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Ecologia e Manejo de Recursos Pesqueiros Em Reservatórios Do Brasil

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Angelo Antonio Agostinho

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  • ECOLOGIA E MANEJODE RECURSOS PESQUEIROS

    EM RESERVATRIOSDO BRASIL

  • Editora da Universidade Estadual de Maring

    Reitor:Vice-Reitor:Diretor da Eduem:Editor-Chefe da Eduem:

    CONSELHO EDITORIALProf. Dr. Antonio Belincanta, Prof. Dr. Benedito Prado Dias Filho, Prof. Dr. CarlosAlberto Scapim, Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo, Prof. Dr. Eduardo AugustoTomanik, Prof. Dr. Edvard Elias de Souza Filho, Profa. Dra. Hilka Pelizza Vier Machado,Prof. Dr. Jos Carlos de Sousa, Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza, Prof. Dr. LuprcioAntonio Pereira, Prof. Dr. Neio Lucio Peres Gualda.

    Prof. Dr. Dcio SperandioProf. Dr. Mrio Luiz Neves de AzevedoProf. Dr. Ivanor Nunes do PradoProf. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

  • ECOLOGIA E MANEJODE RECURSOS PESQUEIROS

    EM RESERVATRIOSDO BRASIL

    Angelo Antonio AgostinhoLuiz Carlos Gomes

    Fernando Mayer Pelicice

    Maring2007

  • Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Setorial UEM. Nuplia, Maring, PR, Brasil)

    Copyright 2007 para os autoresTodos os direitos reservados. Proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo mecnico,

    eletrnico, reprogrfico, etc., sem a autorizao, por escrito, dos autores.Todos os direitos reservados desta edio 2007 para Eduem.

    Diviso de Projeto GrficoMarcos Kazuyoshi Sassaka

    Diviso de MarketingMarcos Cipriano da Silva

    Reviso de Lngua PortuguesaProf. Dr. Antonio Augusto de Assis

    Capa arte finalJaime Luiz Lopes Pereira

    Projeto Grfico e EditoraoJaime Luiz Lopes Pereira

    NormalizaoBiblioteca Setorial do NupliaMaria Salete Ribelatto AritaMrcia Regina Paiva

    Tiragem1000 exemplares

    Maria Salete Ribelatto Arita CRB 9/858Joo Fbio Hildebrandt CRB 9/1140Mrcia Regina Paiva CRB 9/1267

    Endereo para correspondncia:Eduem Editora da Universidade Estadual de MaringAvenida Colombo, 5790 Campus Universitrio 87020 900 Maring Paran BrasilFone: (0XX44) 3261-4527/3261-4394 Fax: (0XX44) 3261-4394Site: http://www.eduem.uem.br E-mail: [email protected]

    As descobertas, interpretaes e concluses expressas neste livro so de responsabilidade dos autores,e no refletem, necessariamente, as posies da Eletrobrs ou do governo que ela representa.

    Agostinho, Angelo Antonio, 1950-A275e Ecologia e manejo de recursos pesqueiros em reservatrios do Brasil / Angelo

    Antonio Agostinho, Luiz Carlos Gomes, Fernando Mayer Pelicice. -- Maring :Eduem, 2007.

    501 p. : il.

    Bibliografia: p.[455]-501.ISBN

    1. Pesca de gua doce Reservatrios Brasil. 2. Recursos pesqueiros Manejo Reservatrios Brasil. 3. Ecologia de reservatrios Brasil. I. Gomes,Luiz Carlos, 1965- . II. Pelicice, Fernando Mayer, 1977-.

    CDD 22. ed. - 639.210981 NBR/CIP - 12899 AACR/2

  • UEM - Nuplia

    Universidade Estadual de Maring - UEMNcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqicultura Nuplia

    Diretora do Centro de Cincias Biolgicas: Prof. Dr. Sonia Lucy Molinari. Vice-Diretora doCentro de Cincias Biolgicas: Prof. Dr. Izabel de Ftima Andrian. Coordenador Geral do Nuplia:Prof. Dr. Horcio Ferreira Jlio Junior. Vice-Coordenador Geral do Nuplia: Prof. Dr. SamuelVerssimo. Coordenadora Administrativa do Nuplia: Maria Claudia Zimmermann Callegari.Coordenador Cientfico do Nuplia: Prof. Dr. Luiz Carlos Gomes. Coordenador Geral do Projeto:Prof. Dr. Angelo Antonio Agostinho

  • Patrocnio

    Apoio

    EletrobrsDepto. do Meio Ambiente

    U M PA S D E T O D O S

    U M PA S D E T O D O SMinistrio de Minas e energiaMinas e Energia

    Ministrio de Cincias e TecnologiaCincias e Tecnologia

  • Agradecimentos

    A Eletrobrs. pelo patrocnio desta obra;

    Ao Setor Eltrico Brasileiro, que disponibilizou dados histricos sobre os estudos conduzidosnos seus diversos reservatrios. Especial agradecimento para as concessionrias ligadas aEletrobrs (Chesf, Eletronorte, Furnas e Itaipu Binacional) ou no (Cemig, Cesp, Copel, DukeEnergy e Tractebel), cujas informaes foram fundamentais para essa realizao;

    Ao Pronex/CNPq pelo apoio aos estudos de 30 reservatrios paranaenses;

    A Carla Canzi, Maria Luiza Millazo e Rodrigo Martins Amorim, do Departamento do MeioAmbiente da Eletrobrs, pela leitura criteriosa e importantes contribuies dadas durante ostrabalhos de reviso;

    Ao Ncleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqicultura (Nuplia), que disponibilizoudados e infra-estrutura;

    A Bibliotecria Maria Salete Ribelatto Arita, pelo rigor na normalizao da obra e o incentivodado;

    Ao Jaime Luiz Lopes Pereira, pela diagramao e arte do livro e a pacincia na correo dosnossos erros;

    Ao Dr Miguel Petrere Jr, pela reviso do manuscrito e as palavras de incentivo;

    Ao Professor Antonio Augusto de Assis, pela paciente reviso gramatical;

    Aos alunos da disciplina Ecologia e Administrao Pesqueira em Reservatrios, que pacientee compulsoriamente leram todos os captulos dessa obra, com numerosas sugestes, sendoque a maior parte delas considerada em nossa reviso;

    A Editora da Universidade Estadual de Maring (Eduem) e ao seu diretor pela atenodispensada na etapa de impresso;

    A Helena So Thiago (Furnas Centrais Eltricas) e ao Domingo Rodriguez Fernandez (ItaipuBinacional) pela disponibilidade nas discusses de alguns dos temas tratados nessa obra.

    Ao economista Jair Gregoris, pelo empenho no gerenciamento do projeto;

    Ao Pitgoras Augusto Piana, pela sistematizao das informaes enviadas pelo Setor Eltrico;

    E, por fim, aos nossos familiares, pela tolerncia com a nossa ausncia.

  • Sumrio

    Captulo 1Introduo ......................................................................................................................... 1

    Dificuldades na conservao e preservao de recursos pesqueiros ..................... 3

    Capitulo 2A Ictiofauna Sul-Americana .......................................................................................... 11

    Introduo ...................................................................................................................... 12Histria natural de peixes neotropicais ..................................................................... 13Estratgias de vida ........................................................................................................ 14Reproduo e sazonalidade ........................................................................................ 15Migrao ......................................................................................................................... 17Uso do espao ................................................................................................................ 27Alimentao natural ..................................................................................................... 33Consideraes finais ..................................................................................................... 37

    Captulo 3Os Reservatrios Brasileiros e sua Ictiofauna ............................................................ 39

    3.1 Os Reservatrios Brasileiros .................................................................................. 41Introduo.................................................................................................................... 41A evoluo dos represamentos no Brasil ................................................................. 43Os reservatrios por bacias hidrogrficas ............................................................... 49Consideraes finais .................................................................................................. 59

    3.2 A Ictiofauna de Reservatrios ................................................................................ 69Introduo.................................................................................................................... 69Diagnstico da ictiofauna ......................................................................................... 74Riqueza de espcies .................................................................................................... 78Abundncia ................................................................................................................. 81Riqueza e composio dominante ............................................................................ 85Espcies migradoras ................................................................................................... 92Estrutura trfica .......................................................................................................... 94Consideraes finais .................................................................................................. 97

  • Captulo 4Impactos dos Represamentos ...................................................................................... 107

    Introduo ..................................................................................................................... 108Corpo do reservatrio ................................................................................................... 109Jusante do reservatrio ................................................................................................. 138Montante do reservatrio ............................................................................................. 148Na barragem .................................................................................................................. 148Efeitos cumulativos ...................................................................................................... 149Consideraes finais .................................................................................................... 151

    Captulo 5A Pesca em Reservatrios ............................................................................................. 153

    5.1 A Explorao e os Recursos Pesqueiros ............................................................... 155Introduo .................................................................................................................... 155A complexidade da conservao de recursos pesqueiros ..................................... 156

    5.2 Rendimento da Pesca em Reservatrios ............................................................... 163Introduo .................................................................................................................... 163A pesca em reservatrios tropicais ........................................................................... 165Diagnstico da pesca em reservatrios brasileiros ................................................ 168Consideraes finais ................................................................................................... 190

    5.3 Aspectos Socioeconmicos da Pesca .................................................................... 195Introduo .................................................................................................................... 195Diagnstico socioeconmico da pesca ..................................................................... 198Consideraes finais ................................................................................................... 225

    Captulo 6Manejo da Pesca em Reservatrios Brasileiros ........................................................ 227

    6.1 Mecanismos de Transposio ............................................................................... 231Introduo .................................................................................................................... 231A experincia brasileira ............................................................................................. 237Transposio x conservao ..................................................................................... 239Consideraes finais ................................................................................................... 251

    6.2 Estocagem ................................................................................................................. 253Introduo .................................................................................................................... 253

  • Aspectos histricos das estocagens .......................................................................... 255O insucesso da estocagem: lies a serem aprendidas .......................................... 260Implicaes nos recursos naturais ........................................................................... 267Consideraes finais ................................................................................................... 273

    6.3 Aqicultura .............................................................................................................. 275Introduo .................................................................................................................... 275Problemas na aqicultura brasileira ........................................................................ 276Distores na atividade .............................................................................................. 280Problemas socioambientais ....................................................................................... 285Pescador x aqicultor ................................................................................................. 300Consideraes finais ................................................................................................... 305

    6.4 Mortandade de Peixes em Barragens .................................................................... 307Introduo .................................................................................................................... 307Causas das injrias e mortes de peixes .................................................................... 308Vertedouro ................................................................................................................... 310Turbinas ....................................................................................................................... 314Atrao e mortalidade de peixes no tubo de suco .............................................. 320Consideraes finais ................................................................................................... 322

