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Envie FUTEBOL para 46956 E ASSINE O custo é de R$0,31+imp/msg. Válido para todas as operadoras Para cancelar, envie SAIR para 46956 Receba notícias do Grêmio ou Inter no seu celular. DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012 A o ignorar as ordens da Jus- tiça, torcedores envolvidos em pancadarias desmo- ralizam as autoridades e os dois maiores clubes gaúchos. Eles estão proibidos de entrar nos estádios – e deveriam se apresentar em uma de- legacia toda vez que o Grêmio ou o Inter jogassem em Porto Alegre. Não é o que ocorre. Nenhum entre sete jovens atual- mente banidos das arquibancadas cumpre a medida. Dois deles, um gremista e um colorado, foram fla- grados por Zero Hora dentro do Olímpico e do Beira-Rio, incólumes a qualquer fiscalização. Na prática, a lei se mostra um faz de conta.A polícia empurra a culpa para a Justiça, que empurra a culpa para a polícia, que empurra a culpa para os clubes, que empurram a culpa para a Justiça e para a polícia. E o caminho acaba livre para os infratores. Nesta série de reportagens, que co- meça neste domingo e se estende até terça-feira, ZH mostra por que uma legislação considerada um sucesso em países como a Espanha e a In- glaterra – onde a fúria das torcidas foi amenizada com uma repressão vigorosa do Estado – por aqui ainda é uma fantasia. [email protected] [email protected] PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM

Drible na Justiça

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Série de reportagens de Zero Hora

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Page 1: Drible na Justiça

Envie FUTEBOL para 46956 E ASSINE O custo é de R$0,31+imp/msg. Válido para todas asoperadoras Para cancelar, envie SAIR para 46956Receba notícias do Grêmio ou Inter no seu celular.

DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

A o ignorar as ordens da Jus-tiça, torcedores envolvidosem pancadarias desmo-

ralizam as autoridades e os doismaiores clubes gaúchos. Eles estãoproibidos de entrar nos estádios – edeveriam se apresentar em uma de-legacia toda vez que o Grêmio ou oInter jogassem em Porto Alegre. Nãoé o que ocorre.

Nenhum entre sete jovens atual-mente banidos das arquibancadas

cumpre a medida. Dois deles, umgremista e um colorado, foram fla-grados por Zero Hora dentro doOlímpico e do Beira-Rio, incólumesa qualquer fiscalização.

Na prática,a lei se mostra um faz deconta.A polícia empurra a culpa paraa Justiça, que empurra a culpa para apolícia, que empurra a culpa para osclubes, que empurram a culpa para aJustiça e para a polícia. E o caminhoacaba livre para os infratores.

Nesta série de reportagens, que co-meça neste domingo e se estende atéterça-feira, ZH mostra por que umalegislação considerada um sucessoem países como a Espanha e a In-glaterra – onde a fúria das torcidasfoi amenizada com uma repressãovigorosa do Estado – por aqui aindaé uma fantasia.

[email protected]@zerohora.com.br

PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM

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30 DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012ZERO HORA

Com a mão direita indo e vindo em fren-te à testa,Jeferson Rodrigo Kuchinski,23anos, é o retrato da liberdade enquantopula e canta “dá-lhe ô, dá-lhe ô, dá-lhe

Grêmio,dá-lhe ô”.O Grêmio perderia aquela partida por 1 a 0 contra

o Atlético-MG, em pleno Olímpico. Mesmo assim,sem nenhum constrangimento, Jeferson postaria nodia seguinte, no Facebook, fotos do seu entusiasmoem meio à Geral, a principal torcida organizada doclube. Não havia motivos para se esconder: as auto-ridades nunca deram sinais de que cobrariam suapresença na 2ª Delegacia de Polícia da Capital, ondeele deveria estar naquela tarde de 1º de julho.

Uma semana depois, Gabriel Maidana Bassani, 23anos,prefere a discrição enquanto assiste à vitória doInter sobre o Cruzeiro por 2 a 1, no Beira-Rio. Nãoveste a camisa do time. Não acompanha a cantoriada Super Fico, a torcida da qual faz parte. E demons-tra desconforto quando uma máquina fotográficaparece apontar em sua direção.

– Sem foto, sem foto! – grita ele para um torcedorde câmera em punho.

Gabriel sabe que seu destino correto, naquele dia,seria a 20ª Delegacia de Polícia – situada a sete quar-teirões dali.

