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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA PÓLO – UFPA
ELIANE MARIA PINTO PEDROSA
O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO
TÉCNICO INTEGRADO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções e ações da
formação
BELÉM – PA 2015
ELIANE MARIA PINTO PEDROSA
O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO
TÉCNICO INTEGRADO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções e ações da
formação.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática- REAMEC - UFMT, UFPA, UEA -, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Matemática, sob a orientação da Professora Doutora Rosália Maria Ribeiro de Aragão.
BELÉM – PA
2015
P372e Pedrosa, Eliane Maria Pinto.
O ensino de ciências da natureza e de matemática em curso técnico integrado para jovens e adultos : concepções e ações da formação / Eliane Maria Pinto Pedrosa. — 2015
223f. ; 30 cm.
Orientadora: Rosália Maria Ribeiro de Aragão.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Cuiabá, 2015.
Inclui bibliografia.
1. Ensino de Ciências da Natureza e de Matemática. 2. . Currículo integrado.. 3. PROEJA. I. Título.
ELIANE MARIA PINTO PEDROSA
O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO
TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções
e ações da formação.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática- REAMEC - UFMT, UFPA, UEA -, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Matemática.
Aprovada em 25/08/2015
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão
Orientadora
Prof. Dr. Dionísio Burak
Examinador Externo
Profa. Dra. Sheila Costa Vilhena Pinheiro Examinador Externo
Profa. Dra. Terezinha Valim Oliver Gonçalves Examinador Interno
Profa. Dra. Edna Lopes Hardoim Examinador Interno
__________________________________________
Profa. Dra. Gladys Denise Wielevsky Suplente
__________________________________________
Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira Suplente
À Letícia, Filha Amada, presente de Deus, que me inspira a escrever a Tese do Amor Incondicional...
A Henrique (in memorian) e Maria do Carmo PintoPedrosa, não por serem
MEUS PAIS, mas pelos PAIS que São: Doutores em tanto Exemplo, tanta Dedicação, tanta Luta, tanto Amor.... Essa história só foi possível porque vocês
tiveram a coragem de dar o passo inicial.... Obrigada PAIS AMADOS!!!
AGRADECIMENTOS
Acredito como Larrosa que somos ritos de uma história, território de passagem, e, por
isso, acredito, também, que não nos aproximamos, não nos conhecemos e não
vivenciamos essa Experiência/História por acaso. Havíamos muito ao que compartilhar,
ao que construir /descontruir/e continuar.
A DEUS que me permitiu fazer este percurso, realizar este sonho e poder, hoje, estar
aqui dividindo com tantas pessoas, que direta ou indiretamente, contribuíram com a
travessia e a chegada.
À Professora Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão pelo exemplo de Profissional e de
Ser Humano que encarnam o seu Ser Orientadora. Só os sábios, os que se dispõem
a acreditar no outro e os que amam o que fazem conseguem esse alcance. Tê-la como
Orientadora e Amiga é um privilégio e uma conquista de grande valor. Obrigada
Mestra Querida por ter me enriquecido com sua sabedoria, compromisso e
generosidade!
Aos Professores Formadores do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências
e Matemática - REAMEC que acrescentaram qualidade à minha trajetória acadêmica e
profissional, em especial, Rosália Maria Ribeiro de Aragão, Terezinha Valim O.
Gonçalves, Francisco Hermes Santos da Silva, Maria de Fátima Vilhena da Silva,
Marisa Rosâni Abreu da Silveira, Licurgo Peixoto de Brito, Jerônimo Alves, Isabel
Cristina R. de Lucena, José Moysés Alves, Tadeu Oliver Gonçalves.
Aos Professores da Banca de Qualificação, Dr. Dionísio Burak, Dra. Terezinha Valim
Oliver Gonçalves, Dra. Sheila Costa Vilhena Pinheiro, Dra. Edna Lopes Hardoim, Dra.
Gladys Denise Wielevsky, Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira, pelas contribuições a
este trabalho.
À REAMEC, pela possibilidade de potencializar a tantos profissionais inquietos,
comprometidos e competentes a oportunidade de pesquisar sobre a Educação/Ensino em
Ciências da Natureza e da Matemática na região Amazônica, espaço carente de
oportunidades e tão rico de possibilidades. Não poderia deixar de situar a Professora
Dra. Marta Darsie, a Professora Dra. Terezinha Valim, a Professora Dra. Rosália
Aragão, a Professora Dra. Gladys Wielevsky, e tantos outros.
Ao Professor José Ferreira Costa, ex-Reitor do IFMA, pela iniciativa e compromisso em
assegurar a parceria da instituição na empreitada de formar doutores pela REAMEC, e à
Professora Dra. Déa Nunes Fernandes que fez o anúncio e nos incentivou para participar
quando esta Rede ainda estava em seu nascedouro, como um pequeno embrião.
Obrigada!!!
Aos Amigos da Turma de Doutorado e dos que conheci no Programa, pela experiência
vivenciada e pelas trocas férteis que oportunizaram aprendermos juntos nesta
caminhada. Queridos Rafael, Cristiane, Inês, Emerson, Luís Rocha, Zenilda, Rose Jucá,
Ivanete, Osvando, Paulo, Marcelo, Elisângela, Conceição Gemaque, France, Campos,
Ana Cristina, vocês são parte da riqueza traduzida em sentimentos de zelo, carinho,
respeito e amizade que o percurso deste doutorado me permitiu acumular. Obrigada pela
convivência carregada de sentido!
Aos amigos-irmãos Fábio e Lusitônia, também da Turma do Doutorado, pelas
presenças, palavras, ouvidos e corações incomparáveis, que traduziram na prática o
verdadeiro sentido da palavra companheirismo e amizade. Jamais esquecerei o que
vivemos juntos, o que choramos juntos, o que sorrimos juntos, e o quanto aprendemos e
crescemos um com o outro!
Aos funcionários da REAMEC/Polo UFPA, especialmente ao Marcos no início do
percurso e a Carla no final da caminhada, pela disponibilidade, afetividade e apoio
competente.
À Pedagoga Fátima Pavão e Professores Airton - Coordenador do Departamento -,
Marcelino e Péricles, do Departamento de Eletrotécnica do IFMA/Campus São Luís-
Monte Castelo, que no compartilhar minucioso sobre o Curso de Eletrotécnica me
permitiram apreender concepções e ações imprescindíveis para esta tese.
Aos Docentes das disciplinas de Ciências da Natureza e de Matemática - Kiane, Fábio
Sales, Maria do Carmo e Eduardo - pela surpreendente e comovente disposição em
colaborar na investigação. O companheirismo e o respeito mútuo nos fortaleceram.
Aos Sujeitos da EJA, Estudantes do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio
/PROEJA/IFMA/Campus Monte Castelo, por terem comigo compartilhado seus sonhos,
seus projetos, experiências e desafios, desvelando nesse percurso a luta e a esperança
por uma educação que lhes abram novos horizontes.
Aos Irmãos, Graça (in memorian), Rejânia, Elinete, Beta, Edine, Júnior, Márcio,
Marcelo e Flaviane, pela grande torcida e apoio, sempre, em tudo.
Aos amigos da torcida incomparável, da espera paciente, da presença vigilante e
contida, do carinho e amizade verdadeira: Lélia Moraes, Leônidas Lopes, Francisca
Lima, Marli de Jesus, Penha, Mércia, Déa Fernandes, Marise Carvalho, Alberes,
Fernanda Cristina, Pedro, Ângela Lacerda, Edna Arrais e Doval, Maria Alice, Joel... e
tantos outros.
Sejamos pessimistas na inteligência e otimistas na vontade. O pessimismo da inteligência não quer dizer que nada daria certo. Ao contrário, significa sermos capazes de identificarmos situações adversas para não criarmos mitos. Enquanto o otimismo da vontade é a reunião da energia que nos alimenta para perseguirmos a utopia e novos caminhos. Gramsci
RESUMO
Esta é uma tese de doutorado em que me debrucei a compreender as concepções e ações que têm sustentado o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, frente aos desafios da formação integrada, sob o pressuposto do currículo integrado, formalmente expresso para Cursos Técnicos Integrados ao Médio/PROEJA. O apreender concepções e ações do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática, em Curso Técnico Integrado/PROEJA remete a considerar que este é um objeto de investigação em que se entrecruzam diferentes campos de estudo, posto que cada um traz as contribuições de seus referenciais para enriquecimento do processo investigativo desenvolvido. Trago como esteio para as interlocuções teóricas com as informações capturadas dos sujeitos da pesquisa, contribuições no campo da EJA e PROEJA, de Currículo, de Currículo Integrado na perspectiva da relação trabalho e educação e de ensino de Ciências da Natureza e de Matemática. Desenvolvi uma pesquisa qualitativa, na modalidade narrativa buscando apreender concepção e ações por meio dos relatos, das histórias declaradas pelos sujeitos que ensinam/vivenciam o ensino nestes campos de conhecimentos, no contexto singular do Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado/PROEJA, do IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo. Por meio de entrevistas semiestruturadas coletei material empírico junto a 4 (quatro) docentes que ministram as disciplinas: Química, Biologia, Física e Matemática e 1 (um) pedagogo do Curso. Com 8 (oito) estudantes, selecionados por terem frequência satisfatória e disponibilidade de participação, utilizei a técnica do grupo focal, abrindo espaço para que, no uso da fala em debate, cada um falassem de suas experiências no ensino nos campos de conhecimentos investigados. Usei o diário de campo para enriquecer e ampliar os dados da investigação. O material empírico construído ao longo da investigação foi analisado, rigorosamente, por meio da análise textual discursiva. As recorrências e singularidades apreendidas nas narrativas dos sujeitos investigados, em cruzamento com o problema de pesquisa para explicitar a tese deram origem a três categorias de análise, a saber: Planejamento Coletivo e Formação Continuada; PROEJA e Currículo Integrado; Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, as quais compõem a seção denominada Tecendo Fios para Compreensão das Concepções e Ações do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática: aproximações e distanciamentos. Os resultados apontam concepções e ações que se aproximam e se distanciam dos pressupostos, princípios e fundamentos do proposto pela formação integrada em um currículo integrado. Concepções de planejamento coletivo e de formação continuada como processos importantes para viabilizar possibilidades que se direcionem à formação anunciada se expressam. A concepção de Ciência e de conteúdos escolares de Ciências da Natureza e de Matemática em uma visão não positivista se manifesta. O aluno como sujeito que possui saberes e experiências que devem ser aproveitados no processo de ensino é evidenciado. Por outro lado, expressam-se insuficientes espaços-tempo formalmente institucionalizado na jornada de trabalho para planejamento coletivo e formação continuada. Parte de ações de perspectivas integradoras fica dependente de iniciativas e determinações individuais. Palavras-chave: Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática; Currículo Integrado; PROEJA.
ABSTRACT
This is a doctoral thesis in which leaned to understand the concepts and actions that have sustained the teaching of natural sciences and mathematics, and the challenges of integrated training under the assumption integrated curriculum, formally expressed to the courses Integrated Technical medium / PROEJA. The grasp concepts and actions of Natural Science and Mathematics Education, Ongoing Integrated Technical / PROEJA refers to consider that this is a subject of investigation in that cross different fields of study, since each brings the contributions of its reference to enrich the investigative process developed. Bring as mainstay for the theoretical dialogues with the captured information of research subjects, contributions in the field of adult education and PROEJA, Curriculum, Curriculum Integrated in the context of labor relations and education and teaching of Natural Sciences and Mathematics. Developed a qualitative research, narrative mode seeking to understand through reports, the stories reported by the subjects they teach / teaching experience in these fields of knowledge, in the singular context of the Technical Course in Integrated Electrical / PROEJA, the IFMA, Campus St. Louis / Monte Castelo. Through semi-structured interviews collected empirical material at the four (4) teachers who teach subjects Chemistry, Biology, Physics and Mathematics and the teacher (1) of the course. With eight (8) students selected to have satisfactory attendance and to have availability to participate, I used the technique of focal group, making room for that in the use of speech in debate, everyone could talk about their experiences in teaching in the fields of investigated knowledge. I used the diary to enrich and expand the research data. The empirical material constructed along the research was analyzed rigorously by discursive textual analysis. Recurrences and singularities seized in the narratives of the subjects in junction with the research problem to explain the thesis gave rise to three categories of analysis, namely: Collective Planning and Continuing Education: possibilities and limits of a route start; PROEJA and Integrated Curriculum: similarities and differences; Teaching / Experiencing Teaching of Natural Sciences and Mathematics: potential and contradições. The results show conceptions and actions that approach and distance themselves from the assumptions, principles and fundamentals of the proposed integrated training in an integrated curriculum. The concepts of collective planning and continuing education as key processes to enable possibilities that direct the formation announced are expressed. The design of Science and school subjects of Natural Sciences and Mathematics in a non-positivist view manifests itself. The student as a subject that has knowledge and experience that should be used in the teaching process is evidenced. On the other hand, express yourself insufficient time-spaces formally institutionalized in the work day to collective planning and continuing education. Part of integrative perspectives actions are dependent initiatives and individual determinations. Keywords: Teaching of Natural Sciences and Mathematics; Integrated curriculum; PROEJA.
LISTA DE SIGLAS
BCN - Base Comum Nacional
CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEFET-MA – Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
EJA - Educação de Jovens e Adultos
IFMA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
IFETs - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
PRONATEC- Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
REFPT - Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SUMÁRIO
TECENDO FIOS PARA UMA BREVE INTRODUÇÃO .................... 11 Situando o Objeto de Estudo ..................................................................
15
Delineando a Pesquisa no Âmbito da Tese que Defendo .......................
30
I - TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO PERCURSO METODOLÓGICO: um processo de mutualidade ................................
34
Cenário e Sujeitos: Onde e Com Quem Construo a Tese ....................... 35
A Metodologia de Pesquisa ..................................................................... 47
Coletando os Dados Junto aos Sujeitos do Curso ................................... 52
Entrevistando o pedagogo e os docentes ................................................ 52
Construindo as informações junto aos estudantes ................................... 56
Transcrição e Interpretação dos Dados Constituídos nesse Percurso .....
61
II - TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO FOCO DA TESE: (im) possibilidades que se gestam ...........................................................
63
Da EJA ao PROEJA ................................................................................
64
O PROEJA e a Formação Integrada.......................................................
70
O Currículo Integrado e o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática ..........................................................................................
82
III- TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DAS CONCEPÇÕES E AÇÕES NO ENSINO DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA E DA MATEMÁTICA: aproximações e distanciamentos................................
104
Planejamento Coletivo e Formação Continuada .....................................
105
PROEJA e Currículo Integrado ..............................................................
134
Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática
160
ALINHAVANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............
193
REFERÊNCIAS..................................................................................... 203
11
TECENDO FIOS PARA UMA BREVE INTRODUÇÃO
O DIZER
O meu poema ficou pronto? Será que ele está perfeito,
Feito à minha imperfeição? Será que ele está dizendo Tudo, mas tudo mesmo,
Que sofri para dizer, Do jeito que eu quis dizer?
Thiago de Mello
Quando se chega ao final de um trabalho de pesquisa a impressão primeira é que
parte de nossa história está ali contada, dizem assim Ludke e André (1986). Olho para
essa história, mergulho nos seus ‘ditos’, nos não ‘ditos’, no que poderia ter sido ‘dito’, e
tal qual Tiago de Melo (1998) pergunto: Será que está dizendo tudo, mas tudo mesmo,
que sofri para dizer, do jeito que eu quis dizer? Poderia ter dito mais, menos ou não.
Entendo que cheguei à história possível, com a clareza de que ela expressa a
compreensão - provisória - que o meu mergulhar investigativo conseguiu capturar das
experiências compartilhadas pelos sujeitos - em um percurso analítico intenso e
cuidadoso -, em diálogo com os autores que deram esteio às minhas interlocuções.
Trata-se de um percurso de idas e vindas, de atar e desatar nós, perpassado por
inquietações e desafios, que expressa um pouco da minha história compartilhada com
outras histórias de sujeitos singulares e múltiplos que deste estudo tomam parte. Foi no
imbricamento da minha condição de professora e pesquisadora, numa itinerância em
que se entrecruzam Trabalho e Educação, Ensino das Ciências da Natureza e da
Matemática e EJA que o embrião desta tese foi ganhando forma. A promessa da
integração da educação profissional à educação básica; das Ciências da Natureza e da
Matemática – e demais campos de conhecimentos - no currículo; da Educação de
Jovens e Adultos à Rede federal de Educação, Ciência e Tecnologia, por meio do
PROEJA, na minha concepção, é uma possibilidade atravessada por contradições que
cabe ser pesquisada.
A meu ver, este Programa - que deve ser transformado em política pública -
alcança positividade por trazer o anúncio de possibilidades de integração de partes da
totalidade fragmentadas por processos históricos. Integrar nesta tese remete à Ciavatta
(2005, p.146) para a qual tem o sentido de completude, de compreensão das partes no
12
seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social.
Totalidade essa, que entendo só pode ser apreendida pela mediação das partes que o
constitui. Trago de Kosik (1976) a compreensão de que cada fato, ou conjunto de fatos,
na sua essência, reflete toda realidade com maior ou menor riqueza ou completude. A
possibilidade de conhecer a totalidade a partir das partes é dada pela possibilidade de se
identificar os fatos ou conjunto de fatos que deponham mais sobre o que se precisa
saber. Assim, a apreensão do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática como
promessa de contribuir para a formação integrada de cidadãos trabalhadores jovens e
adultos, exigiu um olhar atento e investigativo para a totalidade em que se situa e que
lhe confere sentido.
Foram esses pressupostos que deram esteio à elaboração da tese que apresento.
O apreender concepções e ações do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática,
em Curso Técnico Integrado/PROEJA, considerando a perspectiva de formação
integrada, em um currículo integrado foi movido pelo entendimento de que as
concepções – implícitas ou explícitas – desempenham um papel significativo, embora às
vezes sutil, na determinação do agir. Em Biscosini (2005) encontro guarida para dizer
que a concepção é uma forma própria de pensar e representar o mundo que traz
implicações para tomadas de decisões, manifestadas por meio de ações.
A complexidade que envolve esse ensino na perspectiva acima expressa,
remete a considerar que este é um objeto de investigação em que se entrecruzam
diferentes campos de estudo, que contribuem com seus referenciais para o
enriquecimento do processo investigativo que se deseja desenvolver. Há o encontro de
saberes de diversos campos, cujas bases epistemológicas, trajetórias e práticas podem
convergir ou divergir. Optei por aportes teóricos- metodológicos que considero coerente
com a visão de mundo e de educação que assumo e que, criteriosamente, contribuem
para instrumentalizar o processo analítico com o rigor que lhe é necessário.
Dessa forma, como quem tece no tear, cuidadosamente, cada fio, separado,
tentando dar forma a uma peça que antes foi idealizada, sonhada, projetada, selecionei e
teci fios epistemológicos que emergiram dos diferentes sujeitos, em diálogo com outros
interlocutores por mim assumidos. Assim, na tecitura dos fios que compõem esta tese,
optei por referenciais que fazem a leitura crítica dos fenômenos que cruzam o objeto de
estudo, na perspectiva de uma prática educativa emancipatória, que contribua para a
transformação da realidade educacional e social, só possível se acreditarmos que as
contradições e tensões presentes em nossas trajetórias podem se constituir
13
possibilidades históricas, desde que assumidas coletiva e criticamente, com o horizonte
na superação das situações limites que impedem suas concretizações.
Como peça final do tecimento atento, o texto desta tese além da breve introdução
elaborada e da seção que expressa ‘considerações finais’, apresenta três seções que se
inter-relacionam e dialogam entre si. Nesta introdução teço fios para situar o objeto de
estudo, dando a conhecer o percurso em que experiências se entrecruzam para que a
elaboração desta tese ganhasse sentido, assim como delineio a estruturação da pesquisa.
Na primeira seção, denominada Tecendo Fios para a Compreensão do
Percurso Metodológico: um processo de mutualidade abordo os aportes teórico-
metodológicos fundamentados em autores que lidam com a pesquisa qualitativa e com a
abordagem narrativa, que abrem possibilidades de pesquisados e pesquisador
construírem mutuamente o processo investigativo (MINAYO, 1999; LUDKE E
ANDRÉ, LIMA, 2001; GARNICA, 1997; CONNELLY e CLANDININ, 1995;
CUNHA, 1997, 2005, 2010; ARAGÃO, 2011). Apresento o cenário em que me debruço
e sujeitos para os quais me volto. Descrevo o percurso de interlocução com os sujeitos
da pesquisa na busca de capturar as concepções e ações expressas nos relatos recolhidos
em entrevistas semiestruturadas, na técnica do grupo focal, anotações em diários e
estudo documental (GATTI, 2005; PIZZOL, 2003). Discorro o processo analítico do
material empírico construído ao longo da investigação, em diálogos com os
interlocutores teóricos, a partir dos aportes da análise textual discursiva, proposta por
Moraes e Galiazzi (2007).
Na segunda seção intitulada Tecendo Fios para Compreensão do Foco da
Tese: (im) possibilidades que se gestam trago a explicitação do foco que dá esteio às
interlocuções, apoiado em autores que voltam suas investigações para os campos de
estudo que se entrecruzam, compondo a totalidade em que emerge o problema de
pesquisa que a esta tese deu origem. Desvelar o objeto sobre o qual me debrucei a
investigar remete, necessariamente, compreendê-lo na totalidade em que se insere e no
movimento que lhe confere sentido, expressando as (im) possibilidades que
dialeticamente lhe atravessa. Dessa forma, inicialmente trago a experiência da EJA,
situando as diferentes concepções que lhe servem de base desde os primórdios, até
alcançar a perspectiva de formação integrada sinalizada com as proposições do
PROEJA (HADDAD, DI PIERRO, 2000; FREIRE, 1982, 1992, 1996, 2001;
RUMMERT, VENTURA, 2007; IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004; MOLL, 2010
e outros). Faço a reflexão crítica a respeito do PROEJA (MOURA, 2006; KUENZER
14
2001, 2002, 2006; MACHADO, 2006, 2010, RAMOS, 2008, 2010, e outros) e as
perspectivas de Currículo Integrado apontadas pelo Documento Base (BRASIL, 2007a),
Projeto Pedagógico da Instituição e Projeto Curricular do Curso.
Ainda, como parte da seção acima destacada, tomo como esteio estudos do campo
das teorias curriculares (GIROUX, 1986, 1997; MOREIRA e SILVA, 1994, e outros), e
do currículo integrado na perspectiva da relação trabalho e educação (GRAMSCI,1991,
2001; SAVIANNI, 1989; FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS 2005; MACHADO,
2006, 2010; RAMOS, 2008, 2010, e outros). Permeando a reflexão acerca de currículo
integrado discuto o ensino de Ciências da Natureza e de Matemática apoiada em
interlocutores que imprimem um novo significado ao ensinar e aprender, embasados em
concepção epistemológica e pedagógica que expressam interfaces com as proposições
que dão corpo a Cursos Técnicos Integrados do PROEJA (SCHNETZLER, 1992;
FIORENTINI,1998; KRASILCHIK, 1998; MALDANER, 2000; ARAGÃO 2000a,
2000b; CARVALHO, PEREZ,2001; SANTOS, SCHNETZLER, 2003; DUARTE,
2006; GERALDO, 2009, e outros).
Na terceira seção intitulada Tecendo Fios para Compreensão das Concepções
e Ações do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática: aproximações e
distanciamentos abordo as concepções e ações capturadas no percurso do processo
investigativo a partir da análise textual discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007) que
tendem a se aproximar e a se distanciar dos pressupostos, princípios e fundamentos
inerentes à propositura do PROEJA. Encontram-se organizadas em três subseções
analíticas: Planejamento Coletivo e Formação Continuada; PROEJA e Currículo
Integrado; ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, as
quais expressam a totalidade e a singularidade que movimentam o ensino pesquisado.
Em Planejamento Coletivo e Formação Continuada discuto as concepções e ações
expressas pelos sujeitos acerca destes processos que mantém interfaces e que
traduzem limites e possibilidades interpostos no percurso de implementação do Curso
Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, com rebatimento no ensino que o
constitui. No PROEJA e Currículo Integrado trago à tona concepções e ações
manifestas pelos sujeitos acerca do Programa/Curso Integrado em função do currículo
que traz promessa de integração, expressando aproximação/distanciamento dos
pressupostos e princípios que o sustentam e que traduzem perspectivas para o
ensinar. Em Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática
15
trago para reflexão as concepções e ações que embasam o movimento do
ensinar/vivenciar estes campos por sujeitos que lhe dão concretude, e que expressam
avanços, limites e desafios que induzem aproximações/distanciamentos do que
pressupõe a formação integrada, sob um currículo integrado.
Na última seção que denomino de Alinhavando algumas Considerações Finais
retomo resultados das análises, sinalizando algumas sugestões e indicativos para
possíveis outras buscas investigativas.
Estou aberta às interlocuções, movida pelo entendimento que esta construção
teórica, metodológica e epistemológica foi apenas uma dentre tantas outras elaborações
que desta mesma realidade poderão emergir. Creio que esta pode suscitar outros olhares,
concordantes, discordantes, identitários ou não, pois tenho em conta que a leitura de
qualquer realidade é, sobretudo, múltipla e transitória. Assim, prevalece o entendimento
de que sua maior contribuição reside na possibilidade de outras proposições
investigativas que ela possa instigar, permitindo que outros nós sejam desatados e
outros fios tecidos.
Reafirmo que esta tese expressa minha condição de ser humano transitório e
inacabado, cujo maior sentido foi assumir a disposição de dar continuidade a uma
história cujo ponto de partida dou agora a conhecer.
Situando o Objeto de Estudo
Compreendo, como Moraes (2006), que a produção de conhecimento é um ato
permeado por desejos, desafios, incertezas, encontros e desencontros com o objeto de
estudo. No percurso desta produção algumas indagações vão ganhando corpo, num
movimento constante de idas e vindas, na busca de compreensão da relação entre
pesquisador e objeto a ser pesquisado: o que move o pesquisador diante da necessidade
de conhecer determinado fenômeno? Como ocorre a apropriação do que intenciona
conhecer? Por que estudar esse fenômeno e não outros tão presentes na nossa história
pessoal e profissional? Ao refletir sobre tais pontos vamos nos dando conta que
pesquisar é fazer escolhas, assumir opções que carregam a pluralidade que nos
unifica e a singularidade que nos diferencia. Fazer essa escolha já nos coloca na
condição de sujeito histórico, que fala de um determinado lugar, de um determinado
tempo, embebido por uma determinada forma de ver e assumir o mundo. Sujeito que
16
vive experiências diversas no seu percurso como pessoa e como profissional;
experiências essas que trazem, sempre, as marcas de histórias vividas e construídas em
interação com outras histórias.
Com relação à tese presente, que trata dos desafios do ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática em Curso Técnico Integrado ao Médio, incluído em um
Programa que proclama a perspectiva de formação integrada de jovens e adultos, sob o
esteio do currículo integrado, posso dizer que sua gênese tem a ver com histórias que
vivi, experiências que venho acumulando, travessias que tenho percorrido como
professora e pesquisadora, que expressam minha identificação com a formação de
trabalhadores, como causa política, ética e pedagógica.
Ingressei em meados do ano de 1990, via concurso público, no Centro Federal
de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA, em um cenário em que a Escola
Técnica Federal do Maranhão, instituição com tradição no campo da formação
profissional, se revestia de uma nova institucionalidade passando a assumir novas e
complexas atribuições. Nesta realidade iniciei a carreira no Magistério Superior, como
professora dos Cursos de Licenciaturas Plenas das Áreas Profissionais. Considero que
foi um salto qualitativo no meu percurso profissional, não só pela rica experiência da
docência, mas, sobretudo, pela possibilidade de viver o movimento coletivo de reflexão
e construção de cursos de formação de professores para o exercício no ensino técnico.
Contrários às medidas oficiais pontuais, precárias e fragmentadas que historicamente
vinham marcando a formação de docentes dessa área, em que, geralmente, era exigida
apenas boa base de experiência, sem o domínio técnico-científico e sem a formação
pedagógica, buscávamos construir novas perspectivas formativas.
No final da década de 1990, em um contexto em que a obrigatoriedade da
expansão da educação básica não guarda a devida relação com a quantidade de
professores habilitados para atuar nesse nível de ensino, principalmente em Ciências da
Natureza e em Matemática, ao lado de um conjunto de políticas e medidas neoliberais
formuladas para a reconfiguração do ensino superior brasileiro, o CEFET-MA, assim
denominado, ampliou seu espaço de atuação, passando a ofertar Licenciaturas na Área
das Ciências da Natureza – Química, Física e Biologia – e da Matemática. Como parte
do currículo desses cursos, passei a assumir por anos seguidos, dentre outras, as
disciplinas Didática e os Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos.
Ao ensinar Didática tenho como esteio a visão de ensino como processo
dinâmico e complexo que mantém interação com a aprendizagem e com as concepções
17
de conhecimentos – Ciências da Natureza e da Matemática - objetos da formação a que
se volta. Posso dizer que vivenciei/vivencio intensamente o movimento de que fala
Freire (1996) de que não há docência sem discência, que no ato de ensinar aprendemos
com quem ensinamos. O ensinar Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e
Adultos exige de mim um debruçar profundo e coerente em torno de questões teóricas e
metodológicas que perpassam esse campo de estudo e de prática, com atentividade ao
desafio de contribuir no que seja possível para a formação de docentes que possam
atuar, de forma qualificada e comprometida, junto a esse segmento que traz para o
espaço-tempo escolar tanto a marca da destituição de direitos, quanto a riqueza de
suas experiências de luta pela vida (CIAVATTA, 2011, p. 43).
Por entender a complexidade, especificidades e desafios que se colocam numa
prática educativa no seio de uma instituição educacional cuja marca é a formação para o
trabalho, ingressei, no início dos anos 2000, no Grupo de Pesquisa ‘Trabalho e
Educação: políticas e práticas de formação profissional’, vinculado ao Programa
Norte de Pesquisa e Pós-Graduação e ao Mestrado em Educação da Universidade
Federal do Maranhão, em parceria com o CEFET-MA, buscando apreender e
compreender o movimento e as contradições que historicamente têm marcado as
relações trabalho e educação e os impactos que produzem no processo de formação do
trabalhador.
As proposições acenadas pelo Decreto 5.154/20041 (BRASIL, 2004) demarcam
outras necessidades de investigar a formação do trabalhador a partir da configuração da
Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio. Movida pela
problematização que se fertiliza nesse contexto, ingressei em 2008 no Grupo de
Pesquisa ‘Políticas da Educação Básica’, na busca de apreender as possibilidades,
dificuldades e limites que se gestam para uma formação que recupere o ser humano em
sua multidimensionalidade ou, como diz Gramsci (1991), uma formação que busque a
adequação entre a capacidade de trabalhar tecnicamente e de trabalhar
intelectualmente. A clareza de que esse, ainda, é um desafio a perseguir deixa brechas
para outros estudos.
Aos poucos a Educação de Jovens e Adultos –EJA - foi tomando parte do meu
ser profissional, entrelaçando saberes e fazeres do ser docente, somados ao meu
1Essa legislação revogou o Decreto nº 2.208/97, regulando a possibilidade de uma formação integrada do ensino médio com o ensino profissional técnico, estruturado em um currículo único.
18
engajamento em espaços e eventos da área2. Nesses espaços, tive os primeiros contatos
com a proposta do Programa Nacional de Integração da Educação profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Em
2008, como parte das ações previstas pela legislação que instituiu esse Programa foi
implantado, já no Instituto Federal de Educação do Maranhão, antes CEFET-MA, o
Curso de Especialização/PROEJA em que estive envolvida como docente. Posso dizer
que foi uma experiência nova em que pude experimentar, ao lado de limites e
incompletudes, possibilidades gestadas pelo esforço coletivo de assumir o desafio de
promover uma formação em que os próprios formadores se formassem nesse processo.
Foi nesse movimento intenso, em que se entrelaçam ações de docência e de
pesquisa, com a confluência de questões que envolvem os campos da formação docente
e do ensino nas áreas das Ciências da Natureza e da Matemática, da educação
profissional e da educação de jovens e adultos, que o objeto desta tese foi se
configurando.
Pude evidenciar que, apesar de avanços alcançados, ainda persistem desafios -
cada vez mais complexos - que se estendem do âmbito mais amplo das políticas
educacionais às práxis que se materializam no interior das instituições educativas.
Desafios esses que exigem vontade política e decisões de natureza epistemológica e
pedagógica para que se possam construir processos formativos que tenham como esteio
a relação entre o trabalho e o conhecimento, e que seus sujeitos sejam considerados na
integralidade. Isto é, que os conhecimentos sejam concebidos e tratados numa dimensão
ampla, com unicidade entre teoria-prática, ensino-pesquisa, ensino-aprendizagem,
conteúdo-método, intencionando uma formação que propicie aos estudantes - sujeitos
concretos e históricos, com marcas individuais e coletivas -, o desenvolvimento das
capacidades de pensar criticamente, de produzir e de transformar a realidade no sentido
da humanização.
Compreendo que um grande desafio é assumir um posicionamento crítico
perante a dualidade da educação brasileira que, com raízes na forma como a sociedade
2Participei no VII Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (VII ENEJA), realizado no ano de 2005, em Brasília. Na condição de membro da Delegação do Maranhão participei nos Encontros Estaduais e no Nacional de Educação de Jovens e Adultos preparatórios à VI CONFINTEA- Conferência Internacional sobre Educação para Adultos- ocorridos na Região Nordeste, nos meses de março e abril de 2008 e em Brasília, que se constituíram em esforço coletivo dos Estados dizerem ‘presente’ às demandas e aos desafios da Educação de Jovens e Adultos no Nordeste e no Brasil.
19
encontra-se organizada3, tem resguardado, historicamente, uma formação geral,
propedêutica para segmentos favorecidos socioeconomicamente e uma formação
prática, profissional aos setores sociais mais desfavorecidos. Ao expressar a divisão
entre ‘educação geral’ e ‘educação profissional’, assenta-se, por um lado, a restrição ao
preparo para o ingresso no ensino superior, e por outro, aos preceitos do
assistencialismo e do mercado de trabalho. A educação de jovens e adultos, como parte
desse contexto, com um viés assistencialista e compensatório, tem dado ênfase à
questão do analfabetismo e à suplência de estudos em cursos aligeirados, sem
articulação com a educação básica como um todo, nem com a formação para o
trabalho (BRASIL, 2007a, p.18).
Comungo com o entendimento de Kuenzer (2001), Frigotto, Ciavatta e Ramos
(2005) de que a educação da classe trabalhadora deve se voltar para a ampliação do
horizonte do exercício do direito a uma formação mais completa, assentada numa
concepção de educação enquanto prática social com potencial emancipatório e não
como processo reduzido aos interesses do mercado de trabalho, regidos pela lógica da
estrutura social capitalista. Ressalto que não se trata de desconhecer as exigências dos
processos produtivos da contemporaneidade, o que não pode é se submeter
passivamente à racionalidade que preside as relações socioeconômicas vigentes.
Portanto, o que cabe é assegurar o acesso ao conhecimento científico, tecnológico,
artístico e técnico, ao tempo que fornece os elementos fundamentais para a
compreensão e atuação crítica no mundo em que vivemos, em que o trabalho é parte
constituinte.
Com relação, especificamente, à Educação de Jovens e Adultos posso situar o
anúncio que se coloca com a promessa de uma formação que, contrária à estrita
adequação aos objetivos da produtividade mercadológica, promova o acesso aos
conhecimentos socialmente produzidos integrados à formação profissional. O Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA –, instituído por meio do
3O desenvolvimento da sociedade de classes, especificamente nas suas formas: escravista e feudal, consumou a separação entre educação e trabalho. No entanto, não se pode perder de vista que isso só foi possível a partir da própria determinação do processo de trabalho. Com efeito, é o modo como se organiza o processo de produção – portanto, a maneira como os homens produzem os seus meios de vida – que permitiu a organização da escola como um espaço separado da produção. Logo a separação também é uma forma de relação, ou seja: nas sociedades de classes a relação entre trabalho e educação tende a se manifestar na forma da separação entre escola e produção (SAVIANI, 2007).
20
Decreto nº 5.478/2005, o qual revogado pelo Decreto nº 5.840/20064 se configura como
um programa orientado à unificação de ações de profissionalização, à educação geral,
na modalidade consagrada a jovens e adultos (MACHADO, 2006 a, p.36).
Como parte desse Programa, os Cursos de Educação Profissional Técnica de
Nível Médio integrado ao Ensino Médio, estruturados em um currículo que integre
conteúdo do ensino profissional técnico aos do ensino médio, respeitando as
singularidades da EJA, devem atender, conforme preceitua seu documento regulador, às
exigências da formação técnica e à sedimentação das bases de formação geral
requeridas para o exercício da cidadania, tendo em vista o acesso às atividades
produtivas e à continuidade dos estudos (BRASIL, 2007a).
O Programa sinaliza, nos termos propostos, possibilitar ao aluno a
compreensão da realidade social, política, econômica, cultural e do mundo do trabalho
(BRASIL, 2007a, p. 34), distanciando-se de uma formação que qualifica apenas nos
limites das demandas que o mercado apresenta. De acordo com o que se encontra
expresso no Documento Base5, que orienta os Cursos do PROEJA, abandona-se a
perspectiva estreita de formação para o mercado de trabalho, para assumir a formação 4O Programa foi apresentado em uma primeira versão através do Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005, denominado de Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Jovens e Adultos – PROEJA –, o qual tinha como base de ação a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Diferentes críticas lhes foram feitas, sobretudo por parte de instituições dessa Rede de Ensino, principalmente com relação à definição de uma carga horária “máxima” para os cursos, à redução do Programa à Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e sua limitação ao ensino médio (MOURA, 2008a). Propuseram sua ampliação em termos de abrangência e de aprofundamento em seus princípios epistemológicos. Esse Decreto foi revogado com a promulgação do Decreto nº 5840 de 13 de julho de 2006, passando o PROEJA a denominar-se Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Nesse novo documento o PROEJA passa a abranger cursos de educação profissional de formação inicial e continuada de trabalhadores, bem como, de educação profissional técnica de nível médio, nas formas integradas ou concomitantes, nos termos previstos no art. 4º, parágrafo 1º, incisos I e II do Decreto nº 5.154/2004, que regulamenta a educação profissional. Com relação às horas determinadas para a formação o termo carga “horária máxima” foi substituído pelo de carga “horária mínima”. Assim, os cursos orientados à formação inicial e continuada de trabalhadores devem ter no mínimo 1.400 horas, que incluem, pelo menos, 1.200 horas para educação básica e 200 horas para a formação profissional. Os cursos destinados à formação técnica de nível médio articulados com o Ensino Médio na modalidade EJA, por sua vez, terão pelo menos 2.400 horas, das quais 1.200 horas devem ser preservadas para a educação geral, à qual se acrescenta a carga horária mínima correspondente à área profissional da habilitação oferecida (BRASIL, 2006). 5A partir das discussões empreendidas em torno do Programa foi constituído um grupo de trabalho formado por representantes da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), dos fóruns de EJA, dos CEFETs, das Escolas Agrícolas Federais e das Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais, com a tarefa de organizar um Documento Base contendo os princípios, concepções e orientações gerais do Programa(MOURA, 2006). Em 2007 foram produzidos três documentos voltados para as propostas de trabalho que o PROEJA passou a abranger: Educação Profissional de Nível Técnico Integrada ao Ensino Médio (BRASIL/MEC/SETEC, 2007a); Formação Profissional Inicial e Continuada Integrada ao Ensino Fundamental (BRASIL/MEC/SETEC, 2007b) e Educação Profissional e Tecnológica voltada a Educação Escolar Indígena (BRASIL/MEC/SETEC, 2007c) (FERNANDES, 2012).
21
integral dos sujeitos, como forma de compreender e se compreender no mundo
(BRASIL, 2007a, p.34). Assim, por esse documento, consubstancia-se a proposição de
uma formação que se expressa com a seguinte finalidade:
.... Proporcionar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional, na perspectiva da formação integral do educando, visando a formação de cidadãos-profissionais capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente, técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos, especialmente os da classe trabalhadora. (BRASIL, 2007a, p.35).
Sem desconsiderar os limites e desafios do processo de implementação de uma
política educacional dessa natureza, em razão das orientações diversas que lhe movem e
das relações de interesse e de poder que lhe atravessam, decorrentes da correlação de
forças minadas na estrutura social capitalista que, historicamente, têm determinado a
divisão entre a escola que educa e a que profissionaliza, reconheço que o PROEJA pode
se constituir numa proposta inovadora, na medida em que enseja elevar o nível de
escolaridade e de profissionalização de uma população historicamente excluída do
sistema educacional e social. Por outro lado, considero necessário fortalecer a luta pela
sua transformação em política pública que assegure sua perenidade, pois o direito à
educação aos jovens e adultos trabalhadores exige políticas perenes, estruturadas para
atender essa demanda, não podendo ser pensado meramente como questão pontual de
governo ou de programa.
Se o que declara como perspectiva é a formação integrada tendo em vista a
formação integral, creio ser válido remeter a Gramsci (1991) que, ao tecer críticas à
escola que eternizava as desigualdades sociais por oportunizar formação diferenciada de
acordo com a condição de classe social6, defende uma educação que incorpore a
dimensão intelectual ao trabalho produtivo direcionada a formar jovens e adultos
trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Igualmente, as contribuições
de Ciavatta (2005), apoiadas no referencial desse pensador, são pertinentes ao destacar
que tal formação deve ter como horizonte o sentido de superação de um ser humano
6 Segundo Gramsci (1991) é a diferenciação dos fins, e não o conteúdo ensinado que conferia à escola o caráter de classe, voltado a perpetuar as diferenças sociais. Assim, a cada grupo social corresponde um tipo próprio de escola que se destina a perpetuar neles as condições do exercício de uma determinada função: diretiva ou instrumental. Para o grupo privilegiado era ofertada formação propedêutica, preparando-o para assumir a função de dirigente, e para os filhos dos trabalhadores era ofertada formação profissional, preparando-os para assumir função meramente instrumental.
22
segmentado historicamente pela divisão social do trabalho, pela separação entre a ação
de executar e a ação de pensar, planejar.
Nesse sentido, a partir do que se encontra acenado é possível antever profundos
desafios para a retomada da relação trabalho e educação, sob novas bases. Tal
entendimento decorre do fato de que, ainda que sem o aprofundamento necessário7, o
Documento Base elege como um dos fundamentos do Programa o trabalho como
princípio educativo. Com efeito, o trabalho passa a se constituir categoria articuladora da
integração curricular proposta, sendo imprescindível compreendê-lo nos sentidos que
lhes caracterizam como prática humana, isto é, no sentido ontológico e no histórico
(MARX, 1978; GRAMSCI, 2001). Apoiada nessa compreensão cabe reconhecer que se,
por um lado, o trabalho se apresenta como atividade ontocriativa de ação do homem
sobre e com a natureza, transformando-a e produzindo a própria natureza humana, por
outro lado, é uma atividade que se manifesta em diferentes formas históricas, se
revestindo de especificidades decorrentes de cada modo de produção. Ou seja, é uma
forma de ação que permite experimentar, pensar, criar, fazer, produzir saberes e,
também, o exercício de uma função produtiva que se situa nos marcos de uma sociedade
regida pelo modo de produção capitalista. (KUENZER, 1997, p.123).
No movimento dessas proposições, atravessadas por grandes complexidades, o
Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA8 foi desafiado a
iniciar o processo formativo no âmbito do PROEJA. Como docente da instituição pude
acompanhar de perto que, a despeito da experiência em Educação Profissional integrada
ao Ensino Médio que já possuía, o processo de adesão ao PROEJA, que de antemão já
7 Estudos realizados por Klein (2008) expressam críticas à forma como são abordados, no Documento Base, os princípios que norteiam o PROEJA, dentre eles o trabalho como princípio educativo. A autora assinala que o destaque desse princípio para orientar propostas pedagógicas na Educação Profissional vinculadas à EJA tem a positividade de apontar sua fecundidade e atualidade; entretanto, critica que este princípio não se encontra desenvolvido de forma clara e suficiente no documento, restringindo-se à uma justificativa : A vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação com a ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho — ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem (BRASIL, 2007a, p.38). Para Klein essa insuficiência e superficialidade de tratamento pode sugerir preocupação meramente retórica, portanto, sem considerar as consequências advindas de sua adesão, ou ainda, por constituir-se conteúdo adverso de sua formulação original. Afirma que a uma consistente compreensão da categoria trabalho é condição fundamental para a discussão da propositura do trabalho como princípio educativo. 8Quando iniciou a experiência com a primeira turma do Curso Técnico Integrado ao Médio/PROEJA, em 2007, esta instituição, ainda, fazia parte do modelo institucional Centro Federal de Educação Tecnológica. Pela Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008 transformou-se em Instituto Federal, passando a denominar-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão- IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo.
23
estava determinado por lei9, se deu em meio a inquietações e questionamentos quanto à
sua propositura e alcance, permeados por sentimentos que se contradiziam entre o
otimismo e a descrença, a aceitação e a negação e, sobretudo, por sentimentos expressos
de reconhecimento e de estranhamento do público de EJA.
Ao me deparar com relatos de profissionais da instituição evidencio elementos
que expressam o que sentem e pensam sobre o desafio que têm pela frente: O Proeja é
um grande desafio, precisamos compreender melhor essa proposta, o que, de fato, ela
representa; É claro que isso vai requerer que tenhamos condições de trabalho,
formação adequada...; Que formação temos para trabalhar com esse público?; É
importante que seja considerado a realidade dessas pessoas, que retomam sua
escolarização no ensino médio, querem se profissionalizar e que têm direito a uma
educação de qualidade; Esse não é um problema só dos professores, é da instituição
toda. São posicionamentos que elucidam a complexidade e desafios que se colocam,
dado o caráter contraditório de uma proposta que exige enfrentar as tensas relações entre
trabalho e educação e responder às necessidades e singularidades de um segmento com o
qual tem pouca familiaridade.
Tais posicionamentos fortalecem o entendimento de que os desafios de uma
proposta de integração que pressupõe unificar no currículo os saberes da formação
básica, geral, aos da formação profissional, específica, na modalidade de EJA, estão para
além da organização formal de uma matriz curricular em que se vinculam disciplinas vi
da Base Nacional Comum (BNC) - como é o caso das Ciências da Natureza e da
Matemática - da Formação Profissional Específica, bem como ao Estágio
Supervisionado. De acordo com o Documento Base (BRASIL, 2007a, p.37) a
perspectiva é de uma proposta curricular baseada em um currículo integrado que
intenciona efetivar a integração epistemológica de conteúdos, de metodologias e de
práticas educativas, tendo em conta a realidade do público que lhe confere identidade.
9O Decreto 5.840/2006 instituiu que as instituições federais de educação profissional deveriam implantar cursos e programas regulares do PROEJA até o ano de 2007, devendo disponibilizar, em 2006, no mínimo dez por cento do total das vagas de ingresso da instituição, tomando como referência o quantitativo de matrículas do ano anterior, e ampliar essa oferta a partir do ano de 2007 (Art. 2º, & 1º). A Lei 11.892/2008 modificou esta determinação ao instituir que este percentual fica a cargo da gestão que estiver à frente, podendo aumentá-lo ou diminuí-lo (BRASIL, 2008).
24
A concepção de currículo integrado que tomo como esteio é o que se encontra
expressamente comprometido com a formação humana dos sujeitos, com implicações
epistemológicas e pedagógicas que trazem em si novas concepções a respeito do para
quê, do quê e do como se ensinam os conhecimentos que devem ser aprendidos. Supõe,
portanto, conceber esses conhecimentos numa dimensão de totalidade, tornando
indiscutível a necessidade da integração teoria e prática, da integração entre o saber, o
saber ser e o saber fazer, incorporando no processo os saberes e experiências que os
jovens e adultos trazem como marca e como potencialidade para o espaço educativo
(CIAVATTA, 2011; CIAVATTA, RUMMERT, 2010). Posso concluir, então, que a
questão não é meramente didática, pois se encontra relacionada à decisão política do tipo
de ser humano que se quer formar, em função de um modelo de sociedade que se
pretende construir.
O Instituto Federal de Educação Científica e Tecnológica - Campus São
Luís/Monte Castelo, modelo institucional assumido em 2008, declara em seu Projeto
Pedagógico10 que incorpora o trabalho como princípio educativo, a partir de um
processo formativo em que educação, trabalho e conhecimento deverão constituir uma
unidade orgânica, visando à formação omnilateral dos sujeitos que atende (INSTITUTO
FEDERAL DO MARANHÃO, 2010). Disso decorrem implicações substantivas aos
seus Cursos do PROEJA por reforçar que, nestes, a educação básica e a educação
profissional são duas dimensões de uma mesma formação que deve ser única e integral
ao se direcionar para jovens e adultos. O que posso constatar é que daí advém a urgente
necessidade de vinculação entre a base técnica e uma sólida base científico-tecnológica,
numa perspectiva social e histórico-crítica, como adverte Kuenzer (2001). Ou seja,
integra-se no currículo, a preparação para o trabalho à formação de nível médio rumo à
formação integral (MANFREDI, 2003), o que para Ciavatta (2005, p. 84), tem a
seguinte exigência:
... que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos
10O projeto político pedagógico do Campus foi elaborado, coletivamente, de 2009 a 2010 considerando as mudanças que se implantavam com a nova institucionalidade assumida ao se transformar em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA. Este instrumento traz enunciado que o anseio da comunidade foi o de construir novos caminhos que possam melhorar as ações educativas do Campus, em toda a sua amplitude, numa perspectiva de permanente avaliação do que será realizado na busca de reconstruí-las. Afirma, ainda, que este documento assume, como todo planejamento, o caráter processual e de provisoriedade de produção do conhecimento, expressando as concepções e expectativas do momento da sua construção (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2010, p. 12 ).
25
processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior.
No caso do Ensino Técnico integrado ao Médio ao estar comprometido com a
educação dos que vivem do trabalho, este não pode perder de vista que com o
desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo o trabalho humano se simplifica
ao tempo que se complexificam a ciência e tecnologia que incorporam (KUENZER,
1997, 2001). Em decorrência passa a exigir do trabalhador cada vez mais apropriação
de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos (KUENZER;
GRABOWSKI, 2006, p.19), pois quanto menos conhecimento o trabalhador detiver
sobre o trabalho, mais ele se distancia da compreensão e do domínio das atividades que
executa, assim como, das relações sociais que se estabelecem nesse cenário regido pela
lógica capitalista.
Dessa forma, ainda que sob relações capitalistas, nos moldes da acumulação
flexível, essa exigência de domínio de conhecimentos não se coloque para todos os
trabalhadores, qualquer política educacional, qualquer proposta pedagógica que, de fato,
se comprometa com a formação de trabalhadores deve ter como horizonte favorecer o
domínio integrado dos conhecimentos acima destacados, como condição de
instrumentalizá-los para atuar no mundo concreto e fazer a leitura desse mundo
(FREIRE, 1996). Em se tratando de jovens e adultos que vivem do trabalho essa é uma
questão urgente, pois dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2007) evidenciam que do universo de 141,5 milhões de pessoas no país com 15 anos ou
mais de idade, cerca de 10,9 milhões frequentavam ou frequentaram anteriormente
algum curso de EJA, e que mais de 40% desses alunos não concluíram o curso em que se
matricularam em razão, por exemplo, da necessidade de procurar trabalho, da
incompatibilidade de horário das aulas com o horário de trabalho, de dificuldade de
acompanhar o curso.
Isso requer que os Cursos Técnicos Integrados ao Médio do PROEJA, como
possibilidade que se aponta para a educação desse segmento educacional, sejam
concebidos e operacionalizados levando em conta a intencionalidade da integração que
propõem, as necessidades dos sujeitos a que atendem, além das condições estruturais
que se colocam como exigências para o alcance do que intenciona. Como parte desse
processo, a vinculação entre conhecimentos gerais e específicos deve ser planejada e
executada ao longo do processo formativo, sob o princípio da formação humana
26
integral. Entre os grandes desafios no sentido da formação humana propagada se situam
a necessidade de potencializar exercício de diálogo entre os saberes que compõem as
bases dos currículos dos cursos - a formação geral e a formação específica - em que
pese cada um ter sua especificidade epistemológica.
Portanto, torna-se fundamental que o conjunto de campos científicos que
compõem o currículo de cursos dessa natureza e cada campo de conhecimento em
particular, seja da dita formação geral ou específica, encaminhe-se no sentido do
alcance da integração. Pressupõe, assim, clareza quanto à finalidade que cada área de
conhecimento em si assume no âmbito da formação, e em que medida pode e deve
manter interconexão com outros campos, e com os saberes dos alunos, esclarecendo-se,
enriquecendo-se e se aprofundando mutuamente. Isto, certamente, constitui-se uma das
condições importantes para tornar possível a apreensão dos conhecimentos na totalidade
como mediação para o alcance dos objetivos da formação integral.
No âmbito desses cursos, situa-se como constituinte da denominada formação
geral os conhecimentos a Área das Ciências da Natureza e da Matemática11. Expressa-
se como parte de um espaço curricular que, segundo Kuenzer (2001, p.60), deverá ter
por meta a universalização dos conhecimentos minimamente necessários à inserção na
vida social, política e produtiva nas condições mais igualitárias possíveis. Sendo assim,
a Área das Ciências da Natureza e da Matemática articuladas às outras áreas que
compõem a BNC e à base profissionalizante, contribui, de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, art. 10, II, a), para uma formação ampla,
científica e crítica. Nesses termos, assegura aos alunos a compreensão das ciências
como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação,
continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com
as transformações da sociedade (BRASIL, 1998). 11 De acordo com o Parecer CEB nº15/98que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) o currículo do Ensino Médio é formado por uma Base Nacional Comum – BNC- e uma parte diversificada, que devem se desenvolver integradas. A BNC é composta por três áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, - CNM -composta pelas disciplinas Química, Biologia, Física e Matemática, que se constitui objeto de estudo desta pesquisa. A Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012 define novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Nessa Diretriz vigente o currículo deve contemplar quatro áreas do conhecimento, a saber: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, com tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos. Observa-se que houve uma alteração, pois, a Matemática deixou de ser um componente da Área das CNM e passou a se constituir uma área independente, resguardando a integração que é um dos princípios do currículo do EM. Como o Currículo do Curso de Eletrotécnica Integrado ao Médio PROEJA, que corresponde ao campo de investigação desta tese, está composto pelas áreas instituídas pelo Parecer nº 15/98, trataremos o objeto de estudo de acordo com o mesmo.
27
Com este mesmo entendimento, Geraldo (2009) diz que as Ciências da
Natureza – Química, Biologia e Física - devem propiciar o desenvolvimento da visão
científica do mundo, da criatividade, da autonomia intelectual, da preparação para o
trabalho, e a participação política e cultural na sociedade contemporânea. Duarte (2006),
por sua vez, ao discutir especificamente a Matemática trata da dimensão política e
pedagógica que o ensino deste campo de conhecimento traz em si. Isso significa que a
prática pedagógica, na Área das Ciências da Natureza e da Matemática, bem como em
outras áreas da formação geral e da formação específica, deve estar fundamentada na
integração teoria-prática, unificando o saber e o saber-fazer, com um tratamento
metodológico que, sem descuidar das especificidades epistemológicas, torne possível a
apreensão desses conhecimentos numa dimensão de totalidade, de modo que os alunos
percebam a integração que existe entre eles na concentricidade da vida.
