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.' ~, CAPÍTULO 1 A ECONOMIA DE MERCADO (VISÃO SIMPLIFICADADE SEUS PRINCIPAIS ELEMENTOS) 1A complexidade do sistema Dada a complexidade que atingiu hoje as relações econômi- cas do sistema capitalista - a chamada economia de mercado -, iremos paulatinamente, neste e nos demais capítulos, definindo e apresentando o inter-relacionamento de suas peças fundamen- tais e, sempre que possível, Utilizando imagens tiradas da obser- vação e da vivência prática de atos e fatos econômicos dos quais participamos ativa ou passivamente. -É tão grande a heterogeneidade de suas atividades (pro- dução, compra, venda, transporte, armazenagem etc.), de seus compartimentos produtivos (agricultura, indústria, educação, comércio etc.) bem como de suas instituições (unidades produto- ras, famílias, governo, mercados etc.) que os homens precisam classificar essas relações, compartimentos e instituições, organi. zando-os e dando-lhes um sentido e uma funcionalidade dita (e pretensamente) racional. Tomemos um exemplo prático: a satisfação de uma necessi- dade fundamenta! do homem, que é o uso de uma vestimenta. Em sociedades pretéritas, o próprio homem (ou um membro de

Economia de Mercado

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CAPÍTULO 1

A ECONOMIA DE MERCADO

(VISÃO SIMPLIFICADADE SEUS PRINCIPAISELEMENTOS)

1 A complexidade do sistema

Dada a complexidade que atingiu hoje as relações econômi-cas do sistema capitalista - a chamada economia de mercado -,iremos paulatinamente, neste e nos demais capítulos, definindoe apresentando o inter-relacionamento de suas peças fundamen-tais e, sempre que possível, Utilizando imagens tiradas da obser-vação e da vivência prática de atos e fatos econômicos dos quaisparticipamos ativa ou passivamente.

-É tão grande a heterogeneidade de suas atividades (pro-dução, compra, venda, transporte, armazenagem etc.), de seuscompartimentos produtivos (agricultura, indústria, educação,comércio etc.) bem como de suas instituições (unidades produto-ras, famílias, governo, mercados etc.) que os homens precisamclassificar essas relações, compartimentos e instituições, organi.zando-os e dando-lhes um sentido e uma funcionalidade dita (epretensamente) racional.

Tomemos um exemplo prático: a satisfação de uma necessi-dade fundamenta! do homem, que é o uso de uma vestimenta.Em sociedades pretéritas, o próprio homem (ou um membro de

CyWILSON CANO

sua família) criava o carneiro, extraía-lhe a lã, fiava essa lã, teciaos fios e confeccionava sua própria roupa. Em outros termos,esse mesmo homem realizava todos os atos fumbmentais à

satisfaçãode sua necessidade:a produção e o consumo.Nesse tipode sociedade, portanto, as atividades econômicas tinham umacoincidência temporal (o "momento" de produção e de consu-mo) e espacial (o local de produção e o de consumo). Era essehomem o responsável direto, mediato e imediato pela satisfaçãode suas necessidades básicas.

Vejamos nos dias atuais que nível de complexidade atingeesse ato de satisfazer a necessidade de vestuário.

Evidentemente, a roupa feita hoje tem características bastan-te distintas daquelas de épocas pretéritas, e uma das príncipais é°a de que os tecidos em geral utilizam, na sua produção, fibrassintéticas misturadas com as fibras naturais. Acompanhemosentão as etapas de transformação dessas matérias-primas, desdesuas fontes produtoras até a loja vendedora de roupas feitas:

Quadro 1,'0,.