A presença dele no Beira-Rio – e a de Jeferson noOlímpico, ambas flagradas por ZH – revela comouma legislação bem-intencionada, cujo princípioseria impedir arruaceiros de ingressar nos estádios,sucumbe à frouxidão do poder público e dos pró-prios clubes. Desde fevereiro, quando se envolveramem uma pancadaria antes de um Gre-Nal (leia maisna página ao lado), Jeferson e Gabriel estão proibidospor seis meses de torcer nas arquibancadas.

Outros dois rapazes detidos no mesmo tumulto, ogremista Thiago Araújo da Rosa e o colorado Anto-nio Flávio Valadão de Almeida, também ignoram aordem judicial: jamais se apresentaram à polícia emdias de jogos. E a polícia nunca alertou a Justiça so-bre suas ausências.

– Não fui nenhuma vez à delegacia. Não me co-braram nada até agora, ninguém me ligou. Parei deir ao estádio por questões pessoais, mas se quisessepoderia ter ido – avalia Thiago, 29 anos, para em se-guida expor sua conduta como “torcedor”. – Já memeti em muita briga de torcida. Se tiver que brigar,brigo sim. Tenho que defender meus amigos, defen-der meu clube.

Em 26 de março, o Grêmio recebeu um ofício dojuiz Amadeo Ramella Buttelli,do 2º Juizado EspecialCriminal (Jecrim), pedindo que fiscalizasse a entra-da de Thiago e Jeferson no Olímpico. Três dias de-pois,sem qualquer empecilho,Jeferson já ingressavano estádio para assistir à partida contra o Avenida,vencida pelo Grêmio por 4 a 0. Ele mesmo publi-cou no Facebook uma foto fazendo pose dentro doOlímpico.

A mesma inação se repete no Inter: jamais o clu-be tomou providências para barrar a entrada doscolorados infratores, como o juiz Buttelli solicitouem 21 de março. Na 20ª DP, onde Gabriel e Antoniodeveriam se apresentar no último dia 8, enquanto oInter vencia o Cruzeiro no Beira-Rio, a funcionáriade plantão informou que um deles chegou a compa-recer uma vez,mas“isso já faz tempo”:

– Sei lá, acho que faz uns quatro meses. Nem lem-bro o nome dele.

Não é o que apontam os registros da delegacia.Ne-nhum torcedor cumpriu a medida um dia sequer.

O que disseJeferson Rodrigo Kuchinski

gremista proibido de entrar no Olímpico

Zero Hora – Você está proibidopela Justiça desde fevereiro defrequentar o Olímpico. Que pos-tura está adotando?

Jeferson Rodrigo Kuchinski– Estou cumprindo. Até porque (oprazo de seis meses) está terminan-do,falta menos de um mês.Quandoterminar,quero voltar ao Olímpico.

ZH – Você diz que está cum-prindo a ordem judicial?

Jeferson – Estou.

ZH – Mas está se apresentandoà delegacia no horário dos jogos?

Jeferson – Não,aí não dá,porqueeu trabalho.Nem teria como.

ZH – Apenas parou de ir aosjogos do Grêmio?

Jeferson – Isso.Até porque estoutrabalhando,né?

ZH – Mas temos fotos suasdentro do Olímpico, no jogo doGrêmio contra o Atlético-MG, em1º de julho.

Jeferson – Não.Fui (ao Olímpico)uma vez só,mas faz tempo.

ZH – Quando?Jeferson – Fui em uma quarta.

Ou em uma quinta.

ZH – Mas e no jogo contra oAtlético-MG, em 1º de julho, umdomingo,você estava ou não?

Jeferson – Sim. Mas só nesse aí,nos outros não.

ZH – No Facebook,há fotos su-as em outro jogo: Grêmio e Ave-nida,em 29 de março.

Jeferson – Não. Nesse do Aveni-

da,não fui.Não fui ao jogo,não.

ZH – Mas tem fotos suas. Nãofoi mesmo?

Jeferson – Não.

ZH – Tem certeza? Tem fotosno Facebook.

Jeferson – Tá,tá,fui,fui.

ZH – Mais algum jogo?Jeferson – Contra os gambás (em

referência ao Corinthians, que jogoucom o Grêmio no Olímpico em 10 dejunho).Mas foram só esses.

ZH – Antes da primeira parti-da da semifinal da Copa do Bra-sil, quando o Grêmio enfrentou oPalmeiras no Olímpico, em 13 dejunho, você postou no Facebookque havia comprado seu ingres-so.Não foi a esse jogo?