Contrário a processos de ensino mecanicista de Biologia, Química, Física e
Matemática, usualmente centrados na concepção empirista-positivista de ciências e no
modelo transmissão-recepção como revelam Aragão (2000a), Schnetzler (1992, 1994,
2011), Maldaner (2000), Carvalho e Perez (2009), Geraldo (2009), Fiorentinni (1995),
Duarte (2006), dentre outros, tal perspectiva implica, como antes foi dito, uma nova
postura no fazer pedagógico, advinda da revisão de concepções de conhecimento, de
ensino e de aprendizagem, que dão feitura à abordagem dos conhecimentos e ao lugar
que os estudantes, com suas histórias, suas experiências e seus saberes ocupam nesse
processo. Ou seja, essas ciências devem ser compreendidas como conhecimentos
dinâmicos produzidos pelo homem em processos mediados pelo trabalho, cuja
apropriação requer um processo de ensino com a mediação docente, que se nutra da
participação do aluno, entendido como sujeito capaz de participar ativa e criticamente
na construção e reconstrução dos saberes.
Posso reafirmar então, com relação especificamente aos conhecimentos de
Química, Física, Biologia e Matemática, como parte desse currículo que se quer
integrado, o desejo que no ensino tais conteúdos/conhecimentos apoiados em
novas/outras bases políticas, epistemológicas e pedagógicas, sejam explorados em
termos imbricados aos conhecimentos específicos do trabalho, de forma tal que
instrumentalizem, simultaneamente, os estudantes-trabalhadores, jovens e adultos, para
a compreensão crítica das relações sociais concretas e para a compreensão e aplicação
dos princípios científicos e tecnológicos inerentes às atividades do exercício
profissional.
28
Reconheço, como já expressei, que materializar uma formação na perspectiva
de currículo integrado, em que as disciplinas das diferentes áreas de conhecimento
sejam tratadas nessa dimensão, não é algo que possa ser dado a priori. Antes, ao
contrário, trata-se de um processo complexo que, além de determinantes situados na
ordem das políticas educacionais e institucionais e das condições estruturais da
instituição, decorre, também, das concepções e práticas pedagógicas que concretamente
se consolidam no contexto do curso, sem perder de vista a interface que ambos mantêm
entre si. Portanto, são desafios que perpassam pelas dimensões objetiva e subjetiva, no
âmbito macro e no espaço concreto em que a formação ocorre, pois as concepções,
ações, os significados e sentidos atribuídos pelos seus sujeitos presidem e sustentam
uma forma de organizar e de materializar o ensinar e o aprender nesse processo
formativo.
Sendo assim, no IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo, o ensino nos
Cursos Técnicos Integrados ao Médio/PROEJA, em todos os campos de conhecimentos
que compõem seu currículo, como é o caso das Ciências da Natureza e da Matemática,
encontra-se perpassado por desafios de ordem objetiva e subjetiva. Isso reforça o
entendimento de que toda experiência humana, toda prática profissional seja no campo
da docência ou não, é alicerçada por uma visão de mundo, por concepções, crenças,
sentidos e significados que lhes são atribuídos e que lhes dão sustentação.
A esse respeito, Freire (1992) traz contribuições importantes quando diz que
toda prática educativa, toda ação docente traz em si, embora algumas vezes não se tenha
clareza disso, concepções que se dirigem rumo à construção de um projeto educacional
e social. Portanto, ainda que muitas questões do ensino se revelem como questões de
ordem pedagógica, estão sempre referenciadas numa base epistemológica, que tem
como suporte uma concepção político-social de educação, ensino, aprendizagem e
conhecimento que, por sua vez, fazem parte da concepção de vida e de mundo
construídas [pelos profissionais] em suas trajetórias (PIMENTEL, 1993, p. 75).
Se as concepções se revestem de significado frente às necessidades de
mudanças de caráter abrangente, como o que se encontra disseminado pela proposta em
foco, causou-me inquietação saber o que concebem, que ações expressam, que
sentimentos revelam os sujeitos envolvidos nesse contexto. Como antes evidenciei a
implantação dos Cursos Técnicos Integrados ao Médio na modalidade de EJA - em
condição de obrigatoriedade - no IFMA/Campus São Luís-Monte Castelo, deu-se em
meio a tensionamentos entre o desafio de ter que lidar com um público diferenciado do
29
que vinha atendendo e, ao mesmo tempo, com uma nova realidade que se configurava
como possibilidade do exercício de um direito a uma educação de qualidade,
historicamente negada a esse público. Daí a necessidade de estudos mais intensos e
aprofundados acerca dessa formação, do ensino que ocorre na dinâmica do currículo
que preside o processo formativo.
Dessas inquietações e desses pressupostos narrados, nasceu o anseio de me
debruçar sobre a realidade do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática em
Curso Técnico integrado ao Médio do PROEJA buscando compreendê-lo cientifica e
pedagogicamente. Voltei-me, portanto, a investigar as concepções e ações que
sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática frente ao desafio de
desenvolvimento de um currículo integrado, para a formação integrada de jovens e
adultos.
Cabe ressaltar que as questões inerentes ao ensino das Ciências da Natureza e
da Matemática assumem uma dimensão importante no IFMA, por sua própria natureza
de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs – que, ao assumir esta
institucionalidade, traz consigo, dentre outras, as finalidades de constituir-se em centro
de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e das ciências aplicadas, assim
como, qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências
nas instituições públicas de ensino (BRASIL, 2008, p.3), voltando-se para a formação
de professores, especialmente, nas áreas de Ciências e de Matemática.
Face ao exposto, considerei relevante realizar essa pesquisa na intenção de
compreender melhor a problemática anunciada em suas múltiplas dimensões, a partir do
que declaram os sujeitos que dessa experiência tomam parte. Considero que, pela
especificidade e desafios que o Programa PROEJA apresenta para a Rede Federal e pela
dimensão que o ensino de Ciências da Natureza e da Matemática alcança nesta
Instituição, como acima pontuei, a pesquisa narrada assume grande relevância. Creio
que ao possibilitar a compreensão acerca de concepções e ações que dão esteio à
dinâmica dos campos de conhecimentos estudados, poderá provocar desdobramentos
em torno de novos estudos, e de intervenções significativas que conduzam à construção
de propostas e de práticas comprometidas com uma educação socialmente referenciada
para jovens e adultos.
30
Delineando a Pesquisa no Âmbito da Tese que Defendo
Pelas análises procedidas, trago de Gil (1999) o entendimento de que o desejo de
investigação brota da curiosidade que emerge frente a conhecimentos que não dão conta
de explicar determinado fenômeno; de problemas que atravessam determinada realidade
e, por isso, suscitam pesquisas, investigações. Cabe ao pesquisador, com o olhar
sensível à realidade que atentamente observa, escolher o problema a ser pesquisado, este
entendido como uma questão que mostra uma situação necessitada de discussão,
investigação, decisão ou solução (KERLINGER ,1980).
Portanto, foi com o desejo de apreender a realidade possível do ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática em Curso Técnico Integrado, voltado para jovens
e adultos, configurado em um programa relativamente novo em uma instituição de
ensino público que, em minha opinião, tem uma história de qualidade diferenciada, me
senti instigada a compreender efetivamente o que pensam, o que sentem e o que
expressam, de forma tão particular, os sujeitos que vivem esta experiência. Assim, no
sentido de compreensão do que a realidade instiga em termos do ser, do saber, e do
saber-fazer no contexto da singularidade do ensino dos campos científicos que acima
enfoquei, fui movida nesta pesquisa pelas seguintes questões norteadoras:
· Que concepções e ações emergem dos sujeitos do Ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática relativas ao percurso de implementação do
Curso Técnico Integrado ao Médio de Eletrotécnica do PROEJA, que
anuncia a formação integrada como perspectiva?
· As concepções e ações que embasam o Ensino das Ciências da Natureza e
da Matemática expressam pressupostos, princípios e fundamentos político-
pedagógicos concernentes à propositura de um currículo integrado,
proclamado para Cursos Técnicos Integrados do PROEJA?
Na intenção de buscar respostas possíveis, entendidas como sempre provisórias, a
estas questões delineadas, debrucei-me sobre minhas intenções investigativas trazendo
como problema de pesquisa para discussão, o seguinte questionamento:
Que concepções e ações sustentam o Ensino das Ciências da Natureza
e da Matemática frente aos desafios da formação integrada, na
31
perspectiva do currículo integrado no contexto de Curso Técnico de
Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA?
Parto do pressuposto de que as concepções e ações se alimentam mutuamente,
pois, como define Bisconsini (2005), a concepção é uma forma própria de pensar e
representar o mundo, construída a partir das experiências, nas relações sociais e com os
conhecimentos historicamente produzidos, com implicações nas ações que dela advém.
Ponte (1992) reforça essa visão ao evidenciar que existe um substrato conceptual que
joga um papel determinante no pensamento e na ação. Substrato este, que não diz
respeito a objetos e ações determinadas, nem se reduz aos aspectos imediatamente
observáveis do comportamento, mas, antes, se constitui como uma forma de organizar,
de ver o mundo e de pensar que não se revela com facilidade nem aos outros e nem a
nós mesmos, pessoas situadas em um tempo e em um espaço. As concepções, portanto,
nos permitem compreender o mundo e nos posicionarmos sobre ele. Ou seja, as
concepções -conscientes ou inconscientes - revelam a visão que temos do que nos cerca
e nos orienta na ação.
Dessa forma, as concepções que sustentam o Ensino de Ciências da Natureza e da
Matemática, como parte do currículo de Curso Técnico Integrado ao Médio, do
PROEJA, correspondem às crenças, aos valores, ao universo de significações e de
sentidos que têm suas raízes nas experiências acumuladas, construídas num processo
histórico, numa realidade contextual em que os seus sujeitos tomam parte. Essas
concepções dão rumo a ações que, no caso, se constituem componentes das atividades12
(LEONTIEV, 1960) que se desenvolvem tendo em vista o alcance de determinada
finalidade. A atividade básica para qual se voltou esta pesquisa é o ensino das Ciências
da Natureza e da Matemática, no contexto de Curso Técnico integrado para jovens e
adultos, sob a propositura de um currículo integrado. Essa atividade traz em si a
necessidade do desenvolvimento de diferentes e complexas ações - a exemplo do
12 Ao discutir as atividades humanas, sejam individuais ou coletivas, Leontiev (1960) destaca que o agir humano é sempre teleológico, dirige-se para um fim. Esse fim precisa objetivar-se em um objeto, seja ele material ou ideal. O objetivo, portanto, equivale ao resultado final da atividade. As atividades humanas são, em sua grande maioria, atividades complexas, constituídas por várias ações conectadas umas às outras, relacionadas entre si. Além dos conceitos de atividade e ação, este autor utiliza um terceiro conceito, o de operação. Ele define operação como a maneira de se executar uma ação, maneira essa que depende das condições nas quais a ação é realizada. Aprofundar em Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1981).
32
planejamento, execução e avaliação do processo – tendo em vista atingir a finalidade
que lhe dá direção, que é a formação sob a feitura de um currículo que tenha a
integração como esteio.
Com base no entendimento acima pontuado, defendo a seguinte tese: As
concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da Natureza e da
Matemática no Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio de EJA
implicam processos relativos a pressupostos, princípios e fundamentos inerentes ao
desenvolvimento da formação integrada, sob a base de currículo integrado, tal qual
enunciado por cursos desta natureza.
Apoiada em Sacristán (1998), considero que currículo não é um conceito, mas
uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum
tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de
organizar uma série de práticas educativas sujeito a modificações e influências do
contexto e tempo em que se insere. Sendo assim, qualquer forma de organizar e dar
vida ao currículo escolar deve ser interpretada como um conjunto de decisões, intenções
e relações construídas socialmente em dado contexto histórico, por sujeitos reais,
portanto, traz sempre a marca do coletivo que o pensa e o materializa. Nesse sentido, o
para quem, para quê, o quê, o como são questões chaves nesse processo, tendo como
parâmetro a visão de mundo e de educação que temos (SILVA; MOREIRA, 1995).
Qual o significado do PROEJA e de currículo integrado? Como foi concebido e
constituído o Projeto Curricular do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao
Médio/EJA? O que se concebe acerca dos conhecimentos e do ensino das Ciências da
Natureza – Química, Física, Biologia - e da Matemática como parte desse currículo? O
que se entende sobre o que seja integrar conhecimentos com outros componentes do
currículo e com os saberes que os jovens e adultos produzem no seu estar no mundo, no
sentido da formação geral integrada à formação específica? Que tratamento
metodológico se prioriza para potencializar tal integração? O que se concebe a respeito
dos jovens e adultos a quem se ensina? Que limites e potencialidades estes apresentam?
E os alunos, como se vêem no curso? Como consideram que os seus
conhecimentos/experiências são valorizados no ensino das Ciências da Natureza e da
Matemática? Concebem que vivenciam situações/ atividades que potencializaram a
integração dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática com outros
conhecimentos do currículo do curso? Com quais possibilidades e dificuldades se
33
deparam para dar conta das exigências da formação com um currículo integrado que diz
ter a formação geral integrada à formação específica?
Dada a complexidade do objeto pesquisado, essas foram algumas questões que
considerei imprescindíveis para possibilitar a apreensão de concepções e ações que
embasam as práticas educativas que se consolidam em um contexto educativo que
aponta exigências de caráter emancipatório. Decorreu daí a proposição do seguinte
objetivo geral:
Compreender concepções e ações que sustentam o Ensino das Ciências
da Natureza e da Matemática frente aos desafios da formação
integrada, proposto por um currículo integrado, no Curso Técnico de
Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA, IFMA, Campus São
Luís/ Monte Castelo.
No sentido do alcance deste objetivo geral, proponho os seguintes objetivos
específicos:
· Compreender concepções e ações expressas pelas sujeitas relativas ao
percurso de implementação do Curso Técnico Integrado de
Eletrotécnica do PROEJA, tendo em vista a propositura da formação
integrada;
· Apreender concepções e ações que embasam o Ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática concernentes aos pressupostos, princípios e
fundamentos político-pedagógicos do currículo integrado, proclamado
para cursos técnicos do PROEJA.
A intenção foi capturar o que não se mostra tão facilmente, interpretando o que,
por vezes, está por trás do aparente, gerando significação ao que foi possível apreender
a partir dos ‘ditos’ e ‘não ditos’ nos relatos dos sujeitos pesquisados. Assim, ao buscar
respostas possíveis, compreendidas como provisórias, passíveis de refutações, procurei
ir às raízes, desvelar intenções, reflexões, aspirações, sentimentos que habitam as
pessoas, e que expressem o que concebem/realizam como sujeitos do ensino de Ciências
da Natureza e de Matemática, no Curso Técnico Integrado ao Médio/PROEJA
pesquisado. O caminho que percorri para alcançar este intento é o que passo a relatar a
seguir.
34
I TECENDO FIOS NA BUSCA DE COMPREENSÃO DO PERCURSO METODOLÓGICO DA
PESQUISA
E tu para que queres um barco, pode-se saber? Foi o que o rei, de facto, perguntou... Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem. Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso... A ilha desconhecida... repetiu o homem.... Já não há ilhas desconhecidas. Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas? .... Estão todas nos mapas.... Nos mapas só estão as ilhas conhecidas... E que ilha desconhecida é essa que queres ir à procura? Se eu te pudesse dizer, então não seria desconhecida...
Saramago
Trago nesta seção o caminho, o percurso escolhido, dentre outros possíveis, num
esforço para atingir o fim (CHAUÍ, 2002) a que me lancei nesta pesquisa. Como toda
atividade humana e social, a pesquisa traz imanente, inevitavelmente, os valores,
preferências, interesses, pressupostos e princípios que orientam o pesquisador, dizem
assim Lüdke e André (1986). Por isso, a escolha da metodologia de pesquisa não é um
processo que se dá aleatoriamente é, antes, a opção por uma filosofia, que traz consigo
uma visão de mundo, que por sua vez, sofre reflexos do tempo e espaço em que se situa.
Isto quer dizer que meus pressupostos e fundamentos de compreensão e explicação
desse mundo, certamente, sustentarão a minha caminhada como pesquisadora na
abordagem de meu objeto, em ocorrência aos objetivos que intenciono alcançar.
Portanto, a pesquisa é parte da história do pesquisador, nela estão as marcas de suas
experiências de vida, sempre mediadas por relações sociais.
Isso explica por que os motivos, as intenções, o percurso do estudo que
desenvolvi deitam raízes no contexto de experiências por mim vivenciadas, e por tantos
outros que desse cenário são parte. Larrosa (1996) esclarece que experiência não é o
que se passa, o que acontece ou o que toca. É antes e, sobretudo, o que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca. Com essa compreensão, adotei a metodologia que
apresento, a qual possibilitou apreender dos sujeitos da pesquisa - num movimento
dialético com a minha posição de sujeito pesquisador - o que lhes passa, lhes acontece e
lhes toca no acontecer do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática, em Curso
Técnico Integrado ao Médio, do PROEJA.
Sendo assim, nesta seção, explicito a metodologia que atendeu ao objetivo da
pesquisa, dando a conhecer o cenário e sujeitos com quem construí essa tese, o
35
referencial metodológico, o percurso de interlocução com os sujeitos da pesquisa e o
processo analítico construído ao longo da investigação.
Cenário e Sujeitos: Onde e Com Quem Construí a Tese que Defendo
O lócus - já anunciado - em que me debrucei para pesquisar sobre o ensino de
Ciências da Natureza e de Matemática intencionando capturar concepções e ações que
emergem dos relatos dos seus sujeitos básicos, frente aos desafios da formação integrada
para jovens e adultos, sob o esteio do currículo integrado é o Curso Técnico de
Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA ofertado pelo Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA/Campus São Luís-Monte Castelo13.
Com a implantação dos Institutos Federais em 2008, esta instituição, antes
denominada Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão- CEFET-MA-
transformou-se em um dos Campi desse novo modelo institucional, passando a
denominar-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –
IFMA - Campus São Luís-Monte Castelo. Convém destacar que a história desse
Campus, iniciada com a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, em setembro de
1909, em que foram criadas nas capitais da República escolas gratuitas destinadas ao
ensino profissional primário, consubstancia-se na própria história da educação profissional
no Maranhão.
Foi com a criação das escolas de Aprendizes e Artífices nas capitais dos Estados
que foi instalada, em janeiro de 1910, a Escola de Aprendizes e Artífices do Maranhão,
com o objetivo de formar operários e contramestres. Em 1937 recebeu a denominação
de Liceu Industrial de São Luís. Com a instituição da rede federal de estabelecimentos
de ensino industrial, no ano de 1942, foi transformada em Escola Técnica de São Luís, e
em 1965 passou a ser denominada de Escola Técnica Federal do Maranhão.
Após décadas de transformações políticas e reformas educacionais, adotou em
1989, na vigência do Presidente José Sarney, por meio da Lei Nº 7.863, o modelo de
Instituição de Ensino Superior com sua transformação em Centro Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão - CEFET-MA. Neste contexto, além da formação
13 Instituição em que trabalho como docente há mais de 20 anos.
36
de técnicos de nível médio para as áreas industriais, voltou-se para a formação de
Tecnólogos em Eletrônica Industrial e para a formação de professores das áreas
profissionais, por meio dos cursos de licenciaturas plenas na área de Mecânica,
Construção Civil e Eletricidade. No final da década de 1990 ampliou seu espaço de
atuação, passando a ofertar Licenciaturas para a formação de professores da Educação
Básica, na área das Ciências da Natureza e da Matemática - Química, Biologia, Física e
Matemática -, bem como em Informática.
Com o projeto de expansão do Sistema Federal de Ensino foi instituída a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (REFPT)14. Por meio da Lei
11.892, de 29 de dezembro de 2008, esta Rede passou a ser composta pelos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs); pela Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR); pelos Centros Federais de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) e de Minas Gerais (CEFET-MG) e pelas Escolas
Técnicas vinculadas às Universidades Federais.
Os Institutos Federais criados por essa legislação se definem como instituições de
educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializadas
na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino,
com forte inserção na área de pesquisa aplicada e na extensão. Vinculadas ao Ministério
da Educação, estas instituições possuem natureza jurídica de autarquia, sendo detentoras
de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar
(BRASIL, 2008). Conforme estabelece a legislação que as criaram, essas instituições
devem destinar 50% das vagas aos cursos técnicos, cursos de formação continuada e
educação de jovens e adultos e 20%, para licenciaturas em Física, Química, Matemática
e Biologia, ficando os outros 30% - a critério das instituições - com novos/outros cursos
de graduação, pós-graduação e extensão.
Portanto, os Institutos Federais (BRASIL, 2008, p. 3) com esta institucionalidade,
conforme previsto no Art. 7º, passam a visar as seguintes finalidades:
I- Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente, na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da Educação de Jovens e Adultos... III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; ... V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do
14 Na vigência da gestão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
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ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino...
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA - foi
criado nesse contexto, o qual integrou o CEFET-MA, as Escolas Agrotécnicas Federais
de Codó, de São Luís e de São Raimundo das Mangabeiras, que passaram a fazer parte
dos campi que compõem esta instituição. Ao se transformar nesse modelo institucional
passa a assumir, conforme finalidades previstas na Lei 11.892/2008 os desafios de uma
proposta pedagógica voltada para promover a integração e verticalização da educação
básica à educação profissional e superior, como acima explicitado.
No cenário em que as transformações foram se dando, o IFMA, ainda na
institucionalidade anterior, seguindo as determinações do Decreto Federal nº
5.840/200615 passa a ofertar o Ensino Profissional Técnico integrado ao Médio, sob
orientações do PROEJA, o que se torna um grande desafio, uma vez que tal proposta de
integração é algo novo para a educação brasileira. No caso do Campus São Luís/Monte
Castelo - na época CEFET-MA -, foi implantada, em 2007, a primeira experiência de
Curso Técnico em Alimentos Integrado ao Médio, na modalidade de EJA. No ano de
2011 foram iniciados estudos para oferta de outro curso, sendo, em 2012, implantado o
Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, a que me voltei nesta pesquisa.
Com a transformação em Instituto Federal, gradativamente foram sendo implantados
novos campi do IFMA, e, nesse percurso, outros cursos/turmas de Cursos Técnicos
Integrados na modalidade EJA passaram a ser ofertados.
Sem dúvida, como antes já explicitei, o Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos – PROEJA –, com a propositura da formação integrada trouxe consigo desafios
15 O Decreto Federal nº 5.840/2006 determinou que todas as instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica deveriam destinar no mínimo 10% das vagas existentes para o atendimento do público jovem e adultos, devendo implantar cursos até o ano de 2007. Além disso, institui no Art. 5º, § único, que as áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos serão, preferencialmente, as que maior sintonia guardarem com as demandas de nível local e regional, de forma a contribuir com o fortalecimento das estratégias de desenvolvimento socioeconômico e cultural (BRASIL, 2006, p.2). Por sua vez o Documento-Base do PROEJA afirma que o Governo Federal por meio do Ministério de Educação, convida a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica para atuar como referência na oferta do EMIEP na modalidade EJA (BRASIL, 2007a). Como anteriormente explicitei a Lei n. 11.892/2008 modificou esta determinação, instituindo que este percentual poderá ser aumentado ou diminuído, dependendo das decisões da gestão da escola (BRASIL, 2008).
38
políticos e pedagógicos, entre eles o de construir um Currículo Integrado, considerando
as especificidades do público da EJA, tendo em vista a formação de sujeitos
trabalhadores capazes de compreender e atuar competente e criticamente nos diferentes
espaços sociais e profissionais.
Com a intenção de pesquisar concepções e ações que vêm sustentando o Ensino
das Ciências da Natureza e da Matemática na formação integrada de jovens e adultos,
frente ao desafio de constituição e desenvolvimento de um currículo integrado, voltei-
me para o Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA, cujo projeto
curricular foi sendo gradativamente construído desde 2011, com início da primeira turma
em 201216, no IFMA, Campus São Luís/ Monte Castelo.
Para escolha desse curso, levei em conta, na época, aspectos que supunha
presentes na realidade. A instituição já ofertava curso Técnico de Eletrotécnica
Integrado ao Médio, portanto, parti do pressuposto de que já contava com uma
infraestrutura física e material, condição importante para viabilizar um processo
pedagógico satisfatório. Sem desconsiderar a importância da formação e da experiência
profissional docente no campo específico de EJA, ao tempo que identificava a lacuna
das formações docentes nesta modalidade educativa - que é uma experiência nova para
os Institutos Federais -, apreendi como aspectos favoráveis o fato de os profissionais
manifestarem interesse em trabalharem no curso, bem como, de já possuírem
experiência na proposta de formação profissional integrada ao médio e com a EJA.
Destaco, ainda, como motivadores da opção feita, meu envolvimento no processo
de implantação do PROEJA na instituição, especificamente no Curso de
Especialização/PROEJA ofertado pelo IFMA e como parceira dos encontros de
discussões e estudos promovidos pelo departamento durante o processo da implantação
do curso pesquisado, em que pude apreender percalços e possibilidades que perpassam
esta experiência em andamento. O recorte nas Ciências da Natureza e da Matemática é
reflexo da importância que estes campos de conhecimento alcançam na instituição, na
minha história profissional, e no contexto do curso em que se situam, como antes
pontuei.
O Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, situado no Eixo
Tecnológico Controle e Processos Industriais, conforme seu Projeto Curricular, é uma
resposta às demandas sociais. Assim, indica assumir uma formação profissional
16 Foi implantada neste período apenas 1(uma) turma do curso em pauta. A segunda turma deste curso teve início no segundo semestre de 2015.
39
assentada na integralidade das dimensões técnica e humana, tendo em vista a formação
de profissionais técnicos de nível médio com competência para desenvolverem suas
atividades profissionais de forma autônoma. Isto é, manifesta buscar o alcance de um
perfil de profissionais capazes de associar à utilização de recursos tecnológicos,
conhecimentos, valores éticos, estéticos e políticos que encaminhem ao
desenvolvimento de uma postura crítico-reflexiva frente à humanização do homem e do
trabalho (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 8).
Com base no que expressa este documento se aponta uma formação que
possibilite aos estudantes o acesso aos saberes produzidos historicamente integrando-os
a uma formação profissional, de modo a lhes propiciar condições para compreender as
relações que se estabelecem no mundo e, em particular, no mundo do trabalho. Isso
pode significar uma educação que não se reduza à visão utilitarista, mas que possa
atender às perspectivas de uma formação na vida e para a vida e não apenas de
qualificação para o mercado de trabalho (BRASIL, 2007a, p.13). Essa sinalização se
encontra configurada no Projeto Curricular quando expressa os seguintes objetivos:
Capacitar jovens e adultos para atuarem numa sociedade em permanente transformação, aplicando e produzindo conhecimentos científicos e tecnológicos, alicerçados em princípios e valores que dignificam o homem e preservem o meio ambiente; Desenvolver a capacidade crítico-reflexivo do aluno, através do estudo dos fundamentos sócio-culturais, científicos e tecnológicos historicamente acumulados, na perspectiva de prepará-lo para o exercício da cidadania e sua inserção no trabalho à luz dos valores políticos, sociais e éticos; Formar Técnicos em Eletrotécnica com competência para desenvolverem suas atividades profissionais de forma autônoma (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 7).
Ainda que tratados sem o aprofundamento necessário, encontram-se evidenciados
no projeto do curso o trabalho como princípio educativo e a pesquisa, a
interdisciplinaridade e a contextualização como princípios metodológicos norteadores
do processo de ensino e de aprendizagem. Com relação à pesquisa como princípio
ressalta que:
... A pesquisa deverá integrar o fazer pedagógico do corpo docente, respeitando a especificidade de cada disciplina, o tempo escolar, os objetivos, o tema, sobretudo, ser desenvolvido sob o acompanhamento sistemático do professor, possibilitando ao aluno receber, durante o desenvolvimento desta atividade, as orientações metodológicas que lhe assegurem utilizá-la como procedimento de aprendizagem. (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 10).
Balizado por esses princípios, este curso com uma carga horária de de 3.360
horas, a serem totalizadas em três anos letivos, excetuando o período de estágio
40
curricular, encontra-se organizado em 3 (três) séries e 6 (seis) semestres, estruturados
em uma matriz curricular em que disciplinas da formação geral e as da base da
formação profissional serão trabalhadas, paralelamente, ao longo da formação. Em cada
um dos semestres se encontra previsto o desenvolvimento de um Projeto Integrador,
que de acordo com a proposta curricular, busca materializar os princípios da relação
teoria-prática, da pesquisa, interdisciplinaridade e da contextualização, tendo em vista o
ensino consequente em função da aprendizagem ativa e crítica, como condição essencial
para alcance do que se propõe na formação.
Considero importante sublinhar que mesmo a perspectiva de currículo integrado
exige a organização e a seleção formal de determinados conhecimentos científicos,
organizados como conteúdos escolares, em forma de disciplinas, módulos, projetos,
áreas, temas, entre outros. É evidente que o curso prioriza a organização curricular
disciplinar, contudo, no que indica no projeto, abre brechas para promover condições de
materializar os princípios que o sustentam, entre outros, por meio de projetos
integradores que perpassam a matriz curricular como um todo. Para Machado (2006b, p.
64) a metodologia de ensino por projetos objetiva vincular teoria e prática mediante a
investigação de um tema ou problema. Contribui para instigar a dúvida e a curiosidade
do aluno, promovendo-o a sujeito no processo de produção de conhecimentos. Ressalta
que é um processo que se funda no trabalho interdisciplinar, contextualizado e que tem
a pesquisa como base, necessários para desenvolver os conceitos e a compreensão dos
princípios científicos e evidenciar como eles embasam as técnicas. Isso vai exigir
disposição para o planejamento e avaliações em que profissionais e alunos estejam
envolvidos.
As disciplinas das Ciências da Natureza e da Matemática, isto é, Biologia,
Química, Física e Matemática, foco desta pesquisa, como partes da matriz curricular,
constituem-se componentes da formação básica, sendo trabalhadas paralelamente aos
saberes constituintes dos outros campos da base geral e da base técnica profissional. No
projeto do Curso este entendimento se expressa com o registro de que cada semestre
será constituído por um conjunto de disciplinas, em plena sintonia com os demais
componentes curriculares, e que encaminha ao desenvolvimento das capacidades que
integram o perfil profissional de conclusão (INSTITUTO FEDERAL DO
MARANHÃO, 2012). É possível observar que os saberes da parte técnica são
trabalhados ao longo do curso, ainda que haja maior concentração nos últimos anos da
formação.
41
Ressalto que, como antes já mencionado, a simples organização de disciplinas
consideradas de formação geral e de formação específica ao longo de um curso não
assegura a integração pressuposta pelo programa tal como tratada. Esta integração
exige que os princípios pontuados na proposta do curso, de fato, se materializem, para
que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao
longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia no
sentido da integração anunciada (Ramos, 2005, p. 122). Isso implica posicionamento do
coletivo no tratamento dos processos que envolvem o curso como um todo, e na
singularidade do ensino que desenvolve.
Os campos de conhecimentos, objetos desta tese, totalizam 520 horas no
currículo do curso, sendo assim distribuídas: Química I e II, 40 e 60 horas,
respectivamente, sendo trabalhadas nos 1º e 2º semestres; Biologia I e II, com 40 horas
cada uma, igualmente trabalhadas nos dois primeiros semestres; Física I e II, 60 e 40
horas, ministradas nos semestres 1º e 2º. A Matemática, estruturada em I, II, III, IV, V,
VI, por sua vez, é trabalhada nos seis (6) semestres, com uma carga horária de 40 horas
em cada um. Dá para perceber que os campos de conhecimentos das Ciências da
Natureza são ministrados nos primeiros períodos, enquanto a distribuição da
Matemática se dá ao longo do curso. Em primeiro olhar pode-se expressar concentração
destes saberes científicos, contudo, considero que o mais importante é apreender as
concepções que os subsidiam e o tratamento destes conteúdos no percurso da formação,
considerando os pressupostos e princípios que sustentam o curso.
Os objetivos a que se voltam o ensino da Química, Física, Biologia e
Matemática, expressos por seus docentes, a partir do declarado, alcançam uma
dimensão que vai além do assegurar a memorização dos conceitos pelos alunos
resultantes de relações transmissivas e mecanizadas. Espero que os alunos sejam
capazes de entender as aplicações da Química em seu dia a dia, disse Kiara. Para
Fausto, a apropriação dos conhecimentos físicos vai possibilitar que os alunos tenham
uma postura cidadã e uma qualificação na área do curso. Elano ressalta que os
conceitos matemáticos devem ser aprendidos de forma contextualizada para que os
alunos possam usá-los de forma crítica. Mariana, por sua vez, assume conhecimentos
biológicos que levem os alunos a assumir uma postura crítica, ética na vida. Outro
rumo ao ensino parece, pois, se apontar.
Considero que os saberes de Química, Física, Biologia e Matemática têm uma
importância fundamental para o alcance dos objetivos da formação profissional
42
almejada, uma vez esses conhecimentos ao tempo que se constituem princípios
científicos básicos dos processos tecnológicos que conformam as atividades no campo
da eletrotécnica, fornecem os fundamentos para a formação de uma consciência
científica e crítica. Portanto, se estes conhecimentos mantêm profunda articulação com
os saberes da base técnica podem contribuir, dependendo da forma como são tratados,
para um processo formativo que não seja meramente técnico, mas que propicie uma
formação profunda e ampla, nas dimensões científica, tecnológica, social e política.
Reconheço, assim, a significação desses campos de conhecimentos na
totalidade que constitui o processo de formação do trabalhador Técnico em
Eletrotécnica, na modalidade de EJA. Parto do entendimento que os princípios
relacionados às novas tecnologias, aos novos processos de trabalho e às novas relações
sociais que se engendram no cenário atual, encontram-se vinculados aos saberes da área
de Ciências da Natureza e da Matemática na medida em que os conhecimentos
científicos, articulados aos conhecimentos histórico-sociais e aos tecnológicos se
constituem base para a formação do cidadão trabalhador contemporâneo. Isso implica
que estes conhecimentos sejam tratados em uma perspectiva de historicidade, de
totalidade (CIAVATTA, 2005; MACHADO, 2006b; FRIGOTTO, CIAVATTA,
RAMOS, 2005; MOURA, 2006).
Feitas essas considerações a respeito do cenário e do objeto desta tese, trato
subsequentemente dos sujeitos da pesquisa. Para alcance das intenções a que me propus
considerei pertinente ouvir aqueles que, de fato, vêm realizando, construindo e vivendo
o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática no cotidiano do Curso sob
investigação. Procurei dar ênfase e voz a sujeitos envolvidos neste processo: pedagoga,
professores que ministram as disciplinas e alunos do curso, que vivenciam este ensino.
Ouvi-los e atentar para o que diziam, para o que emergia dos seus relatos, parece ter me
dado a dimensão que o ensino dessa área tem adquirido no interior de um curso que se
funda, por suposto, em um currículo integrado, pois entendo que qualquer possibilidade
de implementação pertinente passa, necessariamente, pelas ideias de como o concebem,
o interpretam, o significam e o valorizam.
Para a escolha desses sujeitos, apoiei-me em Minayo (1999) quando diz que
esse é um processo criterioso que deve ser guiado pelos objetivos da pesquisa em
ocorrência à opção pelo método adotado pelo pesquisador. Para a autora, a seleção dos
sujeitos não deve ser orientada por uma preocupação com amostragens, mas a partir da
posição que estes ocupam no grupo, dos significados de suas experiências em
43
consonância com o tema a ser estudado, das representatividades que possuem em
função da questão que se pretende investigar.
Envolver professores e alunos no processo investigativo acerca do ensino
destes campos de conhecimentos significa que, neste estudo, este fenômeno não é
entendido desvinculado da aprendizagem. As análises de Veiga (2009) são
esclarecedoras desse entendimento por evidenciarem a unidade dialética do ensino e da
aprendizagem expressa no movimento entre a mediação do professor e a auto-atividade
do aluno, que os torna co-autores desses processos imbricados. Tenho igualmente em
conta Freire (1996, p.7), quando diz que não há docência sem discência. Quem ensina
aprende e quem aprende ensina, os dois se educam mutuamente nesse processo.
Partindo desses pressupostos me voltei para o universo do Curso, buscando ouvir,
apreender e compreender as manifestações advindas dos relatos de diferentes sujeitos.
Foram pesquisados a Coordenadora Pedagógica do Curso e 9 (nove) docentes,
sendo 6 (seis) da base da formação geral e 3 (três) da base de formação profissional. Da
formação geral, 4 (quatro) eram da Área das Ciências da Natureza e da Matemática, um
(1) professor de Língua Portuguesa, da Área de Linguagens e 1 (um) de Filosofia
pertencente à Área das Ciências Humanas. Da parte profissionalizante foram 3 (três)
professores, os quais ministram disciplinas técnicas distribuídas nas três séries que
constituem a formação. Ademais, compondo os sujeitos foram ouvidos 11 (onze) alunos
do Curso tomado como lócus da pesquisa.
Com o rico e amplo material empírico em mãos, resultante do movimento do
ciclo de análise vivenciado, considerando a pertinência aos propósitos da pesquisa,
considerei necessário redimensionar o universo de sujeitos inicialmente investigados,
selecionando para o processo de interlocução, que foi dando forma a esta tese, os relatos
de 5 (cinco) profissionais e 8 (oito) estudantes constituídos como sujeitos efetivos da
pesquisa, que a seguir apresento:
(i) Coordenadora Pedagógica do departamento ao qual o curso se encontra
vinculado, assentada no pressuposto de que, pela natureza de suas
funções, teria uma visão ampla da organização e funcionamento do
curso, em que as disciplinas das Ciências e Matemática se situam.
Encontra-se inserida no curso desde sua implantação, mantendo
envolvimento no processo de discussão/construção do currículo em
estudo.
44
(ii) Docentes da base da formação geral, sendo os 4 (quatro) da Área das
Ciências da Natureza e da Matemática, isto é, 1 (um) de Biologia, 1
(um) de Química, 1 (um) de Física e 1 (um) de Matemática,
selecionados por serem licenciados e ministrarem aulas nos campos de
conhecimentos, no Curso de Eletrotécnica Integrado, foco desta tese;
(iii) Discentes do Curso, em número 8 (oito), selecionados por serem alunos do
curso, terem nível de frequência satisfatório e disponibilidade de
participarem dos encontros do Grupo Focal.
A disponibilidade destes sujeitos em cederem parte de seus tempos para narrarem
e refletirem sobre experiências vividas, particularmente, no ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática, no âmbito do curso estudado, constituiu-se outro aspecto para
a seleção desses sujeitos. Levei em conta as contribuições de Minayo (1999) que ressalta
a importância de que sejam escolhidas pessoas dispostas a revelar a sua experiência em
diálogo franco e aberto e que, de sua posição no grupo ou em relação ao tema pesquisado,
sejam capazes de fornecer, além de informações substantivas e versões particularizadas,
uma visão de conjunto a respeito do universo estudado.
Defini, pois, treze interlocutores, cinco profissionais e oito estudantes com
experiências singulares, itinerários escolares e profissionais diversos, entrecortados por
tantas outras histórias, para constituírem o foco das reflexões que construí ao longo
desse trabalho. Interlocutores que me levaram com suas histórias a refletir sobre meu ser
e fazer profissional, tantas vezes atravessados pelas mesmas expectativas, dilemas,
esperanças e contradições. Entendo ser pertinente apresentar quem são eles, que
experiências acumulam, que perfil apresentam, com o propósito de demarcar
características e singularidades de suas e de minhas narrativas no espaço da investigação
ora construído. Com a intenção de resguardar a identidade desses sujeitos optei por lhes
atribuir nomes fictícios, com os quais serão identificados ao longo da tese.
Meus interlocutores docentes na totalidade têm formação superior e pertencem ao
quadro efetivo do IFMA, com dedicação exclusiva. Todos possuem licenciatura na área
em que atuam e pós-graduação – alguns com especialização e outros com mestrado e
doutorado. O tempo de atuação desses sujeitos na instituição varia entre cinco e vinte e
cinco anos. Esses professores trazem, em comum, experiências de trabalho na sua área,
tanto antes de ingressar no Instituto, quanto o que constitui, de acordo com os dados
45
levantados, forte alimentador de trocas de experiências, principalmente no que tange à
incorporação de novas concepções de formação profissional, como esta que pesquisei.
A totalidade do grupo possui experiência com a formação profissional integrada e
já vinha de experiências junto a jovens e adultos, nessa, em outras instituições e em
espaços educativos não formais, trazendo consigo concepções, crenças e valores ali
construídos acerca dessa modalidade de educação e daqueles para a qual se volta. No meu
olhar, outro aspecto significativo com fortes implicações para a feição que o curso vem
alcançando é que mesmo reconhecendo as complexidades e contradições inerentes a
esse processo formativo, atravessado, simultaneamente, por positividade, dificuldades e
tantos limites, todos declararam estar atuando no PROEJA por opção. Em síntese, eles
e elas apresentam as seguintes características:
Elano – licenciado em Matemática, com Especialização em Metodologia do
Ensino pela Universidade Estadual do Maranhão e vários Cursos de atualização na área
do ensino. Iniciou sua vida profissional, ensinando Matemática na EJA, no ginasial e
científico dos antigos Cursos Madureza e Supletivo, há 41 anos. Trabalha no IFMA há
25 anos, atuando desde o período de implantação pela instituição nos Cursos Técnicos
Integrados e nas Licenciaturas de Matemática. Valoriza a formação continuada e está no
Curso de Eletrotécnica /PROEJA desde as primeiras discussões.
Mariana- licenciada em Biologia pela UFMA, com Especialização na área
de Metodologia do Ensino. Trabalha no IFMA há 25 anos, em Cursos Técnicos
Integrados ao Médio e no Curso de Licenciatura em Biologia, desde sua implantação na
instituição. Está envolvida com os Cursos Técnicos Integrados do PROEJA desde a
primeira experiência institucional, em 2007.
Fausto- licenciado em Física, com mestrado e doutorado em Física. Tem a
habilitação de Técnico em Eletrotécnica, campo para o qual se voltou este estudo. Com
quinze anos de docência, está a oito anos no IFMA trabalhando nas Licenciaturas e nos
Cursos Técnicos Integrados ao Médio, desde sua implantação. Coordena pelo Instituto o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID – da CAPES. Com
experiência anterior em EJA, encontra-se envolvido no curso Técnico de
Eletrotécnica/PROEJA desde as primeiras discussões. Desenvolve pesquisas na área do
Ensino de Física.
Kiara – graduada em Química Industrial e Licenciada em Ciências. É
Mestre em Química Analítica e Doutora em Química Orgânica. Exercia docência antes
de ingressar no IFMA em 2010 e está envolvida com os Cursos de Licenciaturas e com
46
os Técnicos Integrados desde sua inserção na instituição. Participa da formação no
PROEJA desde o processo de implantação do programa na Instituição. Realiza
pesquisas na área de Ciências
Flora – a pedagoga nomeada - é Licenciada em Pedagogia e Filosofia,
especialista em Metodologia do Ensino. Cursou a especialização em Educação de
Jovens e Adultos pelo IFMA e desenvolve pesquisas nesta área. Exerceu a docência
durante 15 anos e trabalha no IFMA como pedagoga há 12 anos. Assumiu a
coordenação do grupo de estudo e implantação do curso de Eletrotécnica/ PROEJA
desde 2011, quando iniciaram as primeiras discussões para elaboração do projeto
curricular do curso. Tem experiência com pesquisa na área de EJA e Currículo.
O grupo de estudantes, no total de oito, diz respeito a homens e mulheres, jovens
e adultos, de 25 a 46 anos, que têm uma história de vida, uma cultura singular, que
configuram necessidades diferenciadas ao lado de direitos universais. São trabalhadores
empregados, subempregados e desempregados que buscam o Curso Técnico em
Eletrotécnica Integrado/PROEJA cheios de sonhos, de expectativas e de esperança de
ter a oportunidade de uma escolarização/profissionalização que lhes assegure uma
formação ampla e sólida. Desejam uma profissionalização que não se reduza a lhes
ensinar a executar tarefas, mas a atuar de forma competente, com capacidade de realizar
atividades profissionais com domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos que
lhes são inerentes. São eles e elas:
Alan – com 35 anos, concluiu o ensino fundamental em 1993. Iniciou por
duas vezes o ensino médio, mas teve que abandonar. Tem vários cursos na área
profissional como o Curso de Comandos Pneumáticos de Informática Básica. Já fez
estágio na área de Elétrica, em consonância com o eixo do curso que frequenta.
Carlos – com 42 anos, concluiu o ensino fundamental em 2000. Tem curso
de eletricista e tem experiência na área do curso.
Edson - tem 32 anos, concluiu o ensino fundamental em 1996. Tentou
aprovação no CEFET-MA algumas vezes, sem êxito. Chegou a iniciar o 1º ano do
Ensino Médio, tendo que abandonar por não poder conciliar com o emprego do
momento. Fez vários cursos profissionalizantes no SENAI e no SENAC. Trabalha com
instalação elétrica e está empregado em uma gráfica.
Fábio – tem 25 anos e concluiu o ensino fundamental em 2005. Fez além de
outros o Curso de Montagem e Manutenção de computadores e atualmente está
desempregado.
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Gilson– com 34 anos, concluiu o ensino fundamental em 2010. Iniciou o
ensino médio, o qual abandonou por entender que um Curso Integrado lhe oferecerá
melhores oportunidades de vida. É eletricista e trabalha na área.
Joel- com 46 anos, com o ensino fundamental completo. Tem cursos na área
de comandos elétricos, elétrica predial e soldador. Trabalha como eletricista e montador
em uma firma de engenharia.
Luísa- tem 37 anos, concluiu o ensino fundamental em 1998. Tem curso de
vigilante e não tem experiência na área do curso.
Vanda- com 42 anos tem o curso de técnica em soldagem. Concluiu o
ensino fundamental em 1997, mas nunca parou de estudar. Iniciou por duas vezes o
ensino médio, mas teve que parar. Trabalha como montadora de aparelhos eletrônicos
em uma firma.
Instigada pela problemática em torno do objeto posto, em diálogo com esses
sujeitos da pesquisa, expressando minhas interpretações e compreensão advindas de
suas histórias, capturadas a partir da pesquisa empírica, fundamentada em interlocutores
empíricos e teóricos com os quais dialogo, se deu a construção desta tese.
A Metodologia de Pesquisa
Intencionando o alcance dos objetivos propostos, optei pela pesquisa
qualitativa, centrada na abordagem narrativa - o primordial na investigação foi
compreender o objeto do estudo, contextualizando-o na realidade social dinâmica,
buscando capturar as implicações advindas desta realidade Sendo assim, o foco de
análise e interpretação do que foi coletado por esta pesquisa foram os relatos, as
histórias dos sujeitos sobre as experiências que vivenciaram/vivenciam no Ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática, no contexto singular do Curso Técnico em
Eletrotécnica Integrado/PROEJA do IFMA.
Produzir conhecimentos utilizando uma abordagem qualitativa implica,
segundo Minayo (1999), optar por estudos que buscam compreender questões da
realidade que envolvem um universo de significados, concepções, valores e atitudes que
não podem ser simplesmente quantificados. O primordial no percurso da investigação é
compreender o fenômeno - objeto do estudo -, contextualizando-o numa realidade social
dinâmica, buscando capturar as implicações advindas desta realidade. Cabe interpretar
seus valores e relações, não dissociando o pensamento da realidade social em que
48
pesquisador e pesquisado são sujeitos recorrentes, e por consequência, ativos no
desenvolvimento da investigação científica. Isto significa que na proposição
investigativa deste estudo voltei-me a capturar as significações, as crenças, valores que
os professores produzem e atribuem às relações e práticas sociais em que estão
envolvidos, no caso, no Ensino de Ciências da Natureza e da Matemática no Curso
Técnico Integrado do PROEJA.
Garnica (1997, p. 111) também apresenta elementos que ajudam a esclarecer a
opção que fiz quando diz que nas abordagens qualitativas, cabe ao pesquisador se
debruçar sobre o objeto de estudo buscando identificar suas características, seu
movimento, na tentativa de analisá-lo e compreendê-lo em seus significados possíveis.
Tal compreensão advém de sua capacidade eminentemente humana de interagir e
interrogar as coisas do contexto em que é parte ativa. Sendo assim, acentua o autor, não
existirá neutralidade do pesquisador em relação à pesquisa - forma de descortinar o
mundo - pois ele atribui significados, seleciona o que do mundo quer conhecer,
interage com o conhecido e se dispõe a comunicá-lo.
Isto quer dizer, que no percurso do processo investigativo em que busquei
compreender as concepções e ações que sustentam o ensinar Ciências da Natureza e da
Matemática em Cursos Técnicos Integrados do PROEJA, não me posicionei como
sujeito à parte, neutro, objetivista, ao contrário, me constituí parte importante do
contexto da investigação. A busca de conhecimentos estava permeada por minhas
intenções, por minha história de vida pessoal e profissional e pelas condições sócio-
políticas do contexto em que me situo e no qual o fenômeno investigado ocorre.
Entendo como Freire (1996) que a escolha da pergunta da pesquisa já, em si, é um ato
embebido de subjetividade, por se encontrar marcada pelos valores, postura teórica e
concepção de mundo daquele que se volta a investigar.
No percurso do pesquisar, sem perder de vista a abordagem metodológica a
qual fiz opção, busquei um movimento consubstanciado pelo cuidado e rigor ético, tão
bem alertado por Freire (1987, p. 267) que, quando em diálogo com Shor, chama a
atenção para uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a
reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada
um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo que produzimos com os outros. Não
existe a verdade, nem verdade advinda de um só olhar, elas são sempre múltiplas e
transitórias, assim como é o ser humano.
49
Em se tratando de uma abordagem de caráter qualitativo, a pesquisa narrativa
se situa na perspectiva da não neutralidade na relação sujeito-sujeito-objeto,
caracterizando-se como um processo em que pesquisador e participante constroem
mutuamente o percurso investigativo, de forma que ambos reconstituam e compartilhem
suas histórias e se sintam envolvidos por elas (CONNELLY; CLANDINIM, 1995).
Envolver-me na história do outro, buscar compreender suas experiências, interpretar os
seus ditos, foi fazer um exercício no pensamento que levou a capturar uma forma de
organizar, de ver e de pensar o mundo.
A partir dessa perspectiva, assumi a narrativa como modalidade de pesquisa
para capturar as concepções e ações que permeiam o objeto que me dispus a estudar. Tal
posição se dá por compreender a sua fecundidade tanto como modo de produzir sentido
à experiência humana, quanto como forma de investigar/ compreender essa experiência,
no caso, o ensinar Ciências da Natureza e Matemática em cursos técnicos do PROEJA,
levando em conta as dimensões espaço-temporais e as interpretações e compreensões
dos seus protagonistas, num movimento em que estas se agregam às interpretações do
próprio pesquisador, fruto da relação dialógica que se instala criando uma cumplicidade
de dupla descoberta.
Connelly e Clandinin (1995, p. 11) me ajudam a compreender o significado
dessa opção quando afirmam que:
... a razão principal do uso das narrativas na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas relatadas... por isso, o estudo das narrativas são o estudo da forma como os sujeitos experimentam o mundo.
Importa explicitar que ao experimentarem o mundo, atuarem com e sobre ele,
os homens produzem conhecimentos, cultura, concepções, significados e por meio da
narrativa contam sobre essas experiências, externalizam o que pensam e sentem como
resultantes das ações e relações que estabelecem consigo, com outros e com um mundo,
datado e situado. Toda experiência humana se realiza em um contexto histórico e social,
e não há experiência que não possa ser expressa em narrativas.
Nessa direção, Connelly e Clandinin (1995) mencionam que as narrativas têm a
capacidade de reproduzir as experiências da vida, tanto pessoais como sociais de forma
relevante e plenas de sentido. Essa reprodução é capaz de transmitir significado, valor e
intenção na medida em que nós seres humanos somos naturalmente contadores de
histórias e personagens de nossas próprias histórias e das histórias dos demais.
50
De fato, a narrativa tem a ver com contar histórias, e o contar histórias, por sua
vez, é parte natural da existência humana, pois desde a infância, contamos aos outras
nossas histórias, assim como nos envolvemos, de diferentes formas, com suas histórias.
Portanto, a narrativa começa com a nossa história, com a história da humanidade,
estando assim presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as
sociedades. A esse respeito Barthes (1976, p. 19-20) esclarece que:
.... Sob uma quase infinita diversidade de formas, a narrativa está presente em cada idade, em cada lugar, em cada sociedade; ela começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em nenhum lugar e em tempo nenhum, um povo sem narrativa ... ela está simplesmente ali, como a própria vida.
Reside aí o mérito da pesquisa qualitativa na modalidade narrativa o de
explorar e organizar este potencial humano, produzindo conhecimento sistematizado
através dele (CUNHA, 2005, p. 44). Para a autora, tal qual para Connelly e Clandinin
(1995), a narrativa pode ser útil tanto como instrumento na pesquisa educacional,
quanto como método, pois possibilita ao pesquisador capturar a essência da experiência
humana e, consequentemente, da aprendizagem e mudança humana. Dessa forma, ao
recorrer a esse instrumental, o pesquisador legitima o papel do ser humano como
produtor de conhecimentos, no caso específico das narrativas, um ser contador de
histórias, cujos pensamentos, emoções, sentimentos e, sobretudo, experiências são
fontes inesgotáveis de dados.
Ancorada nessa compreensão, passei a ouvir a história dos sujeitos
pesquisados, a reconstruir essas histórias e re-interpretar os significados que delas
emergiam, pois como lembra Cunha (2005, p. 45), uma narrativa acaba sempre sendo
um processo cultural, pois tanto depende de quem a produz como depende de para
quem ela se destina. Ou, como situa Larrosa (1996), nas narrativas as vidas do narrador
e do ouvinte se entrelaçam, pois, ao compartilhar dos relatos o pesquisador tanto pode
reinterpretá-los, quanto recriá-los consoante às suas próprias formas de pensar, sentir e
agir.
Vivenciar esse processo investigativo possibilitou, portanto, compreender,
como acentua Cunha (1997), a cumplicidade que brota entre aquele que pesquisa e o
que é pesquisado, pois de alguma forma a investigação que usa narrativa pressupõe um
processo coletivo de mútua explicação, em que a vivência do investigador se imbrica na
do investigado, sem perder de vista o seguinte:
51
.... As narrativas dos sujeitos são a sua representação da realidade e, como tal, estão prenhes de significado e reinterpretações .... O fato da pessoa destacar situações, suprimir episódios, reforçar influências, negar etapas, lembrar e esquecer, tem muitos significados e estas aparentes contradições podem ser exploradas (CUNHA, 1997, p. 178).
Portanto, ao dar voz, ao ouvir as narrativas dos sujeitos da pesquisa pude ter
claro que tais narrativas não podiam ser consideradas como ‘verdade literal dos fatos’,
mas como representações que se fazem presentes no campo da subjetividade, de
sentidos e significados que habitam a consciência (CUNHA, 2010). As contribuições
de Aragão (1993, p. 5) foram importantes para esse entendimento por explicitar que a
narrativa possibilita a todos nós a expressão da história do nosso ponto de vista, do
lugar de onde podemos olhar e ver não só com os olhos, mas principalmente com a
mente.
Dessa forma, num movimento de cumplicidade, sem deixar de considerar o
necessário distanciamento reflexivo do objeto da pesquisa que propus desenvolver,
lancei mão de procedimentos metodológicos para capturar os relatos dos sujeitos
investigados, entendendo, como evidenciam Franco e Ghedin (2008), que sendo a
realidade dotada de sentido, a investigação deve dispor de instrumentos que apreendam
tal realidade e, sobretudo, que possibilitem interpretação e análise de suas múltiplas
significações e concepções.
Nessa perspectiva, tendo como foco a problematização e os objetivos que
busquei alcançar, priorizei procedimentos metodológicos com instrumentos que
dialogaram e se complementaram no decorrer da pesquisa. Aprofundei teoricamente o
objeto de estudo recorrendo a produções que se debruçaram sobre a temática
pesquisada. Fiz uso da análise documental centrando no Documento base do PROEJA e
no Projeto Curricular do Curso em estudo que, segundo Ludke e André (1986), se
constitui fonte intensa de onde podem ser retiradas evidências e significações que
embasam afirmações e declarações do pesquisador. Realizei entrevistas
semiestruturadas para dar voz ao pedagogo e aos professores selecionados para a
investigação, as quais posteriormente transcrevi para se constituírem dados passíveis de
interpretação e compreensão, tendo em vista os objetivos visados. Com os estudantes
foi vivenciada a técnica do grupo focal. Para enriquecer os dados da investigação lancei
mão das anotações em um diário de campo, que serviu como recurso paralelo, o qual
favoreceu o registro de situações que - pela diversidade de vivências e pela sutileza que
lhes são intrínsecas - possibilitou riqueza e ampliação dos dados.
