Upload
lilian-fontanari
View
16
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Conceito e constituição de um Economuseu
Citation preview
1
Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias
Departamento de Museologia
Economuseu
Casa de Bordados
Ana Teresa de Macedo Klut
Dissertao apresentada na ULHT para obteno do grau de Mestre em
Museologia
Orientador: Mrio Canova Moutinho
Coorientador: Fernando Joo Moreira
Lisboa 2003
2
Apresentao
A ossatura em que assenta este projecto de museologia articula-se em trs momentos,
expresso de um Leitmotif necessrio coerncia do trabalho que se pretende
corporizar.
Respeitando as cautelas metodolgicas interessa-nos sumariar a lgica subjacente ao
presente trabalho: cada uma das trs partes tem o seu centro de gravidade num elemento
crucial.
A primeira privilegia o elemento histrico sem o qual seria impossvel concluir
da importncia do bem cultural em questo, das suas potencialidades fsicas, sociais e
culturais. Este momento destina-se justificao do Bordado da Madeira, no seio do
artesanato regional, como fora geradora de um determinado museu, sendo necessrio
estabelecer o seu traado histrico para determinar a sua legitimidade como bem
patrimonial e questionar a sua permanncia em termos futuros.
O segundo o porqu do modelo museologico escolhido o economuseu tendo em
conta uma evoluo dos pressupostos tericos sobre a museologia, legitimando a escolha
deste modelo como o mais adequado.
O terceiro momento implica o projecto de Economuseu com os seus contornos e
pressupostos, aplicados a uma fbrica de bordados. Neste mesmo momento, e porque lhe
indissocivel, apresenta-se a componente edifcio (1) onde se desenrolar a narrativa
museolgica, dotando uma empresa tradicional, que se pretende revitalizada, da vocao
e projecto cientifico de um museu o projecto Economuseu Casa de Bordados pondo
em dilogo a museologia e a economia.
Este momento constitui a smula e convergncia dos momentos que o precederam.
1 Sobre o edifcio seleccionado, foi agregada uma adenda no final do trabalho com o propsito de dar conta
de um incndio ocorrido no referido edifcio, aps concluso da redaco da presente dissertao.
3
Abstract
This piece of work is organised in three parts that are the expression of a Leitmotif
substantive to the works coherence. They constitute the framework in which the
museology project will settle.
Concerning the methodology cautions it is important to summarise the subjacent logic
behind the edification of this work: each of the three parts has its gravity centre set in a
specific element.
The first privileges the History, a relevant element to ascertain the importance of this
cultural good, its physical, human and cultural potentialities. This moment is destined to
justify the Madeira Embroidery, amongst the regional handicrafts, as a generator strength
and a starting point to a specific museum, and the need to trace its history is also crucial
to determine its legitimacy and permanence in future terms.
The second moment why was the economuseum chosen to be the museological model to
be installed. It concerns an evolution of museology concepts and theories in order to
endorse this model as the most suitable one.
The third implies the economuseum project, its contours and presuppositions, applied to
an embroidery factory. At this point, and as it appears as a fundamental issue, the
building (1) in which the museological discourse will take place, is presented. By
endowing a traditional business, renewed and revitalised, with the scientific project of a
museum the Embroidery Factory Economuseum emerges a dialogue between
museology and economy.
This moment amalgamates and summarises the two preceding moments.
1 Concerning the selected building, an addendum was added to the final part of this dissertation , in order to report a fire which occurred in the building, after the essay was already written.
4
ndice de Matrias
Captulo I
O BORDADO DA MADEIRA
1.Introduo:
1.1-Porqu o Bordado da Madeira
Pg.1
2- Histria do Bordado da Madeira
2.1 A Industria
2.2 A Regulamentao Das Fases De Produo
2.3 As Fases De Produo
2.4 A Obra
Pg.7
Pg. 12
Pg.20
Pg.24
Pg.40
Captulo II
PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA
1.1 Da Memria
1.2 Do Objecto Museolgico
1.3 Da Museologia
Pg.48
Pg.52
Pg.55
2- O Economuseu :
2.1A vertente Museolgica
2.2- A vertente Empresarial
2.21 A Gesto
Pg.67
Pg.70
Pg.72
2.2.2 - O Marketing
2.2.3- A Qualidade
Pg.74
Pg.76
5
Captulo III
O ECONOMUSEU
1. Economuseu Casa de Bordados
1.1 Projecto de Estruturao do Economuseu
1.2 - Um Economuseu Para Qu ?
Pg.79
Pg.80
Pg.81
1.2.1 - Metodologia
1.2.2 - Pertinncia
1.2.3 - Exequibilidade
2 O Economuseu Casa de Bordados
a) Estrutura Espacial
b) Estrutura Funcional
Pg.86
Pg.88
Pg.93
Pg.98
Pg.101
Pg.103
3. Consideraes Finais
Bibliografia
4. Adenda
Pg.109
Pg.111
Pg.114
6
ndice de Imagens
Postal N.1- Venda de artesanato feita pelos Bomboteiros Pg.22
Fot. N.1- Escola do Grmio na Freguesia de Cmara de Lobos Pg.25
Fot. N.2 - Escola do Grmio na Freguesia de Machico Pg.26
Fot. N.3 - Construo de um desenho original para bordado da Madeira Pg.29
Fot.N.4 - Pormenorizao de um desenho original Pg.30
Fot.N.5 - Preparao para Picotagem Pg.31
Fot.N.6 Pormenor de Picotagem Pg.31
Fot.N.7 Contagem de pontos industriais Pg.32
Fot.N.8 Material para estampagem Pg.33
Fot.N.9 Pormenor de estampagem Pg.34
Fot.N.10 - Pormenor de tecido estampado Pg.35
Fot.N.11 - Bordadeiras domicilirias Pg.36
Fot.N.12 - Artria central da cidade do Funchal datada de 1919 Pg.93
ndice de Quadros
Quadro N.1 Exportao de Bordados de Janeiro a Dezembro de 2001 Pg.40
Quadro N.2 Exportao e venda local de bordados de 1996 a 2002 Pg.42
Quadro N.3 Levantamento de bordadeiras por Concelho Pg.46
Quadro N.4 Tabela de Contagem de Pontos industriais datada de 1935 Pg.49
Quadro N.5 15 questes prticas de exequibilidade de um Economuseu
Syril Cimard, Leconomuseologie,1989
Pg.84
Quadro N.6 VAB a preos de base para a R.A.M. de 1995 a 1999 Pg.94
Quadro N.7 Organograma Espacial Pg.104
Quadro N.8 Organograma Funcional Pg.105
7
CAPITULO I
O BORDADO DA MADEIRA
1- INTRODUO
1.1 PORQU O BORDADO DA MADEIRA?
2 - A HISTRIA DO BORDADO DA MADEIRA
2.1- A INDSTRIA
2.2 A REGULAMENTAO DA INDUSTRIA DE BORDADOS
2.3 AS FASES DE PRODUO
2.4 A OBRA
8
1.1-PORQU O BORDADO DA MADEIRA ?
Importa aqui traar a importncia do bordado e da posterior implementao da indstria
de bordados na sociedade madeirense, com as nuances que lhe esto inerentes, para se
estabelecer com maior pertinncia o impacto deste museu da indstria de bordados,
referente de uma herana tangvel da cultura da Ilha da Madeira. A palavra indstria, ao
nos referirmos produo do Bordado da Madeira, no ser o lexema mais correcto,
porque no se trata de uma produo industrial no seu sentido pleno, mas antes um misto
de fabricao em srie e de trabalho caseiro, executado manualmente, sem recurso a
maquinaria distintiva. No entanto, e a favor de uma fluidez discursiva, ser usado este
termo para referenciao da actividade supra citada.
Julgamos imperioso definir neste momento, o contedo do conceito operatrio do
bordado: o bordado consiste na aplicao de fio sobre uma tela penetrvel, atravs de
uma agulha, instrumento que determina a essncia tcnica do ponto. O bordado da
Madeira constitui um tipo peculiar de bordado, assente numa base espacial prpria, o
Arquiplago da Madeira, executado segundo um vasto manancial de tcnicas,
importadas na sua maioria, mas sujeitas a uma adaptao local.
No entanto, no s o bordado que importa relevar, mas toda a componente histrica,
social, cultural e econmica que envolve esta actividade e os traos distintivos que os
contornos da ilha lhe incutiram.
O quadro social e econmico de produo artesanal, onde se insere o bordado, desloca-se
ao ritmo da prpria mudana social e assume, em cada contexto de produo, diferentes
significados e percursos.
No seu traado, o bordado da Madeira surgiu emergente do universo individual e da
representao da memria, aviventada pela bordadeira como expresso de uma
identidade cultural.
9
Com o decurso do tempo, perdeu-se este trao intimista e familiar que o marcou nos
tempos primordiais, com o eclodir de um produto reinvestido de novos usos e
funcionalidades, contextualizado numa dimenso transposta a uma escala mundial, muito
para alm dos contornos fsicos da Ilha.
A apreciao deste produto artesanal indissocivel da anlise da envolvente humana e
paisagstica em que se insere. O valor do produto artesanal, como de toda a cultura
material, nunca absoluto, sendo sempre relativizado pelo aprisionamento ao espao e ao
tempo, com as flutuaes que lhe so conhecidas. O bordado da Madeira, como produto
artesanal, s far sentido se subjacente actividade desta comunidade que lhe deu
origem, porque essa a genuna essncia do artesanato e o desafio que lana sociedade
de consumo. O produto assim referenciado, apela de imediato aos universos individuais
e colectivos que o geram, sendo esta a sua principal riqueza. Deste quadro no
excepo o bordado, a bordadeira e os outros profissionais do sector, e a prpria Ilha da
Madeira. A procura de smbolos e a descoberta de percursos nicos torna apetente este
produto artesanal no mundo contemporneo, tido como estandarte da Ilha que o traz
como pano de fundo, a par do vinho com o mesmo nome.
A especializao e a criao de uma imagem de marca, necessrios afirmao deste
artigo em mercados nacionais e estrangeiros, faz associar o produto Bordado da Madeira,
a esta ilha, contribuindo para que a Regio seja uma referncia mundial a nvel da
produo artstica e do artesanato que nela se produz.
falso e mistificador eleger um nico produto como representativo do artesanato de uma
regio: to diverso o artesanato quanto as realidades individuais em que produzido, o
contexto de produo e especificidade cultural. O artesanato, como expresso mais
legtima das tradies culturais e laborais da Ilha, atinge um papel singular de grande
impacto popular, dentro e fora das fronteiras insulares.
