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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
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Ecologia Política e Territorialidade: Contributos à uma Introdução dos
Fundamentos da Educação Ambiental do Campo
Lisiane Costa Claro - Doutoranda PPGEA/FURG
Roberta Avila Pereira - Graduanda em Pedagogia/FURG
Vilmar Alves Pereira - Prof. Dr. PPGEA/FURG
Resumo: A partir do reconhecimento das contradições existentes no campo conceitual
sobre a Educação Ambiental e sobre a Educação do Campo, buscamos reivindicar o
espaço de uma Educação Ambiental do Campo, a qual possa contribuir para pensar e
agir junto aos sujeitos que constituem os espaços rurais de forma a reconhecer sua luta
enquanto atores sociais protagonistas de sua história. Nesse sentido, o ensaio busca
possibilidades de compreender possíveis fundamentos de uma Educação Ambiental do
Campo a partir do diálogo entre Ecologia Política e Territorialidade. Assim,
consideramos que essa relação aponta para a constituição de uma área que contemple
uma visão holística e contextualizada acerca dos povos que constituem os espaços
rurais.
Palavras-chave: Educação Ambiental - Educação do Campo - Fundamentos
Abstract: From the recognition of the contradictions at the conceptual level on
Environmental Education and the Rural Education , seek to claim the space of an
Environmental Rural Education , which may help to think and act together with the
subjects that constitute the rural areas in order to recognize their struggle as protagonists
social actors in its history. In this sense , the essay seeks opportunities to understand
possible grounds of an Environmental Rural Education from the dialogue between
Political Ecology and territoriality . Thus , we believe that this relationship points to the
establishment of an area that includes a holistic and contextualized view about the
people who are the rural areas .
Keywords: Environmental Education - Rural Education - Fundamentals
1. Abordagem inicial
A busca pelos fundamentos na área da Educação Ambiental demonstra, de
maneira evidente, as contradições, divergências e antagonismos presentes na área. Da
mesma forma, a Educação do Campo vem sofrendo uma série de controvérsias e
descolamento de interesses que parecem não corresponder ao movimento originário da
reivindicação e luta travada pela educação dos povos do Campo.
A partir disso, na busca por fundamentos de uma Educação Ambiental no espaço
do Campo, o ensaio que segue, tem como objetivo realizar um diálogo a partir de dois
elementos que defendemos ser contributos para o alcance das bases epistemológicas: a
Ecologia Política e a Territorialidade. Com efeito, questiona-se: Em que medida esses
conceitos podem contemplar a compreensão dos fundamentos de uma Educação
Ambiental do Campo?
Para o enfrentamento da problemática, buscamos principal aporte conceitual
desses dois elementos a partir das contribuições de Little ( 2002; 2002; 2006) e Lopes
(2002).
Assim, o texto inicia evidenciando as disputas presentes no espaço da Educação
do Campo de forma a argumentar a necessidade de adjetivação ao termo, com o
propósito de explicar o que demarca essa concepção educativa. Logo, abordamos a
2
proximidade com a Educação Ambiental, salientando a necessidade de afirmar a
pertinência de uma Educação Ambiental do Campo. Realizada essa reivindicação,
passamos ao diálogo com dois elementos que servem como contribuição na busca pelo
embasamento epistemológico dos processos educativos ambientais que acontecem no
espaço do Campo.
2. Qual a proposta da Educação do Campo?
Ao realizar uma análise sobre a educação escolar no espaço do Campo, Ribeiro
(2000) diferencia dois tipos de escola, definidos a partir das propostas de educação:
enquanto a escola tradicional rural possui um modelo imposto por políticas públicas
dirigidas ao agronegócio, portanto visando as demandas do sistema capitalista, o qual
parte da dicotomia entre cidade e campo, a escola do campo é construída por
trabalhadores (as), de forma em que não se fecha e não se apresenta como imposição.
Como segundo aspecto que diferencia esses dois modelos, o primeiro modelo
tem como finalidade a lógica da produtividade − pois apresenta o campo enquanto
espaço subordinado à cidade −; já a escola básica do campo, assume a responsabilidade
de formação dos(as) trabalhadores (as) rurais a fim de respaldá-los (las) para a
superação dos desafios da produção no contexto contemporâneo. Esse processo
formativo articula-se com a coletividade na lógica da solidariedade humana. Por fim, a
autora destaca: Currículo, objetivos e metodologias da escola rural estão direcionados para o
sistema produtor de mercadorias, no qual o próprio ser humano é uma
mercadoria que pode ser descartável e flexível em tempos de desemprego
estrutural e tecnológico. Para a escola do campo a memória das lutas e das
experiências produtivas constitui-se em base curricular, em que se articulam
a produção de vida, dos alimentos, da sociedade e da ciência. Em
contraposição ao conhecimento científico que expulsa e subordina os
agricultores, a proposta de escola básica do campo pensa a produção de
conhecimento a partir das experiências dos agricultores, articulando tais
experiências com o conhecimento científico e tecnológico socialmente
produzido (RIBEIRO, 2000, p.4).
Com essa ênfase aos sujeitos trabalhadores, destaca-se a importância do
reconhecimento e abertura aos saberes que são construídos por meio das experiências de
se viver no campo. Segundo Arroyo, Caldart e Molina (2004), os povos do campo
constituem uma cultura específica a partir das maneiras de trabalhar as quais se diferem
das formas de trabalho do espaço urbano. Essa dinâmica está presente nas comunidades
tradicionais, muito embora os processos de urbanização com o estímulo do capital têm
ameaçado o trabalho nesses contextos, como é possível verificar no estudo. Para esses
autores, as especificidades que constituem a cultura, estão presentes nas formas de
relacionar-se com o tempo e meio-ambiente, nas formas de organização familiar,
comunitárias, de trabalho e educação.
