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A Resolução de Conflitos pela Perspectiva Clausewitziana: O Imperativo do Equilíbrio de Forças 1 A história contemporânea é, cada vez mais e mais, repleta por casos de intervenção militar estrangeira na ordem política doméstica dos diversos países subdesenvolvidos e nas bordas ou nas áreas de interesse das antigas superpotências da Guerra Fria. Para além do padrão de sua recorrência, os cientistas sociais tendem muito mais a censurá-las do que explicá-las ou debatê-las, e quando tentam compreendê-las, fazem-no como novas ou distintas de casos anteriores. 2 Indo para além dessa discussão, existe toda uma literatura que lida com a questão da guerra pela sua resolução ou término, denominada de peace studies, que milita e debate sobre formas de encerramento dos conflitos. 3 Reconhece-se essa literatura e de nenhuma forma alguma, existe aqui o pleito de definir o seu debate. Porém, clama-se pelo incremento da elaboração de posições políticas e pelo subsídio dos debates públicos – acadêmico ou político – mediante um instrumental analítico mais sólido. Em particular sobre o arcabouço ‘tradicional’ sobre o a resolução ou estabilização de conflitos pelo arcabouço da Teoria da Guerra de Clausewitz. Dessa perspectiva, existe um aspecto sem o qual qualquer ordem política se desfaz: quem tem a preponderância no uso da força dentro de uma sociedade política. Ou seja, não existe a possibilidade de paz sem a imposição de um grupo políticos sobre seus correntes de quem a capacidade objetiva e preponderante de uso da força, em relação e sobre as quais se produz as negociações 1 A elaboração desse artigo seguiu ao estímulo do curso Stabilization, Security, Transition and Reconstruction (SSTR), ministrado pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica, da US National Defense University, ao longo do ano de 2008. Uma versão preliminar foi apresentada no Encontro ABRI-ISA em julho de 2009, no Rio de Janeiro. 2 Para uma apreciação do problemas do desenvolvimento acadêmico na apreciação da guerra, ver Proença Júnior & Duarte (2007). 3 Revisão sintética. 1

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A Resolução de Conflitos

pela Perspectiva Clausewitziana:

O Imperativo do Equilíbrio de Forças1

A história contemporânea é, cada vez mais e mais, repleta por casos de intervenção militar estrangeira na ordem política doméstica dos diversos países subdesenvolvidos e nas bordas ou nas áreas de interesse das antigas superpotências da Guerra Fria. Para além do padrão de sua recorrência, os cientistas sociais tendem muito mais a censurá-las do que explicá-las ou debatê-las, e quando tentam compreendê-las, fazem-no como novas ou distintas de casos anteriores.2

Indo para além dessa discussão, existe toda uma literatura que lida com a questão da guerra pela sua resolução ou término, denominada de peace studies, que milita e debate sobre formas de encerramento dos conflitos.3

Reconhece-se essa literatura e de nenhuma forma alguma, existe aqui o pleito de definir o seu debate.

Porém, clama-se pelo incremento da elaboração de posições políticas e pelo subsídio dos debates públicos – acadêmico ou político – mediante um instrumental analítico mais sólido. Em particular sobre o arcabouço ‘tradicional’ sobre o a resolução ou estabilização de conflitos pelo arcabouço da Teoria da Guerra de Clausewitz. Dessa perspectiva, existe um aspecto sem o qual qualquer ordem política se desfaz: quem tem a preponderância no uso da força dentro de uma sociedade política. Ou seja, não existe a possibilidade de paz sem a imposição de um grupo políticos sobre seus correntes de quem a capacidade objetiva e preponderante de uso da força, em relação e sobre as quais se produz as negociações e barganhas políticas. Desse ponto de vista, a produção de paz é conseqüência da produção de um determinado equilíbrio de forças em torno de um determinado espaço e sobre uma determinada população, estabelecendo assim os parâmetros de relacionamentos políticos não-violentos concedidos e aqueles sobre os quais coerção física está prevista.

Essa é uma abordagem interdisciplinar que articula principalmente a teoria-normal do campo dos Estudos Estratégicos, a Teoria da Guerra de Carl von Clausewitz, mas cujo tratamento aqui oferecido transborda entre as fronteiras disciplinares da Sociologia, Ciência Política e Relações Internacionais4. Ela

1 A elaboração desse artigo seguiu ao estímulo do curso Stabilization, Security, Transition and Reconstruction (SSTR), ministrado pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica, da US National Defense University, ao longo do ano de 2008. Uma versão preliminar foi apresentada no Encontro ABRI-ISA em julho de 2009, no Rio de Janeiro.

2 Para uma apreciação do problemas do desenvolvimento acadêmico na apreciação da guerra, ver Proença Júnior & Duarte (2007).

3 Revisão sintética.4 Para uma discussão inicial sobre o potencial interdisciplinar da Teoria da Guerra de Clausewitz, ver Duarte (2009a).

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assume ainda que essa abordagem é válida sobre quaisquer de tipo de ação armada, livre de suas variadas e variantes terminologias passadas, recentes e atuais.5

O trabalho segue estruturalmente apresentando as proposições conceituais segundo a Teoria da Guerra de Clausewitz das relações entre estratégia e política que geram as condições de qualquer intervenção militar. Em segundo lugar, decorre sobre os métodos pelos quais essa relação pode ser moldada segundo os propósitos políticos almejados. Ele segue clarificando esses relacionamentos em dois casos. O primeiro caso trata dos desenvolvimentos da Guerra da Coréia após a entrada da China. Aprecia-se e o plano de estabilização conduzido pelo General Matthew Ridgway a partir do ano de 1951 e imposição de uma paz negociada. O segundo estudo de caso é a estratégia de estabilização do General Patraeus entre 2007 e 2008 na última guerra do Iraque. Encerra-se o trabalho com algumas considerações finais.

POLÍTICA, EQUILÍBRIO DE FORÇAS E PAZ6.Qualquer condição política que se deseje que perdure – principalmente uma recém estabelecida mediante uma intervenção estrangeira - demanda um equilíbrio de poder estável sobre qual se sustente um governo.

Segundo Carrol Quigley7, ao longo da História é possível delinear duas dimensões de equilíbrio de poder. Uma dimensão dada pelo sistema de valores pelos quais os indivíduos internalizam quando eles se desenvolvem em comunidades. Esses valores estabelecem prioridades de necessidades e limites de aceitação que são geralmente inexplicáveis a membros de outras comunidades que vivem, ou passaram a viver, em tradições distintas. Desde

5 Reconhece-se e mas não se concede às inúmeras terminologias, de expediente político e administrativo, que surgem nas últimas décadas como operações de estabilização, operações expedicionárias, operações de paz, operações outras que guerra e SSTR (Stabilization, Security, Transition and Reconstruction), entre outras. Assume-se e procura-se demonstrar que todas essas são tratam de variações circunstancias de um mesmo fenômeno: guerra.

6 Todas as referências e citações referem-se basicamente a partir do uso da edição em inglês de Paret & Howard (segunda edição de 1984, originalmente publicado em 1976) e apóia-se ainda décima nona edição em alemão de Halweg (1980). As traduções são nossas. Como a obra se divide em livros e capítulos, referimo-nos aos primeiros em algarismos romanos e aos últimos em arábicos. Quando acontece de um capítulo ser dividido em seções, respeitamos a numeração de Clausewitz, também em arábicos; quando divididos em partes, usamos, como o autor, letras maiúsculas. Sendo assim, IV-26 é o capítulo 26 do livro IV; I-1-15 é a seção 15 do primeiro capítulo do livro I; e VIII-6B é a parte B do capítulo 6 do livro VIII; e indicamos as páginas em seguida.