52
A seguir, com a intenção de explicitar o percurso em que os dados foram
coletados, revelando suas nuances, suas particularidades e contradições, dou a conhecer
o movimento próprio de uma tarefa complexa vivenciada no processo investigativo que
consistiu em ouvir, numa escuta simultaneamente silenciosa e dialógica, os relatos dos
sujeitos sobre as experiências vivenciadas no Curso Técnico Integrado ao Médio em
Eletrotécnica/PROEJA, com foco no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática,
sob a feitura de um currículo integrado.
Coletando os Dados Junto aos Sujeitos do Curso
Apresento nesta subseção os aspectos que constituíram o desenvolvimento da
pesquisa, relatando inicialmente o processo vivenciado junto aos professores e ao
coordenador pedagógico do curso pesquisado e, em seguida, o percurso da investigação
junto aos discentes com a aplicação da técnica do grupo focal.
Entrevistando o Pedagogo e os Docentes
Apoiada nas orientações de Connelly e Clandinin (1995) quanto aos aspectos a
serem observados pelo pesquisador ao entrarem no campo da pesquisa, tive o cuidado
de restabelecer e reafirmar no grupo para o qual estava me voltando na condição de
sujeito investigador, relações de confiança e de colaboração, de forma a criar um clima
propício a narrativas compartilhadas, em que os sujeitos envolvidos falassem de suas
experiências, manifestassem seus pensamentos, sentimentos e pontos de vista sem
constrangimentos ou induções.
Dessa forma, a constituição do cenário inicial da pesquisa se deu com relativa
facilidade, em decorrência da boa relação que já mantinha com a equipe de profissionais
do departamento em que o Curso Técnico de Eletrotécnica integrado ao
Médio/PROEJA encontra-se inserido17. Assim, ao entrar em contato com o chefe do
departamento e com a coordenadora pedagógica apresentei os propósitos e a proposta
metodológica da pesquisa, tendo ficado acordado um espaço para apresentá-los aos
professores na reunião que teriam. Participei da reunião, conforme combinado, e nessa
17Além de fazer parte da instituição, de ter coordenado e ministrado aulas no Curso de Especialização/PROEJA, em que alguns professores do departamento estavam envolvidos tive oportunidade de participar de reuniões do grupo de estudo e de planejamento do curso, a convite da coordenação, o que contribuiu para me aproximar mais do grupo.
53
ocasião apresentei o projeto do estudo, explicitando detalhadamente as questões que
inquietavam e os objetivos a que pretendia chegar, aproveitando para convidar o grupo
para participar do processo metodológico que seria desenvolvido ainda no semestre em
curso, adentrando para o ano subsequente.
A partir dessa primeira aproximação, as entrevistas foram agendadas com a
combinação de que seriam gravadas para posterior transcrição, apreciação e possíveis
alterações pelos professores, tendo em vista os procedimentos da análise para gerar
unidades de significação. Considerando as características da entrevista semiestruturada,
elaborei questões que pudessem ser provocadoras de reflexões e narrativas, sinalizando
para os objetivos que davam direção ao estudo.
De início, esse instrumento continha perguntas voltadas para a caracterização
dos professores e da pedagoga, intencionando identificar a trajetória acadêmica e
experiência profissional de cada um deles, condição importante para compreender a
história construída nessas instâncias que repercutem na forma de conceber e atuar nos
diferentes espaços que ocupam, pessoal e profissionalmente. Incluía ainda, questões
voltadas para desnudar o objeto de estudo, instigando desvelar o ensino de Ciências da
Natureza e de Matemática no âmbito do curso do PROEJA, entendendo-o não como um
dado inerte e neutro, mas como um processo atravessado por concepções de mundo e de
educação, carregado de significados e sentidos que sujeitos concretos lhe atribuem no
exercício de atuação.
Sendo assim, por compreender que a apreensão do ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática a partir do que emergia dos seus sujeitos não poderia se dar
desvinculado da totalidade em que estava inserido, isto é, fora do contexto do curso do
PROEJA, foquei a entrevista em aspectos, tais como:
· o que concebem sobre PROEJA e currículo integrado;
· motivos que os levaram a atuar nesse Curso, bem como processos de
formação para a atuação no Curso/Programa;
· concepções, percurso de planejamento e organização da Proposta
Curricular do Curso Técnico Integrado em Eletrotécnica /PROEJA
e das Ciências da Natureza e da Matemática como componente
curricular deste curso;
· concepções e processos vivenciados no desenvolvimento do Curso, em
específico, da área das Ciências da Natureza e da Matemática como
54
parte deste;
· o que concebem a respeito do jovem e do adulto a quem ensinam, de
suas potencialidades e limites frente aos objetivos da formação;
· concepções e ações acerca dos objetivos de integração das disciplinas
Química, Biologia, Física e Matemática, consigo mesmo e com
outras da própria área, com outras disciplinas da formação geral e
com disciplinas do campo da formação específica;
· concepções e ações das disciplinas da área em estudo no contexto de
Projetos Integradores que integram o currículo do curso;
· metodologias, recursos e procedimentos de avaliação, usualmente
utilizados, tendo em vista os objetivos propostos para a formação;
· possibilidades e dificuldades confrontadas frente aos desafios
colocados para esse curso do Programa PROEJA.
Essas entrevistas foram realizadas, individualmente, no espaço da instituição,
criando um clima favorável para os relatos no ambiente em que os sujeitos pesquisados
realizam suas práticas. A cada entrevista, eu retomava os objetivos e a autorização para
gravá-la. No processo, busquei fortalecer o espaço de liberdade, a relação de confiança
e cumplicidade, contrária às atitudes de um pesquisador ‘dono do saber’ que ocupa uma
relação hierárquica diante um sujeito passivo. Redobrei-me para favorecer um clima
em que os interlocutores construíssem suas respostas, expressassem seus pontos de
vista, relatassem suas experiências e histórias, tendo claro de que esses relatos por mais
particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais, consubstanciadas nas
formas com que esses indivíduos se inserem e atuam no mundo, especialmente no grupo
do qual fazem parte.
Em Ludke e André (1986), busquei elementos para justificar a posição que
assumi no percurso ao entrevistar, quando essas autoras ressaltam uma característica
importante da entrevista semiestruturada que é o caráter de interação que a permeia, é a
relação que se estabelece proporcionando uma atmosfera de influência recíproca entre
quem pergunta e quem responde, não havendo imposição de uma ordem rígida de
perguntas a serem seguidas pelo pesquisador. A contribuição de Sarmento (2003, p.
163), foi igualmente importante posto que este declara que:
55
A realização de entrevistas deve permitir a máxima espontaneidade, seguindo devagar as derivas da conversa e percorrendo com atenção seus espaços de silêncio. .... É importante perceber o quanto as entrevistas podem ser uma oportunidade para os sujeitos se explicarem, falando de si, encontrando razões e as sem-razões por que se age e vive.
Apoiada em Connely e Clandinin (1995) deixei que os participantes contassem
primeiro as suas histórias, o que não quer dizer que permaneci em silêncio no percurso
da investigação. Abri tempo e espaço para aqueles que têm sido silenciados nos
processos investigativos falassem de suas experiências, possibilitando que estas
histórias ganhassem estatuto e validade conferidos aos relatos de investigação. Procurei,
atentamente, entender como os entrevistados decifram o curso em que trabalham, como
pensam e agem frente ao desafio de ensinar Ciências da Natureza e Matemática para
sujeitos tão singulares, imbricada às outras áreas do curso, tendo o cuidado de intervir
para retomar questões, quando houve desvios, ou para solicitar a clarificação de ideias,
caso se apresentassem confusas.
Encontrar o distanciamento suficientemente positivo entre mim e os sujeitos da
pesquisa, a fim de proporcionar um espaço agradável de expressão de sentimentos e
concepções, foi um desafio constante. Tomando como referência Aragão (2011) assumi
a vigilância necessária ficando atenta não somente às palavras, mas também aos vários
aspectos envolvidos nas manifestações dos sujeitos, como as pausas, as expressões, os
gestos, pois segundo esta autora, cabe ao pesquisador emprestar significados ao dado
mais simples e aparentemente opaco. Foi fundamental captar nas brechas das
discussões nova indagação, colocando em relação coisas que, sem um olhar apurado,
poderiam parecer desconexas.
Foi significativo apreender os depoimentos dos participantes docentes, sobre
o que pensam acerca do Programa em que se inserem, do ensinar Ciências da Natureza e
da Matemática no cotidiano do Curso investigado, não como descrição objetiva de um
processo, mas percebendo que esses sujeitos, ao falarem a respeito de suas práticas,
refletiam sobre as mesmas e interpretavam suas trajetórias. Como afirma Bosi (2004, p.
44) ouvindo narrativas orais compreendemos que o sujeito mnemônico não lembra uma
ou outra imagem. Ele evoca, dá voz, faz falar, diz de novo o conteúdo de suas vivências.
Enquanto evoca, ele está vivendo atualmente e com intensidade nova a sua experiência.
Esse percurso de escuta, de atentividade aos relatos, de apreensão dos ditos e
não ditos, dos silêncios, pausas, foram acompanhados pelas anotações em diários, pois
tinha em conta o que evidenciam Connelly e Clandinin (1995), que numa investigação
56
narrativa, o sentido de totalidade, verdade, precisão e objetividade é algo construído
graças a uma rica e elaborada fontes de dados, de forma que enfoque as particularidades
concretas da vida daqueles que se dispõem a falar de si. Ademais, diante de convites
feitos por alguns professores para que eu participasse das suas aulas, me fiz presente,
observando e anotando momentos e situações significativas que compunham a
experiência em análise.
Entre encontros e alguns desencontros, em decorrência de agendas previamente
definidas com professores que não puderam ser cumpridas, consegui compor um
material de aproximadamente 18 horas de gravação em equipamento de áudio,
resultante das entrevistas individuais realizadas inicialmente com os docentes. Retomei
alguns casos quando pareceu haver necessidade de explicitação. Foi um percurso rico,
interativo, em que os entrevistados retomaram suas histórias de vida, narraram o que
pensam, sentem e fazem, atribuindo significados a suas experiências e deixando em
minhas mãos um rico material. Este material foi transcrito, compartilhado às outras
informações coletadas por meio de outros procedimentos da investigação. Logo após foi
interpretado, para dar origem a esta macro narrativa, construída nesse movimento
coletivo em que eu e meus parceiros interlocutores fomos autores plenos.
Construindo as Informações Junto aos Estudantes
Para coletar informações junto aos alunos, em um processo de trocas efetivas,
potencializando a livre expressão, tal qual vinha se dando junto aos professores, utilizei
o Grupo Focal, subsidiada pelas contribuições de Gatti (2005, p.9). Para a autora, esta é
uma técnica em que o pesquisador reúne durante certo período, em um mesmo espaço,
certa quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, com
objetivo de coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca
de um tema em estudo. Do seu ponto de vista, o grupo focal permite emergir uma
multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de
interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios,
poderiam ser difíceis de manifestar.
Com esse entendimento, retomei as orientações de Clandinin e Connelly
(2011) e busquei construir um espaço/momento regido pela transparência, propício para
a troca de informações e para o estabelecimento de relações de confiança, condições
fundamentais à realização do estudo pretendido. Assim, em uma sala de aula, com o
57
acompanhamento da pedagoga do departamento, apresentei a 37 discentes, dos 45
matriculados no curso de Eletrotécnica do PROEJA, a proposta de desenvolvimento da
pesquisa, tendo o cuidado de situar o lugar que eles poderiam ocupar nesse processo,
em decorrência da vivência que vinham construindo no processo formativo.
No decurso desse primeiro contato, chamou-me atenção que - enquanto eu
explicava os objetivos e a metodologia propostos para o estudo - um profundo e
respeitoso silêncio que inicialmente se instalou por parte dos alunos, foi a pouco e
pouco sendo substituído por questões sedentas de esclarecimentos e de detalhes a
respeito do que constituiria esta pesquisa, alertando-me para as orientações de Gatti
(2005, p. 13) quando diz que o convite às pessoas para participar do grupo deve ser
motivador, de modo que os que aderirem ao trabalho sejam sensibilizados tanto para o
processo como para o tema geral a ser tratado.
Nesse contexto, fiz o convite para partilharem, em um espaço coletivo de
trocas efetivas, o que concebem, sentem, valorizam, incorporam e expressam acerca do
objeto em investigação, o curso que faziam. A princípio, dos 37 alunos presentes, cerca
de 20 manifestaram a intenção de participar do grupo focal, quantidade que foi
diminuindo quando se deram conta da necessidade da participação integral nos
encontros planejados para as explorações dos tópicos considerados pertinentes ao tema
da pesquisa. Ao final, considerando alguns critérios pertinentes, o grupo ficou composto
de 11 alunos, conforme já explicitado em tópico anterior. Para efeito das interpretações
e contribuições às categorias de análises estruturadas foram considerados oito (8)
estudantes.
É possível perceber na configuração do grupo, critérios recomendados
(KITZINGER, 1994; GATTI, 2005) no que se refere à aproximação/variação de
características, como fatores facilitadores da comunicação intra-grupo. Isto dada a
heterogeneidade do grupo em termos de idade, gênero e, ao mesmo tempo, aproximação
em termos de estilos de vida, grau de escolaridade antecedente, condição
socioeconômica e, sobretudo, com relação à experiência que estão vivenciando no
processo formativo pesquisado, o que propiciou riqueza na troca de informações.
Antes de iniciar os encontros do grupo focal procurei montar uma equipe para
dar conta das diferentes atividades que envolvem o acontecer desses encontros. Assim
como Gatti (2005), entendo que, dada a diversidade, complexidade e detalhes que
perpassam por reuniões dessa natureza, é fundamental compor um grupo de
coordenação em que as atribuições dos membros estejam bem definidas, tendo em vista
58
o alcance dos objetivos propostos com a adoção desta técnica de coleta qualitativa de
informações. Além de mediadora - papel que assumi na condição de pesquisadora -
convidei duas assistentes para comigo se envolverem nesse exercício complexo da ação
do pesquisar. Uma que desempenhou o papel de observadora e outra que se
responsabilizou em operar as gravações. A observadora teve como atribuição registrar
algumas falas, nominando-as e associando-as aos motivos que as incitaram, assim como
as linguagens não verbais dos participantes. Isto é, os tons de voz, expressões faciais,
gesticulação, pausas, enfim, um rol de posturas, ideias e pontos de vistas que
subsidiaram as análises posteriores. A operadora de gravação, por sua vez, dedicou-se à
gravação integral dos debates que se realizaram nos encontros.
Na busca do alcance dos objetivos intencionados para a pesquisa junto a esses
alunos, planejei uma tríade de encontros de forma a potencializar, num processo
reflexivo e interativo, a apreensão das concepções e ações que permeiam a totalidade do
Curso Técnico de Eletrotécnica/PROEJA e do ensino das Ciências da Natureza e da
Matemática como parte constituinte desse todo. Dessa forma, foram realizados três
encontros do Grupo Focal e, em cada um, a partir de perguntas disparadoras, foram
abordados subtemas que, num processo dinâmico, circular e gradual, facilitou relações e
interações entre os sujeitos. Nestes foi possível perceber que os estudantes se
posicionaram como autores das discussões, análises e sínteses acerca do processo
formativo e do ensino de Química, Biologia, Física e Matemática que nele se dinamiza,
desvelando as implicações frente à formação profissional que almejam alcançar. Tal
planejamento, visando alcançar os propósitos da pesquisa, chegou à seguinte
configuração:
Roteiro das Atividades do Grupo Focal
ENCONTROS GF
INTENÇÃO SUB-TEMÁTICA MODO DE REGISTRO
Encontro I
Discutir, trocar experiência e pontos de vistas de forma a expressar o que concebem, significam a respeito do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio, vinculado ao PROEJA
Curso de Eletrotécnica/PROEJA: ser aluno/a nesse
curso; potencialidades e
expectativas e dificuldades com
relação à formação que buscam
Filmagem, Gravação,
Anotações do Observador
Encontro II
Refletir/expressar pontos de vista, o que concebem e significam acerca do
As disciplinas de
Filmagem, Gravação,
59
ensino das disciplinas de Ciências da Natureza e da Matemática como parte do currículo do curso que estão cursando
Ciências da Natureza e da Matemática como parte do
currículo do Curso: importância para o
alcance do que buscam no curso;
tratamento dos conteúdos e o lugar que ocupam seus
saberes nesse processo; integração dos conhecimentos
no processo formativo; formas de
avaliação da aprendizagem
Anotações do Observador
Encontro III
Refletir/expressar pontos de vista, o que concebem e significam acerca das disciplinas de Ciências da Natureza no desenvolvimento dos Projetos Integradores do Curso.
As disciplinas de
Ciências da Natureza e da Matemática no desenvolvimento do Projeto Integrador do
Curso: contextualização,
interdisciplinaridade e pesquisa.
Filmagem, Gravação,
Anotações do Observador
A organização do cronograma para a realização dos Encontros do Grupo Focal
se constituiu um grande desafio devido à dificuldade de conciliar um horário, fora das
aulas, em que todos pudessem participar. Foi possível, contudo, não só definir um
horário comum para o I Encontro, mas reservar uma sala com características
aproximadas às orientações de estudiosos no assunto (GATTI, 2005), isto é, um
ambiente acolhedor que assegurasse a privacidade para facilitar o debate e aprofundar as
discussões. Um detalhe importante foi a organização das cadeiras em forma circular no
sentido de promover a participação e interação dos envolvidos, olhando-se uns aos
outros.
Na dinâmica desse Encontro I, com todos os participantes presentes, busquei
no primeiro momento explicar os objetivos, esclarecer sobre a dinâmica de discussões,
os aspectos éticos vinculados ao estudo e ao processo interativo, intencionando desde o
início estabelecer, entre os membros do grupo, relação de confiança e desenvolvimento
de situações de atenção mútua e de propósitos compartilhados. Informei que iria usar o
gravador de áudio e filmadora para registro do encontro, ao tempo que solicitei a
autorização dos participantes, não havendo nenhuma objeção ao fato. Após apresentar
60
os outros componentes da equipe esclarecendo a função que teriam no grupo, solicitei
que todos se apresentassem como condição importante para se passar à interlocução que
iríamos vivenciar.
Ao apresentar neste encontro as questões norteadoras do debate que versavam
sobre o Programa PROEJA e o Curso Técnico de Eletrotécnica nele situado,
intencionava oportunizar que os estudantes expressassem seus pontos de vistas,
convicções, entusiasmos, razões pessoais e sociais que justificam o acontecer e o estar
em um programa/curso dessa natureza. No decurso dos noventa minutos de duração do
encontro procurei fazer a mediação necessária para instaurar e alimentar os relatos e
debates entre os participantes, cuidando para que - ao invés de se tornar uma entrevista
coletiva - fossem vivenciadas trocas efetivas, o que não significava a preocupação com
a formação de consensos. Em síntese, norteada pelos objetivos da investigação, o foco
era explorar as concepções e experiências dos participantes, no sentido de apreender não
somente o que pensam, mas como pensam e por que pensam de tal ou qual modo a
respeito do PROEJA/Curso em que estão inseridos.
No Encontro Focal II, com a participação de 10 alunos, durante 90 minutos,
mais uma vez foi possível vivenciar a técnica oportunizando aos participantes
expressarem suas reflexões sobre o tema por meio da ‘fala’, de modo a manifestarem,
seus conceitos, impressões e concepções (GATTI, 2005) a respeito do ensino de
Ciências da Natureza e da Matemática que se materializa no curso/programa que já
haviam discutido no encontro anterior. A riqueza dos pontos de vista apresentados, das
complementações concordantes/discordantes manifestadas, fez coro a Freire (2001a)
quando diz que os homens aprendem em comunhão mediatizados pela comunicação.
Ainda na busca de apreensão de como os participantes concebem a realidade,
seus conhecimentos e experiências, foi realizado o Encontro Focal III, com a
participação integral dos alunos 18. A pauta das discussões girou em torno do lugar que
ocupam as disciplinas Química, Biologia, Física e Matemática nos Projetos Integradores
que são parte do currículo do curso ao qual se encontram integrados. A intenção era
apreender evidências, ou não, de princípios de interdisciplinaridade, de
contextualização e de pesquisa, que se colocam como balizadores da formação que se
desenvolve no curso. Foram focados, também, os procedimentos de avaliação que
18 Apenas dois alunos tiveram que se retirar no meio das atividades para atender chamados profissionais.
61
usualmente são utilizados e as possibilidades e dificuldades enfrentadas no percurso da
formação.
Vivenciar esse processo entrecortado por momentos acalorados, silêncios
profundos, pausas intermitentes, expressões cautelosas, desvios dos assuntos, foi um
exercício profundo que exigiu de mim, na condição de pesquisadora/mediadora,
consistência, foco, tranquilidade e humildade para aprender nessa caminhada. Apoiada
em Pizzol (2003) procurei, no que era possível, manter produtivas as discussões no
sentido de garantir que os participantes expusessem suas ideias no movimento do grupo.
Impedir a dispersão das questões em foco, assim como evitar a monopolização da
discussão não foi tão fácil, mas a cautela cuidadosa contribuiu para que a fertilidade
prevalecesse. Posso dizer que observar, detalhada e cautelosamente, o que os
participantes contavam uns aos outros foi o maior desafio. Percebi o quanto é complexo
‘contar/relatar em grupo’, superar a fala meramente descritiva e expositiva e usar a fala
em debate. Por fim, não dá para negar o quanto a experiência foi enriquecedora a todos
que nela estiveram envolvidos, o que pode ser constatado pelos frutos gerados no
sentido do alcance dos objetivos desta tese.
Transcrição e Interpretação dos Dados Constituídos no Percurso
Após as entrevistas junto aos professores e à pedagoga, o uso da técnica do
grupo focal com os estudantes, as inúmeras e significativas anotações no diário e as
apreensões advindas das análises documentais, passei a outras etapas da pesquisa.
Inicialmente, realizei a transcrições do material coletado neste processo empírico.
Cabe explicitar que não só o falado, pronunciado, dito, foi importante de ser transcrito,
mas todos os movimentos expressos pelos sujeitos da investigação, como os “não
ditos por meio da fala”, a exemplo das pausas, gestos, entonações, risos, silêncios, os
quais são considerados sobremaneira significativos para a compreensão do que foi
narrado.
Vencida a etapa das transcrições, analisei, rigorosamente, o material empírico
construído ao longo da investigação, por meio da análise textual discursiva, proposta
por Moraes e Galiazzi (2007). No imergir intenso, por meio de leitura atenta,
pormenorizada, indo e vindo no corpus, vivenciei o movimento do ciclo de análise, qual
seja: desconstrução e unitarização, estabelecimento de relações dando forma a um
62
sistema de categorias, captando o novo emergente até o processo de auto-organização,
em busca de novas análises e significados, tendo como horizonte as questões da
pesquisa. Na vivência desse ciclo de análise fiz o exercício de apreender as concepções
e ações que sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, no Curso
Técnico de Eletrotécnica Integrado que emergiram dos sujeitos investigados, subsidiada
pelos interlocutores que assumo como apoio teórico. Capturei recorrências e
singularidades nas narrativas dos sujeitos, subsidiada pelas questões de pesquisa e pela
tese a defender, que deram forma a três (3) categorias analíticas, fios tecidos que
compuseram a seção subsequente, relativa à busca de compreensão das concepções e
ações presentes no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática ao explicitar
aproximações e distanciamentos. A estas categorias denominei: Planejamento Coletivo
e Formação Continuada, PROEJA e Currículo Integrado, e Ensinar/Vivenciar o
Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, posto que expressam a totalidade
e a singularidade que movimentam o ensino pesquisado, que se tornou possível de ser
capturado pelo tratamento analítico sustentado por interlocutores teóricos por mim
assumidos.
63
II TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO FOCO DA TESE: (im)
possibilidades que se gestam
...O tratamento de um tema é inesgotável. Os limites são impostos pelo projeto de dizer, e aquele que diz sabe que não dominará por completo os sentidos de seu dizer. Mas esta coordenação dos sentidos múltiplos é também o lugar da riqueza da experiência humana: afasta a uniformidade, a conformidade e o conformismo. GERALDI
Nesta seção trato de referenciais que entrecruzam o objeto, embrião da tese
que construí. Poderia ter buscado outras interlocuções, outros caminhos, afinal eles são
diversos, um campo inesgotável de dizeres, como expressa Geraldi (2001).
As concepções e ações do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática
são meu foco, mas se encontram situadas no contexto de um ensino profissional técnico
integrado ao médio, para jovens e adultos, que traz a integração como fim a ser
alcançado. Portanto, como antes mencionei, este objeto de investigação expressa um
ponto de interseção de diversos campos de estudo, posto que cada um traz uma
diversidade de referenciais que podem explicá-los. Foi o cruzamento desta diversidade
que imprimiu riqueza à interlocução que faço, a qual desvela que a totalidade em que o
ensino pesquisado se situa resulta de um movimento histórico permeado por embates e
contradições. Sendo assim, na propositura de integração que se acena, dialeticamente,
possibilidades e impossibilidades se gestam.
Optei por autores sustentados em abordagens diferentes, mas, expressando
um denominador comum, uma voz interna comum, que é a defesa por uma educação,
escola, conhecimento e ensino que possa romper com o conservadorismo, a
fragmentação e com o esvaziamento de significação social que tem marcado a educação
e, particularmente, o ensino nas escolas do nosso País.
Assim, centro o olhar no resgate da trajetória da EJA situando o PROEJA
como parte do percurso. Analiso o PROEJA e a propositura de Cursos Técnicos
Integrados ao Médio regidos por currículo integrado. Discuto o currículo integrado e as
perspectivas do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática que, sob novas bases
64
epistemológicas e pedagógicas, contribuem para dar sentido e feitura à perspectiva
curricular integrada em Cursos Técnicos Integrados do PROEJA.
Da EJA ao PROEJA
Apesar do discurso de que a escolarização em nossa sociedade se constitui
centralidade como via para o compartilhamento de saberes, de práticas socioculturais
valorizadas historicamente e de aquisição de instrumentos fundamentais para a
compreensão e participação ativa nos diferentes espaços da vida em sociedade, a
garantia de oportunidade para acessar e permanecer neste processo é marcada por
grandes contradições. Tal realidade revela a enorme distância entre o que é estabelecido,
concebido no plano das legislações e das políticas educacionais e o que se concretiza no
cenário educacional, trazendo implicações profundas para a vida de milhares de
brasileiros.
Cabe situar que a educação de jovens e adultos no Brasil, historicamente
marcada por uma educação ‘para menos’ (RUMMERT, VENTURA, 2007), remonta ao
início da colonização. No entanto, seu reconhecimento como direito começa a ganhar
relevância em um contexto de mudanças políticas e econômicas, em que a
intensificação do processo de industrialização/ urbanização, no período de 1920 a 1930,
mobilizou setores populacionais na luta por uma educação pública de qualidade, que
revertesse o quadro de exclusão de um contingente significativo de brasileiros do espaço
escolar.
Entretanto, apesar da Constituição de 1934 mencionar a educação de adultos
como uma das metas nacionais, as autoras acima evidenciam que além de menções
legais em toda década de 1930 nada de expressivo ocorreu para esse segmento
educacional. Somente na década subsequente, com o início das campanhas para a
educação de jovens e adultos, surgem e se intensificam ações de combate ao
analfabetismo que era evidente nesse contingente populacional.
A década de 1940, marcada por grandes mudanças e iniciativas no campo da
educação, vincula a educação de adultos à educação profissional (GADOTTI; ROMÃO,
2006), sustentada pelo discurso economicista de que sem educação profissional não
haveria desenvolvimento industrial no país. Contudo, estudos têm demonstrado
(IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004; MOLL, 2010) que a formação para o
trabalho, no âmbito da educação básica para jovens e adultos no Brasil, se expressa com
65
grande atraso em relação aos países que já universalizaram esse nível de ensino. Isso
denuncia a ausência de políticas públicas que dê conta do atendimento das reais
demandas de escolarização e formação profissional requeridas por essas pessoas, para
que possam responder às exigências, cada vez mais complexas, do mundo do trabalho e
das relações sociais contemporâneas.
No final da década de 1950 até meados da década de 1960, em um contexto de
estagnação econômica e de alianças políticas com setores populares no debate pelas
reformas de base, sob a liderança de Paulo Freire, ocorreu um quadro de mudanças que
contribuiu com a construção de uma nova página para a História da EJA19. Com relação
às perspectivas que se desenham para esse segmento educacional Haddad e Di Pierro
(2000, p. 210) ressaltam as seguintes orientações:
...Organização de cursos que correspondessem à realização existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho ‘com’ o homem e não ‘para’ o homem, a criação de grupos de estudo e de ação dentro do espírito de autogoverno, o desenvolvimento de uma mentalidade nova no educador, que deveria passar a sentir-se participante desse processo; propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o discurso pela discussão...
19Refiro-me às mudanças que vinham se dando no período de 1958 a 1964, contexto em que se deu a realização do 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde foi implantado um programa permanente de combate ao analfabetismo- o Plano Nacional de Alfabetização de Adultos- dirigido por Paulo Freire. Com esse educador se inicia uma nova perspectiva de alfabetização, considerando as especificidades desses alunos, defendendo a necessidade de realizar uma educação crítica e política, que transformasse socialmente a população e não apenas a adaptasse ao sistema vigente. Sua proposta metodológica se fundamenta na dialocidade, pois, para ele ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 1986, p. 68).
66
A proposta assentada na visão de Freire20 apoiada na centralidade do diálogo
como princípio educativo, no papel de alunos - jovens e adultos - como sujeitos de
aprendizagem, de produção de cultura e de atuação crítica no mundo é de grande
importância para referenciar a tese que aqui discorro. Por apresentar uma proposta de
formação em que esses sujeitos são compreendidos em sua totalidade, como
trabalhadores capazes de fazer a leitura de mundo com direito à leitura da palavra, traz
fertilidade ao que é sinalizado pelo programa estudado. Entendo que o ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática - e de qualquer outro campo de conhecimento
que compõe o currículo de cursos técnicos do PROEJA, para responder aos objetivos
que oficialmente proclama -, certamente, deverá manter uma dinâmica na direção do
que esse paradigma sustenta.
A perspectiva de um ensino dialógico, com sujeitos de direitos e de
aprendizagens, produtores de cultura, como propõe os princípios freirianos, se
contrapunha aos ideais preconizados pela nova ordem político-econômica que se
instalou com o golpe militar de 1964. Esse cenário que acentua o processo de
desnacionalização da economia brasileira que passa a vincular-se cada vez mais aos
interesses estrangeiros, sobretudo aos norte-americanos (ARANHA, 1996, p. 241),
impacta diretamente o campo da educação escolar, em todas as etapas da educação.
No sentido de adequar a EJA aos ditames desse contexto, o Programa Nacional
de Alfabetização que se iniciaria naquele ano, sob a liderança de Paulo Freire, foi
abortado e os movimentos de educação e cultura popular foram reprimidos
(FERNANDES, 2012). O vazio foi preenchido por programas de alfabetização de
adultos, assistencialistas e conservadores. Em 1967, foi instituído o Movimento
20 As contribuições de Freire para a EJA (e para todos os segmentos da educação) como espaço de educação integral se encontram registradas nas diversas obras que deixou como legado, consubstanciando a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1986), a Pedagogia da Autonomia (1996), a Pedagogia da Esperança (1992), dentre outras. Para Freire, a educação compreendida como ato político deve estar assentada em uma visão de totalidade. Totalidade que comporta tanto o cenário macro - em que se dão os embates que envolvem as forças políticas que decidem as legislações e diretrizes da educação; quanto o cenário micro, em que se relacionam educadores e educandos, marcado tanto pela politicidade da educação, como pelas subjetividades que ali se encontram, e nesse movimento, vivenciam, ignoram, burlam e reinventam as diretrizes curriculares no cotidiano (FERNANDES, 2012, p.109). Defende que o fim básico da educação não é apenas a compreensão crítica da realidade, mas a atuação, no sentido de contribuir com a transformação dessa realidade. Reflete que a competência docente comporta as dimensões ética, política, estética e técnica. Sendo assim, o professor deve ter a consciência do próprio inacabamento, do inacabamento dos alunos e da sociedade, tendo em vista apreender e intervir no mundo. Discute sobre a importância dos educadores respeitarem a autonomia do ser do educando e os saberes que eles constroem nos diferentes momentos/espaços que vivem, advertindo que a formação de sujeitos capazes de se situarem criticamente no mundo se faz a partir de um ensino problematizador que implica questionar os conhecimentos, a cultura e as relações sociais que perpassam esse mundo (FERNANDES, 2012).
67
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e a Cruzada ABC, movimentos concebidos
com o fim básico de controle político da população, através da centralização das ações e
orientações, supervisão pedagógica e produção de materiais didáticos (DI PIERRO;
JOIA; RIBEIRO, 2001). Na década de 1970, foi criado o Ensino Supletivo, que na visão
de Haddad e Di Pierro (2000, p. 117), objetivava recuperar o atraso, reciclar o
presente, formando mão-de-obra que contribuísse no esforço para o desenvolvimento
nacional, através de um novo modelo de escola, instituído pelo novo regime.
Com o processo de redemocratização do país, na década de 1980,
intensificaram-se os debates em defesa de uma educação pública e gratuita, de
responsabilidade do Estado, para crianças, jovens e adultos. Neste contexto, a
Constituição de 1988 representou um grande avanço para a educação daqueles que a ela
não tiveram acesso no tempo de criança e adolescente, na medida em que instituiu a
obrigatoriedade da oferta pelo Estado do ensino fundamental gratuito,
independentemente da idade.
Contudo, o que a realidade aponta é que a garantia desse direito é apenas
aparente. O Governo Collor representou um recuo na compreensão da educação como
direito, premido pelas orientações neoliberais que começam a tomar corpo a partir do
seu governo. Os impactos neoliberais se aprofundam com a reforma do Estado,
influenciada pelos organismos financeiros internacionais, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, com grandes implicações para a educação em geral e, em particular,
para a educação de jovens e adultos, uma vez que o discurso de inclusão contemplado
na Carta Constitucional passou a ser substituído por novas prioridades, com restrições
de direitos. A esse respeito, Haddad (1998, p.114) faz a seguinte observação:
...por meio de uma sutil alteração no inciso I, do artigo 208 da Constituição, o governo manteve a gratuidade da educação pública de jovens e adultos, mas suprimiu a obrigatoriedade de o poder público oferecê-la, restringindo o direito público subjetivo de acesso ao ensino fundamental apenas à escola regular.
O entendimento sobre EJA é ampliado e com a promulgação da Nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - a LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996) - em
que passa a ser considerada uma modalidade da educação básica, nas etapas do ensino
fundamental e médio, conforme consta no Capítulo II, art. 37, assim:
68
A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
A Educação de Jovens e Adultos com status de modalidade de ensino, nas
etapas fundamental e média, possui uma forma própria de ser, tem suas particularidades
e exige uma outra prática pedagógica que abarque as necessidades educativas do
público a que se destina, o que é referendado pelo Parecer 11/2000 do CNE/CEB
(BRASIL, 2000, p. 5) quando explicita:
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a escola. Ser privado desse acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea.
Apesar de reconhecer as contradições que perpassam o que se encontra
discutido nesse documento, considero importante mencionar o que nele se manifesta.
Nele se encontra explícito que a reparação da dívida inscrita em nossa história social e
na vida de tantos indivíduos é um dos imperativos e um dos fins da EJA. Essa função
reparadora significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de
um direito negado, qual seja, o direito a uma escola de qualidade, mas, também, o
reconhecimento da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano (BRASIL,
2000).
Este novo olhar para EJA pode contribuir com a efetivação do direito à
educação dos que, por muitos anos, dela foram excluídos por diferentes razões. O
grande desafio que se inscreve nesse campo educativo é a formulação de políticas
públicas que, de fato, ofereçam condições para que o direito à EJA seja plenamente
exercido. Para tanto, é fundamental não perder de vista os sujeitos para os quais se
volta, respeitando as dimensões sociais, econômicas, culturais, cognitivas e afetivas de
jovens e adultos, inseridos nas escolas do País.
Convém destacar que tal desafio se expressa não só na dimensão qualitativa
do ensino voltado a esse segmento educacional, mas que esbarra, em pleno século
XXI, em déficits quantitativos a serem superados. Estudos demonstram que apesar do
crescimento ocorrido nos últimos anos, o atendimento através da EJA ainda é pouco
69
significativo diante da demanda apresentada pela população jovem e adulta do nosso
país21.
Reconheço que muito ainda necessita ser realizado para que, quantitativa e
qualitativamente, ocorram mudanças substantivas na organização dessa modalidade
educativa que, historicamente, expressou-se com uma organização política e
pedagogicamente frágil, marcada pelo aligeiramento e voltada, predominantemente, à
correção de fluxo e redução de indicadores de baixa escolaridade e não à efetiva
socialização das bases do conhecimento, historicamente produzido pelos sujeitos
sociais (RUMMERT, VENTURA, 2007, p. 33).
Cabe lembrar a concepção de educação de jovens e adultos destacada na
Declaração de Hamburgo (IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004, p.41), entendida como
processo contínuo e permanente, que não se reduz à alfabetização, nem à
escolarização, mas que se traduz no direito de aprender ao longo da vida, conforme
anunciado abaixo:
A educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, que se realizam permanentemente, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seus conhecimentos e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade.
Essa concepção traduz a condição humanizadora da educação e, por isso
mesmo, não se restringe a ‘tempos próprios’ e ‘faixas etárias’, mas se faz ao longo da
vida (MOURA, 2006, p.8). Dessa forma, a EJA se constitui desafio permanente para as
políticas educacionais e institucionais, que não podem abdicar de ter o aluno, jovem e
adulto, com sua história, sua realidade, suas expectativas e saberes, como ponto de
partida para suas decisões, no campo da escolarização e profissionalização.
A implantação de diversos programas a partir dos anos 2000, tais como: o
Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP, Programa Nacional de
Inclusão de Jovens - PROJOVEM, o Programa Brasil Alfabetizado, o Projeto Escola de
Fábrica e o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica 21Segundo dados do PNAD (2006), apesar de ter havido, em 2006, uma redução de 3,8 % do índice de analfabetismo em relação a 1996, ainda persiste um quadro de 14,4 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais no país. Ainda que tenham sido reduzidas as taxas de analfabetismo em todas as regiões do país, existem profundas variações entre elas, destacando-se a região Nordeste, que chegou em 2006, com 7,6 milhões de analfabetos, apresentando, portanto, o pior índice da federação brasileira.
70
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, que se colocam como
possibilidades de efetivar o direito de escolarização ao lado de oportunidades de
profissionalização, têm sido objeto de discussões, reflexões e de análises por parte de
pesquisadores e outros profissionais dos sistemas e instituições educacionais,
assentados em diferentes matizes.
O PROEJA, como parte desses programas, teve sua gênese no ano de 2005,
posteriormente ampliado em 2006, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Sinaliza ofertar aos jovens e adultos brasileiros oportunidades de elevar a
escolarização articulada à preparação para o trabalho, criando condições de novas
perspectivas para esse público. Esses desafios da formação integrada sob o olhar de
diferentes autores (MACHADO, 2006a; MACHADO; OLIVEIRA, 2010; MOURA, 2006)
tem sido atravessado por avanços e recuos, potencialidades e limites, dificuldades e
possibilidades, evidenciando o convívio, contraditório, de experiências de feições
progressistas com outras de moldes arcaicos que, apesar de proclamar a integração
como pilar, se concretiza sob perspectiva dualista22. Tal realidade não suscita dúvidas
sobre a necessidade de tomada de medidas para assegurar a formação integrada, na
perspectiva de uma educação integral de seus sujeitos e, para isso, é fundamental
realizar pesquisas que ao tempo que contribuem para desvelar essa realidade,
fornecem subsídios para avaliar as práticas educativas nas instituições que as
oferecem. É nessa perspectiva que esta tese se encaminha.
O PROEJA e a Formação Integrada
O PROEJA, vale reiterar, se coloca como proposta de formação que integra a
educação básica à educação profissional, levando em conta as especificidades da
educação de jovens e adultos. Portanto, constitui-se um grande desafio, considerando
a complexidade que perpassa a unificação de três campos, concebidos e
desenvolvidos, historicamente, por itinerários acadêmicos e políticos próprios - a
22 Pesquisas demonstram (KUENZER, 2007; CIAVATTA, 2011) que apesar do discurso da integração este ainda é um grande desafio, pois ainda permanecem na prática experiências cujos currículos se caracterizam pelo modelo dualista. Nesse, a formação geral se desenvolve desarticulada da formação profissional, como se fossem dois currículos em um mesmo curso, em que o primeiro tem como fim, meramente, a preparação para o vestibular e o segundo, reduzido à preparação para o mercado de trabalho.
71
Educação Profissional, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos - tendo em
vista a formação humana e profissional de trabalhadores.
Dessa forma, entendo que a compreensão do PROEJA pela configuração que
reveste, pelos campos que cruzam em seu âmbito, remete, necessariamente, à análise do
que tem constituído o ensino médio e a educação profissional, como etapas formativas
que compõem o sistema educacional do nosso País. Etapas essas que, historicamente,
têm oscilado entre a perspectiva dualista que lhes marca desde a origem, e a perspectiva
de integração que tem alimentado o ideal e a luta de setores educacionais e sociais
comprometidos com a construção de uma educação pública, unitária, capaz de
instrumentalizar seus sujeitos para o exercício da cidadania e para a atuação competente
no mundo do trabalho.
Estudos desenvolvidos por Kuenzer (2001), Manfredi (2002), Frigotto,
Ciavatta, Ramos (2005), e outro, possibilitam compreender que, historicamente, a
escolarização e profissionalização no nosso País, assentam-se em propostas de formação
diferenciadas, caracterizadas por uma dualidade estrutural, que demarca a trajetória
educacional dos que vão desempenhar as funções intelectuais e os que desempenharão
as funções instrumentais no processo produtivo, em decorrência das relações de classes
bem definidas, que determinam posições diferenciadas no mundo da produção e das
relações sociais.
Decorre daí a formulação de propostas escolares de ensino médio e de
educação profissional para atender às necessidades de formação definidas pela divisão
social e técnica do trabalho. Criam-se, pois, as condições objetivas para uns terem
acesso a uma educação escolar básica sólida, fundamental ao alcance da escolarização e
profissionalização no nível superior, à medida que a maioria se volta para a educação
profissional, na qual recebe informações consoantes ao domínio de determinado ofício,
sem o aprofundamento necessário à compreensão teórico-científica do seu fazer e ao
prosseguimento nos estudos (ALVES, 1997).
Ramos (2010) evidencia que esta marca atravessa a história da educação
brasileira, desde os tempos em que a educação profissional era uma política para retirar
do vício e do ócio os desvalidos da sorte23, passando pela equivalência e
23A criação das escolas de Artes e Ofícios, em 1909, no governo de Nilo Peçanha, é considerado o acontecimento mais marcante da educação profissional no Brasil, durante a Primeira República e se expressa como um marco evidente da dualidade estrutural no nosso país. Para Kuenzer (2001) essas escolas, antes de pretender atender às demandas de um desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma finalidade moral de repressão: educar pelo trabalho, os órfãos, pobres e
72
compulsoriedade do ensino técnico24; pelas lutas em defesa da escola unitária,
derrotadas pela reforma conservadora do governo de Fernando Henrique Cardoso25 até
os dias de hoje, em que essa luta ainda continua em vigor.
Como parte desse movimento, considero importante destacar a mobilização da
comunidade científica e educacional brasileira em torno da luta por uma educação
pública, unitária e de qualidade para todos, que se travou na década de 1980, no período
de transição democrática. O debate teórico acerca da vinculação da educação à prática
social e o trabalho como princípio educativo, se expressou, em especial, no contexto da
discussão do projeto da atual LDB, no decurso da década de 1990. Em contraposição ao
modelo hegemônico de ensino técnico de nível médio - 2º Grau -, implantado pela Lei
5.692/71, centrado na contração da formação geral em benefício de uma formação
específica, germinaram no período em pauta as ideias de um ensino médio com o papel
de recuperar a relação entre o conhecimento e a prática do trabalho.
desvalidos da sorte, retirando-os da rua, assim, na primeira vez que aparece a educação profissional como política pública, ela o faz na perspectiva moralizadora da formação do caráter pelo trabalho. 24As Leis Orgânicas instituídas com a reforma Gustavo Capanema, a partir de 1942, instauram um modelo educacional com propostas de educação orgânica às necessidades do mundo do trabalho caracterizado pela ruptura das atividades de concepção e de execução no processo produtivo. Instituía-se oficialmente a dualidade educacional brasileira, em que o Ensino Secundário, acadêmico, propedêutico se desenvolvia em estrutura paralela e independente do Ensino profissional nos diversos ramos da economia, sem que este tivesse alguma equivalência com a formação secundária. Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 4.024/1961 é estabelecida a equivalência entre os cursos profissionalizantes e os cursos propedêuticos, para fins de prosseguimentos de estudos (KUENZER, 2001). 25 No processo de construção da atual LDB, Lei n. 9.394/96, na primeira metade dos anos 90, vários projetos de reestruturação do ensino médio e profissional foram objeto de debates, os quais representavam as aspirações e as propostas dos diferentes grupos sociais que apoiaram os diversos anteprojetos de Lei em tramitação na Câmara e no Senado, antes da aprovação da LDBEN. No âmbito do governo federal se destacam dois projetos distintos: o do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Ensino Técnico, atualmente, Secretaria da Educação Média e Tecnológica- SEMTEC, e outro do Ministério do Trabalho, por meio da Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional- SEFOR. No âmbito da sociedade civil, destaca-se o projeto das entidades dos profissionais de educação e de outros setores organizados da sociedade civil, articulados no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, gratuita, de formação politécnica e omnilateral, com base nas formulações gramscianas (MANFREDI, 2002). A lei aprovada em 1996 que resulta desta correlação de forças, dispõe sobre a nova organização da educação nacional e institui as bases da reforma do ensino médio e da educação profissional no Brasil. O teor do texto legal aprovado, em condições minimalistas, anuncia as possibilidades de integração do Ensino Médio e da Educação profissional, contudo, as legislações que legitimaram as regulamentações destas etapas da educação, sob orientações neoliberais, apresentam-se como contrapontos a essa integração, uma vez que o Decreto nº 2.208/97 que regulamenta os artigos 39 a 42 da LDB 9.394/96, que tratam da Educação Profissional, determina que o nível técnico desta modalidade de educação deverá se desenvolver com estrutura organizativa e curricular própria e independente do ensino médio. Tal configuração retoma a dualidade educacional, em que o ensino médio e ensino técnico traçam rumos diferenciados para aqueles a quem atendem, isto é, uma formação propedêutica que prepara para o vestibular e uma formação que propicia uma profissionalização estreita, fragmentada.
73
Expressa-se, pois, a defesa de uma educação politécnica em que, para além da
profissionalização especializada, sinaliza a necessidade de incorporar no ensino médio
processos de trabalhos reais, possibilitando-se a assimilação não apenas teórica, mas
também prática, dos princípios científicos que estão na base da produção moderna
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Contudo, as possibilidades de uma formação profissional pautada na integração
dos fundamentos científicos, histórico-crítico e tecnológicos com os conhecimentos
técnico-profissionais se tornaram praticamente inexistentes no nosso País, pois embora
a LDB determinasse que o ensino médio e a educação profissional tivessem como
centralidade comum o mundo do trabalho26, a reforma implementada no para a
educação profissional apontaram rumos diferentes. Contrário a esse ideal almejado, as
medidas que se configuraram no contexto de orientações neoliberais, coadunada com a
lógica de reforma do Estado brasileiro27, na gestão de FHC, a partir das orientações do
Decreto nº 2.208/9728, estabeleceram a separação entre o ensino médio e a educação
profissional, o que contribuiu para a ampliação da fragmentação e o empobrecimento do
processo formativo ofertado por essa modalidade de ensino (KUENZER, 2001). Ao
analisarem o que está posto nos meandros desse instrumento legal, Castro, Machado e
Alves (2010, p. 25) evidenciam que:
A reforma introduzida por esse decreto no ensino médio- técnico tem por base uma adequação da educação à lógica produtiva oriunda da reestruturação produtiva de base flexível, que exige uma formação assentada na polivalência e na flexibilidade. .... Assim, por ele, reafirmou- se a subordinação da escola ao mercado de trabalho, a formação foi vista como uma qualificação direta para o exercício profissional.
26A LDB, Lei Federal de nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) destaca que a educação nacional tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (Art. 2º); dispõe ainda, que o ensino médio deve garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, propiciando a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35, II, IV ) e que a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia conduz ao permanente desenvolvimento de aptidão para a vida produtiva (Art. 39). 27A reforma neoliberal de Estado, com ênfase nos anos 90, encolhe o espaço público democrático do direito e amplia o espaço privado, não só nas atividades ligadas à produção econômica, mas, também, no campo dos direitos sociais conquistados, como é o caso da educação. Aprofundar em Gentili (1996), Frigotto (2000). 28Por esse decreto ficou instituído que o nível técnico de ensino teria uma formatação em que a educação geral seria trabalhada separada da educação profissional, a partir da seguinte estruturação: a forma concomitante, em que o aluno teria duas matrículas, uma do ensino médio e outra do ensino profissional, obviamente, a serem cursadas na mesma ou em instituições diferentes, por meio de currículos separados. Contempla, ainda, a forma de pós-médio, para alunos que já tivessem cursado o ensino médio e resolvesse cursar o ensino técnico (BRASIL, 1997).
74
Por não reconhecer a educação básica como fundamental para uma formação
científico-tecnológica sólida dos trabalhadores, tal medida se coloca na contramão das
lutas pela construção de um projeto educacional vinculado às necessidades dos segmentos
que vivem do trabalho. Ao propugnar para o nível técnico um itinerário formativo em que
educação geral e profissional se encontram desvinculadas, tal perspectiva, trouxe, em
particular para a rede federal de educação tecnológica, o desmanche da possibilidade de
aprofundar uma educação no sentido da omnilateralidade (CASTRO, MACHADO,
ALVES, 2010, p.26). Essas configurações expressam os fundamentos que,
historicamente, têm sustentado a educação profissional no Brasil, isto é, uma formação
destinada aos filhos dos trabalhadores, voltada para o trabalho de pouca complexidade,
portanto, tomada como formação de ‘segunda classe’. Certamente, uma formação que não
prepara para a inserção em postos de trabalho que exigem atividades complexas, ainda
que não sejam essas para todos os trabalhadores.
Ao se configurar como modelo de produção, fundado na substituição da base
eletromecânica pela microeletrônica, na flexibilização da produção decorrente da
incorporação da ciência e da tecnologia no processo produtivo o toyotismo ou “modo de
acumulação flexível’, exige de determinados trabalhadores, não só apertar botões, mas
novas capacidades cognitivas e atitudinais, tais como interpretar e manejar informações
e dados, raciocinar com rapidez, antever e resolver problemas com criatividade,
comunicar e conviver em grupo, tomar decisões individuais e coletivas. Isso remete à
necessidade de escolaridade que garanta a formação geral, básica e formação técnica
ampla. Obviamente, tal exigência, não advém de uma preocupação humanista, nem
significa a perda da perspectiva capitalista, mas acaba por se constituir uma brecha
histórica colocada pelo próprio capitalismo para o incremento da formação dos
trabalhadores (FERNANDES, 2012).
Com relação a essas novas exigências de atuação e, portanto, formativas,
Frigotto (2005) e Kuenzer (2001) e Kuenzer, Grabowski (2006) advertem que, nos
limites do modelo de acumulação flexível, as demandas de qualificação e escolarização
se restringem aos que irão ocupar postos de trabalhos mais complexos, não se
colocando como necessidade para todos os trabalhadores. Por outro lado, veem como
uma brecha histórica, como positividade, as exigências de aquisição de novas
habilidades cognitivas e comportamentais a partir das novas formas de organização e
gestão do processo produtivo. Ainda que com limites, essas podem, contraditoriamente,
atender às necessidades do trabalhador diante da retração das oportunidades de trabalho
75
em um mercado cada vez mais competitivo e, ao mesmo tempo, gerar possibilidades de
participar em outros espaços, e de lutar pela efetivação dos seus direitos sociais.
Nesse sentido, durante os anos de 2003 e 2004, setores educacionais
vinculados ao campo da educação profissional, principalmente no âmbito dos sindicatos
e dos pesquisadores da esfera do trabalho e da educação (MOURA, 2006), se
mobilizaram pela revogação do Decreto nº 2.208/97. A pauta de reivindicações
sinalizava para uma nova reforma do ensino médio e da educação técnica, em caráter de
urgência, a partir da revisão das bases tecnológicas em que está assentada a educação
profissional, para garantir a construção de um novo projeto educacional alinhado aos
princípios de uma educação politécnica, tendo em vista a construção de uma nova
sociedade possível. Ao tratar da educação assentada no ideário da politecnia, Frigotto
(2005, p. 35-36) evidencia que:
O ideário da politecnia buscava e busca romper com a dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Por essa perspectiva, o objetivo profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os estudantes na construção de seus projetos de vida, socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral.
Foi a partir dessas discussões29 que se edificaram as bases que deram origem
ao Decreto n.º 5.154/2004 (BRASIL, 2004), revogando o Decreto nº 2.208/97.
Promulgado em um cenário tensionado entre uma conjuntura política que pressiona para
o avanço dos direitos sociais e a manutenção de um Estado que mantém privilégios e
perpetua desigualdades, esse instrumento legal, manteve as ofertas precárias e
aligeiradas de formação profissional, com os cursos técnicos concomitantes e
subsequentes herdeiros desse documento revogado. Por outro lado, trouxe como ganho
o retorno da possibilidade de integrar o ensino médio à educação profissional técnica de 29O embate para revogar o Decreto n. 2.208/97 engendrava um sentido simbólico e ético-político de uma luta entre projetos societários e o projeto educativo mais amplo (FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p.52). Havia pelo menos três posições divergentes diante da decisão do governo federal de revogar o referido Decreto: os que eram contrários à revogação; os que defendiam tão somente a revogação do mesmo, por entenderem que a LDB pudesse vigorar com seu poder normativo; outros que defendiam a promulgação de um novo decreto que revogasse o anterior e apontasse novos rumos para a educação em pauta. Foi decidido pela terceira posição e depois de sete versões de minuta com a participação de entidades da sociedade civil e intelectuais, em julho de 2004 o Decreto nº 2.208/1997 foi revogado pelo Decreto n.º 5.154/2004.
76
nível médio, a partir de uma proposta curricular única que, de forma integrada, assegure
o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação geral e as condições de
preparação para o exercício das profissões técnicas (BRASIL, 2004).
Em concordância com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), considero que esse
Decreto, elaborado no contexto de uma democracia restrita, num momento histórico em
que o Estado brasileiro e seu governo à época oscilam entre o medo e a esperança
(FRIGOTTO, 2005) por si só não muda o desmonte produzido pela década de 1990,
contudo, ou se aproveita as brechas históricas que se acenam como possibilidades de
travessia para outra realidade educacional e social, ou será apropriado pelo
conservadorismo, coadunado com modelos educacionais não comprometidos com a
formação do trabalhador e cidadão em sentido pleno.
