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EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E ENSINO DE INGLÊS NA ESCOLA PÚBLICA: DA TEORIA À PRÁTICA, REINVENTANDO UM ATO EDUCATIVO LUCIANA MARIA DA SILVA FIGUEIREDO UFRJ/ Faculdade de Letras Rio de Janeiro, 1 o semestre de 2007

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EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E ENSINO DE INGLÊS NA ESCOLA PÚBLICA:

DA TEORIA À PRÁTICA, REINVENTANDO UM ATO EDUCATIVO

LUCIANA MARIA DA SILVA FIGUEIREDO

UFRJ/ Faculdade de Letras

Rio de Janeiro, 1o semestre de 2007

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EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E ENSINO DE INGLÊS NA ESCOLA PÚBLICA:

DA TEORIA À PRÁTICA, REINVENTANDO UM ATO EDUCATIVO

Por

LUCIANA MARIA DA SILVA FIGUEIREDO

(Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada)

Dissertação de Mestrado no Programa Interdisciplinar de

Lingüística Aplicada, apresentada à Coordenação dos

Programas de Pós-Graduação em Letras da Universidade

Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Professora Doutora Myriam Brito Corrêa

Nunes.

UFRJ/Faculdade de Letras

2007

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EXAME DE DISSERTAÇÃO

FIGUEIREDO, Luciana Maria da Silva. Educação

Multicultural e Ensino de Inglês na Escola

Pública: da teoria à prática, reinventando um ato

educativo. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de

Letras, 2007. 157 fl., mimeo. Dissertação de

Mestrado em Lingüística Aplicada: Interação e

Discurso.

BANCA EXAMINADORA:

Professora Doutora Myriam Brito Corrêa Nunes (Orientadora)

Professora Doutora Branca Falabella Fabrício (Titular)

Professora Doutora Ana Canen (Titular)

Professor Doutor Luiz Paulo da Moita Lopes (Suplente)

Professora Doutora Alice Maria da Fonseca Freire (Suplente)

Examinada a Dissertação:

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RESUMO

FIGUEIREDO, Luciana Maria da Silva. Educação multicultural e ensino de inglês na escola pública: da teoria à prática, reinventando um ato educativo. Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada. Faculdade de Letras – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

O presente estudo é resultado da mudança de perspectiva em minha prática docente como professora de inglês de uma escola pública da rede municipal do Rio de Janeiro. Este baseia-se em pressupostos da vertente multicultural crítica. Desenvolvendo uma pesquisa-ação, ao longo de um ano letivo, tive como objetivo reinaugurar meu ato educativo no referido contexto. Primeiramente, proponho a problematização da educação monocultural na contemporaneidade, para então aventar a possibilidade de reinvenção do meu cotidiano escolar à luz da perspectiva multicultural crítica, que se pretende intervencionista e, portanto, exige transformações em todas as etapas do fazer docente: material didático; padrão interacional; visão de ensino-aprendizagem; arranjo espacial, entre outros. Os dados revelam um processo cíclico de reflexão, planejamento e ação, com vistas a concretizar uma prática com potencial multicultural. Palavras-chaves: multiculturalismo crítico; educação multicultural; ensino de inglês.

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ABSTRACT

FIGUEIREDO, Luciana Maria da Silva. Educação multicultural e ensino de inglês na escola pública: da teoria à prática, reinventando um ato educativo. Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada. Faculdade de Letras – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. This study is the result of a change on the perspective of my practice as an English teacher at a state school in Rio de Janeiro. It is based on the principles of critical multiculturalism, leading to an action research carried out throughout a year, which aimed at re-inventing my practice in the given context. Firstly, I propose the questioning of traditional education nowadays in order to, drawing on critical multicultural studies, intervene on reality to what concerns didactic resources, interaction pattern, classroom arrangement, among others. The data reveal a cyclical process that involves reflection, planning and action so as to consolidate a multicultural practice. Key words: critical multiculturalism; multicultural education; English teaching.

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Aos meus pais, Abel Costa Figueiredo e Maria dos Prazeres Gomes da Silva, cuja história

de vida sempre serviu de exemplo para mim e por terem me ensinado a valorizar o

conhecimento, bem como o ser humano.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida.

Aos meus antepassados negros, índios e nordestinos, que na luta pela sobrevivência e

afirmação, abriram caminhos para seus descendentes.

Aos meus alunos, sujeitos da minha investigação e responsáveis pelo meu reingresso

ao mundo da pesquisa.

À minha caríssima orientadora, que com entusiasmo, sabedoria, paciência e dedicação,

me acompanhou nessa trajetória.

Aos professores do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, pela

possibilidade de aprimorar meus conhecimentos; e, em especial, aos Professores Doutores,

Branca Falabella Fabrício e Luiz Paulo da Moita Lopes, cujas aulas e discussões foram

fundamentais para a escolha e aprofundamento do tema. Além da valiosa e não menos

importante contribuição da Professora Doutora Ana Canen, de quem fui aluna no mestrado ao

cursar a disciplina Multiculturalismo e Educação na Faculdade de Educação/UFRJ.

À direção e coordenação pedagógica da escola onde desenvolvi esta investigação, por

me darem plena liberdade para desenvolver minha pesquisa e por confiarem no meu trabalho.

Aos professores da referida escola - Marilene Sant´anna, Marcos Arthur e Rui Marcos,

interlocutores preciosíssimos.

A minhas colegas mestrandas, Claudia Lopes e Claudia Ramos, fontes de sugestões e

críticas construtivas.

Ao meu filho Gabriel, por ser o anjo que me dá a luz e a direção sempre.

Ao meu marido, companheiro e cúmplice em mais esta empreitada.

À minha irmã e também melhor amiga, pela torcida.

Aos meus amigos pessoais e familiares, responsáveis por momentos de descontração e

alegria.

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... suplicamos expressamente: não aceites o que é de hábito como coisa natural, pois em

tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de

humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de

mudar.

Bertold Brecht

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SUMÁRIO

UMA HISTÓRIA PRA CONTAR ..................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 MINHA PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGÜÍSTICA APLICADA....................... 18

1.2 UM BREVE DESENHO DA CONTEMPORANEIDADE ..........................................21

1.3 QUESTÕES PARA A EDUCAÇÃO ............................................................................. 24

1.3.1 As funções do ato educativo ...................................................................................26

1.3.2 Implicações para o ensino de inglês na rede pública............................................28

1.4 UM OLHAR MONOCULTURAL: A CONSTRUÇÃO PARA O OUTRO ...............33

1.4.1 Minha prática pedagógica ...................................................................................... 39

1.5 MULTICULTURALISMO..............................................................................................43

1.5.1 Entendendo a polissemia do termo........................................................................ 46

1.6 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL: A CONSTRUÇÃO COM O OUTRO................51

1.6.1 Critérios básicos da educação multicultural ........................................................ 53

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA

2.1 A PESQUISA AÇÃO........................................................................................................ 56

2.1.1 Observação participante ......................................................................................... 60

2.1.2 Diário reflexivo do professor ................................................................................... 60

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2.1.3 Entrevista e Questionário ......................................................................................... 61

2.2 OS ATORES.......................................................................................................................63

2.2.1 A professora-pesquisadora ..................................................................................... 63

2.2.2 Os alunos .................................................................................................................. 64

2.2.3 O espaço físico ......................................................................................................... 65

CAPÍTULO 3 – MESMOS ATORES, OUTROS PAPÉIS

3.1 REFLEXÃO: DA TEORIA Á PRÁTICA...................................................................... 67

3.2 ORIENTAÇÃO POR UMA OUTRA BÚSSOLA...........................................................68

3.2.1 Redescrição de um ato educativo.............................................................................70

3.2.2 Avaliação....................................................................................................................82

3.3 UMA PRÁTICA COM POTENCIAL MULTICULTURAL ?.....................................84

3.4 VENTOS CONTRÁRIOS: TENSÕES E DESAFIOS.................................................. 86

CAPÍTULO 4 - ENCAMINHAMENTOS

4.1 RESPONDENDO ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA................................................... 91

4.2 REFLEXÕES FINAIS...................................................................................................... 92

4.3 À GUISA DE EPÍLOGO.................................................................................................. 95

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REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 98

ANEXOS ................................................................................................................................108

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SUMÁRIO DE ANEXOS

Anexo A - MANCHETES DE JORNAL

Anexo B - APRESENTAÇÃO DO VERBO TO BE E EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

Anexo C - AMOSTRA DO DIÁRIO

Anexo D - QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS

Anexo E - TÓPICOS DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Anexo F - RESPOSTAS DOS ALUNOS AO QUESTIONÁRIO

Anexo G - TEXTO GUGA´S SITE

Anexo H - MATERIAL ELABORADO PELOS PROFESSORES DA UFRJ

Anexo I - LETRA DA MÚSICA SAMBA DO APPROACH

Anexo J - FOTO E TEXTO SOBRE HERBERT DE SOUZA

Anexo K - TEXTO WE ARE ALL HOUSEKEEPERS

Anexo L - EXERCÍCIO REFERENTE AO TEXTO WE ARE ALL HOUSEKEEPERS

Anexo M - TRABALHOS DOS ALUNOS

Anexo N - ARTIGO DE JORNAL SOBRE CHE GUEVARA

Anexo O - CARTAS DA ALUNA À PROFESSORA

Anexo P - HISTÓRIA INFANTIL DE ANA MARIA MACHADO

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – MODELOS DO FAZER DO LINGÜISTA APLICADO ......................... 19

QUADRO 2 – CICLOS DE PESQUISA ...........................................................................62

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UMA HISTÓRIA PRA CONTAR

Nesta introdução, faço um relato de minha trajetória de professora de inglês na rede de

ensino municipal, levando em consideração o fato de que como pesquisadora em campo

envolvo-me em um processo de questionamento nascido do contexto em que estou inserida.

Assim começa esta história:

Em 1998 fiz concurso público para magistério no Município, mas somente em

fevereiro de 2003 fui convocada para trabalhar em uma escola situada em Paciência, zona

oeste do Rio de Janeiro. A direção escolar promoveu uma reunião com os professores recém-

contratados, a fim de que fossem discutidos os planos pedagógicos das diferentes disciplinas.

Uma vez que nunca havia trabalhado antes com este segmento, e principalmente na rede

municipal, não tinha a menor idéia sobre o conteúdo programático a ser desenvolvido.

Contudo, alimentei a expectativa de encontrar ao menos um esboço do que havia sido

realizado por aqueles que me precederam na função de professora de inglês da escola.

Entretanto, quando questionei a direção escolar a respeito do material didático e do programa,

disseram-me que não havia plano de curso, programa e muito menos livro. Passados os

primeiros minutos de total surpresa, sentimento ressaltado devido ao meu percurso como

professora em escolas de idiomas, onde encontramos quase tudo pronto, decidi entrar em

contato com a outra docente de inglês. Constatei, então, que essa disciplina vinha sendo

ministrada de forma assistemática, prática corroborada pela constante troca de professores e

falta de supervisão por parte da direção escolar. Na verdade, quando perguntei à direção sobre

o que vinha sendo feito até aquele momento, ela afirmou não ter a menor idéia e disse que eu

poderia, então, fazer o que eu quisesse e acreditasse ser o melhor. Sendo assim, pareceu-me

mais conveniente ocupar aquela vaga para a qual fui contratada e pronto: sem delongas ou

lamentações, mas com meus ideais e expectativas um tanto abalados.

Daí a uma semana lá estava eu com 44 alunos numa turma de 6a série, completamente

perdida e me perguntando: o que vou fazer? Não demorou muito para que acabasse, então, por

apresentar-lhes o famoso verb to be, colors, months of the year, days of the week e assim por

diante. Aparentemente, estávamos todos felizes: os alunos, por julgarem estarem aprendendo

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uma língua estrangeira e acharem tudo aquilo uma novidade; a direção da escola, por não

haver responsável no portão da escola reclamando pela falta de professor de inglês; e , eu, por

poder fazer o que eu quisesse. Afinal de contas, para quem estava acostumada a seguir manual

do professor, a possibilidade de ter total liberdade pedagógica parecia bastante atraente.

A escola fica bem longe de onde moro (em torno de 50 minutos de carro), o que fazia

aumentar ainda mais minha insatisfação em estar lá às 07:10. Com o passar do tempo, percebi

que não era só a distância que me incomodava, mas as minhas aulas em si. De fato, não me

sentia motivada ou desafiada. A noite que precedia o dia de ir para a escola era para mim um

tormento, sentimento que se estendeu durante dois anos consecutivos, 2003 e 2004.

Ao ingressar no mestrado, passei a vislumbrar a possibilidade de repensar, reconstruir e

reinventar a minha prática. As diversas leituras feitas ao longo do curso, o incentivo da minha

orientadora, bem como as disciplinas intituladas Multiculturalismo e Práticas Discursivas

Contemporâneas e Multiculturalismo e Educação ministradas pelas professoras Branca

Fallabela Fabrício e Ana Canen respectivamente, me ajudaram muito no sentido de me fazer

passar por um processo de autognose. Em outros termos, ao questionar meu papel enquanto

professora de escola pública, envolvi-me em um movimento auto-reflexivo, tecendo assim, as

seguintes considerações:

- Estou sendo ética?

- Estou cumprindo meu papel? e

- Até quando vou suportar olhar para aqueles alunos e não dizer nada que faça

diferença para eles?

Esses questionamentos tiveram um impacto identitário muito forte sobre mim.

Conseqüentemente, procurei buscar subsídios que permitissem responder a estas questões e me

envolver em uma prática de ensino de inglês que fosse mais condizente não só com as

necessidades dos alunos, mas também com aquilo que eu acredito deva ser o papel da

educação pública. Após ter circulado por obras de autores como Candau (2002), Canen (2002),

Fabrício & Moita Lopes (2004), Foucault (1977), Paulo Freire (1970), entre tantos outros,

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entendo a mim e aos meus alunos não mais como vítimas, mas sim como co-construtores e co-

participantes do processo de construção de conhecimento. Além disso, compartilho da mesma

visão dos autores citados, os quais ressaltam o fato de que nossas práticas são construções

sociais. Sendo assim, podemos recriá-las e até mesmo reinventá-las. Com efeito, acreditei na

possibilidade de inaugurar a mudança e reformular a minha prática ao fazer os seguintes

questionamentos:

1) Qual é a visão teórica que orienta minha prática pedagógica?

2) A partir da possibilidade de reinventar meu ato educativo, quais os critérios básicos

que devem ser privilegiados, a fim de que a perspectiva multicultural crítica seja

efetivada em minha sala de aula?

3) Quais as verdadeiras possibilidades de implementação de uma perspectiva

multicultural na aula de inglês em uma escola que funciona na lógica monocultural?

A fim de responder às perguntas supracitadas, a dissertação se encontra organizada em

quatro capítulos, além desta introdução. A saber:

O capítulo de abertura desta esboça todo o arcabouço teórico que sustenta a perspectiva

defendida neste estudo. Primeiramente, situo minha pesquisa no âmbito da lingüística

aplicada. Depois, faço uma breve descrição do contexto sócio-histórico em que os sujeitos

desta estão inseridos - a contemporaneidade. Neste momento, saliento as questões que ela

suscita para nós, profissionais envolvidos com educação, dando ênfase ao ensino da língua

inglesa a partir da problematização das funções do ato educativo. Posteriormente, passo a

relatar a lógica monocultural que norteou minha prática pedagógica ao longo dos anos de 2003

e 2004. Ao final do referido capítulo, problematizo os conceitos de multiculturalismo para,

então, discutir a perspectiva multicultural crítica, ressaltando seus critérios básicos e

pressupostos teóricos.

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O capítulo 2 é uma fotografia do meu caminhar ao longo deste estudo, posto que situa,

com mais detalhe, tanto o contexto em que a pesquisa foi desenvolvida como os sujeitos

envolvidos: alunos e professora-pesquisadora. Além disso, ele cumpre o papel de destacar a

moldura teorico-metodologica que serviu de paradigma para os procedimentos de geração e

análise dos dados.

O capítulo 3 focaliza, em particular, o componente cíclico e reflexivo característico do

processo de desconstrução e reinvenção do meu ato educativo como professora de inglês de

uma escola pública municipal. Descrevo o novo planejamento proposto no que diz respeito,

essencialmente, ao conteúdo e dinâmica das aulas que se seguiram. Faço ainda uma análise de

uma dessas aulas com potencial multicultural e, ao final, aponto os obstáculos que surgiram ao

longo do caminho.

Sendo o último, mas não menos importante, o capítulo 4 tem por função retomar as

perguntas de pesquisa destacadas nesta introdução e encaminhar minhas considerações finais.

Finalizo esta dissertação, contando parte da minha trajetória pessoal, que não pude separar da

acadêmico-reflexiva.

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CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 MINHA PESQUISA NO ÂMBITO DA LINGÜÍSTICA APLICADA

Meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervêm como sujeito da história.

Paulo Freire

É notório no meio acadêmico que existe ainda muita discussão quanto à delimitação

da Lingüística Aplicada (a partir de agora LA) como área de estudo. Grabe & Kaplan (1991:

3/4) apontam o fato de haver muitos questionamentos relacionados ao seu escopo, definição,

critérios e, sobretudo, paradigma de pesquisa. Esses pesquisadores alertam para o número

considerável de trabalhos produzidos em LA voltados para tais questões. A literatura que tenta

dar conta do anseio de compreender a LA é bastante vasta, mas pouco tranqüilizadora. Na

maioria das vezes, a questão central passa a ser a diferenciação entre a Lingüística e a LA1.

Nesse sentido, Moita Lopes (1996: 21) faz referência a uma provável esterilidade de tal

embate.

Dito isso, quero enfatizar que nesta seção não pretendo tratar da temática acima

brevemente descrita. Tal escolha deve-se a dois fatores: primeiro, por entender que qualquer

tentativa naquela direção seria muito pouco profícua em sua contribuição; e, segundo, o desejo

de que minha dissertação, assim como a LA, navegue por outros mares, conforme aponta

Fabrício (2006: 45/63).

Para complementar essa abordagem, vou dialogar com Weideman (1998: 06), lingüista

aplicado que ressalta o fato de esta área do conhecimento ter correspondido a ondas sucessivas

determinadas historicamente. O mesmo autor fala em seis gerações que se sucederam ao

longo da história da LA. Ou seja, seis modelos ou tradições do fazer do lingüista aplicado. A

saber:

1 ver a esse respeito Grabe & Kaplan (1991) e Moita Lopes (1996).

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Modelo/ Tradição Caracterizado por priorizar o (a)

1 Lingüística/behaviorista Abordagem científica

2 Linguistic extended paradigm model Linguagem como fenômeno social

3 Multidisciplinaridade Atenção não apenas à linguagem, mas

também à teoria da aprendizagem e à

pedagogia

4 Pesquisa em aquisição de segunda língua Investigação sobre como as línguas são

aprendidas

5 Construtivismo Construção do conhecimento na

interação

6 Pós-modernismo Dimensão política da educação e

multiplicidade de perspectivas

Quadro 1 – Modelos do fazer do Lingüista Aplicado (Acessado em junho/ 2005).

O referido autor (1998: 09) enfatiza o fato de que tais gerações estão intimamente

interligadas, posto que, apesar de cada uma trazer à tona uma nova perspectiva, há,

essencialmente, a idéia de continuidade e não de ruptura. Para ele, a sexta geração estaria

preocupada com a dimensão política da educação, levantando as seguintes questões:

- Quais os efeitos que um programa previamente estabelecido tem sobre

professores e alunos que não participaram de sua formulação?

- Quão producente pode ser o ensino de uma língua para adultos que não têm

clareza sobre seus objetivos e/ ou necessidades?

- Quais as conseqüências da predominância do Inglês em relação ao ensino de

outras línguas?

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Responder a tais perguntas, entre outras, é um desafio da sexta geração da LA,

classificada por Weideman como pós-moderna. A visão assumida pelo autor vai ao encontro

do que Celani (2000: 21) defende como sendo uma preocupação da L. A do presente, isto é,

examinar como as teorias de ensino/aprendizagem de línguas e as práticas pedagógicas estão

ligadas a forças socio-políticas mais amplas e o impacto destas forças sobre elas (grifo

meu). Este olhar coaduna-se com a opinião de Fabrício (2006: 52/63), para quem se faz

pertinente reavaliar o papel da área de estudos da linguagem frente às mudanças cotidianas

testemunhadas em diferentes contextos. Mudanças essas que afetam parte da produção de

conhecimento na área de L. A, visto que ela tem um caráter multidisciplinar. A referida autora

sublinha que a L. A se encontra em um momento de reconstrução e de revisão de suas bases

epistemológicas, ou seja, em um movimento auto-reflexivo. Esse processo leva ao

entendimento da linguagem como ação e como prática social, daí a necessidade de, ao

estudarmos questões relacionadas à linguagem, buscarmos compreender a sociedade e a

cultura da qual ela faz parte.

Caminhando na mesma direção, Fabrício (2006: 62/63) aponta ainda que não há

consenso quanto à especificidade da área e sua essência; no entanto, isso não quer dizer que

tudo é válido. Há de existir sim a Ética e devemos, conseqüentemente, nos preocupar com os

efeitos das nossas escolhas, bem como de nossas construções, para o mundo social. Desse

modo, faz-se relevante o seguinte questionamento: até que ponto estão os lingüistas aplicados

dispostos e, eu diria até, preparados para aventurar-se por novas terras ainda não muito

seguras, pouco estáveis e completamente móveis?

Em convergência com todos os autores citados até então, acredito que minha pesquisa

nos remete a uma L. A. consciente da importância de suas contribuições para e no mundo

social e, portanto, comprometida com a intervenção e a mudança em nossas práticas e, nesse

caso, o contexto escolar; mais precisamente, o ensino de língua estrangeira na escola pública.

