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APRESENTAO
Configuraes do Campo e Experincias Educacionais
Laudemir Luiz Zart
Esta obra rene artigos que resultam de processos de investigao
relacionados s concepes, configuraes e experincias educacionais do
campo. Retrata trajetrias de pesquisa, formao e de prticas sociais
compromissadas com a realidade complexa e contraditria vivida pelos
povos do campo.
Os locus investigativos dos autores e das autoras so os espaos de
resistncia e de inveno da educao do campo e da economia camponesa
no Estado de Mato Grosso. Traduzem as ambivalncias prprias de uma
sociedade de classes sociais. Se num plo h um esforo poltico de
dominao, que tem como orientao a manuteno da ordem existente, o
aprofundamento da explorao do homem e da mulher do campo
desapropriando-os dos resultados do trabalho, h por outro, e numa
perspectiva de classe social, a construo de meios, processos e
experincias que significam os caminhos para a consolidao de uma
sociedade solidria.
As possibilidades e as limitaes so refletidas a partir de pesquisas
empricas e histricas em regies diferentes num estado, o Mato Grosso,
que tem como discurso oficial dominante a existncia exclusiva da
produo vinculada ao modelo de desenvolvimento do agronegcio. As
prticas sociais, culturais e produtivas dos movimentos camponeses
evidenciam a existncia de um amplo espectro de aes que ondulam entre
a resistncia e a expanso da economia camponesa configurada pelas
agroecologia, a economia solidria e a educao do campo.
Para o acompanhamento do desenho das investigaes e reflexes
apresento os autores e textos escritos, com a centralidade dos argumentos
dos artigos.
Peripoli no artigo O Fechamento das Escolas do Campo: o comeo
do fim das comunidades rurais/camponesas demonstra que aos poucos no
Brasil a questo agrria vem reocupando espaos perdidos nos meios de
comunicao social, sobretudo, naqueles comprometidos com as causas
sociais no meio rural/campo. De forma corajosa os meios de comunicao,
a educao libertadora e os lutadores sociais denunciam os muitos e graves
problemas enfrentados pelos chamados povos do campo. Argumenta o
autor que como pano de fundo deste cenrio cultural, social e educacional
est o trabalho e a presso poltica realizada pelos movimentos sociais do
campo principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra e
a Comisso Pastoral da Terra. As lutas sociais encontram formas de
denncias e de anncios aliadas s facilidades proporcionadas pelos
avanos do mundo da tecnologia, sobretudo o da informao para produzir
uma viso de mundo compatvel com a existncia camponesa. Alm de
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mostrar os avanos produzidos pela cincia e a tecnologia aplicados ao
campo, o processo de modernizao, pem em evidncia as muitas
contradies produzidas pelo atual modelo de campo imposto pelo projeto
do capital, cujas polticas agrria, agrcola e educacional so extremamente
excludentes e classistas. O autor reflete que uma das consequncias da
forma do agronegcio gestar o campo tem sido o fechamento das escolas
no/do campo. Um argumento importante, um projeto de escola para o
campo no pode prescindir de um projeto de campo.
Rompendo o silncio: as vozes dos (as) camponeses (as) o artigo
de Santos e Picoli. Os autores expressam o sentido que os assentados na
Gleba Mercedes, municpio de Sinop, na regio Amaznica atribuem s
suas vidas a partir de diversos aspectos. Para romper com o silncio, as
vozes de camponeses/as e professores/as so apresentadas no sentido de
traduzir a originalidade em termos da historicidade do assentamento, da
escola, da atuao dos polticos no assentamento, da sade, do transporte,
das estradas, da comunicao, da agropecuria, dos recursos financeiros do
governo federal, da produo e distribuio, da cooperativa, da energia
eltrica, da gua, do lazer, da religio, da devastao e da desistncia dos
lotes agrrios. Estas temticas constituem um panorama de uma totalidade
que configura um projeto de reforma agrria. Nas falas podemos perceber
as limitaes, mas tambm os caminhos para a construo de projetos
sociais que tenham uma orientao para a efetividade de relaes sociais
de cooperao. Os autores adotaram uma dinmica da apresentao do
artigo que acontece num movimento entrelaado das falas dos
entrevistados e a interpretao dos pesquisadores.
A pesquisa-ao na construo de uma cooperativa de resistncia
camponesa: o caso da COOPERREDE em Mato Grosso foi escrito por
Vailant, Costa, Costa e Rossetto traduz uma experincia de investigao e
de ao que incorporam atividades de organizao e de formao
desenvolvidas pela Incubadora de Empreendimentos Econmicos
Solidrios e Sustentveis (INCUBEESS) da UNEMAT. A agenda de
prticas sociais refletidas conectada com as aes desenvolvidas em
Lucas do Rio Verde pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais (STTR). A base social organizada, camponeses integrantes do
movimento sindical, foi a responsvel pela mobilizao e compromisso
assumido pelos pesquisadores e extensionistas. A articulao gerou um
processo intenso de construo de uma rede que rene camponeses e
camponesas para a resistncia ao modelo do agronegcio e de proposio
da construo da Cooperativa Regional de Prestao de Servios e
Solidariesdade (COOPERREDE) que tem como objetivo o
desenvolvimento da economia camponesa no territrio do agronegcio.
Unidade experimental participativa como ferramenta de ATER no
Assentamento Antnio Conselheiro-MT apresentado por Pereira, Mattos e
Sguarezi para refletir sobre os resultados de um estudo realizado com um
coletivo de 12 famlias agricultoras do Assentamento Antnio Conselheiro-
MT objetivando a organizao e a troca de experincias para a implantao
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de uma Unidade de Experimentao Participativa (UEP). Ilustram os
autores que a metodologia empregada teve como base a pesquisa
participativa, atravs da qual os prprios participantes tomam as decises
representando uma dinmica de troca e gerao do conhecimento. A
constatao que o resultado da experincia est na capacidade e na
possibilidade dos agricultores de replicar as experincias em suas unidades
produtivas e da auto-organizao dos agricultores para discutir seus
problemas sem a necessria presena do tcnico e tomarem para si a
responsabilidade de implantar a UEP. A metodologia participativa se
contrape aos modelos de polticas pblicas, como argumentam os autores,
pensadas de cima para baixo e no raro, tmidas, alienadas e simplistas sem
contradizer, argumentar ou discutir com as comunidades do campo a sua
aplicabilidade.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a
Transio Agroecolgica o artigo de Borges. O autor afirma que as
polticas de reforma agrria no Brasil esto historicamente ligadas
mobilizao dos movimentos sociais de luta pela terra. Neste sentido a
conquista dos assentamentos rurais fruto de tenses sociais e embates
polticos que demonstram a condio dos trabalhadores rurais excludos
pela acumulao de terras no pas. O surgimento do MST est intimamente
relacionado com o contexto social e poltico de agudizao da pobreza no
campo, e com a necessidade de reforma na estrutura fundiria vigente.
neste cenrio que Borges demonstra que o MST tem como horizonte
organizar a produo via mtodos de coletivizao do trabalho. As
cooperativs, associaes e grupos coletivos, so as formas organizacionais
pelas quais os assentados orientavam a produo. nesta perspectiva que
so analisadas as experincias do movimento social que tem como
finalidade construir experincias concretas de sustentabilidade nas
dimenses social, econmica e ambiental. A transio agroecolgica
interpretada como integrante de uma caminhada de
descontruo/reconstruo de princpios, valores e prticas, em
conformidade com o autor, devero abrir espao para as articulaes locais
e o saber tradicional.
No texto Prticas Agroecolgicas dos Empreendimentos
Econmicos Solidrios (EES) da Comunidade Ch Guevara no
Assentamento Antnio Conselheiro - Tangar da Serra-MT de Sguarezi,
Duarte e Gazoni argumentam que a garantia para um desenvolvimento
rural sustentvel na agricultura familiar parte da preocupao com a
preservao dos agroecossistemas e a conservao dos recursos naturais.
Deste modo, afirmam os autores, as prticas agroecolgicas passam a ser
pesquisadas com maior nfase no campo da produo cientfica, e como
cincia est preocupada com a aplicao direta na agricultura, na
organizao social e no estabelecimento de novas formas de relao entre a
sociedade e a natureza. A Agroecologia adota prticas e tnicas que visam
o melhor aproveitamento dos recursos locais, manejo do solo, uso
conforme sua aptido agrcola, conservao dos recursos hdricos, que
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garante a subsistncia das unidades familiares. Neste contexto, apresentam
o argumento que o paradigma da agroecologia prope mudanas nos
sistemas e prticas agrcolas empresariais que so reproduzidas no campo a
partir da lgica de desenvolvimento rural da revoluo verde.
Oliveira Costa no artigo Parceria na oferta da educao pblica:
relao entre universidade e movimento social na formao de professores
do campo, analisa a partir de documentos e de entrevistas de estudantes e
educadoras uma das primeiras experincias no Brasil de formao de
professores/as articuladas com os movimentos sociais do campo,
denominado de Pedagogia da Terra, realizado na Universidade do Estado
de Mato Grosso. A autora retrata os princpios, as ideias comuns e as
contradies ou os tensionamentos existentes entre os agentes e as
estruturas da universidade e dos movimentos sociais. Demonstra como os
processos de interao so conflitivos no sentido da construo de
referenciais que elucidam os consensos possveis entre as demandas, os
procedimentos e as possibilidades de organizaes distintas que se
juntam/separam para fazer uma sntese na execuo de um projeto
formativo.