Os povos do campo são grupos que constroem uma história repleta de lutas e
resistências. Segundo Martins (1986), o “eixo estrutural” desses conflitos ocorrem a
partir da disputa pela terra enquanto o direito que apresenta ao ser utilizada para o
sustento das comunidades. Além disso, esse embate pela terra se “torna luta pela
ampliação dos espaços políticos dos trabalhadores, pela democracia e não,
simploriamente, uma luta econômica pela ampliação dos espaços econômicos de
reprodução do capital” (MARTINS, 1986, p.71). Portanto, as disputas desses povos não
estão restringidas aos interesses do sistema econômico capitalista que se vive, mas
partem da exigência pela participação ativa para além da comunidade.
3
Nesse sentido, pensar uma educação junto a esses grupos exige compreender os
processos particulares das populações do campo a fim de que se possa reconhecer tais
especificidades e fomentar a postura crítica nesses contextos. Desse modo, Caldart
(2007) expõe que para discutir-se a concepção de Educação do Campo é preciso
considerar três questões: A tríade Campo- Política Pública – Educação; o problema da
fragmentação da luta de classes ao entender-se que a Educação do Campo é assumida
enquanto especificidade; e, a temporalidade diversa e coexistente da Educação.
Sobre a primeira questão analisada pela autora, ressalta-se o quanto são feitos
deslocamentos da formação originária de Educação do Campo para corresponder a
interesses específicos de elementos e sujeitos que realizam o debate em torno desse
tema. Ou seja, quando essa categoria apresenta-se por meio de secretarias, coordenações
ligadas ao governo, preceitos legais, cursos e linhas de pesquisas, corre-se o risco de
deixar de fora o Campo e seus sujeitos: Há então quem prefira tratar da Educação do Campo tirando o campo (e seus
sujeitos sociais concretos) da cena, possivelmente para poder tirar as
contradições sociais (o “sangue”) que as constituem desde a origem. Por
outro lado há quem queira tirar da Educação do Campo a dimensão da
política pública porque tem medo que a relação com o Estado contamine seus
objetivos sociais emancipatórios primeiros. Há ainda quem considere que o
debate de projeto de desenvolvimento de campo já é Educação do Campo. E
há aqueles que ficariam bem mais tranquilos se a Educação do Campo
pudesse ser tratada como uma pedagogia, cujo debate originário vem apenas
do mundo da educação, sendo às vezes conceituada mesmo como uma
proposta pedagógica para as escolas do campo (CALDART, 2007, p. s/n).
A partir das situações apresentadas acima, é possível afirmar a necessidade de
conceber a Educação do Campo por meio do diálogo entre os elementos Campo,
Políticas Públicas e Educação. Assumir essa postura é reconhecer a história da
Educação do Campo, a qual nasceu como mobilização de movimentos sociais em prol
de uma política educacional construída com os povos do campo. Foi um processo que
emergiu das manifestações dos Sem Terra pela implantação de escolas públicas nas
áreas de Reforma Agrária junto às resistências de comunidades do campo para
manterem suas escolas (CALDART, 2007).
Sobre o problema da fragmentação oriunda da especificidade da Educação do
Campo e dos discursos que são proferidos em torno da mesma, a autora coloca que em
decorrência dos deslocamentos da tríade, anteriormente exposta, ocorre um
reducionismo ao afirmar a especificidade da Educação do Campo pela educação em si
mesma; pela escola em si mesma (uma escola específica ou própria para o campo) se os
sujeitos que trabalham e vivem do campo não entrarem como parâmetros na construção
da teoria pedagógica (CALDART, 2007). Assim: A realidade destes sujeitos não costuma ser considerada quando se projeta
um desenho de escola. Esta é a denúncia feita pela especificidade da
Educação do Campo: o universal tem sido pouco universal. O que se quer,
portanto, não é ficar na particularidade, fragmentar o debate e as lutas; ao
contrário, a luta é para que o “universal seja mais universal”, seja de fato
síntese de particularidades diversas, contraditórias (CALDART, 2007, p. s/n).
Com efeito, compreende-se a pertinência de ampliar as questões pontuais, locais
e proferidas enquanto específicas; é preciso lançar a crítica para o campo da
universalidade, a qual deve ser compreendida como plural, com a construção solidária.
A Educação do Campo não deve ser restrita com o propósito compensatório. Ainda não
é uma realidade geral e ampla as transformações na Educação do Campo, mas caso
4
fossem, não bastariam as reformulações para o campo (curricular, estrutural, de
calendário, pedagógica,...), é necessário trazer essa discussão para a sociedade como um
todo.
Já o terceiro elemento necessário para a concepção de Educação do Campo,
Caldart (2007) aponta que existem três momentos nesse tema: o da negatividade;
positividade e o da superação. A negatividade ocorre quando se rejeita a ideia de que o
camponês é “atrasado” e com um futuro fadado a pobreza, à falta de recursos e à
ausência de escola. A positividade é a ação da denúncia ao se propor mudanças práticas
para que o discurso naturalizado sobre o espaço do campo seja descartado (Um outro
passo em direção a construção de uma nova pedagogia, crítica, capaz de superar o
fatalismo presente nos discursos dominantes). A superação é o momento da
transformação do contexto. Esses tempos ocorrem simultaneamente e isso demonstra a
contradição que não pode ser negligenciada ao falar-se em Educação do Campo, pois, No caso da Educação do Campo, manter a contradição instalada significa
continuar sua trajetória sendo fiel ao seu percurso original de vínculo com os
‘pobres do campo’ e com suas organizações e lutas sociais. Porque é destes
sujeitos (que hoje “lutam pra deixar de morrer”) que estão nascendo/podem
nascer experiências, alternativas, que contestam mais radicalmente a lógica
social dominante, hegemônica e recolocam a perspectiva de construção social
para “além do capital” (CALDART, 2007, p. s/n).
Assim, há a esperança de que os sujeitos do Campo, das comunidades
tradicionais, possam buscar por meio da educação escolar formas de superar os
problemas enfrentados a partir dos efeitos do capital, que subalterniza, subproletariza e
fragmenta. Essa superação não ocorreria por meio da saída das comunidades em busca
pela empregabilidades, mas sim lutaria contra a invasão da lógica mercadológica no
espaço tradicional. Buscariam, ainda, esses sujeitos, alternativas dentro da própria
comunidade de melhorias no que concerne ao seu trabalho.