Esses autores evidenciam, ainda, que a possibilidade de integração vigorada
pelo Decreto em discussão, coloca em pauta uma concepção de educação que está em
disputa permanente na história da educação brasileira, quando se trata de decidir que
tipo de educação deve ser propiciado a uns e a outros, de modo a atender às
necessidades dos sujeitos e da sociedade. Como adverte Frigotto (2005), esta é uma
questão que traz no seu bojo, decisões políticas e éticas, pois em uma realidade
conjunturalmente desfavorável, em que jovens e adultos com histórias de exclusão,
‘sem condições, sequer, de sonhar com uma profissionalização para o nível superior’,
precisam obter uma profissão ainda no nível médio, como possibilidade de
ressignificação de suas condições de vida. Acresce-se que não é possível desconsiderar
que, além dos novos requisitos de qualificação que se colocam como exigência aos
profissionais na nova configuração do mundo do trabalho, novas possibilidades se
abrem nos diversos setores da vida social, em que não só a produção incorpora ciência e
tecnologia, mas a vida social, cultural, como um todo.
Feitas essas reflexões, retomo o PROEJA para situar que este, formulado em
um cenário globalizado permeado de contradições30, é corolário do que resultou desses
embates políticos, econômicos e sociais, portanto, atravessado pelos limites e
possibilidades da realidade refletida, podendo representar na prática, tanto um avanço 30 Fernandes (2012) alerta que apesar do aspecto positivo implícito na demanda por formação, e preciso estar alerta diante do engodo que seria acreditar que o maior investimento na educação dos trabalhadores guarde uma relação direta com melhores postos de trabalho, maior produtividade, renda, desenvolvimento pessoal e ascensão social dos mesmos. A demanda/possibilidade da formação dos trabalhadores não deve ser vista como panaceia, mas como possibilidade histórica. No sentido de atender a perspectiva dos trabalhadores deve ser projetado um ensino que assegure a apropriação da leitura e da escrita, do cálculo, da cultura geral, técnica e tecnológica, relacionando pratica e teoria – elementos primordiais para que a formação pretendida possa se efetivar.
77
como um retrocesso, dependendo, entre outros, de como é concebido, significado e
dinamizado no universo das instituições.
As bases do PROEJA foram lançadas no Decreto Presidencial nº 5.154/2004,
antes analisado. Assim, o Programa Nacional de integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA-,
instituído, no âmbito federal, pelo Decreto nº 5.478/2005 e substituído, após um ano,
pelo Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006 (BRASIL, 2006), constitui-se um
programa orientado à unificação de ações de profissionalização (nas categorias
formação inicial e continuada de trabalhadores e Educação Profissional Técnica de
Nível Médio) à educação geral (no nível fundamental e médio), na modalidade
consagrada a jovens e adultos (MACHADO, 2006a, p.36).
Entre as ofertas reguladas encontram-se os Cursos Técnicos Integrados ao
Médio, cujo acolhimento pela Rede Federal de Educação Tecnológica, como é o caso
do IFMA, passa a ser obrigatório, criando uma realidade que começou a afetar suas
práticas e sua cultura escolar. Isso porque têm sido evidenciados (OLIVEIRA, PINTO,
2012) alguns impasses que se acirram institucionalmente, que expressam diferentes
formas de compreender e assumir as perspectivas de integração que caracterizam o
programa. Ao lado do reconhecimento da positividade da institucionalização da oferta
pelos Institutos Federais e do sentido do trabalho no PROEJA, manifesta-se rejeição,
por parte de alguns, por considerarem a imposição do programa de cima para baixo, sem
a participação e escuta da comunidade. Ademais, são evidenciadas resistências com
relação à absorção de alunos, jovens e adultos, nos cursos técnicos integrados ao médio,
com o argumento de que tais alunos “sem base” não terão condições de participar de
curso com essa complexidade. Expressa-se, pois, a visão estigmatizada em relação aos
sujeitos alunos da EJA, de que estes, pela situação de escolarização com fluxos
irregulares, tornam-se incapazes de aprender determinados saberes que lhes devem ser
ensinados.
A forma de organização curricular integrada é um marco na EJA, pois até então
não havia normatização na educação brasileira que integrasse conhecimentos gerais -
dentre outros, os conteúdos da Química, Biologia, Física, Matemática - e conhecimentos
específicos - referentes aos conteúdos técnicos - na educação profissional de nível
médio, voltada para jovens e adultos. Sem desconhecer os limites e dificuldades que
atravessam programas dessa dimensão, reconheço que a realidade trazida por esse
documento legal evidencia as conquistas alcançadas pela sociedade civil em prol da
78
defesa da escola pública para os trabalhadores e a observância de princípios da
Constituição de 1988, tais como o do direito à educação. O PROEJA, dessa forma,
manifesta-se como um desafio ético-político e epistemológico, uma vez que exige da
escola profundas reformulações para abrigar e potencializar a riqueza e a diversidade
que para ela convergem quando recebe alunos - jovens e adultos - da classe
trabalhadora (CIAVATTA, 2011, p. 44).
A decisão de assumir o PROEJA exige das instituições de ensino o
entendimento de que a educação é direito de todos e que pode contribuir para a inserção
social e laboral daqueles que historicamente ficaram à margem na sociedade. É
necessário viabilizar uma formação que se constitua ponto de intersecção entre o mundo
do trabalho e o mundo da educação, promovendo uma qualificação social e profissional
que se expresse em ações de formação voltadas para uma inserção autônoma e
solidária no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida (BRASIL, 2007a,
p.46). Ou seja, uma formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação para o
trabalho.
O Documento Base Nacional do PROEJA (BRASIL, 2007a), que institui os
fundamentos da educação profissional técnica de nível médio integrado ao ensino
médio, na modalidade de EJA, apregoa uma concepção de formação fundamentada na
integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, tendo
em vista a formação integral do educando. Igualmente, define princípios que
consolidam esse programa. O primeiro princípio é o da inclusão da população nas
ofertas educacionais públicas, garantindo permanência e sucesso escolar. O princípio
subsequente foca a EJA evidenciando o compromisso com sua inserção orgânica na
educação profissional, nos sistemas educacionais públicos. O terceiro princípio afirma a
ampliação da educação básica e a universalização do ensino médio. Os princípios
seguintes, ainda que não estejam suficientemente aprofundados no Documento, têm
importância fundamental por implicarem diretamente na forma de organizar e dinamizar
o processo pedagógico que, antes, é a expressão da dimensão epistemológica fundante
da educação profissional, como evidencio abaixo (BRASIL, 2007a):
(i) O trabalho como princípio educativo que traz no cerne a compreensão de
trabalho como processo eminentemente humano, base para a constituição
humana de todos os homens e mulheres que ao agir sobre a natureza a
transformam e, dialeticamente, transformam a si mesmos, produzindo nesse
79
movimento, conhecimentos e cultura. Portanto, não significa simplesmente
emprego ou ocupação produtiva, posto que é a atividade fundamental pela
qual o homem se humaniza, cria e recria o mundo.
(ii) Pesquisa como fundamento da formação, compreendida como modo de
produzir conhecimentos para compreensão da realidade, forma de atuar
diante dos fenômenos, na perspectiva da construção da autonomia intelectual
dos sujeitos contemplados nessa política; e
(iii) Condições geracionais de gênero e de relações étnico-raciais, como
fundantes da formação humana e dos modos pelos quais se produzem as
identidades sociais dos beneficiários do programa.
Ao definir como princípios fundamentais dos cursos técnicos integrados ao
médio a integração entre trabalho, cultura, ciência e tecnologia, o PROEJA, ao menos
no aspecto formal, põe-se em outra perspectiva a formação de trabalhadores,
diferentemente da histórica dicotomia expressa nas políticas educacionais e nas práticas
educativas de escolas brasileiras. Isto porque, além da unificação entre modalidades
educacionais, a proposta de integração em questão se apoia na perspectiva de integrar
formação geral e formação técnica, trabalho manual e trabalho intelectual, na direção
da escola unitária defendida por Gramsci31 (1991, 2001), assentada no trabalho como
princípio educativo, tendo como horizonte superar a divisão entre formação intelectual e
formação técnica, na perspectiva de alcançar a formação do ser humano omnilateral.
31Antônio Gramsci (1991, 2001), pensador italiano, é um marco no processo reflexivo sobre a relação entre educação, trabalho e sociedade, utilizando o método de Marx e Engels em novas conjunturas. No final do século XIX, na Europa, em um contexto em que se intensifica as discussões sobre a obrigatoriedade do Estado em oferecer uma educação pública e a generalização da educação básica, este teórico teceu críticas ao sistema de ensino italiano e se colocou contra a proposta reformista apresentada por Giovanni Gentile, denunciando o caráter elitista da escola tradicional, de base humanística, voltada para a burguesia e o caráter discriminatório da escola profissional, de base pragmática, destinada aos trabalhadores. Para este autor, a grande questão se relacionava à ideia de uma escola que, precocemente, distinguia a formação profissional especializada e a formação geral, humanística e intelectual, que se destinavam a indivíduos diferentes, de acordo com a classe social a que pertenciam. A partir da crítica à escola que eternizava desigualdades sociais ao proporcionar formação intelectual para um grupo privilegiado e formação profissional aos filhos dos trabalhadores, Gramsci apresenta a proposta da Escola Unitária, fundamentada na igualdade e no estabelecimento de novas relações entre trabalho manual e trabalho intelectual, cuja direção é a formação de indivíduos que sejam dirigentes, ou que estejam na condição de poder sê-los, constituindo-se numa proposta educacional voltada para a emancipação da classe trabalhadora.
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Ciavatta (2005), ao abordar a integração na perspectiva do ensino médio
integrado ao ensino técnico que, no caso, subsidia a organização dos cursos do
PROEJA, evidencia que o termo integrar tem sentido de completude, de compreensão
das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como totalidade
social, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos.
Significa, portanto, enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar
a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual
ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e
cidadãos (CIAVATTA, 2005, p.84). Ou, como diz Gramsci (2001, p.137) significa
fornecer instrumentos fundamentais para que cada ‘cidadão’ possa tornar-se
‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que ‘abstratamente’, nas condições
gerais de poder fazê-lo.
As possibilidades de outro horizonte se gestam com essa perspectiva contrária
à formação estreita, vinculada às predições do mercado. O ideal a ser atingido é a
formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e
conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade,
como o caso dos que compõem a área das Ciências da Natureza e da Matemática,
integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo,
compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de
vida (MOURA, 2006). Portanto, não significa que os alunos sujeitos desse processo
terão garantia de emprego ou melhoria material de vida, contudo, abrirão possibilidades
de alcançar esses objetivos, além de se enriquecerem com outros referenciais culturais,
sociais, históricos, laborais, (BRASIL, 2007a), construindo condições de ler,
compreender e atuar no mundo, como sinalizou Freire (1996).
A partir dos preceitos tratados na Declaração de Hamburgo, em que a educação
é concebida como direito e como processo que se desenvolve ao longo da vida, a
integração entre educação profissional, ensino médio e EJA, discutida no Documento
Base (2007a), supõe a construção de um projeto educativo para além de segmentações e
superposições que tão pouco promovem as possibilidades de ver mais complexamente a
realidade, como, também, de pensar na intervenção sobre esta. Supõe, portanto, tomar
decisões acerca da importância e do sentido de aprender, entre outros, os conhecimentos
científicos de Química, Biologia, Física, Matemática e do quê/como estes podem
contribuir para o domínio técnico e intelectual das atividades inerentes ao campo
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profissional, propiciando, também, a compreensão das relações políticas e econômicas
imbricadas a esse campo, trazendo implicações para seu estar no mundo.
Isso significa que na implantação dos Cursos Técnicos integrados ao Médio do
PROEJA é indispensável criar condições inovadoras e criativas que dê conta de
promover a interlocução entre os campos de ensino envolvidos no programa. A esse
respeito, Machado (2006a, p. 40) evidencia o seguinte:
Para estruturar cursos do PROEJA, as instituições precisam enfrentar e dar respostas criativas para desenho e desenvolvimento curriculares inovadores. Essa tarefa representa, de fato, um grande desafio à criatividade das instituições, dos docentes e dos especialistas envolvidos, particularmente quando se trata da opção de oferta integrada do Ensino Médio na modalidade EJA à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, estruturas curriculares com níveis mais complexos de regulamentação.
É necessário considerar o caráter multidimensional das propostas pedagógicas
desses cursos, que deve dar conta de cobrir simultaneamente conteúdos e funções da
educação básica e da educação profissional. Importa assumir, como antes discutido, a
perspectiva do trabalho como princípio educativo, o que demanda por parte do coletivo
dos sujeitos envolvidos na elaboração da proposta, o entendimento do mundo do
trabalho a partir dos conhecimentos históricos, filosóficos, sociais, políticos, culturais,
geográficos, matemáticos, físicos, químicos, dentre outros. Isso significa que o conjunto
dos campos de conhecimentos que o constitui - como a Área das Ciências da Natureza e
da Matemática - deve se encaminhar no sentido da superação de dicotomias entre
ciência/tecnologia, teoria/prática, ensino/pesquisa.
Nessa perspectiva, um grande desafio que se põe é a construção de uma
identidade própria para espaços educativos que levem em conta as singularidades dos
sujeitos da EJA – sujeitos que são individuais e coletivos, que têm especificidades de
gênero, de raça, de geração, de religiosidade, que produzem saberes em diferentes
espaços sociais. Saberes esses, no campo da Matemática, da Física, da Química e da
Biologia que circulam na vida e que devem ser reconhecidos, legitimados e
evidenciados. Machado (2006a, p. 45) reforça este entendimento ao propor que na
construção de proposta pedagógica para Cursos Técnicos, do âmbito do Programa, deve
ser considerada a pluralidade e especificidade da Educação de Jovens e Adultos e dos
sujeitos para a qual se volta, sem descuidar das exigências didático-pedagógicas da
Educação Profissional. Sinaliza, assim, para alguns pontos de partida, sobre os quais
devem se assentar a construção de um currículo inovador para o PROEJA, tais como:
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a) Conhecer os segmentos de jovens e de adultos para os quais a ação educativa se dirige: suas histórias de vida, suas expectativas e necessidades, seus processos operatórios de aprendizagem; b) Considerar toda e qualquer bagagem anterior à escola: os valores e os conhecimentos prévios adquiridos por estes públicos em suas culturas de origem e em seus ambientes de trabalho; c) Reconhecer suas trajetórias sociais e escolares não como processos truncados, mas como caminhos diferentes de formação mental, ética, identitária, cultural, social e política; d) Considerar que a capacidade de aprendizagem destes segmentos é potencialmente capaz de apropriação de conteúdos científicos e formais; e) Ter, como resultado, a ampliação da capacidade destas pessoas de estabelecer relações entre sua bagagem e o conhecimento novo, com significado para suas vidas; f) Respeitar o direito que elas têm de utilizar tanto o conhecimento novo como o anterior, na lida de seu cotidiano.
Como é possível perceber, a concepção de formação integrada em Cursos
Técnicos do PROEJA comprometida com o perfil de homem/trabalhador dirigente, traz
implicações políticas, epistemológicas e curriculares substantivas, na medida em que
pressupõe que deve ocorrer certa convergência sobre ‘que ser humano e que
profissional vai ser formado’ e quanto às estratégias necessárias para o alcance dos
objetivos e perspectivas priorizados (MACHADO, 2006b). Entendo, assim, que para
além do campo legal, implica dimensões ideológicas, concepções de mundo que se
concretizam em escolhas epistemológicas e pedagógicas no desenvolvimento das
propostas curriculares dos cursos, formados por campos de conhecimentos que,
integrados, compõem a base geral e a base profissional do processo formativo. É com
esse entendimento que me debruço a seguir sobre o campo teórico que dá sentido a esta
tese, qual seja o ensino de Ciências da Natureza e de Matemática na perspectiva de
currículo integrado, em Cursos Técnicos Integrados ao Médio do PROEJA.
O Currículo Integrado e o Ensino de Ciências da Natureza e de Matemática
Antes abordei que um processo formativo que integre a formação básica, a
formação específica e a EJA exige - além de mudanças amplas no âmbito das
concepções e das políticas governamentais e institucionais - mudanças nas concepções
de ensinar e de aprender, de conteúdos e forma de abordá-los, de alunos e saberes
que possuem. Isso implica revisões profundas nas bases epistemológica e pedagógica
que alicerçam e dinamizam o currículo dos cursos, entendendo que estas, por sua vez,
estão alicerçadas numa compreensão político-filosófica de mundo.
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É evidente que - para além de uma matriz curricular composta por saberes da
Base Nacional Comum - como é o caso da área de Ciências da Natureza e de Matemática
- e por conhecimentos da Base profissional, considerando as especificidades da EJA - o
esforço se centra na integração, que se traduz pela adoção de uma nova concepção de
currículo, isto é, por um currículo integrado. Essa concepção, assentada no trabalho
como princípio educativo, traz novas configurações aos conhecimentos - estruturados
como conteúdos escolares - à sua forma de tratá-los e à intencionalidade que lhes confere
direção. Além de outras possibilidades, requer a abordagem de conteúdos e práticas inter
e transdisciplinares e a utilização de metodologias dinâmicas, investigativas,
promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação não formal,
além do respeito à diversidade (BRASIL, 2007 a).
Isso quer dizer que o conhecimento das disciplinas Química, Biologia, Física e
Matemática, que compõem a área das Ciências da Natureza e da Matemática, como parte
do currículo do curso - que têm a perspectiva de promover uma formação integrada -
deve ser tratado em consonância com os pilares pressupostos que sustentam, pelo menos
formalmente, a nova forma de conceber e dinamizar o que se denomina currículo
integrado.
Tal compreensão demanda explicitar que currículo é esse que vai subsidiar a
formação integrada, que concepções de currículo e de currículo integrado se expressam
ou devem ser assumidas no âmbito do ensino de Ciências da Natureza e de Matemática
se expressam ou devem ser assumidas. Essa explicitação é importante uma vez que
currículo é uma expressão polissêmica, um conceito que encontra eco em diferentes
matizes, sendo perpassado por uma diversidade de sentidos e de orientações teóricas,
capazes de apontar diferentes formas de organizá-lo e de desenvolvê-lo.
Considero que não existe a priori uma definição universal de ‘currículo’, ou
uma concepção a que se possa aludir como correta ou completa. Corroboro com o
entendimento de Grillo (1991, p.12) ao se manifestar dizendo que não existe uma
concepção melhor ou mais moderna de currículo, o que existe é a definição que melhor
explicita a filosofia, os valores e a intenção educativa do grupo que concebe, planeja,
operacionaliza e avalia um currículo escolar. O caminho é buscar nos que se debruçam
sobre o assunto o que coadune com a concepção que o estudo apresenta como apoio,
que sustente os argumentos para desvelar o objeto a ser investigado.
As contribuições de Giroux (1986, 1997) são férteis por enunciar que o
currículo escolar é um instrumento que deve ser entendido a partir da cultura da escola e
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das interfaces que esta mantém com as dimensões políticas, econômicas e culturais de
uma dada sociedade. Portanto, de acordo com o autor, o currículo comporta além de
aspectos técnicos, questões éticas, políticas e sociais. Decorre daí a necessidade de
indagações, tais como: A serviço de quem está o currículo? Por que ele é organizado e
transmitido desta forma? Que interesses estão movendo a sua organização e o seu
desenvolvimento?
Apple (1982) apresenta análises em que as decisões sobre o currículo
compreendem dimensões culturais amplas, como as relações econômicas, as relações de
poder, as relações de gênero e etnia, e outras. Sustenta que ainda que não se dê de forma
direta, existe relação estreita entre o modo como se organiza a produção da vida em
sociedade e o modo como se organiza o currículo. Esta relação se encontra mediada
pelos vínculos que vão sendo produzidos, construídos e criados na atividade cotidiana
das escolas.
Ao considerar, igualmente, as implicações das dimensões socioeconômicas e
culturais mais amplas na organização e desenvolvimento do trabalho escolar,
especialmente no trato das atividades curriculares, Gramsci (1991) afirma, a partir do
conceito de resistência, que a escola pode ser vista tanto como um local de dominação e
reprodução, quanto um espaço de luta e resistência. Aponta que é possível usar
dialeticamente resistência e dominação para se construir um currículo voltado para a
formação da consciência crítica e para a emancipação do homem. Argumenta que
existem mediações e ações no nível da escola que podem trabalhar contra os desígnios
do poder e do controle, desde que sejam criados espaços democráticos em que
professores, alunos e demais profissionais se evolvam na crítica, discussão e decisões a
serviço da reconstrução da escola, com implicações na prática educativa que
desenvolvem.
Moreira e Silva (1994) apresentam, também, elementos importantes para a
perspectiva de currículo que perpassa essa tese, por evidenciarem que o currículo não é
um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social,
pois se encontra implicado em relações de poder, em interesses diversos de onde
decorrem transmissões de saberes, com visões sociais particulares, comprometidas com
determinados fins. Produz, assim, identidades individuais e sociais particulares, sendo
necessário entender a favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a
favor dos grupos e classes oprimidas (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 16). Para estes
autores, questões como o que ensinar, como ensinar, por que e para quem ensinar,
85
perpassam o currículo e, longe de serem neutras, congregam uma luta, apontam uma
direção. Acredito que a elaboração e concretização de uma proposta curricular que
agregue conhecimentos essenciais – como os de Ciências da Natureza e de Matemática -
para instrumentalizar os jovens e adultos, no sentido de não só compreender os
processos de trabalho, mas para ter compreensão e atuação crítica no mundo, deixa
claro, a serviço do que e de quem esse currículo se encaminha.
Cabe ressaltar Freire (1982) para o qual a questão do currículo não pode ser
tratada independentemente do conhecimento e da cultura. Ao evidenciar a dimensão
epistemológica do currículo considera a produção do conhecimento como ato de criar e
recriar coletivo, e não a simples transferência do conhecimento existente. Assim, o ato
de conhecer envolve intercomunicação, mediação entre os sujeitos do conhecimento, os
objetos a serem conhecidos e o mundo.
Compreendo conforme os autores citados, que o currículo é um espaço de luta
no interior da escola, e que historicamente tem prevalecido no processo de formação do
trabalhador um currículo dual – com fim meramente propedêutico ou reduzido à
profissionalização estreita - em que o conjunto de conhecimentos que o compõe é
tratado de forma fragmentada, desvinculado da realidade social em que é produzida.
Nesses termos, a efetivação de um currículo integrado não pode ser entendida como
derivada apenas do que dizem os documentos oficiais. Isso porque o currículo na
perspectiva de integrar trabalho e educação traz em si profundos e complexos desafios.
Dentre outros, torna-se fundamental que os sujeitos nele envolvidos compreendam quais
fundamentos, intenções e ações estão implícitas e explícitas; que desafios dele advêm
para que possam construir alternativas de ações coerentes e consistentes no percurso de
organização e dinamização desse currículo.
Em se tratando de currículo integrado na perspectiva do PROEJA,
contribuições do campo da teoria curricular32, assim como, as que emergem do campo
32 Destaco os estudos desenvolvidos por Santomé (1998) que ao tratar de currículo integrado utiliza as categorias interdisciplinaridade, globalização e sociedade global. Estas categorias expressam os três pontos: as razões epistemológicas/ metodológicas, as psicológicas e a sociológica em que se apoiam sua defesa pela forma integrada de organização dos conhecimentos. Critica a fragmentação das ciências e com base no conceito de interdisciplinaridade busca recompor os diferentes campos de conhecimentos. Argumenta que o ensino de uma ciência integrada serve para que os indivíduos analisem os problemas existentes no mundo em que vivem não na perspectiva de uma única disciplina, mas do ponto de vista de diferentes áreas de conhecimentos que se articulam.
86
da relação trabalho-educação (GRAMSCI, 1991, 2001; FRIGOTTO, CIAVATA e
RAMOS, 2005; CIAVATTA, 2005, 2011; RAMOS 2008, 2010; MACHADO, 2006a,
2006b, 2010) que, a partir das formulações gramscianas, expressam um currículo
assentado no trabalho como princípio educativo, podem sinalizar para os fundamentos
desta concepção curricular em pauta. Apesar de estarem assentados em enfoques
distintos, todos esses estudos têm como esteio o discurso da integração, trazendo
contribuições para a pesquisa realizada.
A ideia de trabalho como princípio educativo, que se converte em eixo de
integração, converge na direção das proposições apresentadas por Gramsci (2001) que
faz a crítica à escola tradicional, por tratar a ciência de maneira abstraída das relações
sociais. Na sua concepção, o trabalho - como esteio da organização e da prática
educativa da escola - é capaz de produzir uma formação unitária por meio da articulação
entre ciência e técnica. Portanto, o trabalho industrial moderno, tomado como princípio
educativo fundamental, seria o elemento integrador entre cultura e ciência e, por essa
razão, deveria orientar todo o processo educativo no âmbito da escola - a que chamava
de escola unitária ou escola "desinteressada" do trabalho - em razão de sua possibilidade
integradora. Assim, esta escola "desinteressada" do trabalho teria como intenção e
fundamento a compreensão objetiva da ciência e da tecnologia como base dos processos
produtivos e das relações sociais na totalidade.
As reflexões acerca da relação trabalho e educação, assentada na concepção de
educação integral, com esteio no trabalho como princípio educativo, como antes
abordei, vêm subsidiando em parte, pelo menos formalmente, as orientações de
documentos legais – Documento Base – que definem os princípios e fundamentos do
PROEJA. Ao apontar o trabalho como um dos princípios do programa enfoca que a
vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação
com a ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e
mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho, ação transformadora no
mundo, de si, para si e para outrem (BRASIL, 2007a, p.42)
O que se coloca como desafio é a perspectiva da formação politécnica e
omnilateral dos trabalhadores, tendo como foco as necessidades da formação humana
em sentido pleno, como apontam Marx e Gramsci. O ponto de chegada é a superação da
dualidade estrutural que separa a escola da cultura da escola do trabalho. A travessia é
promover a integração da formação geral, técnica e política, possibilitando acesso ao
trabalho, à ciência, à cultura e à tecnologia por meio de uma educação básica e
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profissional, consistente, profunda e crítica. Ao comparar o ensino praticado no
artesanato e na produção manufatureira local, no contexto de sua época, Marx (1994,
pp. 558-559) reconhece que as escolas politécnicas, agronômicas e de ensino
profissional representavam um avanço. Para ele, a educação politécnica, ainda que nos
limites do capital, representava uma possibilidade de se articular ensino e trabalho pelo
seguinte:
... substituir o indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. As escolas politécnicas e agronômicas são fatores desse processo de transformação, que se desenvolveram espontaneamente na base da indústria moderna; constituem também fatores dessa metamorfose as escolas de ensino profissional onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção.
Portanto, contrário à fragmentação e ao direcionamento da formação do
trabalhador segundo os ditames do processo produtivo, Marx (1978, 1994) assumia uma
concepção politécnica de educação ainda no capitalismo, por entender que este poderia
ser uma centelha para as transformações que se faziam necessária. A esse respeito
Machado (1989, p. 126 -127) evidencia que:
Na concepção de Marx, o ensino politécnico, de preparação multifacética do homem, seria o único capaz de dar conta do movimento dialético de continuidade-ruptura, pois não somente estaria articulado com a tendência histórica de desenvolvimento da sociedade, como a fortaleceria. O ensino politécnico seria, por isso, fermento da transformação: contribuiria para aumentar a produção, fortalecer o desenvolvimento das forças produtivas e intensificar a contradição principal do capitalismo (entre socialização crescente da produção e mecanismos privados de apropriação). Por outro lado, contribuiria para fortalecer o próprio trabalhador, desenvolvendo suas energias físicas e mentais, abrindo-lhe os horizontes da imaginação e habilitando-o a assumir o comando da transformação social.
Sob a “ótica marxiana” a formação politécnica possibilitará compreender o
trabalho nas múltiplas dimensões que o constitui, na medida em que lhe favorece o
domínio dos princípios e fundamentos científicos que embasam o processo produtivo
moderno. O trabalhador, nesta perspectiva, ao tempo que alcança condições necessárias
para garantir sua subsistência, adquire uma consciência crítica que permite compreender a
correlação de forças políticas que permeiam o mundo, as contradições que o movem,
podendo assim, contribuir com a transformação da sociedade em que vive. Portanto, para
além do domínio da técnica, o ensino politécnico possibilita o domínio intelectual,
88
científico, que compõe a técnica, o que implica não só conhecer o produto, a máquina,
mas igualmente a natureza e sua relação com o homem (SAVIANI, 2007; RAMOS, 2008).
Significa, assim, não o mero adestramento em técnicas produtivas, não a formação de
técnicos especializados, mas de politécnicos (SAVIANI, 2007, p.161).
Os desafios de incorporar o trabalho à EJA, sem submetê-lo ao mercado e ao
mito da empregabilidade, tem como direção a proposta de currículo integrado,
perspectiva discutida também por diferentes teóricos brasileiros, assentados em matizes
marxianas e gramscianas. Ciavatta (2005), como antes já mencionei, apresenta uma
concepção de currículo integrado em que a educação geral é parte inseparável da
educação profissional, e que, portanto, a educação deve ser tratada como totalidade
social. Com esse entendimento enuncia que o termo ‘integrar’ não significa,
necessariamente, fazer junto, mas, ter sentido de completude, de compreensão das
partes no seu todo ou da unidade no diverso.
Identifico, igualmente, em Ramos (2008, 2010) a fertilidade de suas
contribuições ao trazer para o debate de currículo integrado - seja ele na modalidade
EJA ou não - sentidos de integração, que se complementam, e que são fundamentais
para a construção dessa perspectiva anunciada. O primeiro sentido que a autora
atribui à integração, expressa uma concepção de formação humana que integra
durante todo processo formativo, as dimensões fundamentais da vida como eixo que o
perpassa, atravessando o ser e o fazer dos diferentes campos de conhecimentos que o
compõe.
Ao atribuir à integração uma concepção de formação humana que integra
durante todo processo formativo, as dimensões fundamentais da vida que estruturam
a prática social, isto é, o trabalho - compreendido em seu sentido ontológico e histórico
-, a ciência, cultura e a tecnologia, na perspectiva da formação omnilateral33 e
politécnica dos sujeitos, reitera grandes e complexos desafios para o currículo. Para
33 Marx (1978) postula que a educação politécnica é uma das possibilidades do desenvolvimento omnilateral do ser humano, isto é, o desenvolvimento numa perspectiva abrangente, que abarque as dimensões física, psicológica, cultural, social, política, estética, ética. Manacorda (1991, p.81), ao fazer a síntese do significado da omnilateralidade marxiana expressa que a mesma significa a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo de prazeres, em que se deve considerar, sobretudo, o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho. (Para aprofundar ver Marx ,1978, 1994; Manacorda,1991; NOGUEIRA, 1993)
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Marx (1978), o homem omnilateral significa um homem compreendido em todas as
suas transversalidades. Em oposição ao ‘homem unilateral’, fragmentado, postula o
desenvolvimento do ser humano na perspectiva abrangente, que abarque as
diferentes dimensões que o constitui, ou seja, a física, psicológica, cultural, social,
política, estética, ética e outras. Portanto, um sujeito em condições de exercer o
trabalho na dimensão de totalidade
No sentido ontológico, Marx (1978) concebe o trabalho como processo
eminentemente humano, ação criadora do homem em sua relação com a natureza e com
o mundo. Ação essa que se constitui condição fundamental para que o ser humano se
hominize, isto é, desenvolva suas potencialidades verdadeiramente humanas. Nas
elaborações marxianas, o homem se humaniza e se realiza por meio do trabalho, pois
diferente dos outros animais que nascem pré-determinados para exercerem uma função
na natureza, os seres humanos para agir, idealizam, criam e tem a ação guiada pela
idealização. Ao trabalhar o homem age sobre a natureza, pondo em movimento as
forças naturais da sua corporeidade - seus braços, suas mãos, seu cérebro – e, nesse
movimento, ele modifica a natureza, o mundo que está à sua volta, modificando, a si
mesmo nesse processo (MARX, ENGELS, 1986). Portanto, o trabalho é o próprio
sentido da vida humana, pois a partir dele, mediado pelos instrumentos criados pela
ação humana, o homem se socializou, desenvolveu as funções cognitivas, afetivas,
físicas, a linguagem; criou a cultura, a ciência, enfim, tornou-se ser humano.
O sentido histórico do trabalho, por sua vez, refere-se às novas expressões que
este vai assumindo pela historicidade do modo de produção. No modo de produção
capitalista, esse trabalho se transforma em trabalho assalariado, exigindo daqueles que
vendem sua força de trabalho determinados saberes e comportamentos para que possam
se inserir como trabalhadores no processo produtivo, ainda que de forma precária.
Sendo assim, também traz fundamentos e orienta finalidades de formação, na medida
em que expressa as exigências específicas para o processo educativo, visando à
participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. No
contexto atual, esse processo produtivo em decorrência do desenvolvimento científico e
tecnológico alcançado, adota maquinários, técnicas e procedimentos que trazem
embutidos conceitos científicos e tecnológicos básicos, exigindo de determinados
trabalhadores, especialmente os que vão ocupar postos complexos, capacidades
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cognitivas e operativas para lidar com a complexidade que as atividades produtivas
trazem em si (RAMOS, 2008, 2010).
O entendimento destas dimensões que perpassam o trabalho sugere os rumos
que este pode indicar. Evidentemente que ele pode ser assumido como princípio
educativo na perspectiva do capital ou do trabalhador. Isso exige que seja compreendido
primeiramente em sua dimensão humanizadora, como meio pelo qual o homem
transforma a natureza e se relaciona com os outros homens para a produção de sua
própria existência. O trabalho assalariado, por sua vez, vem a ser a forma histórica
alcançada sob as bases das relações capitalistas de produção. Do ponto de vista do
capital, a dimensão ontológica do trabalho é subsumida à lógica da mercadoria. Assim,
assumir o trabalho como princípio educativo na perspectiva do trabalhador, como diz
Frigotto (1989, p. 8), implica o seguinte:
... superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação situando o homem e todos os homens como sujeito do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações, onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo.
Sendo assim, sob a perspectiva do trabalho em sua dimensão ontológica e
histórica - com assento no currículo integrado - a formação profissional para os jovens e
adultos é uma exigência, não só como forma de propiciar uma qualificação que lhe
possibilite assumir atividades produtivas complexas, mas, também, que lhes
instrumentalize para participar ativamente no contexto social. Isso significa uma
formação que lhes potencializem assumir uma postura crítica e transformadora diante da
realidade, em que o trabalho ao mesmo tempo em que pode contribuir para sua
humanização, lhes subtrai possibilidades de emancipação, por se encontrar regido por
relações sociais fundadas na desigualdade.
Feitas estas considerações sobre ‘trabalho’, retomo as outras dimensões da vida
humana que dão corpo ao sentido de integração enunciado por Ramos (2008, 2010) bem
como no Documento Base (BRASIL, 2007 a): a ciência, a cultura e a tecnologia. O
significado de ‘ciência’ traduzido pela autora, refere-se ao conjunto de conhecimentos
sistematizados, produzidos pela humanidade em processos mediados pelo trabalho, que
se tornam legitimados socialmente como conhecimentos válidos porque explicam a
realidade e possibilitam intervenção sobre esta. Sendo assim, os conhecimentos
91
científicos se originam na prática social dos homens e nos processos de transformação
da natureza por eles realizados, em que diante dos problemas é levado a buscar
respostas às questões com quais se depara. Se é no movimento de ação-reflexão-ação
sobre a realidade social e natural que os conhecimentos são produzidos, significa que,
numa relação dialética, tanto esta realidade como os homens, seus pensamentos, suas
práticas também mudam neste processo simbiótico. Isso traduz a dimensão teórico-
prática que deve sustentar o processo formativo, em todos os campos de conhecimentos,
tendo em vista possibilidades de transformação.
O sentido de “cultura”, por sua vez, encontra-se embasada em Gramsci (1991),
como expressão da organização político-econômica da sociedade, entendido como
processo de produção de expressões materiais e simbólicas, conjunto de representações
e significados que correspondem às linguagens e aos códigos éticos e estéticos que
orientam as normas de conduta de um grupo social. Se o trabalho significa ação
transformadora consciente do ser humano, a cultura constitui o conjunto dos resultados
dessa ação sobre o mundo. Não há, portanto, ser humano fora da cultura, uma vez que a
cultura é o próprio ambiente do ser humano, socialmente formada por valores, crenças,
objetos, conhecimentos e outros. Isso traz implicação para a perspectiva de formação
em que o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática deve contribuir, na medida
em que a relação destes conhecimentos com os códigos de conduta, com os valores, as
representações dos grupos e sujeitos sociais, não podem ser descuidados.
Temos ainda que considerar o significado de ‘tecnologia’ que deve superar a
visão que a reduz à ciência aplicada. Segundo esta visão caberia à tecnologia o lado
“não puro” da ciência, dando a essa última um caráter neutro, segundo o qual não é de
responsabilidade do cientista o que outros fazem com o conhecimento produzido. O
entendimento aqui adotado é de que a tecnologia não apenas utiliza o conhecimento da
ciência, como também o modifica, utiliza dados diferentes na pesquisa que realiza,
construindo um conhecimento próprio. Isso não significa negar a existência de relação
entre ciência e tecnologia, mas esta não pode ser reduzida à aplicação de um
conhecimento já produzido. A tecnologia pode ser entendida como mediação do
conhecimento científico e a produção, perpassada pelas relações sociais que a levaram a
ser produzida. Portanto, o processo tecnológico não é apenas o que transforma e
constrói a realidade física, mas igualmente aquilo que transforma e constrói a realidade
social (BAZZO, LINSINGEN, PEREIRA, 2003; BRASIL, 2012).
92
É a relação indissociável entre esses processos da atividade humana que define
o trabalho como princípio educativo, constituindo-se eixo epistemológico e ético-
político de organização curricular dos Cursos Técnicos Integrados, como é o caso do
que foi estudado. Isso significa a aquisição de uma cultura geral do trabalho, que
pressupõe o conhecimento da produção em seu conjunto, dos fundamentos científicos,
histórico-sociais e tecnológicos - técnicos que presidem os processos produtivos na
atualidade.
Nesse sentido, ocorre pontuar que as formulações de Gramsci (1991) são
importantes a esta tese, na medida em que discute a necessidade de vincular, na
formação do trabalhador, o conhecimento técnico e qualificado do trabalho a um
conhecimento mais amplo de cultura científica e humanista. Com efeito, a educação
que se apoia no trabalho como princípio educativo, incorporando a dimensão intelectual
do trabalho produtivo, contribui com uma formação que equilibre, equanimemente, o
desenvolvimento da capacidade de trabalhar tecnicamente e o desenvolvimento das
capacidades de trabalhar intelectualmente, no sentido de contribuir com a formação de
trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Dessa forma, nem a
atividade teórica e nem a atividade pragmática, isoladamente, podem dar conta de uma
formação apoiada nessa concepção.
A reflexão sobre a dimensão ontológica e histórica do trabalho, que se traduz
na adoção do trabalho como princípio educativo da formação integrada, traz
implicações substantivas para a formação nos cursos técnicos integrados, e em
específico para o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática que nele se
desenvolve, por diversas razões. Se um dos sentidos de currículo integrado é a relação
indissociável entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia expressando a práxis humana,
uma educação que se comprometa com os jovens e adultos e com sua formação humana
integral deve trazer o conhecimento e sua expressão escolar - entendido como produto
histórico-cultural - para a centralidade das decisões neste currículo. Ou seja, o
conhecimento escolar, derivado das ciências de referência, e a sua apropriação em suas
distintas formas de expressão e produção se tornam central, na medida em que se
constituem elementos essenciais do desenvolvimento cognitivo e da formação ética,
estética e política do estudante.
Evidentemente que o domínio da ciência básica na perspectiva da compreensão
dos fundamentos científicos e tecnológicos que explicam o processo de produção da
existência humana em seus aspectos material, imaterial e histórico-cultural, não se
93
obtém pela simples reprodução do conhecimento a partir de um ensino transmissivo. É
imprescindível um ensino que propicie, além de outros, a apropriação dos
conhecimentos de Química, Biologia, Física e Matemática, em uma dimensão de
totalidade, compreendendo-os em sua historicidade, de forma que a unidade teoria-
prática prevaleça durante o processo formativo.
Ao discutir o ensino da Matemática na educação de adultos, Duarte (2006)
apresenta elementos que elucidam essa perspectiva, quando aborda que é fundamental
ensinar este campo de conhecimento, de modo a contribuir para que os alunos
assimilem essa ferramenta cultural tão necessária à luta cotidiana. Menciona que é
necessário desenvolver um modo de pensar que supere a visão estática do conteúdo
matemático, como se este conhecimento fosse pronto e acabado, e que seus princípios e
regras fossem absolutos no tempo e no espaço. Para este autor, se o ensino de
Matemática tiver apoiado numa concepção de ciência estática, fragmentada,
desarticulada das questões da vida, certamente, contribuirá para a adoção desse modo de
ver em relação ao restante da prática social do indivíduo. No seu entendimento, do qual
compartilho, esta não é uma posição que se reduz ao pedagógico, pois, traz inerente
uma concepção epistemológica e política de educação.
De fato, a concepção epistemológica e a dimensão política da educação
direcionam a prática educativa, a seleção e o modo de articular conteúdo e forma no
processo de ensino e de aprendizagem dos conhecimentos. O quê e o como os
conhecimentos científicos - transformados em conteúdos - são trabalhados, decorrem da
concepção da natureza do conhecimento, de ensino e de aprendizagem adotada, das
crenças e expectativas dos sujeitos nele envolvidos. A posição de Fiorentini (1995, pp. 4
– 5) contribui para reforçar esse entendimento quando diz que:
O professor que concebe a Matemática como uma ciência exata, logicamente organizada e a-histórica ou pronta e acabada, certamente terá uma prática pedagógica diferente daquele que a concebe como uma ciência viva, dinâmica e historicamente sendo construída pelos homens, atendendo a determinados interesses e necessidades sociais. Da mesma forma, o professor que acredita que o aluno aprende Matemática através da memorização dos fatos, regras ou princípios transmitidos pelo professor ou pela repetição exaustiva de exercícios também terá uma prática diferenciada daquele que entende que o aluno aprende construindo os conceitos a partir de ações reflexivas sobre materiais e atividades, ou a partir de situações-problema e problematizações do saber matemático.
Na mesma direção, Geraldo (2009, p. 88) se expressa indicando que um dos
principais desafios do professor da educação básica é desenvolver o ensino de forma
que possibilite aos alunos a compreensão dos conhecimentos básicos de Ciências
94
Naturais em sua complexidade e movimento, contribuindo para formar uma visão crítica
de ciência e de mundo. Gil-Pérez (1993) complementa a análise que faço, quando
afirma que a ciência é um produto histórico, sendo assim, o conhecimento científico
está sujeito a mudanças e reformulações. Trabalhar esses conhecimentos já elaborados
sem mostrar sua construção, sua evolução, suas dificuldades e contradições, significa
adotar uma concepção contrária a uma visão histórica de ciência, dificultando sua
compreensão na totalidade. Krasilchick (1988) traz sua contribuição ao evidenciar a
urgência de romper com o ensino tradicional em que o tratamento dos conteúdos das
Ciências Naturais se baseia em fórmulas e leis prontas e inalteráveis. Fernández et al.
(2002), também alerta quanto à necessidade de superação do ensino de Ciências
Naturais numa abordagem tradicional, por entender que este transmite, por ação ou por
omissão, visões deformadas da ciência, isto é, como ciência rígida, a-problemática, a-
histórica, linear, elitista e descolada das questões da sociedade. Nessa direção, Chassot
(2003, p 96-97) se posiciona dizendo que:
Devemos fazer do ensino de Ciências uma linguagem que facilite o entendimento do mundo pelos alunos e alunas. ... Vamos nos dar conta de que a maioria dos conteúdos que ensinamos não servem para nada, ou melhor servem para manter a dominação. ... O que se ensina mais se presta como materiais para excelentes exercícios de memorização do que para entender a vida. ... Nossa luta é para tornar o ensino menos asséptico, menos dogmático, menos abstrato e menos a - histórico.
Compreendo, inspirada por esses autores, que o grande desafio é perseguir a
construção de uma nova forma de ensinar a partir da revisão das concepções das
naturezas desses conhecimentos, de como se ensina e como se aprende, trazendo
implicações para a forma de organizar e dinamizar a prática educativa na escola, em
particular, na sala de aula, principalmente quando esta se volta para uma formação em
que educação básica e educação profissional se integram. Sendo assim, é necessário
reafirmar que a profissionalização sob a base da integração das dimensões da vida
humana - o trabalho, a ciência, cultura e tecnologia – se opõe à simples formação para o
mercado de trabalho e à ideologia da empregabilidade. Isto significa que formar
profissionalmente não é formar exclusivamente para o exercício da profissão, não é se
esgotar nela, mas, é junto com ela, preparar para a compreensão crítica do
funcionamento do processo produtivo moderno e das relações complexas e
contraditórias que lhes atravessam (BRASIL, 2007a).
95
Esses argumentos sustentam as razões que justificam a superação do ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática - não só dessa área - com um tratamento a-
histórico desarticulado das outras ciências, tanto da base da formação geral quanto dos
saberes da formação específica profissional. Já que o prenunciado é a formação
politécnica que propicia a aquisição dos fundamentos e dos princípios, que estão na
base da organização do trabalho em nossa sociedade e que, portanto, permitem
compreender o seu funcionamento (SAVIANI, 1989, p. 17), torna-se fundamental rever
as práticas de ensino que superficializam, fragmentam e absolutizam os conhecimentos
advindos, entre outras, das Ciências da Natureza e da Matemática.
Apresentada essas análises retomo os sentidos de ‘integração’ discutidos por
Ramos (2008, 2010), assumidos por Machado (2006b), com os quais compartilho, que é
a integração de conhecimentos gerais e conhecimentos específicos como totalidade
curricular. Assim como o primeiro sentido se expressa comprometido com as diretrizes
ético-políticas da construção do conhecimento pela mediação do trabalho da ciência, da
cultura e da tecnologia. As referidas autoras evidenciam que a separação entre
conhecimentos gerais – que constituem a formação básica34 - e os conhecimentos
específicos- que compõem a formação profissionalizante - no currículo dos cursos
técnicos integrados ao médio é herdeira do positivismo - expressão da fragmentação e
da divisão dos campos de conhecimentos e da desarticulação teoria-prática. Tal
separação alimenta o imaginário escolar de que os conhecimentos gerais correspondem
aos conhecimentos teóricos e os conhecimentos específicos são a aplicações dessas
teorias. A partir dessas ideias, se naturaliza o entendimento de que o professor de
educação básica - e, portanto, de ensino médio - ministra as teorias gerais, enquanto o
professor de formação técnica ministra as suas aplicações (RAMOS, 2008 p.16, grifos
meus).
Em concordância com as autoras citadas considero que ambos os campos de
conhecimentos – básicos e profissionais – têm um papel fundamental no processo
formativo. Ambos possuem especificidades que não podem ser desconsideradas, mas
guardam unidade epistemológica e pedagógica que deve se traduzir no processo de
formação profissional que está sendo tratado ao longo desta tese. No caso dos
conhecimentos de Química, Biologia, Física e Matemática, que compõem a área das
34É no âmbito da formação básica, que corresponde aos denominados ‘conhecimentos gerais’, que compõem a Base Nacional Comum - BCN - do currículo do Ensino Médio, que a área das Ciências da Natureza e da Matemática se situa.
96
Ciências da Natureza e da Matemática, estes se distinguem metodologicamente e em
suas finalidades situadas historicamente, porém, epistemologicamente, formam uma
unidade. Portanto, torna-se fundamental compreendê-los em suas especificidades,
finalidades e potencialidades, sobre uma base unitária que sintetize humanismo e
tecnologia.
Segundo Machado (2006a, 2006b) os campos de conhecimentos que compõem
a educação básica se expressam nos conhecimentos relativos às ciências, à cultura, à
sociedade, às artes, bem como, nas capacidades de investigar, na autonomia intelectual,
no interesse pelos problemas contextuais, dentre outros requisitos indispensáveis a todas
as pessoas, independentemente de suas profissões. Os campos de conhecimentos da
educação profissional, por sua vez, incluem, igualmente, o desenvolvimento das
capacidades citadas, tendo nos conhecimentos tecnológicos, seu foco fundamental,
constituindo-se referências obrigatórias ao exercício de atividades técnicas e de
trabalho. Nesse sentido, guardada as especificidades, os conhecimentos que compõem o
currículo do Ensino Médio – Química, Biologia, Física e Matemática - e do Ensino
Técnico estão em unidade pelo potencial educativo que ocupam no processo da
formação.
A esse respeito, Ramos (2008, p. 17) afirma que os conhecimentos da
formação geral – em que as Ciências da Natureza e da Matemática se situam - adquirem
sentido claro quando reconhecidos em sua gênese a partir do real, e em seu potencial
produtivo, desvelando o que pode ser compreendido e executado a partir dele. Quanto
aos conhecimentos específicos, da parte profissional assegura que:
.... Nenhum conhecimento específico é definido como tal se não consideradas as finalidades e o contexto produtivo em que se aplicam. [...] se forem ensinados exclusivamente como conceito específico, profissionalizante, sem sua vinculação com as teorias gerais do campo científico em que foi formulado, provavelmente não se conseguirá utilizá-lo em contextos distintos do que foi aprendido.
Na mesma direção, Machado (2006b, p. 55) argumenta que a unidade desses
conhecimentos se justifica pelas razões seguintes:
Primeiro, porque todos esses conhecimentos têm origem na atividade social humana de transformação da natureza e de organização social; todos eles representam o desenvolvimento do domínio e do controle que o ser humano progressivamente vem adquirindo sobre a natureza, mediante a sua práxis histórica. Os conhecimentos tecnológicos também são, hoje, reconhecidos como socialmente necessários a todos. Seu ensino, à diferença do ensino geral, é orientado predominantemente para a atividade de trabalho ou para a explicação dos objetos técnicos, sua estrutura e fabricação.
97
Portanto, o grande desafio é justamente construir processos de integração entre
esses conhecimentos que, organizados sob a forma de conteúdos de ensino,
correspondem aos conceitos, teorias e métodos que se constituem como síntese da
apropriação histórica da realidade material e social elaborada pelo homem. Assim, o
conhecimento deve ser organizado e o processo de ensino e de aprendizagem
desenvolvidos de forma que os conceitos sejam associados a fenômenos reais –
situações da prática social e produtiva -, pois a teoria separada da realidade concreta se
torna vazia, abstrata. Dessa forma, cabe estudar a atividade profissional numa
perspectiva mais ampla, de totalização, em que os conhecimentos sócio-históricos e
científico- tecnológicos possam se constituir base deste estudo. Isto quer dizer que, além
dos determinantes técnicos, operacionais e organizacionais do processo de trabalho,
devem ser considerados, os de ordem econômico-produtivos, físico-ambientais, sócio
históricos, culturais e políticos, não perdendo de vista que os trabalhadores são sujeitos
dessa realidade objetiva, constituídos pelas relações sociais de trabalho. (RAMOS,
2005, 2008; MACHADO, 2006b).
Portanto, reitero que trabalhar essa unidade implica não perder de vista que a
prática social, por onde circulam os conhecimentos, a cultura, os sentidos e significados
humanos, deve se constituir o ponto de partida do processo de formação do trabalhador e
que o sujeito desta prática, para o qual se volta esta formação, é entendido como ser
histórico-social concreto capaz de transformar a realidade em que vive. Igualmente,
reforço que a finalidade do processo educativo deve ser a formação humana como
síntese da formação básica e da formação para o trabalho, e que o trabalho se constitui
princípio educativo, na medida em que propicia a compreensão do significado
econômico, social, histórico, político e cultural das ciências e das artes, que perpassam
também pelo fazer do trabalho.
Isso demanda por parte das instituições formadoras – como no caso do IFMA -
decisões que se direcionem para a ressignificação dos currículos que vem dando base a
essa formação, tendo claro, como antes abordado, que currículos são objetos de disputas
entre interesses diversos e, portanto, uma prática historicamente construída, que possui,
além da dimensão formal de ordenamento dos saberes e de sua forma de tratá-lo, uma
dimensão política que é ampla e complexa (MACHADO, 2006b). Ou seja, remete,
dentre outras, à necessidade de pensar, coletivamente, o projeto político pedagógico e os
currículos – dos Cursos do PROEJA -, e, neles, os conteúdos e o seu tratamento, para
permitir sua apreensão a partir do movimento prática-teoria-prática.
98
Cabe aqui, também, ressaltar as orientações das atuais Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio, consubstanciadas na Resolução
CNE/CEB nº 2, de 30/01/2012 e na Resolução CNE/CEB nº 6, de 30/09/2012 que,
respeitando as singularidades da EJA, dão base à organização dos currículos e ao
desenvolvimento do ensino35 nos campos que constituem os Cursos Técnicos integrados
do PROEJA, como o tratado nesta tese. Ainda que com contradições e argumentos por
vezes ambíguos, nestes documentos legais se encontram presentes princípios do
currículo integrado, que bebem na fonte de aportes gramscianos, traduzidos nas reflexões
teóricas do campo da relação trabalho-educação, a exemplo de teóricos que embasam
esse estudo (RAMOS, 2008, 2010; CIAVATTA, 2005, MACHADO, 2006a, 2006b),
com reflexões estendidas ao longo desta tese.
35No Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007a), nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012a) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012 b) são explicitados os princípios que devem se constituir base para a organização e dinamização dos currículos. De acordo com as DCNEM, o Ensino Médio em todas as suas formas de oferta e organização se baseia em: formação integral do estudante; trabalho e pesquisa como princípios educativos e pedagógicos, respectivamente; indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso, técnico-profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização. A organização curricular do Ensino Médio tem uma Base Nacional Comum e uma parte diversificada que não devem constituir blocos distintos, mas um todo integrado, de modo a garantir tanto conhecimentos e saberes comuns necessários a todos os estudantes, quanto uma formação que considere a diversidade e as características locais e especificidades regionais. As áreas do conhecimento devem ter um tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos (DCNEM, Art. Art. 5º, I, II, III, IV, V, VI; Art. 7º, &1º). Segundo as DCNE a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, articula-se com o Ensino Médio e suas diferentes modalidades, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e com as dimensões do trabalho, da tecnologia, da ciência e da cultura. Entre os o princípios da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, destacam-se: relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante; trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular; articulação da Educação Básica com a Educação Profissional e Tecnológica, na perspectiva da integração entre saberes específicos para a produção do conhecimento e a intervenção social, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico; indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem; indissociabilidade entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos e de segmentação da organização curricular; contextualização, flexibilidade e interdisciplinaridade na utilização de estratégias educacionais favoráveis à compreensão de significados e à integração entre a teoria e a vivência da prática profissional, envolvendo as múltiplas dimensões do eixo tecnológico do curso e das ciências e tecnologias a ele vinculadas; ( Art. 4º; Art. 6º, I, III, IV, V, VI, VII, VIII)
99
Nestes documentos oficiais a indissociabilidade entre educação-prática social,
teoria-prática, educação profissional-educação básica é reiterada. Integração entre
educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura aparece como base tanto nas Diretrizes
Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012a) como da Educação Profissional
Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012 b). No sentido de integrar, os saberes
científicos, técnicos e operacionais que estruturam as atividades de trabalho, aos demais
saberes associados à educação básica, como os das Ciências da Natureza e da
Matemática, a interdisciplinaridade, a contextualização e a pesquisa devem se constituir
princípios do currículo e da prática pedagógica dos cursos de formação (BRASIL, 2012
a; BRASIL, 2012 b).
Tomando as afirmações de Japiassu (1976) como referência, constato que a
interdisciplinaridade para ser exercida coletivamente, requer o diálogo aberto por meio
do qual cada um reconhece o que lhe falta e o que deve receber dos demais. Tal aporte
questiona a segmentação entre os diferentes campos do conhecimento, produzida por
uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles, bem
como a visão compartimentada da realidade sobre a qual a escola tem, historicamente,
trabalhado. Trata-se, portanto, do redimensionamento epistemológico das disciplinas e
da reformulação das estruturas pedagógicas de ensino, de forma a possibilitar que as
diferentes disciplinas interajam entre si por um processo de intensa reflexão.