O artigo de Zart e Bitencourt intitulado O Processo de Construo
de Conhecimentos: o dilogo entre a universidade e os movimentos sociais
do campo na experincia do camosc uma reflexo sobre o processo de
construo dialgica de conhecimentos entre os movimentos sociais do
campo e agentes educadores universitrios. Retrata em termos tericos e as
prticas pedaggicas ocorridas entre o coletivo de educadores/as do Curso
de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo (CAMOSC) realizado
na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) entre os anos de
2005 a 2010, vinculado ao Programa Nacional de Educao na Reforma
Agrria (PRONERA). Os autores partem da orientao freireana que
afirma o princpio dos educandos e das educandas serem sujeitos da
construo social do conhecimento e no ser colocado na perspectiva de
objeto, um mero receptor. Para explicitar como as dinmicas pedaggicas
se concretizaram h uma relfexo sobre a organizao da matriz curricular
que traduziu a interao e a integralizao dos diversos momentos de
construo dos conhecimentos. Estes momentos so o estgio curricular
supervisionado, as atividades de pesquisa orientadas, e o trabalho de
concluso de curso.
Lima, Amaral e Machado no artigo Projeto Poltico Pedaggico e
Concepes de Educao do/no Campo em Escolas de Cceres-MT
analisam as concepes de educao do campo que emergem do processo
de construo coletiva do Projeto Poltico Pedaggico (PPP). O foco da
nlise so duas escolas do campo do municpio de Cceres, Mato Grosso.
As autoras partem do pressuposto que concebe o PPP como espao
democrtico e solidrio, no qual consideram e problematizam a vivncia e
os saberes do povo campons, articuladas a uma educao libertadora e de
qualidade. Afirmam para a consecuo das proposies da educao do
campo que a organizao do trabalho pedaggico, nas escolas do campo,
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deve contemplar a formao humana, tcnica e cientfica para que os
sujeitos do campo sejam capazes de pensar e agir na perspectiva da
autonomia e da coletividade, e nesta perspectiva valorizar a identidade e a
cultura que simbolizam e representam os povos do campo.
Assim, espera-se que a proposio de uma escola do campo
contemple um novo projeto de sociedade, que se concretize na medida em
que se construam novas relaes em seu interior, considerando os sujeitos
que a compe, sua historicidade, sua identidade e os valores socialmente
construdos. Complementar a esta proposio est a caminhada da
construo de uma economia do campo que se caracteriza pela
socioeconomia solidria e pela agroecologia. Os movimentos da educao
do campo e da economia camponesa so construtos coletivos que afirmam
a autoorganizao e a autogesto da campesenia.
Que os leitores e as leitoras possam usufruir da diversidade de
enfoques e de interpretaes para fundamentar concepes e prticas
relativas aos processos sociais e cognitivos para a construo das relaes
e estruturas possibilitadoras das convivialidades solidrias para o
desenvolvimento intrgral do campo.
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O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO CAMPO: O COMEO DO
FIM DAS COMUNIDADES RURAIS/CAMPONESAS
Odimar Joo Peripoli
Introduo
Quando analisamos a realidade das populaes
rurais/do campo, no Brasil, vemos os resultados de um
histrico de abandono e negligncias em relao s
polticas pblicas, em especial a educao ofertada a
esta populao. Os dados revelam que exatamente
situam-se nesses espaos os piores indicadores
educacionais, ou seja: as maiores taxas de
analfabetismo, os maiores ndices de distoro
idade/srie, a maior quantidade de escolas sem energia
e/ou gua encanada, sem bibliotecas, sem laboratrios,
sem TV/vdeo/parablica, etc. (BOFF, 2006 apud
SOUSA et al., 2011, p. 157-8).
A questo agrria no pas vem, paulatinamente, reocupando espao
nos meios de comunicao, pondo a nu os graves problemas presentes no
meio rural/campo. Como pano de fundo deste cenrio reapresentado, est o
trabalho realizado pelos movimentos sociais do campo, aliado s
facilidades proporcionadas pelos avanos do mundo da tecnologia,
sobretudo da informao. Esta permite que se mostre, no apenas os
avanos e benefcios advindos do uso da cincia e da tecnologia aplicados
ao campo; mostram, sobretudo, as contradies produzidas pelo modelo de
poltica agrria e agrcola1, extremamente excludente e classista.
Esta forma de tratar o campo, este outro campo, no se faz por acaso. Deve-se, sobretudo, ao/poder de presso dos movimentos
sociais ligados ao campo. Dentre outros tantos, ao MST (Movimentos dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) e CPT (Comisso Pastoral da Terra).
Portanto, hoje, j no d e no h como esconder os desmandos, o
descaso, a barbrie patrocinada pelo projeto do capital no campo, em nome
de uma agricultura de negcios agronegcio, principalmente com os muitos problemas (destruio do ambiente; mortes; vazio populacional,
dentre outros) mostrados mundo afora, principalmente nos ltimos tempos.
deste campo, cada vez com menos gente, com menos escolas, com
menos oportunidades, que busco trazer algumas reflexes, sobretudo o
fim/fechamento das escolas.
Os governos tm demonstrado cada vez mais a clara
opo pela agricultura de negcio o agronegcio que tem em sua lgica de funcionamento pensar num
1 Esta preocupao procede, uma vez que e estas estatsticas se repetem ao longo dos sculos nos territrios rurais/campo que, ainda hoje, via de regra, se concentram os piores indicadores educacionais.
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campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem
cultura e sem escola (HILARIO, 2011 apud
ALBUQUERQUE, 2011, p. nica).
H um movimento no campo brasileiro. H uma inquietao dos
trabalhadores que, paulatinamente, vm perdendo conquistas importantes
como a possibilidade de trabalhar a terra e dar escola para os filhos. A luta
pela consolidao de outra forma de se conceber o campo e os seus
sujeitos: o campo para alm da concepo imposta pelo projeto do capital.
A sociodiversidade, enquanto caracterstica sempre presente no campo,
nem sempre reconhecida e/ou negada, impe novos olhares, novos
projetos, novos programas, enfim, novas polticas para com os povos do
campo.
Cai por terra, embora de forma muito lenta, a ideia de que o campo
s /ser vivel a partir da presena da grande explorao capitalista e do
agronegcio: [...] o meio rural um espao de sociodiversidade e o campesinato uma das dimenses dessa realidade (CARVALHO, 2005, p. 125).
Importa ressaltar, destaca o autor, que o campesinato no se
manifesta como um todo indivisvel, mas se apresenta de diferentes formas no meio rural, conformando diferenciados usos da terra e dos
recursos naturais configurando diferenciados usos da terra e dos recursos
naturais e configurando distintas territorialidades (id.). este o campo, ao que se pode perceber, com seus muitos
problemas, que ora, reocupa espao na mdia que, dentre outras tantas
temticas, busca dar destaque ao esvaziamento do campo e,
consequentemente, o fechamento das escolas.
Sabe-se, todavia, que esse fenmeno no novo e que, embora com
menos intensidade, preocupa, a considerar que recai, sobretudo, sobre os
mais jovens (sobretudo mulheres/moas) e cada vez mais cedo.
Principalmente nas regies/reas onde estas populaes esto mais
distantes dos centros urbanos, ou seja, do alcance de recursos da
modernidade e que no tem beneficiado estes trabalhadores.
Portanto, para que se entenda o processo, no caso, o fechamento das
escolas no campo, h que se faz-lo a partir de um entendimento do por
que vem ocorrendo este esvaziamento do campo. Deste, compreende-se do
porqu do fechamento das escolas. Ou seja, em no havendo
comunidades/gente, no h escola. Uma escola s escola quando tem
estudantes/alunos.
Ressalta-se, aqui o fato de que, aos nos perguntarmos por que do
fechamento das escolas, temos que nos perguntar que campo esse que
fecha suas escolas? nesta perspectiva que trabalho o texto/artigo.
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Modernizao (conservadora) do Campo
Reconhece-se que as reas rurais, por conta dos
complexos processos de urbanizao, foram
historicamente colocadas margem das polticas
educacionais, fato que contribuiu para que a
populao que habita o meio rural no tivesse acesso a
um processo educativo que considerasse as suas
especificidades. Assim, a educao oferecida pauta-se,
de modo geral, numa lgica urbanocntrica, cuja
prtica pedaggica desenvolvida segue modelos
transplantados das escolas urbanas (SOUSA et al,,
2011, p. 157).
No h, hoje, como negar os grandes benefcios trazidos pelo
processo de modernizao do campo. O mundo da cincia e da tecnologia
aplicados terra transformaram os mais diferentes biomas em reas
produtivas, principalmente cultura de gros. Tome-se como exemplo,
dentro outros, a regio de cerrado brasileiro, hoje grande produtora de soja
e milho, culturas importantes para o mercado interno e
externo/exportao/commodites.
Estes avanos cientficos e tecnolgicos, todavia, vieram
acompanhados do que h de mais perverso no atual modelo de agricultura,
a expropriao dos meios de produo de uma parcela significativa da
populao camponesa, mais especificamente, a terra de trabalho. Esta, o
capital a transformou e terra de negcio, expulsando um sem-nmero de
trabalhadores do campo.
No s o campo tem e vem sofrendo profundas transformaes,
como a sociedade como um todo. O rural/campo e o urbano, em um
movimento dialtico, em vez de se oporem, se complementam,
conservando, conservando, porm, cada um as suas especificidades, que
o que lhes garante suas identidades prprias de cada uma destas
realidades/espaos.
No h como negar que o campo, em relao cidade, tem sido
desfavorecido quanto s benesses da modernidade. Ou seja, para o campo,
estas chegaram e chegam sempre depois de terem percorrido primeiro os
territrios urbanos. Por isso e, tendo em vista a realidade do campo, com
suas muitas especificidades (tempos, espaos, sujeitos), estas tm,
principalmente nas ltimas dcadas, atingido, mais diretamente, a vida nas
comunidades rurais/camponesas. Em outros termos, os impactos tm sido
mais violentos, digamos, sobre o modus vivendi destes trabalhadores:
invaso da cultura urbana no meio rural, via meios de comunicao
(sobretudo TV e internet).