Esse movimento aponta que a educação capitalista, sua formação fragmentada
de cunho tecnicista e unilateral, deve sofrer o contraponto a partir da construção da
classe trabalhadora por seu projeto educativo na perspectiva emancipatória, partindo de
uma formação omnilateral (Trindade e Vendramini, 2011).
Sobre esse tipo de formação desejado para as camadas trabalhadoras, nesse
âmbito descolando a discussão para as camadas trabalhadoras do campo, entende-se que
a omnilateralidade é [...] a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades
produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo
e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens
espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído
em consequência da divisão do trabalho (MANACORDA, 2007, p. 89).
Com efeito, torna-se inviável tratar da Educação do Campo sem considerar a
analogia do trabalho humano e suas relações sociais; haja vista que os homens e
mulheres intervêm no seu meio social por intermédio do trabalho, “modificando a
própria existência e sua essência; com isso altera sua consciência e, consequentemente,
seu pensamento nos diversos aspectos” (BORGES, 2012, p. 78). Nesse rumo,
preconiza-se uma educação mais completa, a qual não se restrinja a sanar as exigências
da produção e acumulação. É preciso ultrapassar os sentidos mercadológicos da
educação, não obstante se reconhece a responsabilidade do poder público ao tratar da
educação presente no campo.
Desse modo, Arroyo aponta que a “realidade da Educação do Campo e de seus
condicionantes históricos é desconhecida. Assumi-la na agenda pública exigirá como
5
uma primeira tarefa estimular seu conhecimento” (ARROYO, 2004, p.54). Considera-se
ainda muito pertinente essa colocação, pois ainda existem visões estereotipadas sobre as
pessoas do campo e seu contexto. Por trás de representações preconceituosas como o
campo sendo o lugar do “atraso”, “caipira”, “estagnado”, entre outros, há o ingênuo
pensamento de que o campo mantém-se isolado do mundo urbano e de qualquer
influência “externa” – como se existisse um “dentro” e um “fora”. É necessário romper
com essas visões, e, conhecer esses espaços é um caminho para tal desconstrução.
Além disso, o autor aponta a necessidade de: Um trato menos "privado" do público. Ver a Educação do Campo como um
fardo a corrigir, como herança do atraso condicionou por décadas o próprio
descuido. A postura mais responsável seria ver essa realidade como produto
de políticas pouco públicas ou de um trato "privado". É sabido que por
décadas a presença de diversos agentes públicos construindo escolas
precárias, contratando professores temporários, disponibilizando escasso
material didático e pagando míseros salários tem sido não apenas uma
presença tímida e descontínua, mas, sobretudo, uma presença nem sempre
pautada pelo dever público de garantir direitos aos povos do campo. Tem
sido uma presença tímida e descontínua movida tantas vezes a barganhas
políticas e a reprodução das pouco públicas redes de poder local e de
articulações entre o poder central e os poderes locais (ARROYO, 2004,
p.55).
Na medida em que o autor denuncia o tratamento dado à educação do camponês,
aponta-se que é “oportuno lembrar que os avanços na universalização desse direito se
deram sem dúvida por pressões políticas por um trato mais público do público”
(ARROYO, 2004, p.55). Ao reivindicar a superação do uso privado do público, faz-se
pertinente dialogar a ideia de Richardson (1999) o qual aponta que o Estado deixa de
controlar a economia e passa a manter o controle sobre os sujeitos; ao ajustar a
economia às necessidades do homem, ajusta os indivíduos às urgências do mercado e
livra-se de suas responsabilidades públicas.
Além disso, é preciso considerar a necessidade de um equacionamento menos
“mercantil” (ARROYO, 2004) já que cada vez mais os sentidos da modernização no
campo geram o deslocamento de sua população para fora do mesmo. Ou seja, os
interesses da educação não devem estar atrelados ao mercado, mas sim a favor da vida
com qualidade no campo.
No entanto, durante o último Seminário Internacional e Fórum de Educação do
Campo, na região de Jaguarão/RS, Caldart (2013) e Ribeiro (2013), afirmam que as
últimas propostas lançadas pelo Estado não contemplam as especificidades do campo e,
portanto, conflituam com a proposta da Educação do Campo. Nesse horizonte, os
referidos autores apontam que tais projetos propostos pelo Estado, ao contemplarem
especialmente as questões e preocupações de esfera urbana, de cunho industrial, os
quais reafirmam a lógica capitalista, não abarcam a originalidade dos movimentos do
campo e, consequentemente, dos sujeitos que o constituem. Essas referências da
Educação do Campo e militantes na busca pela visibilidade dos movimentos
camponeses, enfatizaram o risco de se dissimular a Educação do Campo forjando um
discurso que, em seus fundamentos, defende uma escola ruralista – na qual os princípios
do capitalismo industrial adentram o espaço da educação.
Nesse rumo, no mesmo evento, Ribeiro (2013) alerta para o que vem
acontecendo no Campo e destaca os entraves que a EC, em sua originalidade, vem
encontrando: 1) A nucleação de escolas ou definição de uma escola-polo para onde se
dirigem as crianças; 2) Nos últimos 10 anos, o número de escolas do campo que era de
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107. 432 passou a ser de 83.036; 3) O Pronera, vinculado ao INCRA, e, desde 2002
integrado ao MDA, garante recursos dos cursos de licenciatura, mas sofre intensa
pressão dos latifundiários.; e, 4)Apesar de reconhecer a Educação do Campo, o MEC,
através da SECADI, aplica o Programa Escola Ativa com recursos do Banco Mundial
desde 1997. Esse último ponto escancara a contradição presente nas políticas públicas
nessa esfera.