Nesse sentido, Fazenda (1992) contribui com essa análise, por evidenciar que a
interdisciplinaridade requer mudança de atitude perante o problema do conhecimento, o
que implica substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano.
Tal atitude se embasa no reconhecimento da importância da construção de
conhecimentos, do questionamento constante das próprias posições assumidas e dos
procedimentos adotados, bem como, da abertura à investigação em busca da totalidade
do conhecimento. Realça que o ponto de partida e de chegada de uma prática
interdisciplinar está na ação e não na negação das disciplinas. Sendo assim, esclarece
que a interdisciplinaridade não nega as particularidades das disciplinas, pois o que se
evidencia é uma mudança de postura na prática pedagógica, por meio do diálogo que se
estabelece entre as disciplinas e entre os sujeitos das ações.
Machado (2006b) faz uma rica reflexão que destaca a propositura e o desafio
da construção de currículo integrado, assentada no princípio da interdisciplinaridade.
Evidencia que, se a prática social em que são apreendidos e produzidos os
conhecimentos é uma totalidade integrada, esses sistemas de conhecimentos produzidos
100
pelo homem a partir desta prática também o são. Para tanto, é necessária uma mudança
de postura pedagógica que contribua para romper com o modelo que fragmenta e
hierarquiza os conhecimentos. É fundamental assumir uma disposição verdadeira para
buscar formas de articulação de conhecimentos que possibilitem a geração de
aprendizagens significativas e que criem situações que permitam saltos de qualidade no
processo de ensino e aprendizagem (MACHADO, 2006b, p. 64).
Complementa ressaltando que isso vai exigir o aumento da interação entre os
docentes, abertura para o trabalho cooperativo e a capacidade de todos, alunos e
professores, para trabalhar em equipe. Dessa forma, sinaliza que uma das alternativas
que ajudam a explorar a interligação entre as disciplinas e construir um trabalho
interdisciplinar é a metodologia de ensino orientada por projetos. Tal metodologia
objetiva vincular teoria e prática mediante a investigação de um tema ou problema que
estimula a mobilização e a articulação de diferentes recursos e conhecimentos,
incorporando os conteúdos à medida da necessidade de desenvolvimento do projeto
(MACHADO, 2006b, p. 64).
A interdisciplinaridade mantém relação com a pesquisa como princípio
pedagógico que serve de base ao currículo integrado. A esse respeito, Machado (2006b)
pontua que a formação profissional regida por um currículo que integre os
conhecimentos básicos aos profissionais constitui-se rica oportunidade de superar a
visão utilitarista de ensino, contribuindo para desenvolver nos alunos as capacidades de
pensar, sentir e agir, tendo em vista o alcance dos objetivos da educação integral.
Acentua que pesquisa como alternativa metodológica possibilita o resgate e a
incorporação ao processo pedagógico do conhecimento empírico e experimental trazido
pelo aluno promovendo o desenvolvimento dos conceitos e a compreensão dos
princípios científicos, ao tempo que evidencia como eles embasam as técnicas.
Para Moraes (2002, p. 127), a pesquisa na educação contribui para a formação
de sujeitos críticos e autônomos, capazes de intervir na realidade com qualidade formal
e política. Complementa sua formulação dizendo que o ensino dinamizado pela
pesquisa contribui para a superação da aula copiada e os alunos de objetos são
transformados em sujeitos da relação pedagógica ao se envolverem individualmente e
em grupos em reconstruções e produções. Assim, tanto alunos como professores
atingem uma nova compreensão do aprender, enriquecendo o processo de ensino. Ao
traçar o percurso metodológico do ensino com pesquisa, este autor explicita que
101
(i) O processo começa por perguntas que têm significados para os envolvidos, pois têm como ponto de partida os conhecimentos que alunos e professores já trazem da realidade em que vivem, intencionando o avanço dos mesmos, tornando-os mais complexos e conscientes;
(ii) De posse das perguntas a serem respondidas e acordadas coletivamente, é preciso ir à busca das respostas aos questionamentos;
(iii) Tais respostas virão dos participantes, que fundamentarão seus argumentos a partir de interlocuções teóricas, bem como, de interlocuções empíricas, que propiciam que os argumentos se ancorem em dados da realidade;
(iv) Como parte desse processo é preciso produzir documentos que sintetizem o resultado desse trabalho;
(v) Tais documentos necessitam ser expressos e defendidos para que possam estabelecer-se no discurso;
(vi) Finalmente, argumenta que não basta apresentar esses resultados da pesquisa, é necessário que os mesmos sejam criticados, para serem aperfeiçoados e fazerem parte do conhecimento coletivo (MORAES, 2002, p. 136).
Ainda com relação ao ensinar subsidiado pela pesquisa, Veiga (2009, p. 58)
esclarece que a pesquisa é uma atividade inerente ao ser humano, um modo de
apreender o mundo. Ensinar a pesquisar é tomar a pesquisa como instrumento de
ensino, de aprendizagem e de avaliação. É o ponto de partida e de chegada da
apreensão da realidade. A esse respeito Demo (1997) destaca que a pesquisa instiga o
questionamento da realidade, a busca de conhecimentos que a expliquem e a tomada de
atitudes críticas e criativas diante dela.
As contribuições de Freire (1996) são igualmente férteis por argumentar que a
escola deve estreitar o vínculo entre ensino e pesquisa, pois quando se ensina deve se
ensinar não apenas o conteúdo, mas também a forma de se conhecer, o caminho para
chegar ao conhecimento. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino (FREIRE,
1996, p.14), pois esses que - fazeres se encontram um no corpo do outro. Ressalta que é
no movimento dialético desses dois processos indissociáveis que professores e alunos,
assumindo atitudes metódicas e rigorosas, indagam, problematizam, buscam, colocam-
se na rica aventura de conhecer o que ainda não conhecem e de comunicar ou anunciar a
novidade que passaram a conhecer, abrindo novos horizontes para suas formas de ser e
de se colocar no mundo.
Sob o enfoque de ensino de Física por pesquisa Carvalho et al. (2009)
ressaltam a fertilidade desse processo em que os alunos, na condição de sujeitos, são
102
instigados a compreender os fenômenos e a construir os conceitos a partir da
investigação e reflexão de problemas reais. Ao discutirem o ensino das Ciências na
perspectiva de processo investigativo alertam que nenhuma mudança educativa formal
tem possibilidade de avanços, se não conseguir assegurar a participação ativa do
professor. Isso implica mudanças de atitudes não só conceituais, mas, também,
atitudinais e processuais. Discutem que o professor deve ter competência para
potencializar situações em que os alunos aprendam a argumentar, a reconhecer as
afirmações contraditórias, e as evidências que dão ou não suporte às afirmações. Ou
seja, o professor deve ser capaz de criar um ambiente para que os alunos passem a
refletir sobre seus pensamentos, aprendendo a reformulá-los por meio da contribuição
dos colegas, mediante conflitos pelo diálogo e tomando decisões coletivas
(CARVALHO et al., 2009, p. 9).
No meu entender, no percurso desse processo que é, inevitavelmente,
interdisciplinar e contextualizado, ensinar, aprender e pesquisar se apresentam como
aspectos indissociáveis da construção de conhecimentos. Contextualizar o ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática, como princípio a ser assumido, é parte dos
desafios que não pode ser adiado. Isso exige dar centralidade à relação que se estabelece
entre processos educativos e processos sociais, escola e vida, currículo escolar e
realidade local, teoria e prática, educação e trabalho, saber do aluno e saber científico.
Para Machado (2006b, p. 60), este princípio tem como ponto de partida a compreensão
de que o conhecimento não é outra coisa senão o resultado geral da interiorização das
diversas informações que os sujeitos articulam, integram e sintetizam a partir de seu
intercâmbio com os ambientes e as práticas sociais que vivem.
Com efeito, é importante reconhecer que os jovens e adultos - alunos do
PROEJA - em sua maioria, já têm envolvimento com o trabalho e quando chegam à
escola já trazem em si uma bagagem de valores, costumes e saberes produzidos no
cotidiano e na prática laboral que não podem ser ignorados. Torna-se fundamental
valorizar os saberes e as experiências construídas nesses diferentes espaços em que os
alunos transitam principalmente no trabalho, a partir da proposição de desafios e de
problemas que mobilize o desejo de estudar, de pesquisar, de buscar soluções para os
problemas que lhes são postos, dando sentido ao que aprendem. Giardinetto (1999)
adverte que esses conhecimentos que se manifestam como algo rico e positivo,
restringem-se a responder as necessidades mais imediatas, garantindo a praticidade
inerente a determinadas atividades cotidianas. Argumenta que a prática social é por
103
demais dinâmica, sendo assim, exige outras formas de conhecimento para enfrentar
questões diversas, postas por esta prática. Portanto, cabe à escola instrumentalizar os
sujeitos que dela tomam parte para compreender e resolver questões para além do
exigido pelas necessidades e demandas do cotidiano imediato.
Tal compreensão exige da escola tomada de decisões dirigidas a viabilizar a
apropriação de conhecimentos sistematizados, de forma a não somente reconhecer e
valorizar o saber do sujeito, mas criar a relação entre esses conhecimentos tornando
perceptível a Matemática, a Física, a Química e a Biologia como ciências em
desenvolvimento e construídas através de problemas apresentados e solucionados pelo
homem. Com base em Vygotsky (2001), posso entender que os conhecimentos
construídos nas relações cotidianas – conceitos espontâneos -, devem se constituir ponto
de partida para a formação ou ampliação de conceitos científicos. Para tanto, as aulas
devem ser atravessadas por mediações relevantes, por trocas produtivas entre os
sujeitos, apresentando problematização que viabilize nos alunos a compreensão de que o
conhecimento a ser ensinado/apreendido é importante e necessário para o seu
desenvolvimento intelectual e para sua vida como um todo.
Com essa linha de pensamento, Girotto, Miguel e Miller (2004) argumentam
que os alunos vão para a aula de Matemática procurando o elo entre o que eles
conhecem e o que lhes faltam. E o que lhes faltam é a sistematização do conhecimento
matemático, para que possam fazer uso social em situações mais complexas. Por sua
vez, Oliveira et al. (2010, p. 160-161), ao discutirem a particularidades do ensino de
Matemática para adultos, no âmbito do PROEJA, realçam que:
...sem fazer a ligação entre a base que trazem e o conhecimento que vão adquirir, dificilmente a matemática desempenhará seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas em situações da vida cotidiana e em atividades do mundo do trabalho e no apoio a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares... o ensino de matemática postará sua contribuição à medida que forem exploradas e priorizadas a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e, por fim, a autonomia advinda do desenvolvimento da confiar na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios.
Nesse sentido, na medida em que o conhecimento trabalhado na escola ganha
outro sentido para os que dele se apropriam, novos desafios afloram a esta instituição.
Ao reconhecer que o trabalhador, ainda que de forma assistemática, produz
conhecimento e elabora saberes, cabe à escola abrir portas a um pensar pedagógico de
integração epistemológica de conteúdos, entre o saber e saber fazer, no qual a
104
potencialização dos saberes oriundos do trabalho e dos outros contextos sociais podem
contribuir com a aquisição de novos conhecimentos. Isso remete, também, a
posicionamentos quanto à seleção de conteúdo de cada disciplina que compõe o
currículo, atentando para as adequações e relevância no sentido de atender às novas
necessidades profissionais e sociais. Sem dúvida disso decorre, igualmente, a
importância de pensar nos recursos didáticos e nos processos avaliativos que serão
adotados.
Em síntese, os desafios que se colocam para o ensino de Ciências da Natureza
e da Matemática em Cursos Técnicos do PROEJA, na perspectiva de currículo
integrado, são enormes. As (im)possibilidades de sua constituição e desenvolvimento,
dialeticamente, se debatem. Penso como Freire (2001a) quando diz que a luta por
sonhos possíveis implica assumir um duplo compromisso: o compromisso com a
denúncia da realidade excludente e o anúncio de possibilidades de sua democratização,
assim como o compromisso com a criação de condições sociais de concretização de tais
possibilidades.
Como antes abordei as concepções e ações dos sujeitos que materializam as
práticas educativas, sustentam caminhos, indicam direção e, por isso, dialeticamente,
por vezes, fecham e abrem possibilidades. É o que a seguir discorro, a partir do que foi
possível capturar daqueles que vivem a experiência do ensino das Ciências da Natureza
e da Matemática, no curso pesquisado e, assim, fazem história.
III- TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DE CONCEPÇÕES E AÇÕES DO ENSINO DE
CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA: aproximações e distanciamentos
As respostas que damos às questões vindas de nossa realidade e das pessoas que nos cercam vão de alguma maneira modificando o mundo. O que é menos evidente é que, ao darmos nossas respostas, nós também vamos nos tornando diferentes.
Freire
Nesta seção teço fios para dar a conhecer as concepções e ações que
sustentam o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, frente aos desafios da
anunciada formação integrada, em um currículo integrado, no Curso Técnico de
Eletrotécnica Integrado/EJA, do IFMA/Campus Monte Castelo. Apreender tais
105
concepções e ações, no curso pesquisado, exigiu de mim como pesquisadora um
debruçar atento no vasto material coletado36, fazer recortes, selecionar e tecer fios
que fossem, simultaneamente, representativos do fenômeno investigado em
ocorrência às questões de pesquisa e do que intencionava defender como tese, como
situei.
As três (3) categorias analíticas capturadas no ciclo da análise textual
discursiva, as quais denomino (i) Planejamento Coletivo e Formação Continuada, (ii)
PROEJA e Currículo Integrado e (iii) Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática expressam sínteses que aglutinam ideias, pontos de vistas,
valores, enfim concepções e ações manifestas pelos diferentes sujeitos, entremeadas
pelo suporte teórico assumido como referência nas interlocuções. Em cada uma destas
subseções se encontram explícitos e implícitos elementos que expressam
desafios/perspectivas, possibilidades/limites que perpassam o ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática e que revelam aproximação/distanciamento dos
pressupostos, princípios e fundamentos inerentes à proposta de formação integrada,
em um currículo integrado, tal qual enunciado por curso da natureza do que foi
pesquisado. Esclareço que as concepções e ações que justificam a subjetivação
‘aproximação’ e ‘distanciamento’ não serão tratadas com ênfases à parte, isto é,
separando-as em bloco. Estas se encontram manifestas nos relatos e nos argumentos
da narrativa que componho e que expressam o movimento dialético que atravessa a
tese que busco explicitar.
Nas subseções fiz a opção de apresentar os relatos dos sujeitos na sua
integralidade, na medida em que se fizeram necessários para possibilitar a visão do
todo e, gradativamente, de acordo com a discussão que eles suscitaram fui
decompondo os trechos, de forma a gerar compreensão das partes na totalidade em
que se situam, como apresento a seguir.
(i) Planejamento Coletivo e Formação Continuada
36 Coleta feita por meio da análise documental, das entrevistas transcritas, do material do grupo focal transcrito, das anotações em diários, conforme descrito na seção da metodologia.
106
Como antes abordei, a propositura acenada por Cursos Técnicos Integrados
ao Médio/PROEJA que apresenta o currículo integrado como eixo, traz implicações
substantivas ao coletivo institucional, especialmente aos sujeitos que neles
diretamente se encontram envolvidos, na medida em que pressupõe que deve ocorrer
certa convergência sobre ‘que ser humano’ e ‘que profissional’ vai ser formado e quais
estratégias serão as mais indicadas para traduzir operacionalmente os valores e as
perspectivas que forem priorizados ( MACHADO, 2006 b, p. 53-54).
Isso expressa o caráter político e pedagógico desse currículo que resulta de um
projeto intencional de formação humana ao redor do qual os diferentes sujeitos da
instituição educativa se articulam, envidando esforços para dar conta dos desafios que
ele apresenta. Disso decorre a necessidade de que as instituições fomentem espaços
coletivos para compreensão, discussões e decisões - sempre provisórias e em
constantes negociações - acerca da formação a ser ofertada/ou em curso, e das
condições essenciais para a viabilização da oferta, como antes discutido.
Nas narrativas dos sujeitos foi possível identificar recorrências e
singularidades, expressas em pontos de vistas, opiniões e significados que denotam
limites e possibilidades, aproximações/distanciamentos que se interpõem no processo
de implementação do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA,
revelando em algumas situações, a necessidade da inversão de caminhos, tendo em
vista a promoção de avanços possíveis na realidade dada. Assim, concepções e ações
expressas reiteram que o planejamento coletivo e a formação continuada são partes
das inquietações, necessidades, desejos, lacunas e possibilidades frente ao desafio de
desenvolver a formação de jovens e adultos, sob um currículo integrado, como as que
a seguir apresento:
Fomos convocados a ofertar cursos do PROEJA desde 2006 e iniciamos, em 2007, o primeiro desse programa que foi o Curso Técnico em Química de Alimentos. Foi um curso em que muitas dificuldades estiveram presentes, principalmente pelo curto espaço de tempo que tivemos para implantá-lo. Isso causou certo desestímulo, ao mesmo tempo, nos indicou pontos que deveríamos superar para dar início a um novo projeto de formação que atendesse aos objetivos do programa que é a formação profissional integrada ao ensino médio para jovens e adultos. Um passo importante foi formar o grupo... (FLORA, trechos anotados no diário de campo) Eu não tive uma boa experiência com a turma do EJA de Alimentos, pois tudo foi acontecendo sem que a gente compreendesse bem.... Sei que tem
107
as particularidades de trabalhar com alunos adultos e quando recebi o convite para trabalhar na turma de Eletrotécnica eu fiquei receosa. Na verdade, penso que não me encontrei no curso.... Aliás, nem conhecia bem o Programa... Acho que é importante compreender melhor a proposta, o que ela significa, trocar ideias para melhor pensar e desenvolver a formação (KIARA, trechos da entrevista). Recebi o convite da pedagoga do departamento de Eletrônica para ministrar Biologia nesse curso, mas fiquei um pouco indecisa, pois não tinha conhecimento e nem experiência nesse trabalho... Mas, quis saber o que era esse curso, de que se tratava, as diretrizes do Programa, pois queria entender melhor para saber em que chão iria pisar (MARIANA, trechos da entrevista) Fui convidado e aceitei.... Acho que a primeira experiência do campus em que participei como professor terminou deixando algumas lições, talvez a necessidade de discutir o que é, o que propõe o programa, de decidir juntos a respeito do curso, pois essa é uma experiência nova para os Institutos e tudo aconteceu muito rápido devido a exigência de implantação do curso. (FAUSTO, trechos da entrevista).
As manifestações destacadas evidenciam alguns impasses e conflitos que
perpassam a implantação/desenvolvimento do PROEJA na Rede Federal, em especial
nos Institutos Federais, que tiveram que adotar o programa sem a opção do contrário.
Para Oliveira e Pinto (2012) os posicionamentos assumidos por sujeitos diversos, em
instituições do País, expressam diferentes formas de acatar a determinação legal de
instituir tal Programa, assim como de compreender e assumir as perspectivas de
integração que o caracterizam. Posso dizer que isso traduz o que Lima Filho (2010)
explica como sendo o tensionamento entre o tempo político e o tempo educacional
quando discute a implantação do PROEJA na realidade educacional brasileira. Para o
autor, o primeiro tempo se refere ao tempo que os gestores governamentais e
educacionais estabelecem ou dispõem para implantar as políticas educacionais, e o
segundo está diretamente relacionado ao tempo necessário para aprofundar o debate,
difundir, produzir conhecimentos teóricos, metodológicos e práticas (LIMA FILHO,
2010) necessários a essa implantação.
Por parte dos sujeitos da pesquisa foi possível perceber dois posicionamentos
manifestos que revelaram limites e possibilidades diante do assumir o programa no
âmbito institucional. Por um lado, expressam certa ressalva à forma como o primeiro
curso do PROEJA foi implantado na instituição37, por entenderem os riscos de uma
37De acordo com um sujeito pesquisado havia a promessa da realização de um curso de preparação para implantação do Programa na Instituição e, consequentemente, do Curso Técnico Integrado ao Médio em Química de Alimentos. Contudo, por questões de diversas ordens essa formação somente foi realizada após o primeiro ano do início do Curso de Química em Alimentos, e com isso os docentes que estiveram atuando nos primeiros momentos do curso não participaram dessa formação.
108
formação que se implanta aligeirada, de cima pra baixo, sem a devida compreensão das
bases que a fundamentam e sem o exercício do pensar e decidir juntos acerca de uma
proposta que, em parte, se constituía novidade para o grupo. Por outro lado, fica
evidenciado que a tensão decorrente da experiência vivida na implantação do programa,
ao tempo que gerou insatisfações e receios, incita, também, reflexões a partir da leitura
dessa vivência, tornando-se um terreno fertilizador na medida em que indica pontos que
devem ser superados no sentido da construção de outro caminho possível para dar
início a um novo projeto de formação que atendesse aos objetivos do programa,
conforme destaca Flora, um dos sujeitos desta pesquisa.
Ao mencionarem a importância de compreender a proposta, o que ela
significa, para melhor pensar e desenvolver a formação, como aponta Kiara; de saber
sobre o curso, sobre as diretrizes do Programa para entendê-lo melhor, como indica Mariana,
bem como, a necessidade de discutir o que é e o que propõe o programa, de como deve
ser desenvolvido, como evidencia Fausto, transparece por parte destes docentes o
reconhecimento de que o PROEJA, que supõe uma abordagem curricular capaz de
integrar conteúdos da formação geral de nível médio e conteúdo de um campo
profissional específico, assegurando, ainda, a particularidade de EJA, exige
compreensão de suas especificidades, apropriação de suas bases, de seus pressupostos e
princípios. Isto é, não basta aceitar essa proposta apresentada, é imprescindível que
tenham clareza e definição das bases e pressupostos que a sustentam.
Consegui apreender que a ideia de planejamento coletivo não foi indiferente a
estes entrevistados, pois quando Kiara se refere ao trocar ideias para melhor pensar e
desenvolver a formação e Fábio evidencia a necessidade de decidir juntos a respeito do
curso, expressam a importância que dão ao pensar, discutir, decidir e planejar juntos o
projeto formativo a ser desenvolvido. Isto, de certa forma, aproxima-se da orientação
constada no Documento Base de que a organização curricular dos cursos não seja dada
a priori, mas que seja uma construção contínua, processual e coletiva que envolva
todos os que nele estão participando (BRASIL, 2007a, p. 48).
Esse é um processo que vai exigir mudança de postura por parte da escola, o
que na visão de Machado (2006b) passa, necessariamente, pela promoção de práticas
pedagógicas compartilhadas e de equipes, com o envolvimento dos segmentos da
instituição movidos por uma disposição verdadeira em romper com o modelo
109
educacional que hierarquiza e fragmenta as decisões do nível macro ao nível micro, em
que as ações do processo ensino e aprendizagem se efetivam. Ou seja, é fundamental
cultivar a participação de todos os envolvidos com os cursos, promovendo uma relação
dialógica em que trocas e decisões a respeito da formação sejam favorecidas, desde o
planejamento, à materialização e avaliação do planejado /executado. Esta compreensão
emergiu entre as manifestações antes apresentadas e, de forma mais enfática, encontra-
se presente na preocupação de Fausto quando diz:
Gosto de participar de programas dessa natureza, porém sei que é preciso um trabalho mais conjunto desde o início, o que nem sempre acontece ... Às vezes as coisas já vêm prontas, ou então cada um vai fazendo seu pedaço, sem o outro saber o que está sendo feito... Se a proposta é um currículo integrado vejo que é importante todos compreenderem o que é esse currículo e fazerem um trabalho conjunto desde o começo ... Todos da escola devem estar envolvidos... Todos os professores, tanto os que trabalham com as disciplinas Física, Química, Biologia, Matemática, Português, História, como os que trabalham com as disciplinas específicas devem compreender a proposta e discutir, decidir sobre a formação desde o início... E mais, no caso, é um curso para alunos jovens e adultos... um pouco diferente das outras turmas do médio integrado, em que já temos certa prática, mas que ainda precisa melhorar ... Com esses alunos é agora que estamos começando, é a segunda turma aqui no campus... É necessário ver qual o papel, a importância de cada disciplina e de todas juntas: da Física, a Biologia, Matemática, Português e das disciplinas de Eletrotécnica para a formação desses alunos... que são alunos de EJA... Sei que isso não é tão fácil... Mas claro que isso é necessário não só agora no momento da formação e na elaboração do projeto, mas no decorrer de todo o curso (FAUSTO, trechos anotados no diário de campo).
Nesse relato se explicita o reconhecimento de que, para a implantação de um
possível currículo integrado se faz necessário um trabalho coletivo que se contraponha a
concepções e práticas sedimentadas, tecnicistas e individualistas em que projetos
curriculares de cursos ficam a encargo de uma equipe que os elaboram, sem as
mediações do grupo, ou então, em que cada um vai fazendo a parte que lhe cabe sem
levar em conta o currículo como um todo. Essa perspectiva de desenvolvimento
curricular, na visão de Sacristán (1998), configura a concepção de currículo como
produto, um guia da prática - cuja base se encontra na racionalidade técnica - construído
por quem gerencia o trabalho, que dispõe aos professores os objetivos e saberes a serem
cumpridos/alcançados pelo programa de escolarização. Os professores subtraídos da
atividade de planejar tornam-se os ‘primeiros consumidores’ desse currículo-produto,
desprovido de trabalho intelectual e alienado das questões políticas e sociais que
perpassam a prática educativa.
Essa perspectiva é incompatível com a proposta de formação integrada
anunciada pelo PROEJA, que em termos de organização curricular exige a participação
110
de professores e demais membros envolvidos no processo, de modo que esta seja uma
construção processual e coletiva, movida pela intencionalidade da formação humana de
seus sujeitos. Fausto, embora afirme não ser tão fácil esse processo, demonstra
reconhecer que a concepção tecnicista de planejamento precisa ser superada por uma
perspectiva de trabalho coletivo que se direcione ao currículo integrado. Creio que
quando diz que todos da escola devem estar envolvidos se refere às transformações
necessárias tanto de caráter administrativo quanto pedagógico, o que requer gestão
democrática e planejamento coletivo, tendo em vista decidirem sobre os rumos do
PROEJA na instituição.
Menciona que é necessário que professores de todas as áreas, e outros
profissionais, tenham clareza de seu significado, de seus pressupostos, discutam e
decidam sobre esse processo não só durante a formação e elaboração do projeto
curricular do curso, como também em seu percurso de desenvolvimento. De alguma
forma, este entendimento expressa parte dos desafios que se colocam à construção deste
currículo que se quer integrado, pois como sinaliza o Documento Base, torna-se
imperativa a existência de um planejamento que seja construído e executado de
maneira coletiva e democrática (BRASIL, 2007a, p. 51).
Com relação a essa construção coletiva Machado (2006a, p. 45) alerta que é
importante ter claro o desafio do caráter multidimensional da proposta pedagógica de
cursos dessa natureza que, apoiada num currículo integrado, deve dar conta de cobrir
conteúdos e funções da educação básica e da educação profissional, simultaneamente.
Para tanto, a autora esclarece que:
Essa construção requer que cada profissional saia do isolamento de sua experiência específica, seja de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, de Ensino Fundamental ou Médio, de Educação de Jovens e Adultos, para introduzir-se num processo de um novo aprendizado, que implica, em primeiro lugar, a conscientização da necessidade de harmonizar conteúdos, e que pede inserções de novos conteúdos em suas práticas e coordenação temporal de suas ações didáticas, considerando as demandas de compartilhamento e de cooperação.
Esta compreensão também se manifesta no relato de Fausto quando reconhece
que se a proposta é de uma formação integrada, é importante que todos os professores,
tanto os que trabalham com as disciplinas Física, Química, biologia, Matemática,
Português, História, como os que trabalham com as disciplinas específicas
compreendam, discutam e decidam juntos sobre a formação desde o início. Parece
haver entendimento de que no processo formativo que implica comprometimento e ação
111
compartilhada, os diferentes campos de conhecimentos, de forma integrada, ocupam um
papel importante na formação humana do profissional, e isso precisa ser compreendido
e assumido por todos que nele se encontram envolvidos. Por outro lado, é importante
esclarecer que não é o “sentar junto” que vai garantir a efetivação da integração, o
grande desafio é buscar, no que for possível, definir uma intencionalidade comum para
o curso.
Ao mencionar, ainda, que é necessário ver qual o papel e a importância de
cada disciplina: da Física, da Biologia, da Matemática, do Português e das disciplinas
de Eletrotécnica para a formação desses alunos, acredito que se refere aos desafios
desta formação assentada na vinculação entre a base técnica e uma sólida base
científica, numa perspectiva social e histórico-crítico (MANFREDI, 2003, p. 57), que
traz a exigência de que todos os campos de conhecimento, respeitadas suas
especificidades, se encaminhem nessa perspectiva, não podendo ser concebidos/tratados
isoladamente. Disso decorre a necessidade de convergência entre os diferentes sujeitos
que trabalham estas áreas de conhecimentos a respeito de que formação estão
defendendo e que lugar esses saberes ocupam no processo formativo. Como enfatiza
Moura (2006), estes deverão ser contemplados de forma equânime, em nível de
importância e de conteúdo, visando a formação integral do cidadão autônomo e
emancipado.
O entendimento acima expresso, de certa forma, remete às reflexões de
Machado (2006b) que, ao discutir acerca do ensino médio integrado - base para cursos
do PROEJA - aponta que “boas oportunidades” se abrem tanto para os educadores que
ministram, entre outras, Matemática, Física, Química, Biologia, que compõem a base
geral, como para aqueles que trabalham com as disciplinas técnicas. Tendo a formação
integral como horizonte, menciona que para uns são oportunidades de superar
tendências excessivamente acadêmicas, livrescas e dogmáticas, ou como diz Chassot
(2011, p. 101), de tornar o ensino das ciências menos asséptico, menos dogmático,
menos abstrato e menos a-histórico. Para outros, principalmente os da base técnica, são
as chances de superar o viés, às vezes excessivamente técnico-operacional, associado
geralmente de forma preconceituosa ao trabalho meramente manual. Trata-se de
enfrentar a tensão dialética entre pensamento científico e pensamento técnico e buscar
outras relações entre teoria e prática (MACHADO, 2006 b, p.54), visando instaurar
outros modos de conceber, organizar e tratar os conhecimentos, de modo a potencializar
a formação integral acenada por cursos dessa natureza.
112
A ruptura paradigmática em que ensino médio e educação profissional se
encontram fragmentados, e a adoção de um modelo em que a vinculação entre trabalho
e educação se torne referência primordial são desafios a serem assumidos. Isso implica
revisão das concepções de educação, de formação profissional, de conhecimento, ensino
e de aprendizagem que devem se traduzir e permanecer subjacentes desde a organização
do currículo à forma de materializá-lo. Se trabalho é o princípio educativo que
fundamenta este currículo significa que os diferentes campos de conhecimento que o
compõem, numa dimensão de práxis, sejam apropriados na totalidade, explorados em
seus aspectos históricos, econômicos, sociais, políticos, culturais e técnicos, no
horizonte da cidadania e do trabalho. Sendo assim, não justifica conceber, vala reiterar,
de um lado a formação geral e, de outro, a educação profissional.
Portanto, parece explícita a necessidade de que o projeto curricular de curso de
ensino técnico integrado ao médio /PROEJA, apoiado na concepção de formação
integrada, seja elaborado coletiva e processualmente, de modo que os profissionais nele
envolvidos, a partir de reflexões coletivamente mediadas, elaborem uma visão global do
curso, que se constitui condição importante para possibilitar que a educação geral se
torne parte inseparável de educação profissional (CIAVATTA, 2005). Isto quer dizer
que o planejamento coletivo, competentemente mediado, é uma exigência, dentre tantas
outras, para o enfrentamento da formação fragmentada e, por conseguinte, da
fragmentação dos campos de conhecimentos que a alicerçam, tendo em vista a formação
humana para além da formação propedêutica e instrumental.
Vasconcellos (2009), ao tratar da importância do planejamento coletivo no
âmbito escolar, afirma que é praticamente impossível desenvolver uma prática
educativa na perspectiva de transformação sem que esta esteja vinculada a uma proposta
conjunta dos que fazem a escola. Se esta instituição é um organismo vivo e dinâmico, é
necessário que haja um empenho permanente, esforçado e continuado na perseguição de
objetivos comuns. Contudo, alerta que essa caminhada esbarra em correlação de forças,
obstáculos e resistências. As dificuldades certamente farão parte do processo, mas como
diz Gadotti (1992, p. 90), não dá para esperar que o novo brote do velho
espontaneamente, é preciso vencer a resistência que este apresenta. Este autor
acrescenta que o caminho para superar práticas educativas individualistas e
fragmentadas se constrói pela coragem de se lançar ao exercício de compartilhar, de
ouvir, falar e trocar com o grupo.
113
Essa é uma prática que necessita ser alimentada no contexto de cursos do
PROEJA, como já abordado, não descuidando de levar em conta, nesse processo, a
singularidade e realidade dos sujeitos para o qual se voltam. Ao mencionar que os
profissionais envolvidos devem estar juntos na elaboração do projeto do curso
acentuando que, no caso, é um curso para alunos jovens e adultos, Fausto reitera essa
preocupação demonstrando que o planejar e o desenvolver da proposta não pode
prescindir de considerar a especificidade desse segmento, as suas necessidades e
expectativas, o que revela certa aproximação com o que indica o Documento Base
(BRASIL, 2007a, p. 36) quando deixa claro a seguinte orientação:
Um programa de educação de jovens e adultos nesse nível de ensino necessita, tanto quanto nos demais níveis, formular uma proposta político-pedagógica específica, clara e bem definida para que possa atender as reais necessidades de todos os envolvidos, e oferecer respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, dialogando com as concepções formadas sobre o campo de atuação profissional, sobre o mundo do trabalho, sobre a vida.
Considerando a insuficiente experiência dos Institutos Federais com o público
de EJA, a construção dessa proposta indica necessidades de mudanças no percurso
formativo dessas instituições, pois tornar os jovens e adultos trabalhadores que não se
escolarizaram na dita “idade própria” e com um histórico de escolarização descontínua
como um dos seus alvos, não é uma meta que se resume ao que os decretos postulam.
Sem dúvida, a tomada de consciência acerca da realidade/desafios da EJA é condição
imprescindível para possibilitar avanços no sentido do que o PROEJA intenciona
alcançar. Como o próprio Documento Base (BRASIL, 2007a) menciona, acolher os
sujeitos/estudantes implica resgatar e reinserir no sistema escolar jovens e adultos que
não conseguiram concluir o ensino médio, nos “tempos regulares” determinados por lei,
e que por diversos motivos foram excluídos desse processo.
Nesse sentido, além de atentar para as implicações da integração entre os
conhecimentos da denominada formação geral e profissional, devem também atinar para
a pluralidade da Educação de Jovens e Adultos, como se disse, com sujeitos de
situações adversas, níveis cognitivos e de aprendizagem diferenciados (BRASIL,
2007a). Isso exige do professor a mobilização de saberes pedagógicos e recursos
também diferenciados que levem em conta as identidades destes sujeitos, situação
complexa considerando sua insuficiente formação para responder a este desafio.
Essa é uma lacuna que não é indiferente aos entrevistados, pois, como antes
visto, transparece em suas manifestações o reconhecimento de que há aspectos a serem
114
compreendidos e saberes a serem apreendidos para poder fundamentar essa nova
experiência que, para muitos, se encontra muito distante de suas formações e das
práticas profissionais até o momento por eles desenvolvido. O relato de Kiara reforça a
preocupação anteriormente esboçada pelos entrevistados quando menciona que:
A minha formação é em Química. Tenho o bacharelado e a licenciatura na área. E minha formação em licenciatura deixou a desejar... E quanto a trabalhar com alunos de EJA isso nem foi cogitado. Trabalho com o ensino técnico integrado e com a licenciatura desde que entrei no IFMA, mas, como já falei, sendo para adultos a primeira experiência foi com o curso de Alimentos. Foi dito que iríamos ter uma formação a respeito do PROEJA e que seria discutido a respeito do curso, para que seu projeto fosse elaborado com a nossa participação... Concordo, deve ser assim mesmo, pois não dava para começar sem ter sequer a ideia do que está sendo pretendido por este programa, do que fazer para caminhar... (KIARA, trechos anotados no Diário de Campo).
Ao tempo em que manifesta compreensão dos limites que marcaram seu curso
de licenciatura na área de Química e, sobretudo, das lacunas com relação à preparação
para atuar junto ao público de EJA, Kiara expressa a necessidade de formação que
favoreça apreensão e compreensão do que acena como proposta esse Programa, como
ponto importante para planejar e buscar alternativas frente às especificidades que o
perpassam. Considero, assim como Freire (1996), que esta docente ao ter consciência
do inacabamento, sabe que pode ir mais além. Quando menciona as fragilidades que
marcaram a sua formação docente em Química traduz o já revelado em pesquisas
(SCHNETZLER,1994; MALDANER, 2013) no que diz respeito à ocorrência de
licenciaturas pautadas em modelo da racionalidade técnica, apoiado em uma concepção
positivista de ciência e na transmissão-recepção de conhecimentos, que tem incidido em
um ensino de ciências de base tradicional em que os seus conteúdos são fragmentados e
descontextualizados das relações cotidianas e das relações sociais como um todo
(ARAGÃO, 2000a, 2000b; MALDANER, 2000, SCHNETZLER, 2011).
Quanto às lacunas para atuar no PROEJA a entrevistada faz referência a um
despreparo que não é apenas decorrente de ser este programa uma novidade na
educação brasileira, mas que expressa a realidade de que a EJA não tem se constituído
alvo de preocupação dos cursos de licenciaturas, salvo raras exceções. Isso condiz com
resultados de pesquisas (MOURA, 2008a, 2008b; MACHADO, 2008; KUENZER,
2010) que evidenciam o déficit histórico da política de formação de professores para a
educação profissional e a educação de jovens e adultos, que geralmente tem se dado na
forma de programas pontuais, precários e compensatórios.
115
A implantação do PROEJA na realidade brasileira torna esta questão mais
complexa, visto se tratar de uma oferta já existente - a educação profissional integrada -
vinculada à modalidade de EJA que além de aspectos infra-estruturais, gera desafios à
elaboração do currículo e às práticas pedagógicas e metodológicas, trazendo
consequências para a formação de professores que nele vão atuar (MOURA, 2008b).
As inquietações que afloram diante dessa demanda têm guarida nas orientações do
próprio Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 36) que traz a seguinte orientação:
Por ser esse um campo específico de conhecimento... [o PROEJA] exige a correspondente formação de professores para atuar nessa esfera. Isso não significa que um professor que atue na educação básica ou profissional não possa trabalhar com a modalidade EJA. Todos os professores podem e devem, mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que compõem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender de forma geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas de aprendizagem no ambiente escolar.
De fato, geralmente os professores que exercem/exercerão a docência em
cursos do PROEJA têm formação nas disciplinas de educação básica geral, como no
caso dos que foram entrevistados nesta pesquisa, ou nas disciplinas da parte
profissional38, mas raramente têm formação na modalidade de EJA. Em decorrência,
muitos não conhecem esta modalidade educativa, este programa, a respeito dos jovens e
adultos que são seu público, quais são suas características, necessidades, expectativas,
dificuldades, potencialidades, enfim, especificidades próprias de sujeitos adultos que
voltam a vivenciar novas situações de aprendizagem e que trazem implicações para o
ensino que nele se desenvolve (BRASIL, 2007a; MOURA, 2008a, 2008b).
O reconhecimento da necessidade de apreender as especificidades do PROEJA
e de um ensino que promova integradamente a aquisição de conhecimentos básicos à
vida e ao trabalho, como requisitos ao planejamento e ao exercício docente no campo 38 A formação de professores para a educação profissional e tecnológica tem sido objeto de estudo de diferentes autores (KUENZER, 2010; MOURA, 2008b; MACHADO, 2008), que revelam persistir as lacunas históricas a respeito desta formação nas políticas educacionais brasileiras. Dentre os cursos destinados a esta formação, destaco: (i) Cursos de Esquema I (formação pedagógica aos portadores de diploma do ensino superior) e o Esquema II (formação no âmbito das disciplinas pedagógicas nos moldes do Esquema I e das disciplinas de conteúdo técnico específico, de acordo com a habilitação profissional pretendida, destinado a técnicos diplomados), os quais foram gestados na década de 1970 e tiveram vigência até a década de 1990; (ii) Cursos de Licenciaturas Plenas para as Áreas profissionais implantadas por alguns CEFETs, como foi o caso das Licenciaturas Plenas em Mecânica, Construção Civil e Eletricidade ofertadas pelo CEFET-MA, na década de 1990, as quais foram fragilizadas com a edição do Decreto nº 2.208/97 (BRASIL, 1997) que definiu que as disciplinas do ensino técnico poderiam ser ministradas também por técnicos e monitores e não obrigatoriamente por professores; (iii) Cursos destinados à formação de docentes para as disciplinas do currículo da educação profissional ( bem como as do currículo do ensino fundamental e ensino médio), regulamentados pela Resolução nº2, de 07/07/1997, do Conselho Nacional de Educação – CNE, os quais ocorrem por meio de Programas Especiais de Formação Pedagógica, que ainda são ofertados, principalmente pelas instituições da rede federal de educação profissional e tecnológica.
116
particular desse programa, é parte das inquietações capturadas nos relatos dos sujeitos
pesquisados. Há indícios de clareza dos limites decorrentes de suas formações, bem
como, compromisso com um processo formativo para o qual apenas a boa vontade dos
docentes - e dos outros profissionais - não é o suficiente para dar conta dos inúmeros
desafios que esta nova experiência apresenta. Posso inferir que as manifestações
expressas pelos professores, sujeitos desta pesquisa, remete à indiscutível necessidade
de uma formação adequada para que o professor atue em qualquer nível ou modalidade
de educação, tal qual adverte Freire (2001b, p. 260) quando diz o seguinte:
O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. ... A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.
Portanto, pressuponho que as inquietações expressas pelos entrevistados
tenham alicerce na análise e reflexão de suas próprias práticas, ao exercerem a docência
das disciplinas das áreas de Ciências da Natureza nos cursos técnicos integrados ao
médio, cujos alunos são da faixa etária a que chamam de “regular” e dos que se
direcionam para o público de EJA, experiência assumida recentemente como eles
mesmo declararam. Além de limites presentes, a área da formação em Ciências da
Natureza se ressente da insuficiência de conhecimentos que deem base para a atuação
no ensino profissional, especialmente nos que se vinculam à modalidade de educação de
jovens e adultos, que declaram ter a perspectiva de integração como tônica. No sentido
de minimização dessa lacuna, as contribuições de Maron (2013, p. 66) são férteis por
apontarem que:
Serão necessárias políticas de formação que estejam atentas à fragmentação dos sistemas escolares, pois embora a formação disciplinar continue existindo e a partir dela se busque fazer a integração entre os conhecimentos, isso não poderá ser feito sem se estar atento também à diversidade do público da EJA e do PROEJA, além de não se poderem ignorar as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e a organização dos cursos em áreas profissionais e eixos tecnológicos.
Ao elucidar as perspectivas de formação que se contraponham à fragmentação,
a autora vai ao encontro do que é manifestado pelos próprios sujeitos pesquisados, de
que mesmo com experiências na educação profissional integrada não se sentem ainda
seguros para dar conta das exigências formativas do PROEJA, mesmo que este tenha na
117
educação profissional e tecnológica o seu fundamento. Isso traz à tona questões que
perpassam esta formação que, dentre outras, deve considerar a relação trabalho-
educação e os currículos integrados na direção da formação unitária (KUENZER,
2006).
Para os professores que ensinam Ciências da Natureza e Matemática significa
que, além de uma sólida formação teórica e de unidade teoria e prática dentre outros
saberes39, devem possuir conhecimentos sobre a EJA e acerca da educação profissional
e tecnológica. Isso remete ao que Moura (2008b, p. 32) manifesta a respeito de docentes
licenciados em disciplinas da denominada área da formação geral, como é o caso dos
que foram por mim pesquisados e que assumem a docência em cursos técnicos
integrados ao médio, com o qual se articula a EJA. A esse respeito o autor faz a seguinte
observação:
Nesse caso, é fundamental que o docente tenha uma formação específica que lhe aproxime da problemática das relações entre educação e trabalho e do vasto campo da educação profissional e, em particular, da área do curso no qual ele está lecionando ou vai lecionar no sentido de estabelecer as conexões entre essas disciplinas e a formação profissional específica, contribuindo para a diminuição da fragmentação do currículo.
Considero importante reafirmar, a partir dessas reflexões, que as questões que
perpassam a formação do educador para atuar no PROEJA são complexas. Ainda que a
formação inicial desses professores que ensinam Ciências da Natureza e Matemática
tivesse se dado fundamentada em bases teórico-metodológicas consistentes,
assegurando a aquisição de saberes docentes necessários ao ensino desses campos
científicos sob novas bases epistemológicas, não seria o suficiente para dar conta do que
esse programa pressupõe. Torna-se necessário o domínio dos pressupostos teóricos que
sustentam a EJA e a educação profissional para que se encaminhem numa perspectiva
de escolarização e formação, no sentido da omnilateralidade.
39Considero relevante para esta tese as contribuições de Carvalho e Perez (2009) acerca dos saberes e fazeres necessários aos professores de Ciências da Natureza e de Matemática e de qualquer outro campo. Tomando por base os eixos que compõem a base comum nacional da formação de professores para qualquer área de conhecimento, definidos pela ANFOPE, isto é, a sólida formação teórica, a unidade teoria e prática, o compromisso social e a democratização da escola, o trabalho coletivo e a articulação entre a formação inicial e continuada, aprofundam estudos acerca do saber e do saber fazer dos professores das licenciaturas. Apontam que entre os saberes necessários para proporcionar aos professores uma sólida formação teórica estão (i) os saberes conceituais e metodológicos da área que irá ensinar, (ii) os saberes integradores, relativos ao ensino da área e (iii) os saberes pedagógicos. Explicam que cada um deles está relacionado um saber fazer, quer dizer, a uma relação teoria e prática, uma vez que teorias diferentes requerem práticas diferentes.
118
No entanto, as questões que se interpõem à formação de professores para atuar
na educação profissional e na EJA são históricas, e ainda que iniciativas tenham sido e
venham sendo tomadas no sentido de minimizar essa problemática estas têm se
constituído, geralmente, nos limites históricos que se colocam para essas duas
modalidades de educação, assumindo formas de programas pontuais e compensatórios
com a promessa de ser temporários, mas que terminam se perenizando, sem se
concretizar, de fato, alternativas mais consistentes, salvo raras exceções.
Manifesta-se nos relatos dos sujeitos da pesquisa reconhecimento de iniciativas
por parte do IFMA/Campus São Luís–Monte Castelo que, mesmo atravessadas por
limites, encerram positividade, na medida em que possibilitaram/possibilitam espaços
de reflexão e trocas de experiências que contribuíram, de certa forma, para a
apropriação de conhecimentos que até então lhes era novidade. Isso é possível perceber
quando os entrevistados fazem as seguintes revelações:
Antes de se planejar o Curso Técnico Integrado de Eletrotécnica/EJA foi iniciada uma formação continuada com a participação de profissionais do departamento de eletroeletrônica de outros professores convidados para integrar o curso onde foram realizados estudos e discussões que se estenderam até o desenvolvimento do 2º módulo do curso. Na dinâmica do curso foram trabalhados conteúdos referentes ao currículo integrado seus pressupostos e questões práticas; EJA, suas especificidades e seus sujeitos; projetos didáticos; avaliação de aprendizagem: portfólio como instrumento avaliativo. Posso considerar que o curso foi bom, principalmente pela qualidade das intervenções, questionamentos durante as discussões e reflexões sobre o que vêm fazendo. Um ponto negativo é que infelizmente a frequência dos professores não foi 100%. [Grifos meus] (FLORA, trechos da entrevista).
Foi muito importante a formação a respeito do PROEJA que teve durante a implantação do curso, como foi combinado, já que no anterior não tive essa oportunidade.... Os encontros em que estudamos e discutimos ajudaram a entender um pouco sobre esse programa. Como falei, a EJA era novidade prá mim... Os alunos, eu só via o fato deles terem parado de estudar, de estarem fora da escola há muito tempo e que por isso teriam dificuldade de aprender, ainda mais por ser a disciplina Química... Nas discussões em que pude participar pude compreender melhor quem são esses alunos, sua realidade... As palestras foram ricas, mas o melhor foram as experiências apresentadas... Posso dizer que, apesar de não ser o suficiente, valeu a pena (KIARA, trechos da entrevista). Não participei de todos os encontros da formação continuada, pois às vezes coincidia com horários de aulas em outras turmas. Dos que participei gostei muito pois esclareceu muito sobre os aspectos do PROEJA. O dia da discussão sobre os alunos jovens e adultos, suas condições e aprendizagens foi muito participativo e esclareceu muitas dúvidas.... Também foi bem interessante o que foi discutido sobre currículo integrado....... Foi muito participativo... É muita responsabilidade e acho que deve haver muitas
119
mudanças para que se consiga desenvolver um currículo que seja trabalhado de forma integrado com esses alunos. (MARIANA, trechos da entrevista). A formação sobre o PROEJA trouxe contribuições... As reflexões e as discussões com os colegas de outras disciplinas ajudaram muito ,...O fato de já ter algum conhecimento sobre o currículo integrado trabalhado nas jornadas pedagógicas, nos momentos de planejamentos também ajudou muito... Aliás, o fato de já trabalhar com o ensino técnico integrado, isso é importante também, mas não é o suficiente... É claro que é preciso mais, pois são muitas coisas que envolvem essa formação de jovens e adultos... É preciso mais estudos, mais encontros para avaliação do que está sendo feito, mais planejamentos com todos juntos, sem ter que sacrificar outras atividades...Agora é uma pena não poder participar de todos os encontros da formação, pois são muitas atividades que temos, daí nem sempre é possível participar. (FAUSTO, trechos da entrevista). Toda formação é importante para nós, principalmente quando a experiência é algo novo, novidade.... Como falei antes, o trabalho com jovens e adultos não é novidade para mim, pois são mais de 30 anos de experiências dando aulas pra eles, desde o madureza, no supletivo, mas isso não significa que já sei tudo...É sempre necessário e bom aprender mais, e isso aconteceu, acrescentou...É diferente do supletivo. É um trabalho mais rico, e para nós que trabalhamos com os cursos integrados foi uma oportunidade de tirar dúvidas, esclarecer, falar da experiência de trabalhar com suas disciplinas... E isso faz a gente crescer quando ficamos juntos com os outros falando do que faz e ouvindo também.... Não fui a todos os encontros, mas quando deu fui.... Mas veja só, é necessário também outras coisas, pois a formação sozinha não vai resolver tudo. Precisamos de mais condições de trabalhar com esses alunos, melhor assistência para eles, laboratórios mais bem equipados, valorização profissional de fato, e mais outras coisas... (ELANO, trechos da entrevista).
Foi possível perceber nas manifestações dos entrevistados a oferta de um curso
de formação continuada em que tiveram oportunidade de discutir, refletir, trocar
experiências e aprender sobre o programa, acerca do currículo integrado, bem como a
respeito dos alunos jovens e adultos, de suas realidades de vida e de escolarização.
Convém ressaltar que a formação continuada de professores e gestores faz parte das
orientações constadas no Documento Base40 (BRASIL, 2007 a p. 60) com a seguinte
indicação:
40 O Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007a, p. 60) prevê para o alcance do objetivo da formação continuada de professores e gestores, ações em duas frentes: (i) um programa de formação continuada sob a responsabilidade das instituições proponentes e (ii) programas de âmbito geral sob a responsabilidade da SETEC/MEC. As Instituições de Ensino deverão contemplar em seu Plano de Trabalho a formação continuada, ofertando no mínimo curso de 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas. Devem ainda possibilitar a participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada que incidam sobre as áreas que compõem o PROEJA, quais sejam: ensino médio, educação profissional e EJA, bem como, aqueles destinados à reflexão sobre o próprio programa. Para a SETEC/MEC coube a responsabilidade de estabelecer programas especiais voltados para a formação de formadores e para a pesquisa em EJA, por meio de oferta de Programas de Especialização/PROEJA, articulação institucional com vistas a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em áreas afins do PROEJA, assim como, fomentos para linhas de pesquisa em EJA, ensino médio e educação profissional.
120
... objetiva a construção de um quadro de referência e a sistematização de concepções e práticas político - pedagógicas e metodológicas que orientem a continuidade do processo. Deve garantir a elaboração do planejamento das atividades do curso, a avaliação permanente do processo pedagógico e a socialização das experiências vivenciadas pelas turmas.
Pelo exposto no documento, a formação continuada de profissionais para
atuar no programa é de responsabilidade das instituições educativas e da SETEC/MEC,
tendo em vista a construção de referenciais e de práticas que subsidiem a
continuidade do processo formativo previsto, desde o planejamento à avaliação do
realizado. A formação a que se referem os sujeitos entrevistados foi propiciada pelo
IFMA/Campus São Luís/Monte Castelo41 como possibilidade de instrumentalizá-los
para o planejamento e o desenvolvimento do Curso objeto desta pesquisa, na medida
em que favorecer estudos, discussões e trocas de experiências acerca do que já vêm
fazendo e de temáticas fundamentais para a compreensão e atuação no programa,
como foi destacado.
Ao tratar da implantação de cursos do PROEJA Machado (2006a) acentua que
esta é uma tarefa que representa um grande desafio às instituições, aos docentes e
aos especialistas envolvidos, particularmente quando se trata da opção de oferta
integrada do Ensino Médio na modalidade EJA a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio, estruturas curriculares com níveis mais complexos de regulamentação
(MACHADO, 2006a, p. 40). Por abranger um campo peculiar de conhecimentos
entendo que a construção de uma política de formação continuada é uma das
estratégias fundamentais para se mergulhar no universo de questões que perpassam
cursos dessa natureza, incluindo a realidade dos sujeitos para os quais se voltam, de
modo a investigar as diferentes formas de ser, de saber, de conhecer e de fazer dos
estudantes jovens e adultos que buscam esses cursos cheios de expectativas e
esperanças.
A compreensão do PROEJA, de sua proposta, significado, estratégias de
materialização e a consequente formação continuada para dar conta desse desafio é
41 Essa formação continuada se refere àquela que as instituições proponentes deveriam contemplar em seu Plano de Trabalho, com no mínimo 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto, de 40 horas, mínima (BRASIL, 2007a, p.60).
121
parte das necessidades e expectativas reveladas pelos profissionais pesquisados, como
anteriormente foi explicitado. Ao levar em conta que esses profissionais na primeira
experiência vivenciada na instituição foram destituídos do direito de aprender a
ensinar em cursos deste programa, essa é uma questão que não pode ser mais adiada.
Os argumentos que apresentaram inicialmente acerca das fragilidades de suas
formações, e das dificuldades de atuarem nos marcos de um currículo que apregoa a
integração da formação geral e profissional reforçam o entendimento de que as
mudanças previstas demandam outras conquistas, dentre elas a implementação de
políticas educacionais e institucionais que primem pela formação do trabalhador
professor.
Convém ressaltar que há uma significativa concordância quanto à necessidade
de formação de professores para atuar na modalidade de educação de jovens e
adultos, bem antes da implantação do PROEJA. Tanto a LDB nº 9394/96, quanto o
Parecer do CNE/CEB, nº 11/2000 que regulamenta as Diretrizes Curriculares para EJA
reforçam a importância de que o preparo desse docente deve incluir, além das
exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas a esta
modalidade de ensino. Isso indica que a complexidade diferencial desta modalidade
requer um profissional adequado para o seu exercício, descartando um professor
aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e
visando, sobretudo, um docente que se nutra do geral e também das especialidades
que a habilitação como formação sistemática requer (BRASIL, 2000, p. 56). Portanto,
para o ensino que se caracteriza por uma ‘forma própria de ser’, a formação inicial e
continuada de seus docentes são condições imprescindíveis.