As obras dos artesos madeirenses espelham uma criatividade, rica de devoo s coisas
simples, uma sabedoria que fruto da experincia, da vivncia interiorizada das coisas
feitas, de um saber transmitido das geraes anteriores.
10
Os anais da histria da Madeira, no que se reporta ao artesanato, foram escritos sessenta e
cinco anos depois do primeiro povoamento da ilha. Por volta de 1425 j rezavam as
crnicas a propsito das coisas que as gentes da ilha eram capazes de fazer em giesta. As
naus levavam para Lisboa e da para o interior da Europa, alvos cestos dessa retama, que
na poca conquistaram o reino e os pases estrangeiros de relaes com Portugal.
Possivelmente a maior riqueza do artesanato da Madeira reside na diversidade das suas
origens: os primeiros colonizadores tero vindo de todo o Portugal e posteriormente do
Norte da Europa, da Pennsula Italiana, de frica e de Marrocos. Cada povo era detentor
dos seus conhecimentos, aptides, artes e ofcios, experimentaes, receitas, costumes e
tradies, moldando o artesanato como um saber emergente dessa sumula, melhorado,
com o passar do tempo, pela permuta de tcnicas e valores.
Recorde-se a este propsito e como resultado directo de um saber hbrido, as mltiplas
manifestaes que o artesanato regional ostenta: os segredos de curtir as peles, de
preparar o marroquim e o cordovo alvo, base da produo da nossa tpica bota ch
(parte integrante do traje regional), que tida como uma adaptao da bota mourisca; os
lavores femininos, tero sido trazidos pelos colonizadores do Norte do Pas, que consigo
trouxeram os teares medievais, onde se tecia o linho da terra, a estopa e a seriguilha de l;
a maleabilidade de trabalhar o vime, matria-prima que pontua a paisagem das zonas
rurais, acompanhou os pioneiros habitantes da ilha que, certamente, se viram compelidos
a recorrer a essa arte, para colmatar algumas carncias de utenslios nas suas lides
caseiras e agrcolas; o elaborado compromisso entre a arte e o artesanato atravs dos
preciosos embutidos de madeira.
Uma outra vertente so as sensveis demonstraes de arte popular que tanto colorido
deram aos nossos arraiais como as bonecas de massa, as flores de papel, a obra de cana
vieira, os barcos em miniatura.
11
Ainda outro aspecto das manifestaes artesanais, o ldico, como o ilustram os
brinquedos tradicionais, os carrinhos de cana e verga e as "joeiras" ou papagaios de
papel, passando pelos instrumentos musicais, o tpico tocar da braguinha ou o ritmo do
Brinquinho.
Ainda o pragmatismo dos utenslios vindos das oficinas dos picheleiros, que permitiam
que os leiteiros andassem de porta em porta, vendendo o leite " medida"em recipientes
feitos de folha zincada.
Tantas sero as manifestaes artesanais, quanto o empenho em salvaguardar, no
presente e no futuro, os autnticos valores culturais celebrando-os com a dignidade que
merecem e rejeitando as imitaes e os artefactos de duvidosa qualidade e gosto.
A nossa identidade pode ser revisitada na Arte e Tradies populares, caso estas
manifestaes mantenham inalterada a qualidade dos seus artefactos e a veracidade nos
seus usos e costumes.
O Bordado da Madeira (e de certa forma, a tapearia) de incontestvel singularidade,
destaca-se pela fama que conquistou no mundo inteiro.
Ao enfatizar o bordado, distinguindo-o das demais artesanias, ser sempre na perspectiva
de privilegiar um produto entendido como artesanato artstico, dignificar um contexto de
produo sui generis e evidenciar um contexto econmico, distante do restante
artesanato, com valores de exportao e venda local que continuam a ter grande impacto
na economia regional. a actividade artesanal que emprega maior numero de pessoas,
quer no espao fabril, quer em espao domicilirio, constituindo as bordadeiras uma
classe distinta dos demais artesos.
12
No existe, no presente momento, literatura edificada sobre a histria dos bordados da
Madeira e a reconstituio histrica que traada, baseada em vrios artigos avulsos, de
revistas, jornais e livros, que a este assunto dedicam um captulo. Muita da literatura
acerca da temtica (parte dela em lngua estrangeira) mais no faz do que descrever
pictoristicamente as bordadeiras ou analisar a questo sobre um prisma estritamente
econmico. Na comunicao social regional, o bordado da Madeira sempre foi tema de
celeumas entre as vrias frentes de interesses e de opinies divergentes.
No um assunto que nos deixe indiferentes.
13
2 - A HISTRIA DO BORDADO DA MADEIRA
O Bordado da Madeira uma amalgama de vrias vicissitudes e interferncias, uma
histria tocada por conotaes externas, achegada a um saber - fazer Ihu.
A tradio portuguesa est na origem do bordado que se fez na Madeira, pela primeira
vez. As primeiras bordadeiras tero chegado por volta de 1425, no incio do povoamento
da Ilha, por entre os colonos do Minho e do Algarve, trazendo consigo os conhecimentos
das regies donde haviam partido. A simplicidade dos motivos bordados, que pode ser
encontrada em alguns trabalhos do Norte e Sul de Portugal, comprova a sua filiao
inicial. Eram composies ingnuas, de fiadas de ilhs, geometricamente ordenadas em
meios arcos de crculos ou linhas quebradas, sendo por vezes mais elaboradas e
simtricas.
A influncia portuguesa intensifica-se, j pelos scs. XVI, XVII e XVIII, nos trabalhos
conventuais, de grande preciosismo e resistncia, que se faziam nos conventos de Santa
Clara, das Mercs e da Encarnao. O cariz de perfeio destes bordados notrio,
visvel na sua aplicao aos paramentos litrgicos, bordados a matiz, ouro e prata.
Na Exposio da Industria Madeirense que se realizou no Palcio do Governo a 1 de
Abril de 1850, por obra do Conselheiro Jos Silvestre Ribeiro, foi dado um grande relevo
a muitas das artesanias regionais. Temos conhecimento da existncia de "()obras de
palha de verga de giesta e de vime- obra-de-cera- flores e frutos artificiais- bordados e
lavores(...) ." No relatrio do jri pode ler-se a referncia: "() bordados em seda a
matiz com guarnies de froco, de nastro e de ouro, em diferentes quadros, tudo feito
com muito aceio e belesa. (.) Bordados de passe em fil, bem acabados e de bom gosto
(.) Bordados brancos diversos de muito merecimento. ".
A convite da rainha Vitria, em 1851 a Exposio das Indstrias Madeirenses foi
apresentada em Londres no edifcio denominado Hyde Park, incorporada na Exposio
da Indstria de todas as naes em amigveis relaes com a Gr - Bretanha. A feira
realizada na Madeira e a ida do bordado a Londres, fez com muitos olhares se dirigissem
para esta indstria emergente.
Muito do interesse pelo bordado que se fazia na Madeira ficou a dever-se a uma senhora
inglesa, Elisabeth Phelps, que viveu no Funchal por volta de 1860. Esta ter admirado a
14
perfeio dos bordados feitos no Convento de Santa Clara, e motivado as raparigas para a
execuo de novos pontos do seu conhecimento. Ter sido este o momento de introduo
do bordado ingls na Ilha da Madeira e o ponto de partida para a sua posterior difuso
na Inglaterra, levado por Miss Phelps para junto das senhoras da alta sociedade inglesa.
O seu papel isolado no , por si s, a justificao para a profuso do bordado, nem para
a rpida expanso que teve na Ilha junto da populao feminina, j que, em 1862, havia
1029 bordadeiras dispersas pelo territrio insular.
O desenvolvimento da indstria dos bordados esteve relacionado com o enfraquecimento
da produo e comercializao do vinho, na sequncia de molstias que atacaram a vinha,
como o odio e a filoxera. O espao agrcola apresentava-se insuficiente para a satisfao
das necessidades dos seus ocupantes. A adeso da populao feminina a este sistema
artesanal, tendo por base a venda do seu bordado s fbricas, deve ser vista luz das
dificuldades do campons do sculo XIX, vindo esta indstria a preencher um espao
econmico deixado livre pela crise vitcola. O escasso rendimento do agregado familiar
era assim complementado, sem serem alterados os padres culturais vigentes, uma vez
que a mulher continuou em casa a bordar, enquanto zelava pelos filhos e,
simultaneamente, pelos afazeres domsticos.
Na sua evoluo, o Bordado da Madeira reflecte a influncia dos bordados Richelieu,
Renascena e Veneziano. Parece ter sido influenciado directamente pelo bordado
escocs, designado por Ayrshire Work, bordado branco, realizado nesta regio da Esccia
entre 1820 e 1870.
Para alm disso, ainda influenciado por rendas, divulgadas por toda a Europa no sculo
XIX, como a de Guipure. Na moda europeia da segunda metade do sculo XIX, a
aplicao de rendas era muito comum, o que levou a que na Madeira tambm se
procurasse transferir para o bordado a motivao das rendas.
15
As primeiras revistas de moda, sobretudo francesas e inglesas, como "Des Demoiselles",
"Le Moniteur de la Mode", "La Saison", "Ladies Review", "El Correo de la Moda ", "La
Mode Illustr"e " A Moda Ilustrada", tiveram um papel preponderante na divulgao dos
motivos depois aplicados aos bordados. A partir de 1870 j circulavam na Madeira
suplementos em Portugus dessas revistas, sobretudo os dos armazns Printemps, de
Paris. Os modelos e motivos dessas revistas eram copiados pelas senhoras e mandados
bordar, permanecendo depois integrados no mostrurio das bordadeiras.
Nos Catlogos dos Grandes Armazns Grandella, no final do sculo XIX, anunciavam-se
vrios tipos de bordados e rendas venda na sua Loja, onde se inclua o Bordado
Madeira, com a indicao de levarem mais tempo a executar. Provavelmente a
encomenda era feita para o Funchal, da decorrendo demoras na sua execuo e entrega
por via martima.
Muitas das vezes, nos primeiros tempos de implantao na moda internacional, so
confundidos os motivos do Bordado da Madeira com o denominado Bordado Ingls. A
distino progressiva do bordado Madeira e do bordado Ingls comea a efectuar-se no
fim do sculo, sobretudo atravs da rectido e execuo mais cuidada e perfeita dos
pontos ditos de cordo - a bordadeira madeirense passa pequenos alinhavos sobre o
desenho do tecido a bordar e, para lhe dar mais consistncia e textura, urde o ponto de
cordo sobre os alinhavos.
