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1 V A Economia Industrial estuda o comportamento das empresas / em mercados imperfeitos: situações de "5 monopólio e, principalmente, situações v de concorrência estratégica entre empresas. Neste livro, são tratados ) conceitos-chave como: concentração, . oligopólio, liderança, conluio, barreiras à entrada, fusões e aquisição, ) discriminação dè preços, diferenciação do produto, publicidade, investigação e desenvolvimento. Luís Cabral obteve o seu doutoramento em Economia (Ph.D.) pela Universidade de Stanford, em 1989. Foi investigador visitante do Santa Fe institute, do Institui d'Analisi Econômica, e das Universidades de Boston e Stanford. É actualmente Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. É também Research Fellow do Centre for Economic Policy Research e membro dos conselhos editoriais das revistas Investigaciones Económicas e International Journal of Industrial Organisation.

Economia Industrial - Luis Cabral

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Economia Industrial

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  • 1V A Economia Industrial estudao comportamento das empresas

    / em mercados imperfeitos: situaes de"5 monoplio e, principalmente, situaesv de concorrncia estratgica entre

    empresas. Neste livro, so tratados ) conceitos-chave como: concentrao,. oligoplio, liderana, conluio, barreiras

    entrada, fuses e aquisio,) discriminao d preos, diferenciao

    do produto, publicidade, investigao e desenvolvimento.

    Lus Cabral obteve o seu doutoramento em Economia (Ph.D.) pela Universidade de Stanford, em 1989. Foi investigador visitante do Santa Fe institute, do Institui d'Analisi Econmica, e das Universidades de Boston e Stanford. actualmente Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. tambm Research Fellow do Centre for Economic Policy Research e membro dos conselhos editoriais das revistas Investigaciones Econmicas e International Journal of Industrial Organisation.

  • EconomiaIndustrial

  • LIVRARIA CIENTFICA__NESTG REICHMANN LTDA.ua O. J w i d B irro , 1SB - G* andar 'ata: aSS-1342 / 2SS-7SD1 f 214-3167 : 2SS-7fl1-01030-000 - 81o Paulo SP

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  • EconomiaIndustrial

    Lus CabralFaculdade de Economia

    Universidade Nova de Lisboa

    McGRAW-HILLLISBOA SO PAULO BOGOT BUENOS AIRES GUATEMALA

    MADRID MXICO - NOVA IORQUE PANAM * SAN JAN SANTIAGO

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  • ECONOMA INDUSTRIALCopyright 1994 da Editora McGRAW-HILL de Portugal. L.,s

    Todos os direitos reservados pela Editora McGRAW-HILL de Portugal, L.d*Estrada de Affragide, Loe 107, Bloco A-12720 Alfragide, PORTUGALTelef. (01) 472 85 00 Fax (01)471 89 81

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, guardada peto sistema retrieval ou transmitida por qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja electrnico, mecnico, de fotocpia, de gravao ou outros, sem prvia autorizao, por escrito, da Editora.

    Depsito legal: 65872/94

    ISBN: 972-9241-57-0

    1 EI P0104 IMO! T0 IE2P04041M52T5 1E3P0I071M03T5

    Impresso: Tipografia Lousanense. Ld< - Lous

    Impresso em Portugal Printed in Portugal

  • ndice

    Prefcio v

    1 Introduo 11.1 Dois exemplos...................................................................... ... . . . 21.2 TVs questes c e n tr a is ................................................................... 61.3 Duas posies rad ica is ................................................................... 121.4 Um p arad ig m a................................................................................ 131.5 Plano do liv ro .................................................................................. 15

    2 Estrutura de mercado 172.1 Introduo......................................................................................... 172.2 Definio de mercado...................................................................... 172.3 Medidas de concentrao................................................................ 222.4 Medidas de vo latilidade................................................................ 252.5 Exerccios......................................................................................... 26

    3 Modelos de oligoplio 293.1 Introduo. . . . ' ........................ 29

    3.1.1 O modelo da empresa dominante........................... ... - . . 303.1.2 O modelo da concorrncia monopolstica......................... 313.1.3 Teoria dos Jogos: breve introduo............................ 33

    3.2 O modelo de C o u rn o t ................................................................... 353.2.1 Derivao geomtrica ....................................................... 363.2.2 Derivao algbrica............................................................. 403.2.3 Propriedades do equilbrio................................................. 423.2.4 Oligoplio assim trico ....................................................... 433.2.5 Relao entre estrutura e resultados . . . . ' ................... 45

    3.3 O modelo de B ertra n d ................................................................... 473.4 O dilema Cournot-Bertrand................................. 493.5 O modelo de Stackelberg................................................... 523.6 Modelos dinmicos: um exemplo*................................................. 553.7 Exerccios........................................................................................ 59

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  • vi ndice

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    4 Poder de mercado 654.1 Introduo......................................................................................... 654.2 Anlise d inm ica............................................................................. 674.3 Estrutura de mercado e conluio.................................................... 694.4 Factores institucionais e conluio.................................................... 724.5 Estimao do poder de mercado.................................................... 764.6 Exerccios......................................................................................... 81

    5 Barreiras entrada 875.1 Introduo......................................................................................... 875.2 Tecnologia......................................................................................... 90

    5.2.1 Definio de economias de e sc a la ..................................... 905.2.2 Economias de escala e estrutura de mercado.................. 935.2.3 Economias de escala e ren tab ilidade............................... 965.2.4 Custos fixos e custos irreversveis.................................... 98

    5.3 Comportamento estratgico............................................................. 1015.3.1 Preo lim ite........................................... ^ .......................... 1015.3.2 Proliferao de produtos....................................................... 1055.3.3 Entrada em pequena e s c a la ................................................. 107

    5.4 Entrada e bem-estar*......................................................................... 1095.5 Evidncia em prica.............................................................................1125.6 Entrada e sada em mercados concorrenciais..................................1145.7 Exerccios............................................................................................119

    6 Fuses e aquisies 1296.1 Introduo............................................................................................1296.2 Fuses horizontais*.............................................................................1316.3 Integrao v e r tic a l .............................................................................1336.4 A hiptese de maximizao do lu c r o ..............................................1416.5 Exerccios.................. . .................................................................. 147

    7 Discriminao de preos 1517.1 Introduo............................................................................................1517.2 Taxinomia da discriminao de p re o s ........................................... 1517.3 Exemplos*............................................................................................155

    7.3.1 Tarifas de duas p a r te s .......................................................1557.3.2 Discriminao temporal com bens d u r v e is ...................... 1587.3.3 Saldos ...................................................................................... 164

    7.4 Exerccios............................................................................................166

  • 8 Diferenciao do produto 1718.1 Introduo.......................................... 1718.2 Informao im perfe ita ............................................................ 1738.3 Custos de m udana............................................................................ 1768.4 Diferenciao do p r o d u to ................................................................ 178

    8.4.1 Diferenciao horizontal diferenciao vertical............... 1788.4.2 O modelo de Hotelling.......................................................... 179

    8.5 Publicidade.........................................................................................1828.5.1 Nvel ptimo de publicidade................................................. 1828.5.2 Estrutura de mercado e publicidade .................................. 1858.5.3 Publicidade e bem -estar....................................................... 187

    8.6 Exerccios................................................................... 187

    9 Investigao e Desenvolvimento 1959.1 Introduo............................................................................................1959.2 Estrutura de mercado e incentivos para I& D ..................................1959.3 Dinmica concorrencial*................................................ 1989.4 Incentivos privados e bem-estar s o c ia l ...........................................2029.5 Exerccios............................................................................................205

    10 Poltica industrial, poltica de concorrncia e regulao 20710.1 Introduo............................................................................................20710.2 Poltica industrial............................................................................... 208

    10.2.1 Poltica comercial: O Estado como agente estratgico . 20810.2.2 Sectores estratgicos ou prioritrios.....................................212

    10.3 Poltica de concorrncia...................................................................21710.3.1 Acordos h o rizon ta is ............................................................. 21810.3.2 Relaes verticais................................................................... 21910.3.3 Abuso de posio d o m in an te ..............................................22010.3.4 Poltica de fuses................................................................... 221

    10.4 Regulao de mercados...................................................................... 22310.4.1 Regulao de p re o s ............................................................. 22310.4.2 Regulao da e n t r a d a .......................................................... 22410.4.3 Informao im perfe ita.......................................................... 225

    10.5 Regulao de empresas................................................................. 22610.6 E p lo g o .............................................................................................. 230

    ndice remissivo 232

    ndice vii

  • Prefcio

    e s t e l iv r o baseiarse em notas de aula da disciplina de Economia Industrial, leccionada pelo autor nas Universidades de Stanford e Nova de Lisboa. Ao procurar uma justificao para o trabalho de escrever um livro de texto, no consigo melhor que o lugar comum de no ter encontrado nenhum texto satisfatrio. Parece-me que os textos existentes ou so demasiado avanados para uma disciplina de licenciatura (v.g., o livro de Jean Tiroe); ou demasiado voltados para exemplos e aplicaes especficos dos Estados Unidos (v.g., os livros de Frederic Scherer e Thomas Ross, Stephen Martin, Dennis Carlton e Jeffrey Perloff); ou demasiado secos de exemplos e aplicaes (v.g., o livro de Michael Waterson).

    Acresce ainda o facto^de que com a excepo do algo desactualizado manual de Alexis Jacquemin no existe nenhum manual de estudo escrito em portugus. Embora seja partidrio da opinio de que o uso de lnguas estrangeiras muito til na formao do universitrio (em particular, do economista), tambm reconheo que o aproveitamento mdio dos estudantes significativamente inferior quando estudam com textos em ingls ou francs. Espero assim que a elaborao de um livro de texto dirigido ao aluno de licenciatura e escrito em portugus venha preencher uma lacuna que me parece relevante.

    Gs destinatrios principais deste livro so os alunos de Economia Industrial, dos dois ltimos anos da Licenciatura de Economia. No entanto, parece- -me que este texto poder tambm ser til em cadeiras de Economia (nomeadamente Microeconomia e Marketing) de outros cursos que no Economia; e noutras disciplinas da Licenciatura em Economia que no Economia Industrial.

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    Metodologia

    Comparando a filosofia Pragmatista com a filosofia Tomista, Chesterton escreveu

    z Prefcio

    the Pragmatist sets out to be practical, but his practicality turns out to be entirely theoretical. The Thomist begins by being theoretical, but his theory turns out to be entirely practical.1

    Este livro no trata de Filosofia. No entanto, parte tambm do princpio de que a melhor ajuda para a vida prtica uma boa teoria (teoria no sentido correcto da palavra, no no sentido infelizmente comum de um conjunto de ideias totalmente irrelevantes). Alm de ser baseado em ideias, o livro segue uma anlise formal, baseada em modelos simplificados. Tal como argumenta H. Varian, um bom modelo to til como um bom mapa. Um bom mapa no realista no sentido em que no descreve todos os pormenores do espao que retrata; pelo contrrio, um bom mapa um retrato simples e simplista da realidade. Mas justamente por esse motivo que til: apenas o retrato estilizado permite evidenciar os aspectos essenciais. Para que fosse inteiramente realista, um mapa teria de ser desenhado escala 1:1o que o tornaria totalmente intil.