Atividades Agentes Produtos

1 produção defibras

2 fiação3 tintura

4 tecelagem5 comercialização6 confecção7 comercialização

ovinocultura

indÚstria quimica

indo de fiaçãoindo de tinturaria

indo de'tecelagemcom. atacadista

indo de vestuário

com. varejista

fibras de lã

fibras sintéticasfios

acabamento de fiostecidos

distribuição aos confeccionistasroupas feitasdistribuição aos consumidores'

Restaria ainda citar outros agentes que intervêm nesse pro-cesso: empresas de transporte, seguradoras, governo, bancos etc.O que se depr~ende de imediato é que, na sociedade, tende adesaparecer a produção para consumo próprio, ocorrendo umadivisão de atividades na produção, ganhando grande importân-

. cia a distribuição dessa produção.Neste. capitulo, faremos duas grandes abstrações, supondo

que:' "

INTRODUÇÃO À ECONOMIA @'. Esse sistema é autárcico, não mantendo nenhuma' forma/de

relação com outros paises; em linguagem econômica, tratar-se-ia de um "sistema fechado",

. Inexiste a entidade "Governo", o que nos leva a ignorar -neste instante - importantes atUações do chamado "Setor'Público", como por exemplo: legislação, tributação, distribui-ções de justiça etc.

" 2 Produçãoj

Na sociedade antiga, as necessidades humanas praticamente

se restringiam a um minimo essencial, sem o qual o ho~emdeixaria de existir. Com o decorrer do progresso e da civilização,

as IIneccssidades humanas" passaram a ter um caráter ilimitado,

Assim, o homem atual deseja alimento, roupa, abrigo, transpor-

te, saúde, educação, lazer etc., e sempre numa crescente div~rsifi-cacão e sofisticacão. '

, Por exempl~, num primeiro plano o home~~ d~seja'umahabitação como abrigo; depois, almeja uma casa de campÓ' eaindãuma casa de praia. Idêntica coisa se passa com resp'birÓ:aoautomóvel: inicialmente um carro para si, depois um par~ amulher, e em seguida outro para os filhos. Não bastasse ist~;'ele

ainda procura substituir periodicamente o carro' velho' por umnovo.

Os professores Anibal Pinto e Carros Fretes I classificam asnecessidades humanas em:'"

A) necessidades individuais:

. corporais i - absolutas (biológicas)ii - relativas (sociais)

. espirituais

. luxo ou consumo suntuário

B) necessidades coletivas

1 Curso de Economia; CEPAL, 1962. (Mimeogr.).

0J WILSON CANO

As corporais dizem respeito àquelas fundamentais como

alimentação, respiração, reprodução, abrigo e vestuário. Dentreelas, no entanto, podemos distinguir aquelas que não têm caráterabsoluto, mas sim relativo, e estão condicionadas ou induzidas

pela chamada existência social do homem. Dito de outra forma,é o meio social (ou o estágio da civilização) que, podemos dizer,cria uma certa obrigatoriedade na diversificação do atendimentoa essas necessidades. É o que se conhece pelo nome de "confor-to". As influências da moda e da publicidade são notórias nessecaso, convertendo coisas e serviços supérfluos em "necessida-des". É o filme na TV, mostrando o novo carro do vizinho...

No que se refere às,espirituais, estas são inerentes ao psiql1is-mo do indivíduo, e genericamente podem ser classificadas emtermos de obtenção de conhecimento e criação artística - ouseja, a educação e a cultura.

O luxo ou consumo suntuário tem caráter mais relativo do queabsoluto. Historicamente,serviu (e continua servindo) paramarcarhitidamente as diferenças de classe e de renda entre oshomens. Exemplifiquemos: para uma família de "classe média",o fato de passar anualmente suas férias na praia poderia serconsiderado como a satisfação de uma necessidade "normal"; noentanto, uma famflia de oper:\rios não qualificados ou de lavra-dores, dado seu baixo nível de rendimentos, consideraria issoum luxo. Contudo, esse'caráter de luxo pode se alterar à medidaque as condições sociais mudem.

Por exemplo, a própria mCdiae o maior acesso a financia-mento alteram o padrão de consumo. O aumento do nível derenda, a longo prazo, também o modifica. Na década de 1960cerca de 95% dos assalariados (na indústria, comércio e agricul-tura) percebiam mensalmente no máximo até três salários míni-mos, o que fazia que inúmeros itens do consumo nacional, paraa maioria do povo brasileiro, constituíssem luxo: automóvel,televisão, rádio, sapatos (cerca de 40% da população andavadescalça), cinema; teatro, educação média e superior, férias,viagens etc.