Neste sentido, as palavras de Kremer (2011, p. nica) so
significativas ao dizer que as transformaes em nossa sociedade, acentuadas nas ltimas dcadas, tm interferido diretamente na vida das
comunidades rurais. Para a autora, estas referindo-se, basicamente, s
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redes de comunicao tm influncia direta nesse processo de reelaborao das identidades scio-culturais dos moradores do campo.
Ao falarmos do fechamento das escolas do campo no podemos
deixar de mencionar uma questo que, ao que me parece, tem uma
importncia bastante significativa: a relao entre a escola e o processo de
desintegrao do campesinato (FERNANDES, 2002). A primeira vista,
contraditrio (e de fato o ), uma vez que, ao que nos parece, a escola
exerceria/exerce outro papel, o da integrao.
Ocorre que na sociedade capitalista, a escola tem sido usada como
uma ferramenta pela burguesia consolidar seu projeto de sociedade. Tanto
que os conhecimentos, princpios, valores, desenvolvidos/valorizados na
escola so aqueles que interessam ao projeto urbano/industrial/burgus, e
no aqueles que nascem e partem de experincias acumuladas no fazer
cotidiano destes trabalhadores, os camponeses.
Esta escola no leva em conta as especificidades do campo. Seus
contedos e metodologias so pensados para a realidade urbana, no para o
campo. Da o fato das muitas desistncias/evaso os estudantes. Ou seja,
uma escola longe da realidade destes, o que acaba expulsando-os da escola.
A educao formal (escola) no valoriza as diferenas
regionais e nem as particularidades culturais, com
isso, na tentativa da padronizao da cultura burguesa,
as crianas de culturas diferentes no conseguem
acompanhar o ritmo dos outros alunos, levando
repetncia, evaso escolar, etc. (FERNANDES,
2002a, p. 34).
Importa ressaltar que esta escola, com cara de escola urbana: cpia
pobre da escola urbana (GRITTI, 2003), responsvel pelos altos ndices
de reprovao, repetncia, quando no de evaso, de um sem-nmero de
criana, jovem e adultos nas escolas do campo. Prximo passo: abandono
da prpria terra/campo2.
A lgica da simples transferncia do modelo de escola
da cidade para o campo (POPKEWITZ, 2001) j
demonstrou seu esgotamento, tornando imprescindvel
a construo de pressupostos terico-metodolgicos
que orientem as prticas pedaggicas, fazendo com
elas considerem as especificidades dos territrios
rurais, no que se refere as suas formas de produo da
cultura e da vida, adequando-se s experincias,
necessidades e anseios dessas populaes (SOUSA et
al,, 2011, p. 157).
2 Estes trabalhadores, na sua grande maioria, sem /ou com pouco estudo, tem dificuldades para arrumar trabalho. Esta situao os coloca, via de regra, em subempregos, morando em periferias, etc.
16
Campo: velhos (e novos) estigmas
[...] a educao que chegou/chega a estas populaes,
os povos do campo, no foi nem a que interessa a
estes trabalhadores, mas a que convm aos sucessivos
modelos econmicos implantados e que buscam, nica
e exclusivamente, atender os interesses do capital
(PERIPOLLI, 2009, p. 13).
Ressalta-se o fato de que, em que pesem os muitos avanos, aqueles
trazidos pela modernidade, o campo3, ainda hoje, visto como sinnimo de
atraso; local da no modernidade (esta atribuda cidade); como se ali
estivesse a sobra do urbano (FERNANDES, 2002b, p. 91).
Para Kolling, Nry e Molina (1999, p. 21) h uma tendncia ainda
bastante forte em nosso pas, marcado por excluses e desigualdades, de considerar a maioria da populao que vive no campo como parte atrasada
e fora de lugar no almejado projeto de modernidade. A modernidade pertence/est ligada cidade/meio urbano.
Este quadro revela que ao longo da histria da
educao brasileira, o Estado sempre negligenciou,
silenciou, (e/ou) abandonou a Educao Rural (Leite,
1999). O que justifica esta prtica foi a ideologia
urbanocntrica e metropolitana que entendia ser
necessrio superar o nosso carter rural, para que o
Pas entrasse na modernidade; da que, nesta lgica,
no se concebia ser necessrio polticas de Estado
para as reas rurais, relegando-as ao abandono, ao
esquecimento, ao silenciamento e ao desinteresse,
pelas prticas pedaggicas e saberes/fazeres ali
desenvolvidos (SOUSA, et al., 2011, p. 158).
Portanto, no por acaso, esta forma de se conceber o campo, qual
seja: sob o paradigma capitalista, que tem levado as populaes do
campo a merecer, ao longo dos anos, por parte das polticas pblicas, uma educao compensatria. No paradigma que fortalece o modelo de explorao capitalista, a educao um instrumento para adequar as
pessoas ao mercado (JESUS, 2004, p. 114). neste sentido que caminha Ponce (2011, p. 28) quando diz que uma vez constitudas as classes sociais, passa a ser um dogma pedaggico a sua conservao, e quanto
mais a educao conserva o status quo, mais ela julgada adequada. Pensar assim o campo significa abrir caminhos para que ervas
daninhas, prprias do capitalismo, infestam o territrio. E, neste caso, as relaes educacionais passam a ser analisadas na perspectiva custo-
3 Aquele campo dos chamados povos do campo: trabalhadores que vivem e trabalham na terra (pequenos lavradores, sem terra, posseiros...); povos das guas (ribeirinhos, pescadores...), povos das
florestas (catadores de sementes, ervas...), enfim os que no se ocupam de atividades voltadas ao agronegcio.
17
benefcio4; o aluno/estudante no passa de um mero cliente; o campo,
espao voltado produo/agronegcio; as escolas com estrutura fsica
deficiente/precria; professores no qualificados (leigos); transporte dos
alunos e professores relegado a segundo plano.
Fechar Escolas no Campo: por qu?
[...], os camponeses so considerados como atraso. Por isso, lutar contra o fechamento das escolas tem e
constitudo como expresso de luta dos camponeses,
de comunidades contra a lgica desse modelo
capitalista neoliberal para o campo
(ALBUQUERQUE, 2011, p. nica).
Algo bastante recorrente nos ltimos tempos tem sido manchete em
jornais e revistas, principalmente comprometidos com a causa dos
movimentos sociais do campo, quanto aos problemas voltados
educao/escola rural/no/do campo, como: transporte escolar, evaso
escolar, dficit idade/srie, dentre outros. Chama tambm a ateno as
muitas matrias que discutirem o campo5, cuja temtica vem sendo o
fechamento das escolas do campo.
A primeira coisa que nos vem mente nos perguntar: por que, qual
a causa, deste fenmeno? A questo to simples, ao que parece, exige que
se trate com bastante cuidado. O problema srio e os nmeros denunciam
que h algo a ser pensado e feito.
O desafio maior, ao que me parece, est em nos fazer ver que as
questes das escolas do campo esto colocadas fora delas. Ou seja, so
decorrentes de questes que dizem respeito ao campo. Pior: no raras vezes
tratado sem a devida cautela e/ou vis adequado. Ou seja, tratar a questo
sem levar em conta/considerao um conjunto de condicionantes
imbricados no processo que envolve o contexto onde estas escolas esto
situadas. Em outros termos, tratar a escola sem que se leve em conta o
contexto/campo onde esta est inserida: no h como tratarmos as muitas
questes que envolvem as escolas do campo sem pensarmos, primeiro, as
muitas questes que envolvem o campo. Mais especificamente, a falta de
polticas pblicas voltadas a tender os interesses da classe trabalhadora,
que vive e trabalha a terra, os camponeses.
Importa, acredito, trazer para a anlise alguns (outros) aspectos
importantes para que se possa melhor trabalhar, possibilitando reflexes
que, ao que me parece, repito, s vezes fogem do olhar do pesquisador, -
quando no, dos que ainda veem a escola como responsvel por fixar o homem no campo -, o contexto.
4 Na prtica significa dizer que, para os mais pobres, destinados excluso, basta que tenham acesso aos conhecimentos igualmente pobres, fornecidos por processos de instruo simplistas e simplificados (GENTILI e McCOWAN, 2003, p. 31). 5 No caso da academia (teses e dissertaes), leia-se: nmero bem/muito pequeno se comparado s
outras temticas voltadas ao campo. No mais que 1% dos trabalhos acadmicos (Ps-graduao) tratam da questo da educao/escola do campo (PERIPOLLI, 2009).
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Nmeros publicados falam em mais de 24 mil escolas fechadas no
campo entre 2002 e 2011. Ou seja, em menos de 10 anos, o nmero de
escolas do campo que eram 107.432 (2002), foi reduzido para 83.036. Ou
seja, mais de 24 mil escolas tiveram suas portas fechadas6.
Os nmeros so significativos a considerar que o analfabetismo no
Brasil ainda bastante elevado, principalmente nas regies mais pobres do
pas, principalmente no campo. Importa, portanto, saber quais so as
causas do fechamento das escolas e, sobretudo, em um nmero to grande.
At, porque, estamos em uma poca em que,
aps dcadas de lutas por conquistas no mbito
educacional, cujas reivindicaes foram atendidas em
parte o que permitiu a consolidao da pauta o fechamento das escolas vo no sentido contrrio do
que parecia cristalizado (ALBUQUERQUE, 2011, p.
nica).
Afinal, o que houve? Ou, o que no houve? O que ocorreu de
errado? Onde est o n grdio da questo? As palavras de Hilrio (Apud
ALBUQUERQUE, 2011, p, nica) mostram que o que se passa no campo
vai e/ou est alm do campo, ou seja, a realidade pela qual passa o campo e
a escola do campo resulta de uma opo poltica quanto s aes voltadas
para o campo.