Entendo como Pimenta (1999), Veiga (2009) e Imbernón (2009) que a
formação continuada se constitui um processo dinâmico e permanente, no qual o
docente deverá ter acesso a um corpo teórico-metodológico de conhecimentos, que
lhes respalde para refletir criticamente sobre seu papel social, sobre a escola e sua
interface com o contexto social mais amplo, bem como a se comprometer com a
construção coletiva de um projeto alternativo capaz de contribuir, cada vez mais, para
o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos (VEIGA, 2009). Isso
remete ao entendimento de que a formação docente que se volta para a
especificidade da EJA se configura como possibilidade de contribuir com a restauração
122
de um direito negado, isto é, o direito a uma escola de qualidade em que todos
tenham acesso efetivo ao saber elaborado, historicamente sistematizado e acumulado.
Ventura (2012, p.189) reafirma tal compreensão ao expressar o seguinte
posicionamento:
... A defesa pela formação docente, que considere à especificidade da EJA, está inscrita no quadro mais amplo de luta pelo reconhecimento dessa modalidade de ensino como direito inalienável daqueles que não tiveram o acesso à educação assegurado ou a garantia de condições de permanência na escola. Sendo este direito, por sua vez, parte das muitas lutas sociais que têm, no horizonte, a transformação da realidade.
Nesse sentido, a formação de professores de jovens e adultos requer a
reflexão contínua da práxis pedagógica, favorecendo a constituição de um professor-
pesquisador que considere a diversidade cultural, social, econômica e cognitiva de
seus sujeitos como forma de lhes assegurar melhores condições de leitura e de luta
contra a realidade que lhes negam oportunidades de usufruto de seus direitos. Sem
dúvida, o entendimento da especificidade que marca essa modalidade de educação
implica necessariamente reconhecer que o estudante de EJA é o centro a ser
considerado. São sujeitos concretos, envoltos por significativas experiências e saberes
adquiridos nas relações que estabelecem nos diferentes espaços e situações em que
tomam parte, especialmente nas atividades de trabalho. Ao mesmo tempo, estes
apresentam em comum, nas suas histórias de vida, o fato de que estão hoje cursando a
EJA, porque as condições socioeconômicas nas quais se encontravam na infância e na
adolescência os impediram de estudar (VENTURA, 2012, p. 190), ou de continuar a
escolarização.
O refletir acerca de questões que envolvem a problemática da exclusão deve
perpassar esse processo formativo sob pena de reduzir a visão sobre a EJA, sobre seus
alunos e de alimentar a compreensão de que estes estudantes por terem uma história
de vida marcada pela exclusão social e educacional (RUMMERT, 2008), sejam
incapazes de aprender os diferentes saberes que a escola deve ensinar. Transparece
no relato de Kiara indícios de que esta compreensão de alguma forma perpassa, ao
fazer a seguinte menção: a EJA era novidade para mim.... Os alunos, eu só via o fato
deles terem parado de estudar, de estarem fora da escola há bastante tempo e que por
isso teriam dificuldade de aprender, ainda mais por ser a disciplina Química.
123
É possível inferir, a partir desta manifestação, concepções que ainda
prevalecem sobre a EJA, em que estudantes que são aí acolhidos, ou re-incluídos,
mesmo trazendo para a escola uma bagagem de desejos, saberes e potencialidades,
geralmente se apresentam marcados pela descrença em sua capacidade de aprender.
Ademais, ao se referir que as dificuldades de aprendizagem tendem a se aprofundar
ainda mais por se tratar da disciplina Química, Kiara me faz lembrar a visão que
subsidia determinadas práticas, assentadas no entendimento de que alguns
conhecimentos científicos por sua suposta complexidade são tidos como difíceis de
aprender. Considero ser necessário rever essa visão, pois muitas vezes, essa
dificuldade pode ser decorrente de um ensino muito distante do contexto real do
aluno, destituído de situações pedagógicas que propiciem o alcance da significação
que o conhecimento precisa ter para fazer sentido a quem aprende.
Recorrer à Arroyo (2005) parece oportuno por seu alerta ao discurso que se
refere aos estudantes do PROEJA como uma massa de alunos, cuja identidade se
encontra diretamente relacionada ao chamado fracasso escolar. Quando o discurso
sobre esses alunos se reduz a tratá-los como repetentes, evadidos e incapazes de
aprender determinados saberes, termina gerando limites à sua formação, na medida
em que desconsidera dimensões básicas de sua condição humana no processo
educacional. Lançar outro olhar sobre estes sujeitos não implica desconhecer as
marcas de exclusão que carregam. Contudo, considero que um processo de formação
continuada condizente com as necessidades do educador que trabalha com esse
contingente populacional deve trazer a realidade destes estudantes - seus saberes,
práticas e concepções de mundo - como elementos fundamentais na reflexão da
prática pedagógica, buscando identificar ao lado dos limites as suas potencialidades,
ao invés de se reduzir às suas defasagens.
Kiara segue seu relato ponderando que os estudos e discussões realizados na
formação ajudaram a entender um pouco sobre esse programa, a compreender melhor
quem são esses alunos, sua realidade... Mariana, outra professora pesquisada
compartilhou dessa compreensão quando assim se refere: o dia da discussão sobre os
alunos jovens e adultos, suas condições e aprendizagens foi muito participativo e
esclareceu muitas dúvidas a respeito da diversidade que eles representam. A meu ver,
o que foi vivenciado tende a expressar um dos princípios do PROEJA declarado em seu
124
Documento Base que é a necessidade/importância de conhecer o público da EJA, com
a orientação de que além da categoria de trabalhadores é necessário atentar para as
outras condições que igualmente os constitui: as geracionais, de gênero e de relações
étnico-raciais. Ou seja, é necessário levar em conta estes outros aspectos fundantes da
formação humana por serem constituintes das identidades e não se separarem, nem se
dissociarem dos modos de ser e estar no mundo de jovens e adultos (BRASIL, 2007a, p.
38).
Entendo que para serem consequentes com os objetivos previstos, os
aspectos relativos à diversidade e às identidades dos sujeitos jovens e adultos devem
ser contemplados na formação continuada dos docentes. Considero que significa
condição importante para prepará-los, como diz Freire (1996), para a tarefa de escuta
e interpretação da leitura de mundo que os estudantes têm e que os faz compreender
sua própria presença no mundo. É preciso que nestes espaços seja possibilitado ao
professor compreender que a diversidade da EJA ultrapassa o âmbito educacional, por
se encontrar atravessada pelas questões de poder e de hegemonia que discriminam
culturas e reforçam desigualdades e que traduzem as marcas de nossa sociedade
dividida e desigual.
Ao levar em conta as dificuldades reveladas pelos sujeitos da pesquisa com
relação ao ensinar em cursos do PROEJA, advindas de suas formações e de suas
práticas pedagógicas posso ratificar que esse é um desafio que exige formação
diferenciada e aprofundamento de estudos, afinal de contas, como já bastante
enfatizado, se trata de trabalhar com a EJA na especificidade da educação profissional
no nível técnico integrado ao médio, que por sua vez requer um docente com perfil
diferenciado. As contribuições de Machado (2008, p. 17) são elucidativas desse
entendimento quando ao refletir sobre a formação de docentes para trabalhar em
cursos técnicos integrados aponta que deve ser visualizado um professor que seja
capaz de:
... saber integrar os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos, que compõem o núcleo comum de conhecimentos gerais e universais, e os conhecimentos e habilidades relativas às atividades técnicas de trabalho e de produção relativas ao curso técnico em questão
Portanto, assim como é imprescindível abordar questões que perpassam a
modalidade de EJA ratifico que a formação docente não pode prescindir de um
125
aprofundamento acerca de temáticas como trabalho e educação, formação e qualificação
profissional, desvelando as tensas relações e contradições que lhes atravessam no
contexto da ordem capitalista neoliberal, de modo a favorecer a construção de
conhecimentos críticos e políticos para que possam compreender a realidade e nela
intervir, crítica e criativamente. Neste contexto, a concepção de currículo integrado
necessita estar claramente definida e assumida no desenvolvimento do curso, pois é
imprescindível que seus docentes a compreendam e a apreendam para que possam
ter uma prática pedagógica intencionalmente comprometida com a perspectiva de
formação integrada.
Flora, um dos sujeitos pesquisados, menciona que na dinâmica do curso
foram trabalhados conteúdos referentes ao currículo integrado seus pressupostos e
questões práticas. A menção a esta temática por parte dos outros profissionais
entrevistados denota o reconhecimento de sua positividade quando assim se referem:
foi bem interessante o que foi discutido sobre currículo integrado.... Foi muito
participativo, pontua Mariana. Fausto, igualmente, ao se expressar acentua que as
reflexões ajudaram muito e complementa dizendo que o fato de já ter algum
conhecimento sobre o currículo integrado trabalhado nas jornadas pedagógicas, nos
planejamentos também ajudou muito.
Ao tempo que reforça os ganhos decorrentes dos momentos vivenciados na
formação continuada, Fausto sinaliza que este é um assunto que não lhe é indiferente
por já ter sido objeto de reflexões e análises em espaços de jornadas pedagógicas e de
planejamentos na instituição. Com isso, traz à tona as mudanças estabelecidas pelo
Decreto nº 5.154/2004 que envolveu os profissionais do IFMA/Campus São Luís/Monte
Castelo em movimentos em torno de reconstruções curriculares em que as discussões
teórico-metodológicas e decisões sobre currículo integrado alcançaram pertinência,
passando, de certa forma, a ganhar espaço na agenda da instituição.
Machado (2011, p. 694) destaca a complexidade existente, ao discutir o
currículo integrado no contexto do PROEJA. Na sua visão este envolve um desenho
curricular e uma prática bem mais complexa, cuja formulação e o seu saber-fazer
demandam estratégias de formação docente continuada que possam assegurar o
seguinte:
126
... o necessário trabalho coletivo e colaborativo dos professores de conteúdos da educação geral e profissional para a compreensão de como desenvolver os princípios educativos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, o diálogo entre teoria e prática, o pensar e o agir na lógica da interdisciplinaridade.
Sob esse entendimento, reside a concepção de trabalho como princípio
educativo do processo formativo orgânico às demandas de cidadãos trabalhadores.
Como já discutido, o trabalho na dimensão ontológica é a categoria fundante da
integração dos conhecimentos da formação geral com os da formação profissional, visto
que é a partir dele que os conhecimentos são produzidos. Isso precisa estar claro e se
constituir base do ensino para que, num movimento práxico, os conhecimentos
científicos postos em disponibilidade como conteúdos das disciplinas - como é o caso
dos de Química, Biologia, Física e da Matemática - sejam tratados de forma integrada,
de modo que os alunos os relacionem às práticas sociais e produtivas que constituem
suas existências individuais e coletivas. Pressupõe, portanto, um processo de ensino e de
aprendizagem com a maior proximidade possível do contexto social, do mundo do
trabalho e as redes de relações que nele se tecem, garantindo uma ampla base de
conhecimentos científico-tecnológicos e sócio-históricos (KUENZER, 2001).
As orientações constadas na proposta de Cursos de Especialização de
profissionais do PROEJA realçam a concepção de formação integrada que deve servir
de esteio para qualquer oferta formativa, portanto, também para o caso da formação
docente tratada. Considero que tais orientações são férteis por reforçarem que a
formação de profissionais para trabalhar no PROEJA deverá, além de aspectos relativos
aos sujeitos jovens e adultos, ocupar-se de viabilizar a organização de processos de
ensino-aprendizagem com base nos princípios da formação integral, politécnica, na
perspectiva da escola unitária (BRASIL, 2008, p. 3). Obviamente, a efetivação de um
reordenamento curricular com base nesses pressupostos implica desdobramentos
político-pedagógicos resultantes do processo de repensar as práticas de ensino, de
planejamento e de avaliação (SILVA, SANDRI, COLONTONIO, 2012, p. 42) que se
tecem no percurso da formação.
Sendo assim, ressalto, em concordância com Moura (2008b), que esse processo
formativo docente vai além de propiciar a aquisição de metodologias e técnicas
didáticas de tratamento de conteúdos, na medida em que se ancora no objetivo maior de
promover uma prática educativa em consonância com a formação humana plena, o que
significa assegurar aos jovens e adultos trabalhadores a compreensão das relações
127
sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p.85). Dessa perspectiva
deriva o desafio de contribuir com práticas pedagógicas que ultrapassem os limites da
educação bancária (FREIRE, 1982, 1986), viabilizadas, entre outras condições, a partir
da formação docente que deve ser crítica, reflexiva e orientada pela responsabilidade
social (MOURA, 2008b, p. 30) do alcance da educação como direito.
Trago assim, a defesa de um processo formativo voltado para a ação-reflexão-
ação permeado por discussões, socialização de experiências, teorização da prática, de
forma a garantir a interlocução entre todos os sujeitos desse processo. As manifestações
dos profissionais pesquisados apresentam elementos indicativos nessa direção quando
nas interlocuções se reportam da seguinte forma: Posso considerar que o curso foi bom,
principalmente pela qualidade das intervenções, questionamentos durante as discussões
e reflexões sobre o que vêm fazendo, analisou Flora; os encontros em que estudamos e
discutimos ajudaram a entender um pouco sobre esse programa... As palestras foram
ricas, mas o melhor foram as experiências apresentadas, explicitou Kiara; Fausto
menciona que as reflexões e as discussões com os colegas de outras disciplinas
ajudaram muito; e Elano, por sua vez, enfatiza as possibilidades que emergem para o
grupo ao dizer que:
Para nós que trabalhamos com os cursos integrados foi uma oportunidade de tirar dúvidas, esclarecer, falar de experiência de trabalhar com suas disciplinas... E isso faz a gente crescer quando ficamos junto com os outros, falando do que faz e ouvindo também (ELANO, trechos da entrevista).
Posso inferir, a partir dos relatos mencionados, que esses sujeitos vivenciaram
momentos, em que discussões, reflexões e trocas de experiências, com referencial
ancorado na prática pedagógica construída/em construção fizeram parte do processo.
Quando Elano diz que faz a gente crescer quando ficamos junto com os outros, falando
do que faz e ouvindo também, realça que a possibilidade de troca de experiências e de
reflexão conjunta acerca do que fazem ou pretendem fazer, potencializa a disposição
para a aprendizagem e para o crescimento pessoal e profissional. Sem dúvida, como
acentua Paiva (2012) a formação tecida em parceria, em que seus sujeitos compartilhem
saberes, experiências, dúvidas, incertezas e expectativas favorecerá maiores condições
de compreensão das especificidades da proposta e de intervenção pedagógica e política
no percurso do processo formativo. De um modo geral, os sujeitos pesquisados
expressaram a significação que a formação alcançou no grupo, no sentido de promover
um conhecimento mais aproximado da perspectiva almejada, a partir das
128
potencialidades gestadas junto aos pares, ainda que não tenha sido considerada
suficiente.
Contudo, foi possível perceber que os sujeitos da pesquisa reconhecem lacunas
e dificuldades que evidenciam o quanto ainda há a caminhar para que possam
responder aos desafios que a formação pressuposta pelo programa apresenta. Kiara sem
desconsiderar que valeu a pena, abre brechas quando menciona o ainda que não tenha
sido suficiente, evidenciando assim, que existem lacunas a serem preenchidas. A
entrevistada Mariana enfatiza ser esta muita responsabilidade, ao tempo que realça que
deve haver muitas mudanças para que se consiga desenvolver um currículo que seja
trabalhado de forma integrado com esses alunos. Já Fausto, mais uma vez, reforça que
o fato de já trabalhar com o ensino técnico integrado é importante, mas não é o
suficiente.
Expressa-se, pois, o reconhecimento de que o PROEJA traz em si profundos
desafios para que possa efetivar uma formação integrada cujos fundamentos estejam
assentados na perspectiva emancipatória. Segundo o olhar de Mariana serão necessárias
muitas mudanças para que isto aconteça. A esse respeito, Machado e Oliveira (2010, p.
13) chamam a atenção de que os profissionais envolvidos nesta intersecção formativa
certamente precisarão de tempo para compreender e modificar o seu modo de pensar e
agir, entendendo a relevância social e pedagógica dessa integração, bem como os
desafios de uma práxis pedagógica transformadora. Fausto reitera tal compreensão
quando assume que mesmo já tendo certa experiência com o ensino técnico integrado,
ainda não é o suficiente para dar conta do que a formação integrada para jovens e
adultos requer.
Além de outras questões que expressam dificuldades e contradições, subjaz nos
relatos dos entrevistados que pelo fato da ausência/insuficiência de investimento na
formação, há um despreparo/insuficiência de preparo do professor para sinalizar na
direção de um processo formativo que tenha a integração como esteio.
Ao levar em consideração o que apontam as pesquisas e o que dizem os
sujeitos investigados, posso deduzir que esse despreparo decorre antes de suas
formações inicial em docência de Ciências da Natureza e da Matemática, que se agrava
por não terem a formação em EJA e EPT, e que se intensificam quando cursos
propagados para lhes preparar – como o que estão se referindo - esbarram em seus
próprios limites.
129
Nos relatos dos profissionais a dificuldade de conciliar os horários de
execução de diferentes atividades com o tempo para se capacitar no curso ofertado é
reiteradamente mencionado como algo negativo. Flora faz alusão a um ponto negativo
do curso destacando o fato da frequência dos professores não ter sido 100%. Ao dizer
que teve oportunidade de compreender sobre o programa nas discussões em que pode
participar, Kiara expressa suas ausências na formação, deixando evidente não ter sido
possível participar de todos os encontros. Mariana, por sua vez, deixa explícito que não
participou de todos os encontros da formação continuada, por às vezes coincidir com
horários de aulas em outras turmas. Com alusão aproximada à de Mariana, Fausto
declara seu pesar dizendo que: é uma pena não poder participar de todos os encontros
da formação, pois são muitas atividades que temos daí nem sempre é possível
participar. Elano faz coro aos colegas quando diz: não fui a todos os encontros, mas
quando deu fui.
Os professores em suas manifestações demonstram se ressentirem do tempo –
aliás, da falta de tempo – para participar integralmente de espaços que supõem ser
importante para a solidificação da proposta do PROEJA. No meu ver, ao dizerem de si e
do grupo formativo do qual são parte, enfocando o acúmulo de atividades na jornada de
trabalho, os pesquisados dão visibilidade às críticas de Arroyo (2007) relativas ao
sistema escolar que mantém uma estrutura organizacional que nega o trabalho como
princípio educativo, na medida em que desqualifica e deforma o trabalho docente, ao
invés de torná-lo educativo e formador. Se o pressuposto é assumir a educação como
condição humanizadora é imprescindível assegurar uma formação docente que se dê
igualmente nessa direção, em oposição às práticas formativas que fragmentam e
desintegram ainda mais o trabalhador professor.
Ainda que os sujeitos pesquisados não tenham entrado em detalhes, essa
realidade de terem que assumir atividades em acúmulo, não lhe restando tempo para a
qualificação profissional, pode traduzir as marcas da precarização da prática docente42
em que a destituição do direito a aprender a ensinar se adiciona à negação de outros
direitos/condições básicas para exercer as atividades profissionais com qualidade
socialmente referenciada (SHIROMA; LIMA FILHO, 2011). No caso particular do
42 Aprofundar as discussões acerca da precarização do trabalho docente em Bosi (2007); Shiroma e Lima Filho (2011).
130
IFMA, o novo perfil assumido com a sua transformação em IFEs43 pode ter concorrido
para aprofundar esta realidade. Nesse contexto institucional, que abarca uma ampla
oferta de níveis e modalidade de educação, os docentes que são exclusivos da
instituição, não são exclusivos de um curso, tendo que atuar, além do PROEJA, em
outras frentes existentes nesta escola. Em meio a esta multiplicidade de fazeres não se
identifica, contudo, a correlação entre as necessárias condições efetivas de trabalho e a
implementação, de fato, dentre outras, de políticas de formação continuada. Isso revela
a contradição entre o que é idealizado para a implementação do programa e o que se
materializa na prática concreta.
Cabe assinalar que a formação continuada é necessidade intrínseca e condição
para o processo permanente de desenvolvimento profissional. Portanto, deve ser parte
da política de qualificação e valorização profissional a ser assegurada a todos. Como
espaço e tempo formativo devem integrar, conforme destaca Maron (2013, p. 83) a
busca constante por atualização e formação complementar44, num permanente
movimento de vir a ser. Reafirmo com Pimenta (1999) que esse processo deve propiciar
a aproximação dos pressupostos teóricos e a prática pedagógica a partir da reflexão
crítica sobre essa prática, alimentada por referenciais que possibilitem melhor
compreendê-la e nela intervir no sentido de sua transformação.
Sendo assim, essa formação por ser uma experiência nova e em fase de
construção deve se realizar em estreita interação com a prática cotidiana, constituindo-
se espaço de estudo, discussão, análises de experiências e decisões que envolvam a
complexidade de questões que a abarcam. Quando Fausto trata dessa formação em
pauta, menciona que é preciso mais, pois são muitas coisas que envolvem essa
formação de jovens e adultos. Mariana ressalta que mudanças devem acontecer. Elano,
com mais de 30 anos de experiência em trabalhos com EJA, reconhece que o PROEJA é
algo novo, é diferente do supletivo. Acredito que se dão conta, no percurso do exercício
43 Com longa tradição de oferta de ensino técnico, as antigas escolas técnicas ampliaram sua atuação com a transformação em CEFET, incorporando os cursos superiores de tecnologia, as licenciaturas e a pós-graduação lato e stricto sensu. Com a transformação em IFEs, reafirmam estas ofertas e carregam a meta de ampliar a educação profissional, nos diferentes formatos, em que o PROEJA se coloca como perspectiva (MOURA, 2006). 44Para Maron (2013) integram a trajetória de formação continuada do professor todas as aprendizagens adquiridas por meio de cursos de extensão, cursos de curta duração, semanas de estudos pedagógicos, participação em seminários, congressos, simpósios, oficinas, cursos de pós-graduação stricto ou lato sensu e, especialmente, as aprendizagens decorrentes das experiências que cada profissional vivencia no cotidiano de sua atividade docente
131
docente, de tantas questões complexas que circulam o assumir essa experiência, e sendo
assim defendem um espaço/tempo pensado e estruturado que favoreça a construção de
saberes e a tomada de decisões para lidar com tal complexidade.
Isso implica processos formativos que ultrapassem a fins meramente
instrumentais e os prepare, a partir de reflexões contínuas e coletivas, em momentos
sistematizados, para incorporar na prática educativa, no que for possível, as concepções,
princípios e diretrizes estabelecidos para a oferta integrada. Pressupõe, portanto,
redirecionar experiências que ainda persistem, pois como alerta Haddad (1998), os
cursos esporádicos, aligeirados e sem continuidade garantida são instrumentos de
desserviço a EJA, na medida em que criam expectativas que não serão correspondidas,
frustrando alunos e professores e reforçando a concepção negativa de que não há o que
fazer nesta modalidade de ensino.
O posicionamento de Fausto se aproxima desse entendimento. Ao ser expresso
por ele que é preciso mais estudos, mais planejamentos com todos juntos, mais
encontros para avaliação do que está sendo feito, entendo que demonstra reconhecer,
tal como Paiva (2012), que a prática de formação continuada não pode ser lugar de se
chegar aos professores com ideias ‘salvacionistas’ daqueles que sabem o que devem
saber professores de jovens e adultos. Deve ser um caminho com particularidades
relevantes:
[...] de fazer com, refletindo e mediando saberes, conhecimentos e práticas pedagógicas que os professores desenvolvem, os quais constituem repertório e patrimônio concreto, a partir do que é possível pensar a EJA e a educação profissional e para elas propor mudanças (PAIVA, 2012, p. 62).
O planejamento e a avaliação coletivos, como parte desse processo, tornam-se
fundamentais para que possam refletir, trocar, discutir, decidir e avaliar o que fazem, o
que não fazem e o que é possível ser feito, e, nesse percurso, aprender e crescer como
pessoas e profissionais, gerando consequências para o saber, o saber ser e saber fazer no
PROEJA. O expresso pelos sujeitos dá a entender que obstáculos se interpõem para a
efetividade destas ações tão cara ao processo educativo pressuposto pelo programa.
Com relação à construção desse caminho, Fausto acrescenta que isso deve
acontecer sem ter que sacrificar outras atividades. Creio que está se referindo à
necessidade de que lhes assegurem espaço formativo a partir de suas demandas
concretas, respeitando a condição de profissionais que são. Refere-se ao ser profissional
ao qual deve ter assegurado o tempo de conciliar trabalho e estudo, como condição
importante para que possa, qualitativamente, realizar as funções requeridas para esse
132
novo exercício em compatibilidade com as possibilidades de crescimento profissional.
Para isso, os espaços- tempos de formação continuada devem ser previstos dentro da
jornada de trabalho, e isso não significa apenas uma decisão pedagógica e
administrativa, mas uma decisão política assentada no reconhecimento de que assim
como os alunos da EJA, os seus professores devem também ter assegurado o direito de
aprender ao longo da vida para poder intervir, de forma qualificada e consciente, na
realidade educativa sempre perpassada por novos desafios (BRASIL, 2007a).
Tal compreensão parece estar evidente no relato que, em seguida, foi feito pelo
Elano:
Como falei antes, o trabalho com jovens e adultos não é novidade para mim, pois são mais de 30 anos de experiências dando aulas para eles, desde o madureza, no supletivo, na EJA... Mas isso não significa que já sei tudo...É sempre necessário e bom aprender mais (ELANO, trecho da Entrevista)
Fica expresso que este sujeito reconhece a experiência que o faz caminhar com
certa segurança e ter confiança no que realiza, mas reconhece, claramente, que essa
experiência sozinha não lhe garante bagagem suficiente para uma boa atuação nessa
proposta que lhe é nova. Pontua a necessidade e a disponibilidade de aprender mais,
que considero condição importante para poder contribuir para que a formação integrada
se faça como direito. É possível notar que essa concepção se aproxima de reflexões
feitas por Freire (1996, p. 50) e que eu considero pertinente para o enfrentamento dos
desafios postos por esta prática educativa em construção. Este autor apresenta uma
provocação sobremaneira relevante de que o educador deve assumir a condição de
aprendiz permanente, que não se intimida diante do novo e tem predisposição a
mudanças. Afirma que não estamos prontos, e que o inacabamento é próprio do humano
que somos. Nesse sentido, faz a seguinte menção:
Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento. [...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da existência vital. Onde há vida há inacabamento (Grifos meus).
Elano parece assumir sua condição de sujeito inacabado e a disposição de
eterno aprendiz, ao tempo que reconhece a importância da formação continuada frente
ao proposto pelo processo formativo em questão. Por outro lado, chama a atenção para
a amplitude/complexidade de aspectos que envolvem um programa desta natureza ao
trazer o seguinte alerta:
133
Mas veja só, são necessárias também outras coisas, pois a formação sozinha não vai resolver tudo. Precisamos de mais condições de trabalhar com esses alunos, melhor assistência para eles, laboratórios mais bem equipados, valorização profissional de fato, e mais outras coisas (ELANO, trecho da entrevista)
Embora Elano não tenha aprofundado a questão, arrisco inferir que ao
mencionar tais exigências expressa que é necessário ficarmos atentos ao poder que é
dado à formação continuada como se ela fosse a redentora dos problemas que
atravessam a educação, e por si só, pudesse resolvê-los. Menciona que ao lado desta
formação, melhores condições de trabalho, assistência aos alunos, valorização docente,
dentre outros, são fatores importantes que não podem ser descuidados para poder ir ao
encontro dos objetivos visados. Sem dúvida, o preparo docente é condição importante,
pois não ocorre pensar em um bom ensino sem um bom professor45. Contudo, existem
outros aspectos a serem considerados, alguns que se interpõem para além do que
acontece na escola e na sala de aula, exigindo outras decisões e ações, como pontua
Elano.
Levando em conta o que coloca esse sujeito considero pertinente evocar a
análise de Kuenzer (2010), que faz crítica à visão reducionista de formação docente que
desconsidera as implicações do contexto sócio-político e econômico em que esta
formação se encontra inserida. Isto é, regida pela lógica capitalista, sob o esteio do
ideário neoliberal, alimenta-se uma compreensão restrita e simplificada do fenômeno
educativo fazendo crer que, por si só, o investimento no percurso formativo docente,
inevitavelmente, produzirá bons resultados na educação. A educação escolar, cabe
lembrar, é um processo multidimensional que mantém interface com diferentes
dimensões da sociedade, não podendo ter seus resultados creditados a sujeitos e a
aspectos isolados, sob o risco de acharmos os ‘culpados’ sem atentarmos para questões
amplas nas quais se funda a raiz de tantos problemas educacionais.
Na forma como adverte Elano, com registro também no narrado pelos outros
investigados, encontra-se evidenciado no Documento Base (2007a) que as condições
fundamentais para implantação desse programa não estão dadas, devem ser buscadas,
construídas e alimentadas pelo coletivo nele envolvido. Evidentemente que existem
contradições, problemas e limites que extrapolam o alcance do coletivo institucional -
pelo menos de forma mais imediata - por terem sua origem na própria forma como 45Refiro-me a um professor com domínio dos saberes da docência, já explicitado, competente e comprometido com um projeto educacional e social emancipador.
134
nossa sociedade encontra-se organizada. É importante ter esta clareza para não ter a
ingenuidade de pensar que a escola pode resolver tudo, ou para não cair no sentimento
de incompetência diante do que precisa ser feito. Não se trata, entretanto, de assumir
postura pessimista. Antes vejo como Gramsci (1991) que assinala que é necessário
compreender os limites impostos pelas condições objetivas e subjetivas que se
produzem na sociedade capitalista para que se possa avançar. Para tanto, é preciso saber
sob quais condições as limitações existem para conduzir o necessário enfrentamento,
rumo ao alcance de avanços possíveis.
Na busca de compreender as concepções e ações expressas pelos sujeitos
pesquisados frente ao desafio de ensinar Ciências da Natureza e da Matemática no
Curso objeto dessa pesquisa consegui capturar possibilidades e limites, aproximações e
distanciamentos que de suas manifestações emergiram. Sob o filtro de meu olhar de
pesquisadora percebi que as preocupações esboçadas por estes sujeitos não se reduziram
ao específico de uma área de conhecimento, mas de um todo - o curso, a instituição -
que precisa ser repensado. Suas manifestações revelam indícios da necessidade e
disposição para o planejamento coletivo e para a formação continuada, no sentido de
responderem ao proposto pelo programa, ao tempo em que desvelam lacunas a serem
preenchidas. Reconhecem ganhos que tiveram com a participação na formação
continuada, contudo, expressam os limites desse processo formativo que revelam os
próprios limites da instituição ao assumir um curso sem potencializar as condições
efetivas de participação contínua dos professores. A escassez de momentos formalmente
institucionalizados na jornada de trabalho docente, com o propósito específico de
promover estudos, debates, troca de experiências, avaliações do processo e de resultados
parecem estar se constituindo obstáculo para o alcance do que propõe a formação
integrada em pauta.
Isso contraria a perspectiva apontada por diferentes teóricos com o qual
dialoguei (KUENZER, 2001; MACHADO, 2006a, 2006b; RAMOS, 2008, 2010;
MOURA, 2006, 2008a) e pelo Documento Base (2007a) que ressalta a necessidade da
construção de uma cultura institucional de planejamento coletivo e de formação docente
continuada, que se expresse na prática de encontros pedagógicos periódicos de estudo,
de planejamento e de avaliação, com todos os sujeitos envolvidos no processo
formativo, inclusive os estudantes. Considero que os esforços que se direcionam ao
encontro do que anuncia o PROEJA, para Cursos Técnicos Integrados ao Médio, não
podem ficar centrados em ações esporádicas, sem continuidade, com uma pequena
135
parcela de profissionais. Isso exige um trabalho árduo, sistemático e comprometido por
parte da instituição como um todo, de forma que incorpore, de fato, os pressupostos,
referenciais e princípios que sustentam este programa e assuma, coletivamente, o
conjunto de ações que possam assegurar que a atividade básica que lhe confere sentido
se concretize na realidade institucional.
O que é concebido e atribuído ao PROEJA e ao currículo integrado, a partir da
experiência que os profissionais nele envolvidos vêm acumulando, é do que trato a
seguir.
(ii) PROEJA e Currículo Integrado
Entendo que as concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática de que trata esta tese se encontra enraizadas na visão que os
sujeitos desses processos elaboram sobre o PROEJA, do qual é parte o curso em que o
ensino da referida área se efetiva, que deve estar assentado em um currículo integrado.
Foi na escuta permeada por silêncios e diálogos que pude compreender que os sujeitos
concebem, de forma singular, o PROEJA e o currículo integrado, que em suas
atividades de ensinar/vivenciar o ensino contribuem para lhes dar vida. Por entender
como Freire (1992) que toda prática educativa antes anuncia um projeto educacional e
social a que se volta e a qual pretende atender, considero que ao dizerem sobre este
programa e sobre o currículo que os sustentam, os sujeitos pesquisados anunciam
perspectivas de ensino a serem efetivadas.
Esses sujeitos deixaram transparecer em seus relatos46, a exemplo do tópico
anterior, recorrências e singularidades, manifestas em pontos de vistas, ideias e
valores acerca do PROEJA e do Currículo Integrado. Trazem expressos no que
narraram, o movimento dialético de aproximação/distanciamento dos pressupostos e
princípios que sustentam a proposta deste programa, de forma particular dos Cursos
Técnicos integrados ao Médio, que deve se traduzir por um currículo integrado,
conforme anunciado no Documento Base (BRASIL, 2007a), que por sua vez traz novas
exigências ao ensino que deve materializá-lo. Os relatos docentes a seguir são
indicativos desta constatação:
46 Nas entrevistas semiestruturadas junto aos docentes, no grupo focal com os estudantes do curso e nas anotações em diários.
136
Esse programa trouxe muitas vantagens para esses alunos que tiveram que parar os estudos... porque antes, lembro, era mais alfabetização... teve o Mobral, o Madureza – onde iniciei minha vida de docente, ensinando Matemática-, teve o supletivo, em que ensinei por muitos anos também…o PROEJA é essa proposta nova, é um outro momento e traz o desafio de outra oportunidade para estes alunos com a ideia de integrar a parte de formação geral com a profissionalizante. Não é que acho que não tenha problemas e dificuldades, principalmente quanto ao currículo integrado para EJA .... É claro que tem problemas, né? ... mas acho que esta ideia da integração vai dar uma oportunidade melhor para esses alunos, vai com isso fazer uma formação mais completa.... Penso que no caso deles não poderia ter sido melhor, pois é o que tem direito mesmo, de um curso que lhes prepare bem para uma formação profissional bem fundamentada por todas as disciplinas técnicas e ao mesmo tempo do ensino médio. Isso vai fazer com que ele não seja apenas um apertador de parafusos... Mas que comece a ver as coisas da vida e do mundo com outros olhos... ser mais qualificado profissionalmente.... Penso que isso é muito importante.... Agora é necessário que as condições melhorem como já até falei, mais valorização do professor.... (ELANO, trechos da entrevista). Para integrar a parte básica da parte profissional o PROEJA vai necessitar de muitas mudanças na escola para que esta integração possa ser realizada. ... Através do currículo integrado a gente deve procurar fazer essa integração.... Como já falei são todos que devem se preocupar com isso... A instituição.... Todo professor deve trabalhar com o intuito dessa formação integrada... que é a formação para a cidadania e para o trabalho... O complicado é que estamos acostumados a cada um fazer o seu pedaço... (FAUSTO, trechos da entrevista). O PROEJA é muito importante porque traz a chance de uma boa formação profissional para os alunos .... Poderá lhes preparar melhor para ingressar no mercado de trabalho, para que possam arrumar um emprego melhor... (KIARA, trechos da entrevista). Vejo o PROEJA, esse curso que estamos ofertando de grande importância para esses alunos.... Agora acho que temos que considerar a realidade deles.... Não é fácil, não está sendo fácil para eles que ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos.... Nem para nós, né? A gente diz que o currículo tem que ser integrado, né? Lembro das nossas discussões, mas não é tão fácil assim... E fico preocupada se de fato está sendo oferecido.... Já temos evasão e isso é complicado (MARIANA, trechos da entrevista).
Esses sujeitos falam de si, de suas experiências, de suas histórias e, nesse
movimento, deixam transparecer que o PROEJA e o currículo integrado que ele anuncia
carregam complexidades, que implicam desafios a serem assumidos no e para além do
cotidiano.
O interlocutor Elano se reporta às experiências de educação voltadas para este
público, do qual tinha conhecimento e com o qual havia exercido a docência, para dizer
que o PROEJA trouxe muitas vantagens aos alunos jovens e adultos. Recupera na
memória que antes era mais alfabetização.... Que teve o Mobral, o Madureza - em que
iniciou a vida de docente, ensinando Matemática - que teve o supletivo - em que
ensinou por muitos anos. Observo que evidencia nuances do histórico da EJA que
137
assume funções paliativas de reparação ou de compensação de uma dívida social que se
formou ao longo da história. Expressa reconhecer que a EJA se volta para sujeitos com
históricos de exclusão que, em determinado momento de suas trajetórias de vida, não
puderam ter acesso à escola ou tiveram que parar os estudos, como ele mesmo pontua.
Para este sujeito o PROEJA é outro momento e traz o desafio de outra
oportunidade para os alunos com a ideia de integrar a parte de formação geral com a
profissionalizante. Transparece acreditar neste programa como um direito social de
jovens e adultos trabalhadores, que são oportunizados a voltar à escola - da qual já
haviam sido excluídos - para participar de um curso que lhes prepare bem para uma
formação profissional bem fundamentada por todas as disciplinas técnicas e ao mesmo
tempo do ensino médio. Esse entendimento encontra ressonância nas ideias de Ferreira e
Oliveira (2010, p. 94) para os quais o PROEJA, com a proposta de integração
curricular, apresenta pela primeira vez condições objetivas de avanços, pois a EJA está
teoricamente alçada, para além da alfabetização e do ensino fundamental na
perspectiva compensatória, como possibilidade de efetivação do direito à educação
básica no ensino médio. É possível perceber que o próprio Documento Base (BRASIL,
2007a) dá guarida a esta posição ao trazer o enunciado que um dos grandes desafios
desta política é construção de uma identidade própria para essa nova forma de se fazer
educação de adultos, com profissionalização integrada ao ensino médio, buscando
alcançar objetivos complexos.
Ao continuar com o relato manifesta acreditar ser este um processo formativo
que, ao integrar os conhecimentos da base geral e da base técnica, poderá contribuir
com uma formação mais completa, que não seja reduzida à aprendizagem de aspectos
operacionais, de caráter prático, destituídos de sistematização e fundamentação teórica
(KUENZER, 2001). Isso fica explícito, sobretudo, quando destaca a ideia de um
trabalhador que não seja apenas um apertador de parafusos, mas que seja mais
qualificado profissionalmente. Ao dar ênfase à formação que leve o trabalhador a ver as
coisas da vida e do mundo com outros olhos, arrisco dizer que pode estar se referindo
ao sujeito trabalhador capaz de assumir uma postura crítica frente à realidade. Isso
implica a transformação do senso comum em senso crítico, como condição primordial
para o alcance de uma compreensão aprofundada de mundo (SAVIANNI, 2009;
CIAVATTA, 2005, 2011). Tal possibilidade demanda o princípio do trabalho, em suas
dimensões ontológica e histórica, para que potencialize uma formação em que os
sujeitos ao tempo que passem a dominar os fundamentos científico-tecnológicos do ser
138
e fazer profissional passem, igualmente, a compreender as contradições e conflitos que
movimentam o mundo do trabalho contemporâneo em que estão inseridos, na condição
de trabalhadores, empregados ou não.
Na mesma direção o outro entrevistado - professor Fausto- ao se referir ao
PROEJA dá ênfase ao pressuposto da formação integrada, que no seu olhar diz respeito
à formação para a cidadania e para o trabalho. A meu ver, cidadania e trabalho devem
ser concebidos, de fato, como dimensões constitutivas indissociáveis do homem, da
sociedade e da educação que a estes devem se voltar. Cabe lembrar que a perspectiva
ampliada de formação e de integração que supõe o exercício da cidadania é anunciada
em instrumentos legais47 e reafirmada no documento norteador dos cursos do PROEJA.
Em relação aos cursos técnicos integrados, como o que aqui está sendo pesquisado,
orienta que devem se fundamentar na integração entre trabalho, ciência, técnica,
tecnologia, humanismo e cultura geral com a finalidade de contribuir para o
enriquecimento científico, cultural, político e profissional como condições necessárias
para o efetivo exercício da cidadania (BRASIL, 2007a, p. 5).
Pela visão que aqui expressa e pelo posicionamento em outros momentos desta
pesquisa, pressuponho que o professor Fausto pode estar apontando para a formação de
sujeitos que sejam conscientes e atuantes socialmente. Cabe trazer os posicionamentos
de Chassot (2011), Zanon e Maldaner (2011) e Maldaner (2013) que ao tratarem mais
especificamente do ensino de Ciências na perspectiva da cidadania, ressaltam a
exigência de uma escolarização que possibilite a formação de profissionais com efetiva
consciência de cidadania, pensamento autônomo e capacidade crítica. Acentua a
necessidade da formação de cidadãos que não só saibam ler melhor o mundo onde estão
inseridos, como também, e principalmente, sejam capazes de transformar este mundo
para melhor (CHASSOT, 2011, p. 101). Posso antever a partir desta concepção, do
cenário que está posto e da realidade em que a implementação desse programa vem se
dando na instituição, que profundos e complexos desafios devem ser assumidos para
que emerjam possibilidades de uma formação nesta perspectiva.
Vale ressaltar que a formação para a cidadania, expressa na integração entre
trabalho, ciência, cultura, tecnologia, conforme preceituado para os Cursos Técnicos
47A Constituição Nacional de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9394/96 e , em específico, o Parecer CEB 11/2000 – que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA expressam a educação com o papel de possibilitar aos educandos a aquisição de instrumentos necessários ao exercício da cidadania, preparação para o mundo do trabalho e para uma participação crítica na vida política.
139
Integrados se apoia no entendimento de que essas são dimensões da formação humana
que se encontram indissociáveis no acontecer do mundo real. Para Ciavatta (2005),
Kuenzer (2001), Ramos (2010) essa concepção de educação está assentada no trabalho
como princípio educativo e tem como horizonte a formação politécnica e omnilateral
dos trabalhadores. No trabalho como princípio educativo se afirma o caráter formativo
tanto do trabalho como da educação, como ação humanizadora que promove o
desenvolvimento das potencialidades do ser humano (CIAVATTA, 2005). Isso implica
que é por meio do trabalho que o homem produz os bens materiais e culturais que
constituem a sua humanidade e, nesse movimento, gera conhecimentos, formas de
sociabilidade, valores, tecnologia, entre outros.
Sendo assim, todo conhecimento veiculado pela escola tem seu fundamento na
prática social do trabalho e, portanto, tem que com ela estabelecer relação. Nesta
perspectiva, a escola como instituição responsável pela formação humana deve
instrumentalizar o cidadão trabalhador para compreender o funcionamento das relações
sociais de trabalho e, a partir disso, ser capaz de decidir por sua transformação ou
manutenção (YAMANOE; VIRIATO, 2011, p.122). Neste caso, a formação para a
cidadania não pode ser subsumida à possibilidade de mera inclusão no mercado de
trabalho, nem de outras oportunidades criadas sob o viés da educação assistencialista.
As contribuições de Corrêa (2005, p. 4) fertilizam este entendimento ao dizer que
pensar o cidadão enquanto ser omnilateral é concebê-lo como sujeito de direitos e
deveres, construtor de sua história, sem, porém, excluí-lo do mundo do mercado, mas o
dotando de consciência crítica que lhe possibilite autonomia ao se relacionar com este
mundo, sem que seja simplesmente subserviente a ele.
Ao ressaltar ainda que a formação integrada deva ser potencializada através
do currículo integrado suponho que o docente Fausto reforça o ponto de vista, já
manifestado sobre o currículo contrário à segmentação entre a formação básica e a
formação técnica que não lhe é indiferente por já ter realizado estudos sobre esta
temática antes da implantação do PROEJA, no âmbito institucional. Conceber o
currículo nesta dimensão remete, como antes abordado, à integração dos conteúdos da
formação geral e dos conteúdos de um campo profissional específico, como processo
inerente ao próprio fazer pedagógico, ao próprio ensinar um campo de conhecimento,
que busca recuperar a relação entre teoria e prática, numa dimensão transformadora.
Saviane (2007, p. 9) esclarece que no ensino médio a relação entre educação e trabalho,
140
entre o conhecimento e a atividade prática deverá ser tratada de maneira explícita e
direta, considerando o seguinte:
... O saber tem uma autonomia relativa em relação ao processo de trabalho do qual se origina. O papel fundamental da escola de nível médio será, então, o de recuperar essa relação entre o conhecimento e a prática do trabalho. Assim, no ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como o saber se articula com o processo produtivo.
Explicita-se, pois, como desafio, a retomada de significação da base
epistemológica e pedagógica dos saberes que integram o currículo, vinculando-os aos
saberes que jovens e adultos trazem consigo ao retornarem à escola. Decorre daí que os
conhecimentos científicos passam a ser concebidos como produções históricas,
expressão do trabalho humano no processo de produção e recriação das condições
materiais e sociais de existência, portanto, são sempre carregados de valores e movidos
por intencionalidades (RAMOS, 2008; CIAVATTA, 2011). Os conhecimentos de
Química, Física, Biologia e Matemática – inseridos neste universo – dizem respeito aos
conhecimentos historicamente produzidos e legitimados socialmente, na busca humana
de compreensão, explicação e transformação dos fenômenos naturais e sociais (GIL-
PEREZ, 1993, SCHNETZLER, 1994, 2011, DUARTE,2006, GERALDO, 2009). Tal
compreensão é imprescindível para subsidiar encaminhamentos necessários à
construção do currículo possível, que resulte do diálogo entre a base geral e a específica.
De certo modo, vejo nas perspectivas apontadas por estes sujeitos, indicativos
de contraponto à oferta de formação profissional estreita, fragmentada, precarizada que
favorece uma inclusão excludente48, por se revestir, antes, de caráter certificatório do
que da qualidade social necessária para favorecer uma inclusão menos subordinada
(KUENZER, 2011, p.52). É possível considerar que em suas manifestações tendem a
corroborar com o pressuposto de educação como condição humanizadora, que viabiliza
o acesso aos saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos, como expressão da
construção histórica que homens e mulheres realizaram, das mais simples, cotidianas
48Para Kuenzer a inclusão excludente se refere à oferta educacional precarizada, que inclui precariamente para excluir pela desqualificação, ou seja a formação que traz no bojo o que esta autora denomina de certificação vazia. Aprofundar em Kuenzer (2001; 2005; 2007).
141
inseridas e oriundas no/do espaço local até as mais complexas, expressas pela
revolução da ciência e da tecnologia (BRASIL, 2007a, p. 13).
Outra dimensão do PROEJA é revelada no percurso das interlocuções. A
professora Kiara, ao se manifestar, realça a importância deste programa por trazer a
chance de uma boa formação profissional para os alunos, podendo lhes preparar
melhor para o mercado de trabalho, para que possam arrumar um emprego melhor.
Este relato ao tempo que explicita se tratar de uma boa formação profissional, o que
sugere que não seja esvaziada de conteúdos, mas que seja ampla, expressa a
compreensão da interface que estabelece com mercado de trabalho. Ao fazer alusão à
boa formação profissional relacionando-a com a oportunidade de emprego, creio que
reconhece que a organização do trabalho sob bases flexíveis, traz como exigências para
a ocupação de determinados postos de trabalho49 o domínio de conhecimentos
científicos básicos, além de outros requisitos. Contudo, sem desconhecer a necessidade
de sobrevivência dos sujeitos desta formação, a principal preocupação do processo
formativo em pauta não deve ser com o mercado, embora, tenha que, também,
responder a ele.
Apesar de reconhecer a positividade implícita na demanda por formação mais
ampla é preciso ficar atenta ao discurso sedutor de que maior investimento em educação
resultaria, linearmente, em acesso aos melhores postos de trabalho, melhor renda,
produtividade, desenvolvimento pessoal e social50. Não se pode esquecer que nos
49Pesquisas demonstram (KUENZER, 2001, 2005, 2007; FRIGOTTO, 2000, 2005, e outros) que o mundo do trabalho reestruturado, no âmbito da globalização da economia, ao tempo que necessita, em determinados postos, de profissionais com perfil qualificado, convive com grande contingente de trabalhadores precariamente educados, responsáveis por trabalhos igualmente precarizados. Neste cenário, restringe cada vez mais o número de postos de trabalho, e cria, ou recria, na informalidade, um sem números de ocupações precárias, temporárias e fragmentadas, para os quais trabalhadores “descartáveis” e fragmentados são o suficiente. Alertam que sob a lógica da produção flexível, nem todo trabalho necessita de fundamentos. 50A teoria do capital humano elaborada por Theodore Schultz (SCHULTZ, 1973), na década de 1960, foi ressignificada na década de 1990, no contexto da reestruturação econômica capitalista, fazendo renascer a crença de que o investimento no capital humano é ponto chave para o combate da distribuição desigual de renda e das desigualdades sociais, uma vez que justifica serem tais fatores resultantes da despreparação dos indivíduos. É necessário investir no capital humano para gerar o desenvolvimento econômico. O mito da educação como meio de ascensão social, de obtenção de emprego e de sucesso no mercado de trabalho é revigorado. Para Frigotto (2000, 2005) essa teoria provoca uma inversão na realidade por tentar atribuir à educação, em geral, e à formação profissional, em particular, o papel determinante das relações de poder no plano econômico e político, quando o que ocorre é o contrário, os investimentos educativos e a melhoria educacional é que são determinados pelas relações de poder político e econômico. A profissionalização como condição dos indivíduos competirem no mercado e melhorarem suas condições econômicas não tem sustentação, na medida em que a desigualdade social não decorre da distribuição desigual do conhecimento, mas das próprias características do modelo econômico que tende a concentrar riqueza.
142
marcos do capitalismo globalizado a perspectiva instrumentalista da educação ganha
fôlego, na medida em que sob os princípios da Teoria do Capital Humano, é concebida
como potencializadora da capacidade de trabalho, de renda e de produtividade,
portanto, um fator de desenvolvimento econômico do país (FERREIRA, 2012, p. 101).
Há que ficar alerta, ainda, à defesa de uma formação polivalente que apregoa o
desenvolvimento de competências profissionais para responder às necessidades
flutuantes dos processos produtivos na contemporaneidade.
O cenário que se desenha com a globalização da economia, em que convive
maior necessidade de formação de trabalhadores ao lado de novas formas de exploração
do trabalho, não deixa brechas para dúvidas: ainda que todos pudessem receber uma
formação educacional e profissional adequadas não há garantia de que todos seriam
absorvidos pelo mercado (FERNANDES, 2012). Embora a formação profissional seja
um ponto importante, outros fatores, inclusive de ordem conjuntural, intervêm. Não há,
pois, nenhuma garantia de que ao concluir os estudos - por mais qualitativos que sejam -
os alunos tenham assegurados um lugar no mercado de trabalho. Sem dúvida, o
mercado dispõe de critérios para tal, e se a falta de escolarização serve de argumento
para excluir da inserção, esta mesma escolarização não é a garantia de promover a
inclusão.
É necessário ficar atento, pois como Frigotto (2000) adverte a educação
estabelece diferentes mediações com o modo de produção capitalista. Pode tanto atuar
para reforçar os interesses dominantes ou, ao contrário, para atender aos interesses da
classe trabalhadora, desde que sua formação seja pensada na direção da
omnilateralidade, em que as questões do trabalho na perspectiva emancipatória se façam
presente. As contribuições de Moll (2010, p. 132) acenam nesta direção ao destacar que
a inclusão de jovens e adultos na dinâmica da sociedade atual, implica a ampliação de
oferta de educação básica de qualidade e gratuita, não na perspectiva do alinhamento da
educação ao capital, mas da construção de projetos educativos plenos, integrais e
integrados que aproximem ciência, cultura, trabalho e tecnologia.
No que foi expresso até o momento sobre o PROEJA por estes interlocutores
docentes, consegui capturar que creditam sua positividade ao papel social que
consideram ser possível cumprir junto aos sujeitos jovens e adultos, substanciado por
um currículo integrado. Assim, por um lado, manifesta-se a compreensão de que sua
143
importância reside na possibilidade de jovens e adultos terem uma preparação para o
trabalho na perspectiva da formação cidadã, que definem como uma formação
integrada, uma formação mais completa (ELANO). Por outro lado, a positividade é
ressaltada pela oportunidade de uma boa preparação profissional que lhes confira
condições de arrumar emprego (KIARA). Percebo nuances do próprio papel da escola,
entendida como instituição que a humanidade criou para socializar o saber
sistematizado (PENIM; VIEIRA, 2001, p. 17), mas que, historicamente, tem se
constituído problemática e conflituosa quando se trata de decidir o modelo educacional
a ser destinado a determinados e diversificados grupos sociais.
As contribuições de Gramsci (2001) podem ser válidas para a compreensão do
que ressaltam estes interlocutores, pela análise que fez do modelo escolar de seu
momento histórico. Como já ressaltei, em suas reflexões a respeito da formação ofertada
teceu críticas a esse modelo por oportunizar formação diferenciada para os indivíduos,
de acordo com a classe social a que pertenciam. Questionou que para muitos a oferta era
de escolas do tipo profissional, preocupadas em satisfazer interesses práticos
imediatos, que predominam sobre a escola formativa de base humanística (GRAMSCI,
2001, p. 49), comprometida com uma formação de caráter amplo. Assim, a educação ao
invés de prática social, histórica, política e técnica se reduz à função meramente técnica
de formar recursos humanos, que, não por acaso estavam centrados entre os segmentos
menos favorecidos sócio-econômico e culturalmente (KUENZER, 2001).
Ao trazer à discussão o que identifica como sendo a ‘marca social da escola’,
em que para cada grupo social é pensado um tipo de escola destinada a perpetuar nestes
estratos a função dirigente ou instrumental (GRAMSCI, 2001, p. 49) aponta o modelo
de escola unitária como possibilidade. Refuta, assim, tanto os esquemas tradicionais de
profissionalização estreita, quanto a escola média humanista tradicional voltada a
formar o eloquente, o erudito. Kuenzer evidencia (1997, p. 128) que o humanismo, por
Gramsci preconizado, significa a posse da consciência da história da humanidade
enquanto história do domínio progressivo, científico-técnico do homem sobre a
natureza. A função da educação escolar deve ser o desenvolvimento da capacidade, ao
mesmo tempo, intelectiva e prática dos seus alunos, a partir de uma relação
qualitativamente diferente entre escola e trabalho (KUENZER, 1997). Com isso, tal
autora insiste em um processo formativo que incorpore a dimensão intelectual ao
trabalho produtivo direcionado a formar trabalhadores capazes de produzir e de,
também, serem dirigentes. Propiciar a aquisição tanto dos conhecimentos das leis da
144
natureza, como das humanidades e da ordem legal que regula a vida em sociedade,
numa dimensão práxica, é um fim a ser atingido.
Os interlocutores expressam que a formação integrada implica a vinculação da
cidadania com o trabalho (FAUSTO) e uma formação mais completa, que qualifique o
trabalhador e lhe prepare para ver as coisas da vida e do mundo com outros olhos,
como realça Elano. Parece que um rumo que se diferencie da fragmentação do ensino
médio e da profissionalização é sinalizado. Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 15)
evidenciam que o ensino médio integrado ao ensino técnico - base do PROEJA - por
buscar conter os elementos de uma educação politécnica, contém também os germens
de sua construção. Ou seja, a integração desses conhecimentos decorrentes de um
ensino assentado em novas concepções, por condições materiais objetivas, poderá se
constituir gérmen para a formação humana de caráter geral. Isso implica, por exemplo,
que os conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática, como parte do
currículo, deixem de ser abordados como prontos, inquestionáveis, neutros e
descontextualizados social, histórica e culturalmente. A perspectiva é que contribuam
para enriquecer a dimensão técnica da formação, integrando-a a uma dimensão mais
ampla que é a formação humana.