No princpio da produo do Bordado da Madeira foi utilizado algodo de cassa,
cambraia ou linho, sendo aplicada a linha branca baa, a azul e, mais raramente, a
vermelha. S com o sculo XX se introduziu a linha castanha, comeando tambm a
aplicar-se o linho cru e o pano de algodo da mesma cor. Mais tarde assiste-se a uma
alterao dos materiais utilizados como suporte, passando a ser aplicado o crepe o tule, o
organdi e a seda (bordada a linha de seda).
Mais recentemente deu-se a introduo e proliferao de trabalhos policromos, devido a
exigncias do mercado!
16
O bordado antigo da Madeira sobretudo caracterizado por sequncias de "ilhs" e
"garanitos" ou de "ilhs" e "folhas abertas" em composies rtmicas, que eram feitas ao
metro. Nos primeiros bordados do sc. XIX , as bordadeiras executavam largas tiras com
vrios metros de comprimento. Depois de prontas seguiam para as Casas de Bordado (1)
para serem lavadas e passadas a ferro. Estas amostras inacabadas serviam como
mostrurio das fbricas, pela diversidade de pontos e de desenhos exclusivos de cada
Casa, permitindo que a clientela pudesse fazer encomendas ao metro.
A esses pontos se juntaram o Caseado (os festes ou grinaldas do bordado ingls), as
Estrelas abertas ou fechadas ( as rosetas inglesas ), o Pesponto e as Cavacas (que se
chamam rodzios nos bordados antigos portugueses). Outros pontos so ainda de destacar
como o Cordo (mais conhecido por Pau), as Vivas, as Gregas, os Ilhs e Folhas
Sombreadas, o Bastido, o Oficial e os Papos de Aranha ou aranhas (agora em desuso)
conhecidos por " culos de Rede" dos bordados da regio de Tibaldinho (2).
Mais tarde aparecem os bordados com Crivo e Richelieu, assim como os de aplicao,
como o ponto de sombra e o ponto francs, muito usados nos bordados dos anos 20 - 30.
Uma motivao decorativa com pormenores de almanaque botnico, em moda em todo o
ocidente, ser substituda at aos anos 30-40, primeiro, pelo encruzar de linhas ondeantes
Art Noveau e depois, pela gramtica decorativa geometrizante da Art Deco.
Os motivos eram desenhados mo e impressos em tiras de papel, ajustados e
alinhavados ao prprio tecido e cuidadosamente urdidos.
Posteriormente estampavam-se ao pano por meio de pequenos rodzios de madeira de
buxo, aplicados a um pequeno aparelho de estamparia manual que, depois de embebidos
em tinta (talvez anil), eram aplicados nos tecidos a bordar. Estes carimbos eram talhados
com motivos do bordado da Madeira.
1) As fbricas de bordados so assim referenciadas pela populao regional .
2) Para uma descrio mais pormenorizada sobre as influncias estticas no bordado da Madeira, consulte-
-se excerto do artigo da autoria da escultora Luiza Clode, na Revista das Artes e da Historia da Madeira,
em anexo na pg. 3
17
O Bordado era aplicado chamada roupa branca, no que se designou por lingerie. O
cuidado exmio na sua produo, com a aplicao de bordados delicados, transmitia uma
ideia de requinte e completava uma toilette que se pretendia consonante com uma moda
de elites. Esta atitude fazia parte da vida mundana das damas da sociedade madeirense,
dos finais do sc. XIX e princpios do sc. XX.
Estas, por sua vez, tambm se iniciaram nas artes do bordado.
Depressa o bordado vai-se tornar no ornato principal dos vestidos e blusas, golas e
punhos, e estender-se s roupas de criana e de homem, em peas cuidadosamente
escolhidas, para alm de artigos para enxovais como toalhas, panos de tabuleiro, roupas
de cama e outra infinidade de usos domsticos. Eram muitas as exigncias das nossas
antepassadas ao mandarem bordar os seus enxovais de inmeras peas, onde no
faltavam as datas do casamento (geralmente um nmero mpar, para dar sorte!), as
iniciais e monogramas bordados, tudo a branco sobre branco. Eram depois guardados em
pesados bas e preservados com pequenas bolas de cnfora.
O bordado tinha um papel preponderante nas escolhas dos enxovais, sendo revelador da
posio social do seu proprietrio. Um aspecto peculiar prende-se com algum secretismo,
em relao aos desenhos ou riscos, que eram guardados religiosamente por cada famlia,
e passados de mes para filhas. Alguns dos desenhos mantiveram-se inalterados por vinte
ou trinta anos, como se pode constatar em algumas peas de enxovais.
No entanto, h peas iguais de famlias distintas. Tal facto evidencia que a bordadeira era
a mesma, e que, aps terminar o trabalho para uma dada famlia, apresentava nova
clientela, os "riscos" que integravam o seu crescente mostrurio de rotina. Havia
bordadeiras especializadas em enxovais - as "Meninas" de S. Gonalo, dos Arrifes ou de
S. Martinho, tal como eram conhecidas.
18
2.1 - A INDSTRIA
Se a Madeira no sculo XIX, conheceu uma grande influncia Inglesa, decisiva para o
desenvolvimento da indstria do Bordado, comerciantes doutras nacionalidades se lhes
juntaram no desenvolvimento desta produo artesanal, que se vai personalizar e ganhar
autonomia tcnica e decorativa, para se tornar no produto de eleio que hoje
conhecemos.
Num esforo de periodizao, e atendendo origem da influncia externa dominante em
cada momento, podem ser afirmados trs grandes perodos de desenvolvimento da
Industria do Bordado: o Perodo Ingls, o Perodo Alemo e o Perodo Srio - americano.
Acrescente-se um quarto ciclo, que se poder designar por Perodo Regional, onde a
influncia externa no se exerce directamente, pois entre o industrial de bordados,
geralmente madeirense, e os mercados externos, interpe-se a figura do intermedirio
estrangeiro.
O Perodo Ingls
A primeira fase do aproveitamento industrial do bordado esteve intimamente ligada a
uma receptividade e procura por parte do mercado ingls, cujo gosto e tendncias
estilsticas se repercutiram atravs da introduo de tcnicas e pontos oriundos do
bordado ingls.
Elizabeth Phelps ter sido a responsvel pela introduo de algumas tcnicas do Bordado
Ingls na Ilha e pela divulgao do bordado da Madeira na Inglaterra vitoriana, marcando
o incio de uma procura crescente por este artigo naquele Pas.
19
O seu pai, Joseph Phelps, um comerciante ingls a residir na Ilha, era proprietrio de duas
casas comerciais no Funchal - Phelps & C , j existente em 1788, e Phelps, Page & C,
em funcionamento desde 1804, que foram as pioneiras na exportao do bordado para
Inglaterra.
A comercializao dos bordados para a Inglaterra intensificou-se sob a direco de
comerciantes de nacionalidade inglesa radicados na Madeira, de entre os quais se destaca
Frank e Robert Wilkinson.
A influncia inglesa repercute-se na quase totalidade dos nveis de faseamento da
produo, sendo os ingleses responsveis pelas directrizes tcnicas, pelos motivos, pela
diviso e fiscalizao do trabalho. O prprio linho tinha uma provenincia inglesa, pois
embora a explorao da cultura do linho fosse largamente conhecida na Madeira, no
poderia concorrer com a inglesa, pois o desenvolvimento da indstria txtil inglesa era
efectivamente mais avanado.
A par deste mercado ingls existia um comrcio local, ligado ao desenvolvimento
turstico. Na sua maioria, as fbricas de bordados comportavam uma seco de venda ao
pblico, que se vai tornando mais relevante medida que aumentam as exigncias
suscitadas pelo turismo e que grande parte das vendas se destinavam a turistas em
trnsito. Uma das casas mais procuradas era a de Madame Counis (provavelmente ligada
por casamento famlia Wilkinson) na Rua de Joo Tavira, onde se vendiam bordados
brancos, de desenho simples, bordados a seda e tapearias.
A hegemonia inglesa, que se havia implantado de forma acelerada, vai, a partir de 1878,
sofrer um declnio. Tal facto ficou a dever-se a uma alterao do gosto ingls na moda e
a uma subsequente saturao deste mercado, ligada a uma fraca criatividade ao nvel dos
motivos.
Firmavam-se ento as condies para a demarcao de um novo ciclo de
desenvolvimento, o alemo.
20
O Perodo Alemo
Desde 1880 empresrios alemes estiveram na base do re-aproveitamento da explorao
comercial do bordado, e por volta de 1890 esto estabelecidas, no Funchal, as primeiras
casas alemes exportadoras de bordados.
A superao da crise deu-se a partir de 1905, altura em que a produo e exportao de
bordado voltou a ser relevante, agora vocacionada para o mercado alemo e norte -
americano.
Em 1906 j havia 30.000 bordadeiras rurais na Madeira e Porto Santo e duas mil
profissionais na rea do Funchal. Na Madeira existem duas classes distintas de
bordadeiras: as bordadeiras rurais, espalhadas por toda a Ilha da Madeira e Porto Santo, e
as bordadeiras profissionais, que residem principalmente no conselho do Funchal , nas
freguesias limtrofes de Santa Maria Maior e S. Gonalo, ganhando muito mais do que as
primeiras, resultado de muitas horas de trabalho e da consequente perfeio dos
trabalhos. Muitas delas padeciam de tuberculose devido ao excesso de horas de trabalho e
a uma alimentao deficiente.
Para alm de duas empresas portuguesas, estas trabalhavam quase exclusivamente para
seis casas alemes: Wilhelm Marum; Georg Wartenberg; R. Kretzschmar; Otto Von
Streit; Dutting & Gaa e Wolfenstein & Horwitz.
A firma de Otto Van Streit, conhecida como Casa Grande, a mais antiga. Enviava os
bordados inacabados para Hamburgo, onde eram lavados, consertados e engomados, e
posteriormente exportados para os Estados Unidos. Sob a predominante influncia alem,
a indstria dos bordados foi reorganizada em muitos aspectos da sua cadeia operatria,
desde as fases de preparao at aos acabamentos dos tecidos, conferindo um cunho
industrial feitura do bordado.
As principais inovaes consistiram na introduo de um novo processo de estampagem,
atravs do qual os motivos eram directamente estampados no tecido, o que permitiu uma
rapidez de execuo, consentnea com o crescimento do volume de vendas.
21
Os alemes comearam por impor os desenhos feitos e estampados nas casas comerciais,
antes de seguirem para as bordadeiras. Mais tarde, introduziram as mquinas de picotar,
onde anteriormente se usavam folhas estanhadas que eram picotadas mo.
