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EDMA OLIVEIRA DOS SANTOS
EDUCAO ONLINE
Cibercultura e Pesquisa-Formao na Prtica Docente
DOUTORADO EM EDUCAO
FACED/UFBA
2005
2
Universidade Federal da Bahia Faculdade de Educao Programa de Ps-Graduao em Educao Linha de pesquisa: Currculo, Comunicao e Cultura Doutoranda: Edma Oliveira dos Santos Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidney Macedo
EDUCAO ONLINE
Cibercultura e Pesquisa-Formao na Prtica Docente
Tese apresentada como exigncia
parcial obteno do ttulo de Doutora.
Programa de Ps-Graduao em
Educao, Universidade Federal da
Bahia.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidney
Macedo
Abril de 2005
3
EDUCAO ONLINE
Cibercultura e Pesquisa-Formao na Prtica Docente
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Roberto Sidney Macedo (orientador)
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dra. Cristina Maria dvila
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dra. Maria Helena Silveira Bonilla
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. Joaquim Gonalves Barbosa
Universidade Federal de So Carlos
Prof. Dra. Lynn Rosalina Gama Alves
Universidade do Estado da Bahia
Aprovada em 04 de abril de 2005.
Salvador
2005
4
Dedicatria
Aos docentes-pesquisadores do mundo, em
especial aos meus eternos docentes Flvio
Ferreira dos Santos (painho) e Marlene Oliveira
dos Santos (mainha).
A Marco Silva (meu amor) pela multirrreferencial
parceria interativa.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeo especialmente ao meu orientador, o Prof. Dr. Roberto
Sidney Macedo por ter aceitado o desafio de orientar esta pesquisa.
Obrigada por sua ousadia, generosidade, competncia intelectual.
Voc me ensinou o que ser um orientador amoroso e rigoroso com
o fazer cincia. Aprendi com voc a fazer pesquisa implicada.
amiga e parceira intelectual, a professora-pesquisadora Alexandra
Lilavati Pereira Okada. Sem sua co-autoria esta pesquisa no seria
possvel. Obrigada por me ensinar tantas coisas.
Ao Prof. Dr. Fernando Almeida pela confiana, apoio e acolhida ao
projeto de educao online: uso de software na pesquisa
qualitativa, campo de pesquisa desta tese.
Aos colegas docentes e pesquisadores que, juntamente comigo e
toda equipe do COGEAE, fizeram emergir o conceito e a prtica dos
ambientes virtuais de aprendizagem. Agradeo em especial
professora-pesquisadora Dauci Souza, pela mediao colaborativa
em nossa pesquisa-formao.
famlia Okada, em especial ao amigo e professor-pesquisador
Saburo, pela escuta sensvel e abertura ao novo. Obrigada pelas
dicas preciosas. Agradeo a Jandira (in memoriam), pelas calorosas
acolhidas na cidade de So Paulo.
Aos membros da banca, por aceitarem generosamente o convite ao
debate criativo. Agradeo em especial s professoras Lynn Alves
(UNEB) e Cristina dvila (UFBA), pelas timas contribuies no
exame de qualificao. Meu agradecimento professora e amiga
6
Maria Helena Bonilla (UFBA) e ao professor Joaquim Gonalves
Barbosa (UFSCar), por aceitarem integrar a Banca Examinadora.
Aos amigos, professores e pesquisadores dos grupos de pesquisa e
prtica pedaggica da UFBA e da UNEB. Em especial aos grupos
FORMACCE, GEC e NETI, por me ensinarem a articular o potencial
das Tecnologias de Informao e Comunicao TICs com a
pesquisa-formao. Meu agradecimento especial ao professor
Jacques Julles Soneville, por sua amizade e por me encorajar com
as minhas autorias.
Ao professor Felippe Serpa ((in memoriam), pela sua conexo em
nosso tempo. Saudades das suas provocaes.
A minha primeira famlia (Flvio, Marlene, Bruno e Flavinha) pelo
amor incondicional, por torcerem por mim e me apoiarem em todos
os momentos da minha vida pessoal e profissional. A Maria Paula
por me energizar com seus olhos de faris, ora verdes, ora azuis.
A Marco e Theo, pela nova famlia que se constituiu no
desenvolvimento deste trabalho. Obrigada pelas aprendizagens
constantes. Amo muito vocs!
A meus alunos, alunas, amigos e amigas (no vou citar nomes
porque resultaria num outro volume como este), por me formarem
com suas narrativas e histrias de vida.
CAPES pelo apoio material para a realizao desta pesquisa,
fundamental para sua concretizao.
A todas as formas e expresses de Deus!
7
O que pode ser mais opressivo num ensino no finalmente o saber ou a cultura que ele vincula, so as formas discursivas atravs das quais ele proposto.
Roland Barthes
8
RESUMO
A tese desenvolve a teoria e a prtica da educao online como um
evento da cibercultura e no simplesmente uma evoluo das
convencionais prticas de educao a distncia. A cibercultura o
movimento sociotcnico-cultural que gesta suas prticas a partir da
convergncia tecnolgica da informtica com as telecomunicaes
que faz emergir uma pluralidade de interfaces sncronas e
assncronas de comunicao e uma multiplicidade de novas mdias e
linguagens que vm potencializando novas formas de sociabilidade
e, com isso, novos processos educacionais, formativos e de
aprendizagem baseados nos conceitos de interatividade e
hipertextualidade. Desenvolveu uma experincia em educao
online que procurou articular as potencialidades da cibercultura com
a epistemologia e a metodologia da pesquisa-formao, construindo
uma prtica docente a partir da criao de um AVA ambiente
virtual de aprendizagem concebido como dispositivo formativo.
Este dispositivo incorpora tanto os aspectos comunicacionais e
pedaggicos de suas interfaces sncronas e assncronas (blogs,
fruns de discusso, chat, portflio, softwares de cartografia
cognitiva entre outros), bem como a emergncia de um grupo-
sujeito que aprende enquanto pesquisa e pesquisa enquanto
aprende. Assim, o AVA se configurou como um espao
multirreferencial de aprendizagem por conta da pluralidade
discursiva das narrativas e experincia pessoais, profissionais e
acadmicas de todos os participantes. A aprendizagem foi mediada
pela promoo intencional, mais comunicacional, de situaes de
ensino-aprendizagem, onde coletivamente os sujeitos da pesquisa
interagiram com um projeto pedaggico que agregou
hipertextualidade de contedos com aprendizagem colaborativa, a
partir do uso das interfaces do AVA no s concebidas como
9
interfaces comunicacionais, mas, sobretudo, como gneros textuais
e dispositivos de formao. O referencial terico que dialogou com a
pluralidade das narrativas do grupo-sujeito foram as teorias da
complexidade (Morin), multirreferencialidade (Ardoino), sociologia
contempornea (Maffesoli), interatividade (Silva), cibercultura
(Lvy, Lemos), linguagem ps-estruturalista (Barthes, Marcuschi),
cartografia cognitiva (Moreira, Okada), formao docente (Nvoa,
Freire, Josso, Macedo), pesquisa-ao (Barbier) e a etnopesquisa-
formao (Macedo). O trabalho evidenciou o potencial formativo da
educao online como campo fecundo para novas e significativas
possibilidades de promoo da aprendizagem e da formao de
docentes e pesquisadores. A pesquisa constatou que houve
aprendizagem e experincias formativas pelo registro e
mapeamento de diversas narrativas de formao que emergiram e
foram compartilhadas nas diferentes interfaces do AVA. Suas
interfaces se configuraram como fecundos dispositivos de pesquisa
e formao. Assim, foi engendrada uma prtica docente implicada e
encarnada com a pesquisa-formao no cenrio sociotcnico e
cultural do nosso tempo.
Palavras-chave: educao online, cibercultura, pesquisa-formao, ambientes virtuais de aprendizagem, prtica docente.
10
ABSTRACT
This thesis develops both theory and practice of the education
as a cyberculture occurance and not merely as a evolution of
conventional distance educacion practices. The cyberculture is the
social-technical-cultural movement that creates its practices from
the convergence of computer science with the telecommunications
that arises out a plurality of synchrone and no synchrone
communicational interfaces and multiple new media and languages
that had potentialyzed new kinds of sociability and then new
educational, graduating and learning processes founded on the
interactivity and hypertextuality concepts. It developed an online
education practice that tried to articulate the cyberculture
potentialities with episthemology and search-graduation
methodology, constructing a teaching practice from an AVA
Ambiente Virtual de Aprendizagem (Virtual Learning Environment)
concepted as a graduation device. This device embodies both
communicational and pedagogical aspects of its synchrone and no
synchrone interfaces (blogs, discussion fora, chat, portfolio,
cognitive cartography sofwares etc.) as well as the rise of a subject-
group that learns while searches and searches while learns. Then
the AVA has been shapep as a multirreferential space of learning by
the discoursive plurality of the personal, professional and academic
narratives and practices of all the partakers. The learning was
mediated by intentional promotion, communicational plus of
teaching-learning circumstances where the subjetcs of the search
had interacted with a pedagogical project that added contents
hypertextuality with colaborative learning, from the use of AVA
interfaces not merely concepted as communicational interfaces but
especially as textual genres and graduation dispositives. The
theoretical references that have dialogued with the plurality of
11
subjet-group narratives were the complexity (Morin),
multirreferentiality (Ardoino) contemporary sociology (Maffesoli),
interactivity (Silva), cyberculture (Lvy, Lemos), post-structuralistic
language (Barthes, Marcuschi), cognitive cartography (Moreira,
Okada), teaching graduation (Nvoa, Freire, Josso, Macedo),
search-action (Barbier) and etno-search-graduation (Macedo)
theories. The work has made clear the graduation potential of online
education as a fecund field to news and significatives possibilities of
promotion of the learning and the graduation of teachers and
searchers. The search verified that there was learning and
promotion of the graduation practices by the record and the
charting of divers graduation narratives that have rised and were
shared in the distinct AVA interfaces. Its interfaces have shaped as
fecund dispositives of search and graduation. Then a teaching
practice was engenred embodied and involved with the search-
graduation and in the nowadays social-technical-cultural scenery.
Keywords: online education, cyberculture, search-
graduation, virtual learning environments, teaching practice.