    6.5 A Remoo Prvia da Vegetao ........................................................................... 323Introduo .................................................................................................................... 323Importncia da estruturao dos hbitats ............................................................... 323Processo de decomposio ......................................................................................... 327Eroso ........................................................................................................................... 328Qualidade da gua ..................................................................................................... 328Produtores primrios .................................................................................................. 330Invertebrados do plncton e bentos .......................................................................... 332Peixes ............................................................................................................................ 333Pesca ............................................................................................................................. 336Consideraes finais ................................................................................................... 336

    6.6 Introduo de Espcies ........................................................................................... 339Introduo .................................................................................................................... 339Aspectos conceituais, tericos e operacionais ........................................................ 341Processos envolvidos nas introdues ..................................................................... 344Razes para introdues ............................................................................................ 347Impactos das introdues .......................................................................................... 349Espcies no-nativas em reservatrios ..................................................................... 356Predio da colonizao e de impactos ................................................................... 364

  • Consideraes finais ................................................................................................... 371

    6.7 O Controle da Pesca ............................................................................................... 373Introduo .................................................................................................................... 373Formas de controle da pesca ..................................................................................... 375Consideraes finais ................................................................................................... 381

    Captulo 7As Aes Ambientais em Andamento no Setor Eltrico Brasileiro ...................... 383

    Introduo .................................................................................................................... 384Recursos humanos e instalaes .............................................................................. 384Aes ambientais ........................................................................................................ 386Instrumentos de manejo da pesca ............................................................................. 388Usos mltiplos ............................................................................................................ 390Monitoramento ambiental .......................................................................................... 391Disponibilidade da informao ................................................................................ 396Consideraes finais ................................................................................................... 402

    Captulo 8Perspectivas para a Pesca e os Recursos Pesqueiros em Reservatrios ............... 403

    Introduo .................................................................................................................... 404Pressupostos para aes bem sucedidas ................................................................. 405Natureza das aes ambientais ................................................................................ 413Manejo de populaes ................................................................................................ 423Manipulao de hbitats ........................................................................................... 432Controle da pesca ........................................................................................................ 439Outras aes ................................................................................................................ 442

    Captulo 9Referncias ...................................................................................................................... 455

  • Apresentao

    Quando uma nova represa construda, oupor qualquer motivo se faz referncia aalguma j existente, em geral osplanejadores se esquecem da pesca depequena escala que rapidamente nela sedesenvolve. E os recursos pesqueiros so afonte de protena mais facilmentedisponvel e mais barata para o pobre,gerando emprego, renda e senso decidadania, alm de se constiturem empermanente lazer atravs da pescaesportiva.

    Assim este livro, escrito a seis mos, oportunssimo, lanando luzes sobre esseimportante tema. Ele conseqncia de umconvnio pioneiro e exemplar, firmado hmais de 20 anos, entre a UEM/Nuplia e aItaipu Binacional, que tornou Itaipu oreservatrio de grande porte melhorestudado na regio Neotropical, epossibilitou aos seus autores uma raraoportunidade em nosso pas, a deestudarem e aprenderem de modocontnuo, como funciona sua biocenose.

    Da, baseados nesse estudo de caso, etambm em outros estudos resultantes deparcerias mais recentes entre o Nupelia eoutras concessionrias de energia (Furnas eCopel) ou rgos de fomento (Pronex-CNPq), seus autores fizeram uma extensomuitssimo apropriada para outrosreservatrios brasileiros.

    As idias que jorram deste livro belotornam sua leitura um encantopermanente, revelando grande dedicaoao trabalho de campo, absoluto domnio daliteratura e extraordinria criatividadecientfica.

    Sua publicao dignifica a cinciabrasileira, e de modo muito particular,sutil at, faz bem para nossa auto-estima,(ns) colegas de seus autores.

    Prof. Dr. Miguel Petrere JuniorUnesp Rio Claro

  • Prefcio

    Os reservatrios so hoje componentesindissociveis da paisagem brasileira,presentes em todas as grandes baciashidrogrficas. Resultado da opo feitapelo pas para a gerao de energiaeltrica, essas obras de engenharia tmproliferado de forma fantstica edesempenham papel preponderante namatriz energtica nacional.

    Embora a operao dessas obras para finsenergticos produza inegveis benefciossociais e econmicos para o pas, tambmincontestvel a importncia dos impactosnegativos que causam sobre o ambiente, asociedade, a cultura e mesmo a setores daeconomia.

    Na tentativa de atenuar esses impactosnegativos, especialmente sobre os recursospesqueiros, o setor hidreltrico, muitasvezes constrangido por determinaeslegais, adotou medidas de manejo que, namaioria dos casos, se revelaram ineficazesou mesmo produziram resultadosadversos. A escassez de informaes sobreo sistema a ser manejado, o predomnio dadeciso poltico-eleitoreira sobre a tcnica,os equvocos da legislao sobre o tema e aausncia de um planejamento global paraas aes so aspectos responsveis poresses resultados. Alm disso, a ausncia demonitoramento das aes empreendidasno nos permitiu aprender com os erroscometidos.

    Nas ltimas duas dcadas, entretanto, osetor vem investindo em levantamentos eestudos de seus reservatrios, buscando oentendimento do sistema que quermanejar. Essa busca gerou grande parte doconhecimento hoje disponvel sobre alimnologia, a ictiologia e a explorao dosrecursos pesqueiros de ambientesaquticos continentais na regioneotropical. Essa obra pretendecontextualizar os problemas (Captulo 1),sumarizar esse conhecimento (Captulos 2a 5), avaliar as aes de manejoempreendidas e em andamento (Captulo 6e 7) e apresentar as perspectivas para aracionalizao dos esforos para mitigaodos impactos dos represamentos e dasaes de manejo (Captulo 8).

    Nesse sentido, cabe agradecer Eletrobrspelo patrocnio deste documento,isentando-a da responsabilidade pelasopinies, interpretaes e conclusesapresentadas, atribuindo-asexclusivamente aos autores. Por oportuno,agradecemos s concessionrias ligadas aessa holding (Chesf, Eletronorte, Furnas eItaipu Binacional) ou no (Cemig, Cesp,Duke Energy, Tractebel e Copel) peladisponibilizao de dados e informaes.

    Finalmente, ressalta-se que esse livro notem a pretenso de esgotar o assunto ousequer se constituir em obra acabada.Como todo conhecimento ele estar

  • sempre em reviso e construo. O carterprovocativo na abordagem de assuntospolmicos, muitas vezes apresentandoconcluses sobre temas que ainda carecemde estudos e discusses, foi proposital evisa receber contestao. oportunodestacar tambm que a obra est pronta hquase um ano e, por questes burocrticas,somente agora foi publicada. A julgar o

    crescente desenvolvimento cientficonacional sobre o assunto nas ltimasdcadas, um ano bastante tempo emrelao a gerao de novos conhecimentos.Entretanto, embora no citados, estesnovos aportes no alteram nossasconcluses. Pelo contrrio, as confirmam.

    Os autores

  • Captulo 1Introduo

    Nos ltimos anos, o foco das aes de governo sobre ocombate fome mediante o uso de guas pblicas para a

    produo de alimento lanou luzes sobre o grave problema da

    pesca e dos recursos pesqueiros em guas interiores,

    especialmente em reservatrios. A despeito da necessria

    urgncia de aes de manejo que incrementem a produo de

    pescado, estas devem ser planejadas com base em um amplo

    diagnstico do uso mltiplo em reservatrios e, principalmente,

    de uma avaliao de experincias anteriores no uso de tticas

    similares. Neste documento, concebido com o objetivo de

    subsidiar as discusses sobre o tema, pretende-se elaborar um

    diagnstico abrangente acerca da produo de peixes em

    reservatrios e avaliar as iniciativas de manejo pregressas,

    analisando as perspectivas para novas aes.

  • 2 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    Atualmente, os reservatrios artificiais, emespecial aqueles de usinas hidreltricas, estopresentes em todas as grandes baciashidrogrficas brasileiras e, em algumasregies, caracterizam de forma marcante apaisagem local. Essas obras de engenhariaprovocam importantes modificaes deordem econmica, social e ambiental nasbacias em que so instaladas, em grandeparte decorrente das alteraes impostas nadinmica natural dos recursos pesqueiros.

    Em algumas bacias, como a do rio Paran eSo Francisco, poucos trechos de riopermanecem sem a influncia derepresamentos, preservando suascaractersticas lticas originais. A opobrasileira pela hidroeletricidade e a crescentedemanda de energia permitem antever que aocupao de novas bacias hidrogrficas ousub-bacias ser inevitvel. As perdas nabiodiversidade local e as alteraes impostasno funcionamento dos ecossistemas sofenmenos cada vez mais popularmentecompreensveis e a implementao demedidas atenuadoras de impacto agora umaexigncia tica demandada pela sociedade.

    Ao longo do sculo XX, a construo dereservatrios nos rios brasileiros foiacompanhada pela adoo de uma srie deaes de manejo, com nfase na pesca.Entretanto, as aes implementadas pelosetor eltrico com o objetivo de minimizaros impactos dos represamentos, preservarestoques pesqueiros ou aumentar o rendi-mento da pesca em seus reservatrios podemser, at agora, consideradas malsucedidas,exceto em casos espordicos.

    O baixo rendimento da pesca profissionalnos reservatrios do Sul-Sudeste do Brasil(PETRERE JUNIOR; AGOSTINHO, 1993; CESP, 1996) eo virtual desaparecimento das espcies demaior porte naqueles do alto rio Paran(AGOSTINHO; JLIO JNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994;PETRERE JUNIOR; AGOSTINHO; OKADA; JLIO JNIOR,

    2002) demonstram de maneira irrefutvelesse fato. Mesmo o rendimento das espciesnativas no mostrou, para os reservatriosestudados, relao com o esforo derepovoamento. Embora os dados de pescano estejam disponveis para reservatriosde outras bacias que foram objeto dessasaes de manejo, no h indicaes de que oquadro seja diferente.

    Obviamente, esses insucessos representamequvocos na alocao de recursos eesforos, e podem ser atribudos, entreoutros fatores, (i) insuficincia ouinadequao das informaes disponveis;(ii) ao enfoque reducionista com que osprojetos de manejo so apresentados eimplementados; (iii) ausncia demonitoramento como parte do programa demanejo; (iv) a equvocos histricos nalegislao pertinente; (v) a deficincias naintegrao interinstitucional.

    Ressalta-se que essas medidas foramtomadas sob forte presso poltica econstrangimento legal. Tais fatos, aliados aoquadro de evidente decrscimo nos estoquesde peixes migradores de grande porte, nofacultaram ao tomador de deciso apossibilidade da investigao ou aalternativa de manejo do nada fazer, que,em muitas circunstncias, seria prefervel.

  • Introduo 33333

    O monitoramento do resultado, seconduzido de modo apropriado, teriacontribudo no apenas para oaprimoramento ou abandono de algumastcnicas, como tambm para a formao derecursos humanos na rea. Ele foi, noentanto, espordico.