Em outros termos, as polticas de estado/governo esto voltadas a
atender os interesses de um projeto de campo que interessa ao projeto do
capital: agronegcio, e no os interesses de quem tem a terra como um bem
voltado produo do sustento da famlia (terra de trabalho):
o fechamento das escolas no campo nos remete a olhar
com profundidade que o que est em jogo algo
maior, relacionado s disputas de projetos de campo (id.). E acrescenta: Os governos Tm demonstrado cada vez mais a clara opo pela agricultura de
negcios agronegcio que tem em sua lgica de funcionamento pensar o campo sem gente e, por
conseguinte, um campo sem cultura e sem escola
(Ibid.).
Tenho insistido para o fato de que, ao nos propormos pensar a escola
do campo, h a necessidade de/em se pensar, primeiro, o campo: seria
ingnuo pensarmos o fechamento das escolas do campo como algo
gratuito. Ou seja, por questes que no sejam, de ato, graves. O que no se
quer afirmar que o que vem sendo feito seja a forma adequada e/ou justa,
at porque, pergunto: quais so os critrios (eles existem?) usados que
6 Os dados so referentes ao Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP), do Ministrio da Educao. Estes nmeros podem ser verificados, dentre outros, no jornal
Brasil de Fato (on-line), de 30/06/2011. Disponvel em: HTTP://[email protected]/node/6734
19
determinam o fechamento (ou no) de uma escola? Quais os motivos? Em
que circunstncias isso possa ser feito? Mais: estas escolas esto/so, via
de regra, sob a responsabilidade dos municpios e estados. Mas, o MEC
(Ministrio da Educao) tem ou no responsabilidade? Quem tem e/ou
deveria ter palavra final?
Com as reformas promovidas no ensino fundamental,
notadamente com a edio da Lei no 9.394, de
20.12.96 - Estabelece Diretrizes e Bases da Educao
Nacional - os Municpios, objetivando a reduo de
gastos com a implementao da municipalizao do
ensino bsico, optaram pelo fechamento de diversas
escolas multisseriadas e, atravs do processo chamado
de nucleao, reuniram os estudantes das unidades
desativadas em centros urbanos maiores (GNIGLER,
2011, p. nica).
Ao que nos parece, tanto um quanto o outro, com o objetivo de
reduzir gastos, mais especificamente, os municpios, - em decorrncia da
municipalizao do ensino bsico - optaram pelo fechamento de diversas
escolas no campo e, atravs do processo de nucleao, reuniram os
estudantes das unidades cada vez com menos alunos e que vm sendo desativadas, em escolas plo: inicialmente, dentro das prprias
comunidades/campo e, num segundo momento conforme foi diminuindo o nmero de alunos -, em escolas maiores. S que agora, nos centros
urbanos/cidades7.
Assim, movidos pela ideia de que a manuteno de
alguns poucos centros de ensino, com o agrupamento
dos diversos alunos atravs do transporte escolar,
implicaria economia aos cofres municipais, dado que
reduziria o nmero de professores e de servidores
ligados a atividade de ensino, promoveu-se a
desativao de escolas isoladas, ao argumento de que
o novo mtodo elevaria a qualidade do ensino, na
medida em que a concentrao dos alunos em maior
nmero viabilizaria a separao em classes de acordo
com a faixa etria (Ibid.).
7 Neste novo/outro cenrio que se forma, entra em cena o transporte escolar, em decorrncia da
necessidade do deslocamento de crianas, de jovens e adultos para a cidade, o que implica em: longas e
cansativas viagens, feitas atravs de estradas e nibus mal conservados, onde, no raras vezes, os acidentes se fazem parte do cotidiano dos alunos: pau-de-arara escolar tomba na Bahia e deixa 30 crianas feridas (PESSOA, 2011, p, nica); outra manchete: garoto morre aps cair de pau-de-arara escolar no CE (id.). Segundo pesquisas, 40% dos municpios brasileiros responderam a um questionrio que mostrou que atualmente mais de 4 milhes de alunos do ensino fundamental utilizam
esse tipo de transporte para chegar escola. O transporte de graa, mas o problema a situao dos
veculos: antigos e mal conservados. A mdia de idade da frota brasileira que leva crianas escola de 16 anos. O coordenador-geral do Programa de Transporte Escolar do FNDE, Jos Maria Rodrigues,
afirma que a realidade de muitos municpios ainda pior. Em alguns lugares, as crianas chegam
escola de motos, charretes, carroas, caminhes, camionetes e at a cavalo. No Nordeste, esse tipo de transporte escolar ainda mais comum. (ROCHA, 2007, p. nica).
20
E conclui o autor:
Malgrado a determinao constitucional impondo aos
Estados e Municpios a destinao anual nunca
inferior a 25% da arrecadao para a manuteno e
desenvolvimento do ensino, percebe-se que as
polticas de conteno de gastos se fazem presentes
numa rea to prioritria como a educao,
especialmente num pas que convive com altssimas
taxas de analfabetismo, cuja erradicao constitui
prioridade absoluta, dado que a educao do povo tem
sido a grande alavanca do desenvolvimento (Ibid.).
Os meus/nossos8 trabalhos de campo (empiria) mostram que os
camponeses resistem a todo custo tentativa e/ou qualquer ato que sinalize
o fechamento de uma escola dentro das comunidades. E com razo, uma
vez que a escola (mesmo a escolinha) tem um significado muito maior do que quem a v, simplesmente, apenas como uma (mais uma) escola.
Uma escola representa o centro irradiador das comunidades. Ali, ao seu
redor, que tudo acontece: encontro das pessoas em datas festivas (santos);
da reza da missa e/ou do tero (novena); da palestra dos agentes de sade,
do sindicato, da cooperativa; do comcio; da quermesse; etc.. H tambm o
futebol, a cancha de bocha, o mercadinho/bolicho, a reunio danante aos finais de semana.
Como ressalta Kremer (2011, p. nica), a escola, juntamente com a
igreja, parecem ser fundamentais como eixo agregadores que permitem a sobrevivncia da vida em comunidade. E acrescenta: diante do fechamento da escola a comunidade rural sofre um abalo em suas
referncias, sente que fica mais fraca, e teme que aquele seja o anncio do
fim. Anncio do fim da/s comunidade/s. Anncio do fim de uma possibilidade: o das classes subalternas poderem superar as suas
insuficincias mediante o conhecimento buscado/adquirido na escola.
Concordo plenamente com Gramsci (Apud Kremer, 2011, p. nica)
quando, ao falar sobre educao, diz que esta no tem os objetivos
encerrados nela mesmo, mas que tem o papel de transformar as massas, pela construo de novos sujeitos sociais.
Partindo desta assertiva, h que se perguntar: quais so as
possibilidades dos que vivem no/do campo sem escola de superarem esta insuficincia? Que possibilidade tero de se organizarem e elaborarem outras propostas de campo, de escola, se lhes tirado o espao que
possibilitaria esta unidade? Sem escola, porque desativada/fechada,
gerando um sentimento de impotncia, de perda da histria, de
desvalorizao do lugar/campo, o que esperar destes sujeitos? Que fiquem
no campo? Fazendo o qu?
8 As pesquisas (trabalho de campo/empiria) ocorrem, por vezes, em grupo/coletivo; outras
individualmente, em consequncia, sobretudo, pelo tipo de pesquisa e/ou pelas circunstncias (tempo e espao).
21
Este desenraizamento, pelo qual passa o trabalhador do campo, o
coloca, cada vez mais, na condio de no ser. Um ser sem passado, pois
lhe foi tirado/negado a histria, e sem futuro o fechamento da escola representa o fim do sonho de uma vida melhor. Prximo passo, migrar,
mais uma vez. Se no dentro do prprio campo, para a periferia de uma
cidade, longe da escola. Assim se d a reproduo do analfabetismo, tanto
no campo quanto na cidade. Esta realidade, com estes nmeros, alimenta, a
cada levantamento, o nmero que nos coloca no fim da fila em termos
educacionais.
Penso/entendo que o ato de fechar uma escola no campo tem
implicncias imensurveis e um significado ao qual precisa ser pensado
melhor: denuncia que algo no vai bem, no na escola, mas fora dela, ao
seu redor (contexto): o fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que est em jogo algo maior, relacionado
s disputas de projetos de campo (ALBUQUERQUE, 2011, p. nica). Mas, que projeto de campo esse? Projeto cujas aes esto ligadas
s polticas de ajuste estrutural defendidas pelo Banco Mundial, como
estratgia de um projeto maior que visa garantir as bases para a expanso do neoliberalismo (MENDONA e RESENDE, 2004, p. 07).
O Projeto do BM para o campo: mercantilizao da terra e da escola9
Est em curso uma ofensiva do Banco Mundial (BM)
sobre a formulao da poltica agrria dos Estados
nacionais, com um duplo objetivo: de um lado,
mercantilizar o acesso terra, por meio da mudana
neoliberal do aparato estatal, de modo a favorecer o
livre fluxo de fora de trabalho no campo, estimular o
investimento privado na economia rural e
potencializar a integrao subordinada de parcelas
pontuais do campesinato ao circuito agroindustrial,
comandado por grandes empresas; de outro lado,
aliviar de maneira focalizada a pobreza rural,
especialmente em situaes onde as tenses sociais no
campo possam atingir nveis perigosos para a segurana do capital privado e/ou a estabilidade da
ordem poltica vigente (PEREIRA, 2005, p. 01).
O Banco Mundial (BM) tem um projeto parta o campo (leia-se,
pases pobres) cuja caracterstica est voltada no sentido de fazer com que
o Estado abra mo da sua obrigao de promover a desconcentrao
fundiria por meio da distribuio da terra e, em vez disso, estimula o controle do territrio agrrio por grandes empresas (RESENDE e MENDONA, 2004, P. 07).
