP) datado
de 03 de maio de 2012. Decorre daí a primeira ilegalidade, já que no ato de
aceitação da remissão da cumulada com medida socioeducativa o
adolescente não estava acompanhado de advogado.
O adolescente iniciou o cumprimento da medida em
março de 2013 e permaneceu assíduo na mesma até julho de 2013.
Em fevereiro de 2014 ele foi advertido quanto as
consequências do descumprimento da medida.
Apesar de passados mais de um ano de execução da
medida, o adolescente seguiu sem advogado ou defensor público em todos os
momentos do processo, inclusive na audiência de justificação, contrariando
toda a sistemática do SINASE, configurando assim a segunda ilegalidade.
Ainda, analisando-se o descumprimento dos
dispositivos do SINASE (Lei 12.594/2012), verifica-se que também não foi
juntado aos autos o Plano Individual de Atendimento (Capítulo IV do
SINASE), que deveria ter sido apresentado 15 dias após o encaminhamento
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
do adolescente ao programa, decorrendo dai a terceira ilegalidade destes
autos.
Em 14 de julho de 2014, após relatório informando o
descumprimento da medida, o M.M. Juiz da Comarcar da Batatais decretou a
INTERNAÇÂO-SANÇÂO CAUTELAR PROVISÓRIA do adolescente, pelo prazo de
30 dias, para que então seja ouvido quanto ao descumprimento. Como o
adolescente nunca teve defensor ou advogado nos autos, consequentemente
a referida decisão também se deu ao arrepio dos princípios do contraditório
e da ampla defesa.
Ocorre Excelências, que como será cabalmente
demonstrado através do presente remédio constitucional, além de não existir
previsão legal de tal instrumento cautelar, a internação-sanção no caso em
apreço é vedada pela legislação e jurisprudência pátria por ter sido a medida
aplicada em sede de remissão. Por fim, vale ressaltar que a punibilidade do ato
infracional supostamente praticado já encontra-se prescrita, não havendo
mais que se falar em execução da medida.
II – DA IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÂO DE INTERNAÇÃO-SANÇÃO PELO
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA APLICADA EM SEDE DE REMISSÃO
A medida socioeducativa de internação com prazo
determinado, também conhecida como internação-sanção, tem previsão no artigo
122, inciso III do ECA.
Pelo dispositivo legal, a medida poderá ser imposta
“por descumprimento reiterado e injustificável de MEDIDA ANTERIORMENTE
IMPOSTA” (grifos nossos).
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
A imposição de medida socioeducativa, em respeito aos
princípios da presunção de inocências, do contraditório e da ampla defesa, só pode
se dar por sentença proferida em processo de conhecimento, após transcorrido
todo o devido processo legal.
Dessa forma, impossível se falar em internação-
sanção em razão do descumprimento de medida aplicada em cumulação à
remissão, já que esta não importa em reconhecimento de culpa ou de
responsabilização, nem mesmo prevalecendo para fins de antecedentes.
Havendo descumprimento da medida, deverá o Estado,
através do seu órgão acusador, requerer a revogação do benefício nos termos do
artigo 128 do Estatuto, retomando então a possibilidade de apresentar
representação e dar sequência na ação socioeducativa.
Neste sentido, diversos precedentes, inclusive do TJ SP:
“MENOR - Remissão oferecida pelo Ministério Público
cumulada com medida de liberdade assistida - Homologação
pela Autoridade Judiciária - Conversão em internação ante o
descumprimento da ordem judicial pelo menor -
Inadmissibilidade - Nulidade absoluta - A aplicação de
medida sócio -educativa cumulada com a remissão só é
possível com o devido processo legal - Inocorrência -
Necessidade de recolhimento do mandado de busca e
apreensão - Ordem concedida.” (Habeas Corpus n. 047.451-
0 – TJ SP - Câmara Especial - Relator: Djalma Lofrano -
02.04.98).
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“ECA. Regime de internação imposto por descumprimento
de medida sócio-educativa anterior nos termos do inc. II do
art. 122 do ECA e que fora imposta à concessão de remissão.
Circunstância por si que não autorizaria a aplicação da
internação sanção. Ilegalidade existente. Ordem concedida.”