Acredito firmemente que, ao optar por repensar a minha prática como professora de inglês da

rede pública, estou imbuída de um desejo de mudança. É preciso dizer que, evidentemente,

situo minha dissertação numa perspectiva intervencionista.

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Por tudo isso, faz sentido a tese de Rolnik (2002: 30) de que toda escolha é interessada;

portanto, desde já deixo claro que me afilio aqui a uma L. A comprometida com a

contemporaneidade e as questões que ela suscita para nós, lingüistas aplicados em formação.

Em outros termos, conforme revela a epígrafe que abre esta seção, fiz a escolha por um olhar

que me parece mais producente e um recorte que considero mais mobilizador por me colocar

em uma situação de desconserto, passando a vislumbrar outras possibilidades para minha

prática pedagógica. É digno de nota o fato de que o recorte sócio - educacional proposto nesta

dissertação é um entre tantos outros também possíveis, mas é aquele que por ora escolhi fazer

em função do meu comprometimento com aquilo que acredito que deva ser o papel da escola

pública:

Cabe à escola [...] ter presente sua própria condição de agência educativa e investir na explicitação e na crítica desses compromissos ideológicos, etapas preliminares para que possa tornar seu projeto elemento que transforma a escola em lugar também de elaboração de um discurso contra-ideológico e, conseqüentemente, de instauração de uma nova consciência social e, até mesmo, de novas relações sociais. A educação pode se tornar também uma força transformadora do social, atuando, portanto, contra-ideologicamente (Severino, 2006: 314).

Por entender os sujeitos dessa pesquisa como seres que não vivem num vácuo social,

ou seja, seres que estão sócio - historicamente situados, faz-se relevante a partir de agora

descrever, mesmo que de forma breve, o momento sócio-histórico do qual somos

testemunhas.

1.2 UM BREVE DESENHO DA CONTEMPORANEIDADE

O olhar sócio-histórico preconizado pelos autores contemplados nesta pesquisa entende

que o comportamento e a capacidade cognitiva de um determinado indivíduo dependerão de

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suas experiências, de sua história educativa, que, por sua vez, sempre terão relações com as

características do grupo social e da época em que se insere (Rego, 2005: 60).

A literatura especializada evidencia que são vários os termos usados na tentativa de

nomear o processo que estamos vivendo: turbocapitalismo; neo-liberalismo; pós-modernidade;

capitalismo tardio; mundialização e globalização. Bauman (apud Bohn, 2005: 14) propõe a

fluidez e a liquidez como as principais metáforas para o momento em que vivemos na era

moderna. Conforme Bohn (2005: 15), os fluidos não mantêm facilmente suas formas, posto

que estão continuamente sujeitos à mudança, sempre dispostos à transgressão, em busca de

espaços mais amplos, sempre propensos à mudança repentina. Bohn (2005: 14) ressalta ainda

que a contemporaneidade se expressa em todas as ações humanas na complexidade de valores,

nas atitudes, nas palavras, nas relações sociais, no exercício do poder e do direito. Encontra-se

em andamento uma nova lógica que resulta em novas formas de lidar com a palavra e de

aprender. Esse processo ocorre em diferentes esferas – família, escola, negócios e ciências.

Novos tipos de pessoas estão surgindo. Em todas as esferas citadas anteriormente, ouvimos as

seguintes palavras: caos, complexidade, flexível, dinâmico, adaptável, variedade e diversidade.

Tudo isso nos leva a uma idéia de descontrole, já que em nossas práticas cotidianas estamos

comprometidos com uma lógica monocultural e homogeneizante, privilegiando, assim, a

estabilidade.

Conforme dito anteriormente, a contemporaneidade nos remete à imprecisão, fluidez,

fugacidade e multiplicidade. Segundo Gee (2000: 43), vivenciamos a primazia da lógica

econômica em relação às demais esferas sociais, propiciando uma profunda alteração nos

horizontes do trabalho e da educação. Novos modelos de escola/empresa estão sendo

construídos. Na ótica da customer-driven company2 privilegia-se o trabalho em equipe,

projetos temporários, as relações horizontais, a descentralização e o indivíduo mutante; ou

seja, capaz de modular-se conforme o interesse da empresa dentro de um sistema de servidão

voluntária, que se alastra pelo espaço doméstico e o ambiente de lazer. Não há mais a

necessidade do uso de meios coercitivos por parte da empresa.

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No âmbito educacional, essas características refletem uma visão mercadológica do

ensino que exige a flexibilidade e prontidão do indivíduo. Ainda nesse contexto, produtos e

serviços são criados, aperfeiçoados e modificados rapidamente. Além disso, já não é mais tão

valorizado o que você sabe, mas sim o que você compartilha, a fim de agregar valor ao

ambiente de trabalho. Conseqüentemente, qualidades individuais não são mais privilegiadas, já

que o indivíduo torna-se um portfólio em constante mudança. Ele é seus projetos e o talento

individual não pode transcender ao grupo. O que definitivamente importa não é mais a

especialidade, mas sim a empregabilidade. Conforme Lankshear & Gee (1997: 86), a equipe

trabalha junta até que o filme acabe e depois deixa o estúdio (tradução minha).

Por outro lado, ao longo de nossa história de vida social e familiar, aprendemos a

valorizar a homogeneidade, linearidade, planejamento, continuidade, e, principalmente, a

estabilidade. Na contra-mão dessa perspectiva, vivenciamos a aceleração de processos

históricos, tornando-se cada vez mais difícil ater-se à idéia de controle. Assim como outros

autores citados anteriormente, Candau (2002: 16) descreve a globalização como um processo

plural para o qual devemos voltar nosso olhar, a fim de compreender seus muitos significados

e implicações na esfera social. Fundamentalmente preocupada com seus efeitos na educação,

Candau (2002: 15) afirma que cada país, estado, cidade, família e cidadão vai se inserir nesse

processo de forma diferenciada.

Ratificando a necessidade de problematizar a educação, Canen (2002) e Candau (2002)

oferecem subsídios que nos levam à reflexão sobre o descompasso entre a vida social e a

escola, onde, como vamos ver na seção 1.4, há pouco espaço para a diversidade e pluralidade

de visões. Além disso, essas autoras apontam profundas transformações no cenário sócio-

educacional. Todavia, a escola permanece muito reducionista e sem problematizar as

necessidades impostas pelos novos tempos. Faz-se necessário, por conseguinte, articular

escola – educação – globalização.

2 Empresa focada nos interesses do cliente (tradução minha).

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Retomando o que já foi dito antes, a ótica é monocultural em várias esferas da vida

social; sobretudo, na escola. Em outros termos, educacionalmente, trabalhamos no paradigma

da transmissão, caracterizado pelos seguintes aspectos:

- responsabilidade centrada na figura do professor;

- foco na informação e no mero letramento;

- conhecimentos compartimentalizados;

- ênfase nos processos de repetição;

- idéia de que aprendemos progressivamente;

- tentativa de anulação das diferenças; e

- privilégio a um olhar totalmente homogeneizante.

Levando-se todos esses aspectos em consideração, a escola fica sem lugar,

desinteressante e chata. Todavia, ao tentar compreender a influência que as questões

contemporâneas têm sobre a minha prática, enveredei rumo à reflexão crítica. Esta, por sua

vez, me fez um convite a observar meu ato educativo com outras lentes, entendendo que ele é

sustentado por crenças que devem ser permanentemente revistas para que não me torne presa

das mesmas. Bruner (2001: 33) ajuda a tornar mais explícito o meu pensamento quando diz: a

educação jamais é neutra; jamais está destituída de conseqüências sociais e econômicas. É

sempre política.

As questões discutidas nesta seção tornam-se ainda mais pertinentes para mim e outros

sujeitos envolvidos com educação no Brasil - país que é primeiro lugar na América Latina em

desigualdade social, perdendo apenas para quatro países africanos, segundo dados do BNDES

de outubro/2005. Uso esse exemplo, a fim de alertar para a necessidade de aprofundar meu

enfoque em algumas questões relacionadas ao âmbito educacional, área de meu profundo

interesse.

1.3 QUESTÕES PARA A EDUCAÇÃO

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A globalização e as facilidades de comunicação levantam as expectativas de inclusão e

de participação na fruição dos bens disponíveis por todos os membros da humanidade. Hoje, a

grande maioria das pessoas do mundo sabe onde gostariam de estar, mas não podem estar

(Bohn, 2005: 13). O drama da contemporaneidade seria, então, o fato de algumas pessoas

terem acesso a letramentos múltiplos (familiar, computacional, religioso, midiático, etc.) e

outras não. Beck, Giddens e Lash (1997), embora eminentemente voltados para o contexto

europeu, nos inspiram a entender o momento em que vivemos por colocarem o macro - social

na relação com o micro e criticarem a modernidade, propondo uma modernidade reflexiva em

que a sociedade se torna um tema para ela mesma. Para esses autores (1997: 8), o futuro se

parece cada vez menos com o passado e, em alguns aspectos básicos, tem se tornado muito

ameaçador, afastando-nos da idéia de sermos donos do nosso destino, tido como algo dado e

fixo. A partir deles (1997: 9), entendemos que a reflexão contemporânea deveria ser do tipo

como se, o que nos possibilitaria pensar no que poderíamos ser. Pensamento este que nos

remete a Foucault, para quem a grande questão não é entender o que somos, mas recusar o que

somos e pensar no que poderíamos ser. De acordo com George Simmel, Emile Durkheim e

Max Weber (apud Beck, Giddens e Lash, 1997: 18), atualmente as pessoas não estão sendo

libertadas das certezas feudais e religiosas transcendentais para o mundo da sociedade

industrial, mas sim da sociedade industrial para a turbulência da sociedade de risco global.

Espera-se que elas convivam com uma ampla variedade de riscos globais e com pessoas

diferentes e mutuamente contraditórias. Os autores supracitados (1997: 19) insistem na idéia

de haver a expectativa de que os indivíduos dominem essas oportunidades arriscadas, sem

serem capazes, em razão da complexidade da sociedade moderna, de tomar as decisões

necessárias em uma base bem fundamentada e responsável, ou seja, considerando as possíveis

conseqüências de suas escolhas.

Além disso, segundo eles (1997: 18), testemunhamos a mescla de pessoas que vivem a

modernidade tardia e aqueles que ainda se encontram no período pré-industrial. Desse modo, a

reinvenção só se torna possível a partir de uma modernidade reflexiva, que seria o processo de

pensar quem você é. A questão é quem está inserido nesse processo se o que leva à prática

reflexiva são: novas tecnologias; acesso a outros discursos; exposição à diferença; aumento de

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repertório de sentidos, entre outros. Moita Lopes (2005: 8), pelo mesmo viés, sugere outros

questionamentos. A saber: quem tem acesso a esse mundo das redes de comunicação, de

novas formas de aprendizagem, de novos horizontes de significados, de redescrições da vida

social, de discursos que possibilitam criticar o mundo? Ao tentar responder a tais perguntas, o

que constatamos é a crescente massa de refugos globais, ressaltando a convivência de altas

tecnologias e pessoas fadadas ao não acesso e com uma liberdade bastante restrita para fazer

escolhas.

É com muita propriedade que Bruner (2001: prefácio) enfatiza o fato de haver

conjecturas profundas sobre o que se deveria esperar que as escolas fizessem por aqueles que

as escolhem, ou são obrigados a freqüentá-las. A fim de enriquecer essa discussão e, partindo

das questões aqui levantadas, passo agora a considerar o papel da educação no mundo em

mutação em que estamos vivendo.

1.3.1 As funções do ato educativo

Rego (2005: 58) argumenta que, nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais

evidente a importância da educação na construção da democracia e da modernidade. Em várias

partes do mundo, o tema tem ocupado papel de destaque, mobilizando a atenção não somente

de pesquisadores, especialistas e responsáveis pela definição de políticas públicas, como

também dos cidadãos de um modo geral. Não é sem razão que a Educação cada vez mais

ganha as manchetes dos jornais (Anexo A). Acrescenta-se a esse fato, as campanhas eleitorais

de boa parte dos candidatos, como pudemos acompanhar nas últimas eleições, ao descreverem

a Educação como uma grande aliada na solução da maioria dos problemas sociais do nosso

país. Podemos entender tal interesse como resultante das pressões impostas pelas novas e

complexas demandas do mundo contemporâneo.

Neste novo cenário, a educação, particularmente aquela desenvolvida no âmbito

escolar, passa a ser compreendida como um instrumento crucial para o enfrentamento dos

impasses e incertezas do nosso tempo. A escola é vista como tendo uma função social -

porque compartilha com as famílias a educação das crianças e jovens; uma função política -

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pois contribui para a formação de cidadãos; e uma função pedagógica - na medida em que é o

local privilegiado para a transmissão e construção de um conjunto de conhecimentos

relevantes e de formas de operar intelectualmente, segundo padrões deste contexto social e

cultural (Rego, 2005: 58). Ou melhor, nas palavras de Vygotsky (1998), a criança vai para a

escola, a fim de sistematizar o conhecimento cotidiano, transformando-o em funções

superiores. A escolarização desempenha, portanto, um papel fundamental na constituição do

indivíduo que vive numa sociedade letrada e complexa como a nossa. O fato de o indivíduo

não ter acesso à escola significa um impedimento da apropriação do saber sistematizado, de

instrumentos de atuação no meio social e de condições para a construção de novos

conhecimentos. A escola, entendida como um local que possibilita uma vivência social

diferente da do grupo familiar, tem um relevante papel, que não é, segundo Rego (2005: 62), o

de compensar carências do aluno, mas sim o de oferecer a oportunidade de ter acesso a

informações e experiências novas e desafiadoras capazes de provocar transformações e de

desencadear processos de desenvolvimento e comportamento.

Não é demais lembrar que entre as crianças que atualmente freqüentam nossas escolas,

segundo Oliveira (2005: 73), poucos são os casos das que podem dispensá-la (e talvez

desprezá-la) como instituição cujas práticas são essenciais para a promoção de um certo tipo

de conhecimento diferente daquele predominante no cotidiano e altamente valorizado pela

cultura letrada e escolarizada. De modo similar, Smolka (2004) explicita com pertinência essa

questão ao argumentar:

Onde se ancoram, então, as possibilidades de significação, de compreensão, de conhecimento, de sentido? Nas práticas sociais, na experiência partilhada (nunca a mesma para todos), como lugar de relações interpessoais, que vão acontecendo, vão se legitimando e se instituindo.

A mesma autora nos mostra convincentemente, dessa vez juntamente com Laplane

(2005: 80), que a aprendizagem está relacionada às formas de participação e apropriações das

práticas sociais, as quais condensam a experiência pessoal, historicamente construída e

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partilhada. Essas idéias encontram eco nos trabalhos de muitos estudiosos (Vygotsky, 1998;

Cope & Kalazantis, 2000; Lave & Wenger, 2002, por exemplo), que destacam o fato de o

desenvolvimento ser engendrado na e pela prática social. Na verdade, as demandas da área

educacional têm se diversificado cada vez mais, levando a um questionamento dos modos

como a educação formal vem acontecendo e abrindo novos campos de reflexão (Smolka &

Laplane, 2005: 83). Vale a pena complementar tal abordagem, lembrando que, nos termos

postos por Gee (2000: 68), o fracasso de minorias e crianças pobres na escola está

relacionado à nossa falta de vontade ou inabilidade para dar a elas as formas de instrução

que são delas por direito e que são necessárias, a fim de abrir as portas que continuam

fechadas para elas (tradução minha).

Cabe salientar em especial que, como professora de inglês no contexto da rede pública,

entre as considerações feitas até então, estou eminentemente interessada em discutir o ensino

de Inglês – entendido aqui como prática cultural e social situada. Com efeito, convido meu

leitor a acompanhar-me numa problematização a esse respeito.

1.3.2 Implicações para o ensino de inglês na escola pública

O inglês pode ser usado como a língua comum por meio da qual podemos ler criticamente o mundo e participar em sua construção.

Moita Lopes

Pesquisador preocupado com os rumos do ensino de língua estrangeira no Brasil,

Moita Lopes (2005: 2) enfatiza que a aprendizagem de inglês se transformou em um dos

instrumentos centrais da educação contemporânea, caracterizando - se como um dos bens

simbólicos mais valorizados não só no Brasil, mas também em boa parte do mundo. O referido

autor ressalta que, com os avanços tecnológicos, alguns vivem mais e melhor e têm, portanto,

mais oportunidades de realização. Por outro lado, há aqueles que estão excluídos desses

avanços devido a limitações econômicas. Sendo esta exclusão entendida como um sinônimo

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contemporâneo para pobreza em um mundo no qual as desigualdades aumentam

vertiginosamente (Moita Lopes, 2005: 02). Atribuindo o devido peso à problemática da

exclusão social, Gee (2000: 66 – 68) indaga que se as escolas dos excluídos em outros tempos

já tinham que ser tão boas como as de outros grupos sociais, hoje elas precisam ser melhores

ainda, a fim de diminuir a distancia que vem sendo continuamente construída entre tais grupos.

Logo:

A educação lingüística em geral e especificamente, em inglês, tem papel fundamental nessa empreitada, contribuindo na construção de um outro discurso sobre a vida social, que questione o pensamento único homogeneizador da vida contemporânea, indo ao encontro da celebração da diversidade e da heterogeneidade, ao mesmo tempo, que fornece acesso a conhecimento para a ação social (Moita Lopes, 2005: 3/4).

Segundo Moita Lopes (em conferência proferida em 12 de junho de 2006), há um

movimento no sentido de inglês deixar de ser símbolo de status social para passar a ser parte

constitutiva da educação básica. No entanto, vale lembrar que saber Inglês envolve questões

políticas, sociais, econômicas e culturais que possibilitam ter acesso a outros discursos.

Aprofundando-se um pouco mais nessa temática, o referido autor chama a atenção para o fato

de que a língua inglesa é considerada por muitos uma mercadoria como outra qualquer e é

também símbolo de status e poder. Entretanto, como bem revela a epígrafe que abre esta

seção, a educação em inglês deve colaborar na tarefa de transformar o estatuto de mercadoria

em um saber para ser usado criticamente, a fim de entender o mundo em que se vive (Moita

Lopes, 2005: 09). Tal tarefa é essencial para a sua transformação, já que não é possível

modificar o que não se entende, como prefere dizer Milton Santos (2000: 74).

A partir do entendimento do ato educacional como prática ético - política, depende-se

de uma modificação significativa do currículo existente, que é por sua vez uma seleção

cultural destituída de neutralidade. Além disso, faz-se necessário intervir em preconceitos,

injustiça social e práticas discursivas arraigadas por meio do desafio à naturalidade de normas

e diferenças e à construção de preconceitos.

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Como filósofo da linguagem, Bakhtin (1992: 268) estabelece uma relação profunda

entre linguagem, diálogo e vida. Vygotsky, seguindo o mesmo raciocínio, entende a linguagem

como o meio que torna os significados lingüisticamente criados em significados

compartilhados, isto é, significados sociais (Tudge, 1996: 153). Conseqüentemente,

considerando a visão socio-histórica desses autores, a linguagem é vista como ação, criação,

inauguradora de sentidos e realidades (Fabrício & Moita Lopes, 2004: 14/15). Em outras

palavras, a linguagem entendida como construtora de identidade e realidades sociais; ela não é

representação, é ação no mundo social, podendo ser mantenedora ou desestabilizadora; assim

como a escola, uma das instâncias em que nossas identidades são engendradas, conforme

defendem Fabrício e Moita Lopes:

A escola é o primeiro espaço social que possibilita uma exposição a outros mundos ou a outras histórias, diferentes daquelas da família, tendo, portanto, importância singular. Assim, a escola deveria ser o lugar de se aprofundar a compreensão sobre as vertigens contemporâneas e de se ampliar a grande discussão sobre as identidades sociais nas quais estamos envolvidos (Fabrício & Moita Lopes, 2004: 19).

Na verdade, os estudos recentes desenvolvidos por esses pesquisadores revelam que os

programas curriculares das escolas apresentam um mundo social em clara oposição ao modo

como a vida fora da sala de aula é levada a efeito (Fabrício & Moita Lopes, 2004: 19). Eles

afirmam ainda que, apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) manifestarem uma

tentativa em outra direção, como documentos de identidade, são ainda muito conservadores3 -

discussão que esta dissertação não pretende aprofundar. Com base em minha experiência como

professora de inglês do segundo segmento de uma escola pública, posso afirmar que os PCNs,

em alguns casos, são ignorados. Em outras palavras, na maioria das vezes, o professor

desconhece seu conteúdo.

Os autores nos quais apoiei esta problematização acerca do ensino de inglês na rede

pública me levam a afirmar que, na verdade, a educação não é o salvador da pátria, mas é um

3 Ler a esse respeito a dissertação de mestrado de Rejane P. Costa, UFRJ/ Faculdade de Educação, 2001.

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dos caminhos possíveis a se escolher, a fim de questionar as necessidades impostas pelo

mundo contemporâneo. Mundo este em que nada de importante se faz sem discurso (Santos,

2000: 74) e no qual a linguagem assume um papel fundamental, em especial, na construção

deste mundo social. A metáfora usada por Cope & Kalazantis (2000: 7) me parece bastante

apropriada: enquanto criadores de significados, somos também construtores de futuros sociais.

Infelizmente, constatamos que na escola os alunos são em geral só considerados do ponto de

vista cognitivo como se seus corpos, histórias, desejos, raças, gêneros, classe social etc. não

fossem parte do ser cognitivo social que está em sala de aula na prática de letramento (Moita

Lopes, 2005: 11).