12
SUMRIO
RESUMO 8
ABSTRACT 10
INTRODUO 14
Onde tudo comeou? 14
Situao problemtica: cenrios sociotcnicos 18
O campo do currculo: outra cena em questo 19
Questo geral e os objetivos da pesquisa 29
Apresentando os captulos da tese 30
CAPTULO I - DA COMUNICAO DE MASSA CIBERCULTURA: DESAFIOS PARA A DOCNCIA
33
Nos primrdios das redes e interaes sociotcnicas 33
Revisando nossa relao sociotcnica 36
Comunicao moderna: indstria, mdia e comunicao de massa
40
Comunicao moderna: indstria, mdia e comunicao de massa
41
O jogo da linguagem visual: os signos e a produo da mensagem
48
Comunicao e aprendizagem na cibercultura 58
O social na cibercultura: comunidades e tribos na cidade e no ciberespao
64
Os hackers 71
A msica eletrnica 79
LAN HOUSES: jogos em rede 84
Ambientes virtuais de aprendizagem e a educao online 89
Tenses entre a cibercultura e a comunicao de massa: desafios para a prtica docente
96
CAPITULO II - EDUCAO ONLINE PARA ALM DA EAD: UM FENMENO DA CIBERCULTURA
105
Interatividade 113
Hipertexto 118
Objetos de aprendizagem 135
CAPTULO III - PESQUISA-FORMAO: PESQUISANDO EM EDUCAO ONLINE
139
O objeto que se auto-organiza 138
A pesquisa-formao em educao online 145
A complexidade 148
13
A multirreferencialidade 150
A emergncia das noes subsunoras 152
A pesquisa e a prtica docente como dispositivos de formao 162
O campo de pesquisa no ciberespao 166
CAPITULO IV - PRTICA DOCENTE: O PROGRAMA ABERTO S ESTRATGIAS
170
Como elaborar um projeto para educao online? O problema da pesquisa
173
Projeto: do desenho instrucional ao desenho educacional 175
A prtica pedaggica interativa e hipertextual na pesquisa-formao
178
Contexto: os sujeitos da pesquisa
Competncias 183
Equipe de trabalho 185
Atividades 188
Avaliao dos processos e da aprendizagem 191
O contedo interativo e hipertextual 195
A infra-estrutura comunicacional como interfaces, gneros textuais e dispositivos de pesquisa formao
203
Blog 211
Frum de discusso 228
Chats 285
Portflios 295
(IN)CONCLUSES E PROPOSIES 318
REFERNCIAS 331
ANEXOS 343
14
INTRODUO
Conhecer negociar, trabalhar, discutir, debater-se com o desconhecido que se reconstitui incessantemente, porque toda soluo produz nova questo.
Edgar Morin
Onde tudo comeou?
Dezembro de 2001, conclua minha dissertao de mestrado
intitulada O currculo e o digital: a educao presencial e a
distncia. Nesta pesquisa, estudei como o paradigma das
tecnologias digitais, mais especificamente o ciberespao e seus
ambientes virtuais de aprendizagem, poderia contribuir para a
emergncia de novos atos de currculo, seja na educao presencial,
seja na educao a distncia. Neste trabalho, tensionamos a
complexidade da teoria curricular contempornea com as novas
demandas comunicacionais promovidas pelas TICs tecnologias de
informao e comunicao. O estudo procurou articular a teoria do
currculo com a tecnologia digital a partir de um estudo entre dois
casos. O primeiro na modalidade presencial, em que investiguei o
uso do software As rvores do Conhecimento no contexto do curso
de ps-graduao do Programa de Comunicao e Semitica da
PUC-SP; e o segundo, no contexto de um curso online de extenso
oferecido pela UVB Universidade Virtual Brasileira.
O estudo evidenciou o potencial comunicacional e pedaggico
do digital e denunciou sua subutilizao por formadores e
instituies pela viso limitada acerca do conceito e prtica do
currculo observados nos campos de pesquisa. Alm do estudo entre
casos, que formalmente foram descritos na dissertao de
mestrado, tive a oportunidade de vivenciar no papel de aluna online
outras experincias que utilizaram o ciberespao como cenrio de
15
educao a distncia. Concomitantemente s vivncias como aluna
online, desenvolvia processos formativos em cursos de Graduao e
Ps-graduao Lato Sensu em Educao, nas reas de Currculo,
Prtica de Ensino e Estgio Supervisionado. Neste processo minha
prtica docente era norteada pela articulao das teorias
educacionais e comunicionais contemporneas com o uso das
tecnologias digitais de informao e comunicao e suas
convergncias com as diversas mdias e linguagens a exemplo das
tecnologias audiovisuais. Minha prtica docente procurava sempre
promover autorias variadas, incentivando os educandos a gestarem
em suas prticas experincias formativas concebendo as TICs como
produtoras e socializadoras de sentidos e autorias plurais.
Procurvamos no s discutir o potencial sociocognitivo das TICs
como tambm seu potencial poltico-cultural.
O conjunto dessas vivncias e experincias formativas me
inquietou profundamente, instigando-me a uma nova curiosidade
cientfica que deu origem pesquisa que ora apresento em forma
de tese. Tal inquietao partiu da constatao de que as
experincias, por mim vivenciadas em cursos online, deixavam a
desejar exatamente por conta da concepo de currculo e prtica
pedaggica dos formadores e de suas instituies. Constatei a
tambm o desconhecimento de eventos, fenmenos e pesquisas
sobre cibercultura, interatividade, currculo em rede, pesquisa-
formao e do prprio conceito de educao online que emergia.
Os atos de currculo em sua grande maioria eram inspirados
pela terica e prtica dos modelos instrucionais de EAD educao
a distncia, que ressuscitavam conceitos como desenho instrucional
e atividades programadas, aprendizagem guiada, entre outros. A
pesquisa, quando acontecia, era baseada no contexto de pesquisa
aplicada, em que os alunos eram concebidos como objetos a serem
explorados e investigados e no como sujeitos autores.
16
As tecnologias digitais e suas interfaces eram concebidas
como ferramentas utilizadas para melhor apresentar contedos
quase sempre prontos, pirotcnicos, e agregar os resultados das
tarefas solicitadas aos alunos pelo professor que muitas vezes tinha
sua autoria fragmentada em diferentes papis, professores autores
de um lado e professores tutores do outro. O professor tutor no
era autor, apenas executor e dinamizador de processos muitas
vezes baseados na lgica comunicacional um-um, subutilizando o
potencial comunicacional todos-todos prprio das interfaces
sncronas e assncronas do ciberespao.
Inquieta com essa forma de fazer educao, apresentei ao
Programa de Ps-graduao em Educao da FACED/UFBA um
projeto que propunha uma pesquisa-ao, no contexto do Currculo
do Curso de Pedagogia da UNEB, Campus I, para desenvolver com
todos os colegas professores e estudantes do terceiro semestre
matutino, em criao coletiva, um AVA ambiente virtual de
aprendizagem , que atuaria como dispositivo de pesquisa e
formao articulando o trabalho presencial desenvolvido por todo o
grupo com atividades e situaes de aprendizagem online mediadas
pelo ciberespao.
Na ocasio o problema da pesquisa era: como o ciberespao
e o AVA construdos coletivamente poderiam contribuir, ou no,
para a emergncia de atos de currculo interdisciplinares e
multirreferenciais. A fragmentao curricular na formao do
pedagogo era tambm uma das preocupaes. A criao coletiva de
um AVA poderia reverter o processo fragmentado do currculo.
Projeto aprovado iniciei o curso e a pesquisa de doutorado no
primeiro semestre de 2002. Assim, defendi minha dissertao de
mestrado j iniciando o doutorado.
Mas como a vida dinmica e incerta, mudanas profundas
me fizeram abandonar a proposta inicial de minha pesquisa de
doutorado. Mudei de residncia do Estado da Bahia para o Estado
17
do Rio de Janeiro. A vida pessoal e profissional se transformou
profundamente. J tinha concludo os crditos do curso, mas estava
fora do contexto que me implicava como pesquisadora. No estava
mais no contexto sociocultural e poltico e muito menos tinha o
vnculo profissional que interconectava a minha prtica docente com
a minha pesquisa acadmica. Contudo, o problema e a inquietao
cientfica estavam cada vez mais vivos, e o desdobramento dessa
histria eu conto a seguir ao longo desta tese. Aproveito para
convidar voc, leitor, para uma viagem em pesquisa e prtica
docente na cibercultura.
18
Situao problemtica: novos cenrios sociotcnicos
As tecnologias digitais de comunicao e informao esto
possibilitando muitas mudanas. As redes, no s de mquinas e de
informao, mas principalmente de pessoas, tribos e comunidades,
esto permitindo configurar novos espaos de interao e de
aprendizagem. Tais possibilidades esto pondo em xeque o papel e
o poder centralizador dos professores na contemporaneidade. Em
potncia, no h mais emissores (professores) e receptores
(estudantes) como dois grupos distintos com mensagens estticas,
e sim, um grande grupo emissor-receptor que pode constantemente
reconstruir conhecimentos.
A despeito do espao e do tempo, pessoas podem colaborar,
reforar laos de afinidade e se constiturem como comunidades.
Qualquer sujeito de qualquer ponto pode no s trocar informaes,
mas reconstruir significados, rearticular idias individual e
coletivamente, e assim partilhar novos sentidos com todos os
usurios da rede, do ciberespao.
O ciberespao composto por uma diversidade de
elementos constitutivos, interfaces que permitem diversos modos
de comunicao: um-um, um-todos e todos-todos em troca
simultnea (comunicao sncrona) ou no (comunicao
assncrona) de mensagens. Tais possibilidades podem implicar
mudanas diretas, nem melhores nem piores, mas diferentes, na
forma e no contedo das relaes de aprendizagem do coletivo.
atravs do conjunto de interfaces que os usurios interagem com a
4 Alm de tentar entender seu posicionamento local cidade/cultura devemos tambm atentar para os territrios simblicos, suas angstias, seus desejos, suas necessidades.