Com efeito, ao enfatizar a problemática que aponta para o desafio ainda muito
presente no discurso velado que apresenta em seus desdobramentos um cunho ruralista,
percebe-se essa prática como contributo para a lógica do capital e do poderio opressor
dos senhores da terra. Cabe lembrar que Mészáros (2006) considera a educação na
sociedade capitalista enquanto funcionalidade de produzir as qualificações necessárias
para manter a economia, além de ser responsável pela formação dos quadros e
elaboração dos métodos de controle político. Com efeito, ressalta-se o quanto essa
postura advém de um período no qual apresentava enraizados os aspectos trazidos de
uma modernidade que consolidava a burguesia enquanto uma classe sustentada pela
força das camadas subalternizadas.
Posto que, os elementos os quais buscavam afirmar as acepções do lucro, no
Brasil, assumiam uma roupagem agroindustrial, fato que marcou o período da
República Velha como um momento em que os sujeitos do campo representavam a
força de trabalho assalariada e expropriada, ao mesmo tempo em que sofriam os abusos
e desmandos dos latifundiários os quais submetiam esses povos aos aspectos
escravagistas e coloniais. Daí as origens de pensar uma educação no espaço rural que
não contempla os sujeitos que a constituem, mas sim a algum grupo elitizado.
Nesse sentido, ao buscar contrapor esse panorama, considera-se que os
chamados "povos tradicionais" ao assumirem uma postura que compreenda a proposta
da Educação do Campo, em sua originalidade, poderiam buscar romper com essas
contradições que adentram a luta pela Educação do Campo emergentes das imposições
do Estado.
Sobre as formas de reinventar outras possibilidades nas estruturas que
constituem as comunidades do campo, destaca-se uma possibilidade sugerida pela
Educação do Campo ao propor uma Pedagogia da Alternância1:
[...] Pedagogia da Alternância é uma expressão polissêmica que guarda
elementos comuns, mas que se concretiza de diferentes formas: conforme os
sujeitos que as assumem, as regiões onde acontecem as experiências, as
condições que permitem ou limitam e até impedem a sua realização e as
concepções teóricas que alicerçam suas práticas. Com esse cuidado e de
modo amplo, pode-se dizer que a Pedagogia da Alternância tem o trabalho
produtivo como princípio de uma formação humanista que articula
dialeticamente ensino formal e trabalho produtivo (RIBEIRO, 2008, p.30).
Nesse horizonte, essa postura pedagógica reconhece o trabalho como elemento
que dá sentido a constituição do homem e da mulher do campo. Deve existir o respeito e
a compreensão de que os sujeitos os quais buscam a escolarização reconhecem sua
produção enquanto categoria decisiva nas relações estabelecidas em seu cotidiano.
1 Segundo Gimonet (1999), a Pedagogia da Alternância tem suas raízes no Sudoeste da França, a partir de
1935, quando grupos de agricultores insatisfeitos com a estrutura educacional reivindicaram mudanças
em seu contexto. No entanto, é possível aproximar a ideia de sistema de alternância com a experiência
observada por Marx (2008) com respeito ao trabalho infantil, a qual demonstra que no sistema fabril
semeou-se uma “educação do futuro”, a qual consistia na relação entre o trabalho dos meninos, o ensino e
a ginástica, “constituindo-se em método de elevar a produção social e em único meio de produzir seres
humanos plenamente desenvolvidos (MARX, 2008, p. 549).
7
Além disso, nesse viés, ocorre a articulação entre prática e teoria, instigando a práxis
nos espaços e tempos que alternam entre escola, propriedade e comunidade (RIBEIRO,
2008).
Outro ponto de destaque é a concordância com o pensamento de que a Educação
do Campo a partir dessa pedagogia aponta novas formas de se pensar o mundo em que
se vive, pois: As experiências de Pedagogia da Alternância, imbricadas nesses movimentos
sociais populares, parecem sinalizar para um novo projeto de sociedade e de
educação. Como um broto minúsculo e com muito esforço, este novo luta
para romper por dentro da velha árvore que se constitui na sociedade e
educação burguesas (RIBEIRO, 2008, p. 30).
Por outro lado, Ribeiro (2008) ressalta que essa pedagogia que alterna o tempo
do trabalho e o da formação, pode representar uma estratégia do Estado capitalista no
que tange a escolarização dos jovens agricultores. Isso porque A diminuição do tempo de estudo e a ausência de professores licenciados
pode significar, ainda, o aligeiramento e a consequente desqualificação da
formação oferecida aos filhos dos trabalhadores rurais/do campo (RIBEIRO,
2008, p. 31).
Desse modo, é possível verificar que o Estado deveria investir na formação de
professores para essa pedagogia, a qual vem sendo assumida por educadores dispostos a
contribuir de alguma forma com a educação institucionalizada do campo. Não obstante,
tal prática deve ultrapassar a relação de causa (falta de professores e compreensão da
necessidade de uma formação para o camponês) e efeito (contribuir para formação de
quem por muito tempo teve a educação negligenciada). E como buscar ir além dessa
relação? Uma possibilidade é a comunidade reivindicar o espaço da Educação do
Campo como responsabilidade do Estado junto à comunidade local, sem sobreposições
hierárquicas, mas de forma conjunta, coerente e buscando o fomento pela qualificação
dos educadores que atuam na formação escolar dos povos do campo.
Com relação a essa possibilidade e, sobretudo, necessidade de pressão capaz de
ser exercida por meio dos coletivos populares, é possível afirmar que são “os
movimentos sociais, os atores que, com maior radicalidade, pressionam por políticas
públicas. São esses movimentos os grandes educadores coletivos de nossa consciência
política de direitos (ARROYO, 2004, p. 60). Portanto, torna-se urgente problematizar a
ideia de que o povo não tem poder e está longe de assumir o comando sobre as questões
políticas. Muito embora a História tenha mostrado o quanto as relações de poder foram
controladas por pequenos grupos, por outro lado, se reconhece uma nova História, que
escuta a voz dos que foram socialmente subalternizados. Considera-se a escola uma
forma de instigar a mudança de pensamento e postura frente as reivindicações
comunitárias. De acordo:
As vezes estamos tão centrados na escola, temos um escolacentrismo tão
grande que pensamos que, se os excluídos não passam pela escola
continuarão na barbárie. Fora da escola não há salvação. Também nos
falaram que fora da Igreja não há salvação. Fora da escola há construção de
sujeitos sociais, culturais, humanos. E se a escola não estiver inserida nesses
movimentos, onde o sujeito se constrói, ela não os constrói. (ARROYO in
GENTILI; FRIGOTTO, 2011, p. 273).