Jeferson – Fui.

ZH – Foram só esses?Jeferson – E mais alguns já...

ZH – Por que você está des-cumprindo a ordem da Justiça?

Jeferson – Ah, sei lá... Nem sei tedizer.

ZH – Você foi proibido de en-trar no Olímpico após se envolverem um tumulto antes do Gre-Nalde 5 de fevereiro.O que houve na-quele dia?

Jeferson – Eu estava tomandocerveja em um barzinho. Começoua briga, todo mundo começou acorrer e, de repente, chegou o briga-diano e disse que eu estava no meiodo tumulto. Mas eu não estava. Daíme levaram.

Tá, tá, fuiao jogo

FÉLI

XZU

CCO

IMPUNIDADENOSESTÁDIOSESTÁDIOS

Page 3: Drible na Justiça

DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012ZERO HORA 31

Enquanto o Olímpico trepidava com o Gre-Nal nanoite de 5 de fevereiro, o ambiente era carrancudoem uma pequena sala do estádio.No posto do Juiza-do Especial Criminal (Jecrim), o juiz Marco AurélioMartins Xavier interrogava os torcedores envolvidosno tumulto horas antes do jogo.

Os gremistas, segundo o boletim de ocorrência,haviam promovido uma chuva de pedras, garrafase pedaços de pau contra os PMs que escoltavam atorcida do Inter. Para piorar, no meio da escolta co-lorados iniciaram uma briga entre si.

– Alguns queriam revidar o ataque dos gremistas,mas outros tentavam impedi-los. Prendemos quemdefendia o revide – recorda o sargento Cristiano Bil-dhauer, ferido com uma pedrada naquele dia.

Dois torcedores do Grêmio, Jeferson Rodrigo Ku-chinski e Thiago Araújo da Rosa, aceitaram umatransação penal: estariam livres de responder a umprocesso na Justiça desde que ficassem longe doOlímpico por seis meses, apresentando-se à 2ª Dele-gacia de Polícia no horário das partidas. Ou seja, es-

tavam impedidos de retornar às arquibancadas até5 de agosto de 2012.

No caso dos colorados, a medida foi idêntica, al-terando-se os locais: Antonio Flávio Valadão de Al-meida e Gabriel Maidana Bassani deveriam se afas-tar do Beira-Rio pelo mesmo período, apresentan-do-se à 20ª Delegacia de Polícia sempre que o Interjogasse em seu estádio.

Trata-se de uma sanção prevista no Estatuto doTorcedor. Elogiada por especialistas, a ideia é imporaos torcedores arruaceiros uma punição educativa,evitando entupir o Judiciário com novos processos.A lei só vale para réus primários. Mesmo aceitandoo acordo com a Justiça,os quatro detidos naquele dianegaram participação no motim antes do Gre-Nal.

Mas, quando o juiz encerrou a audiência, lembrao sargento Bildhauer, os gremistas decidiram aguar-dar os colorados na saída.

– Deu um bolo mesmo. Eles (os colorados) ti-nham xingado a gente lá no Jecrim.Aí, fomos paracima deles – relembra Thiago.

DUASBRIGASNOMESMODIA

Zero Hora – Você está proibi-do pela Justiça desde fevereirode frequentar o Beira-Rio. Quepostura está adotando?

Gabriel Maidana Bassani– Não estou cumprindo. Todo jogotem que ir à delegacia. Nem fiz na-da naquele dia (do Gre-Nal de 5 defevereiro, quando houve o tumulto).O brigadiano se encarnou na mi-nha e me prendeu.

ZH – Por que ele decidiu pren-der você?

Gabriel – Eu só olhei para obrigadiano, e ele se encarnou emmim. Eu só olhei para a cara delee dei um cuspe no chão. Ele achouque eu o estava desacatando, masnão foi nada disso.

ZH – Com que frequência vo-cê tem ido aos jogos do Inter noBeira-Rio?

Gabriel – Estou indo normalaos jogos.

ZH – E costuma se envolverem brigas?

Gabriel – Estou evitando brigar.

Olha, é difícil eu me meter em bri-ga. Fui em todos os jogos e nuncame meti em bronca nem rolo ne-nhum.

ZH – Por que você não compa-rece à delegacia no horário dosjogos,como ordenou a Justiça?

Gabriel – É muito difícil cum-prir essa pena. Não é todo jogo queo cara pode ir à delegacia. Muitasvezes, o cara não tem como ir. Co-mo é que vai fazer?