O conceito de luxo muda historicamente, à medida que odesenvolvimento econômico e social dos povos atinja níveis

INTRODUÇÃO A ECONOMIA .0mais altos. É o caso dos Estados Unidos, por exemplo, onde, aofinal da década de 1950, existia em média um automóvel para3,2 habitantes; no Japão, a média era de um para 500,0, enquan.to no Brasil e no México era, respectivamente, de um para 142,9e 83,3. O luxo pode ainda ser visto do ponto de vista coletivode .

uma sociedade: no passado, a construção de pirâmides, atual.mente, a construção de edifícios ou monumentos suntuosos,sacrificando recursos que poderiam ser canalizados para a cons.trução de casas populares, hospitais e escolas públicas,porexemplo. .

Hoje, graças ao crescimento da renda e do emprego (e,evidentemente, da publicidade) que ocorreu entre as décadas de1960 e a atual, e à expansão do sistema de financiamento a'oconsumo, aqueles níveis sofreram importantes modificações.

Embora a distribuição relativa da renda tenha piorado muitono Brasil, a industrialização não só exigiu elevação dos níveis deconsumo de bens duráveis, mas possibilitou, pelo aumentodo emprego e do salário, aumentos consideráveis no consumo dealguns itens. Ao final da' década de 1980, Brasil e México tinhamem média um automóvel para 11,2 habitantes (EUA e Japãopassam a 1,3 e 2,3).

Ainda que 71{X, da população trabalhadora gastassem emmédia até 5 salários minimos (44,5% só ganhavam até 2 salá-rios!), 79,3% dos domicílios brasileiros possuíam TV, embora só71,1% possuíssem geladeiras c apenas 57,2%, filtro de água.

As necessidades coletivas são aquelas derivadas da vida emcomunidade, e que somente podem ser satisfeitas pelo esforço ecolaboração de toda a coletividade.2 São exemplos: os serviços deeducação, de saúde, as redes, de transporte, os planos de urbani.zação, os serviços de comunicação etc.

Para satisfazer essas necessidades, o homem é obrigado aproduzir uma série de coisas. Essas coisas, quando se apresentamcom características físicas, são denominadas bens. Quando não

2 No capitulo referente ao setor pÚblico, as necessidades coletivas serão mais

bem explicadas, mostrando-se o papel fundamental exercido pelo Estadopara supri-Ias, por meio dos chamados 'in{les'i'ime~tósde infra.estrutura.

c:;v WILSON CANO

têm essa característica, são chamadas serviços. Como exemplodos primeiros: algodão, sapatos, máquinas, estradas, pontes,alimentos, bebidas, fumo etc.j no segundo grupo, poderíamoscitar: serviços de saúde, de educação, de seguros, de transporte,finahceiros, imobiliários, diversões, distribuição de água, de gáse de energia, serviços de saneamento, justiça, defesa nacional etc.

Os bens e serviços podem ser classificados em:

a) livres:quando não implicam nenhum sacrificio ou esforçoà soCiedade para a sua obtenção: o ar, a água,3 a luz e o calorsolar,.o mar etc.

b) econômicos:têm a caracteristica fundamental de requerer,para sua obtenção, um certo esforçohumano, apresentam-se como caráter de relativamente escassos,são objetos de propriedadee deposse,e seu valor se expressa por meio dos preços.4

A escassez relativa dos bens pode ser explicada por váriasrazÔcs:

. a quantidade e a qualificacão (adestram~nto e conhecimentõ)

dos homens é limitada. . ;

. a quantidade dos instr1Jmentos auxiliares de produção (má-quinas, ferramentas etc.) ê limitada;

. os recursos naturais (solo, água, clima etc.) são igualmentelimitados, não só pela prÓpria natureza; mas também, artifi-cialmente, pelo regime de propriedade e de seu uso privado;

. o conhecimento técnico e científico também se constitui num

sério fator limitativo quando, por exemplo, sua disseminação

3 Em regiões onde a água é naturalmente escassa, ela pode vir a ser objeto depreço e controle particular., Por exemplo, no Peru, a agricult.ura se fazespecialmente na região cost~ira, que é desértica. Ali, o_problema da águaassumiu tais proporções em termos de custo e distribuição, que o governodesse pais instituiu o controle e a propriedade pública de todas as fontesde água.