Enfim, considera-se que para a viabilidade das escolas assumirem a perspectiva
da Educação do Campo é preciso que o processo de escolarização reconheça
impreterivelmente as contradições presentes no contexto, os desafios e as banalizações e
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fatalismos impostos pela lógica do mercado, buscando construir junto aos sujeitos do
Campo alternativas capazes de contribuir a luta pelo trabalho e pela vida nesses espaços.
3. Por que uma Educação Ambiental do Campo?
Como exposto acima, a educação no espaço do Campo tende a ser um
instrumento de dominação e adestramento por parte de grupos elitizados para reproduzir
as desigualdades que emergem do latifúndio, uma prática que tem suas raízes ainda na
lógica moderna que dicotomiza a ciência dos saberes vividos, assim como separa
Homem e Natureza.
Nesse horizonte, compreende-se a proximidade com o desafio de conceber a
postura ambiental a qual apresenta sua fragilidade de compreensão ao pensá-la na
modernidade. Grün (1996) coloca que a questão ambiental, assume uma dimensão
pertinente na formação dos sujeitos, especialmente se reconhecida enquanto um espaço
silenciado da educação moderna. Como Tozoni-Reis (2007) bem lembra, a educação
desse período moderno consolidou uma sociedade pautada nas acepções do capitalismo
de forma a favorecer este projeto político, econômico e social.
Neste viés, de forma a buscar romper com a visão superficial, que não
problematiza o ambiente e as decorrências de seu inócuo entendimento, a [...]educação ambiental em construção em um movimento contra-hegemônico
é a crítica ao paradigma cientificista-mecanicista que informa a sociedade
moderna urbano-industrial; crítica ao seu modelo de desenvolvimento, ao seu
modo de produção, com suas múltiplas determinações da realidade social,
que se concretiza na proposta de uma modernização que é conservadora –
porque muda (moderniza) para manter a situação atual (status quo) – e que
promove, ainda, de acordo com sua racionalidade, o direcionamento para
uma compreensão única de mundo (GUIMARÃES, p. 46, 2013).
Logo, defende-se que a Educação Ambiental nesse sentido mais crítico, aposta
em outras maneiras de educar pois contempla a conduta histórica; haja vista que busca
fazer com que as visões ecológicas de mundo sejam postas em debate, entendidas,
interrogadas e incorporadas na sociedade, bem como nas manifestações dos signos e
materiais, “em um processo integral e integrador e sem imposição de uma única
concepção hegemonicamente vista como verdadeira” (LOUREIRO, p. 30, 2009). Desse
modo, acredita-se na Educação Ambiental, em sua vertente Crítica, enquanto
pressuposto teórico eficaz na busca pela construção de fundamentos capazes de
contribuir com a Educação do Campo.
Considera-se que a proposta ganha viabilidade ao reconhecer que a Educação
Ambiental, vai além de um instrumento de mudança cultural ou comportamental, mas
representa um instrumento de transformação social (LOUREIRO, 2009). Assim, uma
concepção que abarque as propostas de Educação do Estado, e para além dele, e sua
chegada ao espaço do camponês, sob o olhar que considera a Educação Ambiental
contestadora e anunciadora de novas possibilidades, torna-se viável a transformação de
determinada situação conflitante com os princípios da Educação do Campo.
Contudo, antes dessa transformação necessária, propomo-nos aqui, a buscar
subsídios para compreender os fundamentos de uma Educação Ambiental do Campo.
Acreditamos trilhar esse caminho com amparo da noção de Ecologia Política e
Territorialidade. 4. A Educação Ambiental do Campo em diálogo com Ecologia Política e a
Territorialidade
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A Ecologia Política vem sendo debatida por autores como Leff (2003), Liepetz
(2002), Acselrad (2006) e Little (2002; 2006). O primeiro ponto pertinente a ser
destacado é que esse campo só pode ser discutido a partir de suas dimensões teórica e
prática (LEFF, 2003). O que, já aponta a viabilidade de diálogo com a Educação
Ambiental no espaço do Campo, posto que a mesma, necessariamente, emerge da
relação entre a vida dos sujeitos que constituem o Campo e os saberes sistematizados.
Nesse ínterim, destacamos a validade ao analisar, de forma crítica, o processo de
abandono ao debate acerca dos conflitos intrínseco nas apropriações tanto da Educação
Ambiental quanto da Educação do Campo; quando essas duas concepções,
contraditoriamente, parecem ser deslocadas para atender valores que não os dos sujeitos
do Campo, mas sim, contemplando as demandas do mercado ou de um Estado que se
articula aos interesses privados, a partir da ecologia política:
Levando em consideração os desequilíbrios provocados pela atividade
humana, a ecologia política passa a se interrogar acerca da modernidade e a
desenvolver uma análise crítica do funcionamento das sociedades industriais.
Essa análise questiona um certo número de valores e de conceitos-chave
sobre os quais se apoia nossa cultura ocidental. (LIPIETZ, 2002, p. .18)
Com efeito, a ecologia política abre um espaço que busca questionar uma série
de concepções que foram forjadas no bojo de uma lógica na qual distancia o homem da
natureza, colocando essa em uma posição de domínio para atender as necessidades
criadas pelo sistema capitalista e/ ou lógica moderna ocidental. Uma lógica que é
destrutiva, ao buscar resolver os problemas que ela mesma instiga não modifica, de fato,
a crise ambiental. É nesse horizonte que a Ecologia Política vem demonstrando que as
práticas tecnocráticas não contemplaram as soluções necessárias aos desequilíbrios
ambientais, tampouco resolveram os conflitos no bojo conceitual racionalista
(ACSELRAD, 2006).