    Decorridas mais de quatro dcadas demanejo, os recursos pesqueiros emreservatrios hidreltricos brasileirosapresentam ainda graves deficincias em suaforma de explorao e rentabilidade, alm deoutros problemas no sistema de pesca, comoa conservao, processamento ecomercializao do pescado. Essa explorao exercida especialmente nas regies Sul-Sudeste e Nordeste, em sua maioria, porpessoas excludas de outras atividadesprodutivas. As deficincias do sistema tmproduzido um quadro de misria quecontrasta, em algumas regies, com apujana da economia regional.

    Na ltima dcada, verificou-se umatendncia promissora no setor hidreltricode abandono de prticas de manejo baseadasna tentativa e erro, particularmente aquelasrelativas estocagem de espcies alctones.O enfoque predominante, atualmente, odos levantamentos, estudos, repovoamento emonitoramento dos desembarquespesqueiros como meio de avaliar as aesimplementadas.

    Essa tendncia foi reforada nas discussesrealizadas no setor em diversas reuniestemticas promovidas pelo ComitCoordenador das Atividades de Meio

    Para que as aes de manejo alcancem osobjetivos de conservao e preservao dosrecursos pesqueiros, necessria uma grandequantidade de informaes, obtidas emescala espacial e temporal adequadas, detodos os componentes envolvidos nosistema. Assim, so necessrias informaes

    Ambiente do Setor Eltrico Brasileiro -COMASE, como parte do Seminrio SobreFauna Aqutica e o Setor Eltrico Brasileiro(SEMINRIO SOBRE FAUNA AQUTICA ..., 1994).

    As polticas pblicas implantadasrecentemente no Brasil, em especial aquelasrelacionadas ao combate fome, tmestimulado iniciativas de uso das guaspblicas que a histria do manejo dosrecursos pesqueiros em reservatrios doBrasil sugere ser ambiental, social eeconomicamente inadequadas. A produomassiva e rpida de pescado visando atendera uma demanda real por alimento aspirao legtima e tem forte e justo apelopoltico. A estratgia para atender a esseanseio deve, entretanto, considerar asimplicaes ambientais e a viabilidadesocioeconmica. Nesse contexto, cremos queiniciativas de avaliao das aes tomadasem relao conservao dos estoquespesqueiros, sua explorao e a preservaodas espcies, como a que buscada nestaobra, sejam oportunas.

    Dificuldades na Conservaoe Preservao de RecursosPesqueiros

  • 4 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    dos organismos (tais como taxonomia,ecologia, dinmica populacional e histriade vida), do ambiente em que vivem (taiscomo limnologia, qualidade e quantidade degua), dos usurios (tais comosocioeconomia, percepes e leis) e dasatividades pesqueiras (tais como espciespreferenciais, rendimento e estratgias depesca) (NIELSEN, 1993; MIRANDA, 1996; MCMULLIN,1996; NEY, 1996; AGOSTINHO; GOMES, 1997).

    O entendimento preciso das alteraesimpostas pela formao do reservatriodurante seu enchimento e no perodosubseqente fundamental para a definioda natureza e no dimensionamento das aesa serem implementadas. A efetividade dessasaes depende do nvel de conhecimentodisponvel e de sua abrangncia.

    A seguir, faremos uma breve descrio doestado da arte desses componentes para osreservatrios brasileiros, que sero objeto dediscusso mais detalhada em captulosespecficos ao longo desta obra.

    O conhecimento da ictiofauna neotropical ainda incipiente, sendo que a carncia deinformaes no est restrita apenas aosaspectos bioecolgicos, mas inclui, paragrande parte dos rios, at uma lista bsica deespcies presentes. Na Amaznia, mesmo aidentidade de peixes de grande porte,relevantes na pesca, ainda desconhecida ouerrnea (GARAVELLO, 1994). Na bacia do rioParan ou do Leste, novas espcies de peixesso descritas a cada ano e as famlias maisdiversificadas requerem revises. No rioIguau, bacia do rio Paran, cerca de 20% das

    espcies reconhecidas carecem ainda de umadenominao cientfica.

    Os estudos de natureza ecolgica so aindamais escassos. Vrias bacias, mesmo algumassituadas prximo a instituies de pesquisa,jamais foram investigadas em relao a estetema e em outras os estudos iniciaramrecentemente.

    O estado ainda incipiente do conhecimentodeve-se no apenas s dificuldades inerentesao seu estudo e ao reduzido nmero deespecialistas que atuam nessas reas, mastambm insuficincia de recursosfinanceiros e descontinuidade que atrecentemente caracterizava a pesquisacientfica no pas.

    Em relao aos impactos dos represamentos,a despeito do grande nmero dessesempreendimentos e, portanto, deoportunidades de estudos, especialmente nasbacias hidrogrficas do Sul-Sudeste, no hnenhuma investigao sistemtica comabrangncia temporal suficiente paraidentific-los de modo conclusivo.

    Alm disso, a qualidade e o detalhamentodos dados requeridos para o corretodimensionamento dos impactos negativospromovidos pelos represamentos sobre afauna aqutica, bem como para umaadequada racionalizao das aesatenuadoras, so ainda desafios com quedeparam tanto o Setor Eltrico quanto osrgos de controle ambiental e o MinistrioPblico. As razes bsicas desse quadro so(i) a precariedade dos dados disponveis

  • Introduo 55555

    sobre nossa fauna e (ii) a inadequao dosrecursos metodolgicos, instrumentais,cientficos e de modelagem para obt-los.

    Numa situao ideal, o diagnstico ouprognstico dos impactos pressupe aexistncia de informaes sobredistribuio, abundncia, ciclo de vida(incluindo alimentao, reproduo ecrescimento), requerimentos de espao vitalhome range, movimentos migratrios,relaes interespecficas (teia alimentar),limiares de tolerncia a fatores ambientais ea localizao e delimitao de reas crticas.A qualidade dessas informaes depende doconhecimento de sua variabilidade espaciale temporal em diferentes escalas, visto queos sistemas biolgicos apresentamflutuaes naturais amplas. Isso contrastacom o grau de conhecimento disponvelsobre a ictiofauna brasileira.

    Nenhum rio brasileiro tem sua faunacompletamente identificada, e mesmoalguns com extenses superiores a1.000 km jamais foram amostrados com esseobjetivo. Os primeiros inventrios no altorio Paran (quarta maior bacia hidrogrficado mundo), por exemplo, iniciaram-se hmenos de 25 anos, embora a maioria dos130 reservatrios com barragens de alturasuperior a 10 m, hoje existentes na bacia, jestivessem construdos, e o fato desta baciaconcentrar os maiores e mais antigoscentros de investigao ecolgica do pas.

    obvio, portanto, que o nvel dasinformaes disponveis est distante doideal. A obteno dessas informaes

    demandaria dcadas de trabalho de equipesaltamente qualificadas e um investimentomuito maior que aquele que vem sendoaplicado.

    Em relao aos procedimentosmetodolgicos e recursos instrumentaispara a obteno de dados, bem como aoembasamento cientfico e aos modelosdisponveis, a maior dificuldade est no fatode que eles no so utilizveis, ou o soapenas parcialmente, para estudos deavaliao de impactos ambientais. Foramdesenvolvidos para outras finalidades e tmsua aplicao limitada em estudos toabrangentes.

    Uma simples listagem de espcies, que,como visto, tem aplicao limitada nodimensionamento do impacto, requer ouso de tcnicas e instrumentos (redes,arrastes, anzis, covos, tarrafas, peneiras,pesca eltrica, etc.) com seletividadeelevada e variada. Mtodos menosseletivos tm seu uso limitado porrestries na fisiografia local ou podemacarretar modificaes adicionais na fauna(bombas, ictiocidas). Os inventriosintensivos tm nesses fatores o maiorobstculo para que sejam aceitveis. Almdisso, quando realizados em regies deacesso difcil, raramente contemplam todosos hbitats e, se expeditos, deixam deconsiderar a variao sazonal nacapturabilidade apresentada por algumasespcies. As melhores listagens de espciesso produzidas por trabalhos continuadosdurante anos e com a utilizao dediferentes estratgias de pesca.

  • 6 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    As diferenas na seletividade dosinstrumentos de pesca e na forma como soempregados (coleta passiva, ativa, com isca)impedem o uso de uma unidade de esforocomum (m2 rede/dia, nmero de anzis,nmero de lances, rea de arraste, etc.) e,portanto, restringem a obteno deinformaes de abundncia fidedignas ecomparveis da ictiofauna como um todo(captura por unidade de esforo para oconjunto das amostras).

    A avaliao dos estoques existentes antes eaps a implantao do empreendimento, queseria uma informao til para aferir oprejuzo ambiental decorrente dorepresamento, no factvel. Os modelosdisponveis tm como pr-requisitos asobrepesca deliberada dos estoques (RIGLER,1982, considera acertadamente como eventosno passveis de predio aqueles para cujaidentificao necessitamos promover umdistrbio no sistema), sries histricas depesca, marcaes/recapturas massivas e/ouparmetros de crescimento e mortalidade.

    Para que medidas mitigadoras e/oucompensatrias se tornem possveis eefetivas seria necessrio o seudimensionamento adequado a priori,requerimento que, como salientadoanteriormente, no realizvel, tanto pelocarter imprevisvel da resposta dada pelacomunidade bitica, como pelacomplexidade dos distrbios decorrentes derepresamentos. sabido, por exemplo, queos represamentos alteram a estrutura dascomunidades de peixes, com prejuzos aosgrandes migradores. A intensidade do

    impacto negativo sobre essas espciesdepende, no entanto, da posio do eixo dabarragem em relao s reas de vida, quevariam entre as espcies, da extenso dasreas de vrzeas subtradas do sistema, daexistncia de rios alternativos com condiesadequadas para migrao e desova, daqualidade da gua e de procedimentosoperacionais na barragem relacionados vazo de jusante, do nvel de pesca e deoutras atividades antropognicas na regio.

    As medidas mitigadoras, por outro lado, nopodem ser tomadas no contexto geral doimpacto, sob pena de fracassarem ouapresentarem resultados insatisfatrios, oumesmo resultarem em novos impactos noprevistos. Medidas tomadas dessa maneiraresultaram em perda de esforos, recursos etempo nos reservatrios da bacia do rioParan. Estaes de piscicultura destinadas aoutras finalidades, a soltura de milhes dealevinos que, provavelmente, jamais setransformaram em adultos e mecanismos detransposio que ecologicamente nofuncionam so o saldo desses procedimentos.

    Toda ao sobre o ambiente, inclusive suaausncia, tem impacto sobre ofuncionamento de sistemas regulados, quenecessariamente devem ser considerados. Osresultados obtidos pela obrigatoriedadelegal da adoode medidas mitigadoras decarter geral, como a construo de escadasde peixes, peixamentos ou estaes depiscicultura, vigentes no Brasil durantemuito tempo, se configuram agora comopunies ao empreendedor, sem resultadossatisfatrios para a conservao.