    Em paralelo com a anlise terica, procurei acompanhar o texto com exemplos prticos e referncias bibliografia emprica relevante. O espao dedicado anlise emprica , contudo, relativamente reduzido. No entanto, a forma como as referncias bibliogrficas se encontram distribudas ao longo do texto permite, assim se espera, que cada docente (e cada leitor, em geral) adapte o grau de profundidade na anlise emprica aos seus prprios interesses e disponibilidade de tempo.

    Relativamente aos modelos tericos utilizados, procurei seguir a estratgia que Eric Rasmusen descreve como evitar gorduras desnecessrias. A anlise apenas levada at ao nvel de generalidade estritamente necessrio para derivar as ideias e as intuies relevantes. No entanto, com vista a facilitar o aprofundamento em cada assunto, so feitas ao longo do texto referncias s contribuies fundamentais no juzo do autor para a Teoria da Economia Industrial (especialmente as mais recentes). *

    *G. K. Chesterton, St. Thomas Aquinas, New York: Image Books, p. 158.

    I

  • Prefcio XI

    RequisitosApesar da estratgia indicada no pargrafo anterior, importante notar que o livro pressupe do leitor uma boa preparao em Microeconomia correspondente ao nvel do Intermediate Microeconomics de Hal Varian, por exemplo , e uma familiariedade mnima com lgebra Linear e Clculo. Na Universidade Nova, por exemplo, a disciplina de Economia Industrial I tem como pr-requisito o aproveitamento em Microeconomia I, que por sua vez tem corno pr-requisito o aproveitamento em Introduo Microeconomia (tudo disciplinas semestrais).

    Algumas seces do livro, assinaladas com um *, so relativamente mais exigentes de um ponto de vista matemtico e analtico. A continuidade do texto no , no entanto, seriamente afectada pela omisso destas seces. Critrio semelhante tambm aplicvel aos exerccios includos no final de cada captulo. Alis, alguns destes exerccios tm como funo o aprofundar mento de temas referidos de passagem no texto principal.

    EstruturaA organizao do texto segue, em grandes linhas, o paradigma da estrutura- -conduta-resultados de Mason-Bain-Scherer. Assim, depois de um captulo de introduo e um outro sobre problemas de definio e medio (Estrutura de mercado), encontram-se quatro captulos que constituem o ncleo da anlise: os dois primeiros (Modelos de oligoplio, Poder de mercado) descrevem o sentido de causalidade directo dentro do esquema do paradigma; os dois ltimos (Barreiras entrada, Fuses e aquisies) debruam-se sobre os chamados efeitos retroactivos dentro do mesmo esquema.

    Os Captulos 7 a 9 podem ser interpretados como refinamentos da anlise dos Captulos 3 a 6. So considerados tpicos sobre discriminao de preos (7), diferenciao do produto (8), e investigao e desenvolvimento (9). Finalmente, o Captulo 10 debrua-se sobre o papel da interveno do Estado no contexto da Economia Industrial.

    O aspecto mais inovador do livro consiste na incorporao, em quase todos os captulos, de material de investigao relativamente recente e como tal ausente de muitos outros livros de texto. Concretamente, so analisados os modelos de Kreps e Sheinkman (duoplio com restries de capacidade); Gelrnan e Salop (entrada em pequena escala); Jovanovic (entrada e sada em mercados concorrenciais); Grossman e Hart (integrao vertical); GUbert e Newbery

  • XU Prefcio

    (dinmica concorrencial com investigao e desenvolvimento); e vrios outros. Estes trabalhos representam marcos importantes no entendimento de fenmenos centrais da Economia Industrial; e a forma complicada como foram originalmente apresentados no deve ser bice a que sejam incorporados num livro de texto desde que devidamente adaptados e simplificados.

    AgradecimentosAntes de mais, devo agradecer ao Conselho Cientfico da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa todo o apoio prestado, sem o qual este livro no teria sido escrito (pelo menos no em to pouco tempo).

    A Donald E. Knuth e Leslie Lamport agradeo o trabalho de elaborao dos programas MTjjjX,

    programas utilizados na composio deste livro.Como o presente pargrafo demonstra, trata-se de programas com um a qualidade e versatilidade

    notveis, o que me facilitou muito a tarefa de organizao e design grfico. O meu obrigado tambm

    pequena Alice, inspiradora das obras Alice's Ad- ventures in Wondertnnd e Tkrovgh the

    I&oking Gloss] & In troduo dente livro c ita frequen

    tem en te m t u obra

    de Lewle Car-

    roll.

    Num nvel mais srio e profundo, gostaria de agradecer aos vrios professores que despertaram o meu interesse pela Economia Industrial: na Universidade Catlica, os Professores Amado da Silva e Anbal Santos; na Universidade de Stanford, os Professores Timothy Bresnahan, Paul Milgrom, Roger Noll, William Novshek e Robert Wilson. Um agradecimento especial devido a Mi- chael Riordan, que, no tendo sido meu professor no sentido formal da palavra, me ensinou muito do que hoje sei sobre Economia Industrial.

    Na elaborao do texto do livro, foram vrios os colegas que me ajudaram com comentrios e sugestes teis: Fernando Branco (U Catlica), Antnio Brando (U Porto), J. Pedro Pontes (ISEG) e J. Miguel Villas-Boas (Ber- keley). Um agradecimento especial devido a Pedro P. Barros (UNL), Jos M ata (Banco de Portugal e UNL) e Vasco Santos (UNL) que leram, releram e comentaram vrias verses anteriores do livro. Algumas partes do texto bene-

  • Prefcio xiii

    ficiaram, directa ou indirectamente, de conversas com Antnio Leite e Diogo Lucena (UNL). Agradeo ainda a todos os alunos de Economia Industrial na UNL que, com dvidas e sugestes diversas, contriburam para a melhoria da apresentao. Obviamente, nenhum dos aqui mencionados pode ser tomado como responsvel quer pelas opinies quer pelas deficincias do livro.

    Finalmente, agradeo a todos os meus professores no ensino pr-universitrio. Embora o seu contributo no seja evidente das pginas deste texto, creio que merecem um crdito que vai muito para alm do que normalmente recebem. A todos eles, como forma de agradecimento justo se bem que tardio, dedicado este livro.

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    1

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  • Captulo 1

    Introduo

    Theres glory for you! I dont know what you mean by glory,'Alice said. I meant, theres a nice knock-down argument for you! But glory doesnt mean a nice knock-down argument, Alice objected. When / use a word, Humpty Dumpty said in a rather scornful tone, it means just what I choose it to meanneither more nor less. -Lewis Carroll, Through the Looking Glass.

    CORRENDO O r is c o de cair em preciosismos lingusticos, comeamos este texto com um esclarecimento sobre o significado da expresso economia industrial. Embora o nome desta rea da economia seja aparentemente auto-esclarecedor, a verdade que leva facilmente confuso.

    A expresso economia industrial, pelo menos quando associada ao ramo da economia de que este livro trata, deriva de uma traduo mais ou menos directa do ingls industrial economics ou industrial organization. Ora o termo industry tem em ingls dois sentidos distintos. Segundo . Websterfs New World Dictionary, industry define-se como qualquer actividade econmica, especialmente de manufacturao (v.g., the paper industry); neste sentido, falamos de industry por oposio a services ou agriculture. Em sentido mais lato, industry significa tambm qualquer actividade econmica de grande escala (v.g., the tourism industry).

    Em portugus, no entanto, apenas encontramos o primeiro sentido para a palavra indstria. Segundo o dicionrio da Porto Editora, indstria a actividade econmica que se utiliza de uma tcnica, dominada, em geral, pela presena de mquinas ou maquinismos, para transformar matrias-primas em artefactos acabados. Da que o termo economia industrial esteja normalmente associado ideia da economia da ferrugem.

    1

  • 2 Captulo 1. Introduo

    A noo do iiillist,ria subjacente a este texto corresponde ao segundo sentido da palavra industry acima referido; isto c, consideramos economia industrial o estudo de aetividades econmicas de escala considervel (mais concretamentc, mercados), independente de se tratarem de aetividades industriais, agrcolas, ou de servios. Neste sentido, a designao mais correcta para a disciplina de economia industrial seria Economia dos Mercados , ou, dada a abordagem especfica da disciplina, Econom ia dos M ercados Im perfeitos.

    Mas o estudo do comportamento dos mercados , afinal, o objecto da Microeconomia. Por este motivo, G. Stigler defende que there is no such subject as industrial organization!1 Em defesa da independncia da disciplina de Economia Industrial, devemos invocar que a anlise microeconmica tradicional trata principalmente das estruturas de mercado simples e extremas (monoplio puro e concorrncia perfeita), enquanto que a Economia Industrial se preocupa principalmente com todas as estruturas de mercado que se encontram entre estes dois extremos. Alm disso, o estudo das polticas governamentais no sentido de melhorar a eficincia do funcionamento dos mercados, um tpico pouco aprofundado em Microeconomia, assume um papel central em Economia Industrial.

    1.1 Dois exemplosWhat is the use of a book, thought Alice, without pictures or conversations?1Lewis Carroll, Through the Looking Glass.

    Neste momento, alguns exemplos sero porventura mais teis que definies adicionais. Por este motivo, antes de discutir em pormenor algumas das questes centrais da Economia Industrial (Seco 1.2), apresentamos agora alguns casos concretos em que questes de Economia Industrial assumem um papel principal.

    In d stria farm acutica. Um dos primeiros problemas que se pem ao procurar analisar a indstria farmacutica o da definio de m ercado. Considerar toda a indstria como um mercado nico certamentc pouco realista, pois incluir-se-iam no mesmo saco" produtos que tm muito pouco a ver uns com os outros. Por outro lado, uma definio demasiado restrita (v.g,, *

    'George J. Sligler, The Organization of Industry, Homewood, Illinois: R.D. Irwin, 11)68,

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    f1.1. Dois exemplos 3

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    por sub-sub-aplicao teraputica) tambm tem os seus problemas: concre- *tamente, frequente a situao em que um mesmo medicamento tem vrias (aplicaes teraputicas.