Dessa maneira, destacamos a problematização que faz Lillte (2006) no âmbito
da antropologia, ao pensar a etnografia como aporte para a Ecologia Política. Não temos
o objetivo de aprofundar uma ação etnográfica para pensar a Educação Ambiental do
Campo nesse ensaio, mas sim, destacar alguns aportes válidos para pensar possíveis
fundamentos epistêmicos.
Cumpre registrar que o autor salienta que o campo emerge de uma
transdisciplinaridade a qual pode evidenciar as diferenças dos campos de saber; haja
vista que cada área passa a tornar mais evidente suas especificidades a fim de elucidar
as mais diversas características no que tange as relações ecológicas de determinado
fenômeno.
Ao ressaltar a ecologia como disciplina científica, o autor aponta suas origens,
destacando a "ecologia natural"do século XX própria da biologia; a "ecologia humana",
que se apropria dos métodos da ecologia natural para aplicá-los as sociedades humanas;
a "ecologia cultural" que origina a "etnoecologia", "ecologia processual" e "ecologia
espiritual". Essa retomada demonstra o quanto a abordagem ecológica torna-se
complexa emergindo de um contexto cada vez mais globalizado e com uma crescente
percepção da crise ambiental. Sem hierarquizar essas abordagens ecológicas, realizando
qualquer linha evolutiva em ordem de importância, a partir dessa conjuntura, Little
aponta que a Ecologia Política configura-se enquanto um campo de pesquisa coerente as
demandas do mundo contemporâneo, posto que abre espaço para as relações entre a
crise ambiental e as mudanças econômicas.
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A contribuição ressaltada pelo autor, de um olhar ao campo, projetado sob o
escopo antropológico, se dá pelo cuidado dessas relações vinculadas aos determinados
modos culturais de diversas sociedades. Nessa linha de pensamento, a Ecologia Política
tem como elemento central a análise dos conflitos socioambientais. (LITTLE, 2006).
Desse modo, identificamos a potencialidade que tal abordagem assume ao relacionar-se
com a busca por fundamentos aqui desejada: Consideramos que a Educação Ambiental
do Campo, visa superar as contradições existentes tanto no campo da Educação
Ambiental como na Educação do Campo. Essa superação só pode acontecer a partir da
problematização de tais controvérsias, portanto, lidando com as causas dos conflitos
instaurados em ambas as áreas.
Ao enxergar na perspectiva da Ecologia Política a relação entre a esfera natural e
a esfera social, apostamos num indicativo plausível para uma "simetria epistemológica"
necessária ao debate da Educação Ambiental nos espaços do Campo. Há de se ressaltar
que boa parte dos estudos que abordam especificamente o meio rural, apesar de
levantarem as questões culturais dos povos camponeses, não têm dado espaço as
experiências construídas nos grupos sociais. Quando o fazem, parecem não esgotar a
teorização sobre tais experiências, revelando uma dicotomia presente entre teoria e
prática. A partir do estudo que vem sendo realizado, sobre a literatura temática do
espaço dito não-urbano, e da escolarização nele presente, percebemos intensa
fragmentação nas análises, as quais não contemplam o fenômeno de maneira mais
holística.
Little (2006) ainda apresenta três princípios do paradigma ecológico: o foco da
pesquisa é relacional; a análise é contextualista e a compreensão da dinâmica dos fluxos
analisados. Acreditamos que esses princípios são de extrema pertinência para abordar
um espaço que buscamos reivindicar. O fato é que assistimos muitos trabalhos técnicos
relacionados ao Campo e alguns esforços presentes no âmbito da Educação do Campo
(destacando ainda a problemática de equilibrar nas análises sobre a Educação do Campo
a tríade Campo - Política Pública - Educação). No entanto, o diálogo entre os saberes
produzidos em torno do espaço rural ainda é prejudicado pela fragmentação sem uma
visão mais ampla e relacional.
A partir desses princípios presentes na abordagem, acreditamos que a Educação
Ambiental do Campo pode configurar-se no esforço de articular a História do Campo e
de seus sujeitos; as relações presentes entre o trabalho e a educação no espaço rural e o
entendimento das experiências realizadas nos mais diversos campos do conhecimento e
áreas do saber desenvolvidos no lócus campesino - contemplando as relações da esfera
natural e da esfera social junto aos conflitos que delas e nelas emergem.
Sabemos que os povos do Campo são historicamente subalternizados e aqui
identificamos outra contribuição da aproximação com uma visão antropológica a partir
da Ecologia Política já que a mesma "pode enxergar conflitos latentes que ainda não se
manifestaram politicamente no espaço público formal porque os grupos sociais
envolvidos [...] estão invisíveis ao olhar do Estado" (LITTLE, 2006, p.92). Muito
embora estejamos acompanhando muitas políticas públicas no espaço do Campo, como
já exposto, nem sempre tais ações estão de acordo com a real solução dos problemas
vividos pelos grupos do Campo2. O que vemos, é que, apesar de haver, a priori, certa
2 Um exemplo são os incentivos e políticas voltadas ao agronegócio, que, na verdade, emergem de uma
demanda do mercado, modificando intensamente a estrutura da agricultura familiar e alterando fortemente
os papeis sociais dos indivíduos camponeses, além de modificar muitas vezes, drasticamente e
negativamente, o território e paisagem dos espaços rurais.
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visibilidade dos sujeitos do Campo, o que está em jogo nem sempre são os interesses do
trabalhador do campo, tampouco dos sujeitos que vivem em outra lógica mais distante
do mercado.