19
mquina e com outros usurios, compondo assim o ciberespao e a
cibercultura. Segundo Johnson:
A interface atua como uma espcie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensvel para a outra. Em outras palavras, a relao governada pela interface uma relao semntica, caracterizada por significado e expresso, no por fora fsica. Os computadores digitais so mquinas literrias, (...) trabalham com sinais e smbolos. (JOHNSON, 2001, p. 17) (grifo do autor).
Neste sentido, podemos afirmar que o computador digital
um objeto antropolgico, pois permite que novas formas de pensar
sejam institudas. Um elemento que lida com linguagem permite
que novas representaes, novos processos de aprendizagem e de
desenvolvimento cognitivo, possam emergir dessa interao
sociotcnica. Ao contrrio do que muitos tericos afirmam,
computador no apenas uma ferramenta. Ainda segundo Johnson:
A ruptura tecnolgica decisiva reside antes na idia do computador como um sistema simblico, uma mquina que lida com representaes e sinais e no com a causa-e-efeito mecnica do descaroador de algodo ou do automvel. (JOHNSON, 2001, p. 17).
O campo do currculo: outra cena em questo
As mudanas sociotcnicas expostas acima esto mexendo
significativamente com o campo da educao, em particular com o
campo do currculo. O digital vem imprimindo novas modalidades
educacionais, alterando consideravelmente modalidades anteriores.
A noes de educao presencial e de educao a distncia (EAD)
vm ganhado novos significados.
20
A educao a distncia se caracteriza como uma
modalidade de educao que promove situaes de aprendizagem
em que professores e estudantes no compartilham os mesmos
espaos e tempos curriculares, comuns nas situaes de
aprendizagem presencial. Para tanto, necessria a utilizao de
uma multiplicidade de recursos tecnolgicos que ajam como
interfaces mediadoras na relao
professor/estudante/conhecimento. Historicamente, as prticas de
EaD foram e ainda so alvo de inmeras crticas e preconceitos em
relao modalidade de educao presencial, por no permitir o
contato de uma relao face a face, na qual em tese seria possvel
promover a interao, a troca de saberes, conhecimentos e
experincias entre sujeitos e objetos do conhecimento.
Digo em tese porque o simples encontro face a face no
garante relaes interativas. Provas disso encontramos nas diversas
anlises e crticas feitas ao currculo disciplinar e tradicional,
organizado por uma comunicao unilateral centrada na retrica do
professor que muitas vezes difunde as informaes encontradas em
significantes livros didticos, vdeos, etc. no contextualizados e
muito menos produzidos pelos sujeitos cognocentes. Atitudes como
essas provocam distncias de variada natureza, mesmo estando os
sujeitos geograficamente prximos.
A distncia geogrfica exige interfaces que permitam uma
comunicao efetiva entre os sujeitos no processo de trabalho e
construo do aprendizado. Tal efetividade deve se dar no s pelo
encurtamento das distncias fsicas, mas tambm pelo das
simblicas e existenciais. Como j sinalizaram os tericos crticos e
sociointeracionistas, a aprendizagem acontece na relao dos
sujeitos com as culturas e no apenas com o acesso desses s
informaes distribudas. Nas prticas tradicionais de EaD, os
materiais ou recursos tecnolgicos configuram-se como elementos
auto-suficientes, tornando-se o centro de todo o processo. Como
21
exemplo, destacamos a limitao das interfaces atmicas e
analgicas impressos, tv, vdeos utilizadas para distribuir
informaes em massa.
Com o avano das tecnologias digitais, as instituies
educacionais podem operacionalizar currculos que permitam ir alm
da distribuio a distncia de contedos, garantindo novas prticas
curriculares em que a interao professor/estudantes/conhecimento
seja realmente possvel.
Quando o professor recebe uma mensagem de um
estudante, preciso atentar para o contexto do qual ela emerge.
Desafios e questes so postas a todo tempo. Por exemplo: De
onde fala esse estudante?4 Quais seus hbitos para o
desenvolvimento de competncias? Qual a sua realidade
sociotcnica? Por mais que trabalhemos com a idia de identidade
de saberes, a mesma jamais pode ser concebida fora do contexto
de vida do sujeito na sua diferena de gnero, sexo, etnia, religio,
condio social. na diversidade que os sujeitos potencializam seus
saberes. Segundo Pierre Lvy:
As identidades tornam-se identidades de saber. As conseqncias ticas dessa nova instituio da subjetividade so imensas: quem o outro? algum que sabe. E que sabe as coisas que eu no sei. O outro no mais um ser assustador, ameaador: como eu, ele ignora bastante e domina alguns conhecimentos. Mas como nossas zonas de inexperincia no se justapem ele representa uma fonte possvel de enriquecimento de meus saberes. Ele pode aumentar meu potencial de ser, e tanto mais quanto mais diferir de mim (LVY, 1998, p. 27).
Neste sentido, devemos considerar que o professor na
cibercultura precisa ser mais um interlocutor do que um tutor ou
mesmo um professor no sentido mais tradicional. Sabe-se que tutor
22
o indivduo encarregado de tutelar, proteger e defender algum;
o adulto que carrega o infante pela mo. J o professor o
indivduo que ensina uma cincia, arte, tcnica ou disciplina. Esse
entendimento no garante, por si, a educao autntica.
Como j sinalizamos, a prtica em EaD se caracteriza
tradicionalmente pela distncia geogrfica dos professores e
estudantes. Dessa forma, o centro do processo o material ou
recurso didtico. Estes normalmente se configuram como pacotes
prontos, que se apresentam de forma linear, seqenciada e com
pouca multiplicidade. assim com o material impresso, muito usado
nos cursos por correspondncia, e com os vdeos e os programas de
televiso. Esse modo de fazer currculo tem suas bases na
tendncia de educao tecnicista. Logo, cabe ao tutor:
1-Informar o aluno sobre os contedos cientficos e tcnicos, tcnicas de trabalho intelectual, o andamento de seus estudos e sua compreenso das matrias; 2 Motivar o aluno para continuar estudando apesar das dificuldades de todo tipo que possam surgir; 3 Possibilitar o conhecimento do aluno por parte dos professores, de forma direta pelos professores tutores e, atravs de seus relatrios, pelos da sede central, permitindo assim uma avaliao final mais concreta e o necessrio controle das dificuldades que possam ser colocadas pelos materiais didticos utilizados (UNED, 1988/1989, p. 18-19, apud MAGGIO, 2001, p. 95-96).
Nessa lgica, o professor/tutor apenas algum que
executa e administra formas e contedos estticos que partem de
um plo emissor para uma comunicao de massa, unidirecional,
em que o estudante apenas um receptor e, como tal, no constri
o conhecimento. Da, como lidar com as identidades de saberes? O
ciberespao no pode ser concebido como uma mdia de massa que
incorpora contedos, como acontece normalmente com experincias
23
em EaD mediadas pelo impresso, tv ou vdeos, nos quais a
comunicao se restringe ao modelo um-todos. Alm de se
constituir por sua natureza multimdia, interconexo e integrao, o
ciberespao um espao de comunicao potencialmente interativo,
pois permite uma comunicao todos-todos. potencialmente
interativo, porque no garante por si s, por suas interfaces
comumente chamadas de ferramentas , tal interatividade. O meio
estrutura a interatividade, mas no a determina. Provas disso so
os diversos sites de cursos5 e portais encontrados no prprio
ciberespao. Como nos alerta Nelson Pretto:
Preocupante porque a internet tende a se tornar o maior repositrio de conhecimento humano, embora ainda mantendo o mesmo estilo de concentrao na produo do conhecimento e na divulgao de informaes dos chamados tradicionais meios de comunicao de massa. No chegamos a afirmar que temos o mesmo sistema de broadcasting, de distribuio de informaes via meios centralizados, como vemos no caso do sistema de televiso. No entanto, nos parece um importante indicador para que possamos pensar na pouca diversidade de stios sendo localizados por estas buscas indicando-nos, conseqentemente, a necessidade de um repensar sobre a sistemtica de produo e divulgao de stios que expressem as diferentes culturas e valores locais (PRETTO, 2000)6.
Diante do paradoxo entre a natureza do ciberespao, rede,
e as produes lineares nele encontradas, torna-se urgente discutir
outras dimenses de comunicao para que novas aes sejam
5 Veja o site do Instituto Universal Brasileiro. Esse instituto trabalha com educao a distncia desde as prticas por correspondncia, usando material impresso, estando tambm no ciberespao no endereo: www.institutouniversal.g12.br 6 Cf. Linguagens e Tecnologias na Educao. In: http://www.ufba.br/~pretto/textos/endipe2000.htm (acessado em 2001).
http://www.institurouniversal/http://www.ufba.br/%7Epretto/textos/endipe2000.htm
24
materializadas, sobretudo no campo do currculo e da educao. Um
currculo em rede precisa ser institudo.
A rede tem centros instveis, configurados por
compromissos tcnicos, estticos e polticos. Seus elementos
circulam e se deslocam de acordo com as necessidades e
problematizaes dos sujeitos. Dessa forma, tanto professores
quanto estudantes podem ser autores e co-autores
(emissores/receptores) de mensagens abertas e contextualizadas
pela diferena nas suas singularidades.
Pensar o currculo em rede conceber uma teia de
conexes na qual o professor pode estar ou no no centro, os
estudantes podem tomar a cena criando e co-criando situaes de
aprendizagem e os contedos disponibilizados e interfaces
(ferramentas) podem ganhar destaque no processo.
O que importa nessa complexa rede de relaes a
garantia da produo de sentidos, da autoria dos sujeitos/coletivos.
O conhecimento deve ser concebido como fios que vo sendo
puxados e tecidos criando novas significaes, num processo em
que alguns iro conectar-se a novos, outros sero refutados ou
sero ignorados pelos sujeitos, ns, at que outros fios sejam
tecidos a qualquer tempo/espao, na grande rede que o prprio
mundo. Da a aprendizagem acontecer quando o professor prope o
conhecimento, no quando distribui. O ciberespao no oferece
apenas informaes a distncia. O estudante no estar a mais
reduzido passividade de um receptor que olha, copia, repete. Ele
co-autor da comunicao e da rede de conhecimentos criando,
modificando e tecendo novas e complexas redes.