    Se adoptarmos uma definio lata de mercado, ento a concentrao ^das empresas parecer-nos- muito baixa: mundialment, existem bastantes (grandes empresas, de dimenso relativamente semelhante. Se, pelo contrrio, adoptarmos uma viso mais restrita, ento o sector farmacutico parecer-nos- ^como uma srie de monoplios e duoplios. (

    Seja como for, o sector farmacutico tem sido um alvo preferencial de acusaes de poder de m ercado exagerado. De facto, os preos dos medi- ^camentos so tipicamente fixados em valores bastante superiores ao custo de (produo. As m argens, medidas como (P C ^jP , onde P representa o preo e C* o custo marginal, so frequentemente prximas de 100%.2

    Em sua defesa, as empresas farmacuticas apresentam vrios tipos de ar- tgumentos. Em primeiro lugar, preciso notar que as empresas gastam um montante bastante elevado em investigao e desenvolvim ento (I&D).Ora estes custos tm de ser recuperados de alguma forma; da, as margens (elevadas que se praticam na venda de medicamentos. Em segundo lugar, a ' ^afirmao de que as empresas detm posies dom inantes (por vezes so o nico produtor) em determinadas aplicaes teraputicas deve ser vista numa fperspectiva dinmica, pois a posio dominante , em geral, meramente tem- f-porria: o aparecimento de um novo medicamento de qualidade superior, descoberto e patenteado por outra empresa, destri parcial o totalmente o poder rde mercado detido pela primeira empresa. Finalmente e este porventura o ^argumento mais forte, as empresas farmacuticas argumentam que o nfase nas acusaes de poder de mercado constitui um forte erivresamento a favor da eficincia est tica e em desfavor da eficincia dinm ica, entendendo-se esta ltima como o ritmo de aparecimento de novos medicamentos e melhoramento dos j existentes. "

    O governo dispe de diversos instrumentos para balancear a eficincia esttica com a eficincia dinmica. O d ireito de p a ten te porventura o mais importante. Trata-se de uma forma directa de atribuir poder de mercado empresa inventora. No caso especfico do sector farjrtacutico, tambm r-assumem grande importncia o processo de aprovao de Povos medicamentos

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    superior dos restantes sectores. Note que se trata de uma afirmao idiferente da anterior (a diferena est no valor dos custos fixos). A identificao destas duas afirmaes tem sido um dos principais factores de confuso no apenas neste sector sobre a natureza do poder de mercado.

    5

  • 4 Captulo 1. Introduo

    (por vezes mais importante que o prprio direito de patente) e o tratamento legal dado aos genricos, medicamentos qumica e/ou terapeuticamente equivalentes aos medicamentos patenteados e vendidos a preos substancialmente inferiores (os produtores de genricos nao tm de incorrer nos elevados custos de investigao das grandes empresas).

    Apesar da insistncia nos seus oramentos de I&D, a verdade que as empresas farmacuticas gastam mais em publicidade, promoo e propaganda mdica (ou simplesmente publicidade) do que em investigao (por vezes mais que o dobro). No raro que o ra tio pub licidade/receitas exceda os 20%. Colocarse aqui o problema que se pe em muitos outros sectores: ser que as despesas de publicidade tm um carcter inform ativo (logo til), ou sero estas apenas um meio de persuaso do cliente, seja ele o mdico ou o paciente?

    A resposta mais correcta parece ser um pouco dos dois. Por um lado, evidente que h um mnimo de propaganda mdica que estritamente necessrio. Por outro lado, encontram-se exemplos de medicamentos que devem o seu sucesso no tanto s suas qualidades teraputicas, mas principalmente a engenhosas campanhas publicitrias. Vej-se, por exemplo, a quota de mercado conquistada pelo Zantac da Giaxo custa do Tagamet da Smith-Kline (ambos so medicamentos contra lceras).

    T ransporte areo. Desde o acordo das Bermudas (1946), e com a ex- cepo dos Estados Unidos desde 1979, o mercado do transporte areo internacional tem sido organizado segundo um modelo de acordos bilaterais. Dados quaisquer dois pases, apenas as companhias nacionais de cada pas tm autorizao, em princpio, para estabelecer as ligaes areas respectivas. Por exemplo, em princpio, apenas a TAP e a beria esto autorizadas a voar entre Lisboa e Barcelona. Alm disso, os acordos tipicamente prevm a repartio equitativa das quotas de m ercado (nmero de voos) e a fixao de tarifas comuns.

    Descontentes com as ineficincias provocadas por esta situao de poder de mercado, os Estados Unidos decidiram em 1979 liberalizar a entrada no mercado interno de transporte areo, seguindo aquilo que se veio a designar por open skies policy. Tal como o nome indica, a ideia principal da nova poltica consiste em permitir a qualquer companhia americana o estabelecimento de qualquer ligao area dentro dos Estados Unidos.

    Durante os primeiros anos aps 1979, verificou-se um acrscimo muito significativo no nmero de companhias de aviao, nomeadamente atravs da en trada de muitas pequenas empresas regionais. Por outro lado, as grandes

  • 1.1. Dois exemplos 5

    companhias aumentaram o nmero de ligaes oferecidas. Como resultado, o nm ero de concorrentes em cada mercado aumentou muito, o que se reftectiu num acrscimo de concorrncia e decrscimo de preos.

    Se o primeiro choque no processo de liberalizao norte-americana foi a entrada em massa, o segundo choque, sentido a partir de meados dos anos 80, foi de certa forma inverso. Com o acrscimo de concorrncia, muitas empresas foram levadas a situaes financeiras precrias que acabaram na falncia e/ou aquisio por outras empresas. Como resultado deste processo de consolidao, o nmero de empresas tem diminudo progressivamente, sendo actualmente j inferior ao de 1979!

    A comparao entre os Estados Unidos (ps-liberalizao) e Europa permite ter uma ideia sobre os custos de um mercado demasiado regulamentado. As tarifas europeias so tipicamente 50 a 100% mais elevadas que as americanas, o que naturalmente se reflecte em ineficincia na afectao dos recursos nos mercados europeus. No que respeita eficincia produtiva, mais difcil obter estimativas exactas, mas as diferenas parecem significativas. Em 1986, a produtividade das seis maiores companhias europeias encontrava- -se entre 20% (A/ita/a) e 70% (British Airways) da produtividade das oito maiores empresas americanas.3

    O estudo do caso americano importante na medida em que nos encontramos no comeo do processo de liberalizao do transporte areo europeu. No querendo repetir alguns dos erros do processo americano nomeadamente a enorme tu rbu lncia decorrente de uma liberalizao radical quase imediata , optou-se na Europa pela remoo progressiva das medidas restritivas decorrentes do acordo das Bermudas. Por exemplo, as quotas de mercado das duas transportadoras nacionais entre dois pases j no tm de ser 50%, sendo tolerada uma margem de variao; j se permite actualmente que uma companhia do pas A faa a ligao entre as cidades x e y do pas B (nalguns casos, actualmente; em todos os casos, dentro de algum tempo); etc.

    Espera-se que o impacte da liberalizao seja bastante Significativo, devido ao facto de a elasticidade preo da procura ser muito elevado. Por exemplo, em Maio de 1986, o Departamento de Turismo Irlands designou uma nova companhia privada para estabelecer o servio Dublin/Londres. A nova companhia estabeleceu uma tarifa bastante mais baixa que a praticada pela empresa instalada, tendo a ltima respondido com um decrscimo da tarifa.

    3Cfr. David H. Good, M. Ishaq Nadiri, Lars-Hendrik Roller e Robin C. Sickles, Efficiency and Productivity Growth Comparisons of European and U.S. Air Carriers: A First Look at the Data", Universidades de Indiana, Rice e Nova Iorque, e INSEAD, 1992.

  • 6 Captulo 1. Introduo

    Como resultado, o trfego aumentou cerca de 30% entre Maio e Dezembro de 1986.'1

    1.2 Trs questes centraisI have answered three questions, and that is enough, said his father;Lewis Carrol, ./Mice's Adventures in Wonderland.

    Os exemplos acima discutidos so sugestivos no que respeita s questes centrais da Economia Industrial. Vrias sistematizaes so possveis, tendo-se aqui optado por considerar as seguintes trs questes: (i) Existe poder de mercado? (H) Quais as consequncias do poder de mercado? (iii) Que pode o Estado fazer para evitar as consequncias negativas do poder de mercado?

    Existe poder de mercado?

    Esta 6, compreensivelmente, uma questo importante. Pelo P rim eiro Teorem a Fundam ental da Econom ia do B em -E star sabemos que, no existindo poder de mercado (e verificando-se outras condies), a soluo de equilbrio eficiente, no havendo lugar, por conseguinte, a qualquer tipo de interveno estatal (para alm da distribuio do rendimento e outras medidas de melhoria da equidade).

    Muitos estudas tm sido elaborados com o objectivo de medir o grau de poder de~mercado na economia em geral e nalguns mercados em particular. Citaremas aqui dois que so particularmente significativos, quer pelos resultados algo extremos a que chegaram, quer pela simplicidade da metodologia utilizada.

    Uma aproximao de primeira ordem perda de eficincia devida aojpoder de mercado "consiste em assumir que o custo marginal constante e medir a rea do tringulo de ineficincia, isto , a rea compreendida entre a curva de custo marginal e a curva da procura, e entre a quantidade de equilbrio e a quantidade de concorrncia perfeita.* * 5 Mostra-se que esta rea aproximadamente dada por A = i r2PQe, onde r ~ P

  • .2. Tirs questes centrais 7

    Baseado em dados sobre r e PQ, e fazendo hipteses sobre o valor de c, A. Harberger estimou que o valor de A, para a economia americana e em 1924-28, era de apenas 0.1% do PNB.6

    Uma vez qne o poder de mercado se manifesta numa diferena entre preo e custo marginal, uma alternativa metodologia de Harherger co n siste em estimar directamente o valor do custo marginal. R. Hall seguiu este caminho, baseando as suas estimativas na relao C' (Ct+i Ct)/(Qt+1 Qt), em que Ct o custo no perodo t e Qt a quantidade no mesmo perodo. Hall concluiu que, na maioria dos sectores industriais, o preco se encontra cerca de 50% acima do custo marginal. Nalguns sectores, o ratio P fC mesmo superior a 3, o que denota um poder de mercado significativo.7

    Existem razes para suspeitar que as estimativas de Harberger erram por defeito e as de Hall por excesso.8 Por outro lado, nattirai que a extenso do poder de mercado varie bastante de sector para sector, no fazendo muito sentido falar da mdia da economia. E justo dizer que o consenso actual da maioria dos economistas aceita a existncia de mercados para os quais o modelo de concorrncia perfeita constitui uma boa aproximao; mas simultaneamente afirma que, para a maioria dos restantes mercados, as divergncias entre preo e custo marginal so muito significativas.

    Finalmente, deve notar-se que uma questo complementar da existncia de poder de mercado a questo da permanncia do poder de mercado. Como veremos mais frente, um dos argumentos a favor de Jaissez faire baseiarse na ideia de que, existindo poder de mercado, este eminentemente temporrio, pelo que a questo do poder de mercado seria relativamente secundria.

    Quais as consequncias do poder de mercado?