  • Introduo 77777

    Para a eficincia das medidas que visamatenuar os impactos, requerem-se umadefinio clara e precisa do problema, umbanco de informaes com abrangncia eprofundidade suficiente para avaliar asimplicaes que essas aes tero sobre osdemais componentes do sistema, aidentificao de outros usos do ambiente esuas implicaes na consecuo dosobjetivos, a existncia de mecanismos paraavaliar o grau de efetividade da medidaadotada e dos fatores intervenientes.Questes como qual exatamente o objetivoda ao mitigadora a ser adotada, como podeser alcanado o objetivo, como seroanalisadas as informaes, quando esperado que os objetivos sejam alcanados,so bsicas nesse mister.

    Parece bvio que estudos mais prolongadose intensivos possam resultar em maisinformaes. Nada assegura, entretanto, queo volume de informaes melhore de modosubstancial o seu valor intrnseco para asfinalidades de avaliao de impacto emanejo. O esforo e os custos elevam-sepotencialmente com a quantidade equalidade da informao. Entretanto, o seuvalor intrnseco tende a um valor assinttico(BISWAS, 1988). Teoricamente, a decisoracional estar no ponto em que a diferenaentre o valor intrnseco da informao e oesforo aplicado seja mxima e positiva.

    Adicionalmente, deve-se considerar oproblema prtico para se conhecer de formaintegral os aspectos comportamentais einteraes biticas. Rigler (1982) faz algumasconsideraes oportunas em relao s

    interaes. O nmero de interaespotenciais em um sistema composto por 200espcies de 19.900 [(200 x 199)/2]. Visto queas interaes deveriam ser demonstradascomo insignificantes ou quantificadas eavaliadas sazonalmente, cada umaenvolveria o esforo de um homem/ano.Isso resultaria que para um pesquisadorconhecer apenas as interaes entre asespcies em uma bacia como a do alto rioParan seriam necessrios 19.900 anos. bvio que esse nmero utpico, porm nosd uma idia da grandeza do desafio a serenfrentado.

    Outras informaes fundamentais referem-se pesca e aos pescadores. Para a pesca, devemestar disponveis as informaes sobre orendimento especfico, em uma escalatemporal suficientemente abrangente paracontemplar a elevada variabilidade dosrecursos (RICKER, 1975; KING, 1995). Alm disso,a zonao espacial, particularmente alongitudinal, presente em grandesreservatrios e pouco considerada nosestudos, deve receber mais ateno, pois osgradientes nos processos de transporte esedimentao influenciam, alm daqualidade da gua, a distribuio dos peixes,o rendimento pesqueiro e as estratgias depesca (OKADA; AGOSTINHO; GOMES, 2005).

    O monitoramento do rendimento da pesca stem sentido se produzir dados passveis decomparao no tempo e no espao. Para isso, necessrio que o esforo de pescaenvolvido na captura seja adequadamentedimensionado. As informaes disponveisso, em geral, pouco teis tomada de

  • 8 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    deciso nas aes de manejo. Na maioria dasvezes carecem de abrangncia espacial e/outemporal, ou no so passveis decomparao.

    Informaes fidedignas da pesca permitemobter a captura por unidade de esforo(CPUE), e seu acompanhamento ao longo dotempo importante para avaliar aexplorao pesqueira de um reservatrio.Essas informaes tambm permitem aaplicao de modelos matemticosmultiespecficos, que fornecem o rendimentomximo sustentvel, os quais podem servircomo critrio para avaliar e ordenar a pesca.

    Informaes sobre os pescadores, geralmentecolocadas na literatura de manejo como adimenso humana da pesca, vm sendo,recentemente, consideradas como um dosaspectos mais crticos para o sucesso dasaes de manejo e, aparentemente, estomudando os paradigmas da rea (MIRANDA,1996).

    O sucesso das aes de manejo da pescadepende igualmente do conhecimento daspercepes e aspiraes sociais, bem comodas condies socioeconmicas e culturaisdos usurios dos recursos. Assim, aes bem-sucedidas tm incorporado a dimensohumana como parte integrante do plano demanejo.

    Uma comunicao social eficiente e oenvolvimento das organizaes dospescadores nas decises de manejo sofundamentais para a manipulao do sistemade pesca. Inclusive, a comunicao poderia

    ser usada para tornar claro que a pesca umindicador da sade dos estoques e que ospescadores desempenham papelfundamental na sua conservao. Melhoriasna comunicao devem envolver, alm dostcnicos responsveis pelo manejo, ospescadores, os rgos de controle ambiental,os cientistas e os demais usurios doreservatrio.

    A complexidade dos sistemas ecolgicosbrasileiros, bem como a carncia deinformaes de longo prazo e as dificuldadesmetodolgicas, fazem com que os estudosprvios tenham marcantes limitaes emrelao sua aplicao no dimensionamentodos impactos e das medidas preventivas,mitigadoras e/ou compensatrias. Isso nosignifica que tais estudos sejamprescindveis. Ao contrrio: devem seraprimorados, dada a carncia de informaesj mencionada. Significa, entretanto, que osesforos devem ser concentrados na obtenode informaes biolgicas e auto-ecolgicascom maior valor ao manejo. Nesse contexto,destacam-se aquelas relacionadas identificao dos fatores crticos para orecrutamento de novos indivduos aosestoques (proteo, ampliao e/oumelhoria dos locais de desova, criadourosnaturais, procedimentos operacionais nabarragem, etc.). Alm disso, infernciassobre a dieta das espcies tm amplaaplicao no entendimento das relaestrficas, podendo fornecer evidncias acercado processo de colonizao do novoambiente. Simples listagens das espciesresultantes de inventrios na rea doempreendimento, embora com algum valor

  • Introduo 99999

    acadmico, tm limitada relevncia tanto naavaliao do impacto quanto para subsidiaras medidas atenuadoras, apesar deadquirirem algum significado se baseadasem levantamentos realizados em todos ostipos de bitopos ao longo da baciahidrogrfica.

    Nos ltimos anos, entretanto, o nmero deespecialistas e os investimentos nainvestigao da biota aqutica vmcrescendo, tanto em razo dodesenvolvimento cientfico patrocinadopelos cursos de ps-graduao, no mbitodas universidades, quanto de uma novapostura de vrias concessionrias do setorhidreltrico, onde o conhecimento dosrecursos, do seu ambiente e das formas deexplotao vem sendo considerado comorequisito para o manejo da pesca.

    Assim, nesta obra apresentado de modosucinto e discutido de forma preliminar oconhecimento disponvel acerca do estado deconservao da ictiofauna brasileira de guadoce, sua explorao pela pesca e os impactosa que algumas espcies esto sujeitas pelosrepresamentos. Alm disso, so avaliadas asmedidas mitigadoras e compensatrias dosimpactos dos represamentos tomadas pelosetor eltrico e apresentadas algumasconsideraes e perspectivas de aes futurasnesse campo. Pretende-se, com este trabalho,fornecer subsdios s discusses sobre otema, sem a pretenso de faz-lo de modocompleto, visto que a maioria dasinformaes disponveis teve carterdisperso e provisrio (trabalhos de ps-graduao, comunicaes em eventoscientficos, monografias e relatrios decirculao restrita).

  • Captulo 2A Ictiofauna Sul-Americana:

    composio e histria de vida

    E mbora os levantamentos da ictiofauna Neotropical aindasejam incompletos e no haja consenso acerca do status

    taxonmico de muitas espcies, o nmero de espcies de peixes

    dessa regio estimado em 8.000, representando cerca de 24%

    de toda a diversidade de peixes do planeta, tanto de gua doce

    quanto marinha (VARI; MALABARBA, 1998). Alm da elevada

    diversidade, as espcies dessa regio apresentam fantstica

    heterogeneidade de formas e histrias de vida.

  • 12 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    Introduo

    Diferentemente de outras regieszoogeogrficas, onde predominamciprindeos (exceto Austrlia), os peixesneotropicais de gua doce pertencemmajoritariamente ao grupo Otophysi ( 90%;BRITSKI, 1992). Nesse grupo esto includos osrepresentantes das ordens Characiformes(peixes de escamas, ex: lambaris), com cercade 1.200 espcies, Siluriformes (couro ouplacas, ex: bagres), com cerca de 1.300espcies e Gymnotiformes (tuviras), comaproximadamente 80 espcies (MOYLE; CECH,Jr., 1996; LOWE-MCCONNELL, 1999).

    Entre os demais grupos destacam-se osPerciformes cicldeos (100 a 150 espcies, ex.:acars), Ciprinodontiformes ( 100 espcies,ex: guarus), osteoglossdeos (dois gneros,pirarucu e aruans) e lepidosirendeos (umaespcie, pirambia) - Moyle e Cech, Jr.(1996). Cerca de 50 representantes endmicosde grupos marinhos, como raias(potamotrigondeos), linguados (soledeos),sardinhas (clupedeos), manjubas(engrauldeos), pescadas e curvinas(ciandeos), agulhas (belondeos), entreoutros, complementam essa fauna. Somam-se ainda a ela vrias espcies de peixesmarinhos eurihalinos que ascendem emgraus variados os grandes cursos de gua(AGOSTINHO; JLIO JNIOR., 1999).

    Apesar do predomnio de espcies deCharaciformes e Siluriformes em todas asbacias sul-americanas, a composioespecfica e o nmero de espcies entrebacias varia consideravelmente. O

    isolamento geogrfico do continente sul-americano e de algumas bacias de drenagemem pocas passadas, associado a uma grandediversidade de hbitats (lagos, poas,riachos, corredeiras, rios, planciesinundadas), so fatores que contriburampara o elevado nmero de espcies de peixese a grande variedade de formas e estratgiasde vida que observamos hoje.

    Na bacia Amaznica, onde os levantamentosso ainda mais incompletos, j foramcatalogadas mais de 1.300 espcies (LOWE-MCCONNELL, 1999), com dominncia deCharaciformes (43%) e Siluriformes (39%).As estimativas para nmeros totais alcanam5.000 espcies (SANTOS; FERREIRA, 1999).

    A ictiofauna da bacia do rio Paran estimada em 600 espcies (BONETTO, 1986),sendo que apenas o Pantanal deve apresentar400 espcies (FERRAZ DE LIMA, 1981). O nmerode espcies da bacia deve, no entanto, sermaior, visto que em sua estimativa Bonetto(1986) relata 130 espcies para o quedenominou Provncia do Paran Superior(alto Paran + Iguau); por outro lado,Agostinho, Vazzoler e Thomaz (1995), emreviso dos levantamentos realizados no altorio Paran, compreendendo 110 reas deamostragem (rios, riachos, lagoas, poas,canais secundrios e reservatrios), listaram221 espcies, apenas para esse trecho.Incluindo-se as do rio Iguau, onde oendemismo elevado, esse nmero podealcanar 300.