Para os mentores do projeto, a presena dos camponeses, em grande
nmero, no meio rural/campo, tem se mostrado (vejam o absurdo!) como
9 Tema Tese, Peripolli (2009).
22
um entreve ao desenvolvimento (Id.). A forma para resolver este problema, est em fazer com que estes saiam do campo, ou seja, sejam atrados para as cidades. Livres deles, o campo poderia/poder atingir o progresso/desenvolvimento planejado pelo projeto do grande capital. Esta
frmula, ao que nos parece, vem surtindo efeito desejado, haja vista a
forma como o Estado vem tratando os camponeses atravs das polticas
agrria e agrcola.
Ressalta-se o fato de que no Brasil, a ideologia do BM passou a ter
maior impacto no governo Fernando H. Cardoso. Na regio Norte mato-
grossense, campo emprico das minhas/nossas pesquisas, o programa
uma realidade e vem se consolidando. Basta que se observe a forma como
os assentamentos de reforma agrria so realizados e gestados
(Estado/INCRA): total abandono. Mais: os movimentos sociais encontram
forte resistncia, por parte do latifndio monocultor, para se organizarem
nesta regio, conhecida como terra do silncio (BECKER, 1997). Este silncio, todavia, vem sendo, paulatinamente, quebrado. Tanto
que a burguesia rural/urbana, proprietria de latifndios improdutivos, se
sente ameaada pela possibilidade de ter o sagrado direito da propriedade privada da terra questionado. Prova disso a presena,
bastante significativa, ao longo da BR-163 (Cuiab/MT Santarm/PA), de acampados ligados ao MST e da CPT; bem como a conquista da terra
(assentamentos) por parte de grupos de ex-acampados.
A crtica mais severa ao programa do BM, em relao questo
fundiria, est no fato de que o Estado, ao abrir mo da sua obrigao de
promover a desconcentrao fundiria por meio da distribuio da terra, a
entrega ao mercado. O que implica em dizer que o controle do espao
agrrio fica nas mos das grandes empresas agropecurias nacionais e
internacionais, ou seja, dos grandes grupos econmicos.
A questo que se coloca como grave, est no fato de que, ao abrir
mo dessa obrigao, o Estado a deixa por conta do mercado. Este, por sua
vez, tem seus interesses determinados exclusivamente pelo lucro.
Pergunta-se: e a funo social da terra (CF/1988, art. 184, 185 e 186)?
Em termos formais e abstratos, as disposies da atual
Constituio sobre poltica agrria representam,
indubitavelmente, um aperfeioamento em relao ao
passado, no sentido de se buscar atingir um nvel mais
elevado de justia social. Na realidade, contudo, esse
avano mais declaratrio do que efetivo. Os prprios
redatores da Constituio traram a sua mentalidade
conservadora, ao colocarem os artigos sobre poltica
agrcola e fundiria e sobre reforma agrria como
captulo do Ttulo VII, Da Ordem Econmica e
Financeira, e no do Ttulo VIII, Da Ordem Social.
Ou seja, para os autores da Constituio em vigor, a
questo fundiria diz respeito exclusivamente vida
econmica, nada tendo a ver com a desigualdade
social (COMPARATO, 2011, p. nica).
23
Ao que nos parece, na teoria, uma lei que ampara, prope,
encaminha; na prtica, prevalecem os interesses do projeto do capital para
o campo.
Guisa de Concluso
[...] burguesia incapaz de continuar desempenhando
o papel de classe e de impor sociedade, como lei
suprema, as de existncia de sua classe (MARX e
ENGELS, 2002, p. 50).
O fechamento das escolas do campo, hoje, no pode ser tratado
como um fenmeno isolado da realidade e/ou das discusses outras que
envolvem o campo. Se no houver este entendimento, seremos levados,
mais uma vez, a ver os problemas da escola como sendo da escola, ou seja,
como partindo dela mesma, sem olhar para um conjunto de condicionantes
que se colocam como verdadeiras cercas nesse novo cenrio que vem se produzindo no campo, o do campo sem gente, sem escola; o campo do
vazio campons.
Faz-se urgente nos perguntarmos: que projeto de campo queremos?
O que defende e prope polticas voltadas a atender os interesses da classe
burguesa (latifundirios, monoculturas, campo sem gente, sem escolas); ou
um projeto que interessa aos trabalhadores do campo (terra de trabalho,
multicultivos, mo-obra, renda, gente, escola)?
L no final da linha/estrada est a escola. Esta, para que funcione, precisa de alunos. As famlias camponesas esto migrando para os centros
urbanos, fugindo da pobreza. Os filhos/estudantes vo junto com suas
famlias. Cada vez menos gente nas comunidades e /ou nas escolas
(alunos), os gastos no compensam. A nucleao uma sada emergencial, primeiro no campo, depois em escolas nos centros urbanos. O
transporte escolar com todos os problemas afasta os estudantes do sonho
da escola/estudo.
O mais comum, hoje, ao longo dos caminhos que nos levam ao
campo, o das casas abandonadas/fechadas; o das comunidades que se
desfazem; o das escolas abandonadas/fechadas.
Frear esse movimento vai muito alm da luta, aes, localizadas (programas/projetos de governos). A complexidade da situao passa pela
retomada, valorizao e apoio ao trabalho que (j) vem sendo realizado, h
muitas dcadas, pelos movimentos sociais do campo, mas que a sociedade,
como um todo (partidos, associaes, sindicatos, universidades, igrejas,
etc.) tem dado s costas. Estes tm, historicamente comprovado10
, a fora e
o poder de/em dar outro rumo ao campo.
10 As Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo /2002 so a prova de que polticas pblicas para o campo se fazem no/pelo coletivo.
24
Por fim, enquanto as formulaes de polticas para o campo,
incluindo o uso e a ocupao do territrio (bem como as educacionais)
estiverem sob a tutela de instituies financeiras internacionais, como vem
ocorrendo, cada vez menos trabalhadores no campo; cada vez mais
misria; maior o xodo; cada vez menos gente; cada vez menos escolas.
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26
ROMPENDO O SILNCIO: AS VOZES DOS (AS)
CAMPONESES (AS)11
Josivaldo Constantino dos Santos
Fiorelo Picoli
Introduo
Tendo como referncia as diretrizes da socioeconomia solidria,
enquanto maneira alternativa de se contrapor economia de mercado, que
seletiva e excludente, partimos da bvia constatao que os cidados e
cidads que trabalham e vivem no assentamento da Gleba Mercedes 5,
esto a cada dia que passa, mais diminudos enquanto pessoas, por
trabalharem tanto, e no usufrurem de uma vida com qualidade. As
pessoas precisam viver, porm a qualidade de vida um direito
fundamental do ser humano. A qualidade de vida passa no s pelo
suprimento das necessidades econmicas, como principalmente pelo
controle que o prprio cidado e cidad devem ter de sua vida, de seu
destino (GADOTTI, 2000).
A qualidade de vida, portanto, passa impreterivelmente pela
conscincia individual (a pessoa em si), e pela conscincia coletiva
(comunidade) de que cada um/a, um ser de vontade liberdade amor (homo volens), um ser que se expressa pela linguagem (homo loquens),
um ser social e poltico (homo socialis), um ser que transborda cultura
(homo culturalis), um ser que transforma a si e ao meio, pelo trabalho e
pela tcnica (homo faber), um ser que necessita do jogo e do
divertimento (homo ludens), um ser que transcende e que expressa sua
transcendncia pela religio (homo religiosus), um ser que se manifesta e
que age no mundo, sobre o mundo e com o mundo por meio de sua
dimenso corprea (homo somaticus), enfim, um ser que vive, mas que
no vive qualquer vida, e sim, a vida humana (homo vivens). Ora,
reconhecer essas dimenses, em si prprio e no outro, reconhecer-se e
valorizar-se como um ser que conhece e cujo conhecimento se expressa de
maneira sensitiva e intelectiva (homo sapiens). (MONDIN, 1980).
Quando essas dimenses que caracterizam o ser humano, so
ignoradas, ou seja, quando no existe ou no se possibilita as condies
necessrias para que essas dimenses, em sua totalidade, transpaream, a
qualidade de vida comprometida. De um modo geral nossas
investigaes e aes junto aos agricultores e agricultoras familiares do
11 Este artigo parte do relatrio final do projeto de pesquisa: Educao Ambiental: Processos
Socioculturais para a Reconstruo Curricular e a Construo da Socioeconomia Solidria,
desenvolvido no assentamento Gleba Mercedes 5, no municpio de Sinop MT, no perodo de agosto de 2003 a setembro de 2005. Justifica-se a publicao deste artigo, anos depois do trmino da pesquisa,
visto que a realidade no referido assentamento em muitos aspectos continua tal e qual. Os poucos
investimentos que foram realizados pelo poder pblico, neste espao de tempo, no trouxeram mudanas significativas no que se refere a qualidade de vida em relao aos temas abordados em nossa
pesquisa. Por outro lado, a realidade vivida pelos/as protagonistas da vida no campo, narrada por
eles/as prprios/as, e desvelada por nossa pesquisa, reflete a situao em que vivem atualmente outros assentamentos neste pas.
27
espao pesquisado, constataram a ausncia dessas dimenses. Os cidados
e cidads da Gleba Mercedes 5 sofrem por consequncia de um modelo
econmico pautado pela concentrao de renda, pela concentrao da
propriedade, pela devastao dos recursos naturais e por fim, um modelo
econmico que pela sua base na competio, explora homens, mulheres e
natureza. No bojo dessa explorao, as dimenses da vida humana valem
menos que o lucro.