Não obstante os profundos desafios que se colocam é preciso reconhecer o
potencial que abarca o projeto formativo ora em discussão, como bem sinalizaram os
sujeitos pesquisados. Assumir a integração das dimensões fundamentais da vida humana
- trabalho, ciência, cultura e tecnologia - no processo formativo significa compreender o
trabalho como princípio educativo, o que implica entender que o processo de produção
e de reprodução da vida se dá por meio do trabalho... Contudo, essa perspectiva de
trabalho não está necessariamente atrelada a uma profissionalização, mas, sobretudo,
a uma experiência escolar mesclada entre a teoria e a prática, na perspectiva da práxis
(FERREIRA, 2012, p.114). Isso remete à necessidade que o trabalho e a educação
estejam posicionados no currículo em uma nova dimensão, o que significa assegurar a
unidade entre teoria e prática durante o processo formativo e, portanto, em cada campo
de conhecimento que integra o currículo da formação.
Decorre daí a necessidade que os ‘ditos’ conhecimentos gerais e os
conhecimentos específicos se integrem no percurso formativo como totalidade
curricular. Os conteúdos ‘gerais’ não podem contribuir unicamente para a compreensão
da natureza e da cultura, e os conteúdos ‘especiais’ exclusivamente para o exercício das
atividades profissionais. Todos os conteúdos - sejam eles de Matemática, Física,
145
Química, Biologia, entre outros – poderão possibilitar a compreensão das relações
naturais e sociais em seu conjunto e a preparação para a atuação competente do
exercício profissional (KUENZER, 1997, 2001; MACHADO, 2006, 2010; RAMOS,
2008, 2010).
A separação que existe é mero reflexo da divisão entre o trabalho intelectual e
o trabalho operacional que veio se produzindo e se aprofundando no movimento
histórico da sociedade, com implicações para o trabalho que se desenvolve na escola.
Sendo assim, o problema desta integração, não é meramente metodológico, mas é,
sobretudo, político. Depende do tipo de homem que pretende formar: que domine
‘apenas’ o fazer e se restrinja a ser um executor, ou, que domine os fundamentos
teóricos e metodológicos que expliquem e permitam a entender o trabalho em sua
dimensão de totalidade (KUENZER, 1997).
Há indícios de que os docentes pesquisados - talvez como outros tantos -
reconhecem que a implementação desta proposta requer processos qualitativamente
diferenciados, entretanto, igualmente se dão conta dos limites que se interpõem. Ainda
que reconheçam a positividade da proposta em foco, a complexidade e os desafios que
perpassam uma proposta dessa natureza não lhes são indiferentes.
Ao tempo que o Elano expressa a significação do programa demonstra
reconhecer - como já o fez antes - os limites que o cercam quando assim se pronuncia:
não é que acho que não tenha problemas e dificuldades, principalmente quanto ao
currículo integrado para EJA.... É claro que tem problemas.... É necessário que as
condições melhorem. A experiência que vem acumulando como docente na EJA em
outros espaços da educação básica, e como professor do IFMA há décadas, certamente,
lhe confere autonomia para fazer tal leitura. Pode estar se referindo aos obstáculos
advindos de uma cultura escolar em que a diversidade e a especificidade de jovens
adultos ainda não foram assimiladas. Ademais, há que se admitir que, ainda que tenha
havido avanços, os conflitos entre concepções e práticas curriculares e pedagógicas,
assentadas na lógica fordista, que se caracterizam pela fragmentação da formação geral
versus técnica ainda persistem no ser e no fazer de nossas escolas. Além de outros
intervenientes que se situam para além da escola, as lacunas da formação docente e os
limites das condições de trabalho, ressaltadas pelo Elano desde a seção anterior,
certamente, obstaculizam a integração sinalizada. Enfim, a prática do currículo
integrado apresenta desafios que não tão simples de serem assumidos pelo coletivo
institucional, dada a complexidade que o perpassa.
146
Fausto manifesta, ainda, que a proposta em foco carrega em si a necessidade
de muitas mudanças na escola para que integração possa ser realizada. Em sua
interlocução reforça - o já dito no eixo anterior - que a formação integrada, em
particular no âmbito desta experiência em construção, traz desafios e responsabilidades
para a instituição como um todo, e que todo professor deve trabalhar com o intuito
dessa formação. O envolvimento do coletivo institucional traduz decisões políticas e
pedagógicas que requer compartilhamento de outros profissionais que vivem da e na
escola, ou seja, muitos agentes escolares não docentes, cujas atividades são
constitutivas de um fazer pedagógico, com diferentes significados, mas essencialmente
mediadoras (PAIVA, 2012, p. 63) para o alcance do que este programa se propõe.
Conhecer os sujeitos de EJA, suas histórias, suas demandas e saberes e a eles
se voltarem não é tarefa apenas dos docentes do curso. Os gestores e demais servidores
precisam ter visão global e sensibilidade para a propositura acenada. Isso implica,
envolvimento e decisão coletiva tendo como referência o projeto pedagógico
institucional e, em particular, o projeto curricular do curso, concebido e
desenvolvido coletivamente, como antes discutido.
Quando Fausto declara que todo professor deve trabalhar com o intuito dessa
formação integrada, e que o complicado é que estamos acostumados a cada um fazer o
seu pedaço creio que se dá conta que a propositura desta formação exige mudanças nas
concepções que embasam as práticas da escola e, especialmente, a prática dos docentes.
Tal relato parece expressar os argumentos antes já apresentados por este interlocutor
quanto à necessidade de que todos os docentes, da base geral e específica saiam de seus
isolamentos, discutam e organizem o processo formativo, tendo em conta o currículo
integrado. Identifico referência à busca de possibilidades de organização curricular que
potencialize a ampliação de conhecimentos em sua totalidade e não por suas partes
isoladas. Isso significa espaços e tempos em que possam
coletivamente decidir por componentes, conteúdos e tratamentos curriculares que
permitam fazer relações cada vez mais amplas e profundas entre os fenômenos que se
deva ensinar para serem apreendidos. Por outro lado, não significa que as possibilidades
de que os conteúdos sejam explorados numa dimensão de totalidade só possa acontecer
se os professores estiverem juntos. Cada um em seu pedaço, com competência
epistemológica e pedagógica pode ter este alcance no tratamento do seu campo de
conhecimento, mas para isso é importante ter visão do todo.
147
O grande obstáculo reside no fato de que sendo herdeiros de uma formação
positivista, assumem uma prática de ensino igualmente assentada nesta base
epistemológica. Assim, apoiado na crença positivista de ciência, de ensino e de
aprendizagem é que os campos de conhecimentos – por exemplo, de Física, de Química,
de Biologia e de Matemática - são tratados de forma estanque, cada um em seu pedaço,
seguindo uma sequência convencionada de conteúdos, sem que haja inter-relações
desses conteúdos entre si, com as questões cotidianas e as mais amplas da sociedade
(ARAGÃO, 2000a, 2000b; MALDAMER, 2000, 2013; SCHNETZLER, 2000;
DUARTE, 2006; NASCIMENTO, 2009). Levando em conta a realidade de
fragmentação exposta por este sujeito, ao lado de alguns encaminhamentos por ele já
delineados, antevejo profundos e complexos desafios a serem assumidos. Além da
integração dos conhecimentos manifesta-se o desafio de integrar práticas educativas. O
planejamento coletivo e a formação continuada são potencializadores essenciais destas
possibilidades.
Mais uma vez as vantagens desse programa com a perspectiva da formação
integrada para jovens e adultos é mencionada por outro interlocutor da pesquisa. Ao
mesmo tempo, algumas preocupações são esboçadas. Essa percepção pode ser
observada quando Mariana se expressa da seguinte forma:
Vejo o PROEJA, esse curso que estamos ofertando de grande importância para esses alunos.... Agora acho que temos que ver a realidade deles.... Não é fácil, não está sendo fácil para eles que ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos…Nem para nós, né? ... A gente diz que o currículo desse curso tem que ser integrado, né? Lembro das nossas discussões, mas não é tão fácil assim... E fico preocupada se de fato está sendo oferecido.... Já temos evasão e isso é complicado. (MARIANA, trechos da entrevista).
Neste relato a importância do curso para jovens e adultos signatários do
programa é expressa, ao tempo que evidencia complexas questões que não podem ser
ignoradas no percurso formativo. Ressalta que a realidade destes alunos deve ser levada
em conta, se de fato o curso pretende gerar as consequências positivas anunciadas. A
significação deste ponto de vista reside no fato de traduzir uma das diretrizes
orientadoras dos cursos do PROEJA que é a formação estar assentada na realidade dos
sujeitos históricos para os quais se volta. Tal entendimento remete às reflexões de
Oliveira (1999) de que a EJA se refere não somente a uma questão etária, mas,
sobretudo, envolve questões de especificidade sociocultural, pois não se dirige para
quaisquer jovens e adultos, mas para uma determinada parcela da população que traz
marcas que a caracteriza e a diferencia. A escola e seus educadores precisam ficar
148
atentos a esses sujeitos concretos e históricos, que trazem para o espaço educativo, ao
lado das dificuldades, as experiências anteriores de escolaridade, de vida e de trabalho, e
isso exige novas/outras concepções que embasem as práticas pedagógicas a serem
efetivadas. Esses profissionais têm um papel fundamental no trato com as
especificidades da formação desses sujeitos (OLIVEIRA; MACHADO, 2012b).
Entretanto, Mariana alerta para as dificuldades que se apresentam tanto para os
alunos quanto para os professores ao mencionar que: não está sendo fácil para eles que
ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos.... Nem para nós. Denota
que os itinerários formativos descontínuos a que estes estudantes foram expostos
resultam em consequências e exigências singulares para estes e para o processo escolar,
não tão simples de atender. A perspectiva de formação integrada anunciada exige o
redimensionamento da prática educativa para assegurar um recomeço destes alunos,
com continuidade e êxito. As dificuldades dos educadores em atender esta demanda
formativa, sob o esteio de um currículo integrado, não passam despercebidas: A gente
diz que o currículo desse curso tem que ser integrado. Lembro das nossas discussões,
participei dos estudos, mas não é tão fácil assim. Ferreira (2012, p. 116) alerta que a
integração curricular é uma tarefa difícil que exige uma formação mais ampla dos
profissionais da educação, mas, acima de tudo, exige tempo e espaço para que no
coletivo se possam construir alternativas possíveis de enfrentamento de práticas
educativas já consolidadas. Persistem os limites e incompletudes que a formação
ofertada e os espaços coletivos exíguos não conseguiram superar.
Foi possível apreender que a complexidade e as dificuldades que perpassam o
exercício formativo pressuposto pelo Curso Técnico Integrado do PROEJA foram
reiteradamente manifestadas pelos interlocutores, especialmente por Elano, Fausto e
Mariana. Ao tempo que expressam sentidos, ideias, pontos de vistas que se aproximam
dos pressupostos e princípios anunciados pelo programa revelam ter dificuldades em dar
conta do anunciado. Manifesta-se o reconhecimento de que a perspectiva de um
processo formativo, substanciado por um currículo que deve se ocupar da formação
cidadã integradamente à formação em um campo profissional específico, não é algo
fácil de ser materializado. A formação docente pautada na racionalidade moderna que
fragmenta e hierarquiza praticas educativas, em que os campos de conhecimentos ficam
fechados em suas fronteiras, adicionada à prática gestora que não fomenta a gestão, o
planejamento coletivo e a formação profissional permanente, criam barreiras para a
concretização deste currículo.
149
Na continuidade do relato Mariana alerta que já temos evasão e isso é
complicado. Na preocupação esboçada há a sinalização de que a evasão já existente é
uma questão que necessita ser apurada. Cabe lembrar que um dos princípios do
PROEJA diz respeito ao papel e compromisso das instituições com a inclusão destes
segmentos de jovens e adultos em suas ofertas educacionais (BRASIL, 2007a), que
implica não apenas assegurar o acesso dessa população, mas, igualmente, prover
condições para a sua permanência e sucesso. A referência à evasão já existente revela
indicativos do que é ressaltado pelo próprio Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 37),
de que é necessário questionar também as formas como a inclusão tem sido feita, muitas
vezes promovendo e produzindo exclusões dentro do sistema. Isso quando não
asseguram - dentro do que lhe compete – as condições para a continuidade e para a
aprendizagem do que lhe é devido ensinar. Mariana expressa preocupação se o que é
anunciado como proposta de currículo integrado de fato está sendo oferecido. Subjaz
nesse relato, lacunas com relação a espaços avaliativos em que trocas e discussões
possam dar visibilidade ao andamento do processo, ao tempo que viabilize tomada de
decisões que possam contribuir para enfrentar obstáculos que inevitavelmente essa
experiência nova traz em si. As contribuições de Arroyo (2005, p. 49) induzem a
algumas reflexões ao afirmar o seguinte:
A educação de jovens e adultos avançará na sua configuração como campo público de direitos na medida em que o sistema escolar também avançar na configuração como campo público de direito para os setores populares em suas formas concretas de vida e de sobrevivência... Na história da EJA encontraremos uma constante: partir dessas formas de existências populares, dos limites de opressão e exclusão em que são forçados a ter de fazer suas escolhas entre estudar ou sobreviver, articular o tempo rígido da escola com o tempo imprevisível da sobrevivência. Essa sensibilidade para essa concretude das formas de sobreviver e esses limites a suas escolhas merece ser apreendido pelo sistema escolar se pretende ser mais público. Avançando nessas direções, o diálogo entre EJA e sistema escolar poderá ser mutuamente fecundo. Um diálogo mutuamente político, guiado por opções políticas, por garantias de direitos de sujeitos concretos. Não por direitos abstratos de sujeitos abstratos...
São para esses sujeitos concretos, com históricos de escolaridade
descontínuos, que apresentam identidades, subjetividades e singularidades que o
direito ao PROEJA, ao ensino sob as bases do Currículo integrado deve ser assegurado.
Sujeitos esses que, a exemplo dos professores, ao usarem a fala em debate para
150
dizerem sobre o PROEJA51 expressam pontos de vista, ideias, valores e expectativas
que revelam aproximações e distanciamentos, limites e possibilidades a serem
alcançadas a partir desta nova experiência que estão vivenciando. A esse respeito
assim se colocam:
.... Fazer um curso aqui sempre foi um grande sonho, mas era algo intransponível porque as dificuldades são muitas... Várias vezes eu tentei prova prá cá e nada de passar, porque era muito difícil, principalmente prá mim que comecei a trabalhar desde cedo... Então esse sonho de fazer um curso técnico no CEFET eu abandonei com o tempo, porque vi que era impossível entrar aqui... Era mesmo muito difícil prá mim... Comecei a fazer outras atividades.... Fiz alguns cursos profissionalizantes aqui no SENAI.... Quando soube deste curso, pensei logo: esta oportunidade não vou deixar passar.... Estou aqui com um sonho realizado e desta vez quero continuar no curso até o fim... Quero sair daqui como um bom técnico e o que é melhor é que é de um curso que tem a parte técnica com toda parte do ensino médio também... E isto vai oferecer mais oportunidades prá nós. Além da oportunidade de arrumar um emprego melhor, vou estar mais preparado para o vestibular que é também um sonho... O que espero mesmo é que nesse curso possa aprender muita coisa... (EDSON, trechos do grupo focal). ... Prá mim não é diferente, pois também estou aqui com a esperança de recuperar um tempo perdido... PROEJA para mim significa a oportunidade que não tive antes... Espero aqui melhorar meus conhecimentos na área de eletricidade que já trabalho há muitos anos e ter oportunidade de arrumar um emprego melhor, e também adquirir esses outros conhecimentos: de Português, Física, Química, Matemática, de História que são conhecimentos importantes prá tudo nessa vida no mundo de hoje, inclusive prá minha profissão que vai me ajudar muito, pois tenho a prática, mas preciso estar mais qualificado... (JOEL, trechos do grupo focal). .... É mais ou menos isso para todos nós que não conseguimos terminar os estudos, é uma chance na vida da gente. Também confio que estar aqui é uma grande oportunidade.... Ao mesmo tempo que a gente completa os estudos sai com uma boa profissionalização. É mais aprendizado na vida .... Aí a gente fica mais respeitado por ter estudo.... Fica mais valorizado como profissional e tem mais chance no mercado de trabalho.... Tem gente que já tá desistindo porque não é fácil trabalhar e estudar, mas espero não desistir e sair daqui preparado... (ALAN, trechos do grupo focal). .... Pegando o gancho do colega digo que eu também não vou desistir, mesmo já tendo faltado, pois às vezes não dá mesmo, e não é porque não quero...eu vim para cá por vontade e, também claro, por necessidade, pois sem ter estudo tudo fica mais difícil nesse mundo de hoje, né? Principalmente no mercado de trabalho que tá cada vez mais fechado... Sempre tive vontade de terminar meus estudos e agora tenho essa oportunidade de voltar e estudar... Estou satisfeito em estudar aqui e quero sair daqui com um bom conhecimento, tanto na parte de eletricidade como das outras matérias que também vai ser bom para o nosso curso, que tem muita coisa de matemática, de física e todas as outras também....Vai ser bom prá que a gente possa ter mais condições de arrumar um emprego melhor, como todo mundo já disse... (GILSON, trechos do grupo focal)
51 No espaço do grupo focal.
151
Nesses relatos é possível perceber que os estudantes se referem às suas
inserções no PROEJA como novas alternativas que se abrem para suas vidas, novas
oportunidades de aprendizagens, principalmente quando se dão conta dos limites e
dificuldades que marcaram/marcam suas trajetórias até chegarem ao curso de que trata
esta tese. Para o estudante Edson, estudar neste curso significa o alcance de uma busca
de vários anos, a realização de um sonho. O interlocutor Joel fala da esperança de
recuperar um tempo perdido, da oportunidade que não teve antes. Alan expressa que
para eles que não conseguiram terminar os estudos é uma chance na vida. O aluno
Gilson ao dizer de sua dificuldade em concluir os estudos básicos, ressalta a satisfação
em retornar os estudos em uma instituição que considera de qualidade. Igualmente
demonstram reconhecer - embora não signifique que tenham consciência das causas -
que as condições de existência desigual lhes cercearam o direito à escolaridade e à
continuidade dos estudos em determinados tempo de suas vidas, e que creem ter no
curso técnico do PROEJA a sinalização de mudanças.
Quando Edson diz: várias vezes eu tentei prova pra cá e nada de passar,
porque era muito difícil, principalmente prá mim que comecei a trabalhar desde cedo,
não só afirma os limites advindos de sua necessidade de luta precoce pela
sobrevivência, como revela os obstáculos de adentrar em uma estrutura institucional
organizada para a oferta de cursos técnicos e tecnológicos a uma clientela que passou
por um itinerário formativo dentro dos padrões regulares estabelecidos pela sociedade
brasileira (FERREIRA, 2012, p. 105). De certa forma, esta manifestação parece
traduzir a realidade que foi sendo assumida pelo IFMA em que a cultura do trabalho
simples e de baixa escolaridade dos trabalhadores, que justificou a origem desta
instituição, foi, gradativamente, sendo superada pela cultura do trabalho complexo, de
base científico-tecnológica, cujo público-alvo compõe-se de jovens em idade escolar
prevista (CIAVATTA, 2012, p. 83).
Ao mencionar, ainda, que o sonho de fazer um curso técnico no CEFET foi
abandonado com o tempo porque viu que era impossível nele entrar evidencio que
Edson reforça as dificuldades que terminam sendo naturalizadas e, por vezes,
alimentadas por sentimento de culpa, por creditar à incompetência pessoal os obstáculos
de alcançar o projeto almejado. Certamente, ainda não conseguiu compreender que tais
limitações têm raízes nas relações desiguais e contraditórias que movem a sociedade do
qual ele é parte. As instituições com seus tempos rígidos e currículos muitas vezes
distantes da realidade de determinados grupos sociais, também trazem peso a esta
152
situação. Favorecer a compreensão das causas que estão por trás da negação da
oportunidade sonhada, e do usufruto do direito conquistado é um desafio que não pode
ser descuidado por um processo formativo, que se diz comprometido com a perspectiva
da cidadania. Portanto, a responsabilidade social de inclusão desse público - jovem e
adulto - com marcas identitárias específicas, não pode ser mais adiada pelo IFMA.
Por outro lado, quando estes interlocutores dizem: estou aqui com um sonho
realizado e desta vez quero continuar até o fim, no caso de Edson; eu também não vou
desistir, mesmo já tendo faltado, ressaltado por Gilson, assim como, confio que estar
aqui é uma grande oportunidade e espero não desistir e sair daqui preparado,
mencionado por Alan, expressam sentimentos de persistência e de esperança.
Pressupõem reconhecer ser este um percurso complexo, que não depende só deles, mas
que fatores externos e internos à instituição podem contribuir ou dificultar este alcance,
como já lhes aconteceu em outras experiências passadas. Embora sem aprofundamento,
de seus relatos emergem resquícios do entendimento de que a negação do direito à
educação, seja pelas condições socioeconômicas desfavoráveis, seja pela oferta irregular
de vagas, ou pelas inadequações do sistema de ensino às suas realidades, requer
enfrentamento e superação. Isso traduz o que é expresso no Documento Base (BRASIL,
2007a, p. 34) que ao denunciar a ausência de sujeitos com o perfil dos estudantes de
EJA na Rede Federal, anuncia que lhe cabe mesmo que tardiamente, repensar as ofertas
até então existentes e promover a inclusão desses sujeitos, rompendo com o ciclo das
apartações educacionais, na Educação Profissional e Tecnológica.
É isso que esses estudantes expressam esperar desta instituição que embora
tenha lhes abrigado por força de Decreto, cabe não só lhes garantir o acesso, mas a
qualidade de ensino possível que favoreça alcançar as intencionalidades que lhes
trouxeram de volta à escola, à custa de sacrifícios de toda ordem. Não perder isto de
vista é fundamental, considerando que não apenas a educação básica tem sido negada,
particularmente a estes jovens e adultos, como também a qualidade de educação
oferecida tem prescindido de elementos fundamentais para lhes potencializar o domínio
das técnicas e a compreensão do mundo em que vivem (CIAVATTA; RUMMERT,
2010, p. 471). Estas perspectivas encontram eco nas considerações de Machado (2011,
p. 20) quando enuncia que os Institutos de Educação, lugar de excelência na formação
profissional do país, ao abrir as portas para a entrada de jovens e adultos trabalhadores,
via PROEJA, passam a assumir o desafio de manter essa excelência com um público
diferenciado do que vinha atendendo.
153
Essa realidade demanda reforçar o que antes foi abordado acerca da função
social da educação a ser ofertada para esses sujeitos, em que muitos pelas necessidades
prioritárias de sobrevivência tiveram que antecipar a entrada no mundo do trabalho, e
que na volta à escola precisam conciliar escolarização e participação no espaço
produtivo. Ao continuar se referindo ao PROEJA Edson diz que quer sair como um bom
técnico, dando ênfase de que o melhor é o fato de ser um curso que tem a parte técnica
com toda parte do ensino médio também, que considera condição importante para que
mais oportunidades lhes abram. Um dos interlocutores menciona que: ao mesmo tempo
em que a gente completa os estudos sai com uma boa profissionalização. É mais
aprendizado na vida acentua Alan. O estudante Gilson ressalta a satisfação, tanto por
estar em uma escola que considera muito boa quanto em um curso em que aspira
aprender tanto a parte de eletricidade como os conteúdos da base geral. Joel reafirma
que esses conhecimentos são muito importantes no mundo de hoje e que, certamente,
contribuirão para qualificar a prática profissional que já possui.
Esses quatro interlocutores discentes expressam expectativas e esperança de
uma boa formação profissional e de mais aprendizagens, levando em conta o curso que
acreditam ter a positividade de lhes possibilitar a profissionalização técnica
integradamente à formação da cultura geral básica. Nas entrelinhas demonstram
reconhecer o avanço perante a profissionalização circunscrita aos parâmetros de
treinamento, com saberes fragmentados e parciais, que permeia a lógica e a prática da
educação destinada ao segmento do qual são parte. Ao se colocarem, revelam esperar
que a apropriação de saberes técnicos revestidos dos princípios teóricos e
metodológicos que o sustentam seja possível. Denotam aspirar que o acesso a estes
saberes lhes viabilize melhores oportunidades em diferentes aspectos. Sendo assim,
além da perspectiva de ingresso/alcance de melhores postos no mercado de trabalho, da
oportunidade de conhecer e participar de outras experiências sociais e culturais, a
possibilidade de estar mais preparado para o vestibular que é também um sonho
(EDSON) se encontra mencionada. Isso expressa que intenciona uma formação em que
a possibilidade de continuidade nos estudos se faz presente.
Em parte essas perspectivas sinalizadas se aproximam do que é proclamada
pelo Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 11) que é a intenção de promover a elevação
de escolaridade com profissionalização no sentido de contribuir para a integração
sociolaboral desse contingente de cidadãos. Este entendimento ganha reforço com
ênfases expressas nos relatos destes estudantes. O que espero mesmo é que nesse curso
154
possa aprender muita coisa, menciona Edson. Para Joel além de melhorar os
conhecimentos na área de eletricidade, espera adquirir muitos conhecimentos nas
outras áreas: de Português, Física, Química, Matemática, de História que, em sua
opinião, são conhecimentos importantes para tudo nessa vida no mundo de hoje,
inclusive para essa profissão. Aproximada a esta compreensão, Gilson manifesta o
desejo de alcançar um bom conhecimento, tanto na parte de eletricidade, como nas
outras matérias que considera ser válido aprender para conhecer melhor as coisas da
atualidade, onde tudo é conhecimento. Já Alan ao acentuar que é mais aprendizado na
vida, complementa dizendo que a gente fica mais respeitado por ter estudo.
As ideias expressas tendem a se aproximar do pressuposto de uma formação
integrada consubstanciada pelo currículo discutido, na medida em que partilham da
expectativa de aquisição de conhecimentos da base profissional de forma integrada aos
conteúdos da formação geral, de modo que lhes propiciem participar em diferentes
espaços da vida social. Ao darem ênfase à apropriação de conhecimentos – entre eles o
da base geral – como possibilidade de melhor apreenderem e compreenderem o mundo
atual, em que o trabalho é parte, parece haver o entendimento de que o nível de
desenvolvimento atingido pela sociedade contemporânea coloca a exigência de um
acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos, sem o que não se pode ser cidadão, isto
é, não se pode participar ativamente da vida da sociedade (SAVIANNI, 1989). Nesse
universo encharcado de ciência, tecnologia e cultura em todos os setores da vida social,
o acesso a tais conhecimentos é condição imprescindível para que possam ser incluídos
socialmente. O aumento da autoestima e o sentimento de ser respeitado por ter estudo
são parte desse universo.
Especialmente a interlocução de Joel quanto à aprendizagem de Física,
Química, Matemática e de História que, em sua opinião, são conhecimentos
importantes prá tudo nessa vida no mundo de hoje, inclusive para a profissão e a de
Gilson que explicita a importância de aprender tanto os conhecimentos de eletricidade
como os das outras matérias, inclusive os de Física e de Matemática que são
fundamentos do curso, revelam perspectivas diferenciadas para a formação. Resquícios
do entendimento de que o saber sobre o trabalho repousa sobre uma sólida formação
básica, em que os conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática são parte,
parecem se manifestar. O desafio que se coloca é o da superação da concepção
conteudista de ensino médio e de uma profissionalização estreita, em que a apropriação
de modos operacionais esteja despida dos princípios teórico-metodológicos que os
155
expliquem. A aquisição articulada de conteúdos, implicados na sólida formação geral e
na formação específica do campo profissional é sinalizada.
Cabe evocar as reflexões de Kuenzer (2001), Frigotto (2000) acerca das
exigências para a formação profissional do trabalhador, que pelas mudanças ocorridas
no mundo do trabalho devem ser capazes de realizar atividades que exigem a criação de
soluções originais para problemas que surgem, a partir do domínio do conhecimento e
de habilidades complexas. A capacidade para lidar com a incerteza, substituindo a
rigidez pela flexibilidade e rapidez, de forma a atender a demandas dinâmicas, que se
diversificam em qualidade e quantidade (KUENZER, 2001, p. 32), repousam sobre
conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais, resultantes da articulação
de diferentes elementos, entre os quais de uma sólida base de educação geral. Contudo
esclarecem, como abordado, que esse nível de exigência não se estende a todos os
trabalhadores dado o caráter de excludência imanente às relações sociais do processo
produtivo capitalista. Ao lado de trabalhadores com uma sólida preparação científica e
tecnológica convivem um grande contingente de trabalhadores precariamente formados,
mas incluídos ainda, por serem responsáveis por atividades igualmente precarizadas,
que também compõem o processo produtivo na atualidade.
Apesar do discurso aparentemente igual da necessidade de um trabalhador de
novo tipo, a realidade de fechamento dos postos de trabalho, do desemprego estrutural,
mostra que a nova pedagogia não é para todos, mas apenas para parcela dos incluídos
(KUENZER, 2001). Alerta, ainda, que é preciso ter claro o projeto educacional a ser
defendido, a serviço de qual sociedade ele se volta. O trabalhador pode ser qualificado
tanto para se ajustar ao processo de trabalho capitalista contribuindo para reproduzir as
relações sociais vigentes, ou, ao contrário, numa perspectiva emancipatória, para
participar como sujeito coletivo na construção de uma sociedade na qual o resultado
da produção material e cultural esteja disponível para todos, de modo a assegurar
qualidade de vida e preservar a natureza (KUENZER, 2001). Considero, como a autora,
que para além da aparente aproximação, há uma diferença fundamental a separar
radicalmente os dois projetos: a concepção de homem e de sociedade que lhes confere
direção.
Implícitas às compreensões expressas estão as aspirações dos sujeitos ao
buscarem o curso sob consideração. Ainda que os relatos indiquem a expectativa de um
processo formativo que prepare para o usufruto de bens culturais diversos, revela-se
unanimidade entre os interlocutores a expectativa das possibilidades de
156
inserção/permanência no mercado de trabalho. Sem descartar o sonho do vestibular
Edson menciona a oportunidade de arrumar um emprego melhor. O desejo desta
oportunidade também é expresso por Joel por crer que vai melhorar os conhecimentos
na área de eletricidade na qual já trabalha há anos. Isso não é diferente para Gilson.
Igualmente Alan expressa a oportunidade de ser mais valorizado como profissional e ter
mais chance no mercado de trabalho. No horizonte desses estudantes o Curso Técnico
Integrado do PROEJA traz a primazia do mercado de trabalho como força motriz que os
impulsiona a retomar os estudos. Isso fica claro na medida em que todos manifestam
acreditar em oportunidades de conquistas de emprego e de alcance de melhores postos
de trabalho.
Posso inferir que as perspectivas manifestadas pelos estudantes expressam
concepções de formação que, no limite, indicam a função a ser alcançada pela educação
que buscam. A educação escolar, como já discutido, tanto pode atender as necessidades
imediatas, como pode cumprir um papel formativo em que esteja para além da
finalidade utilitária. Isso remete a Gramsci (1991, 2001), cuja proposta da escola
unitária deve ofertar uma formação desinteressada, que significa criar as condições para
a apropriação do saber socialmente produzido em contraposição a interesses
imediatistas e utilitários. Esta escola que toma o trabalho como práxis humana se
ocuparia da cultura geral, dos conhecimentos científicos produzidos historicamente e
que são essenciais a toda coletividade para o domínio dos fundamentos da prática do
trabalho social. Só após esta formação os sujeitos passariam a uma especialização
profissional, a uma relação direta com o mundo do trabalho.
Ocorre que este pensamento traz a exigência de que a escola seja, a de fato,
democratizada, que se estenda para todos e não apenas para alguns. Pressupõe que todos
tenham acesso à escola básica e se apropriem dos conhecimentos que a ela cabe ensinar.
O problema, entretanto, está no fato de não termos educação básica universalizada para
todos os sujeitos, não só pela impossibilidade do acesso, mas pelo caráter seletivo
interno dos sistemas de ensino, caracterizados por alto grau de repetência e evasão
(KUENZER, 2001; RAMOS, 2010; CIAVATTA, RUMMERT, 2010), situações essas
que, em parte, explicam a necessidade da EJA na perspectiva compensatória. A
limitação do acesso e da permanência de determinados indivíduos, assim como, da
apropriação dos instrumentos teóricos e metodológicos necessários à compreensão e
elaboração teórica de sua própria prática, como ponto de partida para a apropriação da
ciência, das artes e da técnica (KUENZER, 2001) tem se constituído obstáculo para
157
avanços possíveis na educação de modo geral e, em particular, de jovens e adultos
trabalhadores.
Contudo, é preciso considerar que apesar dos limites, a escola se constitui
espaço o qual trabalhadores jovens e adultos buscam para se apropriar dos saberes
socialmente produzido, em que o saber do trabalho também é parte (KUENZER, 1997,
2001), como ressaltam Girotto, Miguel e Miller (2004) ao se referirem à busca dos
alunos por conhecimentos matemáticos sistematizados no âmbito escolar. Se ter o
trabalho como princípio educativo não significa educação necessariamente
profissionalizante, em uma sociedade como a nossa – de estrutura sócio-econômica e
cultural desigual – a formação geral integrada à profissionalização se impõe como
necessidade a jovens e adultos, como os que foram pesquisados. Por serem parte da
nossa realidade conjunturalmente desfavorável, não podem adiar para depois da
conclusão da educação básica o projeto de profissionalização em suas vidas
(FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005). Portanto, diferente dos que podem ter o
percurso de escolarização traçado linearmente, em que geralmente a educação básica
precede às vivências em espaços profissionais, para estes jovens e adultos a relação
trabalho e educação assume outra dimensão. A manifestação de Ramos (2010, p. 75-76)
é esclarecedora por evidenciar ideias relevantes:
... Para as pessoas que constroem suas trajetórias formativas em tempos lineares considerados regulares, mediante um processo de escolarização que acompanha seu desenvolvimento etário, a educação básica tende a preceder a educação profissional, de modo que a relação entre conhecimento e atividade produtiva seja mais imediata a partir de um determinado momento da vida escolar... No caso das pessoas jovens e adultas que não traçaram sua vida escolar com essa mesma linearidade, ou não podem assim fazê-lo a partir do ensino fundamental – como os jovens que não esperaram pela conclusão do ensino superior para trabalhar – a relação entre educação e trabalho é muito mais imediata e contraditória. Para elas, o sentido do conhecimento não está em proporcionar, primeiro, a compreensão geral da vida social e, depois, instrumentalizá-las para o exercício profissional. Na realidade, muitas vezes, o acesso ou o retorno à vida escolar ocorre motivado pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer.
Creio ser essas razões que justificam a profissionalização ocupando um lugar
de destaque entre estes sujeitos investigados, posto que acreditam que lhes abrirão
melhores possibilidades para inserção/continuidade no mercado de trabalho. O
estudante Gilson menciona que sem ter estudo tudo fica mais difícil nesse mundo de
hoje, principalmente no mercado de trabalho que está cada vez mais fechado. O
interlocutor Joel expressa a esperança de arrumar um emprego melhor ao se habilitar na
158
área de eletricidade em que trabalha há anos. É enfático ao dizer: tenho a prática, mas
preciso estar mais qualificado. A formação para o trabalho se expressa como uma
necessidade imediata, como alternativa para a sobrevivência nesse cenário competitivo
e também como possibilidade de continuidade de estudos O pressuposto de que as
mudanças da base técnica da produção trazem novos requerimentos ao trabalhador, e
que a falta de escolarização não lhes permite arrumar emprego ou alcançar melhores
condições de vida, incitam esses sujeitos a retornarem aos estudos. Muitos pelo trabalho
tiveram que abandonar a escola e, agora, pela necessidade de trabalhar são
impulsionados a ela retornar.
Mais uma vez, chamo atenção para o discurso ideológico de culpabilização dos
indivíduos pelo seu desemprego/emprego precário decorrente da baixa escolarização e
desqualificação profissional, frente às exigências do mercado de trabalho atual.
Prevalece o discurso de que a formação/qualificação profissional será a via para o
enfrentamento do desemprego, desconsiderando as bases estruturais que geram tal
realidade. Esta é uma questão também argumentada no Documento Base (BRASIL,
2007a, p. 11) ao ressaltar o seguinte:
Esses jovens retornam, via EJA, convictos da falta que faz a escolaridade em suas vidas, acreditando que a negativa em postos de trabalho e lugares de emprego se associa exclusivamente à baixa escolaridade, desobrigando o sistema capitalista da responsabilidade que lhe cabe pelo desemprego estrutural.
Considero, então, que os interlocutores discentes, como trabalhadores que são,
demonstram almejar com a participação no curso técnico do PROEJA uma forma de
inserção nesta sociedade marcada pela competição. Isso é compreensível, pois, como
ressalta Ramos (2010, p. 77), a EJA que exclui o trabalho como realidade concreta da
vida desses jovens e adultos não os considera como sujeitos que produzem sua
existência sob relações contraditórias e desiguais. Contudo, não significa reduzir a
educação/escola ao sentido instrumental, como se tivesse o poder de assegurar o acesso
e permanência no mercado de trabalho. Ao tempo que não pode ser ignorada em sua
importância para o enfrentamento das questões colocadas pelo mundo do trabalho, não
pode ser reduzida à instrumentalidade para esse mundo com um sentido economicista
(RAMOS, 2010).
A função social da escola é bem mais ampla, de forma que ao escolarizar e ao
qualificar profissionalmente deve fornecer os instrumentos para o exercício da
cidadania, a qual integra o direito ao trabalho, como expressou Fausto. Como antes
159
alertei, é necessário ficar atento ao discurso que confere à escolarização e qualificação
profissional o status de promotoras da empregabilidade. O processo educativo deve se
comprometer em desmistificar esse senso comum, contribuindo para a compreensão
crítica de que a luta pelo direito a um lugar no mercado de trabalho se dá no campo
mais amplo da sociedade (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005, p. 15), portanto,
além do que a escola pode se responsabilizar. Permitir entender isso é tarefa de um
processo educativo emancipatório, tal qual sinalizam estes mesmos autores.
Proporcionar educação básica sólida integrada à formação profissional, no
sentido de contribuir com a integração social do educando, o que compreende tanto as
possibilidades de continuidade dos estudos, quanto as do mundo do trabalho, sem
resumir-se a ele, é o que se encontra propagado pelo Documento Base (BRASIL, 2007a,
p. 35), assim:
Os sujeitos alunos deste processo não terão garantia de emprego ou melhoria material de vida, mas abrirão possibilidades de alcançar esses objetivos, além de se enriquecerem com outras referências culturais, sociais, históricas, laborais, ou seja, terão a possibilidade de ler o mundo, no sentido freireano, estando no mundo e o compreendendo de forma diferente da anterior ao processo formativo.
O desafio de propiciar a esses alunos que se situem e compreendam o mundo
de forma qualitativamente diferente da anterior à formação, como enfatizaram os
sujeitos Fausto e Elano - com resquícios nos relatos dos discentes - remete a Freire
(1992, 1996) para quem a educação assume a dimensão transformadora e libertadora na
medida em que possibilita que sujeitos históricos construam formas de pensar
autônomas, que propiciem a leitura, a compreensão e a intervenção na realidade da qual
tomam parte. Saviani (2009) fertiliza este entendimento por evidenciar a importância
do acesso aos conhecimentos socialmente elaborados e sistematizados para que possam
passar de uma visão de senso comum à uma visão articulada, científica de mundo, de
modo a assumir uma postura crítica perante esse mundo.
Isso inclui a apropriação dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da
Matemática que são parte do currículo da formação que almejam alcançar e que devem
ser revistos na a-historicidade, fragmentação e dissociação da vida real em que
geralmente são abordados (ARAGÃO 2000a 2000b; CARVALHO, PEREZ, 2001;
SANTOS, SCHNETZLER, 2003; DUARTE, 2006; GERALDO, 2009; CHASSOT,
2011). Implica, portanto, reconhecer a dimensão transformadora da prática educativa
160
escolar ao contribuir com a formação humana dos sujeitos a quem atende, obviamente,
sem desconsiderar os limites que lhe atravessam.
Evidentemente que as expectativas, as demandas sociais e dos sujeitos
individualmente devem ocupar um lugar de destaque, afinal qualquer projeto
educacional deve ter como ponto de partida e de chegada as necessidades e demandas
que lhe conferem legitimidade. Desconsiderá-las expressa o risco de negar a função
social que justifica o ser e o fazer da escola. As necessidades reais dos estudantes de
EJA ora pesquisados - que inclui a demanda por um espaço no mercado de trabalho -
não podem ser ignoradas. Contudo, é preciso ter claro que o possível à escola é
promover o acesso aos saberes científicos, artísticos, tecnológicos e técnicos de forma a
capacitá-los para se inserir, participar e usufruir dos benefícios gerados pelo trabalho,
nessa sociedade atravessada por contradições e, por isso mesmo, passível de ser
transformada.
Portanto, guardadas a dimensão de seus limites, o PROEJA pode oferecer aos
estudantes respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, dialogando
com as concepções formadas sobre o campo de atuação profissional, sobre o mundo do
trabalho, sobre a vida (BRASIL, 2007a, p.36), na medida em que a instituição
educativa que os acolhem, como é o caso do IFMA, cumprir com a sua função precípua
que é a socialização do saber historicamente elaborado e sistematizado.
Assumir, pois, esse processo formativo que implica um currículo que integre
formação geral e profissional, tendo como esteio o trabalho como princípio educativo
em busca da emancipação humana é um desafio que se impõe. Evidentemente que esta
não é uma decisão que se reduz à dimensão didático-pedagógica como antes abordado ,
mas também passa por tal dimensão.
Não dá para desconsiderar que a concepção minimizadora da educação se
encontra permeada por uma cultura institucional que mantém interface com a estrutura
da nossa sociedade cindida e desigual, com rebatimentos na prática educativa/curricular
em que se materializam os processos de formação profissional e a prática pedagógica
que lhe dá direção. A lógica é: se não é possível à escola resolver o problema da
dicotomia entre o trabalho manual e trabalho intelectual que se produz e se expressa no
nível das relações sociais mais amplas, cabe a ela, dentro do possível, buscar construir
uma ação educativa orientada por princípios que possibilitem retomar o que é intrínseco
ao trabalho humano. É essa compreensão que deve orientar o projeto a formação desses
jovens e adultos, de modo a capacitá-los para serem, ao mesmo tempo, político e
161
produtivo e, portanto, em condições de atuar intelectualmente e pensar praticamente
(GRAMSCI, 2001; KUENZER, 2001)
Cada um dos sujeitos, professores e alunos, à sua forma, embasados por suas
experiências, por seus conhecimentos adquiridos em suas trajetórias pessoais e
profissionais, expressaram ideias, pontos de vista, valores, expectativas e perspectivas
que terminam por traduzir concepções sobre o PROEJA, sobre a formação que se
perspectiva para cursos técnicos integrados ao médio, numa proposta de currículo
integrado. Ainda que essas concepções manifestadas expressem não só aproximações,
mas, também, distanciamentos dos pressupostos e princípios que lhes dão esteio, na
minha visão - na medida do possível - apresentam nuances de uma concepção de
formação que não seja a de incluir para excluir pela desqualificação, como alerta
Kuenzer (2005). Mesmo quando apontam na direção de uma formação para o mercado
de trabalho, como foi possível apreender em relatos destes interlocutores, estas não
revelam consonância com a perspectiva de uma formação estreita, destituída de
fundamentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos básicos. Essa contradição
precisa ser levada em conta.
Nesse sentido, a partir da função que lhe confere identidade, urge rever a
relação teoria-prática, dando um novo sentido à organização e ao funcionamento da
escola, com implicações no ensino que nela se desenvolve. A necessidade de uma nova
síntese entre a formação geral e a formação específica, entre o saber teórico e o saber
prático, entre o ensinar e o aprender, que considere as especificidades de jovens e
adultos, a partir de um projeto curricular elaborado e dinamizado coletivamente, se situa
neste contexto. Esta é uma perspectiva que precisa ser construída.
Não perder isso de vista é condição essencial para que a proposta anunciada
pelo Curso pesquisado alcance materialidade no interior dos processos em que a função
social da escola ganha vida, isto é, no ensino e na aprendizagem. O que concebem e
atribuem ao ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática no
âmbito do Curso em que me debrucei é o que apresento a seguir.
(iii) Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática
A reflexão desenvolvida evidenciou que o PROEJA, na versão do ensino
técnico integrado, pressupõe um currículo que estabeleça a integração entre cultura
geral e cultura específica no sentido de uma formação que tenha como perspectiva a
162
vivência de um processo crítico, emancipador e fertilizador de outro mundo possível
(BRASIL, 2007a, p. 32). É por meio do currículo que são possibilitadas uma maior ou
menor aproximação do conhecimento científico com a prática social, desvelando suas
implicações, contradições, limites e possibilidades (KLEIN, 2007). Evidentemente,
como explicitei isso não se reduz à questão de desenho curricular, embora ele também
tenha importância.
A integração proposta, sob um currículo integrado (BRASIL, 2007a, p. 41),
antes explicitada, é de natureza epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de
práticas educativas, que se traduz na relação teoria – prática, entre o saber e o saber
fazer. No aspecto operacional a possibilidade e a exigência desta integração trazem à
tona o ensino, pois é durante esta ação curricular que o professor realiza as mediações
que podem potencializar o estudante a construir no pensamento a unidade do conteúdo
a ser aprendido. Isto quer dizer que é neste processo que devem se realizar as
mediações necessárias entre o conteúdo e a prática/realidade social (VIRIATO,
FAVORETO, KLEIN, 2012, p. 735), com o sentido de favorecer a aprendizagem plena.
‘Ensino’ nesta tese, vale insistir, é entendido como um processo sistemático,
intencional, dinâmico, interdependente e relacional que se dirige para potencializar a
apreensão da realidade por parte do aluno. O fato de ser o foco neste estudo não
significa que o concebo desvinculado da aprendizagem. Ao contrário, assim como
Veiga (2009), compreendo que estes processos – ensino e aprendizagem - estabelecem
relação entre si, sendo imprescindíveis para a formação humana. São processos que se
intercomplementam e se caracterizam pela unidade dialética do papel sistematizador e
mediador do professor, e da auto-atividade discente, expressa pela ação intencional do
aluno de se apropriar do conhecimento veiculado pelo ensino.
A reiteração de manifestações referentes ao ensino, por parte dos sujeitos
pesquisados, com desdobramentos nos diferentes elementos que o compõem, justifica
ser esta uma unidade analítica. Os pontos de vistas, opiniões, significados e valores
que emergiram dos relatos dos interlocutores - professores e alunos - revelaram
confluências, aproximações e distanciamentos das perspectivas e desafios que
perpassam o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, tendo em vista o
alcance da integração que medeia a proposta de currículo integrado enunciada pelo
programa. As manifestações a seguir apresentadas são elucidativas deste
entendimento:
163
É através do ensino que cada um de nós vai contribuir... É claro que deve ser um ensino diferente e não aquele que fique só na transmissão pela transmissão, pois esse ensino não vai fazer diferença... Não é porque tá no papel que ela vai acontecer... A forma como a Física é geralmente trabalhada, desligada da vida dos alunos e dos professores, sem contextualização, ela se torna sem sentido, de difícil compreensão e não vai contribuir com essa formação... Tento ensinar de forma que haja uma compreensão da física de forma diferente que tem prevalecido no ensino... É preciso que haja mudanças... A Física não é isso ... Ela não é como está sendo trabalhada na escola, ela está na vida, no mundo, nas coisas que nos rodeiam.... Não é porque está no papel que as coisas vão acontecer... (FAUSTO, trechos da entrevista). .... Também é necessário um bom ensino mesmo, quero dizer, mudanças no ensino das disciplinas do curso, muita coisa precisa melhorar.... Vejo que o conhecimento Matemático, se bem trabalhado, sempre vai fazer essa integração, pois a matemática está em tudo na vida....(ELANO, trechos da entrevista). Ensinar Química no currículo integrado, como propõe o PROEJA, estou tentando pois não fui formada para trabalhar com alunos da EJA... Mas uma coisa sinto: é um ensino que deve ser diferente...aliás, como você mesmo disse, tem que ser O ensino ...Estou fazendo esse ensino? Estou tentando fazer diferente da turma passada.... Acho que estou conseguindo, levando em conta a resposta dos alunos, a participação deles... (KIARA, trechos da entrevista). A verdade é que precisamos nos preparar mais para fazer um trabalho como é exigido pelo PROEJA.... Fomos formados em um ensino em que aprendíamos as regras, as fórmulas.... Posso dizer, só consumíamos.... Muito tradicional tudo (MARIANA, trechos da entrevista).
Ao se referirem aos desafios de trabalhar os conhecimentos na perspectiva da
formação integrada, os sujeitos docentes expressam entendimentos que coadunam com
a ideia de que o ensino tem um papel imprescindível para que esta integração possa
se efetivar, contudo, dificuldades não passaram despercebidas. Fausto reconhece a
importância desse processo ao ressaltar que é através do ensino que cada um de nós vai
contribuir. Isso também não é indiferente a Elano que adverte ser necessário um bom
ensino mesmo, quer dizer, mudanças no ensino das disciplinas do curso e que muita
coisa precisa melhorar. Tal necessidade não passa despercebida por Fausto que
menciona: É claro que deve ser um ensino diferente e não aquele que fique só na
transmissão pela transmissão, pois esse não vai fazer diferença.... Não vai contribuir
com essa formação. Kiara revela que o ensino deve ser diferente, e apesar da dúvida se
de fato está fazendo esse diferencial, expressa que está tentando e que vê a resposta dos
alunos, a participação deles... Mariana, por sua vez, demonstra reconhecer não ser fácil
realizar um ensino que responda à integração proposta, em decorrência do ensino
tradicional que deu base à sua formação docente.
164
Os interlocutores acima destacados, ao tempo que expressam entendimentos
acerca da importância que o ensino assume no sentido da integração anunciada,
demonstram reconhecer que este processo assentado na visão conservadora, que tem
prevalecido nas escolas não vai dar conta de atender a esta perspectiva. Klein (2007)
ao discutir o conhecimento no currículo integrado ressalta que o ensino de base
tradicional se apresenta problemático, por um lado, por abordar os conteúdos sob um
ponto de vista conservador, reacionário, objetivando conformar os sujeitos ao modelo
social vigente. Por outro lado, por tomar como conteúdo as generalizações,
classificações, regras, leis, fórmulas, ao invés de buscá-los nos fundamentos
elucidadores dos objetos de conhecimento.
Por se caracterizar pela mera transmissão de conteúdos estáticos, prontos,
fragmentados e desconectados de suas finalidades sociais termina comprometendo a
possibilidade de integração entre os conhecimentos da educação geral e da educação
profissional. Isto porque tal perspectiva implica um ensino que tenha como centro
conhecimentos indissociados das diferentes dimensões da vida humana. Por esses
saberes se originarem integrados na produção material da existência, nas relações
sociais e nas práticas laborais, mantêm estreita relações com a vida cotidiana,
trazendo em si implicações sociais, econômicas, tecnológicas, ambientais, entre
outras. Em decorrência, os conhecimentos produzidos e transformados em conteúdos
de ensino devem ser tratados não como produtos neutros, fragmentados, a-históricos,
mas como uma expressão complexa da vida material, intelectual, espiritual dos
homens de um determinado período da história (GASPARIN, 2005, p. 3).
O interlocutor Fausto expressa a necessidade de superação do ensino de
caráter transmissivo ao mencionar que a forma como a Física é geralmente
trabalhada, desligada da vida dos alunos e dos professores, sem contextualização, se
torna sem sentido, de difícil compreensão e não vai contribuir com essa formação...
Mariana, sem ser indiferente a estas dificuldades, diz: fomos formados em um ensino
em que aprendíamos as regras, as fórmulas.... Posso dizer, só consumíamos.... Muito
tradicional tudo. É evidente nestes relatos a percepção do ensino que se ocupa
exclusivamente da exposição de conhecimentos abstratos, descontextualizados,
restringindo-se, do ponto de vista metodológico, à prática da verbalização, pelo
professor, e da memorização, pelo aluno. As críticas que Freire (1986, p. 66) faz à
165
escola tradicional – assentada na concepção bancária de educação – traduzem as
ressalvas destes interlocutores, na medida em que nela o saber é uma doação dos que
se julgam sábios aos que julgam nada saber... Em lugar de comunicar-se, o educador ‘faz’
comunicados e depósitos que os estudantes recebem, memorizam e repetem.
Ensinar os campos de conhecimentos na perspectiva da formação integrada,
ora analisada, é um desafio que se coloca, como pontuam os sujeitos acima. Isso,
principalmente pelo fato de que, historicamente, tem predominado o ensino
fragmentado, centrado no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-
positivista de Ciências, em que os alunos são vistos como seres abstratos,
homogêneos, portanto, negados em suas historicidade e singularidade. Ao atentar
para o que relatam estes sujeitos, encontro em Aragão (2000a, 2000b), Schnetzler
(2011) apoio por evidenciarem que as concepções de conhecimento científico, de
ciência, de ensino e de aprendizagem dos professores têm implicações no modo como
organizam e desenvolvem o ensino. Isto porque há sempre uma concepção
epistemológica, com seus princípios e leis, subjacente a qualquer situação de ensino,
embora nem sempre esteja explicitada e seja quase sempre assumida tácita e
acriticamente.
As manifestações destes interlocutores docentes revelam vestígios de limites
advindos do ensinar Ciências embasado na visão de conhecimento científico em que os
conteúdos de Biologia, Física, Química e Matemática se assentam como verdadeiros,
neutros, inquestionáveis e descontextualizados social, histórica e culturalmente.
Pesquisas demonstram (SCHNETZLER, 1992, 1994; ARAGÃO, 2000a, 2000b;
MALDANER, 2000, DUARTE, 2006; GERALDO, 2009) que apesar de avanços, a
concepção empirista-indutivista ainda tem forte influência no ensino das Ciências da
Natureza nas escolas brasileiras. Esta epistemologia se apoia nas teses de que o
conhecimento científico se constitui uma síntese indutiva do observado, do
experimentado, em que a especulação, a imaginação e a criatividade não exercem
qualquer influência na obtenção deste conhecimento. Sendo assim, as teorias
científicas não são produzidas, mas tidas como descobertas em conjuntos de dados
empíricos, constituindo-se conhecimentos inquestionáveis, neutros, porque livres de
pressupostos ou preconceitos.
166
As contribuições de Cachapuz, Gil-Perez et al. (2011) podem enriquecer esta
reflexão por trazerem à discussão a necessidade de que sejam superadas as visões
deformadas52 da ciência e da tecnologia como requisito para a renovação da educação
científica, tendo em vista a formação de cidadãos conscientes das implicações sociais
destes produtos humanos. Evidenciam que as concepções epistemológicas
inadequadas sobre a natureza da ciência e da atividade científica têm incidido em
obstáculos para uma educação comprometida com a formação de sujeitos críticos,
com espírito científico. Esclarecem que assentados em concepções errôneas os
conhecimentos científicos aparecem como obra de gênios isolados, que os elaboram as
margens das contradições e conflitos que atravessam as relações sociais (CACHAPUZ,
GIL-PEREZ, et al., 2011). Ignorado como produto do trabalho coletivo se eleva ao
patamar de atividade inacessível, privilégio de uma minoria de dotados. A visão
empiro-indutivista e ateórica da atividade científica reforça o papel da observação e da
experimentação ‘neutra’, como caminho para o descobrimento dos conhecimentos,
que resultam da exatidão e objetividade do método empregado. A ciência, os
conhecimentos científicos, portanto, consistem em algo exato, neutro, verdade
inquestionável, incapaz de mudanças.