(HC 50.003.0/5-00 rel. Alvaro Lazzarini TJSP – Cam. Esp).
“Trata-se de internação-sanção imposta em virtude de
descumprimento pela paciente de medida socioeducativa de
liberdade assistida aplicada quando da homologação pelo
Juízo da remissão concedida pelo Ministério Público. E é
entendimento deste relator da impossibilidade de aplacação
de qualquer medida socioeducativa sem a existência do
devido processo legal, no caso de procedimento de apuração
de ato infracional. Ora, a própria liberdade assistida imposta
de forma inadequada já consistiria constrangimento ilegal a
paciente. Destarte, com maior razão a ilegalidade da
conversão da liberdade assistida em internação-sanção.”
(HC 48.273.0/6 - TJSP – Cam. Esp - rel. Cunha Bueno)
"Habeas Corpus - aplicação da internação-sanção em virtude
do descumprimento de liberdade assistida imposta sem a
existência de procedimento de apuração de ato infracional -
concessão da ordem.” (HC 49.121.0/0-00 - TJSP – Cam. Esp -
rel. Álvaro Lazzarini)
“Habeas Corpus - conversão para internação de medida
sócio-educativa imposta sem procedimento de apuração de
ato infracional - concessão da ordem.” (HC. 56.530.0/3-00 –
TJ SP - rel. Cunha Bueno)
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“Agravo de Instrumento - imposição de internação-sanção
decorrente do descumprimento pelo menor de medida
sócio-educativa imposta por ocasião da homologação da
remissão pré -processual - violação ao princípio do devido
processo legal - habeas corpus concedido de ofício e recurso
prejudicado.” (AI 47.031.0/5-00 - TJSP – Cam. Esp - rel.
Cunha Bueno).
Impossível imaginar que alguém que nunca foi nem
mesmo processado, já que não existe se quer representação em face do
adolescente, possa ser INTERNADO!!!! Rasga-se todos os princípios inerentes
ao devido processo legal!
III – DA FALTA DE PREVISÃO LEGAL DA CAUTELAR UTILIZADA E DA OFENSA
AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E À AMPLA DEFESA – AUDIÊNCIA DE OITIVA DO
ADOLESCENTE
Diante do descumprimento da medida de liberdade
assistida, o M.M. Juiz decretou a INTERNAÇÂO-SANÇÂO CAUTELAR PROVISÓRIA
do adolescente, pelo prazo de 30 dias, para que então seja ouvido quanto ao
descumprimento.
Ocorre que o instrumento utilizado não possui
previsão em NENHUM dispositivo legal do Estatuto, do SINASE ou de qualquer
outra legislação do direito da criança e do adolescente.
A internação provisória prevista no artigo 108 do ECA
trata de hipótese de cautelar para o processo de conhecimento, tendo prazo de 45
dias.
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As demais hipóteses de internação estão todos
previstas no artigo 122 do ECA, estando entre elas a internação-sanção que exige
que o descumprimento da medida seja reiterado e injustificável.
Havendo descumprimento da medida a legislação
aponta a necessidade de se ouvir o adolescente, até para se verificar se o
descumprimento é injustificável, e, sendo o descumprimento reiterado, permite
então ao magistrado a aplicação da sanção, não existindo nenhum instrumento
cautelar em lei para cercear a liberdade do adolescente e então realizar sua oitiva,
muito menos baseado em fundamentação genérica da “urgência que o caso
demanda”.
No caso em questão isso nem mesmo seria
necessário já que todas as vezes que foi intimado para comparecer em juízo o
adolescente compareceu e se justificou.
No tocante ao tema, é matéria pacificada no Superior
Tribunal de Justiça, por meio da súmula 265, que “é necessária a oitiva do menor
infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa”. Tal súmula
decorre da observância indispensável dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa. A demonstrar a importância destes princípios, a
Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase) dita, em seu artigo 49, inciso I, que é direito do
adolescente “ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor,
em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial”.
Em segundo lugar, cabe destacar o artigo 122, §1º, do
ECA com a redação dada pela Lei do Sinase: “O prazo de internação na hipótese do
inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses, devendo ser decretada
judicialmente após o devido processo legal”.