    A anlise convencional das consequncias do poder de mercado consiste na medio do denominado tringulo de ineficincia.9 A Figura 1.1 compara o equilbrio concorrencial (Ec ) com o equilbrio numa situao de poder de mercado (EM). Aq passar de E c para E M, yerifica-se uma transferncia de recursos para outros sectores da economia frea^Al: uma transferncia dos

    cArnold C. Harberger, Monopoly and Resollffe' Allocation", American Economic Reviev) 44 (1954), 77-87.

    7Itobert E. Hall, The Relationship Between Price and Marginal Cost in U.S. Industry, Journal of Political Economy 96 (1988), 921-47.

    ^Uma estimativa intermdia obtida por Keith Cowling e Dennis Mueller, The Social Costs of Monopoly Power, Economic Journal 88 (1978), 727-748.

    Tamlrm conhecido como tringulo de Harberger. Este tringulo essencalmente equivalente ao excesso de carga" decorrente da tributao distorcionria.

  • - Figura 1.1: Poder de mercado e ineficincia.

    consumidores para as empresas (rea B); e um decrscimo do excedente do consumidor que no compensado por qualquer ganho de outros agentes (rea 7), constituindo assim a perda de eficincia decorrente do poder de mercado.

    Este o esquema que serve de base estimativa de Harberger referida na seco anterior. No entanto, trata-se de uma anlise limitada por diversas razoes que se referem de seguida.

    Transferncia en tre consum idores e em presas. Uma transferncia fixa (Jump sum) entre agentes da economia no implica em princpio qualquer variao da eficincia na afectao dos recursos. No entanto, esta uma das situaes em que a anlise parcial (de um mercado apenas) enferma de limitaes srias. Tipicamente, o capital das empresas encontra-se concentrado numa faixa muito restrita da populao (os 4 ou 5% mais ricos). Por conseguinte, a transferncia entre consumidores e produtores corresponde, em geral, a uma transferncia de consumidores mais pobres para consumidores mais ricos, o que implica, coeteris paribus, uma perda de bem estar.10

    I0Uma forma de medir esta perda consiste em notar que, para repor o nvel de equidade inicial, seria necessrio aumentar a progressividade do sistema fiscal, o que implicaria custos de eficincia significativos. Estimativas para a economia americana apontam que a obteno de um dlar adicional de receita fiscal implica um custo de eficincia da ordem dos 40 cntimos.

  • 9 C ustos de monopolizao. Sendo a situao de monopolista uma situao lucrativa, natural que os potenciais monopolistas tudo faam para conseguir esse privilgio, incluindo o dispndio de recursos que no so direc- tamente produtivos e tm como nica funo aumentar a probabilidade de conseguir a situao privilegiada: subornos a governantes, despesas de publicidade exageradas e de carcter principalmente persuasivo , etc. Em ltima anlise, os potenciais monopolistas estaro dispostos a dispender recursos at ao montante dos lucros de monoplio, pelo que o limite superior dos custos de eficincia dado no pela rea C mas sim pela soma das reas B e C . n

    Uma situao clssica em que se verificam custos de monopolizao a de limitaes quantitativas importao (quotas). Outro exemplo, muito importante no caso portugus, o de licenas de en trad a em determinados sectores produtivos. Uma das principais crticas apontadas Lei do Condicionam ento Industria l (que consistia basicamente num sistema de licenas de entrada e expanso de capacidade) prende-se justamente com os custos de monopolizao que esta implicava.

    Eficincia p rodu tiva. A rea C na Figura 1.1 corresponde a ineficincia na afectao dos recursos. No entanto, a passagem de uma situao concor- renciTpra um"siUiaao de poder de mercado implica nQ~apIl&S um deslocamento ao longo Tias curvas da procura e custos, m as t.amhm uma variao d prpria funo custos. Esta variao corresponde ao conceito de eficincia produtiva.11 12 A ideia que os gestores de uma empresa monopolista, ou de uma empresa num oligoplio pouco competitivo, esto sujeitos a menores presses para a minimizao dos, custos. Este facto parece especiamente marcante ao comparar empresas pblicas com empresas privadas (cfr. Captulo 6). No entanto, encontra-se tambm evidncia emprica de uma relao positiva entre a presso competitiva e a produtividade das empresas, considerando apenas empresas privadas. Veja-se, por exemplo, a comparao entre as companhias de transporte areo europeias e americanas (Seco 1.1). Citando J. Hicks, the best of all monopoly profits is the quiet life.13

    M onoplio n a tu ra l. Muitos sectores so caracterizados por tecnologias

    11 Cfr. Richard A. Posner, The Social Costs of Monopoly and Regulation, Journal of Political Economy 83 (1975), 807-827.

    12Conceito semelhante o conceito de eficincia-X. Cfr. Harvey Leibenstein Allocative Efficiency and X-Eficiency, The American Economc Review 56 (1966), 392-415.

    13John Hicks, Annual Survey of Economc Theory: The Theory of Monopoly, Economtrica 3 (1935), 1-20.

    1.2. Trs questes centrais

  • 10 Captulo 1. Introduo

    do produo com fortes economias de escala. Fala-se de economias de escala quando o custo mdio dc produo decrescente com a quantidade produzida. Um caso paradigmtico de que as telecomunicaes so um bom exemplo consiste num custo fixo elevado e um custo marginal constante. Nestes casos, o poder de mercado inerente estrutura monopolista deve ser considerado um mal menor relativamente ineficincia produtiva que resulta da multiplicidade de empresas.

    A comparao entre os prs e os contras da monopolizao de mercados onde a tecnologia se encontra sujeita a economias de escala por vezes conhecida como o balano de W illiam son (WUHamsons trade-of).14 Voltemos a considerar a Figura 1.1, onde se comparam os equilbrios de concorrncia perfeita e com poder de mercado. Suponhamos que inicialmente existe apenas uma empresa e que o seu ptimo se encontra no ponto E M. O excedente total neste caso dado pelo excedente do consumidor (a rea do tringulo acima do rectngulo D) mais o lucro varivel do produtor (a rea do rectngulo B) menos o custo fixo, que designamos por F.

    Suponhamos agora que uma segunda empresa entra no mercado e que a concorrncia entre as empresas de modo a que o novo preo de equilbrio seja igual ao custo marginal. O excedente total agora dado pelo excedente do consumidor (o valor anterior mais as reas B eC ) menos duas vezes o valor do custo fixo F. Qual a variao do excedente total em relao situao inicial? Por um lado, o excedente aumenta no valor da rea C (ineficincia que deixa de se verificar); mas, por outro, diminui no montante do custo fixo F da nova empresa entrante. O argumento de Williamson justamente que, em sectores com fortes economias de escala (neste caso, F maior que a rea (7), ento, mesmo na melhor das hipteses no que respeita ao efeito concorrencial da entrada de uma nova empresa (preo igual ao custo marginal), esta entrada provoca um decrscimo do bem-estar. Por outras palavras, a poupana de custos fixos mais que compensa o poder de mercado inerente situao de monoplio.

    Em Portugal, discutiu-se recentemente esta questo a propsito da estrutura do sector cimenteiro. Apesar dos argumentos dos empresrios de que a dimenso um factor muito importante (tambm para a concorrncia internacional), decidiu o Governo que os benefcios da concorrncia entre duas empresas sero maiores que os custos do no aproveitamento de economias de escala.

    '"'Oliver E. W illiamson, Economies as an A n titru s t Defense", A m erican Econom ic Review58 (1968), 18-31.

  • 1.2. Trs questes centrais 11

    Eficincia dinm ica. J referimos o enviezamento, comum era Economia Industrial, de considerar uma anlise simplesmente parcial. Um segundo enviezamento, porventura mais grave, consiste em ignorar, ou pelo menos dar menor importncia, a aspectos dinmicos. Ora os aspectos dinmicos so essenciais, nomeadamente em sectores intensivos em investigao e desenvolvimento (veja-se o exemplo da indstria farmacutica apresentado na seco anterior). O motivo por que as empresas dispendem recursos prprios na pesquisa de novos produtos e/ou processos de fabrico justamente a expectativa de vir a auferir lucros futuros, lucros esses que esto norraalmente associados a certo grau de poder de mercado. Neste sentido, pode argumentar-se que o poder de mercado no s um mal necessrio (caso das economias de escala), mas at um mal desejvel. Em geral, assim como se verifica um balano entre eficincia esttica na afectao dos recursos e eficincia produtiva (cfr. Wil- liamson), verifica-se tambm um balano entre eficincia esttica e eficincia dinmica.

    No fcil definir rigorosamente eficincia dinmica, sabendo-se apenas que corresponde ao ritmo de introduo de novos produtos, melhoramento de processos de fabrico, etc. Alis, um dos motivos por que se tem prestado to pouca ateno a estes aspectos prende-se justamente com o facto de ser muito difcil definir, e ainda mais medir, a eficincia dinmica.

    Que pode fazer o Estado para remediar situaes de ineficincia?

    Tal como noutras reas da Economia, questes de carcter positivo do naturalmente origem a questes de carcter normativo. E opinio comum da maioria dos economistas que existem mercados em que o poder de mercado uma realidade, e que esta realidade tem consequncias negativas para a eficincia econmica. Nestes casos, o Estado pode ter um papel importante a desempenhar.

    A maioria dos instrumentos de interveno podem classificar-se como poltica de concorrncia ou como poltica industrial. No primeiro grupo incluem-se a proibio do abuso de poder de mercado por parte de empresas monopolistas ou dominantes,, a apreciao de pedidos de fuso/aquisio, a fiscalizao de acordos entre empresas, etc. O segundo grupo, por seu turno, inclui o apoio governamental a empresas (nomeadamente atravs-de subsdios), os esquemas de incentivos ao investimento em determinados sectores e tecnologias, o controlo da entrada e expanso de capacidade, etc.

    O controlo de propriedade de grandes empresas (nacionalizao, privatizao, controlo via aces preferenciais de empresas mistas) e a regulamentao

  • 12 Captulo. 1. Introduo

    (tambm dita regulao) de empresas privadas, outros instrumentos importantes de economia industrial, incluem elementos de poltica de concorrncia e de poltica industrial. E stas e ou tras formas de poltica governamental sero discutidas no ltimo captulo deste texto.

    1.3 Duas posies radicaisThe Queen was in a furious passion, and went stamping about, and shouting, Off with his head! or Off with her head! about once in a minute.Lewis Carroll, Alices Adventures in Wonderland.

    Como natural, as posies radicais relativaraente s questes centrais discutidas acima no so posies generalizadas. No entanto, constituem pontos de referncia teis. E este o motivo por que faremos aqui referncia s denominadas Escolas de Chicago e Austraca.

    A Escola de Chicago. A tradio liberal da Universidade de Chicago tem tido um impacte significativo no pensamento econmico. No caso especfico da Economia Industrial, haveria que referir os nomes de George Stigler, Richard Posner e Sam Peltzman. Tal como noutras reas, a sua influncia extende-se bem alm dos confins da respectiva universidade, devendo tambm incluir-se nomes como o de Harold Demsetz de U.C.L.A.