7 Geralmente apenas referenciado como guru do ex-presidente norte-americano Bill Clinton e de teorias da conspiração, a contribuição de Quigley é consideravelmente maior que esta. Entre as décadas de 1950 e 1970, ele publicou constantemente em diversos ramos do conhecimento de antropologia, ecologia, estudos militares e política externa. Não existe um tratamento substantivo da contribuição de Quigley através de suas obras. Em particular, Weapons System and Political Stability, possui em toda literatura uma única referência de resenha por Starr (1984) que a aponta como uma obra para especialistas e inadequada para o leitor comum. Uma mini-biografia útil é acessível em: <www.scientiapress.com/findings/quigley.htm>. Para um tratamento que converge suas proposições com a de Clausewitz, ver Duarte (2009b, pp. 165-185).

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que seres humanos podem ser trazidos a acreditar em quase qualquer coisa e colocados sobre as mais variadas condições políticas, as formas pelas quais a vida política de uma sociedade pode ser organizada são sem limites. É devido a essa ilimitada variedade de condições e valores políticos que há a inabilidade de uma sociedade compreender o que ocorre na outra, especialmente em questões relacionadas a poder. As relações internas de poder de cada sociedade são subordinadas a tendências e estruturas que tornam ainda mais difícil a mútua percepção entre as sociedades. Isso significa que os relacionamentos políticos subjetivos são muito mais comuns dentro de sociedades que entre elas. O sistema distinto de valores não apenas leva à má-percepção, mas também leva ao choque de interesses devido a diferenciados graus de aceitação e tolerância sobre os relacionamentos e especialmente sobre as necessidades, materiais e imateriais, de cada parte envolvida (QUIGLEY, 1983, pp. 9-15).

Com relação à segunda dimensão de equilíbrio de poder, Quigley explica que existe apenas uma única forma de relacionamento político objetivo e universal que diferentes entidades políticas podem lançar suas disputas: uso da força. Ao fim e ao cabo, é pelo meio do uso da força que o choque de interesses entre partes que produz o reconhecimento de quem é mais forte e de quem é mais fraco num determinado espaço geográfico, a partir do qual um sistema comum de relações políticas subjetivas pode surgir (QUIGLEY, 1983, pp. 15-16).

Portanto, conflitos surgem quando não existe mais um consenso relacionado à situação de poder real. Duas partes atuam de acordo a perspectivas subjetivas distintas da situação real de poder objetivo e entram em colisão. A causa principal do confronto é que as condições do relacionamento de poder real entre as partes estão sempre em processo de mudança, enquanto que o consenso subjetivo, ou as convenções sobre ele, tendem s ser mais estáticos ou mesmo inalterados. Isso leva ao confronto a não ser que o consenso seja re-estabelecido (QUIGLEY, 1983, pp. 16-19).

Destarte, a possibilidade de perpetuação de uma condição de estabilização política entre partes demanda, em grande parte, um equilíbrio de forças numa determinada aérea. Dessa maneira, estará determinando quem detém dos meios para respaldo das convenções, acordos e valores que compõem os compromissos entre as partes políticas que componham uma sociedade ou região.

A questão de equilíbrio de forças a partir da perspectiva clausewitziana, adotada aqui, é uma questão estratégica. Segundo a Teoria da Guerra de Carl von Clausewitz, estratégia possui um conteúdo conceitual específico que relaciona o equilíbrio de forças relativas entre oponentes dentro de um teatro de operações para respaldo dos propósitos políticos em jogo.

Portanto, guerras são atos de força sob domínio de uma condição social, cujo exercício e resultados não têm sentido em si mesmos e possuem apenas significado quando associados a um cálculo governamental do efeito político dos seus atos. Por fim, é a qualidade do comandante e das forças humanas, físicas e morais, e a sua disposição que permitem antecipar e agir pelo meio de incerteza e perigo que é a guerra (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-23:86-87).

Sob o ponto de vista da Teoria da Guerra, deve-se considerar “primeiramente, que é necessário pensar a guerra não como algo independente, mas sim,

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quaisquer que sejam as condições, como um instrumento político” (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-27:88). Qualquer que seja o objetivo político, a guerra será apenas um instrumento. O sucesso na guerra permitirá viabilizar um tipo específico de paz, uma paz mais favorável, que viabilize ou ao menos aproxime a obtenção do objetivo político desejado. “Em segundo lugar: essa mesma visão nos mostra quão variadas podem ser as guerras, de acordo com a natureza de seus motivos e dos relacionamentos que as geram” (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-27:88).

Assim, a guerra é governada por uma regra geral quanto à propriedade de seu objetivo político e seus efeitos sobre a conduta da guerra. Estabelece-se, assim, um elo de relacionamento entre fins políticos e a guerra como instrumento.

A concepção do objetivo político é regida por cálculo de probabilidades de aspectos individuais e de relacionamentos. Por um lado, o objetivo político é estabelecido pelo caráter da sociedade política: suas instituições políticas e a variação da motivação original junto à população, e o estado dos assuntos políticas gerais que condicionam o caráter da liderança. Por isso, um objetivo político “pode gerar, em diferentes povos, ou até mesmo no mesmo povo, em diferentes tempos, efeitos bastante diversos. Portanto, nós só podemos considerar o objetivo político como parâmetro contanto que compreendamos os efeitos que ele exerce sobre as massas que deve movimentar” (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-11:80-81). Por outro lado, esse não é um processo unilateral, mas interativo: o fortalecimento ou enfraquecimento vêm também da soma de elementos hostis da tensão entre povos e governos. Por isso, o objetivo político não pode ser levado “por si só e em função de si mesmo, e sim relacionado a ambos Estados reciprocamente” (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-11:80-81).

Essas considerações explicam apenas a variação dos objetivos políticos, como ele é subordinado a uma motivação de interesses da sociedade política e da atribuição de importância que as massas populares tomam deste objeto. Se adicionarmos a equação o termo inicial quanto à instrumentalidade política da guerra, essas considerações expressam ainda como a guerra pode variar entre um caso e outro como um camaleão, pois é o objetivo político que estipula a meta para a ação bélica, bem como o esforço a ser empreendido. “Por vezes, ele (o objetivo político) será essa própria meta, a exemplo da ocupação de uma província. Por vezes, o objetivo político não será adequado para a meta bélica; nesse caso, deve-se usar uma meta tal que possa servir-lhe como um equivalente e representá-lo na paz” (CLAUSEWITZ, 1984, I-1-25: 81).

Assim, sejam quais forem os objetivos políticos dos atores em jogo e o tipo de guerra que eles desencadeiem, a meta do recurso ao instrumento guerra é sempre produzir uma condição específica de paz. O quanto essa paz aproxima o objetivo político pretendido servirá de medida para o sucesso do emprego da guerra como instrumento político.

MÉTODOS DE ALTERAÇÃO DO EQUILÍBRIO DE

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FORÇAS8.Um aspecto pouquíssimo explorado na literatura é o que a Teoria da Guerra tem a dizer sinteticamente sobre os caminhos ou métodos possíveis para o alcance das metas bélicas aplicáveis nos dois tipos de guerras que existem na realidade - ilimitadas e limitadas (CLAUSEWITZ, 1984, I-2).

Clausewitz antecipa que a produção da paz entre partes em disputa está diretamente relacionada a um cálculo de probabilidades que correlaciona as chances de consecução de uma vitória e os custos de alcançá-la. Ou seja, até que ponto um caminho negociado é uma alternativa mais aceitável segundo aos propósitos de um governo e aos ânimos de um público.

Portanto, os métodos de condução de operações militares que visem a estabilização têm a ver com a oferta ao oponente de alternativas políticas concedidas por meio de negociação diplomática e - ao mesmo tempo - a imposição de perdas ou pressões militares que indiquem que a alternativa armada será mais custosa politicamente ao governo e materialmente ao público do oponente.

Nesse sentido, a produção de estabilização em um conflito armado está relacionada à operação analítica da trindade clausewitziana na análise relativa das disposições políticas e estratégicas de ambos os lados. Toda guerra é uma interação armada. Uma negociação enquanto se luta. A possibilidade de se alcançar uma condição positiva de paz envolve observar e entender o que o oponente quer e quanto ele é capaz de alcançar tal objetivo. Deve-se equiparar os propósitos políticos, as motivações populares e as qualidades dos comandantes e forças combatentes de ambos os lados; e a partir dessa apreciação, se decidir por qual método ou combinação de métodos uma ação armada deva ser executada.

Em termos gerais, a Teoria da Guerra observa dois tipos gerais de estratégias: estratégia de derrubada (Niederwerfungstrategie)9 e estratégia de exaustão (Ermattungstrategie). O primeiro tipo de estratégia não envolve necessariamente a aniquilação do oponente. Porém, destruição de uma porção significativa de seus meios armados de resistência e a imposição de uma condição estratégica em que o oponente se encontre indefensável. O segundo tipo de estratégia envolve o desgaste da vontade oponente de seguir lutando. Aumenta-se os seus custos de envolvimento da guerra prolongando-a ou expandindo-a para regiões ou meios que aumentem o desgaste relativo do oponente. Atrita-se os seus meios armados para diminuir sua eficácia futura como instrumento. Prejudica-se sua administração governamental e sua sociedade de maneira que atinja suas fontes de apoio político.

Do primeiro tipo, a estratégia de derrubada observa três métodos: (i) destruição de forças combatentes do oponente; (ii) conquista/controle de seu

8 Ainda que com inconsistências de interpretação, os dois tipos de estratégias foram aplicadas na narrativa histórica de Hans Delbrück (1990). Essas inconsistências foram adequadamente apontadas em Echevarria II (2000, pp. 183-189). Uma articulação conceitual mais consistente da teoria dos métodos da conduta da guerra, e aplicada ao contexto marítimo, é apenas presente em Corbett (1911).

9 No termo alemão remete à idéia de sobreposição de força de tal maneira que as forças combatentes oponentes desabam sem coesão e não são mais capazes de seguir lutando. Isso não significa necessariamente que se exija sua aniquilação.

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território; (iii) operações de efeito político direto em termos de romper ou paralisar alianças políticas e coalizões militares.

Do segundo tipo, a estratégia de desgaste observa três outros métodos: (iv) aplicação de danos à infra-estrutura do território oponente; (v) aplicação de danos a sua população e centros administrativos de governo; (vi) prolongamento da duração do conflito para desgaste das capacidades físicas e morais das forças combatentes.

Quando se relaciona os métodos de conduta com os dois tipos de guerra se tem delineado os aspectos e dilemas que se na escolha e execução de um método. ou outro dependendo das condições estratégicas dos lados em disputa. Uma variável final é que a escolha está diretamente dependente da quantidade e das qualidades dos meios de combate que se tem disponível, e assim pode se conduzir operações ofensivas ou defensivas.

Métodos de Ação em Guerras Limitadas.

Guerras limitadas se dão em contextos que a motivação popular é mínima ou moderada e o objetivo político estipulado pelo governo é de valor também apenas razoável. Dessa maneira, a mobilização dos recursos para a condução das hostilidades é limitada e escassa. Ou seja, a perda de recursos convertidos em meios de combate não será fácil ou rapidamente substituída. Por isso, um lado dificilmente será capaz de desarmar o outro. Conseqüentemente, o desejo por paz irá aumentar ou diminuir dependendo da probabilidade de sucesso e a quantidade de esforço necessário. Se os incentivos são de igual valor em ambos os lados, ambos resolverão suas disputas políticas através do alcance de um equilíbrio equiparável para ambos os lados. Se os incentivos de um lado significam perdas do outro, portanto o equilíbrio tomará mais tempo, e aquele lado em melhores condições de se manter por mais tempo conseguirá a melhor barganha sobre aquele que urge mais pela paz.

Destarte, guerras limitadas envolvem a busca por um equilíbrio vantajoso de maneira que se possa barganhar com o oponente. Por um lado, cedendo-lhe objetos de valor anteriormente conquistados segundo o método (ii) e ameaçando-lhe a conquista de novos segundo método (i). Por outro lado, o prolongando do conflito em uma taxa de danos desfavorável em termos de sofrimento - dentro dos métodos (iv) a (v). Nesse sentido, o uso da força segue oferecendo incentivos positivos e negativos que avancem pontos na agenda de negociação.

Dessa maneira, a estabilização de guerras limitadas envolve uma combinação de operações ofensivas e defensivas. A defesa de objetos que possam ser de valor ao oponente e a defesa de forças combatentes para sua economia e manutenção de um equilíbrio de forças sempre vantajoso. Mas, ao mesmo tempo, a tomada de objetos de valor pelo oponente, e destruição ocasional de suas forças combatentes, de maneira a provocar danos de utilidade em termos de barganha política.

A partir do momento que se constituem equilíbrios político e estratégico vantajosos, é necessária a consolidação dessa vantagem por operações majoritariamente defensivas. Por um lado, se se conquistou objetos de interesse do oponente, deve-se ser capaz de retê-las até o momento mais oportuno de permutação, e ser capaz ainda de continuar defendendo nossos

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próprios objetos que possam elevar os recursos de barganha do oponente. Por outro lado, se não existe objetos de valor político disponíveis para negociação, é importante a produção de uma vantagem estratégica no teatro de operações em termos de equilíbrio relativo de forças, o que envolve a imposição de taxas de perdas superiores sobre o oponente ao longo do tempo e a detenção de terreno mais favorável para enfrentamentos futuros. Dessa maneira, é possível ter o controle das operações militares no teatro de operações de maneira que qualquer iniciativa do oponente seja relativamente mais custosa.

A expectativa teórica é que esta atuação defensiva final que permite a consolidação de um acordo de paz ou cessar-fogo vantajoso, seja através de uma última permuta de objetos, seja pela desistência do oponente de seguir lutando por aceitação da simples proposta de acordo.

Métodos de Ação em Guerras Ilimitadas.

Guerras ilimitadas se dão em contexto em que não existe equilíbrio de situação política entre oponentes que satisfaça um dos lados, por isso é uma condição inegociável. Conseqüentemente, não existe a possibilidade que um dos lados conceda que o outro tenha meios de força disponíveis numa paz futura. Na guerra ilimitada, não existe equilíbrio como objeto de paz ou status quo aceitável em que o oponente ainda disponha de forças de resistência. O objetivo político é apenas satisfeito pela incapacitação da resistência ou a quebra da vontade de resistir do oponente.

A guerra ilimitada só se encerra com uma ofensiva estratégica. Seja do ofensor original ou através do contra-ataque do defensor. Não existe a satisfação do objeto político com o “congelamento” das ações ofensivas.

No caso de guerras ilimitadas, a teoria observa que a ofensiva estratégica para cumprir seus objetivos políticos, tende a ter que conduzir a guerra a fim de destruir as forças combatentes oponentes, destituir seu governo e submeter sua população civil a um controle externo de seus recursos sociais. O lado na ofensiva estratégia precisa destruir os meios de resistência do oponente e a possibilidade deste constituir novos meios ao longo do tempo de maneira que o lado defensor torne-se incapaz de ação e sua vontade de resistir fique impotente.

A ofensiva estratégia no contexto de uma guerra ilimitada demanda necessariamente como meta bélica uma ou mais vitórias decisivas no campo de batalhas. É possível que essa vitória resulte diretamente na derrubada e na submissão política do adversário. Mas quanto mais inflamado é o adversário, mais ele tenderá a usar mais e mais seus recursos sociais, convertendo-os em meios combatentes. Por isso, a capacidade institucional administrativa de converter recursos civis em meios combatentes e de gerenciá-los precisa ser neutralizada, bem como essas fontes de recursos humanos e materiais e de forças morais que impulsionam o defensor a seguir resistindo mesmo em condições desfavoráveis. Neste último e terceiro caso, a população precisa ser policiada.

Se o lado intervencionista possui amplos meios de força disponíveis, é possível que ele consiga realizar mais de uma ou até as três metas bélicas esperadas simultaneamente. No entanto, se suas forças são de números limitados, dispersos devido à geografia ou lhe faltam meios combatentes específicos para

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a realização de uma dessas metas, é necessária uma hierarquia de preferências. Isso porque se os números do ofensor são mais limitados, a primeira meta e as outras duas podem oferecer dilemas na alocação estratégica das forças combatentes. A primeira possivelmente demandará maior concentração, porém a segunda e, principalmente, a terceira metas demandarão dispersão na disposição das forças no teatro de operações.

Na maioria dos casos de guerra ilimitada, portanto, o lado na ofensiva estratégica precisa incapacitar o lado na defensiva estratégica de meios regulares de resistência, ou seja o método (i). Apenas com essa meta cumprida que a força combatente na ofensiva estratégica poderá avaliar se seus meios disponíveis são adequados e suficientes para a realização das outras duas metas, e mesmo apenas se essas forem necessárias. É possível que o objetivo político, a quebra da vontade de resistir do oponente tenha se esvaído com a perda de seus principais instrumentos de resistência. Caso ainda seja necessário prosseguir lutando, a ofensiva precisará poder re-organizar suas forças contra os centros administrativos e as áreas de maior apoio popular e recursos materiais, aliados e santuários em territórios estrangeiros. Portanto, se há a necessidade que o adversário colapse e se torne incapaz de resistir, a destruição de suas forças é um requerimento, e a ocupação de seu território apenas uma conseqüência. Com exceção de casos de grande assimetria de forças, a expectativa teórica é que o território inimigo seja ocupado - método (ii) - para transição de seu governo e securitização de sua população apenas depois que seu exército tenha sido derrotado. A ocupação do território inimigo ainda com um exército ativo deve ser considerada um mal necessário em termos de objetivos estratégicos intermediários para alcance da primeira meta bélica. Por exemplo, o policiamento das linhas de comunicação, a necessidade de abertura de uma base de suprimentos por questões geográficas ou a guarnição de uma área para conter a ação de um possível aliado ou santuários além fronteiras do oponente (Clausewitz 1984, I-2: 92).

A segunda e terceira metas bélicas demandam uma segunda fase da campanha relacionada a métodos que desgastem o adversário, seja a sua capacidade de converter novas forças combatentes, seja sua própria vontade de seguir lutando. Ademais, a Teoria da Guerra tem a expectativa de dois métodos adicionais para uma ofensiva estratégica aumentar o esforço do oponente a níveis insuportáveis. Por um lado, existem ações de objetivo essencialmente simbólico e político - método (iii). Ataques que paralisem lideranças políticas importantes e aliados. Por outro lado, as ações que pela ocupação do território inimigo provoquem os efeitos políticos desejados. No caso de uma guerra ilimitada, isso significa provocar danos e sofrimentos nas principais áreas de apoio político do oponente, as principais fontes de recursos e de vontade política - método (v) (CLAUSEWITZ, 1984, I-2: 92-93).

Pelo lado na defensiva estratégica, a expectativa da Teoria da Guerra de Clausewitz é que as metas bélicas envolvam conseguir tempo e prolongar sua capacidade de resistir na esperança que sua conversão de recursos civis em combatentes e contando ainda com a adesão de aliados possibilitem acumular meios para alteração do equilíbrio de forças. O lado defensor também sempre conta com o desgaste dos meios combatentes e da sua da vontade em seguir lutando do invasor, e por isso tendem a usar muito mais do tipo de estratégias

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de exaustão. Por isso, é útil a aplicação de força e engajamentos que garantam o desgaste do oponente.

O lado na defensiva estratégica pode usar de uma série de operações unicamente para o desgaste do invasor seja combatendo-o diretamente ou simplesmente forçando que o invasor se disperse e se distancie cada vez mais de suas bases de operações. Pode realizar ataques que possibilitem o controle de áreas de acesso a regiões políticas e populares importantes que são fontes de recurso. Existem operações de efeito simplesmente simbólico e psicológico para inflamar ou perpetuar o apoio popular, e operações ainda de efeito político em termos de prejudicar as relações políticas do invasor com terceiros países. E por fim, existe a iniciativa de exaurir as forças invasoras prolongando as operações militares por mais tempo e cobrindo mais espaços até o desgaste de seus meios físicos e morais. Conseqüentemente, as opções de metas bélicas e de ação do defensor são mais amplas: dos métodos (ii) a (vi). O método (i) é possível apenas com a reversão do equilíbrio de forças a favor o do defensor e após o oponente ter exaurido todos seus recursos combatentes de maneira que ele não é mais capaz de seguir lutando ofensivamente eficazmente. A partir desse momento, o defensor pode converter-se ao contragolpe.

Diferente da ofensiva estratégica que apenas varia em grau, Clausewitz aponta que a defensiva possui graus distintos de resistência: que permite recorrer a campanhas ofensivas tanto quanto defensivas dependendo de suas condições estratégicas e táticas relativas em comparação ao oponente. Em termos estratégicos, quanto menos for desfavorável a correlação de forças e mais disperso for o interventor no teatro de operações, mais o defensor poderá arriscar com razoável expectativa de sucesso engajamentos ofensivos localizados ou seqüenciados, segundo tipo de estratégia de derrubada. Do ponto de vista tático, o lado defensor em seu próprio território geralmente tem mais facilidade de movimentação de suas forças no teatro de operações e pode escolher conduzir batalhas em condições mais vantajosas se concentrando em áreas especificas em que o interventor está mais fraco, ou em condições numéricas equivalente mas o desafiando em terreno mais desfavorável aos seus números e forma de combate. Por isso, para conduzir tais batalhas, as condições favoráveis não são dependentes exclusivamente de números e terrenos, mas ainda da qualidade das tropas em proficiências de combate à distância e combate cerrado. Batalhas defensivas demandam mais proficiência em combate à distância e batalhas ofensivas em combate cerrado. Por sua vez, o uso de fortificações depende que elas sejam imunes ou resistentes às capacidades de combate do oponente e realmente maximize força ao lado na defensiva.

NEGOCIANDO ENQUANTO LUTANDO: O CASO DA CORÉIA, JANEIRO-NOVEMBRO DE 195110.10 A melhor abordagem geral é presente em Stueck (2002).

A obra mais importante que se estudo de caso se apoiou foi Malkasian (2002), que realiza a análise sintética mais consistente do processo interativo entre as tomadas de decisão por americanos e chineses e os métodos conduzidos. Para uma apreciação histórica mais detalhada, ver Appleman (1990), Mossman (1990) e Hamburger (2003). A narrativa do

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O caso da Guerra da Coréia é um caso clássico, ainda que pouco explorado, de um plano de ação de uso sistemático da força para estabilização das hostilidades e condução de uma paz negociada. É um caso de estudo útil porque os relacionamentos entre política e estratégia são bastante explícitos, alguém poderia dizer até exagerados, se se compara com operações SSTR contemporâneas. Mas se contra-argumenta que é tal explicitação de relacionamentos que tornam o caso apontado educativo e fértil de exemplificações históricas de decisões e cursos de ações tomados.

Ainda que não reconhecida em tempos presentes, a Guerra da Coréia foi o primeiro caso de intervenção militar segundo os auspícios das Nações Unidas, segundo o capítulo VI da Carta. Após a invasão militar pela Coréia do Norte, os Estados Unidos decidiram por uma intervenção que não fosse uma simples resposta unilateral. E esforçou em seguir os procedimentos formais das Nações Unidas reforçando seu papel recém constituído, e físico ainda e construção, segundo o pedido de proteção da Coréia do Sul11.

Tendo em vista à fragilidade das Nações Unidas nesse período e o constrangimento nacional da maioria das potências européias no pós Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos adquiriram uma liderança natural e determinante. Mesmo assim, não se pode ignorar o papel já destacado, e que será mencionado à frente, das Nações Unidos como um fórum de expressão do posicionamento político da maioria dos países-membros, e como um canal reconhecido para a abertura de dialogo e negociação entre partes conflituosas. E assim foi o papel das Nações Unidas na constituição de um canal preliminar de negociação entre americanos e soviéticos para inicio das negociações entre a forças armadas sob liderança dos Estados Unidos e sob a autoridade da ONU e a coalizão comunista de China e Coréia do Norte a partir de 1951.

No que tange o recorte desse estudo, é possível restringir os contornos políticos à segunda fase da Guerra da Coréia entre outubro de 1950 e novembro de 1951. Ou seja, entre a intervenção chinesa no conflito e o inicio formal das negociações de cessar fogo. Nesse período, há uma transformação significativa da Guerra da Coréia que deixa definitivamente de ser apenas uma guerra civil e se torna uma arena para disputa de poder e delimitação da geopolítica global. Por um lado, os Estados Unidos lideravam uma coalizão de um número significativo de países que se opunham a extensão das agressões comunistas que se seguiam desde o final da Segunda Guerra Mundial, principalmente em vários países da Europa. Particularmente, do ponto de vista dos Estados Unidos, a Guerra da Coréia se constituiu numa primeira campanha de contenção do bloco socialista e que marcou sua posição de liderança de um dos pólos da Guerra Fria.

Já do ponto de vista da China, a Guerra da Coréia foi um misto de consolidação interna da Revolução que profetizava o conflito a principal capitalista do mundo, porém foi ainda a forma de expressão de uma “nova” China, não mais sujeita ao colonialismo ocidental e que passava a apresentar o pleito de reconhecimento como a nova potência regional asiática. Por um lado, a simples presença armada de potências ocidentais em sua periferia era uma

próprio punho de Ridgway também é útil em Ridgway (1986). ma perspectiva das decisões política é presente em McGlothlen (1993) e Kaufmann (1986).

11 Ver Goodrich (1956).

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ameaça para a constituição ainda frágil da China comunista, mas era ainda uma oportunidade de tomar tal ameaça externa como pretexto para mobilização da sociedade e realização das reformas estruturais delineadas pela Revolução e desejadas por Mao Tse-Tung. Por outro lado, a Guerra da Coréia foi um desenrolar da política externa da China comunista desde 1949 de confrontação com os Estados Unidos em três partes: Indochina, Taiwan e Coréia como forma de estabelecimento dos contornos de segurança mínimos da Revolução e de lançamento da China como magneto para o restante da Ásia desejosa de seguir os caminhos do comunismo.

Não se deve perder de vista na contextualização da Guerra da Coréia, a atuação maçante da União Soviética sob a liderança de Josef Stalin. Ainda que Coréia do Norte e China tivessem suas motivações originais internas, a articulação dessas motivações e o timing de consecução dessas agendas seguiram a batuta de Stalin. A invasão norte-coreana, a intervenção chinesa e o fim da Guerra da Coréia foram decididas e subsidiadas - politicamente e em armamentos – a partir de Moscou.

Nesse período, a capacidade de produção de inteligência pelos Estados Unidos ainda se encontrava em formação e seu serviço era precário. Este era principalmente, mais que hoje, sujeito a orientações e crenças das lideranças políticas. No caso da Coréia, não houve qualquer antecipação à entrada da China no conflito, nem qualquer preparação. Portanto, houve a mais completa surpresa e um desastre também foi quase iminente e completo no teatro de operações. Em dezembro de 1950, há uma mudança significativa da liderança do comando operacional da coalizão das Nações Unidas com a indicação de Matthew Ridgway e a elaboração de uma nova política de orientação de condução do conflito com a China. Desde novembro de 1950, os Estados Unidos desejavam a acomodação política com a China, e já havia sido utilizado os canais das Nações Unidas em Long Island para a realização de negociações e busca do cessar-fogo. No entanto, a condição estratégica de vantagem da China principalmente a partir de dezembro de 1950 trazia a promessa de uma vitória decisiva e a expulsão de todas as forças não comunistas da Península Coreana. A partir de então, a Guerra da Corrêa pode ser compreendia em 5 fases:

1ª Fase: Outubro a Dezembro de 1950. A China intervém surpreendendo política e estrategicamente os Estados Unidos e seus aliados. A China busca uma vitória decisiva e a expulsão das forças não comunistas da Península Coreana. Os Estados Unidos ainda têm como objetivo político a unificação da Coréia e a destruição das forças da Coréia do Norte. Os Estados Unidos propõem pela primeira vez um comitê de cessar-fogo. A China considera apenas sob exigência de retirada do bloqueio de Formosa, reconhecimento da China comunista e destituição do reconhecimento da China nacionalista. Posteriormente, abandonam e rejeitam qualquer negociação. Os chineses conduzem duas campanhas ofensivas.

2ª Fase: Dezembro de 1950 a Janeiro de 1951. Os Estados Unidos reformulam seu objetivo político para a Coréia: o status quo ante, ou seja o restabelecimento das duas Coréias dividas pelos paralelo 38°. Estabelecem que esse objetivo é alcançável dentro da articulação de esforços combatentes dentro de uma lógica de guerras limitadas que moderem e acomodem a guerra. Também redefinem os métodos de

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conduta da guerra segundo o novo comando de Ridgway de uma estratégia de derrubada para uma de exaustão das forças chinesas. E dessa maneira, produzir um equilíbrio de forças vantajoso que desgaste não apenas seus números em muito superiores, mas a própria vontade política chinesa de seguir lutando. Chineses conduzem duas campanhas ofensivas. Americanos apenas defensivas de retirada e depois de desgaste das forças chinesas e norte-coreanas.

3ª Fase: Janeiro a Abril de 1951. Os chineses mantêm a ofensiva estratégia e são resistentes a negociações. Estados Unidos iniciam ofensivas-defensivas de desgaste e começam a equilibrar a correlação de forças. Baixas chinesas passam a ser desproporcionalmente altas. Chineses conduzem uma ofensiva. Americanos conduzem três, mas limitadas para destruição de forças chinesas e posicionamento em terreno mais vantajoso para a defesa e desgaste das forças chinesas em ofensivas.

4ª Fase: Abril a Maio de 1951. Chineses buscam quebrar equilíbrio estratégico através das duas maiores ofensivas de toda guerra. Já nesse período, começam contatos indiretos via diplomatas soviéticos na ONU para negociação. Estados Unidos buscam manter equilíbrio de forças vantajoso e exaurir ainda mais os comunistas. Por isso, agora são os americanos que recusam negociar, pois ainda não possuem vantagem suficiente que permita concessões oportunas para a acomodação. Por isso, buscam mais recursos de barganha desgastando ainda mais as forças chinesas. Isso ocorre com duas ofensivas chinesas no período seguidas, respectivamente, de duas contra-ofensivas americanas.

5ª Fase: Maio a Novembro de 1951. Comunistas perdem vantagem no equilíbrio de forças, mudam estratégia de derrubada para de exaustão e passam a considerar a acomodação política de status quo ante através da abertura de negociações. Estados Unidos mantêm estratégia de exaustão, produzem vantagem no equilíbrio de forças e abrem canal de negociações. China não produz mais ofensivas. Americanos produzem duas ofensivas intercaladas com o avanço de pontos da agenda de cessar-fogo.

6ª Fase: Novembro de 1951 a Abril de 1953. Comunistas aceitam e iniciam negociações, debates são prolongados por decisão de Mao e Stalin, até a morte deste último, como perspectiva de algum ganho futuro que pudesse modificar a situação. Stalin calcula ainda que a presença norte-americana na Coréia enfraqueceria a posição dos Estados Unidos na Europa no longo prazo. Os EUA, por sua vez, mantêm negociações com comunistas sem alarme ou pressa. Eisenhower assume presidência dos EUA, promete escalonamento na Coréia e retaliação maciça na Guerra Fria. Ridgway fecha pacto com Japão, é transferido para o comando supremo da Europa e forja meios combatentes da OTAN, com a inclusão da Turquia, Grécia e Alemanha Ocidental. Ambos os lados assumem operações ofensivas limitadas.

A Guerra da Coréia é o caso clássico de modificação dos objetivos políticos dos EUA em uma guerra e moderação de suas metas bélicas ao lugar de uma vitória total e incondicional. Inicialmente, e principalmente depois do sucesso

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da operação anfíbia conduzida pelo general MacArthur em agosto de 1950 em Inchon, tomou-se a decisão de transgressão do paralelo 38°, destruição das forças norte-coreana e unificação da península sob o governo do presidente da Coréia do Sul, Shygman Ree. Com a intervenção chinesa, houve uma reformulação da política dos Estados Unidos, que demandou quase dois meses de alteração de sua percepção e compreensão na identificação da presença militar chinesa e seus objetivos político, e a importância da Coréia dentro de um contexto global da Guerra Fria.

Em 22 de dezembro de 1950, Dean Rusk, subsecretário da pasta para Ásia, propôs uma nova política que foi submetida aos secretários de Defesa e Estado e à Junta de Chefes de Estado Maior. Em 29 de dezembro, essa política foi traduzida em instruções ao comandante supremo das forças americanas na Ásia, General MacArthur. Em 12 de janeiro de 1951, essas instruções foram reforçadas em mensagem direta do presidente Truman. Um dia depois, uma resolução de cessar-fogo foi aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, mas com rejeição chinesa.

Desde o início a Guerra da Coréia foi vista pelos Estados Unidos como uma campanha de abertura de uma Terceira Guerra Mundial com a União Soviética, em que o palco de batalhas seria a Europa. Com essa perspectiva, ao mesmo tempo que se conduzia tal guerra, o principal esforço de mobilização era conduzido para reforço da posição dos EUA na Europa. E seguindo essa orientação política, foi para lá que foram deslocadas as melhores e maior contingente de forças combatentes no período. O Sétimo Exército de Campo era uma formação combatente muito mais poderosa que sua contraparte na Coréia, o Oitavo Exército de Campo. Isso, em grande parte, corroborou a inclinação dos EUA de conduzirem uma guerra limitada - com recursos limitados - na Coréia e de alcance de uma moderação e posterior acomodação com os chineses.

Em 26 de dezembro de 1950, houve a mudança do comando operacional de todas as forças americanas e da coalizão das Nações Unidas na Coréia. Com a morte acidental do comandante anterior, o General Matthew Ridgway assume uma força em franca retirada e em frangalhos. Um mês depois, ele passa executar um novo plano de guerra, seguindo de perto as instruções como formuladas por Rusk. Sua intenção era a condução de uma estratégia de exaustão de maneira a levar os chineses a mesa de negociação e a aceitar o status quo ante. Essa alteração foi lenta e demandou grandes esforço pois marcou uma mudança cultural norte-americana de sempre travar guerras por meio da submissão total do oponente. Uma tradição desenvolvida e mantida desde a Revolução.

Segundo a esse novo plano, Ridgway passa a conduzir apenas defensivas, e ofensivas limitadas sem se importar na conquista e retenção absoluta de terreno, cidades e objetivos. Sua grande preocupação é travar batalhas que coloquem a taxa de perdas comunistas em parâmetros desproporcionalmente mais altos. Dessa maneira, impactar na vontade política chinesa de continuar na guerra e de resistir a qualquer tipo de negociação.

A partir de abril de 1951, os Estados Unidos já possuem uma pequena vantagem estratégica. Porém, Ridgway adverte que ela era insuficiente para conduzir negociações com vantagem política o suficiente. Antes disso,

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existiram três resultados - um político e dois estratégicos - marcantes para que os EUA propusessem a abertura de negociações.

Primeiro, em 17 de Mario de 1951, o governo dos EUA produziu um novo documento - NSC 48/5 - que dava nova orientação política aos esforços externos, contextualizando objetivos de longo prazo e a importância dos resultados da Guerra da Coréia para a Guerra Fria. Segundo, houve uma última e final tentativa chinesa de quebrar a vantagem estratégica que os americanos impuseram e de uma vitória total. A notória 5ª Ofensiva Chinesa - conduzida em duas fases ou impulsos - foi a maior ofensiva da guerra nos seus três anos e a maior baixa numa única campanha na segunda metade do século XX. A partir de então, a China não foi mais capaz de conduzir campanhas ofensivas. O comandante da coalizão comunista, Peng Duhai, pediu a Mao a reformulação dos objetivos políticos da China. Por conseguinte, a China passou a considerar ganhos limitados e a alteração de sua estratégia, mais orientada por uma estratégia de exaustão e do que derrubada. A partir de então, a China não conduz mais campanhas ofensivas. No entanto, os chineses possuíam condição tática desvantajosa para interagir com os americanos nesses termos. Os EUA possuíam domínio aéreo, naval e de artilharia o que lhe garantia maior capacidade combates defensivos e combate à distância. Adicionalmente, os UA possuíam uma linhas de comunicações mais curta, uma economia muito maior e um parque industrial próximo – o Japão – que lhe garantiam uma capacidade relativa mais robusta e sustentável de seguir numa luta de atrito com os chineses.

Terceiro, Ridgway elaborou operações que controlassem linhas defensivas que serviriam na mesa de negociação futura, segundo a orientação de re-estabelecimento do paralelo 38°. Essas linhas defensivas passaram a ser a Linha Kansas, a última linha acima do paralelo 38° que serviu de defesa absoluta desse e também de Seul; e a Linha Wyoming, 34 Km ao norte da anterior, com o único objetivo de ser o ponto de contato com as forças comunistas mais desgastante para estas últimas. Isso porque deixava vulnerável as principais bases de operações e linhas de comunicação comunistas, desgastando ainda mais suas capacidades de seguir lutando segundo uma estratégia de desgaste. Por fim, esta era a linha que os americanos desde o início estavam dispostos a ceder.

Ao longo de 1952 e até 1953, a Guerra da Coréia entrou num estágio de estagnação, por três motivos. Primeiro, ainda que desproporcionalmente inferiores, as baixas da coalizão americana passaram a ser mostrar sensíveis desde que essas forças foram minimamente reforçadas. Segundo, existiu a mudança de comandos norte-americanos por generais menos adequados ou mais resistentes a estratégias que não por derrubada para uma vitória final, o que demandou uma restrição ainda maior das operações pela autoridade política em Washington. Terceiro, por fim, houve uma alienação autoridade chinesa no cálculo da guerra. Os sucessos iniciais garantiram uma concentração de poder do Partido Comunista nas mãos de Mao, que passaram a ser mal utilizadas tendo em vista a sua resistência em ceder uma paz final negociada. Adicionalmente, a posição chinesa foi ainda grandemente influenciada pela decisão férrea de Stalin, que apoiava a resistência a uma negociação final do armistício. Ele calculava que as perdas chinesas eram conseqüências aceitáveis para o desgaste e fixação dos Estados Unidos na Ásia em demérito do equilíbrio de forças na Europa.

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Essa estagnação foi apenas ultrapassada decididamente com a morte de Stalin em março de 1953, que marcou o início das últimas sessões de negociações um mês depois. E com a demonstração norte-americana de ser capaz de se fortalecer na Europa e ainda escalar o conflito na Coréia.

EQUILÍBRIO POR SOBRE-PRESSÃO: A CONDUÇÃO DO SURGE ESTRATÉGICO NO IRAQUE, 2007-200812.A última intervenção militar dos Estados Unidos e seus aliados no Iraque desde 2003 pode ser entendida como a condução de duas guerras com um grau de distinção temporal, mas principalmente pelos oponentes contra quem eles vêm enfrentando e em termos dos métodos aplicados pelos norte-americanos para estabilizar o Iraque.

Os objetivos políticos dos Estados Unidos no Iraque foram dois. Primeiro, elevar a segurança da homeland travando conflitos com grupos jihadistas no Golfo Pérsico, e fora do território norte-americano. Segundo, a criação de um alinhamento político entre os países desta região de maneira a limitar a atuação desses grupos. Esse último objetivo apoiava-se principalmente na deposição da ditadura de Saddam Hussein e criação de um governo pró-EUA. As metas bélicas eram a derrubada do governo de Saddam pela destruição de duas forças combatentes, deposição de seu governo e desbaratamento do partido Baath. Os EUA contavam que o controle de população e do território seriam demandas moderadas que poderiam ser compartilhadas por milícias locais e apenas com apoio norte-americano. Quando do início da insurgência em 2003, os EUA ainda acreditavam que esse novo governo iraquiano provido meios de força adequados seria capaz de estabilizar o Iraque.

Algo que as autoridades dos EUA ignoravam ou davam pouco valor era a condição política doméstica do Iraque como expressão de sua sociedade com graves clivagens religiosas e tribais, e como a predominância ou equilíbrio entre esses grupos possui grande valor no equilíbrio de poder regional do Golfo Pérsico. Algo que os americanos levaram tempo a compreender foi que os enfrentamentos no Iraque tinham duas dimensões. Por um lado, passou a haver uma guerra contra os Estados Unidos a partir de iniciativas mais ou menos individuais e paralelas de três grupos principais: sunitas seculares nativos, sunitas estrangeiros radicais religiosos (jihadistas, com destaque para o Al Qaeda Iraque, AQI) e xiitas, sendo esses últimos apoiados e, até certo grau, coordenados pelo Irã. Apenas entre os dois primeiros existiu alguma coordenação na condução de uma estratégia de desgaste das forças americanas. As forças xiitas eram e vêm sendo mais fragmentadas, apenas

12 Qualquer avaliação da última (a) Guerra(s) do Iraque sofrem dos problema metodológicos apontados no inicio da seção anterior do trabalho. Existe uma real de fontes, primárias ou secundárias, para estudo. De certa maneira, mesmo a cobertura pelos centros de informação parecem ter uma “parede de vidro” até 2006. O período do surge é realmente mal coberto. Para a realização desse ensaio, lançou-se mão dos documentos publicados pelo governo dos Estados Unidos e principalmente aos relatórios e análise publicadas por STRATFOR. Rever.

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com alguma coordenação interna que se alterna com a coordenação externa iraniana.

Por outro lado, a partir de 2003, passou a existir uma segunda guerra - civil - entre sunitas e xiitas por quem teria o controle do futuro do Iraque. Essa guerra foi selvagem principalmente porque ela contava com uma confrontação entre grupos sectários, mas principalmente no caso dos xiitas, dentro desses grupos. Esses conflitos passaram a ocorrer em algo próximo a um cenário de estado de natureza hobbesiana sobre o controle de cada aspecto político do Iraque. Sobre a composição de ministérios, partidos políticos, orçamento, a força policial nacional e assim por diante. Até a ofensiva estratégica norte-americana de 2007, essa guerra civil não foi suspensa.

Isso trás a necessidade de consideração dos grupos sectários do Iraque.

Em primeiro lugar, existem os sunitas. Compostos pela aliança entre a constelação secular e tradicional de xeiques e novos grupos estrangeiros revolucionários. Enquanto, os sunitas foram o principal alvo das operações norte-americanas e ainda das milícias xiitas, se manteve tal aliança. Essa era uma medida política necessária – ainda que arriscada porque os xeiques nunca compartilharam das ambições dos jihadistas - para mobilização de forças suficientes para a condução da insurgência de 2003. Essa estratégia de exaustão sunita tinha como meta bélica desgastar as forças combatentes norte-americanas e exaurir sua vontade política de criar um governo majoritariamente xiita, e que os EUA passassem a considerar os sunitas – inclusive os do partido Baath - nessa composição governamental.

A partir do momento que os Estados Unidos se viram mergulhados e dispersos, bem como os xiitas entraram em conflitos intra-sectários, a pressão sobre os sunitas diminuiu. Conseqüentemente, passou a ocorrer uma nova dimensão de conflito na conformação da liderança sunita. No calor da Guerra contra o Terror, os analistas americanos não foram capazes de fazer a distinção entre as duas principais partes sunitas. A partir de realizada a distinção, por volta do fim de 2006, os Estados Unidos passaram a realizar contatos com os sunitas nativos e a concentrar o foco de suas operações contra jihadistas estrangeiros. Os sunitas nativos passaram a apoiar tais operações porque os jihadistas estrangeiros eram realmente revolucionários. Desejavam alterar a composição política do Iraque de maneira completa, revertendo a composição secular dos xeiques por uma unificação teocrática sob um novo Califado.

Foi nesse sentido, que houve uma atualização da compreensão política dos Estados Unidos e correção de sua estratégia e plano de estabilização do Iraque. Retirando uma ação absoluta sobre os sunitas, mas se concentrando numa estratégia de derrubada dos grupos sunitas jihadistas. Da mesma maneira, tendo como novo ator influente o Irã, os EUA passaram também a aumentar a pressão diplomática e de ameaça de uso da força diretamente sobre ele. Indiretamente passou também a pressioná-lo através de uma estratégia de golpes diretos limitados para ruptura das frágeis alianças entre grupos xiitas e a respectiva influência iraniana sobre eles.

Assim sendo, a acomodação política e estratégica entre Estados Unidos e sunitas nativos passou a ser uma ameaça direta aos xiitas. É importante marcar que os xiitas compõem uma maioria significativa da população iraquiana, porém são um conglomerado historicamente muito mais

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fragmentado e menos coeso. Por essa razão que os xiitas foram dominados por décadas pelos menos numerosos sunitas.

A interação entre a atualização doa objetivos políticos e operações militares americanas e um re-alinhamento político dos xiitas, distanciando-se parcialmente do Irã, levou que estes grupos atendessem a alguma acomodação com os Estados Unidos. Tendo em vista a dificuldade que os EUA vieram encontrando em estabilizar o Iraque sob um governo predominante xiita e a ameaça que o Irã passou a representar, os xiitas passaram a antecipar e a temer que os EUA passassem a prevalecer o estabelecimento de um status quo ante. Ou seja, de um governo iraquiano predominante sunita.

Além disso, deve-se especificar que uma facção sunita seria uma ameaça aos xiitas, mas uma facção sunita reunida e apoiada pelos Estados Unidos seria uma ameaça também para o Irã. Isso seria uma alteração dos objetivos políticos originais dos EUA para o Iraque. Mas, de fato, o que ocorreu foi um re-enquadramento político e estratégico dos EUA tendo em vista que a principal ameaça não era mais Saddam Hussein e seu partido Baath, nem mais os jihaditas, mas um Irã como principal potência da região.

Nesse sentido, os objetivos políticos dos EUA passaram a buscar uma acomodação com o Irã a partir da ameaça de composição de um equilíbrio de forças indesejável no Iraque aos xiitas na região. A principal conseqüência disso foi uma fragmentação ainda maior entre os xiitas - nacionalistas e os pró Irã - o que enfraqueceu consideravelmente a influência do Irã dentro do Iraque.

Essa variação dos contornos políticos e bélicos dessa última guerra do Iraque pode ser compreendida em 4ª fases:

1ª Fase: Inverno de 2002 a Março de 2003. Invasão terrestre do Iraque e destruição de parte das forças combatentes de Saddam e controle de maior parte do território. Os EUA buscam uma estratégia de derrubada e vitórias decisivas nos campos de batalha. Uma parte significativa das forças combatentes sunitas é desbaratada e dispersa. Seguindo uma estratégia de exaustão, essas forças esperam o posicionamento e dispersão das forças invasoras;

2ª Fase: Abril de 2003 ao Verão de 2003. Os Estados Unidos ainda têm como objetivo político criar um governo iraquiano pró-Estados Unidos basicamente xiita. Conseqüentemente, iniciam medidas para transição do governo do Iraque e reconstrução do pais. As operações para policiamento do território e população, demandaram dispersar suas forças. As forças iraquianas sunitas iniciam a insurgência, em Bagdá e no norte do país, reforçadas de jihadistas estrangeiros do Al-Qaeda e outros movimentos/grupos terroristas. Ainda em Bagdá em no sul do país começa a mobilização de milícias xiitas, em grande parte armadas, orientadas e influenciadas pelo Irã.

3ª Fase: Outono de 2003 a Dezembro de 2006. EUA são obrigados a lutar uma guerra de várias frentes. Contra sunitas, xiitas e no controle de uma guerra civil entre os anteriores. Os Estados Unidos ainda tem como objetivo político criar um governo iraquiano pró-Estados Unidos majoritariamente xiita.

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4ª Fase: Inicio de 2007 a Agosto de 2008. Estados Unidos mudam seu objetivo político e estratégico. Há o incremento de forças em Bagdá e no norte do Iraque. A guerra do Iraque passa a ser travada em duas frentes. Primeiro, a construção de um equilíbrio de forças e, a partir daí, de poder entre xiitas e sunitas. A condução de operações militares reais e potenciais que ameacem e depois sinalizem o convite à negociação e à acomodação com o Irã, que se iniciaram em 2007 e ao longo do ano de 2008. A estratégia do novo comandante, General Patraeus, é a de alinhamento e construção de alianças com sunitas e fragmentação de xiitas.

Mais do que uma contenção da capacidade do Irã dominar a região, uma aliança duradoura entre Estados Unidos e sunitas tem a amarga promessa dos anos 1980 e da Guerra Irã-Iraque. Essa possibilidade tornou-se ainda mais palpável a partir do momento que os Estados Unidos iniciaram duas ofensivas. Uma estratégica aumentando em 15 mil o número de tropas em Bagdá, combinada com uma ofensiva diplomática aumentando o tom de acusação ao projeto nuclear iraniano e as possibilidades de ataques aéreos a instalações deste, inclusive com participação ou mesmo delegação de uma operação da Força Aérea Israelense (Raas & Long, 2007).

A questão foi que a primeira ofensiva - a estratégica – articulada segundo as orientações apontadas acima colheram resultados. As baixas de tropas militares americanas e população civil passaram a cair consideravelmente (Patreaus, 2008). Com o apoio de líder locais sunitas, aumentou-se a pressão e houve o quase completo desbaratamento do Al Qaeda Iraque. Adicionalmente, os Estados Unidos iniciaram um re-ordenamento global de suas forças combatentes deslocadas no estrangeiro, dispondo de bases significativas na época da Guerra Fria e aumentando seu “excedente” de forças disponíveis para aplicação em crises. Ao mesmo tempo, prolongando a possibilidade de manutenção do surge estratégico no Iraque, que originalmente seria de menor duração.

A partir daí, é importante considerar que se iniciou uma série de sinalizações diplomáticas e estratégicas que deram início a negociações entre Estados Unidos e Irã. A partir do momento que a nova estratégia de estabilização sob o comandante Patraeus passou a dar resultados, por volta da segunda metade de 2007, os Estados Unidos passaram a diminuir a pressão diplomática sobre o Irã, bem como a ameaça de ataques aéreos.

Possivelmente por influência do Irã, passou a se registrar uma queda das operações pelas milícias xiitas, reduzindo não apenas os esforços de guerras unilaterais contra os EUA, mas mesmo os esforços de ação armada no contexto de guerra civil do Iraque entre sunitas e xiitas. Inclusive com o cessar-fogo unilateral e remoção temporária do principal líder xiita Muqtada al-Sadr de volta ao Irã para estudos. De fato, vem se pontuando a realização de reuniões reservadas entre americanos e iranianos desde meados de 2007 e ao longo de 2008, o que é convergente com as medidas de ambos os lados no campo diplomático e militar.

A grande questão no momento parece ser a construção de um equilíbrio de poder no Golfo Pérsico que não signifique nem uma ameaça aos Estados Unidos, nem uma ameaça ao Irã. Dessa maneira, a composição de um governo

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iraquiano multipartidário é uma demanda de estabilização entre as facções iraquianas e entre Estados Unidos e Irã. Nesse sentido, a questão da Guerra do Iraque passa a se descolar mais e mais das operações militares e passa a ser uma questão muito mais de projeto político e engenharia institucional, alternada possivelmente com operações militares limitadas. Ainda assim, essa é uma situação explícita de guerra limitada, em que o lado que conseguir manter sua posição política ancorada numa vantagem estratégica, por mais tempo terá mais recursos de barganhas e potencial de ganhos futuros.

Nesse sentido, o anuncio de redução na velocidade da retirada e rotação das forças americanas do Iraque ao longo de 2008 marcam essa condição de vantagem - não é possível saber ainda se real ou aparente - dos Estados Unidos com relação ao Irã. Mas é importante considerar que este último passou a ter sua atenção também voltada para operações israelenses no Líbano contra o Hizbolah, além do reforço da posição da Túrquia na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.Ambos os casos tratados nesse trabalho são úteis em apresentar como a resolução de conflitos demanda primeiramente uma solução estratégica. Ainda que se argumente que medidas de transição política e reconstrução de um país sejam necessárias para o ganho de “corações e mentes” dos grupos políticos e população locais. Esses não substitutos para construção de uma condição de equilíbrio de forças que sustente as alterações políticas que se deseje.

Isso não signifique que campanhas estratégicas sejam excludentes de operações não combatentes. É possível até considerar que elas sejam convergentes no sentido que qualquer operação militar depende de uma base intra-estrutural que um país destruído não pode oferecer, ou mesmo torna as operações militares mais custosas ou menos eficazes. Da mesma maneira, o apoio da população local é ponto importante e a ser levado em conta. Essas são questões logísticas e muito importantes, pois operações de intervenção se dão em contextos expedicionários (Duarte, 2003).

Porém, deve se considerar que medidas de atendimento à população civil demandam dispersão das forças combatentes, que nem sempre são ações adequadas caso a estabilização estratégica do teatro de operações não tenha sido realizada. Em alguns casos, essa estabilização se dará por estratégias e métodos que possibilitem a dispersão e combinação com a execução dos outros estágios da produção do equilíbrio de forças. Mas é possível ainda considerar situações como da Coréia em 1951 ou do Iraque em 2007, em que a possibilidade de sucesso de estabilização estratégica e mesmo de transição política demandam a concentração das forças combatentes em enfrentamentos que constituem campanhas ofensivas e defensivas.

O fato de que a realidade do uso da força envolva a perda de vidas e material não significa que ela seja sempre perdulária ou imprópria. Qualquer sociedade humana vive pela delimitação das regras do uso da força. Dessa maneira, quem detém qual força para qual horizonte político é uma questão premente e decisiva na qualquer resolução de qualquere conflito, e que deve ser decidida por qualquer autoridade responsável por ela. Mais que isso, essa decisão

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política envolve necessariamente a condução de operações militares orquestradas dentro de um plano que deve observar fins e meios relativos e apontar métodos e metas específicos.

Finalmente, é importante alargar o horizonte histórico e, ao mesmo tempo, aprofundar as opções teóricas de estudo para a reflexão de resolução de conflitos. Algo comum no campo dos estudos de estratégia e defesa é a confusão entre categorias de fatos, conceitos e expediência (como administrativas e políticas). O principal resultado perverso potencial disso para o estudo é a homogeneização indevida entre conhecimento e pseudo-conhecimento, a incapacidade de distinguir aspectos importantes de aspectos irrelevantes e, logo, a impossibilidade de auxilio aos processos formativos, reflexivos e de decisão relacionados a condução real dessas operações.

Nesse sentido, e particularmente no caso especifico dos Estados Unidos, existe uma condição cíclica de erro-aprendizado-esquecimento que é sensível (Proença Júnior & Duarte, 2007). Por uma questão cultural, os Estados Unidos são regularmente arrastados para cruzadas morais e libertárias, que nos dois casos estudos foram incompatíveis com as condições de fins políticos e meios combatentes. Ambas as guerras tratadas aqui são exemplares de contextos geopolíticos importantes para os Estados Unidos mas que não demandavam uma vitória retumbante. Elas são casos peculiares pela resistência original norte-americana de compreensão da realidade política em que se inseriria, o tipo de guerra que travava e sobre quais os métodos adequados a serem conduzidos.

No entanto, esses enganos não podem ser confundidos com uma perspectiva que desconsidere a necessidade das seqüências de medidas tomadas pelos comandantes norte-americanos nessas duas guerras tendo em vista o papel imperativo do equilíbrio de forças no teatro de operações. Sem o qual, qualquer conflito dificilmente alcançará a condição de paz.

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