Muitas das alteraes introduzidas pelos alemes visavam aumentar a produo, quer
atravs da reduo do tempo de execuo quer pelo aumento do nmero de indivduos
envolvidos na sua execuo. Assim, e com vista ao aumento do nmero de bordadeiras,
criaram-se por esta altura escolas de bordados, como a da casa alem Gebr Waternberg.
Tentaram restringir os custos e o tempo de produo atravs da diminuio da quantidade
de linha aplicada ou urdida (3), na utilizao mais frequente do linho cru e na
vulgarizao do sombreado.
Entre as peas bordadas, destacam-se os cabees que tinham uma boa procura na
Alemanha, seguindo agora as directrizes do mercado alemo .
O eclodir do primeiro grande conflito mundial e a consequente participao activa de
Portugal na guerra marca o fim deste ciclo de desenvolvimento. Com efeito, os alemes
residentes na Ilha foram afastados e os seus bens confiscados, desencadeando um clima
de instabilidade no sector, favorvel, no entanto, a grandes mudanas.
3 A urdidura um conjunto de fios aplicados no tecido antes de ser dado o ponto final, para que o bordado
ganhe mais relevo. O urdido uma das principais condies a atender para a solidez do bordado.
22
O Perodo Srio - americano
A Primeira Grande Guerra permitiu o eclodir de uma nova e determinante influncia
externa - a americana - por interposio de indivduos de origem sria.
Ainda durante o conflito as casas de bordados alemes passaram para a posse de firmas
americanas dirigidas por Srios. Estes, iro comercializar o bordado, ultrapassando todo o
volume de exportaes feito anteriormente.
A quebra de movimento das carreiras transatlnticas, que faziam escala no porto do
Funchal, provocou uma sria contraco da venda local de bordados. O ano de 1916
representa um marco na agonia de uma indstria inteiramente dependente do exterior
para o escoamento dos seus produtos.
Uma alterao dos condicionalismos externos vai permitir que, a partir de 1917, os
valores das exportaes efectuadas pela Alfndega do Funchal ascendessem a nveis sem
precedentes. Este facto ficou a dever-se desvalorizao do escudo, que aumentou a
competitividade dos produtos portugueses no estrangeiro, e proteco do governo
americano que, apesar de proibir a importao de qualquer tipo de bordado, abriu uma
excepo a favor do bordado da Madeira.
O crescimento da procura no mercado americano acarretou um aumento da produo de
bordados, alicerado num maior contingente de bordadeiras, atradas pela melhoria
sensvel das remuneraes. Em 1920 havia 60 casas comerciais na cidade do Funchal
(que passaram a ser 100 em 1923) e existiam 32.000 bordadeiras. Este nmero engloba
indivduos de ambos os sexos, porque muitos homens, desempregados devido crise
econmica, invadiram um espao que tradicionalmente no era o seu.
Em finais de 1923 havia no Funchal cerca de 100 casas comerciais, exportando
essencialmente para os Estados Unidos da Amrica, Inglaterra, frica do Sul, Canad e
Frana. Por esta altura empregava volta de 70.000 indivduos de ambos os sexos, uns
nas casas de bordados e outros ao domiclio.
23
Durante este perodo poucas foram as inovaes introduzidas, sendo os desenhos ainda os
mesmos que os do sc. XIX. Por esta altura, as peas mais fabricadas para exportao
eram as almofadas, feitas em materiais menos nobres. Neste perodo, a qualidade dos
artigos decaiu, aliada a uma falta de criatividade dos motivos.
Ao perodo ureo 1917-1923, sucedeu uma nova crise e um decrscimo da escala de
produo. Tal ficou a dever-se modificao da conjuntura externa, na adopo, pelos
Estados Unidos, de medidas proteccionistas e da concorrncia de outros centros de
produo de bordados, com mo-de-obra mais barata e abundante e com menores cargas
fiscais.
Na conjuntura interna verificou-se a crescente falta de qualidade do bordado da Madeira,
devida maior escala de produo, sem que esta fosse acompanhada de uma preparao
tcnica das bordadeiras e falta de apoio governamental para este sector.
A conjugao destas condies desfavorveis levou falncia e encerramento de muitas
firmas e, subsequentemente, ao fim deste perodo.
O Perodo Regional
A transferncia de capitais das casas de bordados de negociantes estrangeiros para os
comerciantes locais, inaugura um novo ciclo de desenvolvimento, que se manter at
data presente. Neste perodo, no se vislumbra uma influncia externa muito marcante,
embora ainda persistam firmas de proprietrios estrangeiros radicados na Ilha.
A situao de crise, com efeitos visveis a partir de 1925, suscitou a implementao de
diversas medidas, de entre as quais se salientam:
24
1)A venda de bordados a bordo dos navios de cruzeiro, de passagem pelo Funchal, feita
pelos denominados Bomboteiros (palavra que se julga derivar da palavra inglesa
bumboat ), indivduos que se deslocavam a bordo dos vapores, num pequeno bote, a fim
de vender artefactos. Trabalhavam comisso para muitas casas de bordados que, desta
forma, tentavam contornar as dificuldades da venda local.
Sobre os bomboteiros, leia-se esta bela passagem retirada da literatura insular:
"() Na praia , Elias arrumava na canoa debaixo do leito, a preciosa mercadoria.
Provera-se de uma quantidade maior de bordados , dos mais caros .O "deque" do navio
ia ser, em breves minutos, um bazar de lgrimas que correm mundo, transformadas em
regalos dos olhos por mos pacientes de ignoradas artistas." (4)
Postal n. 1 (5)
4 Gouveia, Horcio Bento, Lgrimas Correndo Mundo, Coimbra Editora Limitada, 1959,pgs. 203 e 204.
5 Postal impresso por J. Arthur Dixon Ltd., Isle of Wight, England, Madeira 37G, Hand-made embroidery and fancy goods being sold alongside liner in Funchal Bay.
25
2) O emprego do algodo como matria-prima de base no bordado, pela
necessidade de melhorar a competitividade externa do bordado da Madeira. A utilizao
excessiva de determinados tecidos de algodo deve-se ao facto de serem mais baratos do
que o linho e de no estarem sujeitos a impostos (como acontecia com o linho). Sendo o
algodo menos resistente e mais inadequado para ser bordado, a consequncia desta
medida reflecte-se na pior qualidade do bordado.
3) A introduo de novas tcnicas de bordado, oriundas de diversos pontos da
Europa, que ficou a dever-se a Charles L. Rolland, proprietrio da Imperial Linens, numa
tentativa de travar o declnio da industria. Estas traduziram-se em inovaes no bordado,
nos materiais e nos desenhos.
Desta forma se vem aplicadas linhas coloridas e a tcnica appliqu de Frana, o
sombreado, de origem italiana, os pontos arrendados, originrios de Espanha e a
introduo do organdi, vindo da Sua. As flores locais vem-se transpostas para os
linhos decorados com motivos multicolores. Ao linho Irlands era aplicado o organdi, em
peas da mais variada natureza como toalhas de mesa e napperons, panos de tabuleiro e
marcadores de mesa. Foi a partir desta altura que o Bordado da Madeira adquiriu a maior
parte das formas, motivos e matrias- primas que o caracterizam nos nossos dias.
Apesar das tentativas de contornar a crise no sector, persistiu uma tendncia regressiva,
devido a factores de ordem interna. O panorama da realidade insular fazia transparecer
uma desorganizao da indstria de bordados, em que se assiste a uma proliferao de
pequenas firmas de capital local, cuja dimenso reduzida permite uma diminuio
significativa de pessoal.
Externamente, e atendendo ao tipo de necessidade que o bordado, como artigo de luxo,
satisfaz, evidente a razo do seu difcil escoamento nos mercados internacionais em
tempo de recesso econmica (que culminou na crise de Wall Street, em 1929).
Uma menor procura externa e, paradoxalmente, um aumento do nmero de casas de
bordados, resultou numa diminuio dos lucros totais, e como resultado directo, na
reduo da remunerao das bordadeiras e no menor grau de perfeccionismo das peas
bordadas, agora simplificadas e com menor qualidade.
26
2.2 - A REGULAMENTAO DA INDSTRIA DE BORDADOS
Em 1935 foi institudo o Grmio de Industriais de Bordados da Madeira, sediado no
Funchal, Rua do Carmo N. 27. Este consistia numa corporao de produtores,
maioritariamente constituda por representantes dos produtores de bordados, tendo como
funes a orientao e fiscalizao da produo e a divulgao comercial do bordado
(vide anexo pg. 18).
Em 1955, vinte anos decorridos aps a criao do Grmio, inicia-se a construo do novo
edifcio sede, num terreno de cultura de bananeiras, na margem esquerda da Ribeira de
Joo Gomes, entre a Rua do Carmo e a Rua S. Joo de Deus. O seu projecto foi da autoria
do arquitecto Fabrcio Rodrigues.
A 2 de Setembro de 1955, foi adjudicada firma Lopes, Silva & Leandro a empreitada da
construo do edifcio, pelo valor de 3.278.400.00 escudos. O custo final da obra orou
os 5.8000.000.00. A obra foi acompanhada pelo arquitecto Lus Teixeira e, numa fase
final, pelo Eng. Correia Neves.
A vistoria para habitabilidade do edifcio foi autorizada pela Cmara Municipal do
Funchal a 16 de Janeiro de 1958 e o edifcio foi oficialmente inaugurado a 6 de Outubro
desse mesmo ano.
Sobre a actuao do Grmio, a nvel de regras internas para o sector, tem interesse
consultar os Apontamentos da Indstria de Bordados publicados pela mesma instituio
em 1958, onde se tecem consideraes, entre outras, sobre a ocupao feminina, o clima
de consumo, as transaes, a valorizao do preo do trabalho, o valor do trabalho que a
industria possibilita (vide anexo pg. 26).
A actuao do Grmio no campo da divulgao externa fez surtir efeitos positivos
nomeadamente atravs da abertura de um novo mercado, o brasileiro, o qual teve grande
influncia at 1956, altura em que, com a emigrao para este pas, o Brasil comea a
executar os bordados necessrios para suprir a procura interna.
O Grmio mantinha duas escolas infantis de preparao tcnica de bordadeiras, em
Cmara de Lobos e em Machico, num total de 691 crianas, ensinadas por oito mestras,
para alm assegurar cursos de aperfeioamento de bordadeiras.