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A exigência de audiência prévia do adolescente, como
etapa fundamental do devido processo legal para eventual aplicação de internação-
sanção, é trazida expressamente no artigo 43, §4º, inciso II, da Lei do Sinase, o qual
prevê que “a substituição por medida mais gravosa somente ocorrerá em situações
excepcionais, após o devido processo legal, inclusive na hipótese do inciso III do
artigo 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e deve ser: I – fundamentada em
parecer técnico; II – precedida de prévia audiência, e nos termos do §1º do artigo
42 desta Lei”.
Não obstante, insta consignar que o fato do adolescente
já ter sido advertido em uma primeira oportunidade não dispensa a observância
do requisito legal da oitiva prévia. Nessas situações, deve-se tentar agendar outra
audiência, eventualmente com a condução coercitiva do adolescente para que ele
possa dar sua versão sobre o suposto novo descumprimento da medida
socioeducativa.
A decisão violou ainda o procedimento legal, que
prevê expressamente a exigência de que a medida seja fundamentada em
parecer técnico, o que não ocorreu no presente caso. A Secretaria Municipal
de Assistência Social simplesmente comunicou ao Juízo que o Paciente não
havia comparecido para dar início ao cumprimento da medida, mas não
opinou pela decretação da internação-sanção.
Diante disso, fica claro que a presente internação-
sanção é medida absolutamente ilegal de privação da liberdade do adolescente, e
merece ser imediatamente reformada. Nesse sentido, jurisprudência desse E.
Tribunal de Justiça:
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“Habeas Corpus – Execução de medida socioeducativa
de semiliberdade – Descumprimento – Jovem não
localizado para oitiva judicial – Aplicação de
internação-sanção – Impossibilidade – Violação à
disposição contida no artigo 122, inciso III, do ECA –
Necessidade de prévia oitiva do adolescente – Aplicação
da súmula nº 265 do Superior Tribunal de Justiça –
Ordem parcialmente concedida” (HC 176.032-0/6-00,
Rel. Des. Maria Olívia Alves, J. 25.05.2009);
“HABEAS CORPUS – Imposição de medida de internação
sanção por descumprimento de medida de
semiliberdade, anteriormente imposta, sem o
comparecimento da adolescente a audiência de
justificação. Inadmissibilidade. Aplicação do art. 111,
inciso V, do ECA. Não se pode aplicar internação sanção
sem a oitiva do adolescente, dando-lhe o direito de
justificar o não cumprimento de medida anteriormente
imposta. O r. Decisório será anulado com respeito a
aplicação da internação sanção. Entretanto, a busca e
apreensão do jovem será mantida, para que seja
conduzido a audiência de justificação, que em não sendo
plausível, poderá acarretar a internação-sanção, no
máximo por três meses. Ordem parcialmente concedida”
(TJSP, HABEAS CORPUS Nº: 128.095-0/6-00, Rel. Des.
Eduardo Gouvêa, 13/02/2006).
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Ainda, nesse diapasão, importante salientar que esse
Tribunal em situação idêntica a narrada nesse remédio de égide constitucional
decidiu que:
HABEAS CORPUS – Internação – Sanção – Descabimento
– Não há que se falar em decreto de internação-sanção
antes da oitiva do paciente, que poderá ser conduzido
coercitivamente para a audiência de justificação –
Decisium reformado – Ordem Concedida – TJSP, HABEAS
CORPUS Nº 2006446-34.2013.8.26.0000, Rel. Des.
Samuel Júnior, 26/08/2013).
Assim, verifica-se que a decisão proferida não
observou a ampla defesa e o contraditório por parte do adolescente, e inobservou
de forma absoluta o devido processo legal e o devido procedimento legal, trazidos
não apenas pela lei federal, mas pela própria Constituição Federal. Portanto, é caso
de nulidade da decisão aqui combatida, para fins de condicionar a aplicação da
medida de internação-sanção à existência de laudo técnico fundamentando a sua
necessidade e à oitiva prévia do adolescente em audiência, com a garantia de
defesa técnica.