ZH – Mas você consegue irsempre ao Beira-Rio. Por quenão conseguiria ir à delegacia?

Gabriel – Sim, mas não é todojogo que eu vou. Procuro ir em to-dos, mas às vezes ocorre um im-previsto.

ZH – Por isso decidiu descum-prir a ordem judicial?

Gabriel – Não é que eu decididescumprir a ordem. Fui levando,levando, mas agora tenho que irlá.Vou à delegacia me informar. Otempo vai passando, passando e,quando vê...

O que disseGabriel Maidana Bassani

colorado proibido de entrar no Beira-Rio

Estou indonormal aos jogos

O tamanhoda violência

33%delas envolvembrigas, lesõescorporais edesobediência

180é a média anual deocorrências em dias de jogosno entorno dos estádiosBeira-Rio e Olímpico

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UARTE

ZEROHORA.COMVídeo revela o descompassoentre o pedido da Justiçae a ação da polícia nafiscalização dos brigões.

Delegados receberam ofícios comunicando que torcedoresproibidos de ir aos estádios deveriam se apresentar nas DPs

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32 DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012ZERO HORA

JOGODEEMPURRA

É visível o problemade comunicação entrea Justiça e a polícia— o resultado é quea fiscalização aostorcedores proibidosde entrar nos estádiosnão existe. Os juízessugerem certa inérciada parte dos delegados.Dizemque, quandoum infrator se ausentada delegacia ondedeveria se apresentarno horário dos jogos, oJudiciário precisa seravisado prontamente.Mas a polícia nãoavisa. O argumentodos delegados é que,nas notificações quereceberamda Justiça, otexto dizia: “(...) solicito-lhe quemonitore ocumprimento, enviandorelatório ao final doprazo.”— No final, vamos

enviar o relatório. Se ojuiz queriamais, deveriater colocado ali —defende-se a delegadaSílvia Coccaro, da20ª DP, responsávelpor recepcionar oscolorados infratores.Quemenviou os

ofícios foi o juizAmadeoRamella Buttelli:— Pedi que

monitorassem. Seriainteressante que apessoa pensasse:“Estoumonitorando, oindivíduo se ausentou,vou alertar o juiz”. Mas,nos próximos ofícios,vou procurarmelhorara redação.

ENTREVISTA

Cesar CarrionTitular da 2ª Delegacia da Polícia Civil da Capital

Zero Hora – Os torcedores gremistas impe-didos de entrar no Olímpico estão compare-cendo à delegacia?

Cesar Carrion – Não, nenhuma vez, pelo quevi aqui no relatório do plantão policial.

ZH – E não há nada que se possa fazerquanto a isso?

Carrion – A decisão do juiz é clara. Ele pedeum relatório ao final (do prazo) de seis mesessobre as presenças dos torcedores. Ninguém mepediu um controle rígido. O juizado não cobramais da gente. E os torcedores assinaram a tran-sação penal, deveriam ter interesse em cumprir.Não tenho como mandar um policial atrás decada torcedor assim.

ZH – Mesmo que o ofício do juiz não sejatão específico, o senhor não poderia notificá-lo sobre essas ausências?

Carrion – Sim.Vou fazer isso nesta semana.Fui alertado pela plantonista sobre as ausênciasno último jogo, após um colega teu ir à delegaciae perguntar pelos torcedores.

ZH – Essa falta de fiscalização gera uma sen-sação de impunidade nos outros torcedores.

Carrion – Acho que pode criar, sim. É impor-tante que se diga que eles responderão pela de-sobediência. Mas a fiscalização é meio vulnerá-vel,mesmo.

ZH – E o que a Polícia Civil pode fazer paramelhorá-la?

Carrion – Não tenho como obrigar o cara avir para cá (delegacia). Não vou mandar um po-licial ir atrás deles. A fiscalização tem de vir dopróprio juizado.

ZH – Como isso poderia ser feito?Carrion – O juiz poderia determinar, por

exemplo,que a cada jogo o torcedor pegasse umapresença na delegacia e apresentasse ao fórum.Na primeira ausência,o juiz já teria conhecimen-to.Concordo que a presença desses torcedores noestádio cria uma sensação de“não dá nada”paraoutros torcedores.

ZH – Os clubes também são responsáveis?Carrion – Sim. Eles têm de fiscalizar quem

entra. Não é preciso mostrar identidade quandose compra ingressos? Eles poderiam até colocarfotos nos portões dos estádios, já que não sãomuitos torcedores impedidos.

