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Educar sem Bater

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Numa época em que cada vez mais se fala da Disciplina Positiva como a forma mais eficaz e equilibrada de educar os nossos filhos e educandos e em que se chegou à conclusão que as estratégias centradas nos castigos físicos e psicológicos estão condenadas ao fracasso, era imperativo publicar-se este livro. Através dele, o leitor aprenderá a gerir os conflitos e comportamentos desadequados dos filhos e educadores. Tomará contacto com exemplos de estratégias educativas inadequadas, centradas em castigos físicos e psicológicos (os mais frequentes na lide de criar/educar uma criança/adolescente) e que quase sempre envolvem o Ministério Público, a Assistência Social, a CPCJ e as Forças Policiais. E conhecerá ainda uma série de sugestões para lidar, de forma adequada, com todas as situações de conflito e que poderão ir de meras desautorizações aos pais a situações de maus-tratos.

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O estado de guerra entre pais e lhos: Vitória Pírrica 19

Finalmente, o pai percebeu que ba-ter resultava mais rápido, mas não só ensinava à criança meios inadequa-dos de se relacionar com os outros, como não permi a a sua autonomia e crescimento em segurança.

Para este pai e este lho de apenas 8 anos, atravessar passa-dei ras em Lisboa, esperar com-boios na Linha de Sintra, andar de Metro, ir e vir para a escola, (etc.) continuou a ter alguns riscos (como em qualquer situação nor-

mal), todavia, passou a ser muito mais divertido, caloroso e a cumpli-cidade entre ambos cresceu de forma adorável!

Preste atenção à Tabela n.º 1.1 e procure compreender onde estão as maiores di culdades na vida do seu lho.

Ora, para se poder desenvolver um trabalho semelhante ao que foi realizado com este pai, foi necessário que ele estivesse atento às di culdades especí cas do lho, bem como aos factores que estavam a contribuir para aquele problema.

De seguida, então, procuraremos apresentar um conjunto de fac-tores que contribuem para o desenvolvimento de problemas compor-tamentais sérios (na infância e adolescência).

abela n.º 1 Factores que contribuem para o desenvolvimento de problemas com-portamentais sérios (na infância e adolescência)3

actor que representa

actores herdados Algumas caracterís cas temperamentais contribuem para problemas de comportamento. Estas incluem a facilidade com que a criança ou adolescente ca irritado, tendência para apresentar reacções emocionais intensas e di culda-de em se acalmar.

orma de pensar Crianças e jovens com problemas de comportamento graves pensam muitas vezes nas outras pessoas como en dades muito afastadas da sua realidade. Quanto mais problemá ca for a sua realidade, mais esta polarização nega va será con rmada.

Problemas neurospico-lógicos

Di culdades com os processos cerebrais que orga nizam a atenção, memória e controlo do comportamento po-dem ser semelhantes às de crianças com Dé cit de Aten-ção e Hiperac vidade. Podem também iden car -se di- culdades no controlo das emoções e na capacidade de

compreen der o que as outras pessoas estão a pensar e a sen r.

(con nua)

3 Kids Ma er (2008). How serious behaviour problems a ect children. EI_SBPover 2008ERC 071871, p. 2.

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Encorajando um comportamento adequado: Dicas para uma prá ca parental posi va 33

As crianças não necessitam de uma palmada de vez em quando?

Desculpem -me, mas esta é uma das questões que mais gosto de debater, até com um pouco de ironia.

Se me perguntarem se uma boa palmada não faria bem a muitas pessoas, sou obrigado a concordar, mas então não se restrinja às crian-ças, pois estas não se podem defender e estão em fase de aprendizagem e desenvolvimento.

Porque é que a esposa não dá uma “boa palmada” de vez em quando ao seu marido, para que ele aprenda a respeitar os horários das refeições e os compromissos maritais?

Porque é que o marido não dá uma “boa palmada” de vez em quando à esposa porque esta chegou mais tarde do trabalho e esqueceu--se, ou não teve tempo, de fazer algo que o casal tinha combinado?

Porque é que não se dá uma “boa palmada” de vez em quando a um idoso que está aos nossos cuidados e parece que faz de propósito em sujar a casa de banho?