III - DA CONTRARIEDADE AO INCISO III DO ARTIGO 122 DO ECA
O artigo 122, inciso III, do Estatuto da Criança e do
Adolescente determina que a medida de internação só poderá ser aplicada “por
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”.
Desde logo se verifica que os parâmetros legais para
decretação da internação-sanção não foram observados. Não houve
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descumprimento reiterado, pois não basta um único descumprimento para a
configuração da reiteração que autoriza a decretação da internação-sanção. Isto
porque a expressão “reiterado” prevista no dispositivo citado indica que o
descumprimento da medida deve ocorrer mais de duas vezes, já que as expressões
“reincidência” e “reiterado” não são sinônimas. Além disso, o legislador não se
utilizaria de expressões diversas com a mesma significação, pelo que fica claro que
o descumprimento da medida deve ocorrer, no mínimo, três vezes.
Neste sentido, tanto o Supremo Tribunal Federal
quanto o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram:
“1. Descumprimento da medida socioeducativa aplicada
pela prática de ato infracional, em tese, não sujeito à
medida de internação e cometimento de novo ato
infracional mediante grave ameaça ou violência à
pessoa, apurado em processo diverso - substituição da
medida aplicada por outra de internação, com
fundamento no art. 113 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (L. 8.069/90) - impossibilidade. A prática de
ato infracional ‘mediante grave ameaça ou violência a
pessoa’ ou a reiteração ‘no cometimento de outras
infrações graves’ (Art. 122, I e II, respectivamente),
embora justifiquem, per si – após o procedimento de
apuração do ato infracional, com as garantias previstas
-, a aplicação da medida de internação de que trata o
art. 121, não servem para fundamentar a substituição
da medida já aplicada pela de internação. De outro lado,
descumprida, a medida de semiliberdade, por uma
púnica vez, sequer caberia invocar, a regressão prevista
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no art. 122, III, aplicável apenas às hipóteses de
‘descumprimento reiterado e injustificado’. Também não
há falar em ‘internação-substituição’ com fundamento
no art. 113 da 8.069/90, tendo em vista que a
substituição – na linha da tese adotada no HC 74.715, 2ª
T., Maurício Corrêa, DJ 16.5.97 – somente é aplicável
quanto às medidas específicas de proteção (arts. 101; e
112, VII). 2. Ordem deferida.” (STF, HC 84.603-3, São
Paulo, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.
09.11.2004, DJ 03.12.2004);
“... Por fim, infere-se dos autos que o adolescente
descumpriu uma única vez a medida socioeducativa de
semiliberdade, praticando novo ato infracional, motivo
pelo qual não há falar em "descumprimento reiterado
da medida anteriormente imposta (art. 122, III, do
ECA)” (HC 57.251/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES
LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 22.08.2006, DJ
18.09.2006 p. 347).
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO
INFRACIONAL EQUIPARADO A FURTO. REINCIDÊNCIA.
REITERAÇÃO. MEDIDA DE INTERNAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. I - A medida sócio-educativa de
internação está autorizada nas hipóteses taxativamente
previstas no art. 122 do ECA. II - A reiteração, para
efeitos de incidência da medida de internação, ocorre
quando verificados, no mínimo, três casos de
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descumprimento injustificável de medida anteriormente
imposta. Descumprindo-se apenas 1 (uma) vez, como o
foi na hipótese dos autos, não é possível a aplicação da
referida medida. Recurso provido” (RHC 13981/SP, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
03/04/2003, DJ 05/05/2003, p. 314).
Não tendo havido sequer descumprimento reiterado, é
evidente que igualmente não houve descumprimento reiterado injustificável¸ por
uma mera questão de lógica. Ainda que o único descumprimento apontado seja
injustificável (o que não é possível concluir, vez que não houve oitiva do
adolescente), seria necessário o descumprimento injustificável por ao menos 3
(três) vezes para autorizar a internação-sanção.
Destaca-se que o artigo 122 prevê a restrição a um
direito fundamental, qual seja, a liberdade de um adolescente e, por isso, é caso
para a interpretação literal e restritiva do dispositivo em questão, vez que ampliar
sua aplicabilidade ou flexibilizar a exigência do preenchimento dos requisitos
configuraria absoluta arbitrariedade. O próprio princípio da legalidade dita que, no
caso de restrição a um direito, a própria interpretação deve ser restritiva.