4 Esta Última afirmação não deve fazer entender que certos bens e serviços

que não são (ou não devem ser) objetos de preço.s (educação e saúdepública, por exemplo) não tenham valor, uma vez que para a sua produçãoforam utilizados recursos escassos.

INTRODUÇÃO À ECONOMIA 0é contida, entre outras, pelas seguintes causas: i) tempo detranslado e assimilação; ii) preços e custos de sua obtenção; iii)monopólio de seu uso (patentes e outras formas de direitos).

Como já dissemos, os homens, para satisfazer suas necessi-

dades, são obrigados a produzir bens e serviços. Vimos tambémque o ato de produzir e o de consumir estão, na spci~dade

moderna, distanciados no tempo e no espaço. Observamqsainda a existência de um grande número de produtores e distri.buidores entre o início e o destino da produção. Na sociedade

pretérita, o homem produziu para autoconsumo; quando surgeuma incipiente divisão de tarefas ou um embrionário comércio

ele produzia coisas e permutava por outras de que necessitava, ouseja, ele trocava.

Nas sociedades modernas a característica básica é a separa-çãoespaço-temporal entre o ato de produzir e o de consumir, eisto implica, no capitalismo, dois atos distintos:

. como obter dinheiro (vendendo bens e serviços, alugandocasas, emprestando dinheiro a juros, vendendo a própriaforça de trabalho etc.);

. como gastar e empregar dinheiro (comprando bens e serviçose guardando ou aplicando o que sobrou, num banco).

Ou seja, como a troca em espécie não é mais possivel, oshomens precisam Uobtei" dinheiro e com ele ~;~-pr;r o' quenecessitam: há portanto um ato de venda e de compra. Paraquc efetivamente se realizem esses ato&i-é-nccessário, antes,organizar o ato da produçdo. Alguns homens organizam a produ.ção e são chamados de empresários ou organizadoresda produçdo.Outros a executam.

o Na sociedade pretérita a produção tinha um objetivo direta.mente vinculado à satisfação de uma necessidade, para o consu-mo (alimentos, vestuário etc.), para a guerra ou caça (armas) oupara auxiliar o homem na própria produç:l0 (anzóis para a pesca,arado para a agricultura, ferramentas para a manufatura ctc.).Na sociedade moderna e capitalista, o ato de produzir estádesvinculado do de consumir..Os empresários produzem algo

(~)(; :' ,WII~ON CANO

para, ganhar (lucros), com o que podem consumir e investir

(comprando e aplicando sobras). Os trabalhadores ganham seus

salários, fundamentalmente, para poder comprar o que necessi-tam consumir. : ,

'Na sociedade atual, portanto, o ato de produção pode ser'entendido como sendo a execuçãode atividades q~e tenham comofinalidade a satisfaçãode necessidades,por meioda troca. r

'~o início deste capítulo, frisamos que os homens organizamas atividades econômicas tentando com isso dar-Ihes uma certa

I' ,

funcionalidade; acrescentaríamos agora que eles tentam também

d~r-lhesuma eficie:nciamáximapo'ssível,organizandoe executan.doa'produção.

,:Essa organização da produção, ao manipular ou transformar

rnatéi-ias-primasde toda ordem, utiliza-se de três elementos

bási~~s, chamados, pela teoria convencional, d~: "fatores" daprod~ção, e que são: i) o trabalho, r~presentado i pelo esforçohun13;no na organização e execução do processo da' produção; ii)os r~cursosnaturais; e iii) o capital,'representado pelo conjunto de:

I' I. ' .

instr~mentos que têm por finalidade diminuir o esforço ,e au-me~~r a eficiência do homem no processo produtivo.

,;~fndo a produção a interação dos elementos ~~ima assinala-dos!:;' comandados sempre por alguns homens -, poderíamosdizer,'que a disponibilidade desses elementos num dado sistemaeconômico, associada a um determinado nível de conhecimento

, técniêo-cicntlfico, revela o potencial produtivo do sistema, ou seja,sua 'capacidade teórica de produção. Detenhamo-nos um pouco

na a.nális~ desse, potencial.~~---