27
Fot. N.1
Fot. N.2
28
Nas suas instalaes funcionava uma escola especializada de desenho para bordado.
De 1966 a 1978, na sala de desenhadores do G.I.B.M., funcionou uma Escola/ Oficina de
tapearias, laboratrio destinado s jovens que pretendessem aprender e aperfeioar os
seus conhecimentos sobre as tcnicas de matizao da tela bordada e sobre os pontos
mais usuais na tapearia da Madeira, no sentido de encontrar os meios e procedimentos
capazes de melhorar as condies de trabalho para a produo de tapearias mais
artsticas e perfeitas.
Uma das aces sociais levadas a cabo pelo Grmio, foi a construo de dois bairros
sociais: o primeiro em 1966, com 30 fogos na zona da Levada, e posteriormente, em
1973, na zona do Til, um outro com 41 fogos, destinados a arrendamento aos operrios e
funcionrios da industria dos bordados.
Com o decreto-lei n. 25.643 - Regras do Comrcio e Fabrico - o Governo Central
procedeu a uma regulamentao do estatuto da indstria de bordados. A lei impunha a
reunio de um conjunto de elementos para que fosse reconhecida a condio de industrial
de bordados, particularmente no tocante s instalaes fabris.
Estas deveriam possuir, como condies mnimas, seco de desenhos, de chapas e
moldes, de estampagem, de lavandaria, de engomaria, de recorte e conserto e um
refeitrio para o pessoal. Apenas o indivduo reconhecido como industrial, teria acesso ao
fornecimento das matrias-primas necessrias.
Na sequncia desta regulamentao, foi estabelecido o preo mnimo a pagar s
bordadeiras. A remunerao das peas passou a ser feita segundo uma tabela de pontos, a
que correspondiam diferentes preos, segundo um mtodo de remunerao proporcional.
Esta medida visava fomentar a qualidade de execuo dos trabalhos, atravs da
imposio de instrues tcnicas de execuo obrigatria que passaram a acompanhar
todos os trabalhos entregues s bordadeiras o designado Bilhete carto de identidade
da pea.
29
O bordado que no estivesse de acordo com os requisitos tcnicos podia ser recusado na
fbrica ou sofrer descontos na remunerao devida s artess. Este sistema prevalece na
actualidade.
Desde 1937, existe um sindicato ligado ao sector dos bordados o Sindicato dos
Trabalhadores da Industria dos Bordados, Tapearias, Txteis e Artesanato da Regio
Autnoma da Madeira- cuja representatividade abrangia, inicialmente, apenas os
operrios das fbricas. Posteriormente, abarcou igualmente as operrias e, em 1976,
tornou-se extensivo s bordadeiras. Depois de 1975, as operrias fabris passaram a
auferir de ordenado mnimo nacional, direito esse que no foi extensivo s bordadeiras.
No ano de 1978, no seguimento de uma restruturao do sector, o Grmio foi substitudo
pelo actual Instituto do Bordado, Tapearias e Artesanato da Madeira- I.B.T.A.M.- um
organismo dotado de autonomia administrativa e financeira, com funes de superviso
de todo o artesanato de raiz tradicional madeirense, muito particularmente do bordado. A
lei orgnica deste Instituto data de Fevereiro de 1978 e os seus estatutos foram aprovados
em Dirio da Republica (6).
Em 1986, so estabelecidas disposies relativas defesa da qualidade e autenticidade do
artesanato Regional e em 1991, estabelece-se normas de qualidade apenas para o bordado
da Madeira (vide anexo pg. 42 e pg. 48, respectivamente).
Em 1990 procedeu-se ao registo internacional de marca colectiva e denominao de
origem para o bordado da Madeira, com o intuito de defender a qualidade e autenticidade
deste produto nos mercados consumidores ( vide anexo pg.45 ). Esta aco torna-se
mais relevante face crescente concorrncia de produtos falsificados e de preos muito
baixos, oriundos de pases como a China, a Tailndia e as Filipinas.
Para esta industria so ainda estabelecidas as quantias mnimas de pontos nos artigos
acabados e os padres de qualidade para os tecidos empregues como matria prima para
os diferentes artigos (vide anexo, Portaria N. 105 e N.. 106 de 1996, pgs. 60 e 61).
6 Em anexo na pg. 26, apresenta-se cpia do documento de 1978.
30
2.3 AS FASES DE PRODUO
Profisses Associadas Indstria do Bordado
Se a bordadeira madeirense a artes unanimemente eleita como a pea fulcral na
execuo deste produto, muitos outros profissionais concorrem para a sua edificao
plena. H um grande desconhecimento, por parte do pblico em geral, do potencial
humano que se encontra no interior das fbricas e que concorre directamente para a
qualidade do produto. So profissionais do sector com uma determinada categoria
profissional, e uma nomenclatura muito peculiar, prxima da tarefa que desempenham.
A primeira fase de produo decorre no espao fabril com a preparao do desenho, sua
fixao no material de suporte e corte do tecido.
Uma pea de bordado da Madeira nasce com a criao de um desenho original feito a
crayon sobre papel vegetal, por Desenhadores / Criadores de Bordado da Madeira (7),
geralmente do sexo masculino, prestigiados pela sua actividade criativa e pela
especificidade do desenho que produzem. A sua criatividade est condicionada por duas
limitaes: a dimenso da pea e o nmero de pontos a utilizar. O desenhador, ao
elaborar um original, toma em considerao trs factores que se iro repercutir na medida
final da pea: a medida do desenho; a medida do corte do tecido atendendo
possibilidade de encolhimento deste, devido ao nmero de pontos (quanto maior for o seu
numero, maior o encolhimento ) e a uma segunda possibilidade de encolhimento devido
lavagem.
7 Em 1893 foi criada no Funchal a Escola de Desenho Industrial Antnio Augusto de Aguiar (antiga Escola de Desenho Industrial Josefa de bidos),ministrando, entre outros, cursos de debuxador de
bordados (de trs anos), contemplando as disciplinas de Desenho Geral e Desenho Profissional
(debuxo ), reservado aos empregados da industria de bordados.
31
A construo de um motivo faz-se consoante duas regras: se o padro for simtrico,
utiliza-se um quarto da dimenso real; se o padro for assimtrico, a dimenso empregue,
de metade da real. A realizao do desenho orientada de forma esquemtica,
utilizando sinais convencionais na representao grfica dos motivos, para determinar o
tipo de ponto a ser empregue.
O Copiador reproduz tecnicamente os desenhos (vulgarmente denominados riscos) em
um ou mais exemplares.
Fot. N.3
Pormenorizao do desenho original contendo sinais convencionais:
32
Fot. N4
Preparao para picotagem em que o original se encontra entre duas chapas:
Fot.N5
33
As cpias do desenho so entregues para Picotagem (percusso punctiforme). Aos
Picotadores atribuda a tarefa de perfurar, com o auxlio de uma mquina de picotar,
todos os traos existentes no desenho, transformando-o, atravs de tal operao, em
chapas, que iro servir de suporte estampagem do desenho sobre o tecido a bordar.
Actualmente, o prprio desenhador condensa a funo de copiador, contador e de
picotador, obviamente por motivos que se prendem com a reduo de pessoal.
Fot. N.6
34
A contagem dos pontos industriais, o nmero de pontos que compem a pea e lhe
auferem o valor monetrio, feita pelos Contadores. O clculo do nmero de pontos que
compem uma pea feito por contagem de pontos industriais (8). Estes consistem em
factores que so atribudos mediante a natureza de cada tipo de ponto: se contados
unidade como o ponto ilh, em que seis pontos reais correspondem a 1 ponto industrial,
se atravs do recurso a quadrculas milimtricas para os pontos arrendados calculados por
centmetro quadrado ou se calculados ao metro como o ponto caseado - nas curvas dos
motivos a contagem feita por meio de um pequeno aparelho, o curvmetro, usado na
leitura de mapas de navegao (para calcular a extenso de linhas curvas). Pensa-se que
ter sido introduzido na indstria de bordados pelos Srios.
Fot. N.7
So depois multiplicados por um ndice legal, actualizado anualmente. O ponto industrial
no corresponde necessariamente ao ponto tcnico, sendo o primeiro uma abstraco
utilizada para efeitos de clculo.
8 Mais adiante, poder-se- visualizar mais detalhadamente, esta contagem industrial.
35
O corte do tecido dimenso da pea, no consiste em rasg-lo, pois tal acarretaria o
desfiamento das margens, mas no retirar, com a mo esquerda, de um fio ao longo da
linha de corte e, simultaneamente, com a mo direita cortar o tecido com tesoura.
Sobre largas e compridas mesas revestidas a pano, o tecido agora submetido operao
de estampagem. As Estampadeiras, vo estendendo a fazenda sobre a qual colocam a
chapa. Com o auxlio de uma pequena almofada, embebida em graxa (um composto de
anil, petrleo e parafina), estampam o tecido at que a totalidade do desenho esteja
estresido (ou estampado) com todos os seus pormenores. Esta almofada designada por
Boneca, um utenslio simples, feito com restos de tecidos de textura grossa, que se adapta
forma da mo.
Fot. N.8
Depois de embebida em petrleo e na graxa, passada em movimentos circulares
sucessivos, sobre o papel vegetal picotado, para fixar o desenho no tecido:
36
Fot. N. 9 Pormenor de tecido estampado:
Fot. N.10
30
37
Terminada esta preparao, o tecido estampado remetido s Bordadeiras
Domicilirias. Entra-se numa segunda fase, num espao distinto da fbrica: o lar da
bordadeira, quase exclusivamente numa zona rural ou nas zonas limtrofes da cidade do
Funchal.
Fot. N.11
38
Os trabalhos para bordar so recebidos e entregues atravs das Agentes Distribuidoras,
tambm elas bordadeiras, evitando assim s restantes os custos de uma deslocao ao
Funchal. So mediadoras entre as fbricas e as bordadeiras rurais que, conhecendo a
especificidade de cada bordadeira, distribuem o trabalho mediante este conhecimento. Os
trabalhos so acompanhados das indicaes convencionais dos pontos a serem aplicados,
das linhas a serem utilizadas e da informao do montante a ser recebido pela execuo
da pea bordada.
De volta fbrica, e numa terceira fase, a pea aferida pelas Verificadeiras a fim de ser
apurada a sua boa execuo. D-se o caso de ser desvalorizada a pea bordada quando se
apresenta mal executada, o que se repercute numa diminuio da remunerao devida
bordadeira.
Passa-se lavagem do bordado pelas Lavadeiras, que retiram as ndoas mais difceis
atravs do sal de azedas (cido Oxlico ). Actualmente, o uso de mquinas de lavar est
generalizado, simplificando uma operao que se efectuava manualmente.
Depois de retirado o excesso de gua, as peas so submetidas aco dos ferros de
engomar. A fase de passar a ferro requer uma certa percia e um grande esforo fsico por
parte das Engomadeiras, pois o seu trabalho serve para desfazer algumas incorreces e
restituir o apresto perdido na lavagem.
As Recortadeiras efectuam as operaes de recorte dos pontos abertos, como sejam as
aberturas de Richelieu, e o remendo dos pontos que se tenham inadvertidamente solto,
para alm de outros acabamentos necessrios.
A pea passa por uma segunda fase de engomagem, em que as Passadeiras, com a ajuda
de um Molho (simples amontoado de tiras de linho demolhados em gua) humedecem
ligeiramente as peas, para pass-las mais facilmente .
Nos trabalhos de acabamentos, ainda h lugar para as Consertadeiras e as Serzideiras.
As peas que o exigem, so submetidas a trabalhos de costura e filetagem, cuja
remunerao tambm regulada por um ndice legal.
A pea depois dobrada convenientemente pelas Dobradeiras, segundo uma tcnica que
depende das dimenses e formato da pea.
39
Todo o bordado ento remetido ao Instituto do Bordado e Tapearias da Madeira,
Seco de Selagem, onde os Tcnicos de Controle de Qualidade e Autenticidade
analisam a pea para garantir a sua genuinidade.
Satisfeitos os requisitos exigidos, estes tcnicos de selagem apem o selo que garante a
autenticidade do bordado, sendo ainda atribudo um certificado de qualidade .
Quando o volume de bordado o justifica, mais concretamente, quando se destina a
exportao, os tcnicos deste organismo dirigem-se s fbricas para selagem e garantia de
autenticidade do bordado.
Esta garantia certificada atravs da aposio, desde Outubro de 2000 , de um selo
hologrfico com a respectiva marca, em substituio do selo de chumbo usado
anteriormente. O selo hologrfico aufere uma nota de modernidade, para alm da
necessidade de ser retirado de circulao o chumbo, considerado nalguns mercados,
como ofensivo ao meio ambiente.
A transao de bordados de origem regional (grupo no qual se inclui a tela bordada)
obriga consecuo da operao de selagem, constituindo um requisito legal para a
homologao do certificado de garantia e autenticidade do produto.
Para a colocao do selo de garantia, todas as fbricas remetem os seus bordados ao
referido Instituto, onde os tcnicos de selagem procedem a uma vistoria da qualidade do
bordado, segundo critrios de verificao estabelecidos. A sua ateno incide,
particularmente, ao nvel de execuo dos acabamentos. As peas consideradas bem
confeccionadas so atestadas atravs da aposio do referido holograma, em substituio
do selo de chumbo. O selo de chumbo tinha o centro perfurado para se fazer passar trs
linhas de cores diferentes roxo , amarelo e vermelho para o fazer prender pea
bordada, atravs de um ponto simples. Uma das faces do selo tinha o smbolo que
internacionalmente identifica o registo de marca. Cada selo quando colocado era
comprimido com um alicate, de forma a prender as linhas e assumir uma forma
compacta. Como se pode facilmente deduzir, esta no era uma tarefa simples para os
tcnicos de selagem, maioritariamente mulheres, que viram o seu trabalho facilitado
aquando da recente introduo do sistema de selo hologrfico, quer a nvel de esforo
fsico quer a nvel de celeridade do trabalho.
40
Sem esta operao de certificao, as peas de bordado, por mais singelas, no podem ser
comercializadas. As peas voltam ento s respectivas fbricas onde so acondicionadas
convenientemente pelo Embalador e remetidas para o Encarregado de Stock. Os
Bordados so, finalmente, encaminhados para a venda local ou para exportao. O
comrcio local feito no salo de vendas que a maior parte das fbricas possui,
conhecido por Show Room, onde so expostos os bordados, segundo critrios de
decorao prprios e onde se procura destacar as grandes peas de bordado rico, como as
toalhas de mesa.
Os bazares esto includos nos circuitos tursticos organizados pelas agncias de viagens,
proporcionando visitas guiadas s instalaes. As fbricas de maior dimenso tm
acordos feitos com guias tursticos, que, no caso dos visitantes em trnsito martimo nos
navios de cruzeiro, os conduzem para autocarros estacionados no cais, e os encaminham
directamente a estas fbricas, sem deambularem pela cidade procura de outras
alternativas.
Um outro mtodo de venda atravs dos Cicerones. Geralmente homens, contactam o
turista na rua e conduzem-no casa de bordados, onde recebem uma comisso de venda.
So o recurso utilizado mais frequentemente pelos bazares de difcil acessibilidade.
Grande parte do que se produz destina-se ao comrcio externo, satisfao de ordens de
encomenda de clientes estrangeiros. Os representantes das firmas estrangeiras que
comercializam bordados, estabelecem, periodicamente, contactos directos com os
fabricantes, para efectivar a encomenda de artigos, preferindo aquele que oferecer melhor
qualidade a preos mais competitivos. Muitas vezes, essa exigncia satisfeita atravs
da alterao dos motivos- simplificando-os- ou pela execuo de desenhos propostos pela
clientela. Devido a esta prtica, criou-se o preciosismo de linguagem, ao se distinguir
bordado da Madeira de bordado na Madeira, uma vez que nestes segundos artigos, o
desenho no corresponde ao traado tpico do bordado autntico. Ou seja, pode-se
reproduzir todo o tipo de desenho, bord-lo segundo a tcnica tradicional assegurar a
perfeio da execuo e respeitar os pontos tradicionais, mas no a veracidade da
designao de origem, porque o bordado da Madeira autntico, tem um tipo de desenho
caracterstico e implica ser um produto comeado e terminado na Ilha.
41
O Servio de Licenciamento de Comrcio e Estatstica do IBTAM trata da logstica
relativa exportao de bordados e tapearias, para que, com o aval da Alfndega, os
bordados possam ser exportados. Esta seco responsvel pela emisso de guias de
autenticao e de certificao do bordado; pela certificao das facturas de exportao;
emisso de certificados de origem; codificao dos produtos conforme pauta aduaneira e
sistema Intrastat (entre os estados membros da Unio Europeia). Cada produto tem um
cdigo conforme o tipo de produto e matriaprima, e uma nomenclatura prpria. O
certificado de origem e guias de autenticao esto traduzidos para lngua inglesa,
francesa, alem e italiana.
Esta seco ainda responsvel pelo envio de dados estatsticos Direco Regional de
Estatstica e pelo clculo da taxa de contraprestao de Servio ou taxa de selagem (vide
anexo, pg.71).
Esta operao paga pelo industrial, segundo a seguinte frmula:
Valor da Factura x 25% x 0,07 = Taxa de contraprestao de servio
Preo de mo-de-obra
Actualmente, o bordado exportado para diversos mercados mundiais, nomeadamente, e
por ordem decrescente de grandeza de exportao, para a Itlia, Estados Unidos da
Amrica, Reino Unido, Portugal Continental, Sua, Frana, Brasil, Espanha, Grcia,
Japo, Mnaco e ustria.
Segundo dados estatsticos da Seco de informtica do Instituto do Bordado, Tapearias
e Artesanato da Madeira, referentes exportao de bordados, Portugal Continental
considerado como mercado interno juntamente com a Regio Autnoma da Madeira.
Conforme se pode constatar, verifica-se uma quebra percentual de 14% :
42
Janeiro a Dezembro de 2001 Janeiro a Dezembro de 2002
Madeira 7,791 kg.
2,120.036
Madeira 7,075 kg.
1, 745,890
Portugal Continental 1,173 kg.
275,072
Portugal Continental 795 kg.
229,325
Mercado Externo - 8,463 Kg.
1,829 127 .
Mercado Externo - 7, 565 Kg.
1,572,517
Quadro N1
Trs ilaes so peremptrias:
A primeira a de que actualmente, o mercado interno detm proporcionalmente a maior
fasquia de consumo de bordados, representando a venda local, o maior plo de
rentabilidade do produto, claramente consumido pelo turismo regional e pela clientela
local, nas lojas de venda de artesanato e nas fbricas de bordados com venda ao pblico.
A segunda, d conta de uma diminuio acentuada do mercado de Portugal Continental
que reflecte sobretudo o panorama debilitado da economia portuguesa, em estado de stio
relativamente ao escoamento de artigos de luxo.
A terceira, o decrscimo do volume total de vendas, que reflecte uma tendncia
persistente nos ltimos anos, e que, a se manter, ver gradualmente excludo o bordado
da Madeira junto dos mercados consumidores. Esta situao no panorama europeu e
americano, deve-se fcil introduo no mercado, de falsificaes oriundas de pases
orientais, com preos cada vez mais baixos e com melhorado tecnicismo, dificultando a
distino entre o produto genuno e a falsificao.
43
Segundo dados recolhidos junto da fonte supra mencionada, passo a transcrever a
evoluo de venda de bordados desde 1996, sendo apenas distinguida a venda local da
exportao. O mercado de Portugal Continental est includo nos valores de exportao.
Exportao e Venda Local de Bordados
ANOS PESO (Kg. ) VALOR ( )
Venda Local
1996
Exportao
14.172
21.122
2.816.664,24
3.411.990,45
Venda Local
1997
Exportao
13.692
16.925
2.968.475,56
6.472.200,77
Venda Local
1998
Exportao
11.924
16.925
2.713.157,21
3.449.375,15
Venda Local
1999
Exportao
10.288
16.971
2.644.816,79
2.944.059,60
Venda Local
2000
Exportao
10.682
10.923
2.860.429,39
2.492.964,06
Venda Local
2001
Exportao
8.423
10.923
2.272.798,62
2.389.760,54
Venda Local
2002
Exportao
7.075
8.878
1.745.890,31
1.942.318,66
Quadro N2
Nos ltimo seis anos, registou-se uma quebra percentual de 38% nos valores de venda de
bordado a nvel local e de 43,1% , nos valores de exportao.
44
Acerca da indstria artesanal, e segundo dados da Direco Regional de Planeamento e
Finanas, as unidades industriais de base artesanal mais viradas para a exportao
(bordados, tapearias e vimes), assentam a sua estrutura em mo-de-obra intensiva e
orientam-se para um nmero muito restrito de mercados, estando por isso numa forte
dependncia do exterior. Tradicionalmente, este sector representa 10 % do PIB regional
(indstrias transformadoras 9,1% ; Industrias extractivas 0,8 %) bem representativos
de uma estrutura dbil e condicionada.