    A ideia bsica presente no pensamento de Chicago que o modelo de con- corrncia perfeita constitui uma boa aproximao tfe forma cnrpn os mercados funcionam ou. (nos casos em que o Estado intervm), funcionariam no se verificando interveno estatal. O poder de mercado, a existir, normal mente t.pmpn^rin- a ameaa da entrada de fivos concorrentes constitui uma presso

    lora suficiente.15As nicas situaes em que se encontra poder de mercado^ permanente,

    ainda na perspectiva da Escola de Chicago, so justamente aquelas em que se verifica interygno do EstadoL nomeadamente atravs de restries entrada. Alm disso, como vimos anteriormente, estas so situaes que do naturalmente origem a custos de monopolizao. Logo, o Estado deve evitar, tanto quanto possvel, a regulamentao dos mercados. Neste sentido, os estudos de

    1SA anlise formal do efeito da concorrncia potencial foi substancialmente melhorada com a recente Teoria dos M ercados C ontestveis de Baumol-Panzar-Willig: William J. Baumol, John C. Panzar e Ftobert D. Willig, Contestable Markets and the Theory of Industry Structure, New York: Harcourt Brace Jovanovch, 1982.

  • 1.4. Um paradigma 13

    Chicago tm tido um papel muito importante ao mostrar que a interveno governamental pode em muitas situaes levar a um terceiro ptimo em lugar de um segundo ptimo , isto , a interveno governamental pode implicar um perda lquida de bem estar.

    A Escola A ustraca. Seguindo a tradio de J. Schumpeter, a Escola Austraca pejjm especial nfase nos aspectos dinmicos da economia: a eco- nomia um processo, no um, estado; as variveis relevantes no so preos e quantidades, mas sim a taxa de introduo de nqyqs produtos, nelhoria de processos, etc; as medidas de eficincia esttica so de importncia secundria reativamente s medidas de eficincia dinmica.

    A escola austraca no nega que o poder de mercado exista. No entanto, numa economia em constante progresso, o poder de mercado necessariamente temporrio. Nas palavras de J. Schumpeter, a economia um processo de destru io criativa: novas empresas, com liovos produtos ou novos processos de fabrico, suplantam e levam falncia as anteriores empresas, ganhando assim uma posio dominante no mercado; alis, jusfcamente a expectativa desta posio dominante que serve de incentivo para que as empresas procurem novos produtos e novos processos de fabrico.16

    1.4 Um paradigmaIts as large as life and twice as natural!Lewis Carroll, Through the Looking Gloss.

    Hoje em dia fala-se menos de escolas radicais e mais naquilo que se veio a designar como a Nova Econom ia Industrial. Em certa medida, trata-se da confluncia na corrente central da Economia Industrial de algumas das ideias das Escolas de Chicago e Austraca (especialmente o valor da concorrncia potencial e a importncia dos aspectos dinmicos). No entanto, a Nova Economia Industrial representa principalmente uma evoluo da metodologia: por um lado, a aplicao exaustiva da Teoria dos Jogos ao estudo da concorrncia entre empresas; por outro, a introduo de tcnicas econom tricas sofisticadas no estudo da concorrncia em mercados individuais.

    Apesar desta evoluo recente, o instrumento fundamental da metodologia da Economia Industrial continua sendo o chamado P arad igm a E stru tu ra - - C onduta-R esultados (E-C-R). O paradigma no mais do que um esquema

    ieJoseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, New York: Harper Si Brothers, 1942.

  • 14 Captulo . Introduo

    Figura 1.2: Paradigma Estrut ura-conduta-resultados.

    de anlise de mercados, permitindo uma sistematizao e articulao dos diversas aspectos relevantes para as questes referidas na Seco 1.2. A ideia que cada sector seja caracterizado pela sua estrutura, pela conduta (ou comportamento) das empresas que o oonstituem, e por uma srie de indicadores que medem os resultados ou a prestao, ou o desempenho (performance) do mercado. Todos estes aspectos esto ligados entre si, e, por sua vez, so funo de um certo nmero de condies exgenas ao funcionamento do mercado, como sejam a tecnologia ou a interveno governamental.

    A Figura 1.2 representa o esquema do paradigma. No conceito de estrutura encontram-se elementos como o nmero e dimenso relativa das empresas, o grau de diferenciao do produto e as condies de entrada; no conceito de conduta, podem considerar-se a concorrncia em preos, publicidade, etc., bem como as despesas em investigao e desenvolvimento; como medidas de resultados, temos o grau de eficincia esttica, a forma como o excedente total dividido entre consumidores e produtores e a taxa de introduo de novos produtos. Finalmente, no conjunto de condies exgenas incluem-se os determinantes da procura (v.g., elasticidade da procura), tecnologia (v.g..

  • 1.5. .Plano do livro 15

    grau de economias de escala), e as polticas de regulamentao.Como ilustrao do funcionamento do mecanismo, consideremos o caso de

    um monoplio. A caracterizao da estrutura neste caso muito simples, pois existe apenas uma empresa. Supostamente, as barreiras entrada (legais ou tecnolgicas) so suficientes para que no se d a entrada de mais nenhuma empresa. No que respeita conduta, natural supor que a empresa monopolista pretenda maximizar o lucro. E um resultado conhecido que a condio necessria para a maximizao do lucro dada por Rf = C \ onde R a receita marginal e C* o custo marginal, ou simplesmente P( 1 1/c) = C \ onde P o preo e e a elasticidade procura-preo. Note-se aqui a influncia das condies exgenas de tecnologia (Cf) e procura (e). Finalmente, a equao anterior pode ser reescrita como (P Cr)/P = 1/e, ou simplesmente C 1/e, onde = (P C")/P, o ndice de Lerner, um ndice de prestao comummente utilizado (quanto maior for o valor de maior o grau de poder de mercado).

    Um exemplo mais concreto do funcionamento do mecanismo dado pela evoluo recente das sociedades de corretagem em Portugal. O Governo determinou que as corretoras tenham uma dimenso mnima como condio necessria para a passagem a sociedades financeiras de corretagem; temos aqui a variao de uma condio exgena. Como resultado desta alterao legislativa, tem-se verificado uma autntica guerra de preos entre as corretoras com vista obteno de quota de mercado, chegando mesmo a praticar-se taxas zero de corretagem. Esta mudana de conduta tem naturalmente um efeito negativo na rentabilidade das empresas (efeito nos resultados). E neste quadro que se encara j como inevitvel a ruptura financeira de algumas das 18 sociedades que act tiam no mercado, naturalmente selectivo. ( . . . ) A grande soluo apontada para as corretoras ser a sua fuso (efeito retroactivo na estrutura), como nica forma de conseguirem sobreviver. (Dirio de Notcias, 10 Agosto 1992.)

    1.5 Plano do livroWhere shall I begin, please your Majesty?* he asked. Begin at the beginning, the King said, gravely, and go on till you come to the end: then stop.1Lewis Carroll, Alices Adventures in Wonderland.

    Os restantes captulos deste livro constituem, de alguma forma, o desenvolvimento de diversos aspectos do paradigma E-C-R. Comeamos com um captulo preliriiinar sobre problemas de definio e medio (Estrutura de mercado").

  • Captulo 1. Introduo

    Um mercado com duas empresas de igual dimenso diferente de um outro mercado em que as quotas de cada empresa so 80 e 20%. Como medir a diferena entre estes dois mercados? Esta uma das questes abordadas neste captulo.

    Seguidamente, encontram-se quatro captulos que constituem o ncleo da anlise: os dois primeiros ( Modelos de oligoplio , Poder de mercado) descrevem o sentido de causalidade directo dentro do esquema do paradigma; os dois ltimos (Barreiras entrada, F\ises e aquisies) debruam-se sobre os efeitos retroactivos dentro do mesmo esquema.

    Concretamente, o Captulo 3 introduz os modelos clssicos de oligoplio. Estes modelos procuram explicar a concorrncia entre as empresas dada uma determinada estrutura de mercado. Esta anlise continuada no Captulo 4, onde se considera a possibilidade de comportamento no concorrencial (conluio) entre as empresas. Este captulo inclui tambm um resumo da evidncia emprica sobre o grau de poder de mercado (ou sobre a concorrencialidade) dos mercados oligopolistas.

    No Captulo 5 so estudados diversos efeitos que determinam a estrutura de mercado, nomeadamente as condies tecnolgicas'exgenas (economias de escala) e o comportamento estratgico das empresas. Esta anlise continuada no Captulo 6 , onde se considera um aspecto especfico da conduta das empresas: as operaes de aquisio de empresas.

    Os Captulos 7 a 9 podem ser interpretados como refinamentos da anlise dos Captulos 3 a 6 . So considerados tpicos sobre discriminao de preos (7), diferenciao do produto (8), investigao e desenvolvimento (9). Final- mente, o Captulo 10 debrua-se sobre a interveno do Estado no contexto da Economia Industrial.

    16

  • Captulo 2

    Estrutura de mercado

    2.1 IntroduoA ABORDAGEM deste captulo principalmente descritiva: como caracterizar um mercado e/ou sector industrial? Um mercado composto por um conjunto de empresas que produzem um mesmo produto ou um conjunto de produtos relacionados entre si. Por conseguinte, um primeiro passo consiste justamente em definir este conjunto de produtos (Seco 2 .2 ).

    Uma vez definido o mercado, estaremos normalmente interessados m obter medidas que, de uma forma sumria, descrevam o nmero e dimnso relativa das empresas que o constituem, as chamadas m edidas de concentrao (Seco 2.3). Por outro lado, estaremos tambm interessados era caracterizar a evoluo da concentrao, o que feito com base em ndices de volatilidade (Seco 2.4).

    2.2 Definio de mercadoA situao ideal para a definio de um mercado a de um conjunto de produtos com elasticidades preo cruzadas muito elevadas entre si e muito baixas relativamente a outros produtos; e um conjunto de produtores tal que nenhum outro produtor tenha capacidade tecnolgica semelhante. Esta ideia pode ser sintetizada na seguinte reg ra das elasticidades: dois produtos com elasticidades preo cruzadas muito elevadas (em valor absoluto) devem fazer parte do mesmo mercado. A regra refere-se principalmente a elasticidades da procura, mas tambm, secundariamente, a elasticidades da oferta.

    Vejamos alguns exemplos de aplicao da regra: (i) A elasticidade cru-

    17

  • 18 Captulo 2. Estrutura de mercado

    zada entre as guas Luso e Fastio muito elevada; trata-se de dois substitutos prximos; logo, devem fazer parte do mesmo mercado, (ii) A elasticidade cruzada entre bolachas Triunfo e pneus Firestone muito baixa; trata-se de dois produtos independentes; logo, no devem fazer parte do mesmo mercado. (ui) A elasticidade cruzada entre sapatos do p esquerdo e sapatos do p direito muito elevada (em valor absoluto); trata-se de dois produtos (perfeitamente) complementares; logo, devem fazer parte do mesmo mercado; concretamente, neste caso o mercado deve ser definido em termos de pares de sapatos.