Nesse sentido, essa abordagem, lida, obrigatoriamente, com o campo dos
conflitos ambientais. A respeito dos conflitos presentes nessa conjuntura, cabe destacar
o que vem afirmando Lopes (2006) ao reconhecer um processo de ambientalização dos
conflitos sociais. Seria um fenômeno emergente da modernização crescente e que teve
início nos países que já tinham uma base industrial, nos quais a ciência e tecnologia ao
contemplarem as exigências de um "desenvolvimento" constituem uma sociedade de
risco, como denomina Beck (1992).
Lopes, ao sublinhar que a ambientalização é um processo histórico, pontua cinco
fatores presentes nas transformações presentes nessa dinâmica: 1) O crescimento da
esfera institucional do meio ambiente a partir da década de 70; 2) A localidade dos
conflitos e a interiorização de novas ações; 3) a Educação Ambiental como código de
conduta; 4) a problemática da "participação", e, 5) A questão ambiental como
legitimação dos conflitos.
Nesse espaço, vamos nos deter a analisar com um cuidado maior o terceiro fator
identificado pelo autor no que tange ao processo de ambientalização dos conflitos: a
Educação Ambiental como código de conduta individual e coletiva. É possível
afirmarmos que se a Educação Ambiental "parece comportar esses aspectos de manual
de auto-ajuda pública através da conduta individual", ela não foi compreendida no
processo de ambientalização enquanto uma concepção, como uma busca do realizável e
uma investigação do que vêm acontecendo nas brechas que apontam resistências aos
processos destrutivos e de fragmentação do Homem e Natureza. De fato, esse processo
nasce de um contexto moderno e dicotômico.
Sugerimos que esse problema esteja vinculado, e, portanto é agravado, ao
processo de institucionalização do meio ambiente (primeiro elemento de destaque do
autor). Talvez, um dos grandes desafios de uma Educação Ambiental do Campo, seja
exatamente o de ultrapassar o teor normativo presente tanto no campo da Educação
Ambiental, quanto na Educação do Campo, buscando problematizar os conflitos que
emergem da disputa de interesses e controvérsias entre diferentes segmentos que
participam ou interferem no espaço campesino.
A questão é que quando a Educação Ambiental fica restringida aos processos
normativos, cai-se no risco de imposições de determinadas condutas as quais não
contemplam os modos culturais das sociedades camponesas. Na lógica da Educação do
Campo, se ensina tanto quanto se aprende. É preciso aprender com as experiências
realizadas nos espaços rurais e, sobretudo, compreender o que os conflitos nesses
espaços estão denunciando. Nesse sentido, o processo de ambientalização dos conflitos
deve ultrapassar a compreensão da Educação Ambiental enquanto conduta normativa.
Assim, corroboramos a contribuição de uma abordagem ecológica política para
(re)pensar a Educação Ambiental no espaço do Campo.
Outro elemento de contribuição para a busca dos fundamentos da Educação
Ambiental do Campo é a compreensão da territorialidade e as implicâncias expressas
das disputas pelos espaços sociais. No artigo "Territórios Sociais e Povos Tradicionais
no Brasil: Por uma antropologia da territorialidade", Little (2002), aponta que a
diversidade sociocultural do país é acompanhada pela ampla diversidade fundiária e que
uma imensidão de grupos sociais constituem esses espaços (indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, pescadores artesanais, caboclos, caiçaras, entre outros). Esses grupos têm
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sido chamados de "comunidades", "povos", "sociedades", compreendemos que sejam
nomenclaturas necessárias em algumas instâncias de reivindicação política e na busca
pela justiça ambiental, por exemplo. Por outro lado, reconhecemos o destaque que o
autor realiza ao salientar que do ponto de vista etnográfico, esses povos são tão
diferentes entre si, que seria um tanto quanto problemático agrupá-los no mesmo
conjunto. O que nos faz pensar que a Educação Ambiental do Campo, precisa
reconhecer essas especificidades.
Nesse sentido, Lillte ao subsidiar-se em Bromley (1989) aponta uma nova
temática agregadora ao debate dos processos educativos no espaço do Campo,
reconhecendo um fenômeno impreterível para pensar os alicerces de uma educação de
visão mais holística e complexa no escopo do espaço não-urbano. Salienta a "outra
reforma agrária", um fenômeno que acontece a partir da reivindicação desses povos
chamados por Little de não-camponeses3, mas que vivem em um espaço não
urbanizado, com suas especificidades culturais e locais. Com isso, a questão fundiária no Brasil vai além de redistribuição de terras e se torna
uma problemática centrada nos processos de ocupação e afirmação territorial,
os quais remetem, dentro do marco legal do Estado, às políticas de
ordenamento e reconhecimento territorial (LITTLE, 2002, p. 2).
Por meio desse raciocínio, que abarca as relações dos diversos povos com o
território enquanto artífice das disputas no âmbito da reforma fundiária, o autor toma o
campo da Teoria Antropológica da Territorialidade para realizar um novo enfoque dado
as semelhanças e continuidades dos diferentes grupos. Define o conceito de
territorialidade como "o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar
e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente bifísico, convertendo-a
assim em seu 'território' ou homeland". (LITTLE, 2002 p. 3).
Assim como a contextualização é necessária para a abordagem da Ecologia
Política, para uma séria análise do território de qualquer grupo que seja, é preciso lançar
mão de uma abordagem histórica. O autor, também defende a cosmografia a partir de
uma abordagem etnográfica. Essa cosmografia, registra os saberes ambientais, ideias e
identidades construídas coletivamente por meio do processo histórico e as relações
sociais com o território natural.
Nesse prisma, no esforço de demarcar uma Educação Ambiental do Campo,
quando pensamos as práticas educativas no lócus em evidência, o espaço ultrapassa os
limites de um território de agricultura e/ou pecuária. Qualquer política e processos
pedagógicos no que se referem à escolarização dos diversos povos que constituem a
complexificação da ocupação dos territórios não urbanizados, devem ser compreendidos
enquanto fenômenos de análise dentro da concepção de uma Educação Ambiental do
Campo.