    No rio So Francisco, a despeito de asprimeiras coletas terem sido feitas h doissculos, os levantamentos esto restritos aos

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 1313131313

    Histria Natural de PeixesNeotropicais

    Essa fantstica diversidade de espciesreflete uma incrvel diversidade de formas epadres comportamentais. Tais padres,relacionados basicamente s formas dealimentao, manuteno e reproduo,definem a estratgia de vida das espcies(WOOTTON, 1990). Os peixes de gua docecaracterizam-se por apresentarem a maiorvariedade de tipos de estratgias de vidaentre os vertebrados. Como exemplo dagama de possibilidades, existem espciesque vivem em lagoas e que so capazes dese reproduzir no primeiro ano de vida(lambaris); outras, que habitam grandesrios, podem levar anos para atingir amaturidade sexual (grandes bagres); algu-mas, habitantes de lagoas sazonais, sereproduzem uma nica vez na vida (peixes-anuais).

    As estratgias exibidas por uma dadaespcie so resultantes evolutivas da buscaempreendida pelos indivduos em reduziros custos com sua manuteno e aumentar aeficincia na obteno da energia,investindo o saldo energtico nareproduo, o que eleva seu fitness, aquientendido como o nmero de descendentesviveis deixados pelo indivduo. Asadversidades pregressas impostas peloambiente constituram a fora seletivadessas estratgias. O sucesso dessaempreitada pode ser aferido pelapersistncia da espcie ao longo de geraes(AGOSTINHO, 1994).

    trechos altos da bacia. Sato e Godinho (1999)registram 133 espcies para esses trechos,enquanto Godinho e Vieira (1998), baseadosem levantamentos secundrios, estimaramtal nmero em 170, para o trecho mineirodesta bacia. Esses autores estimam que cercade 68% das espcies desse rio so restritas a ele.

    A exemplo do rio So Francisco, outros riosda bacia Leste so caracterizados pelo altograu de endemismo, devido ao seu histricoisolamento das demais bacias. No rioJequitinhonha (36 espcies identificadas) onmero de espcies restritas a ele chega a70%; no Doce, 48% das 77 espciesregistradas; no Paraba do Sul, 46% das 59espcies (GODINHO; VIEIRA, 1998). Tendnciassimilares so registradas nos riosnordestinos e nos riachos costeiros (IBAMA,2002), assim como no rio Iguau, que tevesua ictiofauna isolada do restante da bacia dorio Paran no perodo Oligoceno, compostade pequenos peixes e elevado endemismo(ABILHOA, 2004).

    evidente que a ictiofauna neotropical uma das mais ricas do planeta. Suadistribuio no continente desigual, emuitas espcies esto restritas a locaisespecficos. Apesar de muitas espcies aindano estarem descritas, as alteraespromovidas em ambientes aquticoscontinentais nas ltimas dcadas(principalmente com a introduo deespcies exticas, a construo de barragens ea poluio) vm ameaando a perpetuao depopulaes naturais. Para efetivar a suaconservao, o valor da ictiofauna precisa serrapidamente melhor apreciado, em termoseconmicos, cientficos e ecolgicos.

  • 14 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    Os atributos da histria de vida(alimentao, reproduo), que determinama estratgia de vida, so os alicerces onde aseleo natural atua, alm de serem, emgrande parte, responsveis pelos padresecolgicos existentes na distribuio eabundncia das espcies (HARRIS, 1999). Dessaforma, fica claro que o conhecimento dahistria natural das espcies essencial aoentendimento dos processos de ocupao denovos ambientes, como os reservatrios,alm de ser crucial para a efetivao demedidas de preservao ou conservao.

    Estratgias de Vida

    Durante a dcada de 1960, com a publicaodos trabalhos de Robert MacArthur, foidesenvolvido o conceito de estrategistas r e k,uma forma generalizada de explicar como asespcies conseguem sua perpetuao. Desdeento os pesquisadores vm tentandocategorizar a estratgia de vida das espciesnesses dois grupos, que representam plosextremos de um gradiente: os estrategistas r,espcies oportunistas, que alocam energiaprincipalmente para a reproduo; osestrategistas k, espcies de equilbrio, queutilizam a maior parte de sua energia para ocrescimento somtico (ADAMS, 1980).Independentemente da estratgia, o produtofinal o mesmo: garantir a existncia dasespcies.

    A identificao da estratgia de vida dospeixes tem grandes implicaes prticas,como, por exemplo, o manejo da pesca e aconservao dos estoques. As espcies r-estrategistas podem sustentar pescarias mais

    produtivas, ser capturadas com idadesmenores e seus estoques podem suportaraltos nveis de mortalidade por pesca,recuperando-se mais rapidamente dos efeitosde sobrepesca. Apresentam, no entanto,flutuaes populacionais mais amplas, vistoque so mais susceptveis a variaesambientais. Dessa maneira, a manuteno deum dado nvel de explotao ao longo dosanos pode levar depleo dos estoques(VAZZOLER, 1996). Embora sem um bomexemplo de depleo em gua doce, ararefao dos estoques de sardinha no litoralsul-brasileiro ilustrativa. Entre as espciesr-estrategistas neotropicais esto espcies depequeno porte das ordensCyprinodontiformes e Characiformes, comoos guarus, e diversos lambaris e pequiras.

    Por outro lado, as espcies k-estrategistasso, em geral, menos abundantes eapresentam um rendimento mximo porrecruta mais elevado. So capturadas emidades maiores e no suportam nveis altosde mortalidade por pesca, sendo, portanto,mais susceptveis sobrepesca. Embora commenor variao interanual, em caso dedepleo de estoques, sua recuperaoexigir um tempo mais prolongado. Comoexemplo de espcies desse grupo, podemoscitar os grandes bagres e vrias espcies comcuidado parental. J para exemplificardeplees de estoque, emblemtica a quaseextino comercial de alguns tipos debacalhau, em ambientes marinhos.

    Apesar dessa evidente aplicao prtica, acategorizao de espcies de peixes emestrategistas r ou k torna-se difcil, em vistada elevada diversidade de histrias de vida

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 1515151515

    Reproduo e Sazonalidade

    Entre as espcies de peixes sul-americanos, as estratgias reprodutivaspodem estar expressas de diferentesmaneiras, como pela fecundao externa ouinterna, diferenas na idade de maturao,cuidado parental bem-desenvolvido ouausncia de cuidado parental, desovas

    parceladas ou totais, desovas nicas oumltiplas no ano, migraes, etc.(VAZZOLER, 1996). Como mencionadoanteriormente, o desenvolvimentoevolutivo dessas estratgias estintimamente ligado ao ambiente e sforas seletivas que atuaram durante suahistria. Mesmo assim, comumenteobservado um alto grau de flexibilidadenas estratgias (WOOTTON, 1990).

    j mencionada. Winemiller (1989),analisando atributos da histria de vida depeixes da Venezuela, e com base no conceitor-k estrategistas, props uma classificaodiferente para os peixes neotropicais,amplamente aceita pelos pesquisadores darea de ecologia de peixes. Em suaclassificao, esse autor considera um grupo

    intermedirio entre r e k-estrategista, queinclui espcies com reproduoestreitamente sazonal e que desempenhamlongas migraes reprodutivas. Estaestratgia foi denominada sazonal (S) einclui os grandes bagres e caracdeosmigradores neotropicais. O Box 2.1 mostraos atributos considerados nessa classificao.

    BoBoBoBoBox 2.1x 2.1x 2.1x 2.1x 2.1

    Padres de variao na histria de vida entre peixes sul-americanos em ambientes sazonais

    WINEMILLER, K. Patterns of variation in life historyamong South American fishes in seasonal environments.Oecologia (Berlin) , v. 81, no. 2, p. 225-241, 1989.

    Dez caractersticas relacionadas teoria de histria de vida foram medidas ou estimadas de 71 espcies depeixes de gua doce, de dois locais nas plancies venezuelanas. Estatsticas multivariadas e anlises deagrupamento revelaram trs padres finais bsicos ao longo de um contnuo bidimensional. Um grupo deatributos associados com cuidado parental e reproduo no-sazonal parece corresponder estratgia deequilbrio. Um segundo grupo de pequenos peixes foi identificado pelas caractersticas associadas habilidadede rpida colonizao: maturao precoce, reproduo contnua e desova em pequenas parcelas. O terceiropadro bsico foi associado com reproduo sincronizada, durante o incio da estao chuvosa, alta fecundidade,ausncia de cuidado parental e migrao reprodutiva. Um subgrupo de peixes, principalmente pequenos,que exibia escasso ou nenhum cuidado parental, desovas em parcelas e reproduo com durao de dois aquatro meses, foi intermedirio entre os oportunistas (colonizao rpida) e a estratgia sazonal. Todas asdez variveis do ciclo de vida mostraram efeitos significativos da filogenia. O grupo de espcies correspondenteao de equilbrio foi dominado por peixes siluriformes e perciformes (cicldeos). O grupo dos oportunistas foidominado por Cyprinodontiformes e Characiformes, enquanto que o grupo sazonal era compostoessencialmente por Characiformes e Siluriformes. Sete de nove caractersticas foram significativamentecorrelacionadas com o comprimento do peixe. Os trs padres reprodutivos so interpretados como sendoadaptativos em relao intensidade e predictibilidade das variaes espaciais e temporais nos fatoresabiticos, disponibilidade alimentar e presso de predao.

  • 16 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    250

    300

    350

    400

    450

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    Nv

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    MesesFev Mar Abr Ma i Jun Jul Ago Se t Out Nov De z

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    Rep

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    o

    (%)

    Jan

    Figura 2.1 - Variaomdia diria do nvel da gua (1978-2000)e freqncia mensal de indivduos maduros e semi-esgotados (RPD) na assemblia de peixes na plancie deinundao do alto rio Paran (modificado de

    , 1997;, 2001).

    VAZZOLER;

    SUZUKI; MARQUES; PEREZ LIZAMA AGOSTINHO;

    GOMES; ZALEWSKI

    RPDNvel do rio (cm)

    Uma caracterstica importantenas grandes bacias hidrogrficassul-americanas que asprincipais foras seletivas queatuaram no desenvolvimentode estratgias reprodutivasparecem ter sido aquelasrelacionadas ao regime decheias. Isso pode serevidenciado pelo altosincronismo existente entre ascheias e os principais eventosdo ciclo biolgico dos peixes,tais como a maturao gonadal,migrao, desova e desenvolvimento inicialdas larvas e alevinos (AGOSTINHO; JLIO JNIOR,1999; AGOSTINHO; THOMAZ; MINTE-VERA;WINEMILLER, 2000) (Figura 2.1).

    O monitoramento da desova de peixesmigradores em Cachoeira das Emas (rio MogiGuau, alto rio Paran), realizado por Godoy(1975) de 1943 a 1970, demonstrou que a cheia importante como sincronizadora da desovae que as guas lticas so fundamentais para afertilizao dos ovcitos, flutuao e deriva.

    Para a bacia Amaznica, Goulding (c1980)relata que caracdeos migradores abandonamos tributrios e vrzeas em direo ao canaldo rio principal, onde provavelmente feitaa desova. Essas migraes ocorrem entre oinicio e a metade da poca de guas altas. Osgrandes bagres tambm empregam longasmigraes reprodutivas na Amaznia.Algumas espcies de pimeloddeos viajamincrveis distncias, abandonando a regioestuarina do rio Amazonas rumo scabeceiras, em direo oeste (GOULDING;SMITH; MAHAR, 1996).

