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Educação Pelo Trabalho de Célestin Freinet Alberto Tornaghi As técnicas Freinet As técnicas Freinet não fazem sentido se vistas isoladamente, compartimentalizadas. Elas devem ser vistas como uma coleção de estratégias e formas de ação que, em conjunto, permitem atingir o objetivo proposto. Cada uma das atividades tem sentido se desenvolvida a partir de uma concepção cooperativa de produção, como se verá a seguir. As principais técnicas, que serão descritas a seguir, são: a. a. Cooperativa escolar b. A imprensa na escola c. O jornal escolar d. A correspondência interescolar. e. O livro da vida f. O jornal mural g. O fichário escolar cooperativo h. O estudo do meio i. A aula passeio j. A biblioteca k. O fichário auto corretivo l. Os planos de trabalho m. Os cantos das atividades n. Os complexos de interesse. a. Cooperativa Escolar Reside na cooperativa escolar a essência da pedagogia Freinet. Ela é a forma de organização da classe em que todos têm voz e voto. A organização do trabalho parte de um contrato estabelecido entre o professor e os alunos, onde se definem os objetivos, os princípios e os meios pelos quais o grupo perseguirá suas metas. A partir deste contrato as atividades são deslanchadas e, em cada uma delas, o espírito de cooperação deve estar presente. Os membros desta cooperativa se reúnem regularmente para avaliar o produto de seu trabalho e verificar se estão caminhando para alcançar as metas previstas. Estas reuniões têm um redator e um coordenador e nelas, além de se discutir e avaliar as atividades recentes, são propostas as atividades subsequentes, resolvem-se problemas apresentados pelos membros do grupo e se discute propostas sobre sua organização administrativa e financeira (na pedagogia Freinet, os alunos são corresponsáveis pela busca de financiamento para as atividades escolares, como por exemplo a impressão e remessa dos jornais).

Educação Pelo Trabalho de Célestin Freinet

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A pedagogia de Celestin Freinet

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Educao Pelo Trabalho de Clestin Freinet

Alberto TornaghiAs tcnicas FreinetAs tcnicas Freinet no fazem sentido se vistas isoladamente, compartimentalizadas. Elas devem ser vistas como uma coleo de estratgias e formas de ao que, em conjunto, permitem atingir o objetivo proposto. Cada uma das atividades tem sentido se desenvolvida a partir de uma concepo cooperativa de produo, como se ver a seguir.

As principais tcnicas, que sero descritas a seguir, so:

a. a. Cooperativa escolar

b. A imprensa na escola

c. O jornal escolar

d. A correspondncia interescolar.

e. O livro da vida

f. O jornal mural

g. O fichrio escolar cooperativo h. O estudo do meio

i. A aula passeio

j. A biblioteca

k. O fichrio auto corretivo

l. Os planos de trabalho

m. Os cantos das atividades

n. Os complexos de interesse.

a. Cooperativa Escolar

Reside na cooperativa escolar a essncia da pedagogia Freinet. Ela a forma de organizao da classe em que todos tm voz e voto. A organizao do trabalho parte de um contrato estabelecido entre o professor e os alunos, onde se definem os objetivos, os princpios e os meios pelos quais o grupo perseguir suas metas. A partir deste contrato as atividades so deslanchadas e, em cada uma delas, o esprito de cooperao deve estar presente.

Os membros desta cooperativa se renem regularmente para avaliar o produto de seu trabalho e verificar se esto caminhando para alcanar as metas previstas. Estas reunies tm um redator e um coordenador e nelas, alm de se discutir e avaliar as atividades recentes, so propostas as atividades subsequentes, resolvem-se problemas apresentados pelos membros do grupo e se discute propostas sobre sua organizao administrativa e financeira (na pedagogia Freinet, os alunos so corresponsveis pela busca de financiamento para as atividades escolares, como por exemplo a impresso e remessa dos jornais).

b. A imprensa na escola

Freinet prope a montagem de uma tipografia na escola que deve ser utilizada e manuseada pelos alunos para imprimir seus textos, permitindo assim que os enviem a outras escolas, a seus pais e aos demais membros da comunidade. A produo de um material impresso valoriza o registro do pensamento da criana.

A CEL, Cooperativa das Escolas Laicas (que rene escolas e educadores da Linha Freinet) produz um material adaptado s necessidades e possibilidades das escolas. Este material inclui tipos especiais para serem usados por estudantes de diversas faixas etrias, compositores, tinta, rolo e prensa.

O uso da imprensa tem ainda outras razes: no se pretende que cada aluno se torne um tipgrafo mas que eles desmistifiquem o texto impresso em livros, jornais e revistas. Um livreto impresso pelos alunos passa a ter o mesmo status dos textos profissionais.

O que se ressalta aqui a possibilidade de o grupo de estudantes poder imprimir com qualidade profissional um texto produzido e selecionado por eles para este fim. Lembro que esta proposta tem origem na dcada de 20 e que se desenvolveu uma srie de materiais e atividades em torno do ato de produzir os livros e jornais na prpria escola. Isto s seria possvel, at h quinze anos, se a escola dispusesse de uma imprensa tipogrfica ou equivalente.

Alm disso, o ato de imprimir um texto para ser lido por terceiros traz para este texto exigncias de qualidade que, de outra forma pareceriam exigncias infundadas e maantes por parte do professor ("afinal ele no entendeu o que eu queria dizer?").

O fato de a impresso ser uma construo artesanal, que o aluno compe letra por letra, manualmente, estabelece uma ligao mpar do aluno-tipgrafo com o texto. Uma ligao que o faz responsvel pela qualidade ortogrfica ao mesmo tempo que o expe necessidade de planejar graficamente o espao dedicado ao texto decidindo, por exemplo, o tamanho dos tipos a serem utilizados em cada parte do texto e o local da pgina em que apor cada informao. A tipografia transforma, para alunos pequenos (at dez anos), o texto em algo concreto, literalmente manipulvel, portanto mais adequado ao seu desenvolvimento intelectual.

Atualmente, para estudantes com mais idade, este sistema de impresso pode ser substitudo por uma impressora comum ligada a um micro com programas de editorao e composio de pgina, funcionalidades que so encontradas em quase qualquer editor de textos para MS Windows.

c. O jornal escolar

cone maior desta proposta, o jornal escolar permite a interao regular entre escolas e destas com as comunidades em que esto inseridas. o jornal escolar que leva a produo literria e grfica (desenhos) dos alunos a seus pais, correspondentes de outras escolas, aos membros da comunidade, etc. Sua produo feita de maneira cooperativa. O jornal uma reunio de textos livres (descrito a seguir), realizados e impressos diariamente. Mensalmente so agrupados e enviados para os assinantes e correspondentes.

Para o jornal, a criana "no escreve apenas o que interessa a ela; escreve aquilo que, nos seus pensamentos, nas suas observaes, nos seus sentimentos e nos seus atos susceptvel de interessar os seus camaradas e de vir a interessar os seus correspondentes" (Freinet, 1974:21).

d. O texto livre

Todo o trabalho do estudante comea sempre nos textos livres, base da Pedagogia Freinet. Estes so textos efetivamente livres, na forma e no tema. So expresso do desejo e da curiosidade da criana ao mesmo tempo em que explicitam os temas que elas elegem como importantes.

A produo do texto livre parte da vontade do estudante e se d no instante em que esta vontade se manifesta e no em alguma aula ou momento previamente escolhido para isso. Segundo os defensores do Mtodo Natural "s assim ele trar as vantagens que reconhecem essenciais: espontaneidade, vida, criao, ligao ntima e permanente com o meio e a expresso profunda da criana e do jovem" (Sampaio, 1989).

O texto livre parte de um trabalho individual, produzido por um estudante no aconchego de sua solido partindo de sua vontade soberana. Em seguida, a classe escolhe, entre os vrios textos produzidos, um que ser "aperfeioado coletivamente, quer no que diz respeito verdade do contedo, quer na sua forma sinttica gramatical e ortogrfica. A obra que depois dada aos pequenos tipgrafos o resultado do nosso mtodo natural de trabalho, que respeita o pensamento infantil mas contribui com seu auxlio tcnico, enquanto espera que a criana esteja em condies de caminhar pelo seu p e de nos trazer textos e poemas que s teriam a perder com a nossa interveno." (Freinet, 1974:21)

Mas o texto livre no nasce por um passe de mgica: preciso inspirar na criana o desejo de se exprimir. E isto se d por intermdio do jornal e das cartas aos correspondentes. Quando a criana percebe que o que tem para contar importante para a sua comunidade, se engaja no trabalho e produz com afinco e prazer.

O texto livre a base de muitas atividades do MULEC. Particularmente as atividades de criao de histrias (Livro Cortado, Construo da Melhor Resposta) e de jornais tm em sua concepo momentos dedicados criao de textos livres nos moldes aqui descritos.

e. A correspondncia interescolar.

Rosa Sampaio descreve a correspondncia interescolar assim:

" com a correspondncia escolar que a crianafaz a aprendizagem da vida cooperativa, to essencial naPedagogia Freinet. A criana deve contar com os outros econfiar neles. Uma classe se corresponde com outra sdepois de os professores terem se comunicado e organizadoos pares de alunos correspondentes. Os professores tambmtrocam correspondncias e esse vnculo demaisimportante. Aps a escolha dos pares, as crianas preparamo grfico para identificar os correspondentes e indicara periodicidade das cartas enviadas."(Sampaio, 1989:195)

Esta correspondncia inclui, alm dos textos e desenhos produzidos pelas crianas, informaes sobre a cidade e/ou o bairro em que moram, fitas gravadas, presentes feitos por elas ou pela famlia, comidas tpicas e muitas outras coisas que sejam do interesse das crianas trocar, ou para mostrar a seus correspondentes como a vida em sua comunidade.

A correspondncia permite abrir a escola para a vida, que por sua vez, se mistura com a vida dos alunos. Por exemplo, os estudantes pesquisam a histria e a geografia de sua comunidade para descrever aos seus correspondentes como o espao em que vivem. Mas os ganhos resultantes vo alm da troca de documentao e transcendem o mbito escolar: a correspondncia fortemente embebida de afetividade (Sampaio, 1989:196).

Propomos que toda a produo do MULEC deve ser estimulada pela troca e envio regular a outros estudantes e pessoas interessadas em sua produo, como pais, professores de outras matrias e professores e alunos de outras escolas. O fato de se sentirem se comunicando com terceiros atravs de suas obras dar a eles maior consistncia e razo de existir.

f. O livro da vida

o documento que registra todos os acontecimentos importantes da classe. Nele os alunos colocam seus desenhos, escrevem, colam desenhos, notcias, recortes, fotos e tudo o mais que considerem relevante. Este o documento onde estar registrada a evoluo do trabalho da turma e poder ser lido pelos colegas, pais e professores. Compe-se de uma grande folha de papel qual podem ser coladas outras, na medida da necessidade.

O MULEC fornece uma janela (Janela Principal) que tem esta mesma funo, onde sero mostrados, alm da obra que est sendo criada pelo grupo, as anotaes e comentrios dos diversos elementos participantes que podem ser os prprios autores ou outros convidados (os palpiteiros).

g. O jornal mural

O jornal mural ocupa um local de destaque na escola e onde os alunos expem suas opinies, anseios, crticas e desejos. composto de uma grande folha de papel (trocada semanalmente) dividida em trs colunas, com os ttulos: Eu proponho, Eu critico, Eu felicito. As contribuies para este jornal so sempre assinadas e sua funo explicitar o que pensam as crianas quanto ao funcionamento da classe e da escola.

h. O fichrio escolar cooperativo

Na pedagogia Freinet o fichrio escolar preenche o espao normalmente ocupado pelos livros didticos ou manuais escolares. composto por fichas de assuntos especficos que so elaboradas pelos prprios alunos. A ideia central de que estes fichrios apresentaro as questes em uma forma mais prxima da realidade das crianas. As fichas apresentam sempre uma proposta de atividade e propem diversas formas para a utilizao de algum material. Estas fichas so reunidas, classificadas por assunto e publicadas pela Cooperativa das Escolas Laicas para uso em sala. Os fichrios adquiridos por cada escola so ampliados com as experincias ali desenvolvidas por seus alunos.

Os relatrios de experincias escolares escritos no MULEC podero, a exemplo das fichas de Freinet, compor um conjunto para consulta por outros alunos no futuro. Alunos de diversos grupos podem trocar as bibliotecas com as obras que venham a criar e compor uma grande biblioteca que pode ser organizada por temas, como os fichrios cooperativos.

i. O estudo do meio

Este , mais do que uma tcnica, um princpio sobre o qual se assenta a Pedagogia do Trabalho. o estudo do ambiente em que o aluno vive, includos a o meio fsico e social. Os alunos fazem pesquisas de campo, entrevistas, buscam documentos e compem um registro (em geral ilustrado) que descreve o local em que vivem sob seus vrios aspectos. Este registro ampliado sempre que os estudantes fazem novas descobertas ou observaes.

A educao vista como um instrumento que possibilita a insero do estudante em seu meio ambiente e possibilita que seja transformador crtico deste meio.

Se pretendemos que o MULEC seja usado livremente pelos alunos, independentemente da coero imposta por notas e avaliaes escolares, impe-se a definio de uma estratgia de uso que valorize a reflexo sobre o mundo em que vive o aluno. necessrio tambm que seja possvel ao professor incorporar ao MULEC novas atividades baseadas nos jogos e brincadeiras que as crianas de cada escola gostem.

j. A aula-passeio

As aulas-passeio surgiram da necessidade de aproximar o trabalho em sala da vida real das crianas. Eram uma forma de trazer para a sala de aula a alegria e o entusiasmo que ficavam na porta de entrada da escola tradicional. Freinet levou os alunos para onde se sentiam felizes: l fora. Percebeu e demonstrou que o ensino muito mais eficiente quando se baseia no desejo e no prazer do educando.

Nestes passeios os alunos recolhiam e observavam plantas, pedras, animais, e quando voltavam, escreviam na lousa um resumo do que ocorrera. O texto era comentado, acrescido e transformado pelas crianas, que ao final o copiavam em seus cadernos. Assim, Freinet conseguia uma aula viva atravs da qual os alunos estudavam e conheciam mais profundamente o seu meio. Eram aulas animadas em que toda a vivacidade das crianas contribua para a construo coletiva do conhecimento.

O MULEC fornece duas atividades ("Construo da Melhor Resposta" e "Relatrios de Atividades") cuja funo primordial exatamente permitir que estudantes cooperem para registrar e formalizar observaes feitas em atividades como as aulas-passeio e gerar relatrios em que as concluses sejam o resultado de uma discusso de todo o grupo acerca do que observaram e/ou experimentaram.

k. A biblioteca

A Pedagogia Freinet pressupe a criao de um local para ser o centro de cultura. Ali estaro reunidos, alm dos bvios livros, um centro de documentao (com documentos produzidos pelos alunos e conseguidos por correspondncia ou na comunidade), canto de leitura, canto da impressora, do material audiovisual, de exposio, de reunies e o escritrio (com fichas de consulta).

O computador, com a versatilidade que lhe peculiar, rene em si estas vrias possibilidades. Documentos, produtos multimdia, trabalhos dos alunos, fichas de consulta, podem todos estar acessveis no micro. O MULEC cria uma biblioteca com os produtos ali criados para serem acessveis a todos, tanto para simples leitura e consulta como para o aproveitamento de partes das obras para reutilizao em novas obras.

l. O fichrio auto corretivo

uma coleo de fichas que prope problemas e apresenta solues (em fichas separadas) de maneira a permitir que o estudante caminhe no seu prprio ritmo. Fazem parte ainda do fichrio autocorretivo uma coleo de "fichas-teste", que permitem avaliar o grau de desenvolvimento dos alunos, e "fichas-correo", que proporcionam trabalho suplementar para os que esqueceram ou confundiram alguma noo ao fazer a "ficha-teste". Estas fichas so uma forma de o estudante "entrar em contato" e aprender com algum mais experiente alcanando limites que vo alm de sua capacidade individual. O aluno penetra assim em sua zona de desenvolvimento proximal, estrutura mental descoberta por Vygotsky.

A grande maioria das atividades do MULEC produzir material para compor um fichrio de autocorreo a ser utilizado em sees posteriores. Em verdade, a funo de alguns jogos produzir, dinamicamente, resultados que possam ser utilizados pelos estudantes como instrumentos de auto correo (para utilizar uma linguagem adaptada de Freinet). Os muleques que participam de um jogo como o de preenchimento de lacunas ou a logomania, disponibilizam suas solues para serem estudadas e descobertas pelos colegas. As solues encontradas por cada participante podem ser guardadas (a critrio do grupo) para consulta posterior.

m. Os planos de trabalho

Planos de trabalho so elaborados em conjunto pelo professor e os alunos, no incio do ano, numa reunio de contrato em que o professor apresenta aos alunos o programa que deve ser cumprido por exigncia curricular, conversa com eles sobre os motivos desta exigncia e sugere que faam um plano dividindo o programa pelos meses e em seguida partindo em programas semanais. Depois de distriburem o programa ao longo do ano os alunos devem planejar as estratgias e o material que deve ser utilizado a cada momento. Esta escolha livre gera grande motivao para o aprendizado efetivo.

n. Os cantos das atividades

O espao da escola dividido em cantos de trabalho para atividades especficas. Alguns cantos comportam apenas algumas atividades, outros podem variar, mas todos eles comportam um nmero reduzido de alunos. Em cada canto h uma mesa ou bancada e o material necessrio fica organizado e ao alcance dos alunos.

Como os cantos comportam um nmero limitado de alunos e so destinados a atividades especficas, seu uso implica no desenvolvimento da socializao das crianas. As crianas tm muitas opes a seu dispor ao mesmo tempo mas, por outro lado, no obrigatoriamente tero sua vontade atendida imediatamente. Isto os levar a descobrir o valor da cooperao e devero negociar para ter os seus desejos atendidos. Por outro lado, como o professor no pode dar ateno a todos os grupos simultaneamente (cada grupo est desenvolvendo uma atividade diversa em paralelo) faz com que os grupos busquem solues prprias para os problemas com que se defrontam, desenvolvendo sua autonomia.

O sucesso desta organizao espacial e lgica das atividades nas salas de aula nos indica que as diferentes atividades do MULEC podem e devem ser propostas simultaneamente a pequenos grupos dentro de uma mesma turma.