Neste artigo, apresentamos como esses cidados e cidads, sujeitos
desse espao de vida, analisam a infraestrutura que viabiliza ou no as suas
aes. Elegemos alguns pontos que acreditamos ser importantes discuti-los
tais como: escolas, sade, transporte, estradas, comunicao, recursos do
governo, organizao da produo e vendas dos produtos, cooperativas,
distribuio de gua, energia eltrica, lazer, organizao dos templos
religiosos, devastao, abandono dos lotes pelos titulares, e, no presena
dos representantes do poder pblico no assentamento.
As entrevistas aconteceram de maneira muito informal. Enquanto a
equipe da Secretaria Municipal de Educao (Sinop) reunia-se com os pais
e mes das crianas e enquanto os professores e professoras participavam
de um curso ministrado pelas acadmicas estagirias do curso de
pedagogia da UNEMAT12
, conversvamos com um grupo de agricultores e
agricultoras que estavam para fora do barraco (escola). Isto aconteceu no
dia 16 de novembro de 2003. Foram levantadas as mesmas questes para
trs grupos em momentos diferentes. Primeiro foi conversado com cinco
agricultores, em seguida a conversa aconteceu com um professor e por
ltimo com um casal de agricultores, totalizando oito pessoas. Levantadas
questo por questo deixou-se que ficassem vontade para falarem sobre
cada uma delas.
A entrevista semiestruturada iniciou-se com o grupo de agricultores.
Foi a partir das principais necessidades levantadas pelos agricultores que as
demais questes foram sendo elaboradas e cada dificuldade apresentada
tornou-se um tema para ser analisado.13
A questo que gerou o rompimento
do silncio, a denominamos, de questo introdutria.
Questo introdutria.
Quais so as principais necessidades deste assentamento? (para os
agricultores):
R14
- [...] falta tudo nesse local, pois o poder pblico se faz ausente. Podemos dentro de nossas necessidades eleger algumas das mais urgentes,
tais como: posto de sade com atendimento mdico na prpria Gleba; a
construo das escolas equipadas e professores qualificados; melhoria nas
estradas; rede de eletrificao rural para atender a todos os assentados;
melhoria na telefonia com tecnologia mais adequada, pois esta muito
precria; organizao dos assentados em cooperativas com a finalidade de
garantir a produo, organizao e comercializao de nossos produtos;
12 Universidade do Estado de Mato Grosso. 13 As falas foram transcritas tais quais foram faladas, sem correo gramatical. 14 R= resposta.
28
escola de 2 grau15
, para os alunos que terminam a 8 srie e no tem como
prosseguir os estudos, mais segurana com a presena da polcia. Questo 1 - tema: incio do assentamento - para o casal de
agricultores:
R - Quando o INCRA 16 adquiriu est rea de terra, ela pertencia ao municpio de Tapurah, a compra ocorreu no ano de 1997. Como a grande
maioria dos assentados era de Sinop, bem como por ser mais fcil sair por
esse municpio por ter estradas abertas e, por ser uma regio que fornece
madeiras para as serrarias de Sinop comeamos reivindicar a troca de
municpio. Assim, a partir do nascimento do assentamento comeou uma
grande luta para que os assentamentos do Caldeiro e da Agrovila
passassem a pertencer ao municpio de Sinop. A troca de municpio s veio
ocorrer em 2002 e, foram muitas reunies e promessas at se efetivar o
nosso desejo. Nesse tempo ningum assumia a Gleba, pois ficaram
esperando definir a quem de fato a gente iria pertencer. Hoje pertencemos
ao municpio de Sinop, mas muito pouco mudou por aqui, pois estamos
abandonados da mesma forma que antes. Tudo no passam de promessas e,
no acreditamos mais que venham as melhorias tanto desejadas por todos
os assentados. Questo 1 (a) - tema: atuao dos polticos no assentamento - para o
casal de agricultores:
R - Eles quase nunca aparecem, porm quando chega prximo as eleies eles vm. Nos prometem muitas melhorias, mas nada de concreto
aparecem nas duas comunidades. Pelo fato de termos passado a pertencer
para Sinop a partir do ano passado no sabemos quantos eleitores temos no
Caldeiro e na Agrovila, mas se calcula que teremos mais ou menos 1.000
eleitores. Mas temos um problema: muitos dos assentados votam em Sinop
na sede do municpio, porm o ideal seria que quem tem pores de terra
nos assentamentos votarem aqui, pois assim teramos mais fora e poder de
negociao Para o professor:
R - Em 1997 foram distribudos em torno de 500 lotes, de 70 hectares na Gleba 5, que contempla a comunidade da Agrovila e do Caldeiro que
passaram a pertencer ao municpio de Sinop a partir de 2002. A Gleba 1 e
2 formada por 1.100 lotes tambm de 70 hectares cada um, pertencendo
ao municpio de Tabapor, ficando a uma distancia de 90 quilmetros
daqui. A gleba 3 e a gleba 4, ningum sabe onde fica, se esta foi diluda na
1,2,5, mas se ela pertence a algum no sabemos, porem todo esse
territrio faz parte da antiga Gleba Mercedes que o INCRA desapropriou
para fazer o assentamento. Na Comunidade do Caldeiro e da Agrovila
vivem aproximadamente 1.500 pessoas. Existem muitos lotes que no so
habitados, eles pertencem a pessoas que residem nas cidades prximas e,
alguns dos proprietrios os visitam de vez em quando, outros nunca
aparecem por aqui. Alguns dizem que esto esperando valorizar, outros
15 Leia-se Ensino Mdio (como j dissemos, transcrevemos as falas do modo que foram proferidas). 16 Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria.
29
tem boa vontade de permanecer, mas no conseguiram sobreviver por aqui
por falta de estrutura. Esse no se trata de um local de Reforma Agrria de
fato, apenas mais um assentamento que coloca os colonos na terra e
depois ficam abandonados pelo poder pblico.
PESQ17
- Nesta pergunta cujo objetivo foi compreender as formas
de criao e organizao do assentamento, e como foi o processo de
transferncia deste assentamento para o municpio de Sinop, percebe-se o
desejo que as pessoas tm de falar sobre as dificuldades por que passam.
Para os agricultores entrevistados, o sonho de pertencerem ao municpio de
Sinop por acreditarem que teriam mais acesso a melhores estradas e a uma
infraestrutura melhor virou pesadelo, visto que em nada mudou a situao,
e ficaram apenas na promessa. Muitos j perderam a esperana de que este
assentamento receber a infraestrutura necessria.
Segundo a fala do casal de agricultores, foram eles que
manifestaram a vontade de passarem ao municpio de Sinop, visto que o
municpio de Tapurah no tinha estrutura para manter o assentamento que
foi criado em 1997. Enquanto rolava os trmites burocrticos para a
transferncia, o assentamento ficou sem nenhuma assistncia, nem por
parte de Tapurah e nem por parte de Sinop, ou seja, de 1997 a 2002
ficaram em um total abandono. O agravante, que uma vez sob a
jurisdio de Sinop, a partir de 2002, o abandono continuou.
O professor denuncia que muitos lotes no esto habitados, pois seus
donos resolveram morar na cidade esperando que essas terras sejam
valorizadas para depois investirem nelas. Para muitos, o assentamento se
transformou em uma rea de camping, onde os proprietrios que j
agregaram outros lotes aos seus, vem para caar, pescar, passar o fim de
semana fazendo churrasco. Eis o que diz o professor:
Tem alguns acumulando terrenos e incorporando para
ele, por meio dos membros da famlia, dizem ser da
sogra, sogro, irmos, filhos e assim por diante.
Prximo ao Rio Teles Pires se tornou uma rea nobre
e os lotes so muito cobiados e caros, pois est
virando rea de lazer das pessoas que tem dinheiro
para caar e pescar, bem como para passar os finais de
semana e l nada se produz, porm esto construindo
locais sofisticados em terras no legalizadas e que no
foram destinadas a esse fim. No futuro teremos srios
problemas, pois o INCRA no aparece, mas os
desmandos vo acontecendo todos os dias
(16/11/2003).
O casal de agricultores confirma o que disse o professor:
17 PESQ= Pesquisadores. A dinmica da apresentao deste artigo acontece da seguinte forma: ao final
das falas dos 5 agricultores, do casal de agricultores e do professor, os pesquisadores tecem seus comentrios e reflexes para s depois iniciar um novo tema.
30
Muitos desistiram da terra por falta de condies e
foram embora, alguns abandonaram o lote outros
venderam a um novo assentado de forma irregular,
pois o INCRA no veio reconhecer o novo dono. Tem
gente montando fazendas, esto reunindo vrios lotes.
Tenho conhecimento de um proprietrio que j
encostou seis terrenos e est formando uma nica
rea. A estratgia a seguinte: eles esto colocando
no nome de algum da famlia, temos casos que
colocam em nomes de parentes at fora do Estado de
Mato Grosso. Dos primeiros assentados poucos
restaram [...] (16/11/2003).
Esses desmandos acontecem devido ausncia do INCRA, que
segundo o entrevistado, esteve presente na distribuio dos lotes e nesse
sentido na poca beneficiava muitas pessoas sem a necessidade de receber
os terrenos para serem assentados. Por aqui aconteceu muitas coisas [...] (o entrevistado silenciou, mas seu silncio aponta que preciso uma
melhor investigao e ao por parte do INCRA). Faz muito tempo que no se tem notcias do seu aparecimento por aqui. Os lotes foram todos
distribudos em 1997, mas no se encontram mais 50% neles. No ano de 2003, a imprensa local de Sinop, noticiou que havia
vereadores com terras na Gleba Mercedes 5 e inclusive um desses
vereadores estava em conflito com um assentado por questo de posse de
terra. O vereador chegou a se manifestar via imprensa, tentando justificar
que tambm foi um dos beneficiados pelo INCRA na distribuio dos
lotes. Entretanto, o que se cogitava na poca que o mesmo havia
comprado esse lote dos primeiros e legtimos donos para fins de
especulao. Est em parte explicado o silncio momentneo do
entrevistado ao se referir a pessoas que no so assentadas e que se
beneficiaram ilicitamente pelo INCRA.