    Gomes e Agostinho (1997), por outro lado,demonstraram que somente a ocorrncia dascheias pode no ser suficiente. Outrosatributos, como a poca, durao eintensidade das cheias, so fatores crticospara o sucesso no recrutamento de peixes.Esses autores relatam drsticas redues nacoorte do ano em que as cheias no ocorrem.

    Assim, a reproduo das espcies de peixesde grandes rios neotropicais ,independentemente da estratgia utilizada,altamente sazonal. Essa sazonalidade est,em geral, associada ao regime de cheias, coma desova ocorrendo sob condies de nveisde gua crescente, particularmente entre asespcies migradoras (AGOSTINHO; GOMES;VERSSIMO; OKADA, 2004).

    Lamentavelmente, os reservatriospromovem a redistribuio das vazessazonais, elevando o nvel mnimo do riodurante o perodo de seca e o reduzindodurante o de cheias. Esse fato se constituinuma das principais fontes de alterao daictiofauna a jusante, como ser visto adiante.

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 1717171717

    Em corpos de gua menores, especialmenteaqueles sujeitos a cheias repentinas e de curtadurao (riachos), a sazonalidade nareproduo menos evidente. Nesses casos,o perodo reprodutivo pode ocorrer empocas do ano em que as precipitaes somenores (GARUTTI, 1988), constituindo-senuma estratgia para assegurar odesenvolvimento da prole, evitando queovos e larvas sejam arrastados para trechosinferiores da bacia, onde as condiesambientais podem ser adversas aodesenvolvimento inicial (WINEMILLER;AGOSTINHO; CARAMASCHI, no prelo). Tem sidodemonstrado, por outro lado, que algumasespcies de lambaris superam aimprevisibilidade das cheias em riachos,estendendo sua atividade reprodutiva portodo o ano (BARBIERI, 1992). A durao doperodo reprodutivo e a poca de maiorintensidade parecem depender do grau devariabilidade imposto pelo regime de cheiasao longo da bacia. Assim, nas cabeceiras deriachos, onde as condies so mais adversase variveis, o perodo reprodutivo dolambari Astyanax bimaculatus (= A. altiparanae)

    Migrao

    Considerando-se o espao vital requeridopelas espcies durante seu ciclo de vida,podemos classificar os peixes neotropicaisem duas categorias principais: espciessedentrias e grandes migradoras. Ressalta-se, entretanto, que um grande nmero deespcies se posiciona ao longo de um gradi-ente de continuidade entre essas duascategorias. Em geral, as respostas dadas pelasespcies posicionadas nos extremos dessegradiente aos estmulos ambientais, entre osquais se destaca o j mencionado regime decheias, so distintas (Tabela 2.1).

    longo, tendncia oposta quela verificadaem seus trechos inferiores (GARUTTI, 1989).

    Os reservatrios de pequenas centraishidreltricas, pelo fato de promoverempulsos dirios e semanais na vazo dejusante, tornam os ambientes mais variveis,com reflexos negativos s diferentesestratgias reprodutivas.

    Tabela 2.1 - Atributos reprodutivos gerais que diferenciam espcies migradoras esedentrias (baseado em , 1996;

    , 2004)VAZZOLER SUZUKI; VAZOLLER; MARQUES; PEREZ LIZAMA;

    INADA

    Atributos Migradoras Sedentrias

    Fecundidade alta baixa/moderadaFecundao externa externa/internaDesova total total/parceladaPerodo reprodutivo curto curto/longoOvcitos (tamanho) pequenos mdio/grandesOvcitos (tipo) livres adesivosCuidado parental ausente presente

    Tempo de primeira maturao longo curto

    Porte adulto grande pequeno/mdio

  • 18 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    As espcies sedentrias so aquelas aptas adesenvolver todas as atividades vitais(alimentao, reproduo e crescimento)numa rea restrita da bacia. Osdeslocamentos, quando ocorrem, so decurta extenso. Essa categoria freqente emambientes lnticos, onde apresentamadaptaes respiratrias a perodos de baixaoxigenao, tolerando grandes variaestrmicas.

    Mesmo vivendo em reas restritas, algumasespcies sedentrias apresentam sazonalidadepronunciada no perodo reprodutivo, como ocascudo-chinelo Loricariichthys anus e o peixe-cachorro Oligosarcus jenynsii em lagoas no Suldo Brasil (BRUSCHI JUNIOR.; PERET; VERANI; FIALHO,1997; HARTZ; VILELLA; BARBIERI, 1997). Variaesna estratgia em uma mesma populao ouentre populaes da mesma espcie podemocorrer em razo das condies ambientaisvigentes. A trara Hoplias malabaricus, porexemplo, tem a habilidade de se reproduzirdurante todo o ano (AZEVEDO; GOMES, 1942) ouapresentar ciclo sazonal definido (BARBIERI,1989), dependendo do ambiente em que seencontra. Esse fato representa tticas distintasde uma mesma estratgia.

    Espcies sedentrias so tambm freqentesem riachos e ribeires, onde apresentammorfologia adaptada a uma existncia emguas correntes, sendo nesse caso sensveis abaixas concentraes de oxignio. Aictiofauna de riachos compostamajoritariamente por espcies sedentrias,sendo essa tendncia registrada em pequenoscorpos de gua tanto da bacia do rio Paran(CASTRO; CASATTI, 1997; LEMES; GARUTTI, 2002),quanto de outras do Sul do Brasil (TAGLIANI,

    1994; CMARA; HAHN, 2002) e da baciaAmaznica (SILVA, 1995; SABINO; ZUANON, 1998).A reproduo ocorre, geralmente, duranteperodo prolongado e est associada adesovas parceladas. Incluem-se nessacategoria as espcies com ovcitos grandes,baixa fecundidade e que so menosdependentes das cheias. Alguns cascudostambm apresentam prolongada pocareprodutiva em rios de pequeno porte(BARBIERI, 1994), estratgia que pareceaumentar o fitness dos indivduos.

    Algumas espcies sedentrias so bem-sucedidas na ocupao dos novos ambientesformados pelos represamentos, ou mesmo emrios de vazo controlada. So espcies compr-adaptaes vida em ambientes lnticos,como lagos e lagoas, ou que so capazes deapresentar elevada plasticidadecomportamental. Destacam-se, entre essespeixes, os cicldeos, alguns loricardeos,eritrindeos, gymnotdeos e vrios caracdeostetragonopterneos. Apesar da drsticaalterao provocada no ambiente, algumasespcies podem completar todo o ciclo noprprio reservatrio. Na represa de TrsMarias, rio So Francisco, uma espcie depirambeba Serrassalmus brandtii capaz dereproduzir-se durante todo o ano noreservatrio (TELES; GODINHO, 1997). Em SaltoGrande, alto rio Paran, a piranhaSerrassalmus spilopleura (= S. maculatus)tambm completa seu ciclo dentro doreservatrio, mas a reproduo sazonal(FERREIRA; HOFLING; RIBEIRO NETO; SOARES;TOMAZINI, 1998), a exemplo do que ocorre como lambari Astyanax bimaculatus (= A.altiparanae) na represa de Bariri (RODRIGUES;RODRIGUES; CAMPOS; FERREIRA, 1989).

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 1919191919

    Diferentemente, porm muito comuns, soespcies sedentrias que se adaptam scondies represadas, mas que dependem deoutros ambientes para completar etapas deseu ciclo de vida, principalmente relacionadas reproduo (AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ,1995). Esse o caso de uma espcie de piau narepresa de Trs Marias, o qual necessita delagoas a montante para completar o cicloreprodutivo, apesar de viver na regiorepresada (RIZZO; SATO; FERREIRA; CHIARINI-GARCIA; BAZZOLI, 1996). Fato similar tem sidoregistrado no reservatrio de Segredo, no rioIguau, onde as espcies melhor sucedidas nacolonizao do novo ambiente, em geralsedentrias, buscam os segmentos maislticos a montante ou os tributrios para adesova (SUZUKI; AGOSTINHO, 1997).

    A outra categoria, das espcies grandesmigradoras, conhecidas tambm comoespcies potamdromas, requerem amplostrechos livres da bacia, onde se deslocam porgrandes distncias. Embora os deslocamentosmais relevantes sejam os reprodutivos, possvel reconhecer outras motivaes.

    Assim, ocorrem tambm migraes de cartertrmico ou sazonal, trfico ou nutricional, eontogentico ou de crescimento, quase todas,de alguma forma, associadas ao regimehidrolgico (BONETTO; CASTELLO, 1985;GOULDING; SMITH; MAHAR, 1996). comum queessas migraes se combinem ou sesobreponham em grau varivel, ou mesmoque uma dependa das outras (BONETTO, 1963).

    Muitas espcies, entretanto, desenvolvemcurtas migraes laterais para a reproduo,ou algo mais extensivo, como mecanismo dedisperso. Neste ltimo caso, osdeslocamentos podem tomar direesdistintas. Em rios com amplas vrzeas, essesmovimentos de disperso ocorrem durante avazante, quando a retrao da gua trazconsigo grande quantidade de jovens, e estes,geralmente, so seguidos por cardumes depredadores. Esse tipo de migrao,importante no processo de disperso, temsido observado em lambaris e saguirus. NoPantanal, onde ele tem grande importncia naatividade pesqueira, conhecido como lufada(ver Box 2.2).

    BoBoBoBoBox 2.2x 2.2x 2.2x 2.2x 2.2[A lufada]

    Pantanal-Peixeshttp://www.pantanalms.tur.br/peixes_pantanal3.htm

    Na estao chuvosa, as espcies mais procuradas deixam os rios e vo para as reas inundadas, onde hmuito alimento. No final de abril, quando as chuvas se tornam menos freqentes e as guas comeam abaixar, voltam aos rios novamente, sinal evidente de que as chuvas teminaram. Inexplicavalmente, pois adesova s vai ocorrer meses mais tarde, diversas espcies de peixes, reunindo-se em vastos cardumes,comeam de novo a nadar rio acima. Os cardumes so to extensos, densos e dramticos que podem serouvidos chapinhando a grandes distncias. O fenmeno conhecido no Pantanal como lufada, pois quandoaparece um cardume na curva do rio, a gua parece aoitada por um temporal. A superfcie fica fervilhandode peixes e milhares de lambaris, curimbats, piavas, piavuus, dourados, peixes-cachorros e piraputangassaltam nas guas, irradiando um brilho de ouro e prata nas rpidas trajetrias pelo ar. No confundir coma piracema, que ocorre na poca da reproduo (novembro a fevereiro) quando cardumes sobem os rios,transpondo as corredeiras aos saltos, para desovarem nas guas calmas das cabeceiras.