ENTREVISTA

Marco Aurélio Martins XavierJuiz responsável pelo projeto Jecrim nos Estádios

Zero Hora – Torcedores proibidos pelo se-nhor de ingressar nos estádios nunca compa-receram às delegacias no horário dos jogos.Onde está a falha?

Marco Aurélio Martins Xavier – As delega-cias, que recebem o ofício para fiscalizar o cum-primento da medida, devem comunicar o Jecrimna primeira falta, imediatamente. Esses torce-dores, que resolveram descumprir a transaçãopenal, serão processados pelo crime de violêncianos estádios,previsto no Estatuto do Torcedor.

ZH – Na sua avaliação, por que as delega-cias não comunicam a Justiça?

Marco Aurélio – Essa pergunta deve ser en-dereçada aos delegados de polícia, que, até ondesei,se comprometeram em realizar a fiscalização.Se houve algum desvio de conduta ou algumadesídia na fiscalização desses indivíduos, elestêm a obrigação de dar explicações ao juiz titu-lar do processo (Amadeo Ramella Buttelli, do 2ºJecrim do Foro Central).

ZH – No documento assinado pelo senhore no ofício do juiz Buttelli às delegacias, vo-cês solicitam que a polícia envie um relatórioà Justiça ao final do prazo. Os delegados ar-gumentam que não têm obrigação de avisarjogo a jogo.

MarcoAurélio – Existem coisas que precisamser interpretadas. É evidente que, se for aguarda-do o final do prazo, o cumprimento da medidaserá prejudicado. Talvez, de fato, isso revele umaincorreção na comunicação (da Justiça) à polícia.Mas há algo que precisa ser refletido: as institui-ções não podem funcionar de maneira ilhada.

ZH – Deveriam funcionar como?Marco Aurélio – Se há alguma pendência de

esclarecimento, o mínimo que se deve fazer ébuscar esse esclarecimento sobre qual condutaadotar quando o acusado descumpre a determi-nação. Então, respeitando a boa vontade dos de-legados, não me parece uma atitude correta essa.O indivíduo que descumpre a medida pode estarforagido e, inclusive, cometendo outros delitos.Apolícia tem uma responsabilidade grande.

ZH – Mas como a comunicação entre a Jus-tiça e a polícia poderia melhorar?

Marco Aurélio – Se esta é uma falha, a comu-nicação vai melhorar.Sempre que houver ausênciado acusado, o Jecrim deverá ser informado, e osdocumentos do Judiciário serão mais específicos.

Não tenhocomo obrigaro cara avir para cá(delegacia).Não voumandar umpolicial iratrás deles.

Quemdescumpre amedida podeestar foragido,cometendooutros delitos.A polícia temresponsabilidadegrande.

QUEMFALHOU

“OSDELEGADOSTÊMOBRIGAÇÃODEDAREXPLICAÇÕES”

“AFISCALIZAÇÃOTEMDEVIRDOPRÓPRIO JUIZADO”

Terça-feiraCOMOENFRENTARA IMPUNIDADE

DomingoA IMPUNIDADENOSESTÁDIOS

Segunda-feiraOSCLUBES:BONSANFITRIÕESDAVIOLÊNCIAA SÉRIE

Page 5: Drible na Justiça

4 SEGUNDA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2012ZERO HORA

ReportagemEspecial

O Grêmio e o Internão dão bola para a Justiça.

Quando um juiz envia ofíciopedindo que fiscalizema entrada de torcedores

proibidos de ingressar emseus estádios, a reação

beira o desdém. Para piorar,não cumprem o Estatuto

do Torcedor – que mandaafixarem a lista de infratores

nos portões de acesso. Odiscurso é que o problema é

da polícia e da Justiça.

O Olímpico (acima) e o Beira-Rio (à direita) contam com salas devideomonitoramento que permitem identificar pessoas em meio àmultidão, mas as câmeras não são usadas para inibir a presençados torcedores proibidos pela Justiça de entrar nos estádios

D esinformados e despreo-cupados com os torcedoresproibidos de frequentarseus estádios, os dois maio-

res clubes do Estado revelam-se bons anfi-triões para a violência.

Não faltam câmeras para barrar penetras– algumas, capazes de identificar uma rugaa 700 metros de distância – nem seguran-ças nas catracas de acesso ao público.As fa-lhas são de gestão, bem mais profundas doque a desatenção de um vigia.