IV – DA NULIDADE DA REMISSÃO APLICADA POR AUSÊNCIA DE ADVOGADO
OU DEFENSOR NO ATO DE CONCORDÂNCIA.
Analisada a total ilegalidade do ato que
determinou a restrição da liberdade do adolescente, por falta de amparo legal e
por descumprimento de todos os seus requisitos, passemos então a análise do ato
que gerou todo o processo de execução e que, como já dito anteriormente, também
está contaminado com nulidade absoluta.
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Como apresentado no início deste remédio
constitucional, o presente processo de execução iniciou-se em virtude da
concessão de uma remissão ministerial ou pré-processual cumulada com a medida
de liberdade assistida.
Sem querer neste adentrar na discussão acerca
da constitucionalidade e da legalidade da cumulação de medida na remissão
aplicada pelo membro do Ministério Público, já que trata-se de aplicação de sanção
sem nem mesmo haver processo, é indiscutível na doutrina e na jurisprudência
que essa cumulação só pode ocorrer se o adolescente estiver acompanhado de
advogado ou defensor público no ato da concordância.
Mesmo porque, se não observada, ensejaria nulidade do procedimento,
vez que o adolescente estaria sendo “condenado” sem o devido processo legal e a
ampla defesa, princípios basilares do Direito Penal, que em âmbito de Criança e
Adolescente devem ser aplicados com ainda maior rigor para proteção quando da
restrição de seus direitos.
A jurisprudência do STJ e dos Tribunais Estaduais também tem se
posicionado de forma unânime desta forma.
“HABEAS CORPUS Nº 67.826 -SP (206/020358-1)RELATORA : MINSTRA MARIA THERZA DE ASIS MOURAIMPETRANTE : JOSÉ DIRCEU DE JSU RIBEIRO EOUTROSIMPETRADO : DESMBARGADOR VICE PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : S PM (MENOR)EMENTACRIANÇA EADOLESCENTE. HABEAS CORPUS . AUDIÊNCIA DE APRESNTAÇÃO. DEFSA TÉCNICA. PRESCINDIBLIDADE. CONSTRANGIMENTO. RECONHECIMENTO.
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1. A remissão, nos moldes dos arts. 126 es. do ECA, implica submissão a media sócio educativa sem processo. Tal providência, com significativos efeitos na esfera pessoal do adolescente, deve ser imantada pelo devido processo legal. Dada a carga sancionatória da media possivelmente assumida, é imperioso que o adolescente se faça acompanhar por advogado, visto que a defesa técnica, apanágio da ampla defesa, é irrenunciável.2. Ordem concedia par anular o processo e, via de consequência, reconhecer a prescrição do ato infracional imputado à paciente.”
RECURSO DE APELAÇÃO - ECA - ESTELIONATO - TENTATIVA - REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA - SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA QUE EXCLUIU AS MEDIDAS REQUERIDAS - IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL - JUÍZO DE RETRATAÇÃO - REFORMA EM PARTE - NULIDADES - FALTA DE CONSENTIMENTO DO ADOLESCENTE, EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS APLICADAS - AUSÊNCIA DE DEFENSOR AO MENOR - DECISÃO ANULADA, DE OFÍCIO, PREJUDICADO O EXAME DE MÉRITO. (Acórdão 12189, 1ª Câmara de Direito Penal, Recurso de Apelação ECA n° 87.998-7 Jacarezinho, Relator: Clotário Portugal Neto)
Assim, incontestável que todo o processo de execução é
nulo vez que o ato que o gerou não observou o princípio da ampla defesa.
V – DA NULIDADE DE TODO O PROCESSO DE EXECUÇÃO POR AUSÊNCIA DE
ADVOGADO OU DEFENSOR E POR AUSÊNCIA DO PLANO INDIVIDUAL DE
ATENDIMENTO
Ainda que V.Exas. entendam que não houve nulidade
do processo pela falta de advogado no ato da remissão, o presente processo ainda
está permeado de outras duas nulidades de caráter absoluto.