  • 20 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    DouradoBrilhante

    Vacaria

    Cabeceira

    Alto Ivinheima

    Baixo IvinheimaFoz

    15 12 9 6 3 0 3 6 9 12 15Ind/10m3 Ind/10m3

    Ovos Larvas

    Figura 2.2 - Gradientes longitudinais de ovos e larvas depeixes migradores na bacia do rio Ivinheima, umtributrio do alto rio Paran, durante o perodoreprodutivo (modificado de

    , 1997).NAKATANI; BAUMGARTNER;

    CAVICCHIOLI

    Na Amaznia, considerando a motivao paraos deslocamentos, foram identificados trstipos de migrao de peixes, ou seja, aslaterais, geralmente ligadas disperso ealimentao, que ocorre em direo vrzeaalagada; as reprodutivas, que podem serascendentes ou descendentes; e as trficas,geralmente ascendentes (SANTOS; FERREIRA,1999). Entretanto, o sentido das migraespode depender muito da espcie de peixeconsiderada. Por exemplo, na busca porhbitats adequados para o desenvolvimentodas formas iniciais, Characiformes tendem apermanecer em vrzeas e outras reasalagadas, enquanto que os juvenis de grandesbagres migram rio abaixo, na direo dosesturios (GOULDING, SMITH; MAHAR, 1996;RUFINO; BARTHEM, 1996).

    A migrao exerce papel fundamental nosucesso reprodutivo dos peixes, porque elapermite a busca de ambientes adequados paraa fertilizao dos ovos (encontro de umelevado nmero de indivduos de ambos ossexos), desenvolvimento inicial (elevadaoxigenao e disponibilidade alimentar) econdies de baixas taxas de predao (baixatransparncia da gua).

    Os migradores de longa distnciaso, geralmente, de maior porte emaior valor comercial, e tm ovospequenos e numerosos, que soeliminados em curto intervalo detempo (AGOSTINHO; JLIO JNIOR, 1999).No dispensam prole qualquercuidado. A desova, em geral, ocorreem reas lticas de trechos mais altosda bacia, quando o nvel do rio estem ascenso, sendo essa tendncia

    amplamente relatada na literaturaespecializada (GODOY, 1975; BONETTO; CASTELLO,1985; CARVALHO; MERONA, 1986; AGOSTINHO;VAZZOLER; GOMES; OKADA, 1993; AGOSTINHO;GOMES; SUZUKI; JLIO JNIOR, c2003). Embora aelevao dos nveis hidromtricos tenha papeldecisivo, um conjunto de fatores atua comogatilho para o desenvolvimento gonadal(VAZZOLER, 1996). Barbieri, Salles e Cestarolli(2000), estudando o ciclo reprodutivo dodourado e do curimbat no rio Mogi Guau,evidenciaram a correlao positiva entre odesenvolvimento gonadal e as precipitaespluviomtricas, o aumento da temperatura edo fotoperodo. Estes dois ltimos fatores tmsido considerados como determinantes doprocesso de maturao gonadal e de desovade peixes de maiores latitudes, onde soverificadas as maiores variaes destes.

    Aps a desova, os ovos de espcies com essaestratgia reprodutiva derivam rio abaixoenquanto se desenvolvem, sendo lanados,geralmente na forma de larvas, para asdepresses laterais (vrzea) durante otransbordamento da calha (GODOY, 1975;CARVALHO; MRONA, 1986; AGOSTINHO; THOMAZ;MINTE-VERA; WINEMILLER, 2000) (Figura 2.2).

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 2121212121

    Nessas depresses laterais (lagoasmarginais, lagos, canais), as larvas ealevinos de tais espcies encontramcondies ideais para o desenvolvimentoinicial (alimento, temperatura e oxignio) eabrigo que os protegem da predao. Com aretrao da gua durante a vazante, essesjovens concentram-se em corpos de guaremanescentes na vrzea ou so levadospara a calha principal. Neste ltimo caso,podem procurar ativamente os acessos sbaias e lagoas. Os jovens permanecemnesses ambientes por um tempo varivel,conforme a espcie considerada. O curimbaProchilodus lineatus os abandona e passam aintegrar o estrato adulto da populao nosegundo ano de vida (AGOSTINHO; VAZZOLER;GOMES; OKADA, 1993). No rio Tocantins, omapar Hypophthalmus marginatus e ocurimat Prochilodus nigricans ascendem orio para desova e os alevinos derivam rioabaixo, como forma de disperso(CARVALHO; MRONA, 1986). A construo dahidreltrica de Tucuru em 1984 bloqueouessa rota de migrao (MRONA; CARVALHO;BITTENCOURT, 1987).

    A vazante marcada pela grandemortalidade natural de juvenis, tanto pelapredao nas bocas de vazante (Figura 2.3) quanto em poasremanescentes que secam (Figura 2.4).Como visto, caractersticas hidrolgicas,como durao, regularidade, poca eintensidade das cheias relacionam-se aosvalores dessa mortalidade e, portanto, aosucesso do recrutamento de novosindivduos s populaes de peixes (GOMES;AGOSTINHO, 1997).

    Embora seja consenso que os grandesCharaciformes e alguns Siluriformesdesenvolvam migraes ascendentes noincio das cheias e com finalidadereprodutiva, essa generalizao no podeainda ser estendida a todos os peixesmigradores neotropicais. Mesmo parapeixes de escama, Bonetto e Castello (1985)relatam que uma considervel parte docardume marcado de espciesreconhecidamente migradoras (curimba edourado) permaneceu nos locais de solturapor perodos prolongados. O fato levouesses pesquisadores a sugerir que osestoques dessas espcies seriam compostos

    Figura 2.3 - Boca de vazante ou corixo naplancie de inundao do alto rioParan.

    Figura 2.4 - Lagoa marginal em processo dedessecao na plancie de inundao doalto rio Paran.

  • 22 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    por ectipos distintos, alguns requerendoamplos deslocamentos para manter suaspopulaes e reproduzir, e outros podendofaz-lo em reas mais restritas.

    Dessa maneira, o trecho mnimo de rionecessrio para que as atividades vitais depeixes se realizem em toda a sua plenitude desconhecido. Deve variar com a espcieconsiderada, as condies ambientais dotrecho e mesmo dentro de uma dadapopulao.

    Godoy (1975) menciona deslocamentossuperiores a 1.000 km para caracdeos do rioParan. Barthem e Goulding (1997)apresentam evidncias de deslocamentosainda maiores (3.500 km) em bagresmigradores da bacia Amaznica, que sedeslocam entre o esturio do rio Amazonase seus tributrios superiores.

    No trecho compreendido entre osreservatrios de Itaipu e Porto Primavera,isolado do restante da bacia desde 1994,durante a construo desta ltima, aextenso de 230 km parece ser suficientepara a manuteno de populaes viveis deespcies migradoras (dourado, pintado,curimba, piava, piracanjuba, etc.)(AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996; VAZZOLER; SUZUKI,MARQUES; PEREZ LIZAMA, 1997; NAKATANI;BAUMGARTNER; CAVICCHIOLI , 1997). Mesmo norio Paranapanema, num trecho ltico decerca de 80 km entre os reservatrios deCapivara e Salto Grande, construdos hmais de 15 anos, eram registrados cardumesde dourados e pintados, durante a piracema(o trecho atualmente represado pelosreservatrios de Canoas I e II).

    Bonetto e Castello (1985) crem tambmque os peixes no necessitam alcanar ascabeceiras dos rios ou afluentes parareproduzir, como sugeriam os estudosiniciais. O que se sabe que os peixesmigram guas acima at alcanar locaisapropriados para a desova, sendo que essasreas podem se situar a distncias variveis.

    Ao contrrio dos salmondeos doHemisfrio Norte, os peixes migradoresneotropicais parecem no ser toconservativos em relao ao local dedesova. Uma indicao disso pde serconstatada no rio Piquiri, um afluente dorio Paran, cuja foz localiza-seimediatamente acima dos antigos Saltos deSete Quedas, e que no recebia cardumes dedourados e curimbas antes da formao doreservatrio de Itaipu. Com a formao doreservatrio e o afogamento de SeteQuedas, cardumes provenientes dos 170 kma jusante de sua desembocadura passaram autilizar esse rio como rea de desova(AGOSTINHO; VAZZOLER; GOMES; OKADA, 1993).

    Experimentos de marcao realizados apsa interrupo do fluxo de peixes pelabarragem de Porto Primavera demonstramque os peixes em migrao ascendente,capturados, marcados e liberados a jusantedessa barragem, foram recapturados, aps48 horas, em um tributrio da margemdireita desse rio, cuja foz localiza-se a 40 kma jusante do ponto de soltura (ANTNIO;OKADA; DIAS; AGOSTINHO; JLIO JNIOR, 1999).Esse resultado demonstra que, durante amigrao ascendente, uma eventualinterceptao na rota pode levar o peixe aprocurar outra.

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 2323232323

    ENGRAULIDAE

    CHARACIDAE

    Fowler, 1940 Sardinha X

    (Gnther, 1868) Sardinha de lata X(Agassiz, 1829) Sardinha X X

    (Gnther, 1869) Matrinx XMller & Troschel, 1844 Ladina X

    Anchoviella carrikeri

    Lycengraulis batensii

    Lycengraulis grossidens

    Brycon cephalus

    Brycon falcatus

    PRISTIGASTERIDAE

    ANOSTOMIDAE

    spp. Sardinha X X

    spp. Piau X X X

    , 1850 Piapara X X X

    (Bloch, 1794) Piau cabea-gorda X XGaravello e Britski, 1988 Piaussu X

    (Valenciennes, 1836) Piava X X X(Boulenger, 1900) Ximbor X

    Agassiz, 1829 Aracu-pintado X

    Kner, 1858 Taguara X X

    (Valenciennes, 1850) Piau boca-de-flor X

    Pellona

    Leporinus

    Leporinus elongatus Valenciennes

    Leporinus friderici

    Leporinus macrocephalus

    Leporinus obtusidens

    Schizodon borellii

    Schizodon fasciatus

    Schizodon nasutus

    Schizodon vittatus

    ESPCIES NOME COMUM 1 2 3 4

    Tabela 2.2 - Espcies migradoras de grandes distncias nas principais bacias hidrogrficasbrasileiras. 1.Bacia do Uruguai, 2.Bacia do Paran/Paraguai, 3.Bacia do So Francisco,4. Bacia do Amazonas (modificado de , c2003)CAROLSFELD; HARVEY; ROSS; BAER

    (continua)

    O completo entendimento dos mecanismosmigratrios das diferentes espcies depeixes e sua flexibilidade em relao aosrequerimentos espaciais para a desovacarece de um grande esforo de pesquisa. muito provvel, entretanto, que asrestries de movimento, impostas pelosrepresamentos, tenham implicaes sobreas espcies migradoras, se no sobreextines globais e locais, ao menos naheterogeneidade gentica de suaspopulaes, o que tambm altamentepreocupante. Assim, esperado que apermanncia de curtos trechos lticos possafavorecer pools gnicos (ectipos) menos

    exigentes em relao aos longosdeslocamentos e, portanto, promoverimpactos relevantes sobre a variabilidadegentica inicial, com a extino de ectiposmigradores de longas distncias.