A estes aspectos condicionantes do crescimento e desenvolvimento industriais, h a
acrescer a limitao do mercado regional, a escassez de matrias primas, a predominncia
de pequenas empresas mal dimensionadas e tecnologicamente mal apetrechadas, a
inadequao dos processos de gesto, a carncia de mo de obra qualificada, os baixos
nveis de produo e de produtividade, a baixa competitividade e os custos dos factores
de produo, para alm de sobrecustos resultantes da insularidade e ultra-periferia.
Atendendo s exigncias dos mercados e acentuada agressividade concorrencial, as
empresas tm de fazer da qualidade um elemento chave da sua estratgia competitiva, a
qual ter de se concretizar a todos os nveis, envolvendo assim no s os produtos mas
tambm as condies ambientais de funcionamento, as instalaes e as condies de
trabalho incluindo a formao dos recursos humanos.
O artesanato, embora pelas suas razes histricas e culturais, assuma uma grande
importncia no contexto da economia regional, tem regredido fortemente nas duas
ltimas dcadas, apresentando significativas quebras de actividade devido,
fundamentalmente, concorrncia de produtos similares originrios de pases asiticos.
Todas a iniciativas devem ser tomadas para aumentar, ou pelo menos manter, a
fidelidade da clientela perante a compra do produto, investindo-se, para alm da
qualidade, nos parmetros de durabilidade, beleza e autenticidade, sem que para isso se
altere consideravelmente os preos em vigor. A comercializao de produtos tradicionais
tem de seguir obstinadamente padres de grande qualidade se quiser se salvaguardar da
concorrncia de produtos-rplica que apenas servem os propsitos de funcionalidade.
45
Assim, a qualidade, para alm do padro funcional, tem de estar presente nos materiais
empregues, na forma de execuo e na esttica do produto.
Esta perspectiva conduz-nos necessidade de relanamento de um produto tradicional,
historicamente enquadrado e alinhavado pela gentes da Ilha da Madeira directamente
ligadas industria dos bordados, bem apresentado ao pblico nos postos de venda
apropriados e convenientemente disseminado no exterior.
Esta necessidade j h muito vem sendo reivindicada.
Da consulta ao Dirio da Repblica n. 146 (9) , acerca da defesa e autenticidade do
artesanato regional, pode ler-se no artigo 4 b), que fica proibida na Regio "()A
exposio e venda ambulante de bordado tapearia da Madeira, com excepo dos
bomboteiros"; no artigo 5,"() Na exposio e venda de bordado (.) da Madeira
dever existir uma clara separao e individualizao fsica em relao aos produtos
similares provenientes de outras zonas do pas ou do estrangeiro."; mais se
acrescentando, no artigo 6, que "()Todos os produtos devero conter em termos bem
visveis a denominao da sua origem (. ) ".
Na realidade no esta a situao que se vive, apostando-se muito pouco na apresentao
dos artigos e na abordagem esttica das montras das casas de bordado em geral. Esta
situao piora, quando se aborda os bazares de venda de artesanato diversificado, onde
tudo se encontra exposto aleatoriamente e sem um mnimo de bom gosto nem de
requinte.
9 Vide anexo pg. 42, Dirio da Repblica n. 146, Srie I, Sbado, 28 de Junho de 1986, Decreto
Legislativo Regional n. 11/86 / M , pgs. 1539 a1540
46
2.4 - A OBRA
"() Ao principiar Novembro, 5 horas e meia da
tarde, as sombras povoam mais cedo o interior das
casas. E mais cedo se acende a luz do candeeiro a
petrleo. Do bordado nascia o po. Curvadas em
torno das mesas, as mo trabalhavam sem descanso
at desoras.. " (10)
47
A pontuar a paisagem da Ilha, a bordadeira sentada na soleira da porta ou em grupos,
sombra das latadas de vinha, entoando cnticos ou contando histrias que acompanham
os trabalhos, aproveitavam a luz natural para bordar, rodeadas pelos filhos e vizinhas
com a mesma ocupao. De noite, dentro de portas continuam "puxando da agulha", o
garante de uma achega magra economia familiar.
A mulher madeirense sempre demonstrou uma grande capacidade artstica e perfeio
tcnica para produzir trabalhos manuais. Esta capacidade herdada h geraes a que
torna possvel uma obra de arte a partir de um simples pedao de linho estampado,
urdido ao ritmo firme e perptuo das suas mos.
Simples, tambm o so os instrumentos da bordadeira:
A agulha, geralmente fina (#7) e adequada aos tecidos de trama espessa; a tesoura,
pequena e pontiaguda; o dedal, usado no dedo mdio da mo direita; a dedeira ou
dedaleira ,uma espcie de dedal sem a parte superior, colocada no dedo indicador da
mo esquerda (11) ; o furalh ou fura-ilh, pequeno instrumento geralmente feito de
madeira, osso ou marfim, com uma extremidade pontiaguda que serve, como o prprio
nome indica, para fazer as aberturas no tecido prprias do ponto Ilh.
10 Horcio bento de Gouveia , op.Cit. , pag.105 .
11 A bordadeira madeirense costuma us-la no polegar para facilitar a preciso da agulha. Em sua
substituio usam uma simples forra de carto ou cabedal . Em qualquer dos casos a sua funo a de proteger o dedo de eventuais agulhadas .
48
Para alm destes utenslios, utilizam as linhas, que so basicamente de dois tipos: de
algodo e de seda. Os negalhos de linha dobrada so presos por um cabresto com
indicaes de marca, cor e espessura. De preferencia utilizam as linhas mais espessas,
preterindo as de seda a favor das de algodo.
O acto de bordar comporta uma gestualidade caracterstica da mulher. Sentada, assenta
o tecido sobre o dedo indicador que fica preso pelos dedos polegar e mdio da mo
esquerda. Com a mo direita, utiliza a agulha segura pelo indicador e polegar, tendo o
dedo mdio como apoio, num gesto de grande preciso.
Na produo do bordado da Madeira nunca foi empregue o bastidor, o que torna este
trabalho ainda mais peculiar, dado o grau de exactido que se atinge sem o recurso a
determinados elementos normalmente usados na feitura dos bordados. De acrescentar, a
estranheza contrastante entre as mos destas mulheres, dadas a tarefas domsticas
pesadas, lavoura agricultura e ao pastoreio, e o manejar das agulhas to finas, num
trabalho to minucioso.
A bordadeira uma artes annima, de entre as cerca de cinco mil que hoje em dia se
dedicam a este lavor. Segundo dados estatsticos referentes a 2002, recolhidos de um
trabalho de campo exaustivo perpetrado por pessoal da Seco de Fiscalizao do
IBTAM (actualmente IVBAM), o levantamento demogrfico de bordadeiras por
Concelho conforme o quadro que se segue:
49
Levantamento Demogrfico de Bordadeiras por Concelho
Concelho N. Bordadeiras
FICHEIRO
N. Bordadeiras
ACTIVO
Mdia de
Idades
Percentagem
de Quebra
Santa Cruz 384 220 46 - 45%
Ribeira Brava 1917 996 44 -48%
Ponta de Sol 532 318 49 -41%
Porto Santo 133 93 51 -31%
So Vicente 118 55 43 -46%
Santana 107 58 56 -54%
Porto Moniz 16 9 46 -56%
Machico 1525 681 47 -55%
Calheta 670 211 46 -69%
Funchal 1940 611 48 -68,6%
Cmara de Lobos 3961 1694 46 -59%
Total 11303 4946 48 -54%
Quadro N3
Estes dados so efectivados por comparao ao ano de 2000. A se manterem as
tendncias actuais, com quebras superiores a 50%, o processo de extino desta classe
no dever estar muito longe de se tornar numa realidade incontornvel.
Muitas das bordadeiras permanecem no activo, contribuindo erroneamente para as
estatsticas, para obterem as regalias da Segurana Social, bordando o nmero de pontos
necessrios e durante o numero de anos exigidos, para que tal regalia se mantenha. D-
se o caso de estarem inscritas mulheres que no bordam, sendo a av ou tia das mesmas
a bordarem o numero mnimo de pontos para descontos na Segurana Social, auferindo
do estatuto de beneficirias e posteriormente da reforma.
Para alm disso, a faixa etria mais numerosa a que se situa entre os 50 e os 60 anos
de idade.
50
A partir de 1980, as bordadeiras comearam a receber subsdio de Natal e a descontar
obrigatoriamente para a Segurana Social, passando a beneficiar de subsdio de reforma.
Desde 1998, o direito penso de velhice do regime da segurana social das
bordadeiras de casa, foi antecipado para os 60 anos de idade, aps 15 anos civis com
entrada de contribuies (1 ano civil corresponde a 120 dias). A reforma por invalidez
contemplada aps cinco anos civis com entrada de remuneraes.
1.4.1 - A REGULAMENTAO DA REMUNERAO DA BORDADEIRA
A actividade das bordadeiras de casa encontra-se regulamentada em Dirio da
Repblica (vide anexo pg.52). Apenas a partir de Julho de 1993, as bordadeiras de casa
so classificadas da seguinte forma:
" a) Bordadeira manual de bordados - a que executa bordados manuais em tecido
estampado com pontos diversos, utilizando vrios tecidos como algodo, linho, organdi,
fibras sintticas ou artificiais, l e seda natural, e interpreta os desenhos e as
especificaes sobre as cores e a linha a utilizar."
So anualmente estabelecidos por Portaria (vide anexo pg.74), emitida pela Secretaria
Regional dos Recursos Humanos (ou por outra secretaria que tutele o sector), os valores
remuneratrios mnimos a pagar s bordadeiras de casa, de acordo com as
possibilidades econmicas e financeiras do sector.
51
O sistema econmico que estabelece a remunerao mnima (1) s bordadeiras
domicilirias extremamente complexo e nico no Pas.
Para se chegar ao estabelecimento dos designados pontos industriais, necessria a
contagem, em cada desenho, da totalidade dos pontos que o compem. Cada fbrica
numera os seus originais, e aps a contagem de pontos que constituem o desenho, o
contador coloca esta soma descriminada numa das margens. O papel do contador deve
ser de muita preciso e justia, pois qualquer erro na contagem, repercute-se na
remunerao da bordadeira.
Depois de contados e agrupados distintivamente so ento multiplicados pelo ndice
legal em vigor contemplado para cada tipo de ponto. Quanto mais difcil for a execuo
dos pontos de bordar, maior o nmero de pontos industriais atribudos a esses pontos
reais, distinguindo-os por grau de dificuldade e criando simultaneamente uma
especificidade de trabalho entre as bordadeiras .