Sabem qual é a diferença? É que para a criança ainda se atribui o estatuto de “entidade que deve ser domada para o seu bem”: “Se lhe bato é porque me preocupo com o seu crescimento e a sua educação.”, “Quero que aprenda a ser um homem r o quando crescer e tem que aprender o que custa a vida.”.

Na minha modesta opinião, nenhuma criança “necessita” de uma palmada. Conheço muitos adultos que julgo que merecem “muitas pal-madas”, mas não é por isso que lhas dou.

Já agora, deixo ainda uma outra pergunta: se por acaso considero que posso castigar sicamente uma criança, mas já não o posso fazer num adulto, onde coloco a linha divisória entre o antes e o depois, entre o aceitável e o não aceitável? Dito de forma concreta, alguém me consegue explicar como é que determina a idade exacta a partir da qual já não poderá mais bater nos seus lhos? Qual é o critério? A partir de que ano… mês… dia… hora… minuto… segundo… é que o seu lho vai ganhar o direito que os adultos têm de não serem batidos pelos seus familiares?

Prometo: se me responderem adequadamente, dou -vos um doce!

A palmada, na criança, pode ser perigosa.

Por vezes, é mesmo imprevisível avaliar o dano físico de uma bofetada – o resultado mais “simples” de uma bofetada é o eritema traumático, caracterizado por rubor e vermelhidão da área atingida;

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A comunicação deve ser bilateral (de pais para lhos e de lhos para pais)

Treine a sua capacidade de escutar. Treine a sua capacidade de falar. Treine a sua capacidade de ser compreensivo. Treine a sua capacidade de adaptar -se e aprender. Treine a sua capacidade de ensinar os seus lhos. Treine a sua capacidade de facilitar feedback aos seus lhos (o que

está certo e o que não está). Treine a sua capacidade de elogiar e recompensar emocional-

mente o seu lho.

Aprendizagem para a vida e para a cidadania

Autoconsciência. Autodisciplina. Con ança. Humildade. Capacidades de negociação. Capacidades não violentas de resolução de con itos. Gestão do stress. Tolerância à frustração. Aceitar as responsabilidades pelas consequências dos seus com-

portamentos.

Não nos esqueçamos dos ensinamentos que nos chegam das teorias de aprendizagem social. As crianças aprendem com o que observam do exterior, depois vão interiorizando essas observações e passam a reproduzi -las. O passo seguinte é considerar que esse deve ser o padrão comportamental e atitudinal que deve utilizar. E está assim criado grande parte daquilo que a criança acredita ser a sua forma natural de actuar sobre o mundo. E onde é que tudo isso começou?

ASO LÍNICO – “ ENTIROSA” (DE ACORDO COM A ROFESSORA)

Há já algum tempo foi -me referenciado um caso de uma menina de 11 anos por ter do um conjunto de comportamentos inadequados na escola e que, efec vamente, de acordo com o que são os meandros de gestão de con itos da escola, deveriam ser alvo de atenção e consequências disciplinares.

De acordo com o processo que me chegou às mãos, bem como de acordo com a informação facultada pela directora de turma da criança, mãe e a própria criança, esta apresentava um comportamento regular de inventar realidades (men r), principalmente no sen do de se poder esquivar a algumas ac vidades escolares (nomeadamente aulas e outras ac vidades). Era descrita como uma criança meiga, com uma base educacional

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Os pais devem, assim, passar a estar particularmente sensíveis aos interesses e vontades imediatos da criança, bem como a forma de os conter, no caso de considerar que os mesmos não são os mais ade-quados para ela.

Em suma, os pais autoritativos realçam as qualidades e vontades da criança, mantendo, contudo, um padrão regulador de uma forma educada e segura para toda a vida futura da criança.

Este pai passa, assim, a utilizar o seu poder, a sua razão e os seus direitos como pai/mãe, como forma de desenvolver na criança um padrão de relacionamento com os outros baseado no respeito, num regime de recompensa e reforço pelas suas acções, e procura fomentar a autonomia da criança, para que esta baseie as suas decisões não tanto nas pressões do grupo ou nas suas necessidades imediatas, mas sim numa atitude maturada de re exão e altruísmo.