Na edição dominical, no primeiro dia dasérie de reportagens Drible na Justiça, ZeroHora revelou como torcedores envolvidosem pancadarias ignoram as ordens da Jus-tiça. Eles estão impedidos de entrar nos es-tádios – e deveriam se apresentar em umadelegacia no horário das partidas. Nenhumdeles cumpre a medida. Dois foram flagra-dos por ZH dentro do Olímpico e do Beira-Rio,livres de qualquer fiscalização.

O presidente do Grêmio, Paulo Odone, eo do Inter, Giovanni Luigi, repassam a cul-pa para o poder público. Mas também des-cumprem a lei.No artigo quinto do Estatutodo Torcedor, o texto manda os clubes afixa-

rem em todas as entradas do estádio a re-lação dos torcedores proibidos de ingressar.O setor de segurança do Inter nem sequerconhece essa lista, embora o departamentojurídico do clube tenha recebido ofício dojuiz Amadeo Ramella Buttelli pedindo a fis-calização dos infratores.

– Temos dois vigiados atualmente: oHierro (antigo líder da torcida Guarda Po-pular) e outro torcedor envolvido na mes-ma confusão (em dezembro). Mais nin-guém – disse o vice-presidente AlexandreMussoi na semana passada, desinformadosobre a proibição de Antonio Flávio Vala-dão de Almeida e Gabriel Maidana Bassa-ni, este último fotografado pela reportagemnas arquibancadas do Beira-Rio.

A delegada Sílvia Coccaro, titular da 20ªDelegacia de Polícia da Capital – onde Ga-briel e Antonio deveriam comparecer nahora dos jogos, mas jamais se apresenta-ram –,acirra o jogo de empurra:

– Não podem vender ingresso para eles.Essa lista de nomes precisa ser do conheci-mento de quem controla a entrada (o Intersó pede documento de identidade para quemcompra ingressos em jogos de grande porte).

No Grêmio, a ação limita-se a expulsaro infrator do quadro de sócios. O que, naprática, não adianta. Proibido pela Justiçade entrar no Olímpico,Jeferson Rodrigo Ku-chinski era sócio do clube, mas foi flagradopor ZH torcendo em meio à Geral,principaltorcida organizada do Grêmio. No estádiogremista, qualquer um compra ingressosem apresentar documento.

Segundo o assessor especial da presidên-cia do clube, Luiz Moreira, as mais de cemcâmeras que vigiam o Olímpico e seu en-torno não têm como função procurar torce-dores impedidos de entrar nos jogos.

– Isso é coisa para ser resolvida na de-legacia. Não há como achar na multidão– afirma Moreira.

Já o vice-presidente Alexandre Mussoi,do Inter, reconhece que suas câmeras po-dem auxiliar na fiscalização dos infratores.O problema é que o olho eletrônico colo-rado, que nem sabe quais torcedores estãoimpedidos de ingressar no Beira-Rio, é tãocego quanto o gremista.

[email protected]@zerohora.com.br

PortasabertasaVÂNDALOSVÂNDALOS

ZEROHORA.COMVídeo revela o descompasso entre opedido da Justiça e a ação da políciana fiscalização dos brigões.

PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM

FOTO

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IEG

OVA

RA DRIBLENA

JUSTIÇAJUSTIÇA

Page 6: Drible na Justiça

SEGUNDA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2012ZERO HORA 5

Zero Hora – O senhor sabe quetorcedores proibidos de entrar noBeira-Rio continuam no estádio?

Giovanni Luigi – Quais os no-mes?

ZH – Um deles se chama GabrielBassani. Flagramos esse torcedorno jogo contra o Cruzeiro.

Luigi – Eles devem estar entrandocom outra identidade, outro cartãode sócio,algo assim,deve ser.Eles po-dem estar entrando com ingressos.

ZH– O Estatuto do Torcedormanda os clubes afixarem a listade torcedores impedidos em todasas entradas do estádio. Por que is-so não é feito?

Luigi – Isso eu posso mandar fa-zer hoje. É uma coisa simples. Só quepela quantidade de pessoas que en-tram no estádio, não tem como ficarconferindo a lista.

ZH – Mas se é simples, por quejá não é feito?

Luigi – Tem certeza de que não é?

ZH – Sim, a reportagem consta-tou isso.

Luigi – Então, a partir do que tuestás falando, vamos colocar. Mas es-sas coisas se evitam de duas formas.Com tecnologia e com uma coisamuito importante: na hora do jogo, aexemplo do que acontece na Europa,essa pessoa deve ficar na delegacia.