Questo 2 - tema: escola - para os agricultores:
R - Temos duas escolas, uma na comunidade do Caldeiro e a outra na comunidade da Agrovila
18. Nas duas temos alunos que estudam de 1 8
sries. Os alunos e os professores so recolhidos de uma distncia que
chega a 25 quilmetros de distncia da escola. Cada escola possui uma
kombi e um nibus que so usados para esse fim, porm, so bem velhos e
muitas vezes esses veculos quebram durante o percurso, ocasionando
atraso na chegada escola. Outro fato bastante delicado que o primeiro
aluno embarca no carro s 5:00 horas da manh e s chega de volta s
16:00 horas, sendo que o perodo de estudos dura apenas 4 horas. Desde a
fundao das comunidades em 1997 as aulas so ministradas em barraces
situados dentro das mesmas.[...]. As salas de aula so de madeira, no
possuem forro nem divisrias certa, a iluminao e a ventilao no so
18 A Gleba Mercedes 5 est dividida em duas localidades: a Agrovila e o Caldeiro (O nome Caldeiro deve ser pelo fato desta parte da Gleba ser banhada pelo rio caldeiro).
31
adequadas para a prtica do ensino. A cozinha tambm de madeira e no
prpria para armazenar os alimentos e muito menos para estes serem
manipulados para o preparo da merenda. Nestas duas escolas estudam um
nmero significativo de alunos sendo 148 de 1 4 sries e 95 de 5 8
sries. Existe ainda um elevado nmero de estudantes que esto fora da
sala de aula. No sabemos a quantidade certa, mas uma quantidade
expressiva. A quadra foi construda pela comunidade, e at hoje no foram
feitos investimentos por parte das prefeituras que mereceram
consideraes. Alm de tudo isso, as escolas so extenses de Sinop. De 1
4 sries pertencem prefeitura de Sinop, por meio da Escola Jardim
Paraso e de 5 8 sries atravs da Escola Estadual Osvaldo Paula19
tambm de Sinop. Desta maneira, as escolas funcionam sem a presena da
direo, e raramente so visitadas pela mesma. Estamos satisfeitos com os
professores que ali trabalham, apesar da maioria no possuir formao, so
esforados e dedicados na execuo de suas funes. O que nos preocupa
o fato de crianas estarem estudando junto com adultos. Temos alunos com
idade de seis anos misturados com alunos de vinte e dois anos. Os alunos,
que terminam a 8 srie no tm como prosseguir os estudos. Estes so
obrigados a mudar-se da Gleba ou paralisar os mesmos. Para o professor:
R - Sou professor da Escola da Agrovila, onde temos alunos a partir de 1 srie at 8 srie. Tambm sou um dos assentados da Gleba Mercedes 5,
resido 500 metros da escola da Agrovila. A escola o que voc est
vendo ali [...], funciona nesse local, mas com algumas dificuldades. A
merenda que chega no suficiente para todos os alunos, e nem vamos
falar da qualidade que pssima, os professores so esforados, o
pagamento vem sempre no dia certo. Quem faz esse pagamento a
prefeitura de Sinop. No tocante as estruturas fsicas, so de pssima
qualidade, no se trata de um lugar adequado para a prtica docente dos
professores e alunos, bem como para que se possa realizar algum tipo de
trabalho de qualidade. A estrutura fsica da escola no pertence ao Estado
de Mato Grosso e muito menos Prefeitura municipal de Sinop. Tanto no
Caldeiro quanto na Agrovila a estrutura fsica pertence comunidade.
Temos aqui duas extenses das escolas de Sinop. De 1 at a 4 sries, que
organizada pela prefeitura municipal de Sinop e, de 5 at a 8 sries
atravs do Estado de Mato Grosso (o professor se refere rede estadual). A
direo dessas escolas fica em Sinop, mas aqui fica uma coordenadora que
executa o trabalho de intermediao nas duas escolas. Hoje o nmero de
alunos de 184 no Caldeiro, e 106 na Agrovila, fora os 20% de evadidos
e transferidos, alm dos alunos no matriculados em idade escolar, sendo
difcil avaliar a quantidade certa. As escolas esto a uma distncia entre 25
e 30 quilmetros das casas dos assentados, sendo que os alunos e
professores que residem distante so transportados com veculos velhos
que quebram todos os dias, ocasionando atrasos na chegada da escola e
consequentemente, a perda de aulas. Considero que o ambiente onde as
19 Essas escolas atualmente no esto responsveis pelas extenses na Gleba Mercedes.
32
escolas se encontram no pode proporcionar progresso na aprendizagem,
pois convivemos com o barulho, calor forte, devido s estruturas precrias
das instalaes, mistura de crianas das sries iniciais com adolescentes e
jovens. A cozinha no oferece as mnimas condies de higiene, de
madeira e na escola no tem energia eltrica. A biblioteca no oferece
nada alm do material bsico ao ensino at a 4 srie, e os demais
raramente tem material para os estudos. A gua do rio, sendo utilizada na
comida das crianas e a bebemos sem tratamento algum. Tambm no
temos gua encanada na escola do Caldeiro nem na da Agrovila que
tambm no tratada. Para o lazer e os esportes dos alunos no temos nada
alm de campos de futebol, que por sinal foram construdos pela prpria
comunidade. Para o casal de agricultores:
R - Aqui no tem escola. A escola o barraco de madeira da comunidade e que foi construda pela comunidade e a ajuda do Governo que recebemos
R$ 3.000,00 (trs mil reais) no incio do assentamento. As estruturas fsicas
da escola pertencem comunidade e as prefeituras nunca assumiram nada
das construes por aqui. Quanto a qualidade do ensino estamos satisfeitos,
os professores fazem o que podem e dentro do que eles tem. A realidade
muito dura, falta tudo, a cozinha como voc viu um local imprprio para
fazer as merendas. Ns temos que fazer a merenda nesse local sem energia,
sem geladeira, paredes de tbua, alm disso, faltam bacias pratos e
talheres, ou so sem qualidade e velhos. A gua, ns apanhamos no rio
com o balde, tanto para a alimentao e para beber, mas no tratada, bem
como para fazer a limpeza das instalaes. Na biblioteca podem ser vistos
alguns livros, mas so muito poucos e so os livros bsicos do governo. Os
professores de 5 at 8 srie reclamam que no podem avanar nos estudos
por falta de material. Tambm por falta de energia eltrica no podem
passar um vdeo, televiso e outros instrumentos que necessitam de fora
eltrica. Alm disso, temos sempre alunos e professores doentes,
principalmente por terem contrado malria que uma praga que nos
acompanha ha muito tempo sem soluo. Tudo aqui problemtico. As
escolas no tm guarda e, para completar o quadro, as diretoras ficam em
Sinop. Temos uma encarregada que cuida das duas escolas da Gleba, a da
Agrovila e a do Caldeiro. Necessitamos urgente da construo do colgio
e que esse seja construdo para contribuir com a aprendizagem por meio do
direito que as pessoas que ali estudam e trabalham tem. O problema maior
vai acontecer no comeo das aulas em fevereiro de 2004. Segundo nosso
levantamento teremos 50 alunos que concluram a 8 srie sem aulas, pois
ainda no temos o segundo grau e, nos falaram que no vamos ter.
muito difcil atender alunos com mais de vinte anos misturados com alunos
de seis anos. Tambm se faz necessrio, aulas no perodo noturno. Muitos
esto fora da escola pela necessidade de trabalharem e investir na formao
de adultos. PESQ - Nos trs depoimentos, vemos os mesmos lamentos em
relao estrutura das salas de aula. Porm todos valorizam o trabalho dos
33
professores e professoras, pois segundo eles, fazem o que podem. Alm de
no haver escolas (o que h so salas de aula que funcionam precariamente
e como extenso de duas escolas urbanas de Sinop), os contedos
curriculares trabalhados, no esto voltados para a realidade vivida pelo
cidado e cidad que habita o campo; so contedos que no partem das
experincias de vida dos alunos e alunas; so contedos da cidade,
aplicados realidade camponesa, e consequentemente, no se percebe na
organizao curricular o mnimo de ateno diversidade cultural, aos
valores, aos ideais que dizem respeito identidade dos que vivem no e do
campo. Na Gleba Mercedes 5, no h escola NO campo e nem escola DO
campo. O mal seria ainda maior se os professores e professoras que
lecionam no assentamento no tivessem nenhuma relao com o campo.
Digo isso porque sendo tambm homens e mulheres do campo, os
professores e professoras procuram dar sentido aos contedos
relacionando-os na medida do possvel, s experincias que possuem, eles
e seus alunos e alunas com a terra.
Questo 3 - tema: sade - para os agricultores:
R - A sade s em Sinop. A comunidade do Caldeiro e da Agrovila, ficam respectivamente a 98 e 70 quilmetros distantes de Sinop. A sede do
municpio o nico meio para sermos atendidos quando necessitamos de
atendimento mdico e de exames clnicos. Os atendimentos nos
assentamentos so exclusivamente para os doentes de malria. feita a
coleta do sangue e so tratados aqui mesmo, mas isso s ocorre na
Agrovila. Hoje domingo dia 16/11, e somente nesta semana passada
tivemos 17 casos de malria juntando a Agrovila e o Caldeiro, mas na
realidade no baixam de 40 a 50 casos em mdia por ms. O nmero de
casos positivos depende da poca. No perodo das chuvas os casos
aumentam devido proliferao dos focos dos mosquitos transmissores.