A educao e at mesmo o campo do currculo, por mais
crticos que sejam, quase no contemplam nos seus
discursos/teoria a questo da comunicao. As referncias mais
10 Cf. Jornal do Brasil, Educao & Trabalho, 18.02.2001.
25
utilizadas so a Psicologia da Aprendizagem, a Didtica e, mais
recentemente, os Estudos Culturais. No quero com isso,
negligenciar tais referncias, quero potencializ-las pela
comunicao interativa estruturada pelo digital. Logo, precisamos
ressignificar o papel do professor nesse processo. preciso rever a
poltica de sentido da palavra tutoria, avanando da etimologia
para o currculo na ao.
Maggio (2001), Litwin (2001) e Barreto (2001), quando
discutem o papel da tutoria na atualidade, do uma grande nfase
nas referncias psicolgicas e didticas. Mesmo quando o tema
EaD na web. Maggio sugere:
Entre as propostas que sistematicamente buscaram incorporar desenvolvimentos tericos como os que assinalamos, destaca-se hoje o ensino atravs de casos. (...) Na modalidade distncia, cujos projetos ou programas, muitas vezes, dispem de uma rica diversidade de meios que permitem recorrer a diferentes modos de representao, poder-se- enriquecer na apresentao dos casos elegendo, em cada situao, o suporte que se revela mais adequado para um tratamento verossmil (MAGGIO, 2001, p. 98).
inegvel que propostas metodolgicas sejam pertinentes
para criao de novos modos de educar, seja na educao
presencial, seja na educao a distncia mediada pelo digital.
Contudo, se nessa discusso a modalidade de comunicao no
romper com a lgica unidirecional, pouca ou quase nenhuma
mudana qualitativa acontecer. As alternativas didticas podem
muito bem maquiar o paradigma tradicional do currculo. No
basta apenas mexer com a forma nem com o contedo dos
materiais ou estratgias de ensino. necessrio mexer com o
processo de comunicao dos sujeitos envolvidos. Paulo Blikstein,
26
ps-graduando do Media Lab do MIT, pesquisa EaD na web e
chegou seguinte concluso:
Reproduz-se o mesmo paradigma do ensino tradicional, em que se tem o professor responsvel pela produo e pela transmisso do conhecimento. Mesmo os grupos de discusso, os e-mails, so ainda, formas de integrao muito pobres. Os cursos pela internet acabam considerando que as pessoas so recipientes de informao. A educao continua a ser, mesmo com esses aparatos tecnolgicos, o que ela sempre foi: uma obrigao chata, burocrtica. Se voc no muda o paradigma, as tecnologias acabam servindo para reafirmar o que j se faz (BLIKSTEIN, 2001)10.
A constatao acima preocupante, pois indica que o
papel do professor na cibercultura se mantm no mesmo paradigma
da transmisso caracterstica do currculo tradicional e da mdia de
massa. O que temos aqui a subutilizao do paradigma digital.
Cito, por exemplo, a abordagem de Barreto, especialista em EaD da
Universidade de Braslia, que separa a ao do professor em
compartimentos:
Professor/autor elabora contedos para materiais
didticos de EaD;
Professor/instrutor ministra aulas complementares ao
material didtico, sncrona ou assincronamente,
intermediadas por tecnologias (chats, fruns,
videoconferncia, televiso, etc.) ou presencialmente;
Professor/tutor auxilia os autores e instrutores, e
principalmente os alunos, a serem bem-sucedidos no
processo de ensino/aprendizagem. No tem permisso para
27
modificar os contedos e linhas pedaggicas propostas
pelos autores/coordenadores do curso (BARRETO, 2001)11.
Essa perspectiva fragmenta, compartimentaliza o fazer do
saber fazer, a teoria da prtica. Assim a autoria do professor se
reduz elaborao de contedos a serem transmitidos como
mensagens fechadas e imutveis. A produo e a distribuio dos
contedos e materiais so separadas do acompanhamento do
processo de aprendizagem, no permitindo alteraes dos
contedos por parte dos sujeitos envolvidos. Ademais, a autoria se
reduz a quem cria o material didtico que circula no ciberespao,
fazendo do estudante e do professor-tutor recipientes de
informao ainda baseada na lgica da comunicao de massa.
So urgentes a crtica e a criao de novas propostas de
educao no ciberespao que contemplem a ressignificao da
autoria do professor e do estudante como co-autor. O currculo em
rede exige a comunicao interativa onde saber e fazer
transcendam as separaes burocrticas que compartimentalizam a
autoria em quem elabora, quem ministra, quem tira dvidas e quem
administra o processo da aprendizagem. Ento preciso investir na
formao de novas competncias em comunicao.
Destaquei at aqui problemas que ilustram a fragmentao
da autoria do professor nos processos de EaD. Ao mesmo tempo,
convoco a novas posturas para a construo do currculo em rede.
Entretanto, considero que exatamente na questo da rede que se
deve investir. Toda rede de produo de saberes e conhecimentos
formada por diferenas e mltiplas competncias singulares.
Ningum sabe tudo, todo mundo sabe alguma coisa diferente do 11 Cf. Produo de material didtico para cursos distncia na Web. SBPC n. 53, Salvador/BA, julho de 2001. Curso ministrado pela professora Lina Sandra Barreto em Power Point, no qual distingue o papel do professor e sua implicao no currculo no ciberespao.
28
outro e exatamente essa diferena dos saberes que enriquece o
coletivo inteligente. O grande problema est na gesto do processo.
Em vez de todo o grupo conhecer todo o processo, potencializando
os saberes das singularidades numa construo coletiva, as
singularidades so convocadas apenas para compor o processo de
diviso do trabalho, prprio da escola/fbrica baseada no modelo
fordista do currculo por programas.
O professor na cibercultura, e tambm fora dela, tem como
desafio integrar e coordenar a equipe multidisciplinar num currculo
multirreferencial em rede que permita que as competncias dos
sujeitos sejam solicitadas/ressignificadas no processo como um
todo, onde a gesto dos saberes no se limite apenas produo
dos recursos/contedos, mas ao acompanhamento do processo que
ganha potenciais co-autores, os estudantes. Para tal, esse professor
no se contenta em ser um conselheiro, uma ponte entre a
informao e o conhecimento, um facilitador da aprendizagem
(SILVA, 2000, p. 180), mas sim um professor entendido como
aquele que, por exemplo:
1. Disponibiliza possibilidades de mltiplas experimentaes, de
mltiplas expresses;
2. Disponibiliza uma montagem de conexes em rede que
permite mltiplas ocorrncias;
3. Formula problemas;
4. Provoca situaes;
5. Arquiteta percursos;
6. Mobiliza a experincia do conhecimento;
7. Constri uma rede e no uma rota;
8. Cria possibilidade de envolvimento;
9. Oferece ocasio de engendramentos, de agenciamentos, de
significaes;
29
10. Estimula a interveno dos alunos como co-autores da
construo do conhecimento e da comunicao.
Assim, nos inspiramos para pensar e gestar uma prtica docente
onde forma e contedo interajam dialtica, dialogicamente. A
autoria se constituir a partir das experincias vividas e narradas
como texto coletivo e autorizado por todos os sujeitos envolvidos no
processo.
Questo geral e objetivos da pesquisa
Os espaos de aprendizagem no podem ser reduzidos a
um repositrio de informaes, pois trata-se de ambiente fecundo
de inteligncia coletiva. Diante disso, os termos tutor ou
facilitador no contemplam a complexidade que supe a autoria
do professor, seja no presencial, seja a distncia online. Por me
preocupar especificamente com a formao de sujeitos nas prticas
do currculo-ao, relao docente-
pesquisadora/estudantes/pesquisadores/conhecimento, procurei a
partir desse projeto de tese:
Investigar: Como a educao online e as
interfaces de um Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) podero contribuir na
formao do docente-pesquisador na
cibercultura?
30
So objetivos da pesquisa:
Compreender os diversos processos de
comunicao e aprendizagem na cibercultura
implicados na prtica docente;
Analisar as contribuies da pesquisa-formao
e das tecnologias digitais, mais especificamente
os AVA, na formao do docente-pesquisador
na cibercultura;
A partir dos dados levantados, estruturar
princpios e estratgias pedaggicas que
contribuam qualitativamente, valorizando os
saberes culturais e as potencialidades das TICs,
para o exerccio do docente-pesquisador na
cibercultura.
Apresentando os captulos
Este trabalho est estruturado em seis partes: introduo,
quatro captulos e a (in)concluso. Nesta itinerncia, descrevi
densamente o processo desenvolvido na pesquisada-formao em
educao online.
Nesta introduo apresentei minha implicao com o objeto
de estudo, a situao problemtica que contextualiza a pertinncia
e relevncia da pesquisa, bem como os objetivos que nortearam o
processo de investigao e construo do conhecimento.
No captulo 1 Da comunicao de massa ibercultura:
desafios pra a docncia, trago uma sntese da historicidade das
relaes dos seres humanos com os objetos tcnicos, destacando a
evoluo das TICs na criao e gesto de processos sociotcnicos,
polticos e culturais da comunicao de massa cibercultura.
31
Priorizo os processos e dinmicas na produo e socializao de
sentidos, descrevendo como estes vm instituindo novas
sociabilidades, processos formativos e de aprendizagem. E destaco
a emergncia do conceito de AVA ambiente virtual de
aprendizagem , problematizando seu potencial para a prtica
docente e tambm tensionando seu limitado uso a partir do
paradigma da comunicao de massa.
Apresento no captulo 2 Educao online para alm da EAD:
um fenmeno da cibercultura , o conceito de educao online como
um fenmeno da cibercultura e no apenas como uma gerao e
evoluo das clssicas prticas curriculares da EaD. Apresento
tambm algumas potencialidades das tecnologias digitais e suas
interfaces na promoo de contedos e situaes de aprendizagem
baseadas nos conceitos de interatividade, hipertexto e objetos de
aprendizagem.
No captulo 3 Pesquisa-formao: pesquisando em educao
online, apresento os princpios epistemolgicos e metodolgicos da
pesquisa-formao em educao online. So abordados os
principais aspectos da prtica cientfica no que se refere
concepo de cincia, seu rigor, relao e construo do objeto de
estudo, relao pesquisador e os outros sujeitos da pesquisa, a
problemtica que se auto-organiza, os procedimentos de coleta e
anlise de dados e as noes subsunoras, o papel da linguagem,
da interpretao dos dados e o tratamento do campo de pesquisa
no ciberespao a partir do conceito de AVA.
No captulo 4 Prtica docente: o programa aberto s
estratgias, procuro descrever densamente o processo e
desenvolvimento da pesquisa-formao como prtica docente em
educao online. Esta prtica apresentada a partir do conceito de
estratgia, que procurou articular recursivamente a idia de projeto
interativo-hipertextual e a promoo de um dispositivo de pesquisa-
formao a partir do uso de interfaces comunicacionais e gneros
32
textuais. Neste captulo, trago a anlise dos dados no contexto da
prtica docente engendrada a partir da criao coletiva de um AVA
ambiente virtual de aprendizagem.
Por fim, apresento as (in)concluses da pesquisa e
perspectivas para novas experincias formativas condicionadas pelo
uso de interfaces digitais e de AVA. No apresento modelos de
educao online. Concluo a tese como obra aberta convidando os
colegas docentes e pesquisadores a se apropriarem do trabalho
para criarem outras dinmicas de pesquisa e prtica docente em
nosso tempo.
4 Evoluo tecnolgica: 1876 telefone Bell;1898 - rdio Marconi;1906 vlvula a vcuo De Foret.
33
CAPTULO I
DA COMUNICAO DE MASSA CIBERCULTURA: DESAFIOS
PARA A DOCNCIA
O tamanho do meu mundo do tamanho
da minha linguagem.
Wittgenstein
Neste captulo apresento sinteticamente a historicidade das
relaes dos seres humanos com os objetos tcnicos, destacando a
evoluo das TICs na criao e gesto de processos sociotcnicos,
polticos e culturais, da comunicao de massa cibercultura.
Apresento processos e dinmicas na produo e socializao de
sentidos, descrevendo como estes vm instituindo novas
sociabilidades, processos formativos e de aprendizagem. E destaco
a emergncia do conceito de AVA, problematizando seu potencial
para a prtica docente e tensionando seu limitado uso a partir do
paradigma da comunicao de massa.
Nos primrdios das redes e interaes sociotcnicas
A relao dos seres humanos com objetos tcnicos sempre foi
uma relao de implicao. A emblemtica frase de McLhuan o
homem faz a ferramenta e a ferramenta faz o homem j nos
remete a pensar a relao homem-mquina como uma construo
interativa. Os tericos sociointeracionistas j nos ensinaram que a
aprendizagem uma construo cultural e que no podemos
separar a produo humana dos seus meios e mediaes, sejam
estes naturais ou artificiais. Cada ambincia tecnolgica possibilitou
a emergncia de certos atores e autores e de processos de
34
construo de saberes, conhecimentos e aprendizagens. Segundo
Macedo:
Dentro da perspectiva sthutziana, todos os objetos culturais no mundo enviam-nos s aes humanas, s atividades humanas, suas prticas, portanto. Neste sentido, o machado pr-histrico, os instrumentos de ltima gerao da informtica, tm sua historicidade pontuada. Aqui no possvel compreender o objeto cultural como o computador e suas lgicas, por exemplo, sem remet-lo atividade humana que circunscreve a historicidade dos objetos culturais, aos quais incessantemente atribumos sentidos (MACEDO, 2000, p. 54).
Contemporaneamente no podemos mais separar o meio
natural do meio artificial. Isso por conta da presena humana em
todo globo, no s sua presena fsica, mas, sobretudo, sua
presena cultural, que j faz da natureza uma artificialidade. A
essncia da natureza humana situa-se no que podemos chamar de
processo de desnaturalizao do homem, na simbiose com a tcnica
e na formao da cultura com o surgimento da linguagem Lemos
(2002, p. 32). A presena da tcnica nas diversas atividades
humanas um fenmeno sociocultural e como tal no h natureza
pura, ou seja, natureza sem tcnica.
Essa discusso no nova, mas nunca esteve to em
destaque quanto no cenrio contemporneo estruturado pelas
novas tecnologias. Se o homem faz a ferramenta e a ferramenta faz
o homem, que mudanas vm sofrendo a humanidade com a
emergncia das novas tecnologias digitais de informao e
comunicao? Qual a diferena dos meios de comunicao de massa
frente ao avano dos meios de comunicao interativos, tendo como
destaque a internet? Como aprende o sujeito cibercultural? Como
educar num mundo de comunicao generalizada? Quais os desafios
para a formao e prtica docente?
35
As TICs vm se apresentando nos discursos tcnico-
cientficos como uma grande revoluo para os agenciamentos
sociotcnicos na contemporaneidade. Isso por conta da sua
caracterstica material, o digital, e conseqentemente pelas
potencialidades que esta nova materialidade vem instituindo em
vrias esferas da vida social. O discurso acerca da revoluo vem
impulsionando pesquisas que articulem e religuem diversos campos
do saber, requerendo dos pesquisadores uma abordagem que
explicite o estado da arte dessa transformao. Haja vista que
estamos inseridos num momento histrico em que emerge a
revoluo digital.
As TICs no podem ser consideradas apenas como
ferramentas que evoluram simplesmente de outras. A palavra
ferramenta muito utilizada principalmente pelos educadores
quando se referem ao uso do computador na prtica pedaggica.
como se o computador fosse apenas um artefato projetado como
meio para se realizar o trabalho escolar. Segundo Santaella (1997),
o conceito de ferramenta est diretamente associado idia de
artefato, quase sempre manual, projetado para expandir ou
prolongar habilidades humanas. Como por exemplo, tesouras para
cortar, culos para enxergar melhor, aparelhos corretivos para
facilitar a mastigao, lpis para escrever, entre outras. Ser o
computador apenas mais uma ferramenta?
Obviamente no podemos afirmar que o computador no
uma ferramenta. Tudo depende das mediaes realizadas. Se for
usado na prtica pedaggica apenas como extenso ou
prolongamento das mos dos professores e estudantes apenas,
para copiar ou transferir informaes, mesmo de forma mixada,
mistura de linguagens, ou multimiditica, mistura de mdias, o
computador ser uma ferramenta. Entretanto, fundamental
diferenciarmos e esclarecermos que as TICs so mais que
36
ferramentas. So, segundo Pretto (1996), mquinas estruturantes
de novas formas de pensar, sentir e agir em nosso tempo.
O conceito de mquina se difere do conceito de ferramenta
principalmente por apresentar um certo nvel de autonomia no seu
funcionamento, podendo se atualizar como estrutura material ou
no material, onde sua unidade formada por partes interligadas e
conectadas que se movimentam por alguma espcie de fora,
principalmente por conta do uso de motores, aumentando a rapidez
e a energia de alguma atividade. A evoluo das mquinas e seus
impactos nos agenciamentos sociotcnicos so amplamente
discutidos ao longo da histria. Santaella (1997) classifica a
historicidade das mquinas em trs categorias, no excludentes
entre si. So elas: musculares, sensrias e cerebrais. As TICs esto
na classificao das mquinas cerebrais.
Revisitando um pouco mais a histria da nossa relao sociotcnica
Na antiguidade
As dicotomias entre tcnica e natureza, tcnica e teoria,
surgem, segundo Lemos (2002), com os primrdios da filosofia
grega, pois at ento os seres humanos no fragmentavam seus
fazeres dos seus saberes. A filosofia grega procurou conceituar a
tcnica como uma ao exclusivamente humana que se opunha
ao da natureza. A tcnica, do grego tekhn, ou arte do fazer, em
oposio a phusis, princpio de gerao de todas as coisas, a
natureza como mecanismo de auto-reproduo e auto-organizao.
Neste sentido, a tcnica uma produo artificial relacionada
diretamente com o fazer humano e a polis. Esse fazer estava
dissociado e fazia oposio ao saber contemplativo ou terico, ou
seja, a pisteme. Assim, a tcnica era a capacidade humana de
37
dominar, imitar e destruir a natureza. Logo inferior mesma, pois
um saber prtico e no autopoitico. Essa dicotomia era
representada por vrios mitos que desenharam o imaginrio de
um tempo que associavam a origem do homem da tcnica,
essas sempre inferiores natureza (Aristteles) e ao pensamento
mais elaborado (Plato).
Na modernidade
O homem premoderno produzia cultura atravs da tcnica,
arte do fazer, manipulando artefatos e ferramentas. Com o advento
da mquina, na modernidade, essa relao se modifica, pois, em
vez de inventar e manipular ferramentas, o homem passou a operar
mquinas. Neste sentido, temos na modernidade uma nova relao
cultural em emergncia. Lemos nos esclarece:
Os objetos, so no comeo de sua evoluo, dependentes de uma ao inventiva e primitiva dos homens (a fase zoolgica); mas, a partir da formao do crtex, os objetos tcnicos vo seguir uma lgica interna (a evoluo de uma pea pode mudar completamente os rumos da evoluo de uma mquina, por exemplo), criando um gnero. Assim, na modernidade, o homem no mais verdadeiramente um simples inventor, mas um operador de um conjunto maqunico que evolui segundo uma lgica interna prpria (a tecnicidade). A apario de objetos tcnicos engendra, ento, um processo permanente de naturalizao dos objetos e de objetivao da natureza (na construo de uma segunda natureza artificial, a tecnosfera) (LEMOS, 2002, p. 33).
A tcnica na modernidade se caracteriza principalmente pela
emergncia das mquinas musculares (Santaella, 1997). As
mquinas musculares so artefatos que potencializam ou
substituem a fora fsica e as capacidades locomotoras do homem,
38
so extenses das atividades musculares. Por sua grande
capacidade de gerao de energia eletromecnica, essas mquinas
estruturam no auge do sculo XIX a Revoluo Industrial. As
mquinas musculares ajudaram o capitalismo a explorar a fora de
trabalho, transformando a relao homem-tcnica numa relao
dicotmica no qual as mquinas substituram, quase por completo,
a presena humana no modo de produo que se foi automatizando
com a evoluo dessas mquinas at sua posterior articulao com
os computadores, mquinas cerebrais.
A utilizao das mquinas no processo produtivo demarca a
separao entre produtores e seus meios de produo. Tal
caracterstica impulsionou a emergncia e o avano do modo de
produo capitalista, que se estrutura atravs da apropriao e uso
do excedente, visando sempre a maximizao de lucros. Neste
sentido, a tcnica utilizada para produo em massa de bens e
servios atravs do modo de desenvolvimento industrial.
O modo de desenvolvimento industrial se estrutura pelo uso
da mquina que, ao proporcionar a gerao de novas fontes de
energia, permite que estas possam ser descentralizadas e circuladas
ao longo do processo produtivo. Esse modo de desenvolvimento
tem sua gnese na Revoluo Industrial (RI), que foi marcada por
dois eventos ou acontecimentos significativos. O primeiro, na
metade do sculo XVIII, foi caracterizado pelo uso da mquina a
vapor, capaz de converter a energia qumica do carbono em energia
cintica e finalmente em trabalho mecnico. Para Lemos:
Comea a haver uma interpenetrao da cincia na tcnica (conhecimentos bsicos de princpios fsicos, qumicos e biolgicos) e da tcnica na cincia (instrumentos os mais diversos), embora a mquina a vapor, smbolo maior desta poca, tenha sido desenvolvida sem ajudas substanciais da cincia (LEMOS, 2002, p. 50).
39
O segundo momento da RI comeou na segunda metade do
sculo XIX e foi baseado, inicialmente, na utilizao da mquina
eltrica nos processos. Dois momentos marcam essa fase: de 1855
a 1870, perodo da adaptao de natureza tcnica e econmica
(crescimento demogrfico, rede bancria, organizao industrial,
aumento da demanda); e de 1880 a 1900, no qual as grandes
mudanas entram em jogo com a produo de energia em larga
escala (turbocompressores e motores de exploso e eltricos, aos
especiais, qumica de sntese, lubrificantes, novos meios de
transporte e de comunicao4).
Neste contexto, cincia e tcnica compem a metanarrativa
moderna conhecida como tecnocincia. Assumindo o discurso do
progresso da humanidade, a tecnocincia legitima a cincia como o
saber verdadeiro, pois esta utiliza os princpios da objetividade,
racionalidade instrumental e universalidade das aplicaes.
A racionalidade tcnica, ou razo instrumental, define como
saberes legtimos e verdade o discurso cientfico. Pode-se dizer que
a industrializao, a urbanizao, a burocratizao, a tecnologizao
se efetuaram segundo as regras e os princpios da racionalizao,
ou seja, a manipulao social, a manipulao dos indivduos
tratados como coisas em proveito dos princpios de ordem, de
economia de eficcia (MORIN, 1999, p. 162). Desse modo, os
saberes do cotidiano e os mitos foram considerados falsos
saberes, sem legitimidade para a sociedade industrial.
A fragmentao do saber cientfico a partir das prticas
disciplinares e compartimentalizadas faz com que o conhecimento
vlido seja apenas o resultado de fenmenos estudados e
controlados por especialistas e cientistas de laboratrios que
limitavam a realidade simples prtica de isolar os fenmenos fora
de seus contextos e complexidade da vida humana. V-se que
cincia, tcnica, razo constituem momentos, aspectos de um pr
em causa do mundo natural, intimado a obedecer ao clculo; e a
40
tcnica sada da experimentao e da aplicao cientficas um
processo de manipulao generalizada, para agir no s sobre a
natureza, mas tambm sobre a sociedade (MORIN, 1999, p. 163).
Neste sentido, a cidade se caracteriza como o grande centro
urbanstico, onde a tecnosfera prevalece sobre a ecosfera, e a
cultura da civilizao impe o referencial da tecnocincia,
desterritorializando culturas nativas, impondo a lgica da sociedade
do consumo e da sociedade do espetculo.
Comunicao moderna: indstria, mdia e comunicao de massa
Alm das mquinas musculares, a Revoluo Industrial
tambm foi marcada por mquinas que funcionavam como
extenses e simuladores dos rgos dos sentidos, as mquinas
sensoriais. Ao contrrio das mquinas musculares, que produziam
em srie os objetos, as sensoriais produzem, reproduzem,
registram os sentidos que produzem signos.
Por serem produtoras de signos, as mquinas sensrias no
s registram a realidade como tambm reproduzem e criam outras
realidades. Estes signos so expressos por sons e imagens. As
imagens por sua vez ganham um estatuto diferente frente a essas
mquinas. Segundo Santaella (1999), historicamente elas evoluram
das imagens prefotogrficas, produzidas manualmente, para as
fotogrficas, produzidas por mquinas sensoriais, e as de snteses,
produzidas aleatoriamente por computao grfica sem relao com
o objeto referente.
As imagens produzidas manualmente, prefotogrficas,
exigiam dos seus criadores habilidades artesanais para reproduzir
o real e o imaginrio de forma bi ou tridimensional. Com o advento
das mquinas sensoriais, o mundo sofre uma invaso de signos
produzidos por imagens ps-fotogrficas e eletrnicas expressadas
41
pela fotografia, pelo cinema, pela tv, o vdeo e atualmente pela
tecnologia digital.
Segundo Martn-Barbero (1994), o registro mecnico altera a
natureza da representao. A relao entre tcnica e arte influencia
a subjetividade do produtor e do receptor. O olho do artista e sua
subjetividade se completam com as possibilidades tcnicas
promovidas pelas mquinas com, por exemplo, os recursos e
possibilidades combinatrias de luz, enquadramentos, efeitos,
montagem, recortes, enfim as mquinas no s registram, mas
criam realidades. A criao e a recriao de realidades so possveis
porque as imagens produzidas pelas mquinas tem existncia
material. Isso permite a difuso em massa e o uso poltico5 das
imagens, modificando a percepo espao/temporal que d ao leitor
a sensao de tempo real e de anulao espacial, abolida pelas
distncias geogrficas.
A possibilidade tcnica das mquinas sensoriais juntamente
com o sistema socioeconmico em que estas so produzidas
instituem o que na teoria da comunicao se classifica como cultura
de massa. As mquinas sensoriais so tambm conhecidas como
meios de comunicao de massa. Alm de permitirem a produo
de imagens forjando novas realidades, essas so produzidas,
dominadas e reproduzidas para um grande nmero de pessoas,
massa, que em muitos casos no dispem de mecanismos de
produo dessas imagens e mensagens em geral. A massa um
grupo de indivduos receptores de mensagens sem poder de
modific-las e distribu-las, pois a autoria est centrada na indstria
cultural.
5 Por uso poltico entendemos o exerccio do poder. Poder aquela relao entre os sujeitos humanos que, com base na produo e na experincia, impem a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou real da violncia fsica ou simblica (CASTELLS, 2000, p. 33).
42
Ao conjunto de meios de comunicao de massa Adorno
denomina de indstria cultural. O conceito de indstria cultural est
diretamente relacionado racionalizao das tcnicas de
padronizao e distribuio em massa de mensagens e contedos
que se tornam, nesse contexto, produtos culturais.
No contexto das discusses sobre industria cultural, dois
outros conceitos aparecem como equivalentes: meios de
comunicao de massa e cultura de massa. Coelho (1980) abre a
discusso denunciando esse equivocado tratamento. A relao entre
esses conceitos uma relao de implicao, mas no
necessariamente de dependncia. Os meios de comunicao de
massa marcam sua gnese no sculo XV com o advento dos tipos
mveis de imprensa por Gutenberg. Nesta ocasio s tinha acesso
aos meios a elite letrada da poca. Logo, a cultura desses meios
no era de massa, ou seja, de acesso distributivo para um grande
nmero de indivduos.
Os meios de comunicao de massa s comearam a instituir
uma cultura de massa na segunda metade do sculo XIX, bem
depois da Revoluo Industrial da Europa do sculo XVIII, que criou
as condies estruturais para que a cultura de massa pudesse
emergir. O cenrio da RI foi marcado pelo modo de produo
capitalista de economia baseada no consumo de bens, forjando
assim o que conhecemos como sociedade de consumo. Nesse
contexto aparece o conceito de indstria cultural que equivale ao
processo de industrializao de bens culturais, feitos em srie, ou
seja, produtos trocveis por dinheiro que devem ser consumidos
como qualquer mercadoria. Caracterizam-se, sobretudo, por no
serem feitos por aqueles que os consomem.
Segundo Coelho (1980), a indstria cultural ganha seus
primeiros contornos com o aparecimento dos primeiros jornais, que,
por si ss, no foram responsveis pelo surgimento da cultura de
massa. Para forjar a cultura de massa, foi necessrio criar produtos
43
de seduzissem as massas com uma linguagem fcil, acessvel,
gradativa e fragmentada que despertasse nos receptores o desejo
de continuar se informando acerca do seu cotidiano marcado pelo
fenmeno da industrializao, nos espaos de trabalho, educao,
lazer, etc.
Como primeiros produtos da indstria cultural, que aos
poucos foi instituindo a cultura de massa, citamos: o romance de
folhetim veiculados pelos jornais , teatros de revistas, operetas,
cartazes de pinturas famosas. Esses produtos marcam o que
podemos chamar de pr-histria da indstria cultural. Nesse
tempo a tecnologia dos tomos, imprensa, marcava o tempo da
linguagem escrita e das imagens em larga escala. Contudo, a
cultura de massa s ganha contornos mais abrangentes com a era
da eletricidade (fim do sculo XIX) e a era da eletrnica (a partir da
terceira dcada do sculo XX) onde a comunicao se torna um
fenmeno de rede global.
Neste sentido, os meios de comunicao de massa se
caracterizam pelo hiato na relao emisso e recepo. O emissor
produz a mensagem a partir do seu ponto de vista, ideologia e jogo
de interesses e as distribui para vrios receptores. Os receptores
so sujeitos culturais que dimensionam as mensagens a partir dos
jogos de linguagens e experincias materiais.
O mundo de sentidos um processo vivo e dinmico, o
receptor que constri a mensagem, seja ela qual for. Entretanto,
mesmo fazendo uma leitura crtica da mensagem, o receptor no a
modifica na sua condio material inicialmente emitida pelo plo da
emisso. Por mais que possamos criticar ou no concordar com uma
mensagem emitida pela tv, rdio ou cinema, no podemos
modific-lo nem co-crila na sua condio material. Os suportes dos
meios de comunicao de massa no permitem a interatividade,
apenas a interao. Esta uma das diferenas dos meios de
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comunicao de massa para os meios de comunicao interativos,
como o ciberespao.
Para Adorno e seus seguidores, a industrial cultural fruto do
desenvolvimento tecnolgico, associado ao desenvolvimento do
capitalismo se tornou um poderoso instrumento de alienao das
massas, pois, atravs de uma linguagem prpria, permite a difuso
intensa e extensa da ideologia dominante. Esse processo de qui6
alienao estruturado pelo contato com mensagens,
principalmente imagens, que falsificam as relaes entre homens e
natureza e destes com os interesses das classes dominantes.
Dentre os interesses das classes dominantes podemos destacar:
criao de necessidades de consumo, produo de comportamentos
idnticos e dirigidos, banalizao das culturas, alvio das tenses
sociais que podem impossibilitar a emergncia de movimentos
sociais e outras formas de resistncia, luta de classes, entre outros.
Mesmo no podendo modificar o contedo das mensagens por
ela veiculadas, a indstria cultural no pode ser analisada fora da
dinmica sociocultural. Alguns tericos crticos analisam a cultura
como um processo dicotmico entre produtores e consumidores em
suas relaes de classe, qualificando, na maioria das vezes, a
cultura das elites como cultura superior, de melhor qualidade. Nesse
sentido, o campo da cultura dicotomizado entre cultura superior e
cultura de massa. Valorar uma determinada cultura em detrimento
da outra no resolve a problemtica e a crtica frente o conceito de
indstria cultural.
6 Devemos considerar que o receptor no um idiota cultural. Cada sujeito cognoscente e cultural constri sentidos a partir das suas diversas experincias e vivncias culturais no se limitando a uma nica experincia de contato com as mdias de massa at porque no devemos ignorar a categoria marxista da contradio inerente aos processos sociais. Entretanto, devemos reconhecer o poder da linguagem audiovisual na produo de sentido e a falta de polticas plurais de produo de contedo e valorizao das culturas plurais.
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Segundo Dwight MacDonald citado por T. Coelho (1980), a
cultura pode ser classificada por trs formas de manifestao: a
cultura superior, prpria das elites, que engloba todos os produtos
canonizados pela crtica erudita; a cultura mdia ou midcult,
conjunto dos subprodutos da cultura superior, prpria do grupo
novo-rico; e a cultura de massa, masscult, cultura transmitida
pelos meios de comunicao de massa.
As manifestaes culturais atravessam as classes sociais,
podemos citar como exemplos o caso do jazz, que saiu dos bordis
e favelas negras para as platias brancas dos teatros municipais;
freqncia de operrios apreciando msica clssica em teatros
municipais, histrias em quadrinhos entre outros. Coelho afirma que
a masscult:
Teria, em sua banalidade, uma fora e uma motivao na histrica profundas, responsveis por um dinamismo capaz de faz-la romper as barreiras de classe sociais e culturais e colocar as bases de uma instvel, precria e discutvel mas democrtica comunidade cultural. Uma comunidade desinteressada de referir-se o tempo todo cultura superior, ao contrrio do que ocorre com a midcult, por isso capaz, eventualmente, de vir a produzir sua forma de cultura superior. (...) Seria o caso de lembrar, porm, que as atuais sociedades do grande nmero, se desejarem caminhar de fato para uma democracia em todos os domnios (incluindo o cultural), talvez no possam pr de lado a idia de que a cultura, hoje como produto e enquanto produto, no pode evitar ou no precisa evitar o modelo industrial pelo menos sob alguma de suas formas e com algumas de suas incovenincias (COELHO, 1998, p. 18-19) (grifo do autor).
Alm das manifestaes das culturas superior e midcult que
se opem cultura de massa, destacamos tambm a oposio da
cultura de massa cultura popular. importante marcar suas
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diferenas, mas no uma se opondo a outra. A cultura popular
representa a tradio de um grupo social, expressada pelas formas
artsticas, como danas, msica, artesanatos, objetos; modos de
vida, costumes, crendices, folclore. Ao contrrio da cultura de
massa, a cultura popular consumida pelo grupo que a produz. Isso
demarca sua legitimidade social, frente produo de sentidos do
grupo autor.
T. Coelho justifica que no concorda com a oposio entre a
cultura de massa, tambm chamada de pop, e a cultura popular
principalmente porque a cultura popular, na maioria das vezes, no
assume um carter subversivo frente aos valores e normas
estabelecidos pela sociedade dominante. O autor destaca que,
mesmo no sendo um artefato produzido pelos consumidores, a
cultura de massa, em sua verso pop, apresenta na moda e na
gestualidade formas de subverso que no aparecem na cultura
popular.
A idia acima me fez recordar uma observao seguida de
algumas inquietaes quando me deparei com uma manifestao da
cultura popular, na regio de Juazeiro, no interior da Bahia. Em
janeiro de 2002, fui a Juazeiro ministrar um curso na UNEB. No final
do trabalho, um amigo me convidou para participar da festa de So
Gonalo. uma festa muito alegre em que se homenageia o santo
referido. (O So Gonalo histrico promovia durante o perodo
diurno festas para as moas de vida fcil da cidade em que vivia,
com a inteno de cans-las para que noite elas no mais
trabalhassem vendendo seus corpos. Isso fazia com que as moas
no se prostitussem.)
Achei a homenagem interessante, contudo me indignou a
estrutura machista da festa. O ritual marcado por oraes e
danas ao redor do altar produzido especialmente para o evento.
Apenas os homens podem rezar e encaminhar a dana. A presena
da mulher s possvel aps a manifestao dos homens. Os
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homens danam e comem primeiro. As mulheres comem depois e
s podem danar sozinhas.
No quero aqui negar a legitimidade da manifestao, at
porque ela uma autoria cultural de uma regio. Mesmo sendo a
cultura popular um artefato de autoria e legitimidade de um grupo,
muitas vezes no questiona sequer a si mesma, seus prprios
processos e arranjos formais necessitando por isso, para manter-
se dinmica, da complementao de fontes como a prpria cultura
pop (COELHO, 1998, p. 21). Muitas vezes as manifestaes so
valorizadas pela classe dominante para a manuteno do poder
local. No Nordeste isso muito comum para a manuteno do
coronelismo, por exemplo.
Considerando o campo da cultura um movimento dinmico e
no-linear em que os mltiplos modos de fazer cultura podem se
hibridizar a partir das virtuais redes de relaes que os grupos
humanos podem tecer pertinente no fecharmos os olhos para os
processos intencionais de alienao da indstria cultural procurando
criar ambincias educacionais e comunicacionais que desvelem o
currculo oculto dos processos de criao da linguagem veiculada
por essa indstria.
A indstria cultural constitui-se como um dispositivo
fundamental para a manuteno dos interesses capitalistas no
fomento da sociedade do consumo. Para atingir seu objetivo, utiliza
um discurso estruturado por alguns princpios, como nos esclarece
Rummert:
1 a abordagem maniquesta, que separa os fatos e personagens em bons e maus, aprovveis e reprovveis, de acordo com os padres vigentes e que difunde na sociedade modelos de comportamentos a serem adotados; 2 a personalizao histrica, onde a importncia dos fatores econmicos e sociais diluda por uma formulao simplista, que atribui
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aos personagens o nus dos rumos tomados pelos fatos e que, por extenso, difunde a concepo de que cada indivduo o nico responsvel pelo xito ou fracasso de sua prpria histria; 3 a polarizao das mensagens em torno de padres ideolgicos estabelecidos, o que se d tanto de forma explcita quanto subliminar, atravs da seleo de temas a serem abordados ou omitidos, bem como do tratamento dado queles aos quais devero ser feitas referncias; 4 princpio da unidade e semelhana, analisado por Adorno, segundo o qual os diferentes contedos veiculados, apesar da diversidade de efeitos que produzem, devem se manter inalterados em sua estrutura mais profunda, a fim de que tenham sua aceitao garantida e no contestem as normas e padres hegemnicos (RUMMERT, 2002, p. 85).
Os princpios acima elencados so facilmente identificados
quando assistimos aos programas veiculados pela televiso.
Segundo Baccega (2002) os meios de comunicao de massa
produzem e fazem com que vivamos num mundo editado. O mundo
trazido para o horizonte da nossa percepo atravs da tecnologia
das agencias de comunicao, a exemplo do jornal, da revista, da
televiso. As agncias de notcias produzem uma realidade
(mensagem) de acordo a sua ideologia, viso de mundo, jogo de
interesses. O processo todo produzido pelas agncias de notcias,
desde o momento em que envia uma equipe para cobrir um
determinado evento at o produto cultural difundido para as
massas.
O jogo da linguagem visual: os signos e a produo da mensagem
As agncias de notcias produzem as mensagens veiculando
os mais variados signos, sendo os imagticos os signos mais
utilizados por suas potencialidades comunicacionais. O jogo da
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linguagem cada vez mais comandado pelos signos7. Sempre foi
assim. J sabido que a linguagem dos meios de comunicao d
forma tanto ao nosso mundo (referente, objeto), quanto ao nosso
pensamento (referncia, sujeito). Para serem alguma coisa, sujeito
e objeto passam pelo signo. (SANTOS, 2000, p. 15). Segundo
Peirce, apud Santaella, os signos podem ser classificados
basicamente como: cone, ndice e smbolo. Cada tipo de signo
forma no imaginrio do receptor um tipo especfico de interpretante
ou conscincia.
Os cones so signos que fazem analogia com o objeto
representado, mesmo distanciado do objeto que representa. No
exigem que o leitor tenha proximidade com o objeto representado.
Atravs do cone o leitor pode construir um conceito sobre o objeto
a partir de um conceito geral sem a necessidade de se basear em
nenhuma conveno. O cone sempre assemelha-se a seu objeto.
So exemplos de cones: fotos, esculturas.
A conscincia icnica opera basicamente com o sentimento, a
intuio, as sensaes e no com a anlise e dissecao do objeto
que representa. Neste caso, o sujeito no est preocupado em tirar
concluses lgicas, no est preocupado com contedos; ele se
entrega a seus sentidos, intui coisas sobre o objeto significado, no
forma nenhum juzo definitivo, nem est preocupado com isso.
(COELHO, 1980, p. 59).
Os ndices so signos que apontam ou remetem ao seu objeto
referente sem ser semelhantes ao mesmo. No tm autonomia de
existncia, dependem diretamente do seu objeto. necessrio que
o leitor conhea o referente. O ndice um signo que exige do leitor
uma ao operativa, uma ao para alm da contemplao. A
conscincia indicial procura estabelecer algum tipo de juzo, embora
7 Signo toda palavra, nmero, imagem ou gesto que representa indiretamente um referente (uma cadeira) atravs de uma referncia (a idia da cadeira na nossa cabea). (SANTOS, 2000, p. 14).
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no muito elaborado e ainda que no inteiramente conclusivo. So
exemplos de ndice as setas de indicao.
Os smbolos so signos arbitrrios que representam seu
objeto referente por conveno cultural. No necessrio que o
leitor conhea o objeto referente. O smbolo no tem relao com
seu referente. A palavra o exemplo mais comum de smbolo. a
conscincia que transcende as sensaes, a verificao daquilo que
existe ou existiu, para descobrir o que deve vir a existir (COELHO,
1980, p. 61).
Na era da imagem, inclusive digitalizada, lidamos muitas
vezes mais com signos do que com coisas. Tal afirmativa pode ser
ilustrada por uma cena do filme A paixo de Jacobina, de Fbio
Barreto, na qual o autor queria ter vrias borboletas voando em
torno da protagonista, Letcia Spiller. Para alcanar tal efeito, as
borboletas foram criadas por tcnicas de computao grfica sendo
integradas cena digitalizada que retornou do digital para a pelcula
sem perda da imagem filmada antes da incluso das borboletas
informticas. A informtica permite simular, apagar a diferena
entre real e imaginrio, ser e aparncia (SANTOS, 2000, p. 12).
A esse movimento podemos denominar de hiper-real, um
real mais que real e mais interessante que a prpria realidade.
(SANTOS, 2000, p. 12). O sujeito ps-moderno vive essa
intensidade num cotidiano saturado de imagens distribudas tanto
nas ruas da cidade atravs de letreiros, placas, outdoors quanto
pelos meios de comunicao e informao de massa, que
distribuem e irradiam signos diversos bem como nos chamados
meios de comunicao interativos, que permitem adentramento e
manipulao de signos, a exemplo dos jogos eletrnicos, games,
internet.
No cotidiano, possvel verificar pessoas assistindo ao trailer
de um filme na tv, lendo histrias do mesmo protagonista na revista
em quadrinhos, podendo ainda acessar na internet o site da
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personagem, executar seu jogo num cd-rom e ir ao cinema ver o
longa-metragem. Cada vez mais a integrao de tecnologias vem
potencializando o acesso a signos representados em vrias mdias.
O excesso de signos, de tcnicas de simulao e hiper-realidade
produzidas na interao do sujeito ps-moderno com os meios de
comunicao vem cada vez mais transformando o cotidiano num
grande espetculo. Se os programa televisivos, por exemplo, no
tiverem formato sedutor, muda-se de canal, ainda que tenham
contedo relevante. Forma e contedo so cada vez mais
importantes, sendo a forma espetaculosa muitas vezes a grande
sedutora, como provam os altos ndices de audincia das novelas,
dos programas de auditrio e dos reality shows.
Cada vez mais os meios de comunicao vm investindo em
simulacros e na especializao de temas e abordagens cotidianas, a
exemplo da misria, violncia, racismo, desigualdade social,
questes de gnero. Em determinadas narrativas, o investimento na
esttica e no formato to grande e de tanta qualidade que o
argumento do texto (seja uma pea de teatro ou multimdia,
programa de tv, filme) chega para o leitor em segundo plano. No
filme Cidade de Deus, de Fernando Meireles, por exemplo, o
investimento na qualidade fotogrfica, de edio e montagem,
conseguiram em muitas cenas a fascinao do leitor pela esttica e
beleza da produo, deixando a indignao prpria do argumento e
do roteiro, diluda na acrobacia imagtica. O hiper-real simulado
nos fascina porque o real intensificado na cor, na forma, no
tamanho, nas suas propriedades (...). Com isso, somos levados a
exagerar nossas expectativas e modelarmos nossa sensibilidade por
imagens sedutoras (SANTOS, 2000, p. 12-13).
Este cenrio vem contribuindo tambm para a formao
desenfreada da sociedade de consumo, agora personalizada, que
busca atravs do erotismo mais uma forma de espetculo para
satisfao de seus desejos e fantasias consumistas. Seja na esttica
52
das apresentadoras de programas infantis, que lanam produtos
com sua marca divulgando sua esttica, seja na publicidade quando
promove campanhas de incentivo publicidade ertica. O site Boa
Bronha (www.boabronha.com) lanou no ms de outubro de 2002 o
primeiro concurso de propaganda ertica do Brasil. O objetivo era
movimentar a produo para este tipo de mercado, ainda
considerado tabu. Para participar, os interessados devem criar uma
campanha publicitria ertica criativa e no apelativa para
aumentar a audincia dos sites.
Entretanto, mesmo sendo o audiovisual a linguagem padro
dos meios de comunicao de massa, a exemplo do cinema e da
televiso, por trs de cada produto audiovisual est a linguagem
verbal escrita estruturando esse produto cultural atravs de uma
narrativa bastante organizada e intencionalizada pela indstria
cultural. Essa narrativa ganha forma atravs do que em
comunicao chamamos de roteiro. O roteiro funciona como uma
espcie de plano de trabalho para produo de mensagens sejam
elas jornais, revistas, peas publicitrias, programas de televiso,
rdio, vdeos ou filmes.
O roteiro, segundo Baccega (2002), um documento
organizado por alguns elementos: 1 seleo e a organizao de
fatos e pontos de vista que sero defendidos; 2 escolha das
manchetes, para os impressos, e das chamadas, para os
audivisuais, que levem o receptor a j ler a mensagem a partir do
ponto de vista do emissor; 3 persuaso, utilizao de tcnicas de
convencimento.
Embora no possamos generalizar o processo produtivo dos
meios, devemos reconhecer que na lgica da indstria o processo
na maioria dos casos organizado pela diviso do trabalho e pela
cultura da especializao. Entretanto, podemos conceber o roteiro
como uma obra aberta que se transforma com o movimento da
prpria produo. Segundo Rummert:
http://www.boabronha.com/
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Devemos considerar que a produo cultural, mesmo num processo altamente industrializado, possui especificidades que a diferenciam da produo de outros tipos de bens consumidos pela sociedade capitalista. Tais especificidades decorrem das caractersticas prprias e tambm das contradies inerentes cultura que, como vimos, constitui a matria-prima da indstria cultural (RUMMERT, 2002 p. 84).
Neste sentido, no devemos dicotomizar o texto, linguagem
escrita, das imagens e vice-versa no processo produtivo. Segundo a
jornalista Neide Duarte, a diferena entre uma imagem comum e
uma boa imagem que a boa imagem que a boa imagem tem
texto. Quando estou filmando, penso num texto e ele faz sentido
com aquela imagem, essa a prova de que aquela uma boa
imagem (DUARTE, 2001, p. 93).
O processo de produo de um acontecimento comea no
momento em que pautado: uma vez pautado, publicizado. Essa
pauta encaminhada ao jornalista ou comunicador, que faz a
matria a partir de sua viso de mundo, de sua tica e esttica e,
sobretudo a partir de suas implicaes ideolgicas e polticas frente
agncia de notcias, porque o comunicador, na maioria dos
contextos de uma sociedade capitalista, no detm o modo nem os
meios da produo, um operrio a servio de um sistema.
Na maioria das vezes, um roteiro prvio norteia a produo da
mensagem ou realidade. Em outros momentos ele produzido no
contexto da produo cultural. Duarte (2001), ao relatar sua
experincia profissional em uma agncia de notcias, nos diz: No
Globo Reprter aprendi a fazer programas longos sem roteiro
prvio. Discutamos a pauta: diretor, reprter, produtor e samos
para gravar, depois de tudo gravado, assistamos a todas as fitas
que eram transcritas na ntegra e em cima disso eu escrevia o
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roteiro e o texto final. At hoje trabalho assim (DUARTE, 2001, p.
93).
Depois de produzida, a matria passa por um processo de
filtros e recriao, que em comunicao chamamos de edio. A
edio uma parte do processo de produo da realidade no qual
so selecionadas partes do que foi apurado, o que vai ou no ao ar
no caso da tv e rdio; o que ser impresso ou no no caso dos
jornais e revistas. Esse processo de edio com cortes, recortes,
montagens, colagens e bricolagens vai configurar a mensagem que
chega totalmente reconstruda para os receptores. Editar enfim :
reconfigurar alguma coisa dando-lhe um novo significado, tendo
que alcanar um determinado objetivo e fazendo valer um
determinado ponto de vista (BACCEGA, 2002).
Neste sentido, devemos nos perguntar: quem so os
receptores dos meios de comunicao? Cada receptor um leitor e,
como j nos ensinou Freire, ler muito mais que decodificar o
significante. Ler decodificar o significante relacionando-o com
outras experincias e vivncias de leitura. O texto que deve ser
recuperado pelo leitor no ato de uma nova leitura a sua prpria
histria. Podemos tambm questionar: como o currculo escolar e os
espaos de aprendizagem vm significando e arquitetando novos
processos de leitura e principalmente as leituras dos meios de
comunicao de massa?
Como vimos, o mundo que nos mostrado pelos meios de
comunicao de massa o resultado de um processo de vrios
filtros. Desde o filtro de quem resolve cobrir um evento, o filtro de
quem faz a pauta, at o de quem compra e edita a matria a ser
difundida em massa. O currculo e os professores precisam buscar
elementos para uma hermenutica desse processo em que novas
formas de leitura e construo de realidades sejam institudas nos
espaos de aprendizagem.
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Por conta das tcnicas de reproduo, Adorno (1999)
considera que as mdias de massa prejudicam o estatuto da arte.
Segundo ele, ao fundir arte superior com arte inferior, criam-