Quanto aos conhecimentos científicos matemáticos, Fiorentini (1995), Bicudo
(1999) e Duarte (2006) expressam as relações existentes entre as concepções que os
embasam e as práticas pedagógicas decorrentes. Conceber a Matemática em uma
dimensão, seja qualquer uma, traz implicações para os contextos de ensino e de
aprendizagem deste campo de conhecimento. Assim, ao analisarem o que tem
prevalecido na escola vem à tona a concepção absolutista desta Ciência apoiada em
correntes filosóficas da Matemática53, nas quais é vista como uma ciência neutra,
52Cachapuz, Gil-Perez et al. (2011) em estudo realizado discutem as visões deformadas da atividade científica, que se encontram estreitamente relacionadas entre si e que expressam uma imagem ingênua e distorcida do que supõe a construção de conhecimentos científicos, trazendo fortes implicações para o ensino. Ressaltam, entre outras, os seguintes equívocos, visões deformadas quanto às ciências e as tecnologias: uma visão descontextualizada; uma visão individualista e elitista; uma concepção empiro-indutivista; uma visão rígida, algorítima, infalível; uma visão a-problemática e a-histórica; visão exclusivamente analítica; visão acumulativa de crescimento lineal. Essas concepções 53 Pesquisa desenvolvida por Castro e Moraes (2010) acerca das concepções matemáticas de professores em formação traz à discussão a Filosofia da Educação Matemática que tem por base a Filosofia da Matemática. Ressaltam que a Filosofia da Educação Matemática reflete na Educação Matemática nos modos de pensar e atuar sobre os objetos matemáticos e, sobretudo, sobre sua aplicabilidade no cotidiano (2010, p. 76). Discutem as Filosofias Absolutista e Falibilista da Matemática e suas implicações
167
abstrata, independente da ação humana. Essa visão repercute em seu tratamento em
termos de regras, leis, abstrações no ensino, tido como sinônimo de transmitir,
transferir, repetir e memorizar regras, definições. O professor, supostamente, como
único detentor de conhecimentos trata a Matemática desarticulada dos contextos
sociais junto a alunos ‘tábulas rasas’, desconsiderados em seus conhecimentos prévios
e na capacidade de produzir conhecimentos.
Conceber, pois, as Ciências da Natureza- expressas em conhecimentos de
Química, de Biologia, de Física - e os conhecimentos da Matemática nesta dimensão
traz implicações diretas aos processos de ensinar e aprender estes campos de
conhecimentos. Posso, pois, afirmar que estes não se dão apartados da concepção
epistemológica de Ciência, de conhecimento científico, que antes se vinculam a uma
dimensão política que traz em seu seio respostas ao para quê ensinar/por quê
ensinar. Como processos inerentes à prática educativa escolar, constituem-se
expressões e respostas às necessidades pessoais e sociais, portanto, carregam sempre
imanentes intencionalidades. Sendo assim, nunca são neutros, mas sempre ideológicos
e politicamente comprometidos. Isso remete a Freire (1992) para o qual o ensino
consequente com a aprendizagem emancipatória, não pode, pois, descuidar das
dimensões teórico-metodológicas e epistemológicas que constituem a prática
educativa que assume esta direção. Alerta que é necessário romper com práticas
pedagógicas conservadoras, o que implica opção política por um novo projeto
educacional a serviço da formação do ser humano emancipado.
As reflexões sobre as concepções de Ciência e seus decorrentes modelos de
ensino discutidos, permitem mostrar as contradições e incoerências frente às
necessidades de um currículo que efetivamente congregue conhecimentos necessários
na realidade vivenciada na escola. Evidenciam que a Concepção Absolutista expressa nas correntes do pensamento filosófico da Matemática, a saber: Platonismo, Logicismo, Formalismo e Intuicionismo. O Platonismo, originária do pensamento de Platão, com colaboração de Aristóteles, prega que o conhecimento matemático é puramente intelectual, sem a participação dos sentidos. Seus objetos são imutáveis, porque bem determinados, com propriedades fixas e particulares, existentes fora do espaço e do tempo. O Logicismo apoiado principalmente em Gottfried Leibniz (1646 – 716), Gottlob Frege (1848 – 1925) e Bertand Russel (1872 – 1970), por princípio, tenta reduzir a Matemática à lógica e, assim, à teoria das formas vazias do pensamento correto. Leibniz elege o cálculo lógico como instrumento indispensável ao raciocínio dedutivo. O Formalismo que tem em David Hilbert (1862 – 1943) seu principal expoente se apoia no entendimento de que não existem objetos matemáticos e a Matemática se resume a axiomas, definições, teoremas e fórmulas. O Falibilismo, por sua vez, tendo o matemático, físico e filósofo Imre Lakatos (1922-1974) como um dos principais expoentes, pressupõe a substituição da crença da verdade absoluta da Matemática pela verdade relativa, desvelando que o pensar matemático é passível de erros e revisões.
168
à emancipação da classe trabalhadora. A proposta de formação com um currículo
integrado, formalmente anunciado pelos documentos reguladores do PROEJA, por ter
como esteio o trabalho como princípio educativo, traduzido na relação indissociável
entre as dimensões básicas da vida humana - o trabalho, a ciência, a cultura e a
tecnologia - na direção do ser humano omnilateral, exige um ensino assentado em
nova concepção de Ciência. Com efeito, passa a ser concebida como conhecimento
elaborado pelos seres humanos em suas práticas sociais, que carrega consigo as
marcas próprias da época, do lugar e da história em que foi produzido.
O entendimento de Ramos (2010, p. 49–50) traz fertilidade a este
entendimento por definir Ciência como:
... Conhecimentos produzidos e legitimados socialmente ao longo da história, como resultado de um processo empreendido pela humanidade na busca da compreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais. Nesse sentido, a ciência conforma conceitos e métodos cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos.
Na mesma direção, Carvalho e Gil-Pérez (2000, p. 24) ressaltam que fazer
Ciência é muito mais que o se trancar em uma torre de marfim, por envolver
aspectos históricos e sociais e exigir tomada de decisões. A esse respeito esclarecem
que:
O trabalho dos homens e mulheres de Ciências – como qualquer outra atividade humana – não tem lugar à margem da sociedade em que vivem, e se vê diretamente afetado pelos problemas e circunstâncias do momento histórico, do mesmo modo que sua ação tem uma clara influência sobre o meio físico e social em que se insere.
Em contraponto à concepção anterior, a Ciência é entendida como atividade
humana, que surge das necessidades históricas e sociais a que o homem tem que
responder, e nesse movimento transforma e é transformada. Apoiada em uma visão
histórica e problemática constitui conhecimentos sistematizados, elaborados ao longo
da história a partir de problemas que geraram sua produção, o que rompe com a ideia de
que os conhecimentos seriam já construídos e o homem apenas os descobre. Perpassada
pelo inesperado, pela dúvida e criatividade foge de uma concepção baseada em um
método rígido, em um conjunto de etapas com um controle quantitativo rigoroso. Não
se trata de conhecimentos neutros, descontextualizados, lineares e puramente
cumulativo, mas de conhecimentos científicos vivos, abertos, provisórios, porque
sujeitos a mudanças e reformulações.
169
Ao se manifestarem acerca do tratamento destes campos científicos – na
forma de conteúdos escolares - na perspectiva da formação integrada, nesta tese
discutida, tanto os sujeitos Fausto quanto o Elano expressam nuances de concepções
de conhecimentos de Matemática e de Física para além da raiz positivista, com
resquícios de características da concepção acima abordada. Em seu relato Fausto faz a
seguinte menção: Tento ensinar de forma que haja uma compreensão da Física de
forma diferente... A Física não é isso.... Ela não é como na maioria das vezes está sendo
trabalhada na escola, ela está no mundo, nas coisas que nos rodeiam... Elano, por sua
vez, ressalta que o conhecimento matemático, se bem trabalhado, sempre vai fazer
essa integração, pois a matemática está em tudo na vida.... Acrescenta o seguinte,
trazendo registro de suas experiências:
Aprendi a Matemática como uma coisa muito fechada, longe da realidade, aquela coisa só de cálculo pelo cálculo... Os considerados os ‘bons’ iam longe, e a grande maioria nada... Procuro fazer um caminho diferente do que vivi... A Matemática não é o bicho papão.... Tem cálculo sim, tem coisas que são abstratas, mas não pode ser vista como uma coisa que é distante da realidade. A Matemática está em tudo na vida.... Eu até desafio os alunos: vocês são capazes de me dizer alguma coisa em que o conhecimento matemático não esteja presente? Eles não conseguem dizer, aliás, ninguém consegue dizer. É importante que eles pensem assim... E para que isso aconteça é preciso que sejam criadas as situações.... Por exemplo, os números complexos que são abstrações, mas ali estão eles nas correntes elétricas contínuas, nas correntes elétricas alternadas... Eles vão entender que estes conhecimentos têm um sentido... (ELANO, trechos da Entrevista)
Este interlocutor, ao mesmo tempo que denuncia o viés de ciência absoluta, a
Matemática da ‘abstração’ desvinculada da realidade exterior que marcou sua
experiência de escolarização, realça o caráter discriminatório que perpassa esta
Ciência, por vezes descrita como inalcançável, como privilégio de acesso para os
poucos ‘bens dotados’. A problemática da discriminação é uma realidade que tem
marcado a subjetividade de sujeitos da EJA, muitas vezes considerados incapazes de
aprender os conteúdos a serem ensinados na escola, especialmente os ‘ditos’ de
grande complexidade e, portanto, inacessíveis a eles que tiveram, por vezes, que se
distanciar da escola. A exemplo de Elano, Castro e Moraes (2010) alertam com relação
à postura discriminatória que perpassa o saber e o fazer no âmbito do ensino da
Matemática. Ressaltam que os nexos que este campo de conhecimento estabelece
com a realidade são perceptíveis e que devemos ter claro que ninguém pode ser
170
excluído deste conhecimento sob o risco de estarmos fazendo de sua utilização
instrumento de discriminação e segregação. A forma como a Matemática
historicamente tem sido tratada tem conduzido a isto.
Os relatos desses sujeitos deixam transparecer o compartilhar que os
conhecimentos de Física e de Matemática ganham sentido por se encontrarem
vinculados à concentricidade da vida. Fausto relata que busca ensinar de modo que os
conhecimentos de Física sejam apreendidos de forma diferente, uma vez que estes
estão no mundo, nas coisas que nos rodeiam. Manifesta entender que estes se
encontram impregnados nas situações do cotidiano próximo que são parte da prática
social global. O interlocutor Elano expressa que o apreender determinados objetos
matemáticos requer abstrações, operações mentais complexas, o que não significa que
deva ser subtraído das relações que, inevitavelmente, estabelecem com a vida, com o
mundo do qual se originam. Afinal, como diz este sujeito, a Matemática está em tudo
na vida, na realidade, e como construção humana se volta para compreender, explicar
e agir sobre esta realidade. É necessário que sejam criadas situações para a
apropriação da concretude destes saberes, ressalta Elano. A meu ver, emerge destes
relatos, o esforço dos docentes em retornarem estes conhecimentos separados da
vida real pelo princípio da fragmentação da ciência positivista, ao contexto da
realidade, do mundo vivido, isto é, ao lugar onde eles fazem sentido e podem ser
compreendidos.
Revelam, pois, vestígios de um novo posicionamento, uma outra atitude em
relação ao ensino, coerente com a concepção de conhecimentos de Ciências e de
Matemática que expressam. Os saberes passam a ser compreendidos imbricados às
práticas sociais, aos elementos presentes no acontecer da vida. Isso remete a Saviani
(1999) para o qual a escola não deve se ocupar de qualquer conteúdo, mas de
conteúdos vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. Essa é a
perspectiva a ser alcançada na intenção de possibilitar uma formação em que trabalho
e educação se unifiquem, por meio de um currículo integrado que dê unidade aos
conhecimentos básicos - entre os quais os de Química, Física, Biologia, Matemática - e
aos conhecimentos técnicos profissionais, tendo em vista formar não apenas técnicos,
mas pessoas que compreendam criticamente a realidade e atuem profissionalmente,
de forma competente.
171
Ao considerar as questões discutidas posso afirmar que organizar e trabalhar os
conhecimentos científicos, estruturados em conteúdos escolares, na feitura de um
currículo integrado não é um processo que se realiza a priori, como expressaram os
interlocutores desta tese em seções anteriores. A integração pressuposta pelo PROEJA,
como abordei, tem o trabalho como princípio educativo, focando no sujeito trabalhador,
considerado como construtor de novas possibilidades de intervir de forma crítica no
enfrentamento da exclusão educacional e social.
Se esta integração traz as noções de ‘unificar nível’ e ‘modalidade de ensino’,
de integrar as disciplinas do Ensino Médio às da Educação Profissional e de
operacionalizar esta integração no processo de ensino e aprendizagem, certamente, além
de outros aspectos, é necessário por parte de quem a operacionaliza o domínio do que
seja a integração proposta pelo PROEJA e da opção teórica e metodológica para poder
assegurar a unidade dos conteúdos, numa dimensão transformadora (VIRIATO;
FAVORETTO, 2010), tendo em vista a formação do cidadão trabalhador anunciado. As
concepções de integração que emergem dos relatos dos sujeitos a seguir, expressam a
complexidade e os desafios que perpassam o processo formativo que traz a intenção de
integrar como fim, senão vejamos:
.... Eu tive o maior interesse de saber sobre a área de Eletrotécnica, prá saber onde estava trabalhando e em que poderia contribuir... É bem assim... Não tem um jeito só... Procuro integrar os conhecimentos de Química com os conhecimentos da parte profissional... Preocupo-me em estar conversando com os outros professores do curso para poder fazer isso, mesmo fora dos nossos momentos de encontro. Com uns dois da Eletrotécnica tenho grande aproximação, pois estamos sempre conversando e trocando a respeito dos conteúdos a serem trabalhados em que uns complementam e fundamentam os outros. Tento trabalhar os conteúdos de Química para integrar os conteúdos das disciplinas da Eletrotécnica, no que for necessário de conhecimento químico... e claro com as outras disciplinas também... (KIARA, trechos da entrevista). ... A Física tem importância para a formação integrada, pois como já falei, ela vai contribuir com a formação para a cidadania e o trabalho, principalmente neste curso... Veja só, a base do Curso de Eletrotécnica é a Física... Sei disso, pois fiz o curso de Eletrotécnica nesta instituição e vejo a importância destes conhecimentos para fundamentar os conhecimentos específicos desta área.... Aliás, deixa a aula mais rica, pois todas as duas áreas terminam se fundamentando... Por conhecer bem esta área não tenho dificuldades de fazer esta integração da minha disciplina com outras da área das Ciências da Natureza, da Matemática, com as disciplinas específicas da Eletrotécnica e isso sai naturalmente... Além do mais, às vezes os próprios alunos que já tem experiência na área perguntam, questionam, terminam ajudando muito.... Assim a gente forma para a cidadania e para o trabalho como já falei.... É através desses conhecimentos (FAUSTO, trechos da entrevista).
172
.... Contribuir com a formação integrada no ensino da Matemática.... Os conhecimentos da Matemática devem estar integrados com os conhecimentos da parte profissional, e claro com todos os outros.... Os conteúdos já são integrados o que falta é de fato todos saberem isso e fazer tudo para o aluno também aprender assim... Ensinar em um currículo integrado é isso... É integrar os conhecimentos com a vida, no caso aqui é como já falei, a matemática está em tudo.... É levar os alunos a raciocinar, buscar respostas para problemas e não decorar as regras e fórmulas... E integrar a teoria e a prática, os conhecimentos dos alunos com os das disciplinas, o professor e os alunos.... Os conteúdos sempre acabam sendo integrados.... (ELANO, trechos da entrevista).
E a integração? Como fazer? Bem como falei acho que esse é uma questão que precisa ser melhor trabalhada entre nós, mais planejada com a participação de todos...... E não tem que ser todos na mesma direção para a formação destes alunos? Estou procurando fazer o que acho melhor, dentro das possibilidades.... Uma coisa que considero importante é integrar os conhecimentos da minha disciplina com os conhecimentos dos alunos, pois termina mexendo com a turma e até os que participam pouco terminam dando opinião.... Procuro agir dessa forma. (MARIANA, trechos da entrevista)
Cada interlocutor a partir da história que vive e da experiência que acumulou
expressa, a seu modo, a concepção de integração que acredita, a qual traz implicações
para a ação pedagógica que realiza, tendo em vista o alcance do propósito a qual se volta.
No esforço de expressar seu entendimento sobre integração na perspectiva do
programa, Kiara dá destaque à visão de conjunto do curso ao dizer que: Eu tive o maior
interesse de saber sobre a área de Eletrotécnica, para saber onde estava trabalhando e
em que poderia contribuir. Transparece em seu relato que busca combinação conjunta do
andamento da disciplina Química com outros professores, principalmente com uns da
Eletrotécnica com os quais está sempre conversando e trocando a respeito dos
conteúdos a serem trabalhados em que uns complementem e fundamentem os outros.
Isso se reforça quando expressa que tenta trabalhar os conteúdos de Química para
integrar os conteúdos das disciplinas da Eletrotécnica no que for necessário de
conhecimento químico, e com as outras disciplinas também. Denota reconhecer que os
conhecimentos não são isolados, especialmente quando exemplifica situações em que o
dialogar dos conteúdos entre si é imprescindível, como abaixo segue:
Por exemplo, a disciplina Física é uma disciplina importante para o Eletrotécnico.... Eles precisam, por exemplo, saber o que é um átomo, o que é um elétron, então eles devem ter esse conhecimento básico. Eu uso os conhecimentos da física, os conhecimentos de cálculo matemático, por exemplo, para fazer os cálculos estequiométricos... (KIARA, trechos da entrevista).
173
É inegável a positividade de a interlocutora visualizar que os conhecimentos da
disciplina que ministra e outros entre si dialogam, não estão isolados. Para possibilitar
esse diálogo busca potencializar situações de trocas com outros professores visando
tornar o seu saber e o seu fazer mais preparado, o que denota compromisso com a
atividade assumida. Entretanto, ainda que a interação entre os profissionais seja
importante, a integração não pode ficar condicionada às iniciativas e disponibilidades de
encontros casuais para criar situações da mesma acontecer. Isso não é o suficiente para
que as partes do todo possam se integrar. A meu ver, esta busca de integração espontânea
junto aos colegas com os quais mantém bom relacionamento, deixa transparecer que os
espaços de formação e planejamentos coletivos já vivenciados não foram suficientes para
assegurar o caráter integrador que requer a proposta do curso pesquisado. O que o
Documento Base (2007a) orienta é que deve ser uma construção coletiva e solidária, de
modo que seus sujeitos incorporem a concepção pretendida e sejam criadas as situações
favoráveis à sua efetivação. Portanto, deve se dar para além de iniciativas individuais e
esporádicas.
A integração entre os conhecimentos que compõem a base geral – como o caso
de Química – e os da base profissional, se justifica por serem estes indissociáveis das
diferentes dimensões da vida, uma vez que se originaram integrados às práticas laborais
e demais relações sociais e, por isso, não têm como estar dissociados. Portanto, como
parte do currículo esses conhecimentos - organizados como conteúdos escolares -
assumem uma função pela especificidade dos conceitos, teorias e métodos que os
constituem, consoantes com a intencionalidade que lhes dá direção. Isso significa que
ao ser definido o projeto curricular de curso cada campo de conhecimento tem um
sentido para nele se encontrar, tendo em vista o alcance dos objetivos a que se volta, que
devem estar claros para todos os envolvidos desde seu planejamento ao percurso de sua
materialização. A esse respeito, Fazenda (1992) alerta quanto ao real sentido da
interdisciplinaridade que não pode ser algo artificial, mas uma necessidade. Esclarece
que por ser a prática social uma totalidade integrada, os conhecimentos que nela se
produzem também o são, portanto, o trabalho interdisciplinar se apresenta como uma
necessidade de que isso seja explicitado, tanto na produção do conhecimento quanto nos
processos educativos e de ensino.
Nesse sentido, a integração no currículo tem a ver com a postura assumida
perante os conhecimentos, sejam eles da formação geral ou da formação profissional.
Sem desconsiderar os momentos/espaços coletivos, ou até como decorrente disso, cada
174
professor, como os de Química, Biologia, Física e de Matemática, a partir do lugar que
ocupa no processo formativo deve tratar os conhecimentos na perspectiva de totalidade,
em seus fundamentos explicativos, de forma que os conteúdos trabalhados contribuam,
simultaneamente, tanto para a formação básica como para a formação profissional a que
se volta. Não se trata de somar conhecimentos, nem de unificar o que não é
unificável, mas de considerar a complexidade e a pluralidade da realidade e dos
fatos, em suas múltiplas facetas de olhar e compreensão (MORIN, 2002). Ou seja,
não significa reduzir as disciplinas da formação geral à posição de instrumentais à
formação profissional, nem de somatório, ou subordinação de conhecimentos uns aos
outros, mas de assumir uma postura epistemológica, assentada nos princípios da
interdisciplinaridade, da contextualização e na visão totalizante da realidade (RAMOS,
2008), de forma a resgatar a ciência na sua inteireza, como construção histórica mediada
por valores e interesses de caráter social, assumindo um caráter transformador.
Para Fausto, a integração passa pelo lugar que a Física ocupa na matriz do
curso e pelo objetivo ao qual seu ensino se volta que é contribuir com a formação para
a cidadania e para o trabalho. Manifesta, assim, pertinência com a concepção antes
expressa que os conhecimentos físicos são vivos e dinâmicos. Portanto, não podem ser
tratados desligados da vida, descontextualizados, sob o risco de se tornarem sem sentido
e não contribuírem para a formação coadunada com a ampliação da leitura de mundo e
com a participação, de maneira engajada, nas atividades sociais e profissionais. Ao
expressar que a base científica do Curso de Eletrotécnica é a Física, esse sujeito
evidencia a importância deste campo de conhecimento no processo formativo em foco.
Como componente do currículo do curso constitui fundamento científico básico que não
pode ser abstraído da formação pretendida.
A integração entre os campos de conhecimentos que constituem as bases da
formação é expressa por este interlocutor que traz sua própria experiência de Técnico
em Eletrotécnica para exemplificar diferentes possibilidades de integrar os
conhecimentos científicos e técnicos entre si no percurso formativo. A esse respeito
evidencia que:
Veja só, a base do Curso de Eletrotécnica é a Física.... Sei disso, pois fiz o curso de Eletrotécnica nesta instituição e vejo a importância destes conhecimentos para fundamentar os conhecimentos específicos desta área.... Aliás, deixa a aula mais rica, pois todas as duas áreas terminam se fundamentando... A Eletrotécnica estuda os efeitos da eletricidade e quem estuda a eletricidade é a Física.... Então, não tem como trabalhar os s
175
conteúdos como Movimento, Eletricidade, Força, Energia, Trabalho, Escalas, Temperatura, Calorimetria sem que não estejam integrados aos conhecimentos de Eletricidade, Comandos Elétricos, Máquinas Elétricas e assim por diante.... (FAUSTO, trechos da entrevista).
Nesse relato deixa transparecer certa autonomia no tratamento dos conteúdos,
decorrente do domínio que advém de sua formação de técnico em eletrotécnico, que
possibilita fazer a vinculação dos conhecimentos físicos com outros campos de
conhecimentos do curso, especialmente os da formação específica, sem descaracterizá-
los em suas especificidades. Corrobora esta compreensão ao se referir no seguinte: Por
conhecer bem esta área não tenho dificuldades de fazer esta integração da minha
disciplina com outras da área das Ciências da Natureza, da Matemática e com as
disciplinas específicas da Eletrotécnica e isso sai naturalmente. Explicita, pois, que
busca, ao ministrar a disciplina Física, relacionar conceitos que são comuns a outros
campos curriculares do curso, especialmente ao campo profissional, no sentido de
aprofundá-los, esclarecê-los, fundamentá-los.
Isso tende a reforçar o discutido por Moura (2008)54 acerca da necessidade e a
importância dos docentes de Cursos Técnicos Integrados do PROEJA - sejam de
qualquer campo científico - terem, junto com os saberes docentes, visão do mundo do
trabalho e do campo profissional em que irão lecionar, para que possam estabelecer
conexões entre as disciplinas que ministram, o mundo do trabalho e a formação
profissional específica, contribuindo, assim, para diminuir a fragmentação do currículo.
Demanda-se, pois, que cada docente tenha não somente uma visão de conjunto do curso,
mas das implicações práticas que esta visão traz para o dia a dia da sala de aula.
A inevitável integração entre os campos científicos da educação básica e da
profissional como pressuposto da formação discutida, também é ressaltada pelo Elano
ao mencionar que os conhecimentos da Matemática devem estar integrados com os
conhecimentos da parte profissional, e, claro, com todos os outros. Ao tempo que
expressa esta indissociabilidade evidencia lacunas e compromissos a serem assumidos
quando relata: o que falta é de fato todos saberem isso [que os conteúdos já são
integrados] e fazer tudo para o aluno também aprender assim... No que diz respeito à
inter-relação de conteúdos apresenta exemplos em que diferentes situações de diálogos
de conceitos se explicitam, como a seguir:
54Na seção que trata do Planejamento Coletivo e da Formação Continuada
176
... Os conteúdos sempre acabam sendo integrados.... Por exemplo, na Biologia, quando eles chegam naquela parte de genética eles precisam de um conteúdo chamado probabilidade e dentro dessas probabilidades tem a análise combinatória.... Na Química, as quatro operações são fundamentais para cálculo estequiométricos, as quatro operações com inteiros e decimais são fundamentais... Na Geografia, temos contribuição de René Descartes que fez os planos cartesianos e hoje com a evolução nós temos o G.P.S que nos localiza em qualquer ponto no mundo... Na parte de circuitos elétricos precisam além da função em si, dos cálculos das funções, da parte de trigonometria... Instalações elétricas prediais e a parte geométrica do que cada prédio precisa... Então eles terão que ter esse conhecimento pra trabalhar nessa confecção de instalação com o mínimo de material possível pra não haver desperdício de fio, de fitas, de interruptores, de conectores, então eles tem que calcular primeiro a área e ver aonde vai levar menos material a ser consumido... Se a gente faz quando necessário essa inter-relação contribui para que os conteúdos sejam melhor entendidos. (ELANO, trechos da entrevista)
A partir do que relatam estes interlocutores é possível perceber que a inter-
relação entre conteúdos das disciplinas do curso é parte do entendimento de integração
que assumem, expresso nos exemplos em que conteúdos tanto das disciplinas da base
geral como da base profissional dialogam entre si. Conforme já discutido, a perspectiva
de integração curricular implica uma proposta capaz de articular a teoria e a ação
sustentadas no e pelo princípio educativo do trabalho, o que remete a Gramsci (1991,
2001) que propõe uma formação unitária por meio da articulação entre ciência, cultura e
tecnologia. Se os conteúdos reúnem dimensões conceituais, científicas, históricas,
econômicas, políticas, culturais, que devem ser explicitadas e apreendidas no processo
ensino-aprendizagem, significa que devam ser abordados de diversos pontos de vista, o
que requer conhecimentos pertinentes a mais de um componente ou área curricular. Isto
quer dizer que para haver uma compreensão mais abrangente e aprofundada é preciso
envolver necessariamente diversos conhecimentos, situados nos diferentes campos que
compõem o currículo, de forma que estes sejam explorados em suas múltiplas
dimensões.
As manifestações de Fausto e de Elano acerca do integrar a base científica com
a base técnica do curso parecem expressar subsídios que remetem aos pressupostos de
integração presentes no Documento Base (2007a), e nas contribuições de Ramos (2005,
2008) e Machado (2006b) os quais discutem que no PROEJA a educação geral deve ser
tratada como parte inseparável da educação profissional, assumindo uma visão mais
abrangente de formação. Ramos (2005, p. 121) ressalta que no currículo integrado
nenhum conhecimento é só geral, por estruturar objetivos da produção, nem somente
específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamente pode ser formulado ou
compreendido desarticulado da ciência básica. Portanto, o pretendido é que os
177
conteúdos da base geral - como no caso dos da Física, Química, Biologia e Matemática
- sejam tratados e compreendidos de forma histórica, contextualizada e explicitados em
seus potenciais produtivos no campo da Eletrotécnica, e, ao mesmo tempo, que os
conhecimentos específicos da Eletrotécnica estejam vinculados aos fundamentos
explicativos destes saberes denominados gerais (MACHADO, 2006b; RAMOS, 2005,
2008).
Os exemplos apresentados por estes interlocutores, que revelam inter-relação
entre os conceitos científicos, podem ser indicativos de avanços, ou não, de suas
práticas de ensino na área das Ciências da Natureza e da Matemática, considerando o
que propõe o programa. Para constituir avanço implica que a relação teoria e prática
seja o eixo condutor da abordagem/apropriação destes conteúdos, de forma que sejam
apreendidos contextual e interdisciplinarmente. Cabe atentar para a concepção
equivocada de integração que expressa uma compreensão distorcida de
interdisciplinaridade. Isso se traduz no enlaçamento superficial entre os conteúdos, em
que se envolvem diversos conceitos de diferentes campos curriculares sem que sejam,
de fato, estabelecidas relações mais consistentes entre eles. Ademais, integração não se
reduz à interdisciplinaridade.
Se integrar implica tornar inteiro, compreender as partes no seu todo e tratar a
educação como uma totalidade social (CIAVATTA, 2005), visto antes, significa que no
ensino os objetos de conhecimentos deverão ser abordados na sua totalidade, o que quer
dizer não fragmentado, sem disposição etapista dos conteúdos que lhes dizem respeito
(KLEIN, 2007) visando à perspectiva emancipatória da educação. O ideal a ser
alcançado é de integração das dimensões formativas dos sujeitos, de apreensão das
diversas faces sociais que os conceitos carregam consigo, e não de integração
superficial entre as disciplinas, entre seus conceitos.
Ao considerar os relatos desses sujeitos em sua totalidade arrisco pressupor que
a concepção de integração expressa tende apontar na direção contrária da
superficialidade, ainda que não seja de todo satisfatório, considerando os limites que
enfrentam e explicitam no percurso da prática formativa que vêm vivenciando, como
disseram. Apesar dos receios manifestados por estes interlocutores frente ao desafio de
trabalhar nos marcos apregoado pela formação em pauta, transparece indícios de uma
prática que busca, mesmo com obstáculos, se aproximar do que está proposto. Fausto
reforça o entendimento que por meio da integração destes conhecimentos vislumbra a
possibilidade de uma formação que integre cidadania e trabalho. Elano ressalta que
178
procura integrar os conhecimentos com a vida, a teoria com a prática, levar os alunos a
raciocinar, buscar respostas para problemas e não decorar as regras e fórmulas. Isso
parece se manifestar no relato dos estudantes quando se referem ao que vivenciam nas
disciplinas das Ciências da Natureza e da Matemática, como se vê a seguir:
A gente chega e as vezes a achar que não vai aprender.... Tem hora que fica muito difícil mesmo... Pelo menos eu sempre tive dificuldade em Matemática, em Física e Química também. E aí, por exemplo, quando o professor pergunta se a gente é capaz de dizer onde não existe Matemática, ninguém consegue mesmo... Mas, por quê? Por que ela está em tudo e em todos os lugares como nós mesmo vimos... Mas para falar a verdade nunca tinha pensado nisso... Foi uma coisa muito simples que ele perguntou e nos mandou pensar sobre isso.... Os cálculos que estão em todas as coisas da nossa vida, nas compras que a gente faz, nas contas que a gente paga, na hora de fazer as plantas das instalações elétricas.... Nos cálculos que a gente tem que fazer para sobreviver com tão pouco que a gente ganha... A gente vê que a matemática serve é prá vida da gente... (LUÍSA, trechos do grupo focal). .... Os conhecimentos estão na vida porque eles servem pra resolver problemas... por exemplo quando contavam os animais ainda na idade antiga, e que os números... também a matemática pra facilitar as navegações e que hoje tem o GPS, as máquinas de calcular...A gente aprende muita coisa... (FÁBIO, trechos do grupo focal). .... Todas elas (as disciplinas) têm sido boas.... Nas aulas botam pra gente participar bastante, pesquisar e isso é que vai fazer com que a gente se torne um Eletrotécnico de verdade... Por exemplo, eu já sabia que os raios, o ferro de passar têm eletricidade, quem não sabe? No secador também... Mas com as aulas de Física em que vimos eletricidade... A gente vê que toda eletricidade é Física.... Vai estudando calorimetria, movimento e passa a entender melhor aquilo que a gente já faz principalmente para quem já está na profissão.... A gente pergunta, tira dúvidas, e isso é muito importante para nossa profissão de técnico, na hora de trabalhar com os motores, ver as correntes elétricas, análise de circuito...ficamos mais preparado por que tem a teoria e a prática juntas e isso dá mais segurança no trabalho e nas outras coisas ... (JOEL, trechos do grupo focal)
É possível perceber no que manifestam estes interlocutores o ensino tendente a
ampliar os estudos para além da memorização dos conteúdos, com vestígios de provocar
nos alunos novas significações e instrumentos de análise diante dos objetos. Subjaz que
os conhecimentos cotidianos e o conhecimento científico mediados pelos professores
passam a fazer sentido para esses sujeitos, na medida em que evidenciam que os
assuntos das aulas já estão presentes na prática social, como parte constitutiva dela. A
estudante Luísa diz que conseguiu apreender que os cálculos estão nas situações do dia
a dia, nas compras que a gente faz, nas contas que a gente paga, na hora de fazer as
plantas das instalações elétricas.... Nos cálculos que a gente tem que fazer para
sobreviver com tão pouco que a gente ganha... O interlocutor Joel realça os
conhecimentos físicos presentes na vida, expressando que estes mediados por situações
179
participativas possibilitam sua apreensão integrada aos conhecimentos profissionais, o
que contribuirá para uma prática mais qualificada. Em seu olhar, isso é importante para
que fiquem mais preparados, adquiram mais segurança no trabalho por que tem a
teoria e a prática juntas. Expressam vestígios da contextualização dos conteúdos, de
modo que passam a ser percebidos integrados a situações cotidianas, datadas e situados.
Essas manifestações remetem ao que é discutido por Machado (1989), Kuenzer
(2001), Ramos (2010), Zanon e Maldaner (2011), que a integração pressupõe explorar
os conhecimentos interligados na concretude da vida, de forma que sejam
compreendidos como produção histórico-social advindos das necessidades humanas, e
assim passem a ter significado. Cabe, portanto, à escola em face da realidade social e do
trabalho contemporâneo possibilitar a compreensão e aplicação dos princípios
científicos, tecnológicos e dos fundamentos sócio-históricos subjacentes à atividade
para o qual o sujeito está sendo formado. Trata-se, pois, de possibilitar a prática de
refletir sobre os fatos e acontecimentos no espaço profissional e em outros, como
interligados e constituídos de múltiplas determinações. Isso requer um processo em que
teoria e prática se alimentem e se revigorem mutuamente. Esse é um desafio que
precisa urgentemente ser assumido, pois a formação politécnica se mostra necessária à
relação crítica, ativa e criativa com o mundo social e profissional, posto que visa não
somente a formação de operários qualificados, mas de dirigentes da classe trabalhadora
(GRAMSCI, 2001).
A integração entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos dos
estudantes jovens e adultos passa a ocupar espaço no processo educativo, considerando
o relatado pelos interlocutores. Parece se explicitar a compreensão de que estes
estudantes acumulam experiências e saberes que devem ser valorizados, sinalizando
viabilizar um ambiente de trocas e de aprendizagens mútuas. Kiara, ao tempo que narra
o receio de quando iniciou a atividades no PROEJA, reconhece que estes estudantes
apresentam limites e dificuldades, mas que trazem experiências ricas para as aulas....
Eles são muito interessados, têm sede de aprender e isso é estimulante. Por sua vez,
Elano faz a seguinte menção:
.... Alguns têm mais dificuldades que outros, mas ninguém chega aqui zerado... Todos de alguma forma têm conhecimentos que devem ser aproveitados nas aulas.... Busco integrar os conhecimentos dos alunos com os das disciplinas, o professor e os alunos... .... Eu sempre procuro saber o que eles já sabem sobre o que vai ser ensinado.... Eles são curiosos, interessados e
180
termina sendo um grande aprendizado para todos (ELANO, trechos da entrevista).
O manifestado por estes interlocutores remete a Freire (1986, 1996) para o qual
é necessário considerar a história, a identidade, a cultura, os saberes e a assunção dos
lugares que os jovens e adultos ocupam na sociedade, de modo que passem a ocupar o
lugar de sujeitos e não de objetos da ação educativa. Quanto às dificuldades que estes
apresentam há que se reconhecer que o distanciamento e a descontinuidade nos estudos
geram consequências para o processo educativo, exigindo a recomposição de uma série
de hábitos55, que na relação escolar devem ser potencializados. Em compensação, como
trabalhadores que são - empregados ou não - trazem vivências, experiências da vida
laboral e saberes tácitos que podem contribuir para a contextualização dos
conhecimentos científicos, enriquecendo-os. Trata-se da visão da totalidade empírica
que possuem em relação aos objetos de estudo que não deve ser desconsiderada. Elano
relata que todos de alguma forma têm conhecimentos que devem ser aproveitados nas
aulas. Isso traduz o pensamento de Arroyo (2006, p. 30) que diz o seguinte:
As trajetórias sociais e escolares truncadas [dos jovens e adultos] não significam sua paralisação nos tensos processos de formação mental, ética, identitária, cultural, social e política. Quando voltam à escola, carregam esse acúmulo de formação e aprendizagens.
Por entender a visão preconceituosa que permeia a EJA, em que os jovens e
adultos com histórico de escolarização interrompida são vistos como incapazes de se
apropriar de conhecimentos para uma profissionalização consistente no saber e fazer,
posso considerar avanço as concepções expressas por estes docentes. Parecem
compreender que a integração deve se dar com estes sujeitos concretos e históricos, em
diálogo com o que são e como estão. Fausto pontua que esses alunos trazem conceitos
que eles elaboram não só de Física, mas de outras disciplinas e que às vezes já tem
experiência na área, daí perguntam, questionam, terminam ajudando muito. A
interlocutora Mariana, sem desconsiderar as inúmeras dificuldades, como a escassez de
tempo individual e de momentos coletivos, faz a seguinte manifestação:
.... Estou procurando fazer o que acho melhor, apesar das dificuldades... E uma coisa que considero importante é integrar os conhecimentos da minha disciplina com os conhecimentos dos alunos, pois termina mexendo com a
55 Por exemplo, alguns relacionados à leitura, metodologia de estudo, pesquisa e outros.
181
turma e até os que participam pouco terminam dando opinião... E isso faz com que eles aprendam mesmo... (MARIANA, trechos da Entrevista).
Creio que estes interlocutores podem estar se referindo aos conhecimentos que
os estudantes adquirem nos espaços e situações que vivenciam - inclusive na escola já
que cursaram até o nível fundamental - que devem se constituir ponto de partida do que
vai ser ensinado/aprendido. Para Freire (1996), os sujeitos da educação não chegam
como tabulas rasas. No processo educativo deve ser considerado o nível de
conhecimento que o aluno carrega consigo para a escola, pois é sua ‘leitura do mundo’
inicial que traz em si. É necessário que sejam criadas situações para que os alunos
manifestem as concepções que possuem a respeito dos conteúdos que serão trabalhados,
ao tempo em que são mobilizados a se envolver no processo de construção de
conhecimento, como expressaram os interlocutores acima. Esse é um passo
fundamental, pois, como evidencia Cortella (2001), não há conhecimento que possa ser
apreendido e recriado se não se mexer, inicialmente, nas preocupações e interesses que
os aprendentes têm. É imprescindível relacionar os conteúdos aos conceitos empíricos
trazidos por eles, caso contrário só se conseguirá que decorem os conhecimentos que
deveriam ser apropriados, ou seja, tornados próprios.
Consoante com o que explicitaram estes sujeitos é possível apreender em
relatos discentes que a busca em romper com o distanciamento entre os
conhecimentos escolares e os seus que trazem se fertiliza em um espaço marcado
por relações pedagógicas dialógicas, em que vivem seus medos, suas inseguranças,
trocam, apreendem e aprendem uns com os outros. Os sujeitos seguintes convergem
nessa direção:
Aprendi, aos poucos, a perder o medo de falar, de participar... Antes se algum professor me perguntava alguma coisa sentia vontade de não voltar mais nas aulas, tinha medo de falar besteira, de errar... Quando o professor de Matemática disse que só fala besteira quem fica com a boca fechada ficava muda e achava que ele tava falando comigo... Com o tempo aprendi que posso errar sim, sem medo... Erro para aprender... Vi que o professor pergunta e escuta o que a gente diz, não prá dizer se estamos errados ou não... Ele quer saber o que a gente já sabe, também o que vamos aprender mais... Os trabalhos de grupo faz com que a gente participe, pesquise, aprenda mais... Acho que tem que ser assim mesmo, pois a gente vem pra cá é prá aprender.... (VANDA, trechos do grupo focal).
A interlocutora ao tempo que visualiza o medo da rotulação e do estigma do
fracasso, expressa a oportunidade da vivência de um ensino em que o acolhimento e
a valorização de seus saberes, experiências e dificuldades, implicou na elevação da
182
autoestima e da autoconfiança. Isso converge para o que indica o Documento Base
(2007 a, p.36), que professores e alunos devem viver o exercício de compreender e
apreender uns dos outros, em fértil atividade cognitiva, afetiva e emocional. Ao levar
em conta o expresso por estes sujeitos, posso arriscar que vêm buscando potencializar o
papel formativo não só na dimensão intelectual e cognitiva, mas também na dimensão
emocional e afetiva. Freire (1996, p. 51), a esse respeito, alerta que nas relações que
permeiam a prática educativa não devem ser desconsiderados o valor dos sentimentos,
das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que,
ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem.
Esse ambiente de mutualidade não é indiferente a outro discente que faz o
seguinte relato:
Acho que os professores nos tratam bem.... As aulas são boas e os professores botam a gente para participar.... Eu também não gostava de falar.... Por exemplo, nas aulas de Química a professora sempre quer tirar da gente os assuntos... Ela quer que a gente diga o que acha das coisas, o que a gente sabe sobre alguma coisa que ela traz para fazer experiências, como aquela vez da vela... A gente ia falando e ela anotava... Depois a gente estudou e fez experiência também nos grupos e foi muito bom... Foi muito legal ver que o que a gente já sabe serve prá falar do assunto ... A gente aprende assim... Todo mundo participando, sem medo de errar... E hoje participo porque se eu errar ou se não souber explicar por que das coisas na hora na hora que perguntam, depois eu termino aprendendo... (FÁBIO, trechos do grupo focal).
Com indícios de contraponto ao monólogo do ensino tradicional, o estudante
denota a vivência de situações em que a voz do aluno, seu ponto de vista ganha
espaço na sala, o que contribui para que se percebam como sujeito em um processo
mútuo de construção do conhecimento. Expressa que a professora ao criar situações
em que puderam dizer o que já sabiam ou pensavam saber em relação aos assuntos da
aula, lhes propiciou contribuir para que os conhecimentos da disciplina alcançassem
relevância. Essa experiência se fortalece nas ideias de Freire (1996, p. 46) para quem na
prática educativa emancipadora prevalece o diálogo e a reflexão, cabendo aos docentes:
Propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos....
Vale ressaltar, pois, o seguinte:
183
· conhecer segmentos de jovens e adultos para os quais a ação
educativa se dirige;
· reconhecer os conhecimentos que portam, suas lógicas, estratégias e
táticas de resolver situações e enfrentar desafios;
· levar em conta suas motivações, seus contextos culturais, os mais
diversos saberes produzidos em diferentes espaços sociais, numa
relação dialógica que assegure um processo educativo baseado no
respeito e confiança mútua são orientações reiteradas por estudiosos
os quais me referencio (MACHADO, 2006a) e pelo Documento
Base do PROEJA (BRASIL, 2007a ).
Isso precisa se constituir base do processo pedagógico, competentemente
mediado, que deve ser planejado, preparado antecipadamente para que não fique em
nível superficial e sem continuidade.
Ter a prática social como ponto de partida para a abordagem dos conteúdos,
como se explicita nas narrativas dos sujeitos acima, atribui outro sentido ao processo
formativo, especialmente por ter significado um olhar diferenciado para essas pessoas
que vêm para o PROEJA, que trazem experiências de trabalho como marca em suas
vidas. Este ‘ponto’ deve dar direção à caminhada, ao percurso do ensino e da
aprendizagem, vislumbrando o alcance do ponto de chegada que é a formação humana
dos jovens e adultos, que evidentemente implica a formação profissional qualificada.
Portanto, superar a fragmentação entre a formação de cultura geral e
profissional, a partir do tratamento integrado entre conhecimentos científicos e técnicos
só alcança sentido se tem a direção de assegurar, àqueles para a qual se volta, autonomia
intelectual e ética no processo de construção profissional e humana. É importante
reconhecer que não é possível a formação do profissional autônomo, com qualidade,
sem uma educação geral ampla e sólida.
Interlocutores desta pesquisa parecem tender a essa compreensão, na medida
em que manifestam a necessidade de que sejam apropriados outros saberes para além
dos da experiência que já possuem. Expressam que os conhecimentos que portam são
importantes e que os fazem interferir no mundo, contudo não são o suficiente diante da
complexidade que a ciência alcança na contemporaneidade, da formação que buscam e
do que a escola deve lhes ofertar. Por parte dos discentes é possível apreender isso
quando assim se expressam:
184
Esses professores são legais, amigos, nos compreendem, mas se não tiver aprendendo de nada iria adiantar .... Vejo, então, que o mais legal mesmo é porque nós estamos aprendendo ... O nosso principal objetivo aqui é aprender mais do que a gente já sabe.... (LUÍSA, trechos do grupo focal). O motivo maior de eu vim prá cá é que aqui é uma boa escola... Eu sempre quis vir prá cá por isso... Por esta escola ter um bom ensino e aqui a gente aprender mesmo, porque os professores são bons... É claro que também aprendi nos outros cursos que fiz, mas aqui sei que vou conseguir aprender e crescer nos estudos muito mais e é o que está acontecendo... (EDSON, trechos do grupo focal). Essas matérias e as outras são importantes. Vai fazer com que a gente saia daqui com uma melhor qualificação na área.... Queremos não só teoria, mas teoria e prática, senão não valer tanto sacrifício... (JOEL, trechos do grupo focal) .
É possível apreender que estes sujeitos atribuem valor positivo à valorização
dos seus saberes, mas o que confere sentido à sua busca pela escola é a
possibilidade de se apropriarem do conhecimento científico e técnico por
acreditarem que tornará a formação mais qualificada. Embora não tenham
explicitado a respeito, posso pressupor o reconhecimento de que a atuação prática
mesmo tendo uma dimensão teórica, apoiada nos saberes tácitos, por não ser
sistematizada se ressente da base explicativa assentada em princípios científicos
coerentes, o que pode inviabilizar uma ação profissional consistente e autônoma. Visam
ter qualificação profissional na formação do curso em pauta para aumentar as chances
no mercado de trabalho competitivo, como relataram. Em síntese, revelam aspiração a
melhores condições de trabalho e de vida. Creem que esse é um caminho.
A consonância dos docentes com o que concebem os estudantes se expressa
nos relatos a seguir:
O que mais chama a atenção é a vontade que têm de aprender ... E eu que pensei duas vezes antes de aceitar.... Agora isso não é sem dificuldades.... Temos muito trabalho para poder corresponder... (KIARA, trechos da entrevista). Eles vêm para cá com muito sacrifício.... Mas vêm porque querem aprender, não é só pegar o diploma de técnico.... Eles são curiosos, trazem seus conhecimentos para ilustrar, perguntam mesmo, pedem explicação, porque querem aprender mesmo... (ELANO, trechos da entrevista).
Esses interlocutores reafirmam a importância dos saberes experienciais, tácitos,
dos estudantes para o processo de ensino. Contudo, parecem evidenciar que não se trata
apenas de aproximar as experiências de vida destes sujeitos com o saber sistematizado
185
que faz parte da herança da humanidade, mas de fazer a mediação para que o estudante
compreenda e se aproprie deste conhecimento científico. É para isso que os estudantes
buscam a escola. Fausto menciona que procura fazer pergunta, esgotar para que vejam
que tem outra forma de explicar e de fazer com a ajuda desses conhecimentos [os
científicos]. Elano relata que não tem que dar a coisa pronta, tem que problematizar.
Ressalta que têm que apresentar atividades para que eles se envolvam, e eles têm que
também querer se envolver.
É possível apreender, a partir do que expressam estes interlocutores, indícios
de que têm procurado conduzir a mediação entre os conhecimentos tácitos que os
estudantes trazem e os conhecimentos científicos e sistematizados que buscam na
escola, no sentido de contribuir para que deles se apropriem, tendo em vista uma
formação consistente. Não se trata de negar o que os estudantes, jovens e adultos, já
sabem, mas de incorporar ao que já sabem novos saberes, de modo a alcançarem
nova/outra base explicativa na leitura da realidade. A partir das suas experiências, dos
seus conhecimentos prévios é necessário avançar para que não permaneçam nos
conhecimentos empíricos - ainda que por vezes carregados de bom senso - e sim, que se
apropriem dos conhecimentos científicos nas dimensões que abarcam. A esse respeito,
Ramos (2010) explica que a contextualização possibilita levar o aluno a ter consciência
de seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los como
limitados a determinados contextos, colocá-los em cheque num processo de
desconstrução, reconstrução e apropriação de outros. Giardinetto (1999), por sua vez,
alerta que a compreensão naturalizada da realidade advinda dos conhecimentos
cotidianos não possibilita apreendê-la como síntese de múltiplas determinações.
O grande desafio é criar as condições para outra/nova centralidade à formação,
habitualmente reduzida no ensinar/aprender a executar atividades profissionais, sem o
domínio dos diferentes fundamentos científicos das diversas técnicas utilizadas na
produção moderna (KUENZER, 2001; SAVIANI, 1989, 2007). Os alunos revelam
aspirar a um curso de qualidade, que lhes dê acesso ao saber e fazer científico-
tecnológico- técnico. Isso alcança importância fundamental se considerarmos a
perspectiva da formação integrada para os quais os conhecimentos a serem apropriados
se voltam: a formação para o trabalho e para a cidadania. Torna-se, portanto, necessário
assegurar um processo educativo em que a teoria e prática, o pensar e o fazer, o trabalho
intelectual e o manual, num movimento práxico, propiciem compreender a ciência
186
inerente à atividade produtiva, como requisito fundamental para uma prática autônoma,
condição importante para o exercício da cidadania.
Vale reforçar o entendimento que o ser humano ao produzir conhecimentos,
age e reflete sobre a ação que realiza, num movimento dialético - de ação-reflexão- ação
- que lhe permite, continuamente, elaborar e reelaborar os conhecimentos que produz
(SAVIANI, 2005; GASPARIN, 2009). Isso explica que o conhecimento como fato
histórico e social, supõe sempre continuidades, rupturas, reelaborações,
reincorporações, permanências e avanços (GASPARIN, 2009, p.4-5). Portanto, a
apreensão dos conhecimentos pelos sujeitos deve se dar no mesmo percurso com que
homens os produzem. Kosik (1976) e Kuenzer (2001) ressaltam a fertilidade da
elaboração do conhecimento sob o esteio da concepção epistemológica dialética
materialista, que se traduz no movimento do pensamento no pensamento, em que
transita entre o abstrato e o concreto, entre o imediato e o mediato, entre o simples e o
complexo, entre o conteúdo e a forma, entre o que está dado e o que se anuncia. Para
Kosik (1976, p. 29 – 30) isso se caracteriza por idas e vindas que se realizam com o
seguinte percurso:
O ponto de partida é apenas formalmente idêntico ao ponto de chegada, uma vez que em seu movimento em espiral crescente e ampliado, o pensamento chega a um resultado que não era conhecido inicialmente e projeta novas descobertas. Não há, pois, outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo depois de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo. E, então, tomá-lo como novo ponto de partida de novo limitado, em face das compreensões que se anunciem.
Nesse processo ganha relevo o papel mediador do professor, assegurado por
ações didático-pedagógicas e recursos que lhes são necessários. Essas ações se
embasam na concepção teórico-metodológica de conhecimento, ensino e aprendizagem
que tem como esteio o trabalho como princípio educativo, base da formação em foco.
O domínio da ciência básica, na perspectiva da compreensão dos fundamentos
científicos e tecnológicos que explicam o processo de produção da existência humana
em seus aspectos material e imaterial e histórico-cultural, não se obtém pela reprodução
pura e simples dos conceitos. Essa reprodução não traduz a educação que ajude a ler a
realidade (FREIRE, 1986, 1992, 1996), compreendê-la e nela agir criticamente. Vale
destacar as possibilidades que se gestam com a metodologia dialética do processo de
ensino e aprendizagem, derivada da teoria dialética do conhecimento, a qual defende
187
que o ensinar deve se dar da mesma forma como se concebe a aquisição do
conhecimento pelo sujeito. Saviani56 (2005, p. 83. Grifos nossos) a esse respeito
esclarece que:
O movimento que vai da síncrese - a visão caótica do todo- à síntese - uma rica totalidade determinações e de relação numerosas - pela mediação da análise - as abstrações e determinações mais simples - constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos - os métodos científicos - como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos - os métodos de ensino.
Com base neste entendimento Vasconcellos (1993) explica que a construção do
conhecimento parte do conhecimento que se tem, isto é, do sincrético, caótico, e pela
mediação da análise, progressivamente, este vai se ampliando, negando, superando,
chegando a um conhecimento mais complexo e abrangente, ou seja, ao sintético.
Portanto, por meio do ensino deve ser possibilitado que o aluno não só se aproprie do
conhecimento, mas também, dos recursos metodológicos utilizados em sua produção, de
forma a propiciar a construção da autonomia intelectual.
Criar as condições para a apropriação do que é socialmente necessário para o
exercício profissional e o da cidadania é uma necessidade urgente. Entretanto, ao levar
em conta o que os sujeitos manifestaram em outro momento desta pesquisa, posso
concordar com o que menciona Kiara: isso não é sem dificuldades. De fato, é muito
trabalho para poder corresponder, acentua a interlocutora. Para isto o professor deve
estar devidamente preparado e ter as condições que o favoreça a tal.
Os sujeitos pesquisados expressam que buscam efetivar o processo formativo
por meio de diferentes e diversificadas atividades didático-pedagógicas visando o
alcance do pensar e fazer autônomo. A aula expositiva foi revelada como procedimento
usado pelos professores, contudo explicitaram diferenciais da aula monólogo, como
abaixo é possível constatar:
Uso a exposição para explicar os conteúdos e vejo que eles gostam, perguntam, participam, trazem situações do dia a dia para comparar com o que está sendo trabalhado na aula... E eu também pergunto, trago exemplos da vivência pois é uma forma de fazer com que eles se envolvam com o
56 Para Saviani (1999, 2005) cabe à educação escolar em um processo intencional e planejado assegurar aos alunos a apropriação dos conhecimentos elaborados historicamente pelo homem, possibilitando o enriquecimento intelectual de todos os indivíduos. Apoiado no materialismo histórico dialético define que o conhecimento se expressa pela passagem da síncrese à síntese pela mediação da análise (SAVIANI, 2005, p. 142), dessa forma propõe em sua Pedagogia Histórico- Crítica a metodologia dialética da prática pedagógica estruturada em cinco momentos interdependentes: a prática social como ponto de partida, problematização, instrumentalização, carats e a prática social qualitativamente superior, como ponto de chegada.
188
assunto.... Peço para eles resolverem os exercícios dos assuntos explicados, às vezes em dupla, individual, chamo no quadro.... (ELANO, trechos da entrevista). Nas aulas faço exposição dos conteúdos, mas procuro fazer os alunos participarem.... Não pode ser uma aula sem a participação deles porque senão não há retorno de aprendizagem.... Nem que a gente quisesse falar sozinha, sempre tem aqueles que vem com perguntas, daí há sempre envolvimento deles... (MARIANA, trechos da entrevista).
Essas manifestações dos interlocutores evidenciam Freire em sua crítica ao
ensino bancário, no qual a relação professor e aluno se caracteriza pela verticalidade do
primeiro sobre