Ocorre que todo o processo de execução, desde a
abertura dos autos até a decisão que determinou a restrição da liberdade do
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
adolescente, correu sem a presença de advogado ou defensor público,
totalmente ao arrepio dos direitos à ampla defesa e ao contraditório.
O artigo 49, inciso I, do SINASE, determina que é
direito do adolescente ser acompanhado em todas as fases, administrativa ou
judicial, por advogado ou defensor público.
Além disso, o artigo 37, também do SINASE, impõe a
necessidade de intervenção da defesa no procedimento judicial de execução da
medida sob pena de nulidade.
Nos presentes autos o adolescente NUNCA foi
acompanhado por advogado ou defensor, tendo inclusive participado de audiência
de justificação sem a presença de patrono. Não houve manifestação da defesa
quanto a relatórios e nem mesmo possibilidade de contraditório prévio a decisão
que determinou a internação-sanção.
Além disso, também verifica-se nos autos que até hoje
não foi juntado o Plano Individual de Atendimento do adolescente, que por lei deve
ser apresentado até no máximo 15 dias após o ingresso do adolescente no
programa (artigo 56 do SINASE).
Como determinar se o adolescente cumpriu ou
não cumpriu a medida socioeducativa se NUNCA foram estipuladas suas
metas? Como falar em medida socioeducativa se não existe um plano de
atendimento do adolescente?
Desta forma evidente a presença de mais uma
nulidade absoluta no presente processo.
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
Como se pode verificar Excelências todo este
processo de execução está envolto de nulidades, sendo difícil encontrar um ato
válido no mesmo, sendo primordial que todo o mesmo seja julgado nulo.
VI - DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
Trata-se de execução de medida socioeducativa de
liberdade assistida concedida em sede de remissão ministerial em 10 de
novembro de 2012 (fls. 19), pela prática em tese do crime de lesão corporal (art.
129 do Código Penal), ocorrido em 03 de maio de 2012.
Cumpre salientar que no caso telado ocorreu a
extinção da punibilidade em virtude da prescrição.
Assim, tendo em vista que há previsão da prescrição
no sistema penal brasileiro, não há como negar a aplicação desse instituto nos
casos do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerando que apesar da
natureza pedagógica da medida socioeducativa, esta também possui o caráter
repressivo.
Dessa maneira, deve-se aplicar subsidiariamente o
disposto no Código Penal no que tange ao prazo prescricional dos crimes, bem
como tal prazo devem ser reduzidos pela metade, por ser o agente menor de 21
anos. É o que dispõe a Súmula 338 do STJ “a prescrição penal é aplicável nas
medidas socioeducativas.”
No caso em tela, o adolescente foi beneficiado com
instituto da remissão, que não tem caráter de pena e não significa nem mesmo
Rua Alice Alem Saad, n.º 1256, Ribeirão Preto/SP - fone (16) 3965-4151
reconhecimento de culpa, já que nem mesmo existe ação socioeducativa em face do
mesmo.
Além do mais, por total falta de previsão legal, não há
que se falar em interrupção da prescrição, visto que os marcos interruptivos tem
rol taxativo previsto no artigo 117 do Código Penal, sendo o primeiro deles o
recebimento da representação, o que não ocorreu no caso em tela já que nem
mesmo existe representação.
Também não há que se falar em utilização do prazo
da liberdade assistida, visto que não houve aplicação de pena mas somente uma
transação, mantendo-se o entendimento do STJ de que aplica-se o prazo do crime
em abstrato até a sentença penal condenatória para fins de cálculo de prescrição.
O crime de lesão corporal, previsto no artigo art. 129
do Código Penal tem pena máxima prevista de 1 ano. Dessa forma, pelo artigo 109,
inciso V, c/c artigo 115, ambos do CP, a prescrição se dá em 2 anos. Desta forma,
verifica-se que contado da data do fato, 03 de maio de 2012, a prescrição pela pena
em abstrato se deu em 03 de maio de 2014.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
também é tranqüila nesse sentido.