Para melhor ilustrar este processo de remunerao, remeto para consulta (em anexo na
pg. 73), cpia de pea acabada e respectiva contagem de pontos industriais que a
compem. O total de pontos ento multiplicado pelo ndice legal em vigor para o ano
corrente.
Este sistema meticuloso e complexo, visvel na tabela que se segue, datada de 1935,
que continua em vigor como referente tcnico para a contagem dos pontos industriais.
Serve de base para a remunerao das bordadeiras e estabelece o consequente preo de
mo-de-obra das peas de bordado.
12 Por lei, o clculo de remunerao compreende os valores mnimos a pagar, pois caso esses valores
no se verifiquem, os industriais ficam sujeitos a multas ou at mesmo ver a sua licena de alvar ser
retirada.
permitido pagar acima da tabela.
52
Os pontos de bordar (13) contemplam apenas os asseverados como pontos tradicionais e
caractersticos do Bordado da Madeira. Tendo em conta a tabela de pontos relativa aos
bordados, que contempla os pontos a aplicar, no hoje permitido introduzir outro tipo
de pontos sob pena de no ser considerado bordado autntico. Estes tm uma
nomenclatura muito prpria e com ajustes locais que derivam de corruptelas que o
linguajar popular tomou como norma.
A liberdade possvel centra-se na originalidade dos desenho e das composies, que,
usando o estrito manancial de pontos, permite a criao de novas peas, pela articulao
idiossincrtica e artstica dos motivos que compem o desenho.
No bordado da Madeira, toda a matria-prima importada, desde as linhas (de Portugal
Continental, Frana e Inglaterra) aos tecidos: o algodo chega-nos de Portugal
Continental, da Blgica e da Sua; o linho, da Irlanda, Blgica, Portugal Continental e
Itlia, e a seda, do Japo.
O que o distingue dos demais, a inconfundvel execuo sada das mos que
trabalham a matria com uma cadencia firme e sabedora, denunciando a preciso de
quem sabe o que faz e permitindo a existncia (e permanncia) do bordado na histria
colectiva madeirense.
13 Vide anexo pgs. 4 a 17
53
CAPITULO II
1- PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA
1.1 DA MEMRIA
1.2. DO OBJECTO MUSEOLGICO
1.3 DA MUSEOLOGIA
2- O ECONOMUSEU
2.1 - A VERTENTE MUSEOLGICA
2.2 - A VERTENTE EMPRESARIAL
2.2.1 A GESTO
2.2.2 O MARKETING
2.2.3 A QUALIDADE
54
1- PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA
1.1 - Da memria
Um museu to somente a memria da sociedade que o corporiza.
Toda a evoluo do mundo contemporneo caminha na direco de um mundo
acrescido de memrias colectivas e a histria dita Nova pode ser interpretada como uma
revoluo da memria, ao se esforar por criar uma histria cientfica a partir da
memria colectiva.
A memria colectiva muito mais abrangente do que o contedo dos museus,
bibliotecas e arquivos. Alberga o patrimnio oculto: toda a experincia humana, todo o
conhecimento, todos os processos de trabalho e todas as formas de expresso criadas
pela Humanidade, juntamente com o meio fsico circundante, pertencem quelas partes
da memria colectiva que raramente esto presentes nessas instituies.
A memria constituda por imagens construdas pelo ser humano e por isso contm
emoes, o que as torna mais fortes, mas menos objectivas. O processo de recuperao
de uma memria, pode ser comparado com a experincia de tirar uma cereja de um
cesto: nunca tiramos s uma, porque a que pegamos traz sempre outras agarradas e
acabamos por tirar uma srie de cerejas ao mesmo tempo.
Esta metfora corresponde ao facto de que as recordaes no esto armazenadas de
forma isolada, mas que se encontram ligadas entre si em redes que, colectivamente,
representam o conjunto de experincias vividas pelo sujeito. A tarefa de recuperar uma
experincia vivida como fazer um puzzle, cujas peas esto repartidas por diversas
caixas - de uma das caixas tiramos um local, de outra, uma experincia vivida, uma
data, um percurso - e vamos encaixando cada pea no seu lugar.
A recolha de memrias torna-se imperiosa quando se pretende estabelecer uma histria
local com pormenores do almanaque social, cultural e poltico.
55
O mbito da histria local e regional, responder a interrogaes que dizem respeito
aos nveis e aos mecanismos de integrao social, econmica, poltica e cultural e
implica o estudo intenso de documentao de carcter local, integradas em questes de
carcter geral.
Conhecer a histria local passa por conhecer a memria de certas pessoas - a memria
viva. esta que permite dar vida aos objectos num museu, pondo-os de certa forma a
comunicar, numa narrativa no estereotipada.
A recolha de testemunhos de um grupo profissional (onde para alm das bordadeiras,
tambm se inclui os restantes profissionais anteriormente descritos) que se encaminha
para uma inegvel extino, torna-se imperiosa quando se pretende estabelecer uma
histria local com pormenores do almanaque social, cultural e poltico.
funo do museu aprender as histrias de vida desta populao ligada a uma industria
de bordados outrora florescente, para as "contar". Trata-se de preservar as peas para
fazer o tal puzzle, que a memria colectiva da sociedade madeirense desde o sculo
XIX. uma recolha de patrimnio imaterial, que se processa atravs de conversas com
pessoas mais idosas, artesos e operrios, para recolher conhecimentos e saberes
tradicionais como os como os ofcios tradicionais, o linguajar, a msica, a dana, os
rituais e festividades, a medicina tradicional e as mezinhas, rezas ou artes culinrias.
Preservar o material implica conservar o imaterial. Da simbiose dos dois resulta uma
sntese plena, que o museu pretende salvaguardar: aliar o patrimnio tangvel ao
patrimnio emocional.
De outra forma no faria sentido.
56
O poema que se segue apenas um tnue retrato de uma valiosa coleco :
O BORDADO
Eu nasci em 27
E em 40 j bordava
Junto com a minha av
Que ela me ensinava .
De dia era na terra
noite era para bordar
Com candeeiro pequeno
Para nos alumiar.
Sentadas no cho
roda de um banquinho
Pra pr o candeeiro
Que era pequenino
Bordava-se a noite inteira
Que j esfregava os olhos
Tinha a vista a arder
Por causa do petrleo
A luz do candeeiro
Fazia muito mal
Pra ganhar um dinheirinho
Para comprar o enxoval.
Mesmo com o petrleo
Havia muitas raparigas a bordar
Agora com electricidade
No querem se assujeitar. (14)
14) Asceno de Jesus Moniz ,70 anos
Centro de Dia da St Casa da Misericrdia da Calheta , Abril 1998
57
O museu seria protagonista na recolha deste acervo paralelo, das tais histrias de vida
que se esgotam quando a vida acaba. Estimular este depsito, faria gerar a criatividade,
a qualidade, a expresso livre, a perpetuao de pequenas ou grandes narrativas para as
geraes futuras, o conhecimento do "Estado da Arte" de uma determinada
comunidade, num dado espao de tempo, a percepo das suas preocupaes,
pensamentos, anseios, felicidades e tristezas.
Numa misso educativa, iria facultar a todas as pessoas, independentemente da idade e
grau acadmico a possibilidade de escrever as suas memrias, que de outra forma no o
fariam, ou por falta de recursos materiais, ou por no saberem escrever, para alm de
poder fundamentar estudos de poca sob o aspecto social e lingustico.
Imagine-se se tivssemos tido acesso a esse tipo de arquivo organizado h anos atrs, e
pudssemos ser capazes de ler o que os nossos antepassados diziam, como o diziam, o
que viveram, como o viveram ! Sem recursos literrios nem figuras de retrica, seria
um registo diferente de um livro de histria, de um arquivo, de uma notcia de jornal, ou
de um relato feito por outrem, porque manteria a sua autenticidade plena.
funo dos museus do sc. XXI partir do universo individual para o colectivo, atravs
de temas da actualidade e de conceitos globais, contemplando o hiato entre geraes.
Sempre com uma perspectiva inter-geracional, numa poca em que se desvirtua o saber
dos mais idosos, ignorando que os problemas basilares do ser humano so sempre os
mesmos, independentemente da poca em que se vive. Este estmulo poderia gerar um
sentimento de auto-estima ou apenas funcionaria como purga de emoes, tal como
funcionava o teatro para a antiguidade clssica, tal como funciona uma consulta de
psicologia para os tempos modernos.
A palavra, essa sublime prerrogativa humana, o suporte que permite a transmisso de
uma ideia, mesmo que um gesto valha mais que mil palavras, que para bom entendedor,
meia palavra baste, no nos devemos nunca esquecer que no principio era o verbo!
58
1.2. Do Objecto Museolgico
Os objectos esto associados a percursos de vida e quadros sociais, histricos e
geogrficos de produo. o sistema de valores dos objectos que constitui o seu
interesse museolgico.
O museu dever responder questo: como que os objectos nos interpelam ?
H todo um potencial expressivo nos objectos ligados a um sistema de valores quando
se procura dar resposta a o que que um objecto, situao ou personagem, suscita na
minha memria. Durante muito tempo, no mundo dos museus, era o objecto pelo
objecto. Este passou a ser conotado de um potencial expressivo, ligado a uma realidade
social, que nos remete para um sistema de valores, alicerado no reforo de identidade e
auto-estima dos indivduos e grupos.
Os objectos ganham assim uma vida transferida atravs de um processo de museificao
e tornam-se documentos: o objecto museolgico por definio um artefacto
comunicante, assim tornado atravs do processo de musealizao. Como documento,
torna-se fonte de informao, no apenas da sua prpria existncia, mas tambm como
testemunho fsico de uma determinada actividade, fenmeno ou funo.
Os objectos / documentos no so simplesmente exibidos, mas explicados, interpretados
e contextualizados. Valem pela funo que desempenharam e tm a capacidade de
evocar temas, problemas, situaes, sentimentos e modos de viver.
Os objectos museolgicos so separados do seu contexto original e transferidos para
um outro, o museu, de forma a documentar a realidade da qual foram fisicamente
separados. Para os fazer renascer, conta-se com a participao dos seus antigos usurios
que recriam cenrios da vida quotidiana de outros tempos juntamente com a presena de
outros objectos ou recria-se essa mesma vida atravs do registo da sua sonoridade,
gestualidade e odor, inculcando-lhes fragmentos da