Entendendo assim a dimensão etico-política do ensino de inglês, chamo atenção do

meu leitor pra as idéias de Kleiman (1995: 48). Ela acredita que o resgate da cidadania no caso

dos grupos marginalizados, passa necessariamente pela transformação de práticas sociais tão

excludentes como as da escola brasileira e um dos lugares dessa transformação poderia ser a

desconstrução da concepção do letramento dominante que nos remete à sorte, dom, fracasso

individual, caracterizando a reprodução de mitos que orientam nossa prática social, inclusive a

pedagógica. Signorini (1994: 27) complementa esta consideração quando diz: quem ousar

mudar de lado vai ter que buscar primeiro, junto com seus aprendizes razões outras para se

aprender a ler e escrever que não aquelas que nos tem obrigado, a todos, a andar sempre em

círculos.

Por outro lado, entretanto, Trindade (2002: 13) faz questão de lembrar que entra ano e

sai ano, e assistimos ao triste quadro no período de matrícula escolar: centenas de pessoas, na

maioria mulheres, e na maioria negras e mestiças, e certamente, de classes trabalhadoras de

baixa renda, esperando e lutando para conseguir uma vaga para seus filhos na escola pública.

Esse movimento anual nos faz pensar que a escola pública, além de ser um espaço plural, é um

veículo (talvez o único para uma faixa da população) que acena para uma possibilidade de

inclusão social, de apropriação de saberes que possam contribuir para o usufruir dos direitos

conferidos àqueles considerados cidadãos, ou seja, melhoria de condição de vida. Segundo a

professora, isso nos remete à seguinte reflexão:

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Se há uma demanda tão grande, a escola pública tem um papel social a desempenhar e a população reconhece isso. Se apesar do sucateamento da escola pública, pessoas se aglomeram, dormem nas filas na esperança de uma, histórias submersas estão sendo escritas e contadas pelos usuários e profissionais da educação. Histórias que contrariam a imagem subliminarmente propagada de que profissionais da educação pública e seus usuários são incompetentes. Histórias que mostram uma possibilidade de alianças forte, de contato produtivo e positivo entre usuários e profissionais. Histórias de força e insurreição, histórias de vidas que são desconhecidas ou desqualificadas.

Contudo, Trindade (2005: 15) não nega que existe sim, acomodação, a rotina alienante

e a reprodução de desigualdades na escola, mas existe, também, um fluxo fascinante

promovido pela pluralidade de vidas, interesses, desejos presentes no cotidiano escolar. Existe

sim o sucateamento da escola pública, em função do cronificado quadro, no nosso país, de

produção e manutenção de desigualdades sociais, raciais, culturais, de gênero etc., mas há

também histórias de lutas contra esse quadro. Opondo-se a muitos argumentos em contrário,

ela esclarece:

Tem e sempre teve muita gente querendo romper com o quadro de exclusão e legitimação da exclusão que alguns querem colar à escola. Histórias submersas porque não ganharam a mídia, os cenários oficiais e legitimados positivamente, e não foram fixadas na nossa memória coletiva, mas que precisam ser contadas, ouvidas, lidas, tocadas, recriadas, pois elas nos fazem orgulhosos da nossa condição de profissionais de educação, não como aliados à exclusão social, à reprodução das desigualdades étnicas, culturais, de gênero, sociais – aliás limiar ao qual estamos cotidianamente sujeitos, mas não sujeitados – mas orgulhosos da nossa condição de educadores de uma pedagogia promotora da vida e do ser humano (Trindade, 2005: 16).

Confirmando os argumentos de Trindade, Frigotto nos conta, em entrevista de

22/05/2006, que felizmente há sim uma luta contra-hegemônica instalada no Brasil, mas ela é

pouco expressiva tanto qualitativa quanto quantitativamente. Sua tese, com a qual concordo, é

que tal luta é duplamente não qualitativa: uma porque nega-se à grande parte da sociedade

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brasileira o direito elementar de letrar-se. Outra porque poucos corações percebem este

monstrengo social.

Dessa forma, minha voz se une a de outros ao concordar que a educação não é uma

panacéia para acabar com a exclusão, já que esta envolve questões sociais e culturais

complexas atravessadas por classe social, raça, etnia, sexualidade, etc. (Moita Lopes, 2005: 2).

Tampouco, quero defender a Educação como garantia de passaporte para a “boa vida”

capitalista; embora, entenda que ela é certamente um elemento-chave da mobilidade social.

Acredito que, muito acertadamente, como educadora, me afilio à idéia do referido autor de que

a educação pode ser um instrumento central na luta por equidade entre as pessoas em todos os

níveis. Em outros termos, a educação pode sim, pelo menos, ser útil para que se aprenda a

compreender o mundo em que se vive para colaborar em sua reconstrução. Falo de um mundo

cindido em classes e que, embora seja oportuno para alguns negar, é profundamente marcado

pelas relações capitalistas e suas contradições.

Até aqui discuti como a contemporaneidade configura-se para nós, os aspectos sócio-

educacionais por ela exacerbados, bem como suas contradições, enfocando de forma central o

ensino de inglês na rede pública. A partir de agora, voltarei meu olhar para o entendimento da

lógica hegemônica no contexto da escola pública contemporânea brasileira.

Considero que questionar e refletir acerca da cultura engessada da escola como cenário

de uma lógica estritamente monocultural e homogênea, com uma representação historicamente

construída - configuração espacial de carteiras enfileiradas, uso de uniforme, aulas de 50

minutos, disciplinaridade e outros - é importante para a construção de novos espaços com uma

nova concepção e uma nova dinâmica, onde novos efeitos de sentido, conforme aponta Orlandi

(apud Costa, 2001), possam circular livremente. Sendo assim, a próxima seção cumpre este

papel.

1.4 OLHAR MONOCULTURAL: A CONSTRUÇÃO PARA O OUTRO

A educação convencional entende a aprendizagem como um processo pelo qual um

aluno internaliza conhecimento, seja ele, descoberto, transmitido por outros ou experienciado

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na interação (Lave & Wenger, 2002: 165). Ou seja, a aprendizagem fica reduzida a uma

questão de transmissão e assimilação. Trata-se então de uma lógica que, ao contrário do que

defendem Bakhtin e Vygotsky, é a-histórica e compreende a internalização como um processo

unívoco e universal. Conforme exposto por Lave e Wenger (2002: 167 – 169), essa lógica

implica em:

- negar o mundo social;

- privilegiar o sistêmico de forma descontextualizada;

- colocar o foco no indivíduo;

- cristalizar dicotomias engessadas (bons x maus; vencedores x fracassados,

etc.)

- estabelecer dicotomias;

- limitar a aprendizagem à aquisição de conhecimento;

- entender o conhecimento como amplamente cerebral, reduzindo as pessoas às

suas mentes;

- construir significados fixos;

- pintar um quadro da pessoa como entidade primordialmente cognitiva; e

- promover uma visão não-pessoal de conhecimento, habilidades, tarefas,

atividades e aprendizagem.

Nas palavras de Rego (2005: 65), as escolas públicas brasileiras variam

significativamente quanto a estilo, tamanho e funcionamento. No entanto, é possível

identificar um modelo pedagógico predominante que se apresenta repressor e bastante

centrado na figura do professor. Ela afirma ainda que há, por um lado, a supervalorização da

transmissão e memorização de um extenso volume de dados e informações e, por outro, o

rígido controle comportamental. Essa descrição confirma o que Lave & Wenger (2002: 169)

descrevem como prescrições instrucionais e coerções impostas pelas exigências gerais de

mecanismos universais de aprendizagem entendida em termos de aquisição e assimilação.

Rego (2005: 66) aponta os efeitos da pedagogia que enfatiza exclusivamente a reprodução de

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modelos e a memorização mecânica. São eles: o excessivo medo de errar; ausência de

criticidade; a passividade; e a dificuldade de tomar decisões ou solucionar problemas de modo

autônomo. Acrescento aqui a apresentação do conhecimento como verdade e a construção de

significados fixos. A autora enfatiza ainda que o academicismo do currículo adotado na maior

parte das escolas expressa a importância atribuída ao conhecimento abstrato, desconsiderando

o repertório de informações que o aluno traz ao entrar na escola e a falta de relação com a vida

diária, já mencionada na seção 1.3.2. Segundo ela, o distanciamento entre os conteúdos

programáticos e as experiências dos alunos pode certamente responder pelo crescente

desinteresse em sala de aula.

De uma maneira geral, a escola continua perpetuando seu papel como um fórum de

desenvolvimento de forças muito conservadoras, passando ao largo das vertigens

apresentadas pela vida contemporânea (Fabrício & Moita Lopes, 2004: 20). Segundo estes

mesmos autores, a voz do professor, o currículo e o material didático são instrumentos usados

para contar histórias que não refletem a heterogeneidade da natureza humana, ocasionando um

descompasso entre a escola e o mundo social. Já no início do século XX, Vygotsky alertava:

No fim das contas só a vida educa, e quanto mais amplamente ela irromper na escola, mais dinâmico e rico será o processo educativo. O maior erro da escola foi ter se fechado e se isolado da vida com uma cerca alta. A educação é tão inadmissível fora da vida quanto a combustão sem oxigênio ou a respiração no vácuo (1998).

Contribuindo para essa discussão, Sodré (2002: 31) diferencia de forma inovadora

informação e educação. Para ele, a informação pode ser apenas um enfeite, um adorno, uma

estratégia até de socialização, de administração do sujeito no espaço social, mas dali não sai

nada de produtivo nem de criativo. Portanto, informar, às vezes é simplesmente um novo meio

de controlar, de gerenciar pessoas. Por outro lado, o processo educativo implica em

mobilização e dinamização da informação, com vistas a um bem que pode ser coletivo ou

individual. O autor destaca que a educação difere da informação pela radicalidade ética. Ética

significa, nesse caso, abrir o horizonte de realização e criação humanas. Evidentemente, é com

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isso que a educação humana tem que se comprometer. Ao meu ver, é por isso que ninguém

que tenha uma cabeça educacional e educativa pode entender que se defenda uma prática

pedagógica que tenha simplesmente a função de adaptar o indivíduo às necessidades impostas

pelo mercado, perspectiva defendida por uma ala mais conservadora da educação e, portanto,

perpetuadora do status-quo.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Souza (1995: 23) enfatiza que na sala de aula

tradicional tanto os conteúdos quanto a metodologia são vistos como imutáveis, fixos e

estáveis. O conteúdo programático é pré-estabelecido de forma unilateral pelo professor ou

pela instituição, independentemente do grupo de alunos. Tudo isso garante a naturalidade da

autoridade do professor, sendo que o aprendiz é visto como um ser abstrato, desprovido de um

caráter social, vontades e voz próprias, o que contribui para que a sala de aula seja

considerada um lugar neutro, objetivo e harmonioso. A observação mais simples e cotidiana

mostra que a realidade escolar não condiz com essa descrição. Cabe aqui o paralelo que

Gallimore e Tharp (1996: 183) fazem entre a escola contemporânea e outras instituições. Esses

autores constatam que a maioria das instituições assume uma responsabilidade limitada pelo

ensino, evidenciando situações em que a oferta de assistência é limitada.

Quando o desempenho se torna fraco, e a dosagem usual de instruções e incentivos não é capaz de reforça-lo, os empregados ou recrutas podem ser demitidos. Talvez por terem pouco compromisso com o ensino, instituições desse tipo raramente concebem seu relacionamento com o corpo de empregados como uma forma de “ensino por desempenho assistido” (Gallimore & Tharp, 1996: 183).

Esses autores acreditam que a escola, infelizmente, assemelha-se muito com tais

instituições, posto que também assume uma responsabilidade muito limitada sobre a

assistência que oferecem ao desempenho de seu pessoal. O que representa uma grande

contradição da escola, instância em que o ato de ensinar seria o que justifica a necessidade de

sua existência. Nesse sentido, Candau (2002: 71) denuncia que a nossa escola funciona como

uma instituição homogeneizadora de um tipo único de brasileiro - trabalhador, ordeiro e

cidadão. Então, a diversidade é vista como anomalia e, portanto, uma barreira. Aprendemos

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com Alves e Garcia (2000: 07) que a escola da qual tantos falam é uma simplificação a partir

de um paradigma reducionista que ignora tudo o que se passa e se cria nesse espaço/tempo de

aprender e ensinar, de relação de subjetividades, de encontros e desencontros, de socialização.

Eis porque surge uma questão:

Por tratar-se de um paradigma que ignora a complexidade presente na escola, em que os diferentes sujeitos encarnados que neste espaço/tempo educativo se encontram, alem de participarem desta rede educativa escolar, participam de uma multiplicidade de redes de convivência nas quais vão sendo formadas as suas múltiplas subjetividades que os fazem, a cada dia, diferentes. Desta maneira, esse paradigma, ignorando tudo isto, não percebe que nestas tão diferentes redes educamos e aprendemos (Alves & Garcia, 2000: 8).

Quero enriquecer esta discussão resgatando a voz de Paulo Freire, que na obra Extensão

ou Comunicação (1970: 40) explica:

As relações entre invasor e invadidos, que são relações autoritárias, situam seus pólos em posições antagônicas. O primeiro atua, os segundos têm a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos, proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do primeiro. O invasor pensa, na melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são pensados por aquele.

Assim sendo, ganha extraordinária atualidade a análise feita pelo referido autor, que

ecoa na voz de Trindade (2002: 12) quando este sugere que se olharmos os alunos como

incapazes, nossa prática docente irá subestimá-los, de modo a desinvesti-los das suas múltiplas

possibilidades e esse olhar/ação pode, junto com outros fatores, ajudar para que eles se

julguem incapazes. Além disso, um outro aspecto revelador é o fato de haver no sistema

educacional brasileiro, uma organização social da cultura que conflui para a educação e que

veio do sistema discriminatório da sociedade escravagista do passado (Sodré, 2002: 18).

Cabe aqui trazer também a voz de Machado (2002: 41) para explicar que o sistema

educacional, hoje considerado tradicional, teve sua origem no final do século XIX. Ele

respondeu, simultaneamente, às exigências políticas do processo de construção da democracia

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e dos estados nacionais e às exigências econômicas de construção do mercado. Segundo a

referida autora, naquela época, a escola era uma continuação da família em tudo o que se

referia à socialização moral e aos estilos de vida. Formava a criança segundo os aspectos e

valores que fortaleciam a coesão social, como a adesão nacional, aceitação da disciplina e dos

códigos de conduta. Nesse processo, a criança passava de uma instituição de coesão, a família,

para outra, a escola, na qual vigoravam as mesmas categorias de seqüência e hierarquia.

Machado (2002: 41) complementa dizendo que no século XX, no entanto, a família modificou-

se muito mais que a escola. Entre a família de hoje e a do final do século anterior há uma

distância enorme, enquanto que entre a escola de hoje e a escola do final daquele século as

mudanças são menos significativas.

Mobilizei nesta seção muitas outras vozes que, assim como eu, veêm na Educação um

caminho a se trilhar, a fim de problematizarmos as necessidades impostas pelo mundo

contemporâneo. Entre tais vozes, destaco a de Santos (2002: 75), para quem a escola oficial

não reflete a pluralidade da vida de seus estudantes, e cada vez menos se presta a transformar a

vida dos indivíduos. Transformar sim; não apenas no sentido de melhoria da vida material e do

conforto, mas a modificação da forma como se vê tudo ao seu redor; desenvolver e aperfeiçoar

as capacidades de cada um. Por não sentir a possibilidade de modificação de sua existência, o

estudante reage com apatia, indiferença e indisciplina, de acordo com nosso olhar embaçado,

esquecendo-nos que estas reações são produzidas, entre outros fatores, pela forma como

pensamos e realizamos nosso ato educativo.

Levando-se tudo que foi discutido em conta, vou me deter agora a descrever de forma

crítica minha prática docente ao longo de dois anos (a saber: 2003 e 2004) como professora de

inglês do segundo segmento do ensino fundamental de uma escola da rede pública municipal

lotada na décima Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Esta abarca escolas situadas

em Paciência, Santa Cruz, Pedra de Guaratiba e adjacências.

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1.4. 1 Minha prática pedagógica

Aula de ditado (1891) de Demetrio Cosola. Fonte: Revista Viver: Mente e Cérebro. Coleção Memória da Pedagogia, no . 2.

Até hoje o aluno tem permanecido nos ombros do professor. Tem visto tudo com os olhos dele e julgado tudo com a mente dele.

Vygotsky

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Ao longo dos anos de 2003 e 2004, fui reprodutora do paradigma de transmissão, que

acena para uma lógica homogeneizante. Começo dando destaque aos comentários de um aluno

da sétima série no final do ano de 2004:

Vou para a 8a série, estudo inglês desde a 6a e não aprendi nada. Professora, até quando a gente vai estudar o verbo TOB?

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Embora as colocações supracitadas tenham sido feitas por apenas um aluno, elas me

fizeram questionar até que ponto aquele não era um sentimento geral. Além disso, quando

outro aluno perguntou se continuaria estudando o verbo Tob, lembrei que naquele exato

momento eu não estava falando do verb to be, mas sim do uso do ´s (possessive case). Sendo

assim, a fala daquele aluno era muito mais profunda do que eu podia imaginar. Ele usou verbo

Tob para se referir, na verdade, a todo conteúdo passado no quadro de giz ao longo de dois

anos e que ele provavelmente não havia assimilado por diversas razões. Segundo Werneck

(1992: 14), tanta liberdade para fazer o que quiser leva ao porto do nada. Ou seja, o professor

está em sala, o quadro está cheio, alunos enfadados com seus cadernos abertos e canetas a

punho copiando, copiando e copiando, mas não se sabe se há algum ensino. Ou melhor,

professores fingem que ensinam e alunos fingem que aprendem. Nada se ensinou, nada se

corrigiu, ninguém progrediu, instalou-se uma tapeação em cadeia com prejuízos para todos

os interessados. Assim funciona a pedagogia do fingimento (Werneck, 1992: 14/15).

Considerando-se minha experiência prévia como professora de Inglês Instrumental 4 com foco

em leitura, parei para pensar por que estava repetindo uma prática que eu mesma já havia

criticado. Cheguei à escola revestida de preconceitos quanto à clientela com a qual viria a

trabalhar: aqui não tem como desenvolver um bom trabalho nem com inglês instrumental; essa

clientela tem um déficit de conhecimento muito grande; a xerox não funciona e eu, a fim de

cumprir ordem dada pela direção da escola, não posso pedir nenhum material extra (dados de

notas de campo). Então, apenas dei continuidade ao que outros já faziam, reproduzindo uma

prática respaldada por crenças arraigadas sobre o processo de ensino – aprendizagem de alunos

advindos de comunidades pobres.

Os alunos, por sua vez, mostravam-se extremamente desmotivados e indisciplinados.

Na tentativa de minimizar tal desinteresse, nesses momentos em particular, me revestia da

autoridade de professora e usava o quadro cheio de matéria e a prova do bimestre como

aliados. Ou seja, imputava aos alunos pequenas punições com vistas a manter o controle da

situação (Foucault, 1977: 128).

4 cujo planejamento prioriza as necessidades e os interesses dos alunos em estudar o idioma.

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Levando-se em conta os comentários do aluno a respeito do ensino do verbo to be

usados para iniciar esta seção, acredito ser pertinente descrever uma das aulas que motivou tal

colocação. Então, passo agora a contar o passo a passo de uma dessas aulas que intitulo:

O Verbo TOB

• Começava a aula perguntando aos alunos como eles conjugam verbos em português.

• Pretendia, na verdade, elicitar eu, tu, ele, nós, vós, eles. A partir daí, apresentava o verbo

To Be no quadro conforme Anexo B.

• Pedia, em seguida, para que eles prestassem atenção na pronúncia e depois repetissem em

voz alta.

• Passava, então, exercícios de fixação (Anexo B).

• Avisava, como não poderia deixar de ser, seguindo esta lógica, que eles deveriam estudar

tal conteúdo para a prova.

A partir da prática brevemente descrita, constatamos que tais procedimentos seguem uma

lógica completamente monocultural, tema da seção anterior. A título de ilustração, remeto-me

à figura que abre esta seção, a fim de evidenciar minha completa identificação com um ato

educativo que nos remete ao século XIX. Ou seja, uma escola destinada exclusivamente à

transmissão e absorção de informações, desconsiderando o repertório de informações trazido

pelos alunos. Por quê?

→ o conteúdo é completamente descontextualizado;

→ ao pedir que eles repetissem, estava apenas pondo em prática um ato mecânico que não

requer nenhuma reflexão crítica;

→ o padrão interacional era sempre professora - alunos do começo ao fim da aula e,

portanto, uma aula completamente centrada na minha figura;

→ os exercícios escolhidos tinham um cunho totalmente estruturalista, em que bastava aos

alunos seguirem o modelo; e

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→ os alunos eram silenciados por meio do uso do quadro repleto de conteúdo, prática comum

que corrobora a formação de alunos copistas.

A abordagem socio-histórica de Bakhtin (1988) chama a atenção para o fato de que a

linguagem é um fenômeno profundamente social e histórico. Sendo assim, critica a visão

logocêntrica5 tão particular à lógica monocultural descrita em minha prática, por ser uma ótica

idealizada que presta à linguagem uma aparência falsa de harmonia, neutralidade e

objetividade, enfatizando o fragmento em detrimento da totalidade da linguagem. Um enfoque

eminentemente frasal que acaba ignorando a complexidade da linguagem em todo o seu

esplendor social e histórico (Souza, 1995: 24).

Na lógica monocultural e homogeneizante, muito bem explicada pela epígrafe que abre

esta seção, o papel do professor está relacionado ao ato de passar a competência para o aluno.

Tal postura deixa claro que o professor é o possuidor de um conhecimento que o aluno não

possui. A sala de aula tradicional, por sua vez, é um lugar visto como imutável, fixo e estável

em todos os aspectos. Isso faz com que a autoridade do professor seja vista como algo natural

e o aprendiz visto como um ser abstrato, desprovido de um caráter social, vontades e voz

próprias (Souza, 1995: 23).