    Concluindo, embora o comportamentoreprodutivo da maioria das espciesconhecidas ainda no esteja elucidado,evidncias obtidas para algumas delaspermitem algum consenso em relao aohbito migratrio. A Tabela 2.2 lista asprincipais espcies brasileiras com taisestratgias. Algumas dessas espcies somostradas nas Figuras 2.5 e 2.6.

  • 24 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    ESPCIES NOME COMUM 1 2 3 4

    Brycon orthotaen

    Brycon hilarii

    Brycon orbignyanus

    Brycon amazonicus

    Colossoma macropomum

    Mylossoma Myleus

    Piaractus brachypomus

    Piaractus mesopotamicus

    Salminus affinis

    Salminus brasiliensis

    Salminus hilarii

    Triportheus

    ia Gnther, 1864 Matrinch X

    (Valenciennes, 1850) Piraputanga X(Valenciennes, 1850) Piracanjuba X X(Agassiz, 1829) Jatuarana X

    (Cuvier, 1818) Tambaqui X X Xe spp. Pacu X X X

    (Cuvier, 1818) Pirapitinga X(Holmberg, 1887) Pacu caranha X

    Steindachner, 1880 Dorada

    (Cuvier, 1816) Dourado X X X XValenciennes, 1850 Tabarana X X X

    spp. Sardinha X X X

    CYNODONTIDAE

    HEMIODONTIDAE

    PROCHILODONTIDAE

    AUCHENIPTERIDAE

    DORADIDAE

    Cachorra X

    , 1829 Peixe cachorro X X X

    Kner, 1858 Voador X

    (Eigenmann & Kennedy, 1903) Peixe-banana XMyers, 1927 Voador X

    (Bloch, 1794) Piau pirco X

    Valenciennes, 1850 Curimat-pioa X

    (Valenciennes, 1836) Curimbat X XAgassiz, 1829 Curimbat-pacu X

    Agassiz, 1829 Curimat X

    Jardine e Schomburgk, 1841 Bocachica X

    spp. Jaraqui X

    Valenciennes, 1840 Bocudo X X

    Bleeker, 1862 Abotoado X X X

    (Valenciennes, 1821) Cui-cui X(Valenciennes, 1821) Armado X X X

    Hydrolycus spp.

    Rhaphiodon vulpinus Agassiz

    Hemiodus microlepis

    Hemiodus orthonops

    Hemiodus ternetzi

    Hemiodus unimaculatus

    Prochilodus costatus

    Prochilodus lineatus

    Prochilodus argenteus

    Prochilodus nigricans

    Prochilodus rubrotaeniatus

    Semaprochilodus

    Ageneiosus brevifilis

    Oxydoras knerii

    Oxydoras niger

    Pterodoras granulosus

    Tabela 2.2 - Espcies migradoras de grandes distncias nas principais bacias hidrogrficasbrasileiras. 1.Bacia do Uruguai, 2.Bacia do Paran/Paraguai, 3.Bacia do So Francisco,4. Bacia do Amazonas (modificado de , c2003)CAROLSFELD; HARVEY; ROSS; BAER

    (continuao)

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 2525252525

    ESPCIES NOME COMUM 1 2 3 4

    Rhinodoras boehlkei

    Rhamdia quelen

    Rhinelepis aspera

    Brachyplatystoma filamentosum

    Brachyplatystoma flavicans

    Brachyplatystoma juruense

    Brachyplatystoma rousseauxii

    Goslinia platynema

    Brachyplatystoma vaillantii

    Calophysus macropterus

    Conorhynchus conirostris

    Hemisorubim platyrhynchos

    Leiarius marmoratus

    Megalonema platanus

    Megalonema platycephalum

    Phractocephalus hemioliopterus

    Pimelodus blochii

    Pimelodus maculatus

    Pimelodus ornatus

    Pimelodus pictus

    Pinirampus pirinampu

    Platynematichthys notatus

    Pseudoplatystoma corruscans

    Pseudoplatystoma fasciatum

    Pseudoplatystoma tigrinum

    Sorubim lima

    Sorubimichthys planiceps

    Steindachneridion scripta

    Zungaro zungaro

    Glodek, Whitmire & Orcs, 1976 Abotoado X

    (Quoy e Gaimard, 1824) Jundi X X X X

    Agassiz, 1829 Cascudo-preto X X

    (Lichtenstein, 1819) Piraba X(Castelnau, 1855) Dourada X(Boulenger, 1898) Zebra X

    (Castelnau, 1855) X(Boulenger, 1898) Babo X

    (Valenciennes, 1840) Piramutaba X(Lichtenstein, 1819) Zumurito X(Valenciennes, 1840) Pir X

    (Valenciennes, 1840) Jurupoca X X(Gill, 1870) Jundi X

    (Gnther, 1880) Fidalgo X XEigenmann, 1912 Dourada X

    (Schneider, 1801) Pirarara XValenciennes, 1840 Mandi X

    Lacpde, 1803 Mandi-amarelo X X X

    Kner, 1858 Mandi X X

    Steindachner, 1877 X

    (Spix, 1829) Barbado X X(Jardine, 1841) Coroat X

    (Agassiz, 1829) Pintado X X X(Linnaeus, 1766) Cachara X X X

    (Valenciennes, 1840) Caparari X(Schneider, 1801) Jurupecem X X

    (Agassiz, 1829) Peixe lenha XRibeiro, 1918 Surubi X X

    (Humboldt, 1821) Ja X X X

    HEPTAPTERIDAE

    LORICARIIDAE

    PIMELODIDAE

    Tabela 2.2 - Espcies migradoras de grandes distncias nas principais bacias hidrogrficasbrasileiras. 1.Bacia do Uruguai, 2.Bacia do Paran/Paraguai, 3.Bacia do So Francisco,4. Bacia do Amazonas (modificado de , c2003)CAROLSFELD; HARVEY; ROSS; BAER

    (concluso)

  • 26 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    a b c

    de

    f

    g

    k

    h

    j

    m

    Figura 2.5 - Espcies migradoras de peixes de escama da fauna neotropical (a= ,b= , c= , d= , e=

    , f= , g= , h= ,i= , j= , k= , l=

    ,m= . Ver Tabela 2.2 para os nomes populares.

    Pellona flavipinnisLeporinus elongatus Leporinus friderici Triportheus nematurus Leporinus

    obtusidens Prochilodus lineatus Schizodon borellii Mylossoma orbignyanusRhaphiodon vulpinus Brycon microlepis Salminus brasiliensis Leporinus

    macrocephalus Piaractus mesopotamicus

    i

    l

  • A Ictiofauna Sul-Americana: composio e histria de vida 2727272727

    Figura 2.6 - Espcies migradoras de peixes de couro da fauna neotropical (a=, b= , c= , d= ,

    e= , f= , g= , h= ,i= ). Ver Tabela 2.2 para os nomes populares.

    Hemisorubimplatyrhynchos Zungaro zungaro Pseudoplatystoma fasciatum Pimelodus maculatus

    Oxydoras knerii Pinirampus pirinampu Sorubim lima Pterodoras granulosusRhinelepis aspera

    i

    a b

    cd

    g

    h

    e f

    Uso do Espao

    As espcies sedentrias so capazes decompletar todas as etapas de seu ciclo devida em um mesmo ambiente, realizando,em alguns casos, curtos deslocamentos.Representantes desse grupo podem serencontrados em todos os tipos deambientes, mas principalmente em riachos

    e lagoas. Envolve basicamente espcies depequeno e mdio porte, como cascudos,pequenos bagres, caracdeos, gimnotdeos,cicldeos e poecildeos. Devido ao pequenotamanho, so geralmente encontradasassociadas a algum tipo de substrato, comotroncos, rochas, macrfitas aquticas e atmesmo junto ao sedimento. Nesses locaisencontram proteo, alimento e superfcieadequada para a deposio dos ovos.

  • 28 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATRIOS DO BRASIL

    O predomnio de espcies sedentrias empequenos rios e lagoas foi tambm observadona bacia Amaznica (SANTOS; FERREIRA, 1999),em lagoas da plancie de inundao do rioParan (OLIVEIRA; LUIZ; AGOSTINHO; BENEDITO-CECLIO, 2001) e crregos da mata Atlntica(ESTEVES; LOBN-CERVI, 2001).

    Para algumas espcies os hbitats dealimentao, crescimento e reproduopodem ser os mesmos. Outras necessitam delocais diferentes numa determinada fase davida, porm dentro de um mesmo ambiente.Estudos elaborados para identificar esseshbitats requerem abordagens diferenciadas,como a biotelemetria, a marcao-recaptura ea observao subaqutica direta. Sabino eCastro (1990) observaram a mudana dehbitats em pequena escala temporal(perodos de dia/noite) em peixes de umriacho atlntico. Algumas espcies nadamdurante o dia prximo ao fluxo de gua, masdurante a noite procuram locais abrigadosjunto vegetao.

    Uma caracterstica importante das espciessedentrias reside no fato de que elas so,geralmente, as mais pr-adaptadas sobrevivncia em reservatrios,principalmente aquelas que habitam guaslnticas. Muitos reservatrios comportamextensas reas litorneas, ocupadas pormacrfitas aquticas, que podem sercolonizadas por espcies com essa estratgiade vida. O predomnio de espcies sedentriasde pequeno porte relatado para oreservatrio de Jurumirim, no rioParanapanema, onde foi constatada a extinolocal das espcies migradoras (CARVALHO;SILVA, 1999). Padro similar registrado para

    o reservatrio de Lajes, bacia do rio Parabado Sul, um dos mais antigos do Brasil (ARAJO;SANTOS, 2001).

    Os grandes peixes migradores de gua docetm como atributo de seu comportamento aseparao, no tempo e no espao, dos hbitatsusados para reproduo, crescimento ealimentao durante diferentes estgios devida (NORTHCOTE, 1998). Assim, esses trs tiposde hbitats so necessrios para que essasespcies completem seus ciclos de vida. Naregio amaznica, onde o nmero de espciesmigradoras muito maior, e tambm emoutras grandes bacias hidrogrficasbrasileiras, as informaes disponveis acercados hbitats de espcies migradoras so aindarestritas a poucas espcies. Na bacia do rioParan, alguns desses hbitats foramlocalizados e mais extensivamente estudados(AGOSTINHO; GOMES; SUZUKI; JLIO JNIOR, c2003).

    Hbitat de reproduo: de modo geral, esseshbitats esto localizados nas poressuperiores de grandes rios e afluentes. Issotem sido inferido pela elevada ocorrncia deindivduos no estdio de reproduo e peladistribuio e abundncia de ovos, queaumenta em direo parte superior detributrios (VAZZOLER; SUZUKI, MARQUES; PEREZLIZAMA, 1997). Characiformes preferem,geralmente, cursos de guas rasos (menos de3 m), no muito largos (menos de 80 m), commoderada turbulncia e fundo rochoso, comdepsitos de areia ou cascalho. A reproduoocorre durante a elevao do nvel do rio,quando a gua est mais trbida e com acondutividade e temperatura elevadas.