ZH – Não se poderia adotar umamedida como a exigência da apre-sentação da carteira de identida-de? Isso não inibiria os infratores?

Luigi – Isso trancaria o acesso.Operacionalmente é inviável.

ZH – A segurança do Inter des-conhecia que o clube havia sidooficiado pela Justiça sobre doistorcedores proibidos de entrar.

Luigi – Falaste com a segurança?

ZH – Sim,com Roberto.Luigi – Ele não sabia?

ZH – Não sabia.Luigi – Quase não estou acreditan-

do. Mas tu me ligas em duas horas,que eu vou falar com os advogados.

(Duas horas depois, Luigi liga)

ZH – O Inter foi avisado?Luigi – O que aconteceu: foi comu-

nicado à tesouraria, que inseriu o no-me deles no sistema.Assim, eles nãopodem comprar o ingresso, pois abilheteria exige a apresentação de do-cumento. E a central de atendimentoao sócio também.

ZH – Mas o torcedor impedidoentrou da mesma forma. A segu-rança não foi avisada?

Luigi – Não, não foi. Tu pegas naentrada 200 seguranças e eles teriamde olhar todo mundo.Não dá.

Zero Hora – O senhor sabe quehá torcedores proibidos de entrarno Olímpico? E que eles continu-am indo ao estádio?

Paulo Odone – Não.O que eu pos-so fazer é excluí-los aqui do quadrosocial, como eu tenho feito.Agora, seo cara compra o ingresso e entra lá,eu não posso fazer nada.

ZH – Como a direção do clubedesconhece que há pessoas proibi-das pela Justiça de entrar?

Odone – Isso quem tem de fazer éa Justiça. Determinar o cumprimen-to. O que se faz na Europa, e se faziaaqui, é penalizar um cara desses:obrigá-lo em dias de jogos a se apre-sentar e ficar em uma delegacia. Ouna Brigada.É isso que se deve fazer.

ZH – Mas na Europa os clubestambém cumprem sua parte, fis-calizando o acesso dos torcedoresaos estádios.

Odone – Eu não tenho como im-pedir que um cara compre o ingressoe entre aqui. Juridicamente não temcomo, pelo menos pelo que eu co-nheço. Quem pode fazer algo é o juiz,que emite a pena alternativa. Proibirpor seis meses, um ano, o que o juizachar. E, pior, mandar o cara se apre-sentar em um ambiente policial.

ZH – Temos cópia do documen-to no qual o juiz ordena que o clu-be fiscalize a entrada desses torce-

dores, conforme manda o Estatutodo Torcedor.O que o clube fez?

Odone – A única maneira de cum-prir a decisão judicial, tu ligas para ojuiz e podes dizer:“Olha, o presidentedo Grêmio diz que a maneira únicade controlar é penalizar esse réu acomparecer todos os dias de jogos,ele querendo ou não ir aos jogos, naBrigada ou na polícia. E pede paraa autoridade policial prestar contasao juiz”. Se o cara não for lá, mandaprender,bota na penitenciária.

ZH – A lei determina que os clu-bes coloquem, em todos os por-tões de acesso ao estádio, a relaçãodos torcedores proibidos de entrar.Por que o Grêmio ignora a lei?

Odone – Aí tu vais ter de falar commeu jurídico, eu não sei te responderse isso é viável.

ZH – É viável, é o que manda alei. E as câmeras? O Grêmio temum sistema de monitoramentoque poderia ser usado. Por que is-so não é feito?

Odone – Todas essas câmeras es-tão localizadas em um centro, que éacompanhado pela Brigada Militar eestá à disposição do juizado. É umasalinha onde as imagens passam aovivo. Eles podem fazer a intervençãona hora. Agora, é impossível em umjogo com 30 mil, 40 mil pessoas terfuncionários do Grêmio olhando issona multidão.Não tenho como.

ENTREVISTA

Paulo Odone presidente do Grêmio

Isso quemtem de fazer

é a Justiça.Determinar ocumprimento

da medida.

AmanhãCOMOENFRENTARA IMPUNIDADE

OntemA IMPUNIDADENOSESTÁDIOS

HojeOSCLUBES:BONSANFITRIÕESDAVIOLÊNCIAA SÉRIE

ENTREVISTA

Giovanni Luigi presidente do Inter

“SEELETEMINGRESSO,NÃOPOSSOFAZERNADA”

“ASEGURANÇATERIADEOLHARTODOS.NÃODÁ”

Eles devemestar entrandocom outraidentidade,outro cartãode sócio, algoassim, deve ser.