Para tanto, abordar a Territorialidade junto a essa concepção torna-se pertinente
na medida em que contribui para o reconhecimento dos conflitos existentes no seio das
disputas territoriais. A retomada histórica realizada por Little (2002) aponta um
processo de hegemonia de controle territorial a partir da constituição do Estado-Nação,
ocultando outros tipos de territórios. Na abordagem da Territorialidade que acredita, o
3 Caberia uma maior problematização acerca desse termo, o qual não é encontrado na obra de Bromley,
mas sim atribuído por Little em sua análise. Talvez, uma expressão mais fiel a ideia defendida por
Bromley fosse "povos não-agricultores" mas grupos que vivem do trabalho e cosmologia vinculados a
territorialidade do campo. De qualquer modo, ressaltamos que não há a concordância total em utilizar a
expressão não-camponeses, mas que sem os subsídios necessários, optamos por utilizá-la a fim de
explicar o teor da proposta presente na discussão em pauta.
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autor amplia o olhar para as especificidades e continuidades dos diversos territórios e
demonstra que a o Estado teve dificuldades em reconhecer os territórios sociais dos
povos tradicionais devido a problemática relação entre eles e a soberania.
Nesse sentido, reforça a contextualização como embasamento necessário à
compreensão das diversas relações construídas a partir do território e dialoga com a
ideia de Razão Histórica (Quijano, 1998), a qual representa resistência ao controle
hegemônico do Estado. Aqui, encontramos, mais uma aproximação com a necessidade
de ultrapassar o efeito normativo compreendido na Educação Ambiental apontada por
Lopes (2006). Assim: Como os territórios desses grupos se fundamentam no arcabouço da lei
consuetudinária, raras vezes reconhecida e respeitada pelo Estado-nação, as
articulações entre esses grupos são marginais aos princípais centros do poder
político. Mas é igualmente claro no registro etnográfico sobre os povos
tradicionais que eles estabeleçam territórios no sentido definido aqui.
(LITTLE, 2002, p.8).
A partir dessa preocupação que a Territorialidade traz, lembramos que,
diferentemente dos grupos de agricultores familiares articulados ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ainda encontram certo respaldo e
reconhecimento de sua luta pelo Estado, vários outros povos possuem um maior desafio
de articulação em relação a visibilidade Estatal. Uma Educação Ambiental do Campo,
precisa reconhecer esse desafio e buscar nas memórias desses povos as potencialidades
educativas a elas imbricadas. A respeito: A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou
títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que
incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com a sua
área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território. (LITTLE,
2002, p.11).
Com efeito, uma Educação Ambiental do Campo, abre espaço para dialogar
juntos aos diversos povos tradicionais, sem, contudo, agrupá-los de maneira aligeirada e
generalizante. Acreditamos que o exercício de reivindicação pelos interesses ambientais
e sociais desses povos, encontram espaço no campo educativo que pretende ser
transformador. Não raro, essa transformação não é efetivada devido a falta de
compreensão de tais interesses e problematização dos conflitos presentes nas disputas
territoriais, por exemplo.
5. Algumas considerações
Após esse exercício, ainda que inicial, de aproximar dois elementos agregadores
para reivindicar uma Educação Ambiental do Campo, é possível anunciar algumas
contribuições na busca pelos fundamentos dessa concepção:
1) A Ecologia Política é uma abordagem a qual instiga uma visão mais holísitica
aos povos que constituem os espaços rurais, campesinos, não-urbanizados, territórios
povoados por grupos tradicionais. Traz essa contribuição para a área da Educação
Ambiental a ser pensada nesses espaços por agregar diversos saberes e campos do
conhecimento. Da mesma forma que congrega essa diversidade para a reivindicação de
um campo, não nega as especificidades que cada um assume. No mesmo sentido
podemos abordar uma Educação Ambiental do Campo: Podemos ter como fundamento
o diálogo transdisciplinar de maneira a atender não só sujeitos articulados em
movimentos sociais, como vimos no horizonte da Educação do Campo, mas para além
deles. Esse diálogo propicia o alcance à povos e territórios nos quais o Estado não tem
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chegado, tampouco a Educação do Campo concebida nos termos oficiais aplicados por
meio de Programas pelo Estado.
2) Assim como o pensamento ecológico indica, a Territorialidade assume a
contextualização dos diversos povos e as relações sociais e naturais em correspondência
ao território constituído. Uma Educação Ambiental do Campo, precisa permitir que as
relações aprofundem e até mesmo ultrapassem as questões vinculadas a ideia de
Trabalho do Campo, compreendendo que a ideia de "trabalho" cunhada nas discussões
a partir da modernidade (mesmo aquelas que apontam que o trabalho se dá na efetivação
de uma perspectiva omnilateral - negando o conceito se vinculado ao mercado de
trabalho e não mundo do trabalho), talvez não esteja contemplando a todos os povos
que vivem da terra se não lermos seu mundo compreendendo também as linguagens
presentes na relação desses homens e mulheres com a natureza. Esses sujeitos poderiam
encontrar próximo a alguns princípios da Educação do Campo, formas de superar os
conflitos existentes e disputas territoriais. A viabilidade desse processo ocorre a partir
do enfoque na historicidade dos diferentes grupos que já têm em suas memórias os
processos educativos necessários à formação dos sujeitos. Compreender tais
cosmografias, também implica em rever os conceitos que utilizamos na luta pela
afirmação de um campo.
Por fim, ressaltamos que a busca pela afirmação dos fundamentos de uma
Educação Ambiental do Campo, não está isenta de contradições, pois afinal, ela nasce
exatamente das propostas de Educação Ambiental e de Educação do Campo. Porém,
emerge da identificação de tais controvérsias. Portanto, é uma concepção que retoma a
necessidade de (re)ordenamento epistemológico no horizonte de uma racionalidade
mais aberta e contemplativa aos sujeitos que muitas vezes não são vistos em lugar
algum. Arrancar as vendas de quem não enxerga e projetar outros prismas é o desafio
que segue na busca pela compreensão desse campo defendido.
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