Adaptado das obras clássicas de Baumrind (1966, 1967)

Relacionado com os estilos parentais está o tipo de disciplina que se aplica. Alguns autores apresentam uma pequena esquematização de, pelos menos, três grandes estilos disciplinares – e não parentais (Richardson, 2010): disciplina positiva, disciplina permissiva e disci-plina negligente.

A disciplina positiva considera a idade da criança e o seu desen-volvimento. As crianças e os pais trabalham juntos para decidir as regras necessárias para o bem -estar de toda a família.

As crianças tornam -se envolvidas no processo de tomada de deci-são.

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Agora que já expliquei que amo os pais e a sua missão maravilhosa de se transformarem em heróis, porque é que rejeito os cas gos sicos? 81

Actualmente: Passadas pouquíssimas consultas, o comportamento da criança é descrito como de alguma agitação psicomotora; é ainda difícil para os pais controlar toda a agitação e vivacidade do João; todavia, uma coisa é certa: já não existem agressões da criança à mãe, da criança aos outros meninos do infantário, do pai à criança, e o seu comportamento manifesta -se como bastante mais dócil. É um pequeno dócil índio, isso concordo, mas é amoroso.

O que foi feito?

Começou -se por explorar em que condições os comportamentos do João se apresentavam como mais desadequados.

O curioso é que o comportamento desadequado do João aumentava consideravelmente quando estava a ser castigado sicamente.

Comecei aos poucos a tentar explicar aos pais o porquê de, na minha opinião técnica, e como pai, a estratégia de castigos físicos nunca ser uma boa ideia a seguir.

Expliquei -lhes que alguns pais não conseguem imaginar outra maneira de controlar o comportamento dos seus lhos sem recorrer aos castigos físicos. Todavia, expliquei -lhes que, ao fazê -lo, estão a esquecer--se de que as técnicas de disciplina positiva tendem a ser muito mais e -cazes, embora levem algum tempo até que se comece a notar diferenças nos comportamentos desadequados dos lhos. Por isso, muitas vezes os pais desistem de “esperar” por melhores comportamentos da criança e procuram acreditar que é no devido momento, com a devida palmada,

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Quando e em que comportamentos aplicar reforços ou punições? O que é um comportamento normal e aceitável para educadores e crianças? 119

Se a criança aprender que aquilo que compensa de forma defini-tiva no seu comportamento é ter um comportamento adequado, pois de cada vez que apresenta um comportamento adequado é recompen-sada, e de cada vez que apresenta um comportamento desadequado é punida (ou ignorada), então as mudanças tenderão a ser para o resto da vida, manifestando -se como uma característica global da sua per-sonalidade.

Pode mesmo ocorrer, que com o passar do tempo, a criança se vá interessando por envolver-se em tarefas partilhadas pela família, bem como participar no debate de alguma regras que devem ser partilhadas e cumpridas pelos vários elementos da família.

Estas regras podem ser definidas em família e repetir -se verbal-mente as vezes que se considerarem necessárias, ou, se for o caso e, mais uma vez, com uma pequena dose de imaginação e bom gosto, criar quadros lúdicos, recreativos e agradáveis acerca das principais regras a seguir, ficando expostos em locais estratégicos da casa.

Por exemplo, se a criança conhece a história dos “Dez Manda-mentos de Moisés” e das suas “Tábuas da Lei”, os pais podem adaptar essa história aos “Dez Mandamentos da Nossa Família” e escrevê -los, encaixilhar e pendurar na parede. Experimentem e verão que fica muito engraçado e bonito.

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Quando e em que comportamentos aplicar reforços ou punições? O que é um comportamento normal e aceitável para educadores e crianças? 123

Enfim, depois de tudo o que se expôs, é possível referir que “a cultura do castigo físico” (Donoso & Ricas, 2009) encontra -se clara-mente em mudança.

Procura -se cada vez mais alterar as estratégias de disciplina per-missiva e/ou castradora pelo reforço e ajuda do crescimento equilibrado de cada um dos nossos filhos.