Page 7: Drible na Justiça

TERÇA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2012ZERO HORA42

Ao reconhecer a inércia na fiscalizaçãode torcedores proibidos de entrar nosestádios, o Judiciário adotou provi-dências. O juiz Amadeo Ramella Bu-

telli, responsável pelo caso do gremista e do coloradoflagrados por Zero Hora nas arquibancadas, inten-sificou as exigências para garantir que os infratorescumpram suas ordens.

Já o Ministério do Esporte anunciou que percor-rerá uma série de Estados para instalar juizadosespecializados em violência no futebol. A ideia éjustamente estreitar as relações entre os órgãos res-ponsáveis por coibir a impunidade – algo que, comomostrou a série de reportagens Drible na Justiça,ain-da engatinha por aqui.

Nos últimos três dias, ZH revelou como torcedoresenvolvidos em pancadarias ignoram as determina-ções da Justiça. Impedidos de ingressar nos estádios,eles deveriam se apresentar em uma delegacia nohorário das partidas. Nenhum deles cumpre a medi-da. O Grêmio e o Inter, que deveriam fiscalizar suasentradas, nem sequer sabiam das proibições. E osdelegados de polícia, responsáveis por receber os in-

fratores nas DPs,culparam o Poder Judiciário.Isso porque, nos ofícios enviados pelo juiz Buttelli

às delegacias, o magistrado pedia que os policiaismonitorassem o cumprimento da decisão,“envian-do relatório ao final do prazo”. Como os torcedoresdeveriam ficar seis meses afastados dos estádios, osdelegados Cesar Carrion e Sílvia Coccaro, mesmocientes da ausência dos torcedores nas DPs,só envia-riam o relatório depois desse período.

– Fiz um novo despacho, mais específico, que seráadotado em todos os outros processos. A delegaciaentregará um atestando de comparecimento ao in-divíduo, que deverá entregá-los aqui no juizado, umavez por mês – explicou, ontem, Butelli, titular do 2ºJuizado Especial Criminal.

O magistrado mandou intimar os gremistas Jefer-son Rodrigo Kuchinski (flagrado no Olímpico porZH) e Thiago Araújo da Rosa, além dos coloradosAntonio Flávio Valadão de Almeida e Gabriel Maida-na Bassani (flagrado pela reportagem no Beira-Rio).Em audiência no próximo dia 15, eles terão de expli-car ao juiz por que ignoraram sua determinação.

Dois dias antes, o diretor do Departamento de

Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, Pau-lo Castilho, deverá se reunir em Porto Alegre com opresidente do Tribunal de Justiça gaúcho, desembar-gador Marcelo Bandeira Pereira.Autorizado pelo mi-nistro Aldo Rebelo, Castilho tem a missão de fecharconvênios com TJs do Brasil inteiro para instaurar oschamados Juizados do Torcedor.

– Esses juizados vão permitir que os órgãos atuemintegrados, sem essas falhas de comunicação detec-tadas pela reportagem – garante Castilho,idealizadorda lei que proíbe torcedores envolvidos em brigas deentrar nos estádios.

No papel, o autor da legislação, considerada umsucesso em países como Espanha e Inglaterra, é odeputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), que ex-põe sua avaliação:

– A aplicação burocrática da lei, sem um esforçode todos os poderes, sem o aparelho repressivo doEstado, acaba nessa aberração já comum no Brasil:a lei que não pega.

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REAGINDOAOFRACASSOFRACASSO

DRIBLENAJUSTIÇAJUSTIÇA

O documento ao lado é o primeiropasso para a tradicional sensação de

impunidade acabar nos estádios. Ojuiz Amadeo Ramella Buttelli, do 2ºJuizado Especial Criminal, admitiu

as falhas das instituições gaúchas nafiscalização aos torcedores proibidos

de entrar no Olímpico e no Beira-Rio. Buttelli pede às delegacias que

mudem a forma de monitorar ocumprimento da medida – e exige

que os infratores lhe entreguem umatestado mensal.“A sistemática

adotada não está servindo”, assumiuo magistrado em seu despacho.Enquanto isso, o Ministério do

Esporte se prepara para sugerir umconvênio ao Tribunal de Justiça doEstado – e, assim, entrar com uma

verba entre R$ 200 mil e R$ 300 milpara instalar um juizado específico

para delitos no futebol.

PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM