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ESTE LIVRO CONSTITUE-SE DE POEMAS MAIS EXTENSOS, E SEUS TEXTOS SÃO MAIS DEDICADOS À TRANQUILIDADE DA LEITURA MAIS DESPREOCUPADA, VOLTADOS AO POEMA DE VERSOLIVRE DE MODO A EXPLORAR MELHOR O ESPAÇO DA PÁGINA.
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Apresentação
Duelo de Sombras foi lançado em 1999 com a tiragem de 500 exemplares. Boa parte foi “passada” enquanto cercava porco na madrugada tentando
vender livro de bar em bar ou em eventos culturais.Desde então venho xerocopiando o original e repassando aos amigos, mas agora eu descobri o e-book e como não disponho de recursos para editá-lo em formato impresso, sou obrigado a lançar mão das “novas tecnologias...”
e espero que o efeito seja bem apreciado por todos.Aproveito para agradecer aos meus amigos Marcelo Giffoni e toda a equipe
da Revista Instantes, pelo apoio e editoração do “Duelo...
Fac-simile da 1ª Edição
ABERTURA“Por Deus e por todas as cousas em que não creio,
minha sombra fala: Ouço-a, mas não no creio.”(O Viandante e a Sua Sombra – Nietzsche)
SOMBRAS vão e vêm, são feitas, criadas, algumas ganham vida e tornam-se fantasmas. Lutas eternas.
SOMBRAS, companheiras.SOMBRAS, silhuetas de objetos, de infindáveis
realidades.O escuro fruto da luz.
SOMBRAS tão importantes quanto a luz nas suas mais diversas formas. Os detalhes que permitem,
denunciam, realçam. Lirismo, sutileza, chaga e dor.SOMBRAS que envolvem e despertam o poeta.
Duelo de SOMBRAS no qual sentimos o efêmero, o silêncio, fazendo-nos voar e pensar o mundo em que vivemos do ponto de vista da luta, como diriam os muçulmanos ( a Grande Guerra Santa), de cada ser
vivente consigo mesmo.*
Com o sorriso de inveja da borboleta a se banhar no orvalho, somos despertados sutilmente pelo soar de um sino de mosteiro para o estéril e movimentado
mundo dos viventes e impulsionados a pensar o que podemos, juntos, contribuir para torná-lo poético e
diferente.José Marcello Giffoni
Escritor e Professor de História.
***Duelo de Sombras
Eu atiro poesia no ventoComo quem quer parar a tempestadeSem me conter ante o raio e o trovão.
Com ele me agarro num duelo de sombrasPara aplacar a fúria dos gêniosContidos nas garrafas mágicas
E nos redemoinhos que formamosCom o nosso corpo-a-corpo
Diluímos as comportas
E tombamos libertos ao soloCorrendo líquidos num rio sem margens
Rumo ao mundo dos poetas andejos.*
Auto da Imaginação
Perante a tarde presa numa telaFito uma águia em vôo rasante
Rasgando o horizonte na direção do ocaso,
Em primeiro planoUma rosa rubra solitáriaHabita o topo do monte
E qual criança embevecida com o brinquedoAguço a vista procurando algum segredo
Mas o sol cansado já de volta ao colo da noiteE as nuvens arredias perdidas na imensidão
Detêm minha atenção:Aqui se inicia
O Delirium TremunsDa minha canção.
*Abstração
Fico absortoContemplando a tarde
Em pleno êxtaseComo um construtor
Admirando a sua obraProcurando os pontos de maior beleza...
Passado o breve instante de alheamentoCom a sensação de ter estado fora de mim
Retomo os afazeres...
E a vida vai girando girandoEm câmara lenta
Como o mundo em sonho de menino.
*
Golpe de Ar
De repente nada mais que de repenteTudo pode mudar e tomar rumo ignorado
O cotidiano pode ser interrompidoOs sonhos podem ferir os pés descalços
Que pisam o picadeiro da ilusãoE a obstinação e muitas coisas queridas
Perderem o sentido e o valorDe repente nada mais que de repente
*
Solidariedade
Um pássaro pousouÀ beira do meu silêncioAquele rio caudaloso...
Ficamos abstraídosCom aquela substância incolor
Frente a frenteSem entender um ao outro
*
Pressentimentos
Por hoje é só issoO medo da manhã cinzenta
Restos rostos e algo rotoOu qualquer coisa que dê força
Amuleto patuá fé reza-braba Responsa promessa despacho
Encarrego ou nada maisPor hoje é só isso
O medo da manhã cinzenta Ou de algo mais
*
Vagabundo
Estou no fim do mêsMas no meio da semana
No fim do séculoMas no meio da vida
Cercado por todos os ladosNo centro da imensa noiteQue fere as minhas retinas
Sem que eu possa fazer algoSequer acender um fósforoPara encontrar o caminhoPara que eu possa decidirSe mudo a vida o mundo
Ou se continuo assim mesmoComo a vida me fez
Frágil indefeso sensívelPra felicidade geral...
*
Obra Prima
O mar divide as terrasE divide os homens também
O sol nasceu para todosE não morre por ninguém
A chuva quando caiNão molha toda a terra
O vento é brisa para algunsE vendaval para muitos.
*
Utopia
De manhã Sentado no banco do jardim
Vi uma borboleta azulSe banhando no orvalho das flores
Com tanta liberdadeQue eu quase morro de inveja
*Espírito Dalí
FantásticoHoje eu acordei tristinho da silva
Nem o sol que se derramou sobre a cidadeComo uma chuva de prata
Conseguiu penetrar a pedraEm que eu havia me transformado
FantásticoÀs vezes eu estou em cada estado
Que nem eu sei qualÉ isso
Isso é o que me transmiti até há poucoAgora...
Agora tudo bemEstou quase como sempre
Meio Gala meio Dali.
*
Espelho de Sombras
Por sobre os ombros Os olhos fitam o mundo
Refletido no espelhoAtravés da janela
O corpo imerso no dia convulsoInsensível aos suicídios
E ao calor das discussõesNão figura, não é mais nem menos
na paisagem alheia
O pintor no ateliernão o notaria pousado na folha
branca sobre a mesao dia cheio de mecanismosé tudo que cabe no espelho
o resto os olhos não podem ver*
Pássaro Livre
Partiu para o AlémSem deixar herança
Nem despedir-se de ninguémPartiu anônimo como chegou
Juntou os seus pertencesFez uma trouxa com cuidadoDeu de ombros para o mundo
E partiu para o AlémAnônimo como chegou
Sem vestígiosNem despedir-se de ninguém
*Passageiro Amnésico
Não quero nada do mundo nem da vida.Não me importa se chove ou se faz sol.
Nem me comove o fato de estar ausente quem amo!Me perdi por aí...
Perdi minha identidadePerdi o bonde e o fio da meada
Sofri amnésia e tomei rumo ignoradoProcuro a benvinda mão que se estenda
Clara e francaNum gesto firme e confiante.
*
Hora Sem Legado
Com a erosão vassalaQue desola os meus dias
De ontem não restou sequerO prazer de ter vivido:
A EXPERIÊNCIA FOI TRÁGICA...
O que me contenta hojeÉ poder continuar vivendoMesmo sem saber por quê
*
Gota D’água
Não adianta.Tudo está perdido.
Morra em paz consigoQue é melhor assim.Não vá se desesperar,
Espalhar o medoE ser tido por louco.Viver é um desafio
Ainda aceito por poucos...*
Alice Ante o Espelho
Não sei o que vejoRefletido no espelho
Quando me fito.Poderia inventar Mil realidades,
Mas não sei fazer isso.Não aprendi a mentir.
Por isso insisto;Pode ser que um dia
O espelho me revele...*
Autobiografia
Sou um fragmentoQue vaga
Ao sabor dos ventos.
Não tenho metasNem venho
De lugar nenhum.
Minha origemEstá em mim
Tal qual meu fim.
Quero apenas Ficar em paz
No meu canto.
Não peço afeto,Mas não se afastem;
Sou apenas um fragmento.*
A Alma de Lady Godiva
Minha alma está na carícia do vento,
No sussurro da chuva, no calor do sol,Investigando os mistérios do tempo
Segura como o pólen da florE o pigmento da pele, sem nada temer,
Pronta para viverDocemente feliz
O delírio do prazerMontada em meu PégasoPelas avenidas do sonho.
*Habitante
Um viajante Dentro de mim ProcuraE como sempre encontra O que deixou para trásAssim não há futuro Presente Ou passadoPois As perguntasEstão nas respostasE estas são Enigmas
*
Vôo Contido
Qual egressoRegresso do vôo
Que não fizE pouso
Te examinandoO semblante
E só então vejoQuanto és esparsa
Por isso é que canseiDe voar...
*Gestação
O poetaDe repente
Em desalentoDá um soco na mesa
Suspira exaustoQual fêmea no coitoAguça a imaginaçãoComo anzol na água
Porém o verso não vemEstancou está preso
Tão preso quanto lágrimasDe fingimento.
*Diário
À noiteAo recolher-se
Tentou ordenar o seu diaDar forma aos atos
Explicar as omissõesEnfim
Dar o toque de classeNa obra prima
Que poderia ter sido o seu dia.No dia seguinte
Acordou atrasadoAinda tentou
Recordar-se de alguma coisaInútil
Foi trabalharÀ noite ao recolher-se
Repetiu o mesmo exercícioE adormeceu pensando o seu dia.
*
O Liberal
Um dia...Um belo dia de sol
Caminhando por ruasAristocráticasDe uma cidade
De um paísCertamente liberal
Encontrei um amigoO Rei Manuelini II
Espojado no mármoreÀ entrada de um templo
E ao indagar-lhe o porquê de ali estarTive a seguinte resposta:- Sou o Rei Manuelini II !
Ok, respondi e fui-me.*
O Velho e a Mata
Tarde da noiteUm velho pensando na vida
Vaga por uma florestaTemendo leopardos enamorados da lua.
Qual aprendiz de caçador,Arrepia-se todo ante as sobrasQue se movem na penumbra.
Não mais o nariz lhe aponta o caminhoMas a barba pontiaguda guia-o silenciosa
Por entre espectros barulhentos
Que passo a passo se aproximamImpregnando-o de idades
Tornando-o tão velho quanto o tempo.
*
Solidão A todos que têm
Certeza da suaImportância
Na minha vida.
Estou sóNo mundoE neste momento.Sei que é inútilGritar por socorro,Mas ainda assim,Sem controlar a aflição,Gostaria que alguém,
Qualquer ser humano,Neste momento,Viesse correndoEm minha direçãoAnsiando um abraçoBem forteTão forteQue nos levasseA sentir o calor de nossos corposE que isso nos assustasse tantoQue num gesto insólitoNos fitássemos hesitantesReconhecendo em seguidaQue fora apenas obra da emoção.
*
Luta Corporal
Vivo num tempo ferozEm que as horas passam com as águas
E a vida esvai-se com o vento.Busco desesperadamente a saídaMas as paredes nem se tocam...
VIR/AÇÃO
Se virarA noite inteira
Na esteira poídaNo chão frio
De terra batidaNas noites de insônia
Nos atos de amorNos braços amigos
Se virarO ano inteiro
Pra brincar o carnavalFantasiado de som
Cantando o samba da corNum imenso porre de suor
Se virar, se virarA vidaVira
Tudo.
*
TELA
De que valem Palavras Gestos Saltos GritosSe estamos sozinhos na briga.Que fim levaram nossos antepassadosApós tanta luta Em nome apenas da dignidade.Hoje Aqui Agora Nada consta a favorHá uma só resposta para todas as perguntasE tudo que se vêÉ o cansaço e a imobilidade Dos corpos estirados na paisagem.
*Assim É Que Não Dá
Vacilo alguns instantesAntes de alcançar papel e caneta,
Estou meio confuso
Com tudo à minha volta,O ambiente é terrível
Mas sou poeta e trabalhoCom a realidade onde estou.
Em meio a bêbados, viciados,Vagabundos e o comércio do corpo,Não sei mais o que se vende mais.
Sei que eu passo a passo lento e sem pressaComo fumaça no filtro do cigarro.
Não sei se impregno ou se sou impregnado,Sei que nesse mar eu remo
Entre os vendedores de pipoca,Churrasco, cachaça, balas e doces
E ócio barato,Onde o pato é o rato
Que pula demais, se atrapalhaE dorme na palha.
E olho nenhum ignora o que vêPor mais espessa que seja a repulsa
Cravada em suas retinas,E toda indiferença é inútil
E nós temos de nos dar as mãosPara avançar
E todo isolamento se quebraE o pântano é terra firme
Pra caminharE o medo é experiência segura
A nos ensinarQue não dá pra cruzar os braços
E ficar olhando o próprio atropelamento.*
Brecht Sob o Céu de Berlim
Olhem para mim, vejam bem !Eu estou aflito.
Não concebo ficar quietoDiante da situação.
Se o tempo estiver bom,Eu saio à rua a passear.
Se não estiver, eu saio também.Não dá pra ficar neutro.
Olhem para o tempo,Como estão as nuvens,
Claras ou turvas,Ou não há nuvens?
Chove e faz frioOu o calor é intenso?
Não importa!Conforme a temperatura,
Eu respondo à altura.
Não quero saberSe são nuvens de tnt
Ou se neve suave de amanhecer.Meus pés caminham...
*Instinto Primitivo
Foi assimSem mais
Nem menosMe aproximei dela
E senti um odor diferenteOdor de terra molhadaAlgo natural mesmoLhe cumprimentei
E senti todo meu corpo crispar-seEla notou e disse-me
Vem cáE fomos de mãos dadas
Olhos nos olhosAssim
Sem mais Nem menos.
*
Mulher de Ocasião
Ela vive por aíSempre vindo de algum lugarSempre com um e com outro
Arriando uma cascataPra arrumar um troco
E encher a barrigaDe comida e de feto.
Quando pega um bom freguêsSempre ela corre ao guarda-roupa
Se veste se pinta e se penteiaE voa nos braços dele
Sempre risonha e faceira....
De vem em quandoMorre um por causa dela...
Além do dinheiro, ganha jóias, perfumes franceses e roupas finas.
...E vai ficando por aí, pelos cantoscomo um objeto pegando poeira.
Outras têm chegadoE vão tomar o seu lugar.
Ela resistirá até à última rejeição,Depois vai vender balas e doces
Em algum ponto de ônibusOu estação rodoviária...
Até que um diaSerá encontrada morta por aíE enterrada como indigente.
*Lady Maria
Há uma prostituta famintaCaminhando pelas ruas da cidade
Convidando os suicidasA aparecerem mortos em leitos de hotéis
Com as gargantas abertas a navalha;
Há uma prostituta bonita e sadiaSentada ao meu lado no banco do ônibus
A caminho de uma boateMe interceptando envolvente
Pedindo um cigarro;
Há uma prostituta perdida na vidaSendo devorada pela tuberculose,
Há uma prostituta escondida
No dinheiro de um milionário;Há uma prostituta dormindo
Na calçada de minha rua;
Há uma prostituta no bar da esquinaBebendo às copadas sua homérica miséria;Há uma prostituta com disfarce de senhoraCirculando nervosa no seio da sociedade;
Há uma prostituta em cada um de nósNos servindo em migalhas aos mercadores,
Tentando ignorar a própria ruínaEm que estamos envolvidos.
Há uma prostituta me olhando sorrateiraDos olhos do caro leitor
Vendo que eu também sou uma prostitutaQue age em função do momento...
*Ode Ao Verso Livre
No princípio a poesia era uma canção regada a vinhoAo som de harpas tocadas com carinhos
E beijos de mulher amadaÀ sombra de palmeiras frondosas
Onde o poeta se deleitava com a vida sem fronteirasE ela brincava solta pelos bosques entre os duendes
Indiferente ao tempo acariciando a sua nudezCoberta de inocência...
Depois veio a escrita e de palavra em palavraFoi vergando-a sob o rigor do versoMoldando-a à disciplina da métrica
E aprisionando-a à liberdadeQue lhe permite esta margem de papel.
E agora ela atravessa as grades das gramáticasSobrevoa o muro das linguagens
e vem sondar-meno ondular dos cabelos desta mulher que passa...
*Incrédulo
Sem otimismo para saudar aos que chegam,Meu gesto sai brusco, minha voz rouca
E meu ser sem ambições vacilaAnte as notícias que leio
Nas entrelinhas de minhas mãos.Enquanto vivo,
Quero apenas a terra sob meus pés,Amor e um pouco de conforto.
Afinal, me viciaram nisso.
Mas depois de cumprida a missão,Adeus terra adeus luar adeus amigosAdeus mulheres que eu quis amar,Quero dormir imune ao turbilhão.
*
Informações Sobre o Autor
Nasci em 13 de Agosto de 1953, no Distrito de Jampruca, Município de Frei Inocêncio-Mg, passei uns tempos em Colatina-Es, mas me criei na Serra
do Paiol, Município de Frei Inocêncio também. É de lá que tiro toda minha mundivivência com o mundo
natural, devido à rusticidade daquele conjunto de serras, cheias de animais selvagens nos anos
sessenta e foi de lá que eu parti rumo à cidade grande, sem saber nada do porvir. Graças a Deus,
estou vivo, estudei um pouco, já editei quatro livros de poesia individualmente e participo de diversas coletâneas, entre as quais Poetas Em/Cena 6 Belô
Poético 2012, mas a que mais me glorifica é ANTOLOGIA POÉTICA VOL 2 Uff/Eduff 1996.
Edito vários blogues, mas o principal é http://letrastaquarenses.blogspot.com.br onde
aguardo os amigos...