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A importância da asser vidade 127

ou acertar e ser reforçada. Ou seja, à medida que a criança vai sendo incentivada a apresentar certos comportamentos, mesmo que seja por imitação daquilo que os pais fazem, aos poucos vai interiorizando os mecanismos e a racionalidade por detrás de um comportamento. A esta estratégia vamos chamar “Fazer primeiro, para aprender a fazer!”.

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Educar é, de facto, difícil, mas não tem que ser um pesadelo.

Muito se tem apostado no desenvolvimento de programas direcciona-dos para os pais e educadores no sentido de desenvolverem competências adequadas e eficazes de gestão comportamental (aqui, a gestão comporta-mental refere -se, obviamente, não apenas à gestão dos seus próprios com-portamentos como também dos comportamentos dos seus educandos).

A importância das “Escolas de Pais”

Termos como “ Escola de Pais” são cada vez mais conhecidos e são também cada vez mais os pais e educadores que dedicam algum do seu tempo e autoformação na arte de “bem educar”.

s lo agressivo s lo passivo s lo asser vo

Quanto à forma

assivo ou ac vo misso e subserviente

roac vo e racional

onsequências Ofende o interlocu-tor.

Provoca uma a tude defensiva no outro.

Procura ganhar van-tagem sobre o outro, independentemente do sofrimento que cause.

Ocorrem más inter-pretações.

Pode aparentar que aceitou calmamente o que lhe foi suge-rido ou que chega mesmo a concor-dar, quando tal não é verdade.

Facilita a comunica-ção.

Desenvolvimento de competências in terpessoais es-senciais para a co-municação.

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diversas vezes (obviamente que sou uma pessoa equilibrada e considero que é factor agravante a reiteração do acto.. é diferente se o pai agride diversas vezes a criança ou se a agride apenas uma vez).

Quem, de facto, em consciência, achar que a letra da lei está aqui exagerada pela frequência (ou seja, “é raro”, “não é sempre,” “é só quando perco a têmpera”), faça o favor de pensar o seguinte. Imagine -se mulher… casada… o seu marido “de vez em quando” perde a têmpera e bate -lhe! Neste caso, aceitaria desculpando -o, ou aceita claramente que ele é um abusador maltratante e deve ser exemplarmente punido?

Se acha que ele deve ser punido, então explique a si mesma como é que aceita que isso possa ser feito a um filho. Se a questão for a idade, ou seja, as crianças devem aprender enquanto crianças para apresentarem um comportamento adequado quando forem adultos, o que eu pergunto é: “Quando é que uma criança deixa de ter idade para ser batida?” É aos 10 anos? É aos 16? É quando passa à maioridade civil (18 anos)? Idade essa que é claramente diferente da idade psicoemocional?

Por favor, faça este exercício: se considera que deve punir fisica-mente o seu filho no sentido de educá -lo, responda a si mesmo: a partir de que idade, ano, mês e dia, já não o poderá punir mais?

A lei é clara: “Quem de forma reiterada ou não…”.

Bater uma vez, é bater uma vez. E isso já conta. Essa lei pro-tege as vítimas de violência familiar, na sua maioria mulheres. E porque tipo de hipocrisia não protege as crianças?

ASO LÍNICO – ENTISTE-ME – ÇOITO-TE!

Como exemplo do que apresento atrás, retenho sempre na memória um caso de um casal, de boas intenções e de boa índole, que, uma vez, apenas uma vez, perdeu o controlo com a sua filha adolescente.

Segundo os pais, “ela merecia ser severamente punida”.

O que fizeram? (não se esqueçam de que este é um casal como outro qualquer e de óptimas referências na sociedade. E se querem a minha opinião, são mesmo pessoas de boa índole).

Bom, mas o que fizeram? Numa situação de elevado descontrolo emocional, porque consideraram que a filha havia cometido uma falta inaceitável (havia -lhes mentido acerca de algo importante – que adolescente não mente ou esconde aos pais, justamente aos pais, algo importante?) bateram na adolescente para a castigar.

Muito bem, até aqui não há nada de novo. O problema é que os requintes de raiva por parte dos pais foram tais que ordenaram à adolescente que retirasse a roupa e ficasse apenas em roupa interior e depois foi batida por pai e mãe com bofetadas e cinto.