“ECA. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. PENA MÁXIMA (DO CRIME CORRESPONDENTE) DE CINCO MESES. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 338/STJ. ARTIGO 115 DO CÓDIGO PENAL. PRAZO: UM ANO. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. Esta Corte aplica as normas do Código Penal à prescrição da pretensão socioeducativa (Súmula 338/STJ). Não havendo fixação de prazo máximo de
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sujeição, o lapso prescricional é de quatro anos. Todavia, à luz do princípio da proporcionalidade, se a medida socioeducativa for por prazo fixo, ou se a pena máxima do delito análogo for igual ou inferior a dois anos, empregam-se tais quantitativos para o cômputo.2. A duração máxima da pena imposta ao crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/06) é de cinco meses, conduzindo ao prazo prescricional de dois anos, reduzido, diante da menoridade, a um ano. Tendo o fato ocorrido em 14.11.2007, e, não havendo sequer o recebimento da representação, tem-se por consumada a prescrição da ação socioeducativa.3. Ordem concedida, acolhido o parecer, para decretar a prescrição da ação socioeducativa nº 015.07.11817-0, da Primeira Vara Especial da Infância e da Juventude da comarca da Capital de São Paulo.”(HC 153080/SP, Relator: MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Julgado em 31/05/2011)
Vale ressaltar, que o SINASE não prevê a
possibilidade de suspensão da execução e, portanto, nem mesmo da prescrição,
não havendo que se falar que a mesma esta suspensa. Também não poderia ser de
outra forma, já que as medidas socioeducativas se baseiam nos princípios da
atualidade, da brevidade e da excepcionalidade, que restariam prejudicados se a
execução pudesse restar suspensa por prazo indeterminado já que caso um dia
fosse encontrado o adolescente toda a situação fática estaria alterada.
Se o adolescente não estava cumprindo com a medida
aplicada em sede de remissão deveria o Estado, através do seu órgão acusatório,
requerer a revogação da mesma dentro do prazo prescricional do ato infracional e
então representar o adolescente pela prática do ato e não aplicar sanções como se
o adolescente já tivesse sido processado e condenado ou muito menos considerar
que restou suspensa a prescrição, criando verdadeira exceção inconstitucional de
imprescritibilidade!
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Diante de todo o exposto, aguarda esta Defensoria
Pública seja reconhecida a extinção da punibilidade pela prescrição extinguindo-se
o presente processo.
V - DA CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM
Sendo flagrante o constrangimento ilegal que vem
sofrendo o Paciente, é caso de concessão liminar do pleiteado. O fumus boni iuris
ficou claramente demonstrado por todas as nulidades apontadas. Quanto ao
periculum in mora, como já ressaltado, este consiste na iminência de privação ilegal
da liberdade de locomoção do Paciente, impedindo-o, assim, de exercer um direito
fundamental estabelecido na Carta Magna e, também, disposto no art. 15 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual determina que o direito à liberdade é
um direito fundamental de toda criança e adolescente.
Cabe destacar que, caso não seja concedida
imediatamente a ordem de habeas corpus pretendida, há alta probabilidade de que
o presente writ perca seu objeto, considerando-se o prazo que foi determinado
para o cumprimento da internação-sanção, o que comprova o perigo processual da
demora, qual seja, o de se ter ao final um provimento jurisdicional inútil e que não
atenda à sua finalidade: resguardar com eficiência os direitos das pessoas.
VI - DO PEDIDO
Ante todo o exposto, requer, com urgência, a concessão
de MEDIDA LIMINAR para o fim de determinar que o adolescente Luan Marcos
Campos seja prontamente colocado em liberdade, suspendendo-se a execução da
medida pelas nulidades apresentadas. Requer, ainda, após o processamento do
presente feito, com a vinda das informações caso Vossas Excelências entendam
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indispensável, haja por bem esse Egrégio Tribunal confirmar a medida liminar,
concedendo a ordem em favor do Paciente e anulando todo o processo por conta
de suas nulidades e extinguindo o processo pela prescrição da pretensão punitiva,
nos termos acima expostos.
Nestes termos, pede deferimento.
Ribeirão Preto, 30 de julho de 2014.
Bruno Cesar da Silva 18º Defensor Público De Ribeirão Preto
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