Depois de explicitar a lógica pedagógica como a qual estava comprometida, é

providencial discutir os pressupostos teóricos que me exortaram a considerar um outro olhar, a

fim de reinventar meu ato educativo.

1.5 MULTICULTURALISMO

Lutar pela liberdade sempre que as diferenças nos discriminem. Lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.

Boaventura Souza Santos

5 segundo a qual o significado está nas palavras.

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A epígrafe indica, de imediato, que o projeto multicultural está inserido em uma ótica

de sociedade na qual a diversidade, a descontinuidade e a diferença são percebidas como

categorias centrais. Esse olhar contrapõe-se à percepção moderna e iluminista da identidade

como uma essência e, portanto, estável e fixa. De acordo com a ótica multicultural crítica,

defendida neste estudo, as identidades são descentradas, múltiplas e estão em constante

processo de construção e reconstrução.

Ao abordar a temática multicultural, Silva (2004: 85) ressalta o fato de que, apesar de

vivenciarmos a diversidade de formas culturais do mundo contemporâneo, tal processo

convive com fenômenos de homogeneização cultural, o que demonstra o caráter ambíguo dos

processos culturais pós-modernos. Para o autor, não podemos separar questões culturais de

questões de poder. O multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder que,

antes de mais nada, obrigaram essas diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a

viverem no mesmo espaço ( Silva, 2004: 85).

Desse modo, é nesse contexto de pluralidade, diversidade e relações de poder que

vamos analisar as conexões entre currículo e multiculturalismo. Este tem um sentido

polissêmico e, portanto, ambíguo, abarcando posturas diversas e mesmo divergentes (Canen,

1999, 2000, 2001; Canen & Grant, 1999; Canen & Moreira, 2001; Machado, 2002).

Apesar de seu caráter ambíguo, segundo Silva (2004: 85), o multiculturalismo

representa um importante instrumento de luta política, posto que transfere para o terreno

político uma compreensão da diversidade cultural que esteve restrita, durante muito tempo, a

campos especializados como a Antropologia. Esta contribui para o entendimento de que é

inviável estabelecer uma hierarquia entre as culturas humanas. Para o mesmo autor (2004: 86),

é essa compreensão que motiva grande parte do atual impulso multiculturalista.

Ao ampliar sua discussão sobre a temática multicultural, o autor supracitado distingue

duas vertentes de compreensão do multiculturalismo: A primeira seria o multiculturalismo

liberal ou humanista para o qual as diferenças culturais seriam apenas a manifestação

superficial de características humanas mais profundas. Sendo assim, o que os colocaria em

condição de igualdade seria sua comum humanidade. Dessa forma, esse olhar faz apelo a uma

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característica fora da sociedade e da história e advoga a tolerância entre as diferentes culturas.

Defende um currículo baseado nas idéias de respeito e convivência harmoniosa entre as

culturas. Conseqüentemente, as relações de poder que estão na base da produção da diferença

permanecem intactas (2004: 88).

Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idéia de tolerância, por exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra tolerância. Por outro lado, a noção de respeito implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já definitivamente estabelecidas, restando apenas respeitá-las.

Por outro lado, há uma outra perspectiva, chamada de crítica e que se encontra

dividida entre duas concepções. A saber: pós-estruturalista e materialista. A primeira defende a

idéia de que a diferença não é uma característica natural; ela é discursivamente produzida.

Além disso, concebe que o processo de significação produtor da diferença se dá em conexão

com relações de poder (Silva, 2004; Rolnik, 2000; Foucault, 1977). Já a perspectiva

materialista enfatiza os processos institucionais, econômicos e estruturais que estariam na base

da produção dos processos de discriminação e desigualdades. As diferenças estão sendo

constantemente feitas e refeitas; portanto, o que se deve enfocar são as relações de poder que

regem sua produção. Num currículo multiculturalista crítico, a diferença, mais do que

tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão (2004: 89).

Uma outra estudiosa de questões multiculturais, Canen (2002: 177), enfatiza que a

visão de um mundo dividido em classes dominantes e dominadas, opressores e oprimidos,

direita e esquerda passa a ser desafiada em função de acontecimentos mundiais e de

transformações das idéias. Além disso, ela ressalta o fato de assistirmos com intensidade

crescente a debates em torno da necessidade de reconhecimento das múltiplas etnias, culturas,

preferências sexuais, linguagens e outros determinantes na contemporaneidade. Quero validar

o que ela diz contando que em visita a 27a Bienal de São Paulo e ao Museu da Língua

Portuguesa em novembro de 2006, pude constatar a recorrência da temática da diversidade.

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Tanto na Bienal, cujo tema foi Como Viver Junto, quanto no museu, me chamou a atenção

como tal tema foi privilegiado.

A autora aponta ainda que acontecimentos de ordem mundial têm evidenciado tensões

entre movimentos de globalização e aqueles de afirmação de valores étnicos, religiosos e

culturais marginalizados do poder. Gostaria de lembrar que no passado recente, mais

precisamente em 2005, tivemos notícias de uma Paris de ônibus quebrados e monumentos

destruídos por parte de vândalos imigrantes, assim descritos na mídia, o que me fez lembrar o

comentário feito por Kabengele Munanga6 no programa Salto para o Futuro, quando ele afirma

que os modelos da mídia e da escola negam a diversidade. Um outro caso, este sim bastante

recente, seria o dos alunos africanos da Universidade de Brasília que tiveram seus quartos

queimados. Estes fatos lamentáveis denunciam a urgência de uma discussão a respeito dessa

nossa sociedade cada vez mais cindida em classes, considerando qual projeto societário

pretendemos legar para as futuras gerações.

Segundo Canen (2002:174), conferências mundiais têm mostrado a dura face de

políticas neoliberais que concentram poderes econômicos e culturais e provocam a exclusão

cada vez maior de segmentos culturais plurais das populações do globo. A referida autora

(2002: 175) enfatiza que é em meio a essas tensões que o multiculturalismo ganha força.

O multiculturalismo tem sido trazido à tona com intensidade nos debates atuais, referindo-se à necessidade de compreender-se a sociedade como constituída de identidades plurais, com base na diversidade de raças, gênero, classe social, padrões culturais e lingüísticos, habilidades e outros marcadores identitários (Canen & Oliveira, 2002: 61).

6 Vice-diretor do MAC/USP em debate na TV Escola - Um Salto para o Futuro - sobre o tema Multiculturalismo.

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Um esclarecimento essencial nasce da necessidade de se entender a polissemia do

termo multiculturalismo. Nessa direção, tentarei expor algumas reflexões básicas com vistas a

elucidar tal aspecto da questão multicultural, ressaltando seus diversos sentidos, bem como a

perspectiva defendida nesse estudo. Para tanto, vou privilegiar a voz da professora-

pesquisadora Ana Canen, envolvida academicamente com a discussão multicultural,

sobretudo, no contexto educacional.

1.5.1 Entendendo a polissemia do termo

A gama de sentidos e interpretações atribuídos a termos como cultura, educação multicultural, perspectiva intercultural e outros têm se refletido em posturas ambíguas e

não raro contraditórias.Ana Canen

Fica evidente que Canen (2002: 186) reitera como os diferentes sentidos com relação

ao projeto curricular multicultural impõem a necessidade de estarmos atentos ao que se

entende por multiculturalismo e o que se pretende com educação multicultural. Aquela chama

atenção ainda para um certo ar de modismo que ronda a discussão multicultural nos dia de

hoje, daí a relevância de tentar compreender e problematizar seus diferentes sentidos, a fim de

não ser mais um a cair na armadilha do modismo (2002: 181). Como sugere a epígrafe, o tema

multicultural encontra-se em uma arena de contradições e, portanto, alvo de críticas advindas

de estudiosos liberais, neo-conservadores e da esquerda7. O sociólogo argentino Carlos

Alberto Torres, interessado em aprofundar e alargar o significado e a importância da educação

para a democracia e a justiça social, nos informa:

O multiculturalismo não foi um movimento social homogêneo[...] Algumas pessoas vêem o multiculturalismo como uma filosofia anti-racista, outras como uma metodologia para a reforma educacional, outras como um conjunto de áreas específicas dentro dos programas de instrução. Para pessoas diferentes, multiculturalismo significa coisas diferentes (grifo meu, 2001: 202).

7 Ver a esse respeitoTorres, C. A . Democracia, educação e multiculturalismo. (pp.195 – 245), 2001.

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Sendo assim, enquanto pesquisadores da temática multicultural, é de fundamental

importância esclarecer a que sentido estamos nos filiando. Dessa forma, passo a descrever

diferentes formas de compreender tal tema para, ao final desta seção, discutir o sentido com o

qual coaduno.

Primeiramente, a partir de Canen (2002: 181), dou destaque ao multiculturalismo

reparador, uma perspectiva que o reduz a ações afirmativas, de garantia de acesso das

identidades plurais e marginalizadas a espaços educacionais e sociais de forma a garantir

supostas correções e reparações a injustiças passadas. A autora exemplifica esse entendimento

com o sistema de cotas para minorias em instituições públicas. Ela argumenta que, embora

relevantes, tais medidas não representam, por si só, a dimensão multicultural educacional.

Segundo a mesma (2002:182), a redução do multiculturalismo a esse nível sem buscar

transformações curriculares que incorporem os universos culturais dos sujeitos em suas

dinâmicas e combatam preconceitos, pode resultar em maiores discriminações.

Na vertente folclórica reduz- se o multiculturalismo à valorização de costumes, festas,

receitas e outros aspectos folclóricos e exóticos de grupos culturais diversos; ações curriculares

pontuais que promovem feiras de cultura, dia do índio, semana da consciência negra etc. Na

verdade, tais ações tematizam, mas não problematizam as questões culturais de tais grupos.

Um outro olhar também possível seria o que Canen descreve como reducionismo

identitário (2002: 182/183). Isso se traduziria em falar sobre o “negro”, a “mulher” e outras

categorias de identidades sistematicamente silenciadas ou alvos de preconceitos como se

fossem algo universal, único, o que implica o congelamento dessas identidades. Não

reconhece, portanto, a pluralidade no interior de um marcador de identidade seja ele de gênero,

raça, etc. Além disso, não pressupõe que a identidade seja formada de inúmeros marcadores

identitários que se manifestam de forma plural e diferenciada na construção das subjetividades

(Canen, 2002: 184). Tal postura leva a um outro extremo que seria a da guetização

curricular. Esta implica em grupos ou identidades étnico-culturais optarem ou serem levados

a optar por propostas curriculares que se voltem exclusivamente ao estudo de seus padrões

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culturais específicos, o que segundo Canen impede o diálogo entre padrões culturais plurais.

Bauman (2003:127), de modo semelhante, critica o isolamento em que cultura vira sinônimo

de fortaleza sitiada em que seus habitantes devem manifestar sua lealdade e evitar relações

cordiais com estranhos.

Autores como Grant (2000) e McLaren (2000) ressaltam que em sua vertente mais

crítica, também denominada multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural crítica8,

procura-se ir além da valorização da diversidade cultural em termos folclóricos ou exóticos,

para questionar a própria construção das diferenças e, por conseguinte, dos estereótipos e

preconceitos contra aqueles percebidos como diferentes no seio de sociedades desiguais e

excludentes. Efetivamente, McLaren (1997: 268) vincula a educação multicultural à pedagogia

crítica e diz:

O que é essencial para os educadores nesta arena de luta é desmantelar os discursos de poder e privilégio e as práticas sociais que passaram por uma mutação epistemológica para uma nova e terrível forma de nacionalismo xenófabo, onde existe apenas um sujeito universal da história – o branco anglo-saxão, masculino e heterossexual do privilégio burguês (1997: 214).

Este olhar, para Canen (2002: 182), representa uma tentativa de integrar ocasiões

folclóricas a discussões mais amplas sobre a construção histórica das diferenças e dos

preconceitos, bem como formas de superá-los. Significa pensar em estratégias curriculares que

permitam articulações e intercâmbios culturais, posto que a sensibilidade a padrões culturais

que não aqueles presentes exclusivamente no próprio grupo pode permitir um distanciamento

crítico com relação a eles, beneficiando-nos assim das trocas e hibridizações (2002: 186).

A perspectiva multicultural aqui defendida e a qual me afilio nos faz um convite à

mudança, a qual não pode ser obtida através simplesmente da igualdade de acesso ao currículo

hegemônico existente. Estou falando de uma igualdade que revele cidadãos participantes em

condições que garantam a todos, os bens naturais, os bens sociais e os bens simbólicos,

8 reflexão sobre as crenças em jogo nas práticas discursivas cotidianas, olhando para os processos de construção e naturalização, bem como seus efeitos.

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disponíveis para a sociedade concreta em que vivem, e a que todos têm direito, em

decorrência da dignidade humana de cada um (Severino, 2006: 319). Remeto-me mais uma

vez a Bauman (2003: 133), que revela ser uma das tarefas a ser invocada pela comunidade

para enfrentar diretamente as patologias da sociedade de hoje num campo de batalha

verdadeiramente relevante é a igualdade dos recursos necessários para transformar o destino

dos indivíduos de jure em indivíduos de fato.

Após ter acesso a todos os autores supracitados, disponho de uma base teórica que me

diz que é necessário inaugurar a mudança. Passei por um processo não só de revisão das

minhas crenças, mas também de conscientização, o que teve sobre mim um forte impacto

identitário e me levou à ação. Trata-se então de engajamento num processo de redescrição da

minha prática.

Gostaria de ratificar que a discussão sobre a perspectiva multicultural é polissêmica e

não é nova, havendo, portanto, várias práticas sob o mesmo rótulo. Mas, como nos ensinou um

de nossos mestres – Bakhtin - cada leitor, uma leitura. Então, viva a polissemia!

Conseqüentemente, cabe ao professor, guiado pelo princípio da ética, fazer suas escolhas e

afiliar-se a elas. A perspectiva deste trabalho não é uma celebração da diversidade e não quer

ter um caráter apenas aditivo, ou seja, contemplar a diferença aqui e ali. Na verdade, é uma

tentativa de colocar professores e alunos numa posição de reflexão crítica sobre as crenças que

estão em jogo nas práticas discursivas de seu cotidiano na sala de aula.

O processo de aceleração da circulação com que as coisas mudam e a intensificação do

contato com a diferença/diversidade na contemporaneidade fazem com que o

multiculturalismo ganhe força9. No entanto, conforme já problematizado na seção 1.4, não

estamos preparados para lidar com a diferença/diversidade porque funcionamos num outro

paradigma, numa outra lógica.

Esta apresentação, a partir da contribuição de autores envolvidos com a temática da

educação multicultural no âmbito educacional, evidencia que o multiculturalismo tem

características abrangentes, complexas, contraditórias, polissêmicas e polêmicas.

Conseqüentemente, o referencial teórico desta não pretende defini-lo de forma definitiva.

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Quero encerrar esta seção reafirmando que os pressupostos ora apresentados podem ser um

ponto de partida, mas não de chegada para a compreensão da discussão a respeito do

multiculturalismo, descrito por Bauman (2003: 112) como a resposta mais comum em nossos

dias dada pelas classes ilustradas e que vem se tornando cânone da correção política.

1.6 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL: A CONSTRUÇÃO COM O OUTRO

9 sem subestimar os movimentos sociais (gay e feminista), por exemplo, tão caros ao século XX.

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Crianças de um subúrbio de Acra, capital de Gana, fazem um mapa tridimensional da África. Fonte: revista Viver: Mente e Cérebro. Coleção: Memória da Pedagogia. No 2 .

Em síntese, a mudança que privilegia a educação multicultural não está lá pronta; ela

dever ser inaugurada. Não se trata aqui de uma visão da educação como libertadora em que eu

assumo o papel de redentora. Segundo os representantes da educação multicultural, é

fundamental reconhecer que ela é um projeto político e ético composto por metas e

procedimentos pedagógicos. A saber:

- mitigar desigualdades e injustiças sociais;

- diminuir preconceito e discriminação;

- defender ensino de qualidade para todos;

- formar cidadãos críticos e autônomos;

- buscar o crescimento e a aprendizagem conjuntos;

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- viabilizar o empoderamento do aluno para que ele possa ser capaz de circular com

mais flexibilidade por outros discursos, fazendo escolhas;

- ver na diversidade um ganho;

- historicizar, a fim de entendermos como nos tornamos o que somos;

- revisar a prática pedagógica em todos os seus aspectos e etapas do fazer docente;

- investir na ética; e

- abalar crenças calcificadas no solo discursivo.

É importante observar aqui que defendo um currículo e, com ele, a prática educacional

como prática ético-política10. Ao estar ciente de que o paradigma e a lógica vigente não são

satisfatórios, passo a aventar outras possibilidades. Inclusive, escolhi a figura que abre esta

seção por acreditar que a mesma revela uma prática pedagógica que se aproxima muito mais

dos pressupostos da vertente multicultural crítica, em total oposição àquela figura que introduz

o item 1.4.

Conforme explicitado ao longo da seção anterior, a perspectiva aqui defendida traz

implicações para todas as etapas do fazer docente:

- currículo;

- avaliação;

- material didático;

- padrão interacional;

- arranjo espacial;

- relações de poder; e

- noções de linguagem/ ensino/ aprendizagem/ conhecimento/ cultura e normalidade.

A herança teórica dos atores referendados até aqui me permite sustentar que qualquer

processo de mudança não pode ser levado a termo de forma simplista ou ingênua, mas

10 Os valores éticos fundam-se no valor da existência humana. É em função da qualidade desse existir que se pode traçar o quadro da referência valorativa, para se definir o sentido do agir humano, individual ou coletivo. A é tica coloca-se aqui numa perspectiva de universalidade (Severino, 2006: 295).

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consciente dos constrangimentos e conflitos que tal processo acarreta. Tenho plena

consciência de que vivo num país que, segundo Oliveira (2003: 150), se ergueu pela

desigualdade e se alimenta dela. Sendo assim, concordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos

(2005: 18) quando afirmam que qualquer mudança que se queira implementar no sistema

público depende do trabalho do professorado e das relações que se estabelece na escola.

Até aqui procurei aprender com alguns representantes da educação multicultural.

Acredito estar claro que esta pedagogia permite vários enfoques; no entanto, quero me

aprofundar um pouco mais sobre os critérios básicos que norteiam a perspectiva multicultural

crítica. Na tentativa de elucidar essa questão e entender melhor as mudanças que deveriam ser

encaminhadas no meu fazer pedagógico, escolhi as pesquisadoras brasileiras Vera Candau e

Ana Canen para com elas dialogar na próxima seção.

1.6.1 Critérios básicos de uma educação multicultural

A educação multicultural tem como um de seus objetivos tornar audíveis e visíveis rostos e vozes até então silenciados e invisibilizados.

Ana Canen

A perspectiva multicultural de Candau valoriza a interação e a comunicação dos

diferentes grupos sociais, envolvendo a educação em todos os seus aspectos e conduzindo-a a

um processo crítico. Para isto, Candau alerta que a educação multicultural pressupõe não

apenas introduzir na prática educativa novos conteúdos e novos materiais didáticos. Ela deve

levar a uma análise da linguagem dos professores, dos exemplos utilizados, das relações

sociais entre os alunos e dos preconceitos. A educação multicultural é vista pela autora como

desafio proposto aos educadores, que devem repensar seu ato educativo. Faz-se oportuno,

portanto, o seguinte questionamento: quais seriam então os critérios básicos para se

promover processos educativos em uma perspectiva multicultural? Candau (2002: 99)

enumera cinco questões que ela considera fundamentais. São elas:

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1. Ver a educação como uma prática social histórica e socialmente situada em íntima

relação com as diferentes dinâmicas presentes numa sociedade concreta.

2. Articular o reconhecimento e valorização da diversidade cultural com as questões

relativas à igualdade e ao direito à educação como direito de todos, tanto ao nível das

políticas educativas quanto das práticas pedagógicas.

3. Não reduzir a educação intercultural a algumas situações ou atividades esporádicas ou

isoladas em áreas curriculares. Portanto, trata-se de um enfoque diferenciado que vai

atuar sobre a cultura escolar e a cultura da escola como um todo, a todos os atores e a

todas as dimensões do processo educativo, assim como a cada uma das escolas e ao

sistema de ensino como um todo.

4. Questionar o etnocentrismo que, explicita ou implicitamente, está presente na escola e

nas políticas educativas, fazendo uma colocação radical: que critérios utilizar para

selecionar e justificar os conteúdos – no sentido amplo, que não podem ser reduzidos

aos aspectos cognitivos – da educação escolar?

5. Atingir não somente os diferentes aspectos do currículo explícito – objetivos,

conteúdos propostos, métodos e estilos de ensino, materiais didáticos utilizados, etc.,

mas também o currículo oculto e as relações entre os diferentes agentes do processo

educativo – professores, alunos, coordenadores, pais, entre outros.

Com vistas a complementar e enriquecer os critérios de Candau, retomo as idéias da

pesquisadora de práticas com potencial multicultural Ana Canen ( em palestra proferida em

outubro/2005), para quem adotar esse olhar pressupõe dinâmicas que:

- questionem estereótipos em livros didáticos e na mídia;

- mostrem a natureza híbrida de todas a identidades;

- destaquem lutas de identidades coletivas e suas demandas de afirmação;

- façam a ancoragem social, ou seja, relacionem o conteúdo das disciplinas com o

mundo social; e

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- quebrem a hierarquização das disciplinas e passem a vê-las de forma

interdisciplinar.

Sendo assim, ela é categórica ao defender que a educação multicultural implica em

construção, voz e escolha, a partir do desenvolvimento de práticas que envolvam a voz e a

escolha dos alunos, estimulando assim o protagonismo juvenil; crítica - discussão de valores

culturais conflitantes e desestabilização do status-quo, bem como a investigação das relações

culturais de domínio e marginalização; e, por fim, ativismo social - incentivo à tomadas de

posição e ações efetivas contra a desigualdade social.

Ficam estabelecidos, então, os parâmetros fundamentais para uma perspectiva

multiculturalista que se pretende intervencionista. Estes critérios validaram minha proposta de

intervenção na turma com a qual trabalhei, descrita no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA

Este capítulo tem por objetivo explicitar o paradigma que norteou a metodologia de

pesquisa, com vistas a investigar a implementação de uma perspectiva multicultural crítica em

uma escola pública. Inicialmente, problematizo tal paradigma para, posteriormente, fazer uma

descrição do contexto de pesquisa, apontando o perfil de seus participantes. Além disso,

descrevo os instrumentos usados para geração de dados, bem como o processo de análise dos

mesmos.

Meu estudo se direciona mais para o modo informal ou popular de produzir

conhecimento que, segundo Chaudhary (apud Nunes, 2000: 40), tem como meta a

transformação e o questionamento do status-quo. Passo então a contar sobre o caminho que

escolhi para responder aos meus questionamentos.

2.1 A PESQUISA-AÇÃO

Cada um de nós explora um caminho diferente e traz de suas expedições descobertas um tanto diferentes.

Bauman

Inicio trazendo a voz de Van Manen (1991: 1), para quem a escolha do método ou

mecanismo de investigação reflete mais que uma simples preferência, gosto ou moda uma vez

que há uma certa dialética entre a maneira como se articulam as questões e o caminho pelo

qual se chega às respostas. De fato, a harmonia que deve haver entre elas faz com que as

tradições de pesquisa difiram também quanto à metodologia usada para produzir

conhecimento, como sugere a epígrafe acima.

Ao nos contar sobre sua trajetória de investigação, Nunes (2000: 48) revela que entre

os desafios ou dificuldades a serem enfrentados ao se planejar uma pesquisa em sala de aula, o

mais problemático, segundo Polio (1996: 61), é determinar a moldura dentro da qual se está

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trabalhando. É notório que tais pesquisas recebem subsídios de diversas áreas do saber, usam

metodologias e conceitos complementares ou sobrepostos; comportando, por isso mesmo,

tipos de moldura diferentes, mas não excludentes (Nunes, 2000: 48).

De fato, não tenho a pretensão de delimitar este trabalho, mas sim de discutir o

referencial adotado ao longo do meu processo de investigação. A pesquisa em sala de aula,

como o ensino, é um exercício permanente de problematizar, investigar, analisar, refletir,

concluir, transformar e novamente, problematizar e investigar. Coloco-me como uma

professora-pesquisadora que procura primeiramente entender seu papel como co-participante

na construção de uma dada realidade para, então, reinaugurá-la. Fui levada, ao longo da minha

investigação, a identificar problemas, escolher soluções, monitorá-las e avaliá-las; enfim, a

transformar o produto de meu conhecimento em algo concreto, susceptível de mudar a prática

- e a promoção de mudança é fundamental à pesquisa-ação (Nunan, 1992: 18; Elliott, 1991:

49). Evidentemente, ao longo desse percurso, passei por momentos de incerteza e insegurança

no tocante à abordagem metodológica que iria escolher. Inicialmente, e até um determinado

momento, entendia meu trabalho simplesmente como um estudo de cunho etnográfico;

posteriormente, ele transformou-se em uma pesquisa-ação. Fato que não é de se estranhar,

posto que, segundo Van Lier (1988: 68), a pesquisa-ação e a etnografia da sala de aula podem

ser combinadas como estágios sucessivos da pesquisa ou como atividades de pesquisa

paralelas ou integradas.

Em conformidade com a trajetória percorrida por Nunes (2000: 49), a etnografia não

deu lugar à pesquisa-ação; na realidade, sempre caminharam juntas. A pesquisadora ratifica

que elas se identificam em sua natureza exploratória e colaborativa. Tanto uma quanto a outra

consideram a visão dos participantes, já que são realizadas em busca de melhor compreensão

do que acontece no contexto de investigação, na tentativa de ver como os eventos são

organizados e o que significam para os participantes (Erickson: 1986; 1988; 1992). Além

disso, outro ponto de convergência entre etnografia e pesquisa-ação seria os métodos de

geração e análise de dados (Elliot, 1991; Nunan, 1992). Eu, por exemplo, até certo momento

da geração de dados não me via ainda com material para constatar que eu realmente priorizara

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o processo de investigar em espiral, isto é, de questionar, refletir, agir, e requestionar ou

avaliar as mudanças que caracterizam a pesquisa-ação.

Tendo-se em vista a ausência de rigidez quanto às características essenciais que de

forma direta delimitariam uma pesquisa-ação pura, autores como Mc Donough & Mc

Donough (1997:26) preferem falar em características convergentes, embora apontem esta

definição de Carr & Kemmis (1986:162) como sendo a mais citada:

Uma forma de investigação auto-reflexiva realizada pelos participantes numa situação social para aprimorar a racionalidade e justiça de suas práticas, sua compreensão destas práticas e as situações nas quais se desenvolvem.

Para alguns autores, em especial Nunan, (1992:18); Elliott (1991:49), Mc Taggart

(1997:2); Mc Donough & McDonough (1997:27), ser situada, estar profundamente

relacionada a um contexto específico, preocupada com a identificação e solução de problemas

no qual a investigação é realizada, é uma das características fundamentais da pesquisa-ação.

Quanto ao meu papel como professora-pesquisadora, sem dúvida, ele se distingue

daquele dos demais participantes. Todavia, tal fato não me impede de afirmar que houve um

trabalho colaborativo. Esta minha asserção é respaldada pela definição apresentada por Grundy

(apud Nunes, 2000: 63): os participantes partilham suas reflexões com o grupo... trabalham

juntos para entender melhor sua própria prática e aumentar sua consciência dos efeitos da

prática e seu controle sobre a situação na qual eles trabalham. Lembro-me aqui de outras

investigações minhas (Figueiredo, 1997) que também surgiram de problemas identificados no

cotidiano da sala de aula e cujos resultados, incorporados à própria prática, mudaram a mim e

à minha ação pedagógica. Sem sombra de dúvida, os alunos da turma 802 são todos co-

participantes e colaboradores de minha investigação, posto que estavam presentes durante a

maior parte das situações em que houve geração de dados. Além de me provocarem, conforme

exemplificação dada no início da seção 1.4.1, criaram pano-de-fundo para minha atuação

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como professora, tornaram-se reflexivos, partilharam suas reflexões sobre as mudanças

implementadas, possibilitando maior compreensão e confiabilidade à minha dissertação.

Coloco-me como pesquisadora e, ao mesmo tempo, uma das participantes do

processo de ensino-aprendizagem, ciente do meu papel nos dois processos - de ensinar e de

investigar. Estou, por conseguinte, numa posição que me torna capaz de incorporar os

resultados à prática e, assim, aprimorá-la (Holmes 1986; Cavalcanti & Moita Lopes, 1991;

Moita Lopes & Freire, 1998). Olhar-me em sala de aula e fazer uma auto-reflexão foi o

caminho para o questionamento e para adquirir conhecimento do que se faz no dia-a-dia -

quebrar rotinas, enfim, visando aprimorar a prática. Estive preocupada em beneficiar a mim e

também a meus alunos, o que responde à pergunta: para que(m) foi feita a pesquisa. Aliás,

para Elliott (1991: 52), possibilitar o aprimoramento da prática é uma das características da

pesquisa-ação, já que permite ao professor desenvolver sua capacidade de discriminar e julgar

numa situação humana complexa.

Claro que não se trata aqui de aprimorar ou mudar a escola como um todo, mas é um

esforço para aumentar o conhecimento e a consciência das pessoas e dos grupos envolvidos

(Thiollent,1997: 27), já que há partilha dos resultados com o outro - no meu caso, com meus

alunos - como parte do próprio procedimento ou processo de construção do saber (Chaudary,

apudn Nunes, 2000: ). Nisto identifico outro uso, feito do conhecimento que é gerado, já que

as respostas aos meus questionamentos, embora parciais, são comunicadas aos alun e com eles

discutidas, e as conclusões reincorporadas, objetivando transformar o meu cotidiano escolar.

A variedade de instrumentos que foram utilizados nesta pesquisa parece ser o fato de

maior relevância para o entendimento, e também análise destes significados (Cavalcanti e

Moita Lopes, 1991:138, Van Lier, 1988: 56). São os seguintes: questionário, gravações em

áudio, anotações de campo, diário reflexivo e entrevista. Um outro instrumento que considero

importante é a minha observação participante onde o pesquisador tem um papel dentro da

comunidade que está sendo estudada, ou como no meu caso, é participante dentro da situação,

como professora e, desta forma, é capaz de fornecer detalhes que auxiliam na interpretação dos

dados (McDonough e McDonough, 1997).

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Para obter o corpus deste trabalho, como já disse no parágrafo anterior, utilizei

instrumentos diversos. É deles que me ocuparei a seguir.

2.1.1 Observação participante

Além de observar diariamente e documentar as atividades, estive presente em todos os

momentos da investigação. O registro contínuo dos acontecimentos foi feito através de notas

de campo registradas em meu diário, e também através de gravações em audio.

2.1.2 Diário reflexivo do professor

Na educação, segundo Nunan (1992: 229), um relato na primeira pessoa da experiência

de aprendizagem ou ensino de língua é um diário. O uso de diários é considerado uma técnica

comum nas pesquisas de sala de aula (Mc Donough, 1994: 57), como instrumento de

metodologia, reflexão e desenvolvimento profissional.

Desde o princípio (meados de abril/2005), introduzi em minha prática docente o

procedimento de escrever meu diário imediatamente após as aulas. Nele registrei não apenas o

resumo das atividades de sala de aula, mas também as reações dos alunos, minhas observações

sobre procedimentos e material didático, meus sentimentos, reflexões, bem como momentos

de tensão e desafio, os quais terão uma abordagem detalhada no capítulo 3.

Conseqüentemente, os diários se transformaram em uma das fontes de:

• mudanças a serem encaminhadas, tendo em vista os critérios relatados na seção 1.6.1;

• informações sobre a participação dos alunos nos novos tópicos propostos e suas

reações ao novo padrão interacional;

• temas a serem abordados a partir da contribuição dos alunos; e

• registro das dificuldades encontradas ao longo do processo.

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De fato, os diários, segundo Van Lier (1988: 66), podem fornecer informações sobre o

que motiva professor e aluno na sala de aula, bem como sobre fatores afetivos e pessoais que

influenciam a interação e a aprendizagem. Há uma amostra do diário de um dos dias de aula

(Anexo C).

Assim como Nunes (2000: 230), não acreditava que as asserções feitas em meu diário,

realmente, fossem a única realidade existente. Aliás, os pressupostos teóricos que orientam

minha visão do mundo e da realidade, já discutidos no capítulo 1, me alertam para este fato.

Daí usar outros instrumentos que me permitissem escutar e refletir mais cuidadosamente.

Certamente, pelo que já foi comentado anteriormente, não há dúvidas de que descobrir

a visão dos participantes é de extrema importância como recurso à minha atividade pedagógica

e para chegar às respostas das questões que investigo. Desse modo, sempre que foi possível, os

comentários, impressões ou opiniões expressas pelos alunos antes ou depois das atividades e/

ou aulas, em conversas informais, foram registrados no diário desta professora-pesquisadora.

2.1.3 Entrevista e Questionário

Já disse antes que a minha ação foi fruto de um processo reflexivo. Dessa forma, antes

de pôr em prática as primeiras modificações, senti a necessidade de ouvir meus alunos. Foi

então que elaborei um questionário (Anexo D), distribuído a toda turma e ao qual eles

responderam individualmente, na tentativa de ter um pouco mais de clareza sobre seus

anseios, expectativas e insatisfações.

Neste estudo, como fonte de geração de dados, fiz uso também de uma entrevista. Esse

instrumento tem sido usado freqüentemente em pesquisas de sala de aula como recurso para se

obter informações mais detalhadas, profundas e precisas sobre tópicos previamente

determinados (Spradley, 1979; Nunan, 1992). Tendo em vista o tipo de investigação que faço

e as escolhas teóricas em que me fundamento, minha opção é por um instrumento que me

possibilite um contato pessoal e informal com os alunos, que lhes permita expressar suas

idéias a cerca das mudanças que foram encaminhadas ao longo do ano letivo. Isto não

ocorreria, por certo, caso usasse um questionário para obter repostas escritas ou orais.

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A entrevista realizada no final do ano letivo (meados de dezembro) foi semi-

estruturada. Houve um roteiro com tópicos e algumas questões previamente selecionadas

(Anexo E). Há vantagens, como defendem Spradley (1979) e Nunan (1992: 150), em conduzir

a entrevista seguindo uma forma semi-estruturada. O entrevistador não fica limitado por uma

ordem ou um número definido de perguntas, o que lhe possibilita dividir com o entrevistado o

poder de controlar o curso da entrevista, além de proporcionar a ambos mais liberdade e

flexibilidade. Embora desejável, não foi possível entrevistar cada aluno da turma. Foram, pois,

selecionados apenas seis dentre eles. O critério para a seleção destes alunos foi o nível de

participação e envolvimento deles nas atividades propostas, assim como o interesse em

colaborar com a pesquisa.

Guiada pela trajetória em comum com Nunes (2000), chego à conclusão de que a

moldura de meu trabalho, ao longo do processo de pesquisa, foi se tornando mais nítida, mais

próxima daquilo que Elliott (1991) chamou de pesquisa-ação. Posso dizer que o trabalho de

pesquisa pedagógico passou a ser conduzido e realizado em espiral (Nunan (1992:18). Aliás,

Van Lier (1988: 68) deixa bem claro este aspecto da pesquisa-ação. Esta consiste em análise,

descoberta de um fato, conceitualização, planejamento, execução, outra descoberta ou

avaliação e, finalmente, a repetição deste ciclo. Apresento a seguir os ciclos que certamente

servem como fotografia do meu caminhar (Riding, Fowel e Levy 1995: 3) :

Quadro 2 – Ciclos da pesquisa.

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Faz-se pertinente encerrar esta seção ressaltando que, independentemente da trajetória

metodológica que molda este trabalho, me propus a fazer uma ação reflexiva revestida de três

atitudes: de abertura de espírito, de responsabilidade e de sinceridade (Zeichner, 1993: 18/19).

2.2 OS ATORES

A presente seção tem como objetivo explicitar aspectos relevantes quanto às

características do contexto de pesquisa, o perfil de seus participantes bem como o da

professora-pesquisadora. De acordo com Freitas (2003: 27), a pesquisa qualitativa de

orientação sócio-histórica tem como fonte dos dados o contexto, procurando-se entender os

sujeitos envolvidos na investigação para, através deles, compreender também o seu contexto.

Antes de começar por uma breve descrição pessoal e profissional desta que vos fala,

ratifico a postura investigativa de Celani (2005: 107), para quem o pesquisador deve ter bem

claro que as pessoas não são objetos e que não devem ser expostas de forma indevida. Sendo

assim, o nome dos alunos e das pessoas envolvidas, assim como o nome da escola, não serão

informados por questões de natureza ética – protegendo os envolvidos na pesquisa

(McDonough & McDonough, 1997, p.191, Spradley, 1979, p.80; Erickson, 1982, p.44).

2.2.1 A professora- pesquisadora

Na seção introdutória, ao relatar a minha inserção na rede pública municipal, não

apresentei informações pessoais ou profissionais. Assim sendo, vou agora me apresentar a

partir de tais referências.

Tenho 34 anos, nascida em Fortaleza, Ceará, mas vivo no Rio de Janeiro desde os dois

anos de idade. Sou casada, tenho um filho de 6 anos e sou moradora de Vila Valqueire, bairro

situado na zona oeste, mais precisamente, Jacarepaguá.

Formei-me em Letras (Bacharelado e Licenciatura em português-inglês) na

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1995; em 1997 conclui o Curso de

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Especialização em Ensino de Língua Inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ). O tema da minha monografia foi a elaboração de um programa de inglês instrumental

com foco em leitura para o ensino médio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da

Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), já que em 1996 fui contratada para trabalhar nessa

escola como professora - pesquisadora e bolsista PAETEC (Programa de Aperfeiçoamento do

Ensino Técnico). Durante o processo seletivo, a coordenadora relatou ter interesse em

desenvolver na escola um ensino de Inglês Instrumental com foco em leitura, cabendo a mim

então implementá-lo. Minha experiência prévia como monitora do Departamento de Inglês da

UFRJ, ministrando aulas no CLAC (Curso de Línguas Aberto à Comunidade), foi fundamental

para o cumprimento desse projeto.

Recém-formada, em 1996, comecei a trabalhar na escola supracitada como bolsista,

onde permaneci até 1999. Trabalhei durante 11 anos como professora de Inglês em escolas de

idiomas dos quais oito foram na Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa; há quatro anos,

trabalho como professora do segundo segmento do ensino fundamental (5a a 8a séries) em

uma escola pública municipal situada na décima CRE (Coordenadoria Regional de Educação).

No primeiro semestre de 2006, ministrei aulas de Inglês Instrumental na Faculdade de Direito

da UERJ.

Após aprovação em concurso público para a Fundação Oswaldo Cruz em junho do ano

passado, comecei a trabalhar na referida instituição em novembro como professora-

pesquisadora na área de Educação Profissional em Saúde. Entre outras atividades, sou

professora de inglês do Curso Técnico de Nível Médio em Saúde da Escola Politécnica de

Saúde Joaquim Venâncio, uma das unidades da Fiocruz.

2.2.2 Os alunos

Os alunos do ensino fundamental que são sujeitos deste estudo, em sua maioria, já

estudavam na escola desde o primário ou vêm de outras escolas públicas da região. São

moradores de Paciência e arredores, tais como Antares e Cezarão, consideradas áreas bastante

pobres. Como é de se esperar, os alunos são de família de baixa renda. A faixa etária varia

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entre 11 e 17 anos. Há pelo menos três turmas de cada série. A turma escolhida para essa

pesquisa foi a oitava série (802) por ser composta por alunos que tinham tido aula comigo

desde a sexta série. Conseqüentemente, eles acompanharam o processo de mudança em

relação aos anos anteriores, além de terem sido motivadores dos meus questionamentos como

professora-pesquisadora.

2.2.3 O espaço físico

Os dados foram gerados em uma escola pública situada em Paciência, zona oeste do

Rio de Janeiro. A escola, durante os turnos da manhã e da tarde, trabalha com educação

infantil (1a a 4a série) e ensino fundamental (5a a 8a serie); à noite tem o PEJA (Programa de

Ensino de Jovens e Adultos). Há 12 salas de aula (seis no segundo andar e seis no terceiro).

Em cada sala de aula tem um quadro branco e outro negro; no entanto o quadro branco não é

usado porque foi danificado devido ao uso impróprio por parte de alunos e professores.

Quanto à configuração espacial, as carteiras são dispostas em fileiras de frente para o quadro

de giz. A escola dispõe de um refeitório, uma sala para a direção, uma sala de professores, uma

sala de leitura, dois banheiros para os alunos e dois para os professores; uma sala de aula para

a educação especial; uma saleta para as garis da Comlurb, responsáveis pela limpeza desde

2004; e o pátio. Para desgosto e desespero da professora de Educação Física, não há quadra

apropriada para as práticas desportivas; portanto, ela trabalha com eles no pátio, que não é

coberto. Além disso, a sala que chamam de auditório, na verdade, é uma sala de aula que foi

adaptada, contendo uma televisão e um vídeo que ficam dentro de uma caixa fechada com

cadeado por conta dos freqüentes assaltos. Nesses quatro anos de trabalho, a escola já foi

assaltada três vezes. Gostaria de frisar que a escola foi projetada para oferecer apenas o

primeiro segmento do ensino fundamental. Por isso mesmo, a escola não dispõe de laboratório

de informática.

As turmas têm entre 45 e 50 alunos. Os alunos têm aula de segunda à sexta-feira. No

primeiro turno, das 07:10 às 11:20; no segundo turno, das 12:50 às 17:00. Os tempos de aula

são de 50 minutos. Há quinze minutos para a merenda. As disciplinas são: matemática;

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português; ciências; história; geografia; artes ou educação musical; educação física; língua

estrangeira – inglês, francês ou espanhol. Quanto à língua estrangeira, são dois tempos

semanais. Vale ressaltar que o ou não trata-se de alternativa para o aluno; na verdade, a

decisão se a turma terá uma ou outra é feita em função da disponibilidade de horário dos

professores. A maioria destes trabalha na escola há mais de dez anos. Quando ocorre de algum

professor faltar, é hábito na escola os professores presentes darem aula para mais de uma

turma ao mesmo tempo. Não havendo essa possibilidade, os alunos ficam aguardando no

pátio ou são dispensados.

No que diz respeito à avaliação, esta é bimestral cabendo ao professor escolher a

melhor forma de atribuir aos alunos os seguintes conceitos: O (ótimo); MB (muito bom); B

(bom); R (regular) ou I (insuficiente). O Conselho de Classe, que ocorre ao final de cada

bimestre, até bem pouco tempo, limitava-se à anotação dos conceitos dos alunos. Ou seja, não

havia discussão mais aprofundada sobre problemas relativos à evasão, freqüência escolar ou

disciplina.

Espero ter oferecido ao leitor desta uma descrição elucidativa que contribua para um

entendimento mais apurado não só do contexto de pesquisa, mas também dos sujeitos

envolvidos na mesma.

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CAPÍTULO 3 - MESMOS ATORES, OUTROS PAPÉIS

O criador é sempre da espécie dos descontentes.

Zalkind

Devo discutir agora exatamente o que a mudança envolveu e como foi efetivada. Por

conseguinte, a partir deste capítulo, convido meu leitor a me acompanhar no percurso cíclico

que percorri. Percurso este caracterizado por reflexão, planejamento, ação, observação e novo

planejamento. Suponho que essa descrição lança luz sobre o fato de os atores sociais desta

investigação terem passado a desempenhar outro papéis.

3.1 REFLEXÃO: DA TEORIA Á PRÁTICA

Um contexto onde você pode fazer o que quiser e os alunos e seus responsáveis não

têm voz exige do profissional de ensino um comprometimento ético muito grande. Aos

poucos, mais precisamente a partir do mês de abril/2005, comecei a reinventar minha prática.

Inclusive, comecei até a repensar meus sentimentos e julgar o fato de ocupar aquele espaço

como um privilégio, considerando a possibilidade de fazer sim um trabalho mais

comprometido, sério e ético. Para tanto, fazia-se necessário e urgente me despir, ainda que aos

poucos, de meu papel tanto centralizador quanto reprodutor do modelo discutido na seção 1.4.

Passei, então, a construir juntamente com meus alunos uma nova identidade, que privilegiasse

a criticidade, a criatividade e a autonomia – aspectos norteadores da perspectiva apresentada

nas seções 1.6 e 1.6.1.

Passo agora a narrar os novos rumos que dei ao meu ato educativo como fruto de um

processo de revisão das minhas crenças e desconstrução de algumas rotinas em sala de aula.

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3.2 ORIENTAÇÃO POR UMA OUTRA BÚSSOLA

O trabalho educativo, sendo sempre intencional, deve buscar seu fim último, que nada mais é do que a construção de um cidadão bem informado, capaz de pensar o seu entorno de forma

lúcida e criativa, sempre à luz de valores sociais mais amplos. Claudia Davis

Em meados de março já havia conversado com os alunos e disse-lhes que as aulas

iriam mudar de perspectiva. Elaborei um questionário, mencionado na seção 2.1.3, em que

pedi para que eles fizessem uma avaliação das aulas de inglês até então. A partir das respostas

do questionário (grifadas em Anexo F), passei a ficar mais atenta à demanda dos alunos e ao

que eles questionavam em sala de aula. Além disso, tentei articular o que eles aprendiam em

sala com/sobre o mundo social. Em toda sua obra, Vygotsky endossa a idéia de que o aluno

usa seu conhecimento cotidiano como meio para desenvolver o conhecimento sistematizado,

escolar. Por exemplo: Nesse período, os alunos começaram a usar umas pulseiras

emborrachadas coloridas em que cada cor representava uma idéia. Eles começaram a me pedir

para traduzir o que estava escrito nas pulseiras. Decidi, então, desenvolver um trabalho de

vocabulário (que virou parte do programa do primeiro bimestre) gerado por um interesse deles,

algo que representava uma grande novidade não só para mim, mas, sobretudo, para eles, que se

mostraram muito mais motivados.

O propósito do relato deste fato é ilustrar o começo da orientação da minha prática

pedagógica por uma outra bússola. É fundamental frisar que, nesta seção, vou descrever o

novo planejamento que passei a construir a partir dos interesses e questionamentos dos meus

alunos à luz de uma perspectiva multicultural crítica.

Intitulei o primeiro semestre de English Everywhere. Selecionei alguns tópicos a serem

discutidos em sala de aula:

- a influência do inglês na contemporaneidade e como ela foi construída socio-historicamente;

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- países que falam inglês como primeira língua e sua localização. Contei ao professor de

geografia que estava trabalhando esse tópico e ele pediu que eu usasse o mapa mundo em sala

de aula para que eles localizassem aqueles países no mapa. Quero assinalar que esta foi

minha primeira experiência de aproximação com o trabalho de outro professor. Daí também

surge uma primeira tentativa de abertura à interdisciplinaridade;

- palavras em inglês que lemos ou ouvimos no nosso cotidiano;

- nomes de lojas, bandas e nomes próprios. Achei esses itens pertinentes, posto que os alunos

vivem me perguntando a tradução desses nomes;

- o emprego de adjetivos. Certo dia uma aluna levou uma sacola que ela ganhou de presente

para perguntar o que era old factory aproveitei esse gancho para falar sobre o emprego de

adjetivos em inglês. Explicando melhor: os alunos costumam me questionar o porquê de dizer

Big Field (nome de uma danceteria situada em Campo Grande, na zona oeste da cidade). A

partir deste exemplo, expliquei-lhes que em inglês, ao contrário do que acontece em

português, os adjetivos costumam preceder o substantivo.

A fim de ajudar o meu leitor a acompanhar o roteiro cíclico-progressivo dessa história

e torná-lo mais aberto à sua participação, optei por descrever cada aula, apontando o mês em

que ocorreu. Assim, acredito que ficará mais fácil compreender a trajetória cíclica desse estudo

a partir da identificação do momento do ano letivo em que as aulas aconteceram. Quanto aos

títulos, além de darem um aspecto mais atrativo, eles ilustram reações dos sujeitos envolvidos

no processo de construção do conhecimento e, portanto, imersos em mares nunca dantes

navegados. As aulas descritas a seguir representam uma tentativa de transformar a perspectiva

multicultural crítica em currículo em ação (Canen & Oliveira, 2002). No entanto, graças a

uma observação mais atenta, constatei que os dados apresentados são muito reveladores,

essencialmente, no que tange ao meu processo de redescrição. Assim sendo, cabe apresentá-lo

conforme a seguir.

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3.2.1 Uma prática em redescrição

Abril – eu prefiro copiar do quadro! Ah, foi diferente!

Usei um texto extraído de um livro didático11 – Guga´s Site (Anexo G) - para discutir

com eles o conceito de celebridade, internet e site. Com isto pretendia contemplar as questões

relacionadas ao tema English Everywhere. Pedi para que eles discutissem esses conceitos em

duplas. Eles tiveram dificuldade para entender o que eu queria, acostumados que estão a outro

padrão interacional. Acabaram não fazendo o que eu solicitei e continuaram insistindo em se

reportar a mim. Tive que explicar o objetivo e a importância de eles trocarem idéias, já que

tendem a acreditar que não vão aprender nada com o outro. No meio da aula um aluno

perguntou: hoje não vai dar matéria não? não vai passar nada pra gente copiar não?. Os

alunos me disseram que o caderno com matéria é uma forma de os pais controlarem a ida à

escola. Sendo assim, para eles, não ter matéria no caderno é como não ter tido aula.

Ao final da aula, perguntei se eles tinham gostado da atividade. Alguns disseram: ah,

foi diferente. Falei, então, sobre a importância de compartilhar idéias e saber expressar sua

opinião, mas no final um aluno disse: eu prefiro copiar do quadro. Confesso, porém, que

quase desisti porque a aula virou uma bagunça. Inclusive ameacei: se vocês ficarem assim, vai

ser aula cuspe de giz. Há uma coisa que vale a pena enfatizar aqui: eu também precisava

mudar.

Abril – Professora, a senhora não vai dar aula hoje não?

Como continuidade da atividade do Guga´s site ainda em abril, pedi para que eles

inventassem uma celebridade e criassem um arquivo no caderno com informações básicas

sobre ela. Uma dessas informações seria a respeito do livro favorito de tal celebridade. Boa

parte da turma respondeu Paulo Coelho e Shakespeare como livros favoritos. Na aula seguinte,

11 New Password: read and learn (Amadeu Marques e Katia Tavares). Ed. Ática. São Paulo, 2002.

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ao entregar os trabalhos, perguntei-lhes quem eram os referidos autores, mas eles não

souberam responder (apenas dois alunos sabiam porque tinham assistido à peça Romeu e

Julieta em lonas culturais). Isto posto, falei sobre esses autores, suas obras e o período

correspondente. Levei foto de ambos e livros também. Ao final da aula emprestei os livros

para os interessados. Mas ainda aqui minhas reflexões e planejamentos enfrentavam

comentários como os que registrei. Ao final da aula, um aluno questionou: professora, a

senhora não vai dar nada hoje não? Dessa vez, ao contrário da primeira, isso não me

incomodou. Havia sinais de mudança em mim. Em outras palavras, minha teoria já não se

surpreendia com a prática. Estes dados me levaram a entender o quanto esses alunos estão

guiados por uma outra lógica e costumam ver as disciplinas como compartimentos estanques.

Maio - eles tão se desafiando - Desafio Rap

Volto-me agora a enfocar um incidente ocorrido em maio: ao entrar em sala, os alunos

estavam batucando na mesa e cantando rap. Obviamente ordenei que eles parassem. No

entanto, imbuída de um impulso multiculturalista perguntei: o que vocês estavam fazendo?

O Henrique estava desafiando o Douglas. Foi a resposta que ouvi e que gerou outra pergunta

de minha parte: Como assim?

Então, eles me explicaram como funciona: cada um dos desafiantes tem que fazer um

rap de improviso. Negociei com eles: Se vocês se comportarem, nos últimos 5 minutos, eu

deixo vocês continuarem. A aula correu tranqüilamente (como nunca tinha acontecido). No

final da aula, parei e passei o palco para eles. Imediatamente eles se organizaram: três alunos

tiraram os bonés de dentro das mochilas e pediram permissão para colocá-los. O uso do boné é

proibido dentro da escola. Eles usaram os estojos como microfone; um dançando e outros dois

batucando na mesa. Fiquei num misto de surpresa e emoção. Eles fizeram um rap baseado no

conteúdo da aula (o uso do adjetivo), característica dos professores e hora da merenda. Este

fato me deixou especialmente envolvida, porque o aluno H. havia voltado a freqüentar as aulas

depois de um período de envolvimento com o tráfico. Cabe destacar aqui que a internalização

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do conhecimento pelo aluno aconteceu pelo seu uso de forma criativa. Nesse momento em

especial de reinvenção da minha prática pedagógica, à luz da teoria discutida na seção 1.6.1, os

alunos começaram a sair dos meus ombros, contrariando o que sugere a epígrafe da seção

1.4.1.

Maio – ... mas o que isso tem a ver com Inglês, professora?.

Ao longo do curso de Multiculturalismo e Práticas Discursivas Contemporâneas,

ministrado pela professora Branca Falabella Fabrício, discutimos muito a respeito do fato de

sermos expostos, diariamente, à diferença via, principalmente, mídia. A Escola fica à margem,

sem problematizar a diferença. Os alunos, na maioria das vezes, levantam questões que são

silenciadas na escola. Segundo Fabrício e Moita Lopes (2004: 07) essas questões devem ser

debatidas em sala de aula, a fim de que os alunos possam entendê-las como tendo sido

construídas socio-historicamente. Na tentativa de trabalhar com a perspectiva da diversidade,

optei por ouvir a voz dos meus alunos. Estes estão em uma faixa etária em que questionam

tudo, buscam respostas e têm o desejo de ver suas problemáticas respaldadas pela escola. A

sala de aula pode apresentar um repertório extremamente rico no que diz respeito a

questionamentos e colocações que são feitos pelos alunos. Eis o que ocorreu a seguir (diálogo

ocorrido em 10/05/05 durante a aula de inglês na turma 802):

Cena 1

Leo: professora, a senhora vai assistir a final do campeonato?

Professora: não, porque eu não gosto de futebol.

Leo: e o seu marido?

Professora: também não.

Leo: Por quê?

Professora: Porque ele também não gosta de futebol.

Leo: Não sei não professora. A senhora não gostar tudo bem, mas o seu marido não gostar... A

senhora tem certeza que ele é facão?

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Trago, agora, a descrição de outra cena em que se identificam situações impulsionadoras

do meu trabalhar com a diversidade, a fim de descristalizar esses discursos.

Cena 2

Estava no meio de uma aula em que fazia um levantamento das palavras em Inglês que

usamos no nosso dia a dia. E uma aluna falou: gay

Antônio: lá vem a Vanessa, só porque ela é sapata, professora.

Vanessa: esses moleques ficam dizendo que eu gosto de mulher só porque eu jogo bola melhor

do que eles, mas tem mulher que joga bola não é? E não é sapatão!

Alunos em coro: mulher-macho! mulher-macho! mulher-macho!....

Explicito os dois eventos discursivos acima, com vistas a ilustrar a riqueza de indagações

com as quais esbarramos todos os dias em nossa sala de aula. Se eles tivessem ocorrido bem

no início do semestre, eu muito provavelmente teria ignorado a fala dos alunos e continuaria a

escrever no quadro. Mas, tendo em mente os critérios básicos defendidos na seção 1.6.1,

interrompi a aula e disse aos alunos que, se fosse do desejo deles, nós poderíamos fazer um

debate sobre a questão do homossexualismo. Ao que eles responderam com muita prontidão e

entusiasmo. Ao ser questionada se seria compulsória a participação de todos, respondi que eles

deveriam decidir. Fato este que causou surpresa aos alunos, acostumados que estão a

receberem imposições, de acordo com seção 1.4. A turma decidiu então que seria opcional

e que a professora daria presença para todos; mesmo a aqueles que não fossem ao debate, a

fim de que não se sentissem prejudicados.

Na falta de tempo hábil para preparar material sobre a temática escolhida, optei por

adaptar o material (Anexo H) elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de

Janeiro 12. Assim, decidi abordá-lo segundo o seguinte roteiro:

12 ver a esse respeito Learning about genders in a multimodal school literacy context (Fabrício e Moita Lopes).

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1°) Discussão: debate com todo o grupo:

Comecei lançando a seguinte pergunta para a turma:

• Vocês acham que na nossa sociedade aceitamos a pessoa considerada diferente?

• Juntamente com o colega à sua direita, pense em pessoas/grupos que são considerados

diferentes.

2°) Apresentação, no quadro, de comentários que ouço freqüentemente por parte dos alunos. A

saber:

• Professora, olha o carvão (referindo-se a um aluno negro) falando do balão (referindo-se

a um aluno gordo);

• Monique dá pra tirar o assolan (referindo-se ao cabelo da menina) da minha frente que

eu quero copiar a matéria;

• Professora, o mudinho (referindo-se a um aluno surdo-mudo advindo de uma turma

especial) é aluno novo.

• Ih, Eduardo, tá todo mundo sabendo que tu é socador de merda. É isso mesmo, tu come

aquele veadinho da sexta série.

Pedi, então, para que eles observassem as colocações do quadro e discutissem as questões

a seguir em duplas: O que elas dizem de nossa sociedade? Aceitamos a diferença? Você acha

que na nossa sociedade há preconceito com relação aos homossexuais?

3°) Leitura do texto: Coisas de bichinha ( Anexo H).

4°) Encenação: cinco alunos foram convidados a serem voluntários para encenar uma história

em quadrinho ( Anexo H) seguida de discussão com base na apresentação.

Apesar da resistência de alguns alunos, gostaria de chamar a atenção para o entusiasmo

com que boa parte deles respondeu à minha proposição de discutir o homossexualismo.

Confesso que fiquei surpresa, sobretudo pelo fato de que nem sequer fui questionada sobre o

que aquilo teria a ver com a disciplina em si. Por outro lado, entendo que trabalho com

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linguagem e, portanto, educação lingüística. Os alunos também ficaram surpresos, posto que a

escola não é um fórum onde se costuma problematizar tal temática, apesar dos temas

transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, citados na seção 1.3.2, que

incorporam a pluralidade cultural como um deles.

Confesso que no começo do debate fiquei desapontada ao constatar que apenas metade da

turma estava presente. Por outro lado, entendo que ao propor-lhes algo diferente da rotina

escolar a qual eles estão acostumados, não deveria esperar que todos a abraçassem

prontamente. Além disso, tenho plena consciência do fato de que abrir a possibilidade para o

novo também é algo que deve ser construído com os alunos.

Logo no começo da aula, A . comentou o fato de que boa parte dos alunos não quis

participar do debate para não serem rotulados; como se o fato de estar participando de um

debate sobre o assunto já confirmasse alguma identificação. Curiosamente, descobri mais tarde

que um dos alunos que não quis participar do debate tem um irmão homossexual, expulso de

casa recentemente pelo pai. Tal fato foi relatado pela mãe em reunião de responsáveis como

sendo um dos motivos do baixo rendimento e problema disciplinar desse aluno.

A mudança no arranjo espacial também causou uma sensação de estranhamento nos

alunos. Percebi que alguns deles, ao entrarem em sala, insistiam em tirar a cadeira do círculo.

F. inclusive pediu para que eu deixasse ele sentar atrás, ou seja, fora do círculo. Após

conseguir que todos permanecessem em círculo, houve uma outra barreira: fazer com que eles

falassem. Quando pedi para que discutissem as primeiras questões com o colega ao lado,

insistiam em se reportar a mim, ignorando a minha ordem de que deveriam se dirigir ao

colega. Afinal de contas, o padrão interacional ao qual eles estão habituados é professor –

aluno – professor. Em vários momentos tive que solicitar para que falassem mais alto. Houve

um momento em que E. lembrou do fato de estudar com MA. há três anos e nunca ter ouvido

sua voz.

A fala dos alunos ao referirem-se aos homossexuais é baseada em preconceitos que

associam o homoerotismo à promiscuidade (é nojento) , falha de caráter (é safadeza ) ou

doença. A transcrição de algumas passagens (vide pp. 70/71 em negrito) evidencia como o

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repertório lingüístico desses alunos para tratar do diferente é bastante variado e carregado de

concepções pré- estabelecidas.

Ao longo da aula, relataram experiências familiares como, por exemplo, o pai que chama

o filho de veado ao vê-lo chorando; o irmão que tendo sido criado nessa lógica reproduz esse

comportamento com os irmãos mais novos. Experiências essas que nos ajudam a compreender

como estes alunos, apesar de sua exposição quase que diária à diversidade estão pouco

preparados para a mesma.

Por outro lado, quando alguns alunos se arriscam a se identificar com o diferente, seja o

menino que pinta as unhas ou faz a sobrancelha, seja a menina que gosta de jogar bola parece

ter que estar preparado para dar explicações à sua comunidade discursiva. O fato de A. ter

desistido de pintar as unhas devido aos comentários de professor de matemática demonstra

como nós professores também estamos pouco preparados para desempenhar nosso papel na

perspectiva da diversidade.

Retomando o título dessa aula em particular, cabe esclarecer que meu desejo, e eu diria até

ansiedade, de privilegiar os pressupostos da educação multicultural crítica, me fez enveredar

por uma prática sem me preocupar em fazer uma ponte com a língua inglesa. Ou seja, abri

espaço para a discussão do tema, dei voz aos alunos, mas não trabalhei com eles nenhum texto

em inglês que pudesse justificar a minha escolha, nem antes tampouco depois. Não vou negar

que fiquei incomodada com o questionamento do aluno (título dessa aula – p.70) sobre a

pertinência de tal discussão em uma aula de inglês. Na hora, não tive respostas. Mais tarde,

durante debate em uma das minhas aulas no mestrado, aproveitei para compartilhar esse

acontecimento com alguns pares, que me alertaram para o fato de que a idéia era muito

interessante, mas não fazer nenhum tipo de vínculo com a língua inglesa em si – já que sou

professora de inglês – abriria espaço para críticas quanto à pertinência de tal proposta.

Posteriormente, pude confirmar essa opinião ao dar um Mini-curso na Semana de Estudos

Anglo-germânicos na Faculdade de Letras. Os ouvintes questionaram e asseguraram não

entender como eu, enquanto professora de inglês, conseguia colocar em prática a educação

multicultural através da prática diária de ensino da língua inglesa. Surgiu, assim, um novo

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aspecto para ser objeto de reflexão. Portanto, um novo ciclo em meu trajeto de pesquisa-ação

era iniciado.

Junho - Pobre favelado é que tem essa mania.

Chego agora ao mês de junho e nele abre-se à minha observação o fato de que os

alunos vivem perguntando como é o nome deles em inglês. Além disso, temos um grande

número de alunos na escola com nomes do tipo: Weslei, Wellington; Stephany; John Lenon;

Jamys; Charles Robert etc.. Propus a seguinte pesquisa:

Qual a origem do seu nome? Qual o significado?

Qual a história do seu nome, ou seja, porque você recebeu esse nome?

Uma aluna levou um livro de nomes para a sala de aula. Nessa aula conversamos sobre

a importância do nome; o nome como identidade e a possível tradução para o inglês em alguns

casos. Depois, surgiram os seguintes comentários:

Professora: porque vocês acham que algumas pessoas têm predileção por esses nomes?

Vinícius: pode falar mesmo; pobre favelado é que tem essa mania.

(Risos da turma) é mesmo professora; vê se rico faz isso. O nome do filho da Angélica é

Joaquim, o da Gloria Pires é Bento, eu acho.

Angelita (referindo-se a um colega de turma): Pô coitado do Charles Robert. É zoado pra

caramba.

Alguns alunos relataram que nunca haviam pensado sobre a origem de seus nomes ou

questionado seus pais a respeito. Uma aluna especificamente disse que a partir da sua

pergunta, sua mãe começou a lhe contar histórias de sua juventude. Estes dados me levam a

acreditar ter propiciado a aproximação com a família, o resgate de uma história pessoal, além

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de despertar um certo interesse investigativo, necessário à formação de espírito crítico. Os

alunos dão sinais de que começaram a ver com seus próprios olhos.

Junho – Ah! ...é a música da novela - Samba do Approach

Novamente em junho, registro o momento em que comecei a fazer com eles um

levantamento das palavras em inglês usadas no nosso cotidiano. Escolhi então trabalhar com a

música Samba do Approach de Zeca Baleiro (Anexo I) cantando em parceria com Zeca

Pagodinho. A grande maioria conhecia a música por ter sido trilha sonora de uma novela

recente da 19:00h da Globo – Da Cor do Pecado. Aliás, fato que eu desconhecia, mas aprendi

com meus alunos.

Na tentativa de mudar o padrão interacional, pedi, então, para que eles, em grupos de

três, tentassem deduzir o significado daquelas palavras no dado contexto. A princípio, eles

começaram a fazer individualmente. Insisti para que eles fizessem em parceria. Alguns

começaram a fazer com o colega ao lado; outros continuaram a fazer sozinhos. A teoria

defendida por Bakhtin (Barros, 1996: 31) considera a interação a realidade fundamental da

linguagem, visto que os falantes no diálogo se constroem e constroem juntos o texto e seus

sentidos, posto de outra forma, nos constituímos à medida que nos relacionamos com o outro.

Primeiramente, tive que explicar o significado da palavra contextualizar. Ao final da

aula, todos cantamos juntos. Os mais empolgados dançaram e batucaram nas mesas. Nessa

aula especificamente aconteceu algo que me chamou muito a atenção. Não é pela batucada ou

por ver os alunos empolgados que eu trago esses dados para análise, mas porque, neste dia, o

aluno C., repetente pela terceira vez, sempre assistiu minhas aulas completamente calado. De

fato, fiquei muito impressionada ao vê-lo no final da sala sambando e imitando mestre-sala e

porta-bandeira.

Tive plena clareza, em função das mudanças encaminhadas, de que estava num

momento de transição de um ato educativo similar ao da ilustração da seção 1.4.1 para outro

mais próximo do descrito na figura da página 49.

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Agosto – Betinho é o traficante lá do morro, Mandela é uma favela

E o ano vai seguindo e nós caminhando. Já em agosto, uma aluna ao ver no mural da

escola uma foto de Herbert de Souza, o Betinho, (Anexo J) fez o seguinte comentário:

Caramba! bem que podiam botar uns homen bonito nesse mural, né? Só botam gente feia. Ao

ouvir esse comentário perguntei se ela conhecia o homem da foto. Ao que ela respondeu que

não. Quando questionei a turma, a grande maioria respondeu com olhar de completa

ignorância quanto a pessoa em questão. Disse-lhes que na aula seguinte levaria um texto sobre

o tal homem feio. Conforme combinado, selecionei um texto sobre “Betinho” ( Anexo K).

• Ativando o repertório de sentidos dos alunos; ou seja, elicitando o conhecimento deles sobre

determinado assunto - antes de escrever o texto no quadro e pedir para que eles copiassem,

perguntei o que eles sabiam sobre ele. Apenas uma aluna disse: acho que tem alguma coisa a

ver com Natal sem fome ou fome zero, sei lá. Outros brincaram dizendo que se tratava de um

traficante da comunidade.

• Escrevi no quadro: Herbert José de Souza, o Betinho (1935- 1997) e solicitei que eles me

dissessem o que aquele pequeno texto informava a eles sobre Betinho. Ao que eles

responderam prontamente.

• Coloquei no quadro a seguinte frase de Betinho Brazil is a paradise for a minority,

purgatory for most people, and hell for 20 per cent of the population. Em seguida, requisitei

uma explicação a respeito do que Betinho queria dizer com aquelas palavras; perguntei se

concordavam e com que grupo, da classificação de Betinho, eles se identificavam.

• Pedi para que eles copiassem o texto do quadro 13 e descobrissem um pouco mais sobre

quem foi Betinho.

• Escolhi três alunos para contarem à turma o que mais haviam descoberto a partir da leitura. O

fato de o texto ter muitos cognatos facilitou bastante e chamei a atenção deles para isso.

Disseram, contudo, não terem entendido nada do último trecho do último parágrafo. A saber :

13 A máquina de xerox freqüentemente, ou melhor, a maioria das vezes, estava quebrada.

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the Brazilian Gandhi, an unarmed Che Guevara, a Mandela who did not become president.

Quando questionados se conheciam essas personalidades, novamente disseram que não, apesar

de no mural da escola haver frases de Gandhi. Apesar também de um aluno da turma estar

vestindo a camisa com o rosto de Che Guevara estampado. Aliás, o próprio dono da camisa

reconheceu: só sei que é esse homem aqui, acho que ele era matador. Quanto a Mandela,

afirmaram ser o nome de uma favela no Rio de Janeiro.

Como dever de casa, recomendei uma pesquisa sobre essas pessoas para que tentassem

descobrir onde nasceram, em que período viveram e o que fizeram. Para tanto, indiquei o

professor de história como uma possível fonte de consulta. Nesse mesmo dia, conversei com o

referido professor a respeito, que se mostrou bastante entusiasmado com a proposta. Alguns

alunos demonstraram interesse em usar a internet como fonte; ao que respondi que não seria

compulsório já que nem todos têm essa possibilidade. Meu procedimento está de acordo com

as idéias de Vygotsky, que abordava a questão do educar para o pensar a partir da construção

do conhecimento com o outro, pressuposto caro ao multiculturalismo crítico. Para ele (1998:

237), no processo de aprendizagem é bem mais importante ensinar a criança a pensar do que

lhe transmitir esse ou aquele conhecimento:

Ao criar o caminho mais fácil e cômodo para assimilar conhecimentos, ao mesmo tempo paralisa na raiz o hábito do pensamento independente, tira da criança essa preocupação e afasta conscientemente da educação todos os momentos de elaboração complexa da experiência, exigindo que todo o necessário seja levado ao aluno em forma desmembrada, mastigada e digerida.

• Na aula seguinte, organizei-os em trios e cada um contaria ao outro o que havia descoberto.

• Passados 10 minutos, pedi para que alguns alunos se voluntariassem para ir à frente falar

sobre um deles. Três alunos foram à frente, duas meninas e um menino, cada um ocupou-se de

uma pessoa. Depois da apresentação, perguntei se a turma não teria algo a acrescentar. Uma

aluna que conseguiu fotos na internet pediu para mostrar-lhes. Eu também levei fotos que tirei

no Madame Tussaud´s em Londres para que eles vissem a estátua de cera de tais

personalidades.

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Chegou o momento, então, de construirmos juntos o conhecimento, de estabelecer

relações entre os fatos, abstrações e comparações para promover a abertura ao novo, à

diferença e aos traços comuns e individuais. Tendo isso em vista, foi proposto aos alunos que

dissessem o que fazia daquelas pessoas uma personalidade da história mundial; por que

Betinho era comparado a eles e, ainda, se eles concordavam com a comparação.

Setembro – Escola de pobre é suja assim mesmo

No conselho de classe do terceiro bimestre, em setembro, a diretora reclamou do fato

de a escola ter sido pintada no começo do ano letivo e já estar completamente pichada,

principalmente o pátio externo e os banheiros. Pediu para que os professores contribuíssem

conversando com os alunos e revelando o nome dos pichadores caso eles fossem identificados.

Decidi ir um pouco mais além. Digo, além da simples pagação de esporro (como dizem os

alunos). A partir dessa problemática pontuada dentro da própria escola, selecionei o texto We

are all housekeepers (Anexo K) para começar uma problematização em torno do tema.

- Iniciei a pré-leitura fazendo uso da figura e do título; Nesse momento da pré-leitura um

aluno propôs a seguinte tradução para o título: Somos todos guardiões do planeta.

Ocorreu, então, a leitura do texto seguida de discussão e debate: pedi para que eles discutissem

em duplas se concordavam com a mensagem principal do texto. Todos disseram que sim,

opinião revelada através dos comentários feitos pelos alunos e transcritos a seguir:

Se a gente não cuidar do planeta, quem vai cuidar?

A gente mora aqui, então tem que cuidar.

A gente mesmo é que tá destruindo o planeta.

Em seguida, propus o exercício em Anexo L para ser feito também em duplas. Depois

disso, expandi a questão para questionar o papel deles enquanto cidadãos dentro da escola,

com vistas a fazê-los pensar na escola como um espaço coletivo que também deve ser

preservado. Direcionei ao grupo os seguintes questionamentos:

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E a escola? É também nossa casa?

Como podemos mantê-la limpa?

Qual a importância da nossa participação?

O comentário que intitula esta aula foi feito por um dos alunos, que,

contraditoriamente, naturaliza o fato de a escola ser suja por ser freqüentada por pessoas com

menor poder aquisitivo, ou seja, colocando-se como sujeito alheio ao processo e não como co-

participante.

Ao final da aula, alguns alunos relataram que nunca haviam pensado na escola sob essa

perspectiva, o que me deixou profundamente satisfeita com o fato de mais uma vez, poder

suscitar em meus alunos um outro olhar para eles mesmos e para o seu entorno. Além disso,

poder usar o código com que trabalho – a língua inglesa – para fazer a ponte entre o conteúdo

visto em sala de aula e o mundo social. Estes aspectos são bastante reveladores porque

denunciam o fato de que, tanto eu quanto os alunos, passamos por um processo de mudanças a

partir de um ato reflexivo.

3.2.2 Avaliação

Como continuação da aula descrita na seção anterior, em trios, eles transformaram

aquele texto (Anexo K) em um cartaz a ser exposto no mural da escola, o que mais uma vez

evidencia a ação provocada por meu processo de investigação cíclica e reflexiva. Foi acordado

com a turma que este seria o objeto de avaliação do terceiro bimestre. E, em se tratando de

avaliação, fiz algumas adaptações. Digo adaptações, porque há uma certa imposição da

secretaria de educação quanto ao seu formato e critérios. À guisa de esclarecimento, explico

um pouco a seguir.

Há uma orientação por parte da CRE para que, ao invés de prova, o professor utilize

outras formas para avaliar seus alunos. Com a finalidade de dar conta dessa exigência e, ao

mesmo tempo, investir em uma avaliação mais condizente com meu ato educativo de cunho

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multicultural crítico, procurei pensar em outras possibilidades de avaliação. Quero ressaltar

que tive como preocupação e critério não subestimar a capacidade criativa, imaginativa e

crítica dos meus alunos. Até então, as avaliações de inglês tinham tido um recorte bastante

conteudista, fundamentado na repetição mecânica e memorização. Ao contrário dos anos

anteriores, nos quatro bimestres deste ano letivo, passei trabalho como avaliação.

No primeiro, eles fizeram um cartaz com as palavras em inglês do nosso cotidiano,

usando figuras ou desenhos para ilustrar. No segundo bimestre, a proposta foi que eles

escrevessem uma letra de música ou um poema/história usando tais palavras (vide alguns

exemplares em Anexo M). Além dos cartazes, foi também considerada a pesquisa sobre

Betinho, Gandhi, Mandela e Che Guevara. No terceiro, os cartazes produzidos com base no

texto We are all housekeepers. Finalmente no quarto bimestre, fizeram um exercício

individual com consulta, que juntamente com a freqüência e a participação em sala - neste

caso, mais especificamente, estar com o caderno em dia - contariam para a avaliação do

último bimestre. Vale contar que uma aluna levou um artigo de jornal (Anexo N) sobre Che

Guevara para ler para a turma. Além disso, ela foi proponente, sugerindo que o mesmo fosse

considerado como complemento ao conteúdo do caderno, o que revela um maior

comprometimento da referida aluna no seu processo de construção de conhecimento.

Quis relatar esta transformação na forma de avaliar por acreditar que, dessa forma,

estava caminhando em direção a uma prática pedagógica que não contrariasse as mudanças

encaminhadas até então, de acordo com os critérios definidos na seção 1.6.1. Em outros

termos, as minhas considerações teóricas interferiram nos meu critérios de avaliação.

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3.3 UMA PRÁTICA COM POTENCIAL MULTICULTURAL14?

Já é hora de colocar o aluno sobre as suas próprias pernas e fazê-lo andar e cair, sofrer dor e contusões e escolher a direção.

Vygotsky

O que faz das aulas apresentadas uma prática com potencial multicultural? Para evitar

redundâncias, selecionei uma aula em particular – Betinho é um traficante lá do morro e

Mandela é uma favela - para analisar de forma mais detalhada os aspectos que fazem com

que ela contemple a perspectiva multicultural defendida ao longo deste estudo. Reitero que

alguns deles serão identificados nas outras aulas também descritas na seção anterior.

Primeiramente a escolha do texto não foi feita em função de um conteúdo gramatical a

ser apresentado, mas sim a partir de uma questão do cotidiano da própria escola e a partir de

um questionamento feito por uma aluna. Ao invés de eu apresentar-lhes Betinho, pedi para

que eles me contassem o que já sabiam, tentando valorizar assim o repertório de sentidos que

eles possuem. Ademais, busquei construir o conhecimento partindo do que eles já sabiam, não

os tratando como tabula - rasa. Conforme seção 1.6, só após identificar que pouco sabiam,

pedi para que eles fossem em busca da informação, corroborando a idéia de que são também

responsáveis pela própria construção do conhecimento.

Ao permitir que usassem recursos diferentes e que mais lhes estivessem disponíveis,

tentei dar conta da heterogeneidade de possibilidades do grupo. Ou seja, não poderia exigir

que só a Internet fosse usada já que grande parte dos alunos não tem acesso a tal recurso. Do

contrário estaria alijando a maioria do processo ensino –aprendizagem. Além disso, a

interdisciplinaridade é também um dos pressupostos do multiculturalismo, o que é levado a

cabo quando pedi para que os alunos consultassem o professor de História. Este, por sua vez,

disse que os alunos realmente o questionaram a respeito. O outro professor de história relatou

que, ao passar o filme OLGA para a turma, um aluno fez o seguinte comentário: poxa! Prestes

e Che juntos ia ser um encontro bombástico.

14 Termo cunhado por Ana Canen para se referir a práticas pedagógicas comprometidas multiculturalmente.

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Outro aspecto de fundamental importância é a mudança no padrão interacional. Os

alunos trabalharam em grupos, tirando o foco do professor para ouvir a contribuição do colega.

Houve também o momento de protagonismo dos alunos em que eles tiveram que ir à frente da

turma e contar o que haviam descoberto. Fazer a pesquisa por si só apenas reproduziria o que

já acontece nas nossas salas de aula, em que os alunos copiam o texto para uma pesquisa sem

se envolverem em uma postura reflexiva e crítica; apenas preocupados com uma nota. A

discussão proposta posteriormente permitiu que os alunos manifestassem suas opiniões a partir

do que tinham lido, o que seria um exercício da intertextualidade que mobiliza várias vozes. À

luz da teoria bakhtiniana, o ouvinte da interação não pode ser visto como passivo, pois para ele

o significado não é logocêntrico, ou seja, não está somente nas palavras, mas na ponte que se

cria entre mim e o outro. Dentro da visão dialógica, preconizada pela perspectiva multicultural

crítica, o discurso é como um todo e espera-se do interlocutor uma atitude responsiva ativa

dentro da interação.

Desse modo, a tradução do multiculturalismo para currículo em ação busca incorporar

nos discursos curriculares e nas práticas discursivas, desafios a noções que tendem à

essencialização das identidades, entendendo-as como construções.

Considerando os autores e os critérios que balizam a perspectiva multicultural crítica,

propus atividades culturalmente situadas, contemplando assim a colaboração e a interação

social. Creio que os dados analisados neste capítulo mostram que minha prática passou a

endossar as palavras de Smolka e Laplane (1994: 279 - 283):

Trata-se de propor formas de intervenção e atividades que fazem sentido para os sujeitos e são significadas. A idéia de que os processos de desenvolvimento humano ocorrem prioritariamente no espaço da cultura alenta a criação de ambientes de aprendizagem que, rompendo com os modos mais tradicionais de conceber ensino e aprendizagem como funções individuais, promovam a colaboração e a cooperação.

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3.4 VENTOS CONTRÁRIOS: TENSÕES E DESAFIOS

Os chamados obstáculos e derrotas são a única rota para as possíveis vitórias, porque as idéias quando genuínas, unicamente triunfam após um caminho espinhoso.

Milton Santos

Conforme o título desta dissertação sugere, busquei implementar uma prática

multicultural na escola pública onde fui professora de 2003 a 2006, tendo para isso que rever

meu ato educativo. No entanto, acho pertinente descrever as pedras encontradas ao longo do

caminho. Percalços que, em nenhum momento, me fizeram desistir, certa que estava da minha

escolha. Obstáculos que decidi chamar de ventos contrários, porque ao contrário do que se

possa imaginar, me puseram em movimento. Escolhi as palavras de Milton Santos, na epígrafe

acima, para ilustrar minha postura diante dos espinhos impostos pela realidade investigada.

Tratarei deles a seguir:

Já ressaltei anteriormente a liberdade pedagógica que tinha para desenvolver em sala de

aula o conteúdo programático que eu quiser. Isso pode soar bastante atraente ou até mesmo

inovador. Contudo, resvala num trabalho solitário e sem interlocutores. Ou seja, sentia-me o

tempo todo, até por ser a única professora de inglês do turno diurno até o ano de 2005,

extremamente à mercê das minhas próprias escolhas, no que dizia respeito não só a conteúdo,

mas também a formas de avaliação.

E por falar em escolhas, vale dizer que a opção por uma educação multicultural com

perspectiva crítica não foi institucional, mas sim exclusivamente minha, a partir de todo

arcabouço teórico ao qual tive acesso. Acrescenta-se a isso, a falta de integração com outros

professores devido a questões de tempo, disponibilidade e incompatibilidade de horários, a fim

de desenvolver um trabalho interdisciplinar também afetou o processo. Ao meu ver, essa

carência de um trabalho mais colaborativo é, entre outros fatores, fruto de uma coordenação

um tanto ausente e omissa. Faz-se pertinente mencionar o individualismo construído pela

sobrecarga de trabalho que os professores enfrentam e que os convida a repetir soluções

rotineiras, engessadas e monológicas.

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Tenho plena consciência também de que é fato notório o grande número de alunos nas

salas de aulas das escolas públicas. Na escola onde trabalho não é diferente: o número de

alunos por turma em sala varia entre 40 e 50 alunos. É evidente que a mudança de padrão

interacional fica bastante prejudicada, porque com esse número de alunos e a forma como as

cadeiras são dispostas em sala, fazer trabalhos em duplas, trios ou grupos pode tornar-se um

duelo de titãs. Ademais, não é raro ter que dar aula para duas turmas ao mesmo tempo –

prática comum quando algum professor falta, o que já foi mencionado na seção 2.2.2. Para

evitar que os alunos fiquem ociosos no pátio da escola, a direção solicita aos professores que

dêem conta de duas turmas ao mesmo tempo. A dinâmica da aula fica totalmente

comprometida, já que, nesse caso, encher o quadro de conteúdo pode tornar-se um forte aliado

no controle da disciplina das turmas.

Ventos contrários também se fizeram presentes no que diz respeito aos recursos

disponibilizados ao professor. Dispomos de DVD, vídeo cassete e TV 29’. A máquina xerox

ficava mais tempo quebrada do que em pleno funcionamento; sem falar na limitação do

número de cópias permitidas a cada professor. Há 4 anos que estou na escola e permanecemos

com a mesma máquina até o mês de novembro passado, quando a escola adquiriu uma nova.

Gostaria de relembrar que recebi orientação da direção para não adotar livro didático, muito

menos pedir qualquer tipo de contribuição para xerox. Sendo assim, me restavam duas

alternativas: continuar colocando todo conteúdo no quadro, reproduzindo uma prática de

formar copistas; ou xerocar material por conta própria, o que fica extremamente dispendioso,

já que tinha 6 turmas e cada uma com pelo menos 45 alunos. Durante o primeiro semestre

optei por continuar usando apenas o quadro de giz. No segundo semestre, tive a idéia de

xerocar o texto, distribuir para os alunos, mas eles não podiam levá-lo para casa. Muitos

alunos começaram a reclamar dessa opção, porque queriam ter matéria no caderno para

poderem estudar. Alegaram ainda que ter matéria no caderno é um dos meios que os

responsáveis usam para controlar a ida à escola, conforme já comentado no capítulo 3. Mais

recentemente, questionei a diretora adjunta sobre o número de cópias permitidas, mas ela

afirmou que o melhor seria eu tentar adquirir uma impressora multifuncional, o que acabei

fazendo em dezembro último. Conto isto, a fim de revelar aspectos que fazem parte da

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realidade escolar da rede pública. Sobretudo, em uma escola que fica situada numa região onde

os recursos financeiros de que a escola dispõe são voltados quase que exclusivamente para a

merenda escolar.

Um outro fato a se considerar seria a constante troca na grade de horário. A

justificativa para tal é a substituição de professores em função da chegada de novos

concursados, aposentadoria, remoção para outra CRE ou até mesmo, licença médica. Sendo

assim, não é surpresa assumir uma nova turma que não necessariamente tinha aulas de inglês,

já que na rede municipal de ensino temos também espanhol e francês como línguas

estrangeiras.

Devo ressaltar que não tenho a ingenuidade de culpabilizar o corpo docente ou a

direção da escola. Todos nós, sujeitos comprometidos com educação pública de qualidade,

temos nosso trabalho, por muitas vezes, prejudicado. Na verdade, os órgãos responsáveis por

nos proporcionar os devidos recursos, não só materiais ou financeiros, mas também condições

dignas de trabalho - que passam por questões salariais e formação profissional –

insistentemente relegam as políticas de educação a um segundo plano. Ademais, não podemos

esquecer, ou mesmo considerar uma questão menor, muito pelo ao contrário, o fato de que

somos sujeitos constituídos no âmbito das relações capitalistas e suas ambigüidades e

contradições.

No que diz respeito ao conselho de classe, que deveria ser um momento propiciador de

ventos a favor do caminhar pedagógico, até bem pouco tempo atrás se resumia a ditar as notas

dos alunos. Esta oportunidade de encontro com os professores de outras disciplinas ficava

limitada a discutir conceitos e problemas relativos à freqüência. Aliás, nos raros momentos em

que surgia algum comentário sobre questões pertinentes e recorrentes em nossas aulas, pude

perceber a existência de um discurso arraigado, fortemente preconceituoso. Tive a infelicidade

de ouvir e registrar como nota de campo as seguintes colocações:

· a sala de aula está cheia de futuros marginaizinhos; alguns já nascem com genoma de

marginal;

· os alunos são desinteressados e não querem aprender;

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· escola pública virou curso de vagabundo; o que eles têm é puro desinteresse, não tem nada a

ver com pobreza;

· eu estou cada vez mais achando que isso aqui só pode ser um carma.

Todas essas asserções denunciam visões estereotipadas que naturalizam o processo de

ensino-aprendizagem. É fundamental dizer, contudo, que esse tipo de atitude em relação aos

alunos não é compartilhada por boa parte dos meus colegas docentes.

Não menos importante que todos os aspectos citados nos parágrafos anteriores, está o

fato de diariamente ser colocada frente-a-frente com alunos que, na sua maioria, trazem em

suas bagagens uma história de vida marcada pela pobreza, exclusão e preconceito. Para

explicar melhor o que acabo de dizer, vale listar algumas histórias recorrentes vividas por

nossos alunos que:

- perderam os pais assassinados na boca;

- tiveram suas casas destruídas pela chuva ou mesmo porque pegou fogo;

- foram molestadas no ambiente doméstico;

- têm pais viciados, alcoólatras ou que estão presos;

- perderam parentes próximos vítimas de assassinato;

- estão envolvidos com a marginalidade; e assim por diante.

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Cabe ainda lembrar que boa parte dos alunos que freqüentam nossas escolas públicas,

infelizmente, pertence a famílias desestruturadas. Certa vez, pedi para que cada aluno

dissesse com quem morava. Não foi surpresa confirmar que, a maior parte, mora só com os

avós, só com os tios, só com pai a e a madrasta ou a mãe e o padrasto e, até mesmo, só com

irmãos mais velhos; apenas um ou outro mora com pai e mãe. Por isso, insisto em dizer que a

escola não é uma ilha, portanto, essas histórias que os alunos trazem irrompem na sala de aula.

Ao final do ano letivo de 2006, tivemos a notícia de um aluno da 5a série assassinado pela

milícia15. Fato que foi narrado dentro da escola, com riqueza de detalhes, pelos próprios

alunos, familiarizados que estão com esta dura e cruel realidade.

Evidentemente, de acordo com Bauman (2003: 133), somos todos interdependentes

neste nosso mundo que rapidamente se globaliza e devido a essa interdependência nenhum de

nós pode ser senhor do seu destino por si mesmo. Há tarefas que cada indivíduo enfrenta, mas

com as quais não se pode lidar individualmente. O que quer que nos separe e nos leve a manter

distância dos outros, a estabelecer limites e construir barricadas torna a administração dessas

tarefas ainda mais difícil. Todos precisamos ganhar controle sobre as condições sob as quais

enfrentamos os desafios da vida, mas para a maioria de nós esse controle só pode ser obtido

coletivamente.

Não teremos ventos contrários quando construirmos uma comunidade tecida em

conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e

responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de

agirmos em defesa desses direitos.

A história que contei e analisei aqui é aquela comum a professores (as) e alunos(as) de

uma terra que, segundo Alves e Garcia (2004: 09), insiste em excluir tantos e tantas daquilo

que cinicamente a sociedade afirma ser direito de todos. A que caminhos me conduz esta

investigação é o que procuro responder no próximo capítulo.

15 Poder paralelo formado por policiais reformados que prometem garantir a segurança dos moradores de comunidades carentes em troca de dinheiro.

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CAPÍTULO 4 – ENCAMINHAMENTOS O canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo

as pessoas e as coisas que não tem voz. Ferreira Gullar

Antes de apresentar minhas reflexões, que surgem como encaminhamento sugerido por

esta pesquisa-ação, retomarei as questões propostas na introdução, apontando para o meu leitor

onde situo de forma mais precisa suas possíveis respostas.

4.1 RESPONDENDO ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA

A forma que escolhi desenvolver esta pesquisa me permitiu responder às questões que a

nortearam ao longo do desenvolvimento da dissertação. Vamos lembrar: 1a) Qual é a visão

teórica que orienta minha prática pedagógica? Esta primeira questão, acredito ter sido

respondida, na verdade, mais especificamente na seção 1.4, momento em que descrevo a

experiência docente vivida em 2003 e 2004, bem como suas ambigüidades.

Já a segunda pergunta foi suscitada pela necessidade que senti de desconstruir: 2. A partir

da possibilidade de reinventar meu ato educativo, quais critérios básicos devem ser

privilegiados, a fim de que a perspectiva multicultural crítica seja efetivada em sala de

aula? Sendo assim, na seção 1.6.1, explico para o meu leitor com que perspectiva me alinho

e, posteriormente, aponto os critérios básicos que a norteiam.

Os ventos contrários, apresentados na seção 3.4, respondem à terceira: Quais as

verdadeiras possibilidades de implementação de uma perspectiva multicultural na aula

de inglês em uma escola que funciona na lógica monocultural? Tais ventos são,

evidentemente, obstáculos enfrentados que ora intimidam, ora desafiam. No entanto, devo

dizer que não foram suficientes para me paralisar.

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Ratifico o que disse anteriormente a respeito do fato de, pela própria natureza do meu

objeto de pesquisa, ter diluído ao longo do texto as respostas aos meus questionamentos,

destacados na introdução. Na seção a seguir, apresento o fruto de um processo de reflexão de

dois anos, que levou à mobilização desta professora-pesquisadora.

4.2 REFLEXÕES FINAIS

Minha dissertação acena para a idéia de que todos nós, sujeitos envolvidos com a

educação no Brasil, precisamos repensar concepções já arraigadas, a fim de redescrever uma

dada realidade e, assim, inaugurar a mudança. Além disso, também parto da premissa de que o

desempenho escolar não pode ser usado como mero medidor de competência intelectual. As

minhas concepções interferem na minha visão de mundo e no meu compromisso com eles.

Sendo assim, se eu cair na armadilha de acreditar que tudo pode ser explicado pelas fatalidades

biológicas, não há porque questionar minha prática e pô-la em debate, muito menos tentar

redesenhar o meu fazer diário como professora de inglês de uma escola pública. Ciente disso,

coaduno com as seguintes idéias:

Os valores são inerentes a compromissos assumidos com estilos de vida, e os estilos de vida, em sua complexa interação, constituem em uma cultura; eles são compartilhados e dizem respeito à nossa relação com uma comunidade cultural (Bruner,1997: 34).

Busco, portanto, assim como outros que compartilham interesses comuns, contribuir para

a ratificação da necessidade de corroborar a formação de cidadãos, professores e alunos, que

tenham consciência da influência de suas escolhas no mundo social. Quanto ao futuro, desejo

que, além das vozes mobilizadas até então, eu trilhe caminhos que façam surgir tantas outras,

as quais juntamente com a minha, possam validar a escolha por um ato educativo

comprometido com uma concepção de educação que pretende formar sujeitos autônomos e

protagonistas da emancipação humana (Frigotto, 2005: 26), pensar que nos remete a Alves e

Garcia (2004: 09) para quem a sala de aula é espaço/tempo de invenção, da surpresa, da

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complexidade, quer tenhamos olhos para ver, ouvidos para escutar, nariz para cheirar,

paladar para degustar, pele para sentir, ou não.

Indo além do que já foi proposto no parágrafo anterior, encaminho idéias propulsoras da

ampliação dos debates e da formulação de caminhos para a concretização do multiculturalismo

crítico nas salas de aula. Para que isso aconteça, Machado (2002: 31) afirma ser necessário

que se dê voz à multiplicidade de culturas, estipulando formas de intervenção de educação

para uma sociedade multicultural na qual se dá visibilidade a diferenças étnicas, sexuais,

regionais, etc. Assinalo, então, assim como Trindade (2002: 15), uma prática docente que

valoriza uma aprendizagem que nos promova por inteiro e que seja coletivamente insurgente.

Coletiva porque não isolada, mas que mantenha com outros um diálogo compartilhando as

angústias, os erros, os acertos, as construções, as teorizações e reflexões, os sonhos. Uma

prática docente que seja voltada para a diversidade étnica e cultural da nossa população,

sobretudo dessa população que, ao longo da história do Brasil vem sendo alijada dos direitos

civis, sociais e humanos; dessa população que dorme nas filas por uma vaga na escola pública,

conforme apontado na seção 1.3.2. Com brilhantismo, ela prossegue:

Uma prática docente política, ideológica e humanamente comprometida com nosso povo mestiço, belo, forte, que luta, que surpreende, que ri, que chora, que cria cotidianamente saberes e estratégias, práticas que possibilitem viver/sobreviver, num tempo em que a exclusão social é vista como um valor positivo e como inevitável. Uma prática docente que tenha como palavras-chave o diálogo, o estudo, a criação, o desejo e o compromisso com a transformação social (Trindade, 2002: 16).

Partindo desta interpretação, não quero representar mais um discurso a favor da

adaptabilidade do indivíduo à lógica capitalista, mas sim um discurso que caminha na contra-

mão desse olhar. Tenho plena certeza de que ratifico esta posição ao defender práticas

pedagógicas que aconteçam à luz de uma perspectiva multicultural crítica.

Quero deixar claro que em concordância com a opinião de Milton Santos (2002: 153),

assumo aqui, como professora-educadora-pesquisadora, o papel de propagadora do

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desassossego. Aprendi com Gallo (2004: 38) que, embora estejamos nós professores, de certa

forma, de pés e mãos atados pela burocracia escolar e os ventos contrários que a mesma

desencadeia, a pequena ação transformadora no espaço em que somos autônomos pode ter

uma repercussão e um resultado maior do que o que imaginamos. Defendo que, se assim

fizermos, conseguiremos mais do que insistindo na pálida apatia conformista que nos reduz a

meros reprodutores da mesmice (Gallo, 2004: 38). Este usa uma metáfora bastante intrigante,

a fim de nos alertar para o fato de que nós que nos dedicamos à Educação vivermos hoje qual

Édipos diante da esfinge. Ou deciframos o enigma que o monstro nos coloca ou somos

devorados por ele. O referido professor nos explica que, no processo educativo, ser devorado

pela esfinge é passar a fazer parte do sistema educacional vigente, tornar-se mais uma

engrenagem dessa máquina social, reproduzindo-a a todo instante em nossos fazeres

cotidianos. A condição de não ser mais uma engrenagem é sermos capazes de decifrar os

enigmas que a crise na educação nos apresenta, conseguindo superar esse momento de rupturas

(Gallo, 2004: 17).

É importante frisar que entendo a impossibilidade de fazer generalizações a partir

somente da minha realidade de ensino-aprendizagem. Contudo, não nego ter a expectativa de

que este trabalho continue a ser frutífero tanto para mim quanto para outros que não estejam

necessariamente dentro do contexto no qual meu conhecimento foi gerado. Dito de outra

maneira, reitero o meu desejo de que este estudo possa iluminar questões levantadas também

por outros professores - pesquisadores em contextos ou situações semelhantes a esta que foi

objeto de investigação.

Acima de tudo, porém, ensejo destacar o valor da contribuição dos alunos que

participaram desta investigação. Desde o início, como já relatei, eles foram provocadores,

companheiros, questionadores e, sobretudo, colaboradores do meu ato investigativo.

Certamente, se em alguns momentos hesitei diante de comportamentos engessados, a

motivação e o envolvimento de muitos ao longo de todo o ano letivo, apesar dos ventos

contrários, não me deixaram paralisar. E assim o fiz, conseguindo resgatar a minha auto-

estima de educadora da rede pública e, principalmente, transformando nossas formas - minhas

e de meus alunos – de ocupar esse espaço. Obviamente que a reinvenção do meu ato educativo

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foi atravessada também por uma outra forma de aproximação com o aluno e construção dessa

relação, por vezes tão complexa e delicada. No final do ano passado, ao saber que estava me

despedindo das turmas, uma aluna me entregou duas cartas (Anexo O), o que me deixou muito

feliz por entender que aquelas poderiam ser uma espécie de constatação e reconhecimento da

qualidade do trabalho que vinha sendo desenvolvido com eles. Naquele momento, tais cartas

vieram como um prêmio que se ganha após um trabalho de dedicação e, devo dizer, teimosia.

Ou seja, valeu e vale a pena, sempre, investir naquilo em que acreditamos.

Posso sustentar, definitivamente, minha intenção de participar da construção de uma

escola pública de qualidade para os até então excluídos do que sempre nos pareceu um direito

de todos. É oportuno enfatizar que não entendo a luta por outro projeto societário e também,

portanto, educativo como uma missão. Para mim, trata-se de uma condição para estar no

mundo, cumprindo meu papel, que é o de educadora. Assim sendo, estou aqui respondendo a

um convite para assumir uma condição de griô16, recuperando minha trajetória de vida e

instigando outros a entrarem nesta roda. Dito isso, deixo vocês com uma outra história que

alimentou esta que acabei de contar.

4.3 À GUISA DE EPÍLOGO

Estamos sempre no entre-lugar, o lugar de onde viemos e o lugar no qual escolhemos estar. Bhabha

Lembro-me que ao longo da minha vida escolar sempre observei com detalhe meus

professores. Como eles falavam, o que falavam e até mesmo como se portavam. Aos poucos,

fui criando uma imagem do profissional que eu queria ser. Hoje, acredito que minha opção foi

construída ao longo de anos. Sendo assim, aos 16 anos, eu já sabia que queria ser professora. A

questão era: de quê? Eu ainda não tinha muita clareza a esse respeito, mas já apresentava um

16 Lamine Konte, um griô sinegalês que vive na França, nos ensina que griô surge porque como a escrita não era usada em certas regiões da África, conficavam a um grupo social a tarefa de narrar a história e assim, de desempenhar o papel de memória do povo africano. Cabia, portanto, à comunidade griô transmitir oralmente a história.

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profundo interesse em me aventurar pela história, geografia, português, literatura ou inglês,

cujas aulas eram as minhas preferidas. Filha de migrantes nordestinos da década de 70 que

tinham tido muito pouca ou quase nenhuma educação formal, foi somente no segundo grau

que ouvi pela primeira vez o nome de autores como Clarice Lispector, Graciliano Ramos,

Jorge Amado, Eduardo Galeano, entre outros. Esses autores descortinaram para mim um

mundo de questões sobre as quais não havia pensado até então. Na minha primeira aula de

literatura do segundo ano (fevereiro de 1988), o professor fez uma análise da letra da música

Cálice de Chico Buarque. Ele interpretou-a como CALE – SE e fez uma leitura comprometida

com uma crítica ferrenha ao regime militar. Apaixonada pela palavra e suas possibilidades,

decidi que queria trabalhar com algo que envolvesse literatura. Daí em diante, o meu interesse

pelas Letras me levou a ler com profundo entusiasmo Morte e Vida Severina (João Cabral de

Melo Neto), Sombras de Reis Barbudos (José J. Veiga), A hora da Estrela (Clarice Lispector)

etc. Decidi que não queria ser uma nordestina, porque nascida em Fortaleza no Ceará, com o

destino de Macabéa17. Nordestina sim! Macabéa, não! Já acreditava, naquele momento, que,

ao me tornar educadora, poderia interferir positivamente no processo de construção do

conhecimento de outras (os) que, do contrário, estariam, como Macabéa, fadados ao não-ser.

Um pensar ousado e, ao mesmo tempo, impulsionador de uma adolescente geração coca-cola.

Se hoje, quase vinte anos depois, me perguntarem de quem é essa voz que vos fala -

da Luciana ou da Macabéa? Afirmo com segurança que a Macabéa ficou lá no Ceará e quem

escreve esta é a Luciana mulher-nordestina-brasileira-professora-pesquisadora-educadora. No

entanto, quero frisar que isso só se tornou possível por meio do acesso ao conhecimento.

Luto pela educação e pela partilha do conhecimento, pois, através deste, pude escolher

ser como a Tiririca, personagem da história infantil escrita por Ana Maria Machado (Anexo

P). Esta conta que a jararaca, a perereca e a tiririca conviviam harmoniosamente no mesmo

ambiente até a chegada dos homens. Em reação a esse fato novo, a jararaca deu o bote e foi

logo morta; a perereca decidiu se mudar; já a tiririca, permaneceu. Desta história, gostaria de

destacar a seguinte passagem:

17 personagem principal do livro A Hora da Estrela – uma migrante nordestina que vem morar numa cidade toda feita contra ela.

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A Tiririca ficou. Não era de briga e não brigou. Não era de medo e não se mudou. Não era de entrega e não se entregou. Só ficou. Mas ficou pra valer. Viu o trator chegar e partir. A escavadeira trabalhar e sumir. A construção começar e subir. Dali não saiu. E quanto mais pensavam que arrancavam a Tiririca, mais ela deixava uma muda, uma semente, um pedaço de raiz na terra. Era seu jeito de ganhar aquela guerra. E ganhou (grifos meus).

Faço os grifos em negrito, deixando a descrição desta personagem como marca de meu

fazer pedagógico. Finalizo este relato sem ponto final, pois esta história não tem um fim. Peço

licença a Jurema Werneck (2000) para repetir o que ela um dia escreveu:

Por certo muitas vozes poderiam e deveriam estar presentes. Mas temos de admitir que esse caminho não começa agora, não é nesta que vai se encerrar. Repito: aqui estamos cumprindo apenas uma etapa.

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ANEXOS

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ANEXO A:

MANCHETES DE JORNAL

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ANEXO B:

APRESENTAÇÃO DO VERBO TO BE E EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

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VERB TO BE

AFFIRMATIVE NEGATIVE INTERROGATIVE I AM/ I´M I AM NOT AM I? YOU ARE/ YOU`RE YOU ARE NOT/ YOU

AREN´T ARE YOU?

HE IS/ HE´S HE IS NOT/ HE ISN´T IS HE? SHE IS/SHE´S SHE IS NOT/SHE ISN´T IS SHE? IT IS/ IT´S IT IS NOT/ IT ISN´T IS IT? WE ARE/ WE´RE WE ARE NOT/WE AREN´T ARE WE? YOU ARE/ YOU´RE YOUR ARE NOT ARE YOU? THEY ARE/ THEY´RE THEY ARE NOT/THEY

AREN´T ARE THEY?

EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO

1) Turn into affirmative, negative or interrogative

a) I´m a student.

b) She isn´t a doctor.

c) Are they teachers?

_________________________________________________________________________

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ANEXO C:

AMOSTRA DO DIÁRIO

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ANEXO D:

QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS

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QUESTIONÁRIO – 17/03/2005

1) Quais eram as suas expectativas em relação às aulas de inglês?

2) Você se sente motivado para assistir as aulas?

3) Você acha que aprendeu algo ao longo desses dois anos?

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ANEXO E:

TÓPICOS DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

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ROTEIRO PARA ENTREVISTA – DEZEMBRO/2005

AVALIAÇÃO DAS AULAS DE INGLÊS NESTE ANO LETIVO: - O QUE MUDOU? COMO? - QUEM MUDOU? - QUE MUDANÇAS FORAM MAIS SIGNIFICATIVAS? QUAIS OS EFEITOS? - DO QUE VOCÊ GOSTOU MAIS? - TEVE ALGUMA MUDANÇA QUE NÃO PRODUZIU NENHUM EFEITO SOBRE

VC OU SOBRE A TURMA? A CONTRIBUIÇÃO DESTA PARA AS PRÓXIMAS/ OUTRAS TURMAS - COMO VC ACHA QUE A PESQUISA DESENVOLVIDA COM A SUA TURMA PODE CONTRIBUIR PARA O TRABALHO DESENVOLVIDO PELA PROFESSORA COM OUTRAS TURMAS?

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ANEXO F:

RESPOSTAS DOS ALUNOS AO QUESTIONÁRIO

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ANEXO G:

TEXTO GUGA´S SITE

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ANEXO H:

MATERIAL ELABORADO PELOS PROFESSORES DA UFRJ

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ANEXO I:

LETRA DA MÚSICA SAMBA DO APPROACH

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Samba do Approach (Zeca Baleiro)

Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferry boat Eu tenho savoir-faire Meu temperamento é light Minha casa é hi-tech Toda hora rola um insight Já fui fã do jethro tull Hoje me amarro no Slash Minha vida agora é cool Meu passado é que foi trash Venha ...... Fica ligado no link Que eu vou confessar my love Depois do décimo drink Só um bom e velho engov Eu tirei o meu green card E fui pra Miami beach Posso não ser pop star Mas já sou um noveau riche

Venha............ Eu tenho sex appeal Saca só meu background Veloz como Damon Hill Tenaz como Fitipaldi Não dispenso um happy end Quero jogar no dream team De dia um macho man E de noite um drag queen

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ANEXO J:

FOTO E TEXTO SOBRE HERBERT DE SOUZA

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ANEXO K:

TEXTO WE ARE ALL HOUSEKEEPERS

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ANEXO L:

EXERCÍCIO REFERENTE AO TEXTO WE ARE ALL HOUSEKEEPERS

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Inglês/ 802 Profa Luciana Figueiredo

A) O que o texto abaixo tem em comum com o texto lido em sala?

B) Quais as sugestões do texto We are all housekeepers para ajudar o nosso planeta?

C) Você concorda com o sentido da frase que intitula o texto? Por que? D) O que você faz como cidadão para ajudar nessa campanha?

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ANEXO M:

TRABALHOS DOS ALUNOS

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ANEXO N:

ARTIGO DE JORNAL SOBRE CHE GUEVARA

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ANEXO O:

CARTAS DA ALUNA À PROFESSORA

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ANEXO P:

HISTÓRIA INFANTIL DE ANA MARIA MACHADO

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