Quanto sade nos sentimos completamente abandonados. J nos
prometeram uma ambulncia para transportar os doentes, mas tudo no
passam de promessas que no se efetivam na prtica. As vacinaes em
massa s acontecem aqui quando so campanhas nacionais, nos demais
casos no. Se algum fica doente, quem tem carro leva at o recurso, quem
no tem acaba indo de nibus, mas esse meio funciona apenas em alguns
dias da semana. Para o professor:
R - Tratamento aos doentes e preveno s doenas so coisas que no acontecem por aqui. Temos em mdia 40 casos de malria por ms e, esse
o nico atendimento que pode ser feito aqui. Dizem que no querem que
nos dirigimos at Sinop para no contaminar as pessoas de l, seria esse o
motivo para virem at aqui atravs da SUCAM20
realizarem os
atendimentos. Todo o atendimento mdico, exames de laboratrio e
medicamentos so realizados em Sinop. Alm disso, o doente tem que se
virar como pode para chegar at o hospital, ele vai de nibus, de carona ou
20 Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica do Ministrio da Sade.
34
de carro dos prprios assentados, lembrando que so poucos que possuem.
Nas duas comunidades, tanto no Caldeiro como na Agrovila se faz
necessrio, ambulncias da prefeitura, mas esta ficou s na promessa, at
hoje as aes da prefeitura comprometem os direitos de cidados que
temos e no so cumpridos os direitos bsicos. Temos muitas promessas,
nossa realidade muito dura, as coisas no chegam por aqui. Estamos
completamente abandonados, temos a quem recorrer, mas no temos
respostas de ningum, isso o abandono total, conforme voc mesmo pode
ver. Dos 19 professores das duas escolas, dois esto doentes com malria,
dois contraram leschimaniose e um est com srios problemas renais
motivados pela gua no tratada que bebida nas escolas. Para o casal de agricultores:
R - Sade aqui, nada funciona. Tem um pequeno prdio, mas no temos mdicos, enfermeiros e muito menos remdios. A sade s na cidade de
Sinop, mas a gente vai l, muitas vezes no somos atendidos e, para
receber o atendimento temos que fazer muitas viagens. Nem sempre a
gente consegue a consulta na primeira viagem. Assim, comea uma
peregrinao, uma viagem para marcar a consulta, outra para consultar, se
necessitar de exames mais uma viagem, depois mostrar os exames ao
mdico. Eles fazem da gente o que bem querem. Isso quando a gente
atendido! Pois, a maioria das vezes somos mal atendidos ou no atendem.
mais um faz de conta que muito pouco resolve. O custo para cada
viagem de uma pessoa de R$ 28,00 (vinte e oito reis), a grande maioria
das pessoas no tem esse dinheiro para fazer uma viagem, imagina quatro
ou cinco! A nossa condio de desamparo muito triste, mas no temos
outra sada, pois vivemos o descaso do poder pblico. Aqui na Gleba eles
atendem somente os casos de malria, e esses so acima de 30 todo ms. A
prefeitura no aceita que os doentes de malria sejam tratados na cidade,
quer que os doentes fiquem no assentamento. Isso ocorre pelo fato de
terem medo que contamine o pessoal da cidade. Tenho que dar risada com
essa condio criada, pois quando as pessoas morrem, independente da
doena so transportadas at Sinop, para serem sepultadas. Acontece que
no Caldeiro e na Agrovila no temos cemitrio ainda. A gua muito
problemtica, por no ser tratada e consumida por animais e gente
transmite muitas doenas. Alm disso, as pessoas jogam dejetos poluentes
nos rios e contaminam a gua. PESQ - O que vemos nesses depoimentos? Vemos absurdos
acontecendo: uma discriminao tamanha com os trabalhadores e
trabalhadoras do campo. No podem ir cidade quando esto com malria
para no contaminarem os cidados urbanos, e nem tampouco o atendimento que recebem em relao malria satisfatrio, agravando-se
muito na poca da chuva com as estradas intransitveis. De um modo
geral, at que h a quem recorrer como disse o casal de agricultores,
porm, no so ouvidos. isso que agrava mais a situao, pois h uma
Secretaria de Sade em Sinop, porem os moradores e moradoras da Gleba
Mercedes ficam a merc da boa vontade deste rgo pblico.
35
Questo 4 - tema: transporte - para os agricultores:
R - O meio de nos locomovermos at o municpio de Sinop atravs de um nibus de propriedade particular. Ele faz o caminho at Sinop todas as
segundas, quartas, sextas e aos sbados, sendo esse trajeto de ida e volta no
mesmo dia. O nibus volta lotado com mercadorias, principalmente de
gneros alimentcios que so comprados nos supermercados da cidade.
Tambm utilizamos os carros pequenos, e os assentados que possuem
automvel juntam-se com os que no tm com o objetivo de dividirem
despesas de viagem para fazerem as compras nos supermercados e no
comrcio de modo geral. Outra alternativa de se chegar at a cidade
atravs da carona, pois so muitos os caminhes de madeireiros que
trafegam nesse percurso, mas esse transporte bastante perigoso, pois os
caminhes viajam carregados de toras e apresentam-se bastante
danificados pela falta de manuteno e pelas pssimas condies das
estradas. Para o professor:
R - O transporte muito complicado. s vezes nos sentimos sem sada por falta de opo, visto terem construdo a Gleba to distante das cidades,
parece que foi realizado dessa forma para no dar certo. Os assentamentos
devem ser prximos das estradas gerais e prximos das cidades. Temos um
nibus que faz o trajeto at Sinop alguns dias por semana, mas
insuficiente, voc fica condicionado aos horrios da empresa e tem que se
sujeitar aos horrios que nos so determinados. Alm disso, o custo da
passagem bastante elevado pelo nvel de vida que ns levamos aqui, pois
o custo fica em R$ 14,00 (catorze reais) para ir at Sinop e R$ 14,00
(catorze reais) para voltar. Para nosso oramento R$ 28,00 (vinte e oito
reais) um valor um pouco elevado. Outra alternativa conseguir carona
de vizinhos e dos caminhes das madeireiras, mas no ltimo caso muito
perigoso. O problema se agrava quando algum fica doente, alm de no se
ter atendimento mdico na Gleba tambm no temos uma ambulncia aqui.
A ambulncia uma promessa antiga, mas as promessas no se cumprem
por aqui. A nica alternativa que nos resta em casos de doenas recorrer
aos vizinhos, porm, a grande maioria dos assentados no possui
automvel. PESQ - O drama do transporte: ou atravs de carona em carros de
passeio, ou em cima de caminhes que transportam toras do mato para as
madeireiras em Sinop, ou ainda dividindo despesas de combustvel com os
poucos assentados que possuem veculos. Tudo isso para escapar de uma
tarifa muito cara (28,00 reais) para o padro de ganhos dos moradores e
moradoras da Gleba. Quem precisar se deslocar para a cidade mais de uma
vez por semana ter um gasto exorbitante s com passagem.
O professor levanta uma questo muito sria que a distncia entre
os assentamentos e as estradas principais que conduzem zona urbana.
Parece que foi realizado dessa forma para no dar certo, disse o professor.
Isso nos lembra, uma citao de Picoli (2005) a respeito da criao dos
assentamentos pelo INCRA:
36
[...] distribua-se terras aos grupos organizados, tambm se fazia assentamentos via INCRA, e esses
contemplavam os pequenos agricultores, para
desenvolver o sentimento nacional de governo bom e
prestativo. No entanto, esses projetos nasciam com o
intuito de no darem certo (p. 23).
Picoli aponta a criao dos assentamentos como estratgia dos
governos para parecerem bons e prestativos diante dos assentados e
assentadas, e, a negligncia em viabilizar infraestrutura digna para o
funcionamento desses assentamentos leva-nos a pensar que tais
assentamentos isolam os trabalhadores e trabalhadoras no campo, criando
dois mundos paralelos e antagnicos: o mundo da cidade e o mundo do
campo. A realidade vivida por esses homens e mulheres deste
assentamento na pior das hipteses confirma a afirmao de Picoli.
Entretanto, no podemos aceitar esta concluso, preciso super-la com
outras alternativas emancipatrias, e, a socioeconomia solidria aponta
para esta superao.
Questo 5 - tema: estradas - para os agricultores:
R - As estradas como voc pode observar so ruins. Existem duas entradas e sadas para a sede do municpio de Sinop, uma que sai pela
ponte e a outra pela balsa do rio Teles Pires. Essas estradas vivem
abandonadas pela prefeitura, e, se no fossem pelos madeireiros que as
arrumam ns estaramos sem possibilidades de sair dos assentamentos.
Quanto s estradas que levam at o lote do assentado, em algumas nunca
passaram mquinas. Se o assentado vende a madeira aos madeireiros, alm
de conseguir renda para completar as construes e comprar animais, ele
tem a garantia da estrada construda, por parte do madeireiro. Para o professor:
R - As estradas como voc pode ver so ruins e com a chegada das chuvas vai ficar ainda pior. Quem fez 80% das estradas foram os
madeireiros para tirar as madeiras dos lotes dos assentados, mesmo assim,
muitos terrenos esto sem acesso, pois os madeireiros cuidaram das
estradas enquanto tiravam as madeiras, depois abandonaram o local e a
prefeitura no se faz presente. Hoje a prefeitura atende de forma bastante
precria a estrada geral, que faz o caminho entre as sedes das comunidades
do Caldeiro e da Agrovila at o municpio de Sinop. A nossa esperana
que sejamos atendidos por meio de estradas pelo fato que at 150
quilmetros os fazendeiros esto abrindo suas fazendas, dessa forma
possvel que as estradas sejam melhoradas, mas no por conta dos
assentados. Para o casal de agricultores:
R - A estrada geral est transitvel, tanto a que vai no sentido da ponte do Rio Teles Pires, como quem queira entrar e sair pela balsa do mesmo rio.
Quando a chuva chegar, principalmente de janeiro em diante no sabemos
como ela vai ficar, pois, todos os anos nessa poca, fica intransitvel. No
37
que diz respeito aos