    Dificuldades na definio de m ercado. Infelizmente, nem sempre fcil aplicar a regra das elasticidades. Em primeiro lugar, quando a diferenciao do produto se d de uma forma gradual, no fcil decidir qual o valor crtico relevante. Por exemplo, dever-se- definir o mercado de colas de baixo teor calrico (diefc), o mercado de colas, ou, de uma forma ainda mais lata, o mercado de refrigerantes?

    Um segundo problema resulta da substituibilidade em cadeia, fenmeno muito frequente, por exemplo, com produtos farmacuticos: o Produto 1 til para os usos teraputicos A e B\ o Produto 2, para os usos teraputicos B e C; e o Produto 3, para os usos teraputicos A e C. Quer a definio do mercado ao nvel da aplicao teraputica mais elementar (A,B,C), quer a definio mais lata (A + B + C) inconsistente com a regra das elasticidades.

    Finalmente, a definio geogrfica de um mercado levanta os mesmos problemas que a definio do valor crtico da elasticidade de substituio. Por exemplo, qual o mercado de cimento relevante: o mundo, a Europa, Portugal, a zona sul, o Algarve, ou o concelho de Faro?

    Classificaes estatsticas. Tendo em vista a elaborao de quadros entradas-sadas, ou com outros objectivos estatsticos, o I.N.E., bem como outras instituies, procede classificao das actividades econmicas segundo sectores de actividade. Assim, temos a Nomenclatura de Produtos das Contas Nacionais Portuguesas (NCN), a Classificao das Actividades Econmicas (CAE), etc. O Quadro 2.1 apresenta o primeiro nvel de classificao da CAE. 1 Cada Diviso encontra-se dividida e subdividida. Concretamente, como exemplo, o Quadro 2.2 mostra a partio da Diviso 15 (Indstrias alimentares e *

    'Trata-se da nova CAE, adoptada em 1992, que vem substituir a anterior classificao de l)73. A nova CAE muito semelhante classificao adoptada pelo Eurostat (NACE). Nos EUA, a classificao correspondente CAE a SIC.

  • 2.2. Defnio de mercado 19

    Quadro 2.1: Classificao das Actividades Econmicas Portuguesas (extracto).

    Diviso Designao0 1 Agricultura, produo animal, caa e actividades dos

    servios relacionados02 Silvicultura, explorao florestal e actividades dos

    servios relacionados05 Pesca, aquacultura e actividades dos

    servios relacionados10 Extraco de hulha, linhite e turfa1 1 Extraco de petrleo bruto, gs natural e actividades dos

    servios relacionados, excepto a prospeco12 Extraco de minrios de urnio e de trio13 Extraco e preparao de minrios metlicos14 Outras indstrias extractivas15 Indstrias alimentares e das bebidas16 Indstria do tabaco17 Fabricao de txteis18 Indstria do vesturio; preparao, tingimento e

    fabricao de artigos e peles com pelo

    90 Saneamento, higiene pblica e actividades similares91 Actividades associativas diversas, n.e.92 Actividades recreativas, culturais e desportivas93 Outras actividades de servios95 Famlias com empregados domestice99 Organismos internacionais e outras instituies

    extra-territoriais

    das bebidas) em grupos; e o Quadro 2.3 a partio do grupo 159 (Indstrias das bebidas) em classes. Finalmente, a Classe 1598, por exemplo, divide-se nas sub-classes seguintes:

    15981 Engarrafamento de guas minerais naturais e de nascente15982 Fabr. de refrigerantes e de outras bebidas no alcolicas, n.e.

    Assim, costume falar de classificao a trs dgitos, quatro dgitos ou cinco dgitos.

    Embora as classificaes em sectores de actividade sejam frequentemente

  • 20 Captulo 2. Estrutura de mercado

    Quadro 2.2: Diviso 15 da Nova C.A.E. (Indstrias alimentares e das bebidas).

    Grupo Designao151 Abate de animais, preparao e conservao

    de carne e de produtos base de carne152 Indstria transformadora da pesca e da aquacultura153 Indstria de conservao de frutos e de produtos hortcolas154 Produo de leos e gorduras animais e vegetais155 Indstria de laticnios156 Transformao de cereais e leguminosas; fabricao de

    amidos, fculas e produtos afins157 Fabricao de alimentos compostos para animais158 Fabricao de outros produtos alimentares159 Indstria das bebidas

    Quadro 2.3: Grupo 159 da Nova C.A.E. (Indstrias das bebidas).

    Classe Designao1591 Fabricao de bebidas alcolicas destiladas1592 Fabricao de lcool etlico e fermentao1593 Indstria do vinho1594 Fabricao de cidra e de outras bebidas

    fermentadas de frutos1595 Fabricao de vermutes e de outras bebidas

    fermentadas no destiladas1596 Fabricao de cerveja1597 Fabricao de malte1598 Produo de guas minerais e de bebidas

    refrescantes nao alcolicas

  • 2.2. Definio de mercado 21

    tomadas como definies aproximadas de mercados, deve referir-se que o critrio utilizado no agrupamento de empresas em sectores reflecte principalmente aspectos relacionados com a oferta (semelhana entre a tecnologia das empresas), enquanto que a definio de mercado pe maior nfase em aspectos da procura. Por exemplo, o acar de beterraba e o acar de cana so classificados em sectores diferentes (tecnologia diferente), embora, atendendo elevada substituibilidade da procura, devam ser considerados como parte do mesmo mercado.

    Um problema adicional com as classificaes sectoriais relaciona-se com as empresas multiproduto (v.g., Unilever). Normalmente, estas empresas so classificadas no sector da sua actividade principal, ficando os valores totais da empresa includos nesse sector, mesmo as parcelas que no se referem a esse sector. Por exemplo, se uma empresa vende principalmente bebidas, mas tambm filmes (caso da Coca-coia at h pouco tempo), ento as receitas da actividade cinematogrfica so contabilizadas no sector alimentao, bebidas, etc. 2

    O enviesamento a favor de critrios de tecnologia tambm tem as suas vantagens do ponto de vista da Economia Industrial. Por exemplo, em 1964, a Fora Area norte-americana abriu concurso para o fornecimento de um determinado tipo de radar. O concurso foi ganho pela Bendix, empresa que se manteve na posio de fornecedor nico (monopolista) durante vrios anos. Esta situao levou uma segunda empresa, a Wilcox, a colocar um processo em tribunal contra a Bendix. A deciso foi favorvel Bendix. De facto, se definirmos mercado com base na elasticidade da procura, ento a Bendix pode ser considerada como monopolista. No entanto, atendendo classificao das actividades industriais, conclumos que existe um nmero elevado de empresas (cerca de 20) com capacidade tecnolgica semelhante da Bendix, e que a poderiam substituir em qualquer momento em que se verificasse novo concurso pblico. De facto, assim aconteceu em 1969, tendo a Honeywell ganho o novo concurso.3

    2 Este problema obviado, ou pelo menos atenuado, se as estatsticas forem recolhidas ao nvel do estabelecimento e no ao nvel da empresa. Em Portugal e at 1989, as Estatsticas Industriais apenas recolhiam informao ao nvel do estabelecimento. Actualmente, parte da informao continua sendo recolhida a este nvel.

    3Cfr. James W. McKie, Market Definition and the SIC Approach, in F. Fisher (Ed.), Antitrust and Regulation, Boston, Mass.: MIT Press, 1985.

  • 22 Captulo 2. Estrutura de mercado

    2.3 Medidas de concentraoA grande maioria dos mercados encontra-se entre os extremos de concorrncia perfeita e monoplio. Como dizer se esto mais prximos de um extremo ou de outro? Se as empresas fossem todas da mesma dimenso, a resposta seria fcil: bastaria considerar o nmero de empresas. No entanto, encontram-se empresas de dimenso muito variada. As medidas de concentrao tm ento o objectivo de medir, de uma forma sumria, a proximidade da estrutura de mercado relativamente situao de monoplio ou concorrncia perfeita.

    A ideia-base subjacente a este exerccio que, quanto mais prxima for a estrutura (concentrao) de um mercado relativamente situao extrema de monoplio (ou concorrncia perfeita), mais prximos sero tambm o comportamento e os resultados desse mercado relativamente ao extremo considerado. Nos prximos dois captulos veremos em que situaes, e em que medida, uma relao deste tipo se verifica.

    Dois ndices de concentrao. Encontram-se na literatura ndices de concentrao muito variados. Apresentamos aqui os que so mais frequentemente utilizados (vd. tambm o Exerccio 2.4). Em primeiro lugar, temos o ndice de concentrao Cjt, ou melhor, a famlia de ndices C*, definidos como

    onde Si a quota de mercado da empresa i, sendo as empresas numeradas por ordem decrescente de quota de mercado. Assim, C4, por exemplo, representa a quota de mercado das quatro maiores empresas.

    O valor de Ck varia entre k(n , onde n o nmero total de empresas (concentrao mnima) e 1 (concentrao mxima). A situao de concentrao mnima verifica-se quando todas as empresas tm a mesma quota de mercado.

    Uma segunda medida frequentemente utilizada o ndice de H erfndahl (ou Herfindahl-Hirshman), definido como

    k(2.1)

    = 1

    n(2.2)

    onde Si a quota de mercado da empresa i e n o nmero total de empresas. O valor de H varia entre 1 jn (concentrao mnima) e 1 (concentrao mxima).

  • 2.3. Medidas de concentrao 23

    A comparao entre os ndices C* e H revela que ambos tm vantagens e desvantagens em relao ao outro. Por um lado, mostra-se que o ndice de Her- findahl verifica uma srie de requisitos de consistncia que gostaramos fossem verificados por um bom ndice de concentrao (cfr. Exerccio 2.3). Alm disso, mostra-se que o ndice H pode ser derivado de uma forma axiomtica (cfr. Captulo 3) como medida proporcional do poder de mercado, o que no acontece com C k 4

    Mesmo assim, o ndice Ck muito frequentemente utilizado, o que deriva do facto de ser fcil de calcular (e interpretar) e exigir informao apenas sobre as n maiores empresas e o mercado total (vd. no entanto Exerccio 2.2). Alm disso, encontra-se na prtica uma elevada correlao entre os valores de Ck e / / , o que ndica que a perda de informao do primeiro em relao ao segundo pouco significativa.

    P roblem as com m edidas de concentrao. A medio da concentrao no se limita, no entanto, escolha de um bom ndice. Chamamos aqui a ateno para dois problemas comuns com medidas de concentrao. O primeiro problema prende-se com a existncia de holdings de empresas. Pretendendo-se obter com os ndices de concentrao uma medida do poder de mercado, deve contabilizar-se no a quota de cada empresa mas sim a quota de cada agente decisor (eventualmente detentor do controlo de mais do que uma empresa). Por exemplo, o mercado ingls do cimento, era composto em 1978 pelas seguintes empresas e respectivas quotas de mercado:5

    APCM 58.0 ' RFC 16.5 Tunnel 10.0

    Ribbesdale 5.0 Aberthaw 5.0

    Ketton 5.0

    No entanto, a APCM detinha 26% da Aberthaw; a. Ward detinha 100% da Ketton e 90% da Tbnnel, que por sua vez detinham conjuntamente a Rib- bcsdale. Se considerarmos estas quotas como representando controlo efectivo, ento a verdadeira distribuio de quotas de mercado, no que respeita ao controlo efectivo do mercado, seria

    1 Veja-se, no entanto, Thomas R. Saving, "Concentration Ratios and the Degree of Mo- nopoly", International Economic Remew 11 (1970), 139-146.

    5 Cfr. H. W. de Joug, The. StrucUtre of European Industry, The Hague: Martimis Nijhoff,1!>81, pp. 110-111.

  • ''I

    o

    24 Captulo 2. Estrutura de mercado

    APCM 63.0Ward 20.5UPC 16.5

    Como evidente, os valores dos ndices de concentrao seriam muito diferentes consoante aplicados ao primeiro ou ao segundo conjunto de quotas de mercado.

    O segundo problema prende-se com a escolha do nvel de agregao e corresponde essencialmente questo da definio de mercado discutida anteriormente. Muitos dos processos contra empresas dominantes (cfr. Captulo 10) resumem-se em grande medida a discusses sobre a definio relevante de mercado (e quota de mercado). Por exemplo, no caso United States v. IBM , o Governo americano acusou a IBM de posio dominante no mercado de computadores mainframe (e de abuso desta posio dominante).6 Em 1983, as quotas deste mercado eram dadas por

    IBM 64Burroughs 11Honeywell 6

    NCR 6Outros 13

    No entanto, a IBM argumentou, com sucesso, que a definio relevante deve ser a do sector de processamento de dados, que inclui, entre outros, os mini e os microcomputadores. Neste mercado mais alargado, as quotas eram, em 1983,

    IBM 39Digital 5

    Burroughs 4Control Data 4

    Outros 48

    o que indica uma posio muito menos preponderante por parte da IBM.O Quadro 2.4 apresenta os valores correspondentes a outros trs casos

    anti-trust semelhantes ao da IBM. Como se pode verificar, as medidas de concentrao so efectivamente muito sensveis ao nvel de agregao de que se parte.

    6Cfr. Walter Adama (Ed.)t The Structure of American Industry, Stima edio, New York: McMillan, 1986, p. 244.

  • 252.4. Medidas de volatilidade

    Quadro 2.4: Definio de mercado e quota de mercado.

    Em presaMercadoalargado %

    Mercadorestrito %

    Du Pont (1956)Materiaisembalagem 75

    Philadelphia Natl Bank (1963) E.U. 90

    Fonte: William G, Shepherd, The Economics of Industrial Organization, London: Prentice-Hall, 1985, p, 49.

    A terceira limitao dos ndices de concentrao deriva do facto de se tratarem de medidas estticas, no fornecendo qualquer informao sobre a evoluo no tempo das quotas de cada empresa. Por este motivo, til considerar tambm medidas de volatilidade. . >

    2.4 Medidas de volatilidadeO grau de concorrncia de um mercado est relacionado ho s com a concentrao das quotas de mercado, mas tambm com a forma como a posio relativa das empresas evolui ao longo do tempo. Suponhamos que determinado mercado composto, em qualquer momento do tempo, por uma empresa dominante; mas que a empresa que dominante varia com frequncia ao longo do tempo. E bem possvel que este mercado tenha uma priestao mais prxima de um mercado concorrencial que outro mercado com mentir concentrao mas posies estveis ao longo do tempo. -

    Com o objectivo de medir a intensidade da concorrncia ao longo do tempo, foram propostas diversas medidas de volatilidade, ou instabilidade, das quotas de mercado. Uma das mais conhecidas o ndice de instabilidade I , definido como

    ' = (2-3)* i=l :

    onde Si2 e s so as quotas de mercado da empresa i no prodo 2 e 1, respectivamente, e n o nmero total de empresas em qualquer perodo (isto , o

  • 26 Captulo 2. Estrutura de mercado

    nmero rle empresas activas em pelo menos um perodo). fcil verificar que o valor de I varia entre 0 (instabilidade mnima) e 1 (instabilidade mxima). O valor de 0 corresponde situao em que todas as quotas de mercado se mantm constantes. 0 valor de 1, pelo contrrio, corresponde situao em que todas as empresas presentes no mercado no perodo inicial tm quota de mercado nula no segundo perodo (naturalmente, por terem sado do mercado).

    Tal como as medidas de concentrao, o ndice de instabilidade tem alguns problemas de medio e interpretao. Um valor elevado de I pode ser mais o reflexo de um artefacto dos nmeros que de um elevado grau de concorrncia no mercado em questo. Tal pode resultar de uma definio incorrecta do mercado (v.g., automveis de cilindrada entre 1,300 e 1,350 cm3) ou de um intervalo de tempo demasiado curto entre perodos (v.g., um ano no mercado de construco naval, em que as encomendas so tipicamente plurianuais).

    Como utilizar as medidas de instabilidade em conjuno com as medidas de concentrao? Vrios autores defendem que as medidas de concentrao so uma esta ts tica suficiente, pois os mercados em que a concentrao maior so normalmente os mesmos em que as quotas de mercado so mais estveis.* 7 De facto, a correlao entre H e / tipicamente negativa. Para o Canad, por exemplo, estimou-se uma correlao p(H, I) = .3. No entanto, embora este valor seja significativamente diferente de zero, tambm significativamente diferente de 1, pelo que parece haver algum valor acrescentado na utilizao deI. Por exemplo, J. Baldwin e P. Gorecki seleccionaram o grupo dos 35 sectores canadianos com mais elevado ndice de concentrao. Deste grupo, apenas 12 sectores se encontram entre os 35 com menor ndice de instabilidade. Logo, a selee o dos sectores potencialmente problemticos seria muito diferente consoante se tomassem medidas de concentrao ou medidas de instabilidade.8

    2.5 Exerccios

    2.1 Considere os seguintes produtos: cimento, cortia, guas minerais, automveis, servios bancrios para pequenos depositantes. Em cada caso, determine o mbito do mercado respectivo e apresente uma estimativa do grau de concentrao.

    TCfr. FYederic M. Scherer, Industrial Market Structure and Economic Performance, Boston: Houghton Mifflin, 1980, p. 74.

    8John R. Baldwin e Paul K. Gorecki, Measuring the Dynamics of Market Structure, Annales d conomie et de Statistique, No. 15/16 (1989).'

  • 2.5. Exerccios 27

    Quadro 2.5: Empresas seguradoras com quota de mercado-superior a 2% em 1987. Notas: P = empresa pblica; SA sociedade annima.

    Empresa Quota1 Imprio (P) 14.192 Mundial Confiana (P) 12.713 Fidelidade (P) 11.02-4 TVanquilidade (P) 10.565 Bonana (P) 9.506 Aliana Seguradora (P) 7.927 Portugal Previdente (SA) 3.008 Metrpole (SA) 2.609 Europeia (SA) 2.54'

    10 Trabalho (SA) 2.50.11 Social (SA) 2.14,12 Soc.Port.Seguros (SA) 2.1013 Garantia (SA) 2.03

    2.2 Com base nos valores do Quadro 2.5, calcule o intervalo de valores do ndice de Herfindahl parado sector dos seguros em Portugal em 1991.

    2.3* A. Jacquemin props os seguintes requisitos para uma boa medida de concentrao:9

    1. Carcter no ambguo. Dados dois mercados, deve. ser possvel dizer inequivocamente qual deles se encontra mais concentrado.

    2. Invarincia escala. A medida deve depender apenas da dimenso relativa de cada empresa.

    3. Transferncias. A medida deve aumentar quando se djminui a quota de mercado de uma pequena empresa custa de uma grande empresa.

    4. Monotonicidade no nmero de empresas. Se as n empresas tiverem quotas de mercado idnticas, ento a medida deve ser decrescente em n.

    5. Cardinalidade. Dividindo cada empresa em k emprs iguais, a medida deve decrescer na mesma proporo.

    9Alexis Jacquemin, Economia Industrial Europeia, Lisboa: Edies 70, 1979.

  • 28 Captulo 2. Estrutura de mercado

    Verifique se os ndices Ck, H e ainda o ndice desvio padro das quotas de mercado (cr,} verificam estas condies.

    H 2.4* Mostre que H = 1/n + n V (sj), onde H o ndice de Herfindahl, n o nmero de empresas e V(s) a varincia das quotas de mercado. Com base nesta equao, interprete o sentido da medida nmero equivalente deAdelman, definido como N E ~ / H .

    1-1 - 2 . < L t < k

    z C v - 1 \ * -

    A \ \M/ V )A \

    r I C ^ . 2 V S V

    M - - i 's z 'f c +

    H ~ z. S i ^ -t - m- V - *

    C U " M i1

    U ; + v\ ^

    U c k w u i t

    K * M . *V __irvc>

    u r M . * i :

    KA rr\

  • Captulo 3

    Modelos de oligoplio

    3.1 Introduon o s c u r s o s introdutrios de Microeconomia, ao falar sobre estrutura de mercado, costume estudar os casos extreme de m onoplio e concorrncia perfeita. Exemplos prticos de monoplios (em Portugal) so a produo e distribuio de energia elctrica e os transportes pblicos urbanos; exemplos prticos de mercados que se aproximam do modelo de concorrncia perfeita so a generalidade dos mercados agrcolas por exemplo, o mercado do trigo bem como diversos mercados financeiros e de cmbios.

    Apesar destes exemplos, constata-se que a grande maipria dos mercados se encontra numa situao intermdia entre monoplio e concorrncia perfeita. De facto, mesmo que se encontre apenas um fabricante d determinado produto, para que se trate de um monoplio necessrio adicionalmente que no exista nenhum fabricante de um produto razoavelmente substituto.1 Por outro lado, em muitos mercados que se aproximam do modelo de concorrncia perfeita quanto ao nmero de empresas, nota-se a existncia d uma certa diferenciao entre os produtos das diferentes empresas.

    Uma primeira soluo para este desfasamento entre a teoria e a prtica consiste em generalizar os modelos de monoplio e de concorrncia perfeita; surgem assim os modelos da em presa dom inante e de concorrncia mo- nopolstica, a que faremos de seguida uma breve referncia. Uma segunda

    1 Vrios produtores de vinho franceses puseram recentemente a hiptese de substituir a cortia peio plstico no engarrafamento do vinho. Queixam-se os franceses dos preos elevados praticados pelos exportadores portugueses de cortia, que detm no mercado mundial uma posio de quase monoplio.

    29

  • 30 Captulo 3. Modelos de oligoplio

    soluo, aquela que adoptaremos na maior parte deste captulo, consiste em atacar directamente o problema da interdependncia (ou comportamento estratgico) entre as empresas. Neste sentido, o final desta seco dedicado a uma breve introduo Teoria dos Jogos, o mtodo de anlise formal do comportamento estratgico.

    3.1.1 O modelo da empresa dominante.

    No raro encontrar mercados em que uma das empresas detm uma quota superior a 50%, por vezes superior a 75%, e um conjunto de pequenas empresas (no necessariamente numeroso) que repartem entre si o restante do mercado. Exemplos so o mercado de grandes computadores (mainframes) durante os anos 60 e 70, sendo a IBM a empresa dominante; e, durante vrios anos, o mercado de filme fotogrfico, sendo a Kodak a empresa dominante. Normalmente, a empresa dominante detm uma vantagem competitiva relativamente aos rivais, que pode advir de menores custos ou de uma qualidade (ou reputao) superior.2 3

    O modelo da empresa dominante especialmente apto para analisar este tipo de situaes. O modelo baseia-s_e_nas_geguintes hipteses: (i) as empresas da chamada faixa concorrencial fas pequenas empresas) comportam-se como price takers, produzindo a quantidade que iguala o preo ao seu custo marginal; (ii) a empresa dominante comporta-se como um price malcer, to- mando a estratgia da faixa concorrencial como um dado. Concretamente, dado qualquer preo fixado pela empresa dominante, a quantidade vendida por esta empresa i gualaja_diferena entre ,a^procura de mercado e^a_quanjd- dade oferecida pela faixa concorrencial.?

    Seja D(p) a procura total e F(p) a funo oferta da faixa concorrencial (isto , a soma horizontal das curvas de custo marginal). Ento, a empresa dominante procura maximizar (assumindo, para simplificar, que a funo custo linear e o custo marginal dado por c)

    n = ( p - c )(D (p )~ F (p ) ) , (3.1)

    2Frequentemente, este domnio tende a diminuir ao longo do tempo; cfr. Exerccio 3.2. Vd., no entanto, Paul Geroski, "Do Dominant Firms Decline?, in D. Hay e J. Vickers (Eds.), The Economics of Market Dominance, Oxford: Basil Blackwell, 1987. Este autor defende que as empresas dominantes so mais persistentes do que muitos autores argumentam, apresentando dados empricos neste sentido.

    3Um modelo alternativo da empresa dominante, desenvolvido na Seco 3.5 e devido a Stackelberg, considera a hiptese alternativa de que a empresa dominante fixa a quantidade inicialmente, seguindo-se a(s) restante(s) empresa(s) que fixa(m) tambm quantidades.

  • 3.1. Introduo 31

    sendo a condio de primeira ordem dada por

    D - Fp C dD _ dF 1

    dp Fp(3.2)

    Esta equao pode ser sucessivamente simplificada, obtendo-se

    D ~ F

    p ~ c _ 1 - F/DP D + t p F / D

    p c 1 Sp (3.3)P + SFiF

    onde e j )5 (dD/dp)(p/D) a elasticidade da procura, ep = {d F f dp) {pf F) a elasticidade da oferta da faixa concorrencial e sp = F / jD a respectiva quota de mercado.

    Recordemos que, em situao de monoplio, temos (pc)/p = 1 fep. Logo, o equilbrio da empresa dominante corresponde a uma situao de m onoplio atenuado (pela existncia de uma faixa concorrencial). Note-se que, em (3.3), tanto o numerador inferior como o denominador superior relativamente situao de monoplio. Assim, a faixa concorrencial acLim rnmo travo ao poder de monoplio da empresa dominante: quanto m aior fnr ;1 qun a^ de mercado da faixa concorrencial, s f , e/ou a elasticidade, da_.suaoferta, f, t anto menor ser o poder de mercado da empresa-dominante.

    Para finalizar, notemos que o c^onceito e a realidade de uma faixa concorrenciaE. tambm comum em mercados com vrias empresas dominantes. Nestes casos, costume falar de grupos estratg icos: um grupo de empresas lderes e um grupode empresas marginais.4 Um exemplo deste tipo de estrutura o sector segurador portugus, com cerca de 6 empresas dominantes e algumas dezenas de empresas mais pequenas.

    3.1.2 O modelo da concorrncia monopolstica

    Uma das crticas frequentemente apontadas ao modelo de concorrncia perfeita consiste na hiptese (demasiado extrema) da homogeneidade do produto.

    4Cfr. Richard Caves e Michael Porter, FVom Entry Barrire to Mobility Barrire , Quar- terly Journal of Economies 91 (1987), 241-267-

  • 32 Captulo 3. Modelos de oligoplio

    De facto, encontramos muitos mercados em que o nmero de empresas bastante grande mas o produto vendido no exactamente homogneo. Exemplos incluem os mercados de shamps ou de pequenos restaurantes. Com vista a considerar este tipo de casos, Chamberlin props como ponto de referncia alternativo concorrncia perfeita o modelo da concorrncia monopolstica.5

    Neste modelo, o nmero de empresas muito grande, pelo que a estratgia de cada empresa tem um impacte negligencivel nas restantes empresas.. No entanto, devido diferenciao do produto, a curva de procura enfrentada por cada empresa no horizontal, isto , cada empresa um price maker. Um dos resultados da teoria de Chamberlin que o abandono da hiptese de homogeneidade do produto no implica necessariamente o abandono de um dos resultados fundamentais do modelo de concorrncia perfeita, nomeadamente que a livre entrada implica lucros nulos no longo prazo. Implica, sim, que este equilbrio deixe de ser eficiente.

    Estas ideias so ilustradas pela Figura 3.1, que representa o problema de uma empresa-tipo no modelo de Chamberlin. Porque existe diferenciao do produto, a curva de procura enfrentada por cada empresa, d, negativamente

    5Richard Chamberlin, The Theory of Monopolistic Competition, Cambridge: Harv&rd University Press, 1933. Deve tambm referir-se o contributo anterior de Joan Robinson para o estudo da concorrncia imperfeita.

  • 33

    inclinada. No entanto, porque a entrada livre, no longo prazo verifica-se entrada at que a curva de procura enfrentada por cada empresa seja tangente curva de custos mdios totais. Neste ponto, o lucro de cada empresa activa mximo e nulo, atingindo-se por conseguinte o equilbrio.6

    A Figura 3.1 ilustra tambm o segundo ponto referido acima: ao contrrio do que acontece em concorrncia perfeita, o equilbrio de concorrncia mono- polstica ineficiente quanto ao custo de produo. De facto, cada empresa produz uma quantidade menor que a que minimiza os custos mdios, e tanto menor quanto maior for o grau de diferenciao do produto (isto , quanto maior for a inclinao de d). Por outro lado, em equilbrio, o preo fixado por cada empresa superior ao custo marginal (cfr. Exerccio 3.3).7

    No entanto, isto no implica necessariamente que o equilbrio seja, social- mente ineficiente; isto porque, para alm dos custos de produo e quantidades totais, h tambm que ter em conta os benefcios inerentes variedade, que dependem do numero de empresas e no somente das quantidades totais. Este um ponto controverso, no sendo possvel de momento apresentar resultados gerais satisfatrios, isto , resultados que indiquem qual dos efeitos mini- mizao dos custos ou criao de variedade dominante do ponto de vista do bem-estar social.

    3.1.3 Teoria dos Jogos: breve introduo

    Uma caracterstica comum dos modelos acima apresentados a ausncia de comportamento estratgico. A empresa dominante do primeiro modelo comporta-se efectivamente como monopolista, com a nica nuance de que a curva de procura efectiva funo da oferta da faixa concorrencial. No segundo modelo, cada empresa suficientemente pequena para que possa ignorar o impacte da sua estratgia na estratgia dos rivais.

    O oligoplio, objecto central da Economia Industrial, caso intermdio entre monoplio e concorrncia perfeita, distingue-se justamente pela in te rdependncia entre as aces das diferentes empresas. Por este motivo, a Teoria dos Jogos, entendida como o estudo formal do relacionamento estratgico entre

    eO mtodo de anlise utilizado por Chamberlin algo informal; a existncia de um equilbrio com as caractersticas propostas por este autor continua sendo um ponto controverso. O leitor interessado e com facilidade matemtica dever consultar Oliver Hart, "Mo- nopolistic Competition in the Spirit of Chamberlin: General Model, Review of Economic Studies 52 (1985), 529-546, e Mrio Pscoa, Noncooperative Equilibrium and Chamberli- nian Monopolistic Competition, Journal of Ecorwmic Theory 60 (1993), 335-353.

    7Recorde-se que a curva de custo marginal intersecta a curva de custo mdio no seu mnimo, sendo inferior curva do custo mdio quando esta decrescente.

    3.1 Introduo

  • 34 Captulo 3. Modelos de oligoplio

    agentes (exrcitos, pases, empresas, etc.), assume um papei muito importante em Economia Industrial.8

    A anlise formal de uma situao de comportamento estratgico comea pela formulao de um jogo. Um jogo constitudo por um conjunto de jogadores, um conjunto de estratgias possveis para cada jogador, um conjunto de funes utilidade tambm para cada jogador, e um conjunto de regras (quem pode fazer o qu e quando). Por exemplo, o Quadro 3.1 representa um jogo com dois jogadores (1: linha e 2: coluna), cada um com duas estratgias possveis (a eb para o primeiro jogador, c e d para o segundo). Os valores em cada cela correspondem s utilidades dos jogadores 1 e 2, respectivamente, em funo das estratgias escolhidas. Assim, se por exemplo o Jogador 1 escolher a estratgia b e o Jogador 2 a estratgia c, ento as utilidades recebidas so 4 e 2, respectivamente. As regras do jogo so muito simples: cada jogador escolhe, independentemente do outro, a sua estratgia. Note-se que a utilidade do Jogador 1, por exemplo, funo da sua escolha e tambm da escolha da escolha do rival encontramos aqui a interdependncia de estratgias que caracterstica fundamental da Teoria dos Jogos.

    O objectivo da Teoria dos Jogos principalmente de carcter positivo (por oposio a normativo): dado um conjunto de agentes racionais que interagem entre si, que tipo de comportamento devemos esperar de cada um? A resposta a esta questo dada pelo conceito de soluo, um mtodo de, partindo da formulao de um jogo, chegar a um perfil de estratgias, uma para cada jogador, correspondentes previso do que cada agente racional escolheria.

    O conceito de soluo de mais .vasta aplicao indubitavelmente o equi- lbrio d e ^ a s h ,(o u Nash-Cournot ou equilbrio estratgico): um vector de estratgias (uma estratgia por cada jogador) constitui um equilbrio de Nash se nenhum jogador puder melhorar (estritamente) a sua utilidade atravs de uma mudana unilateral da sua estratgia. No jogo considerado no Quadro 3.1, apenas o vector de estratgias (6, c) constitui tim equilbrio de Nash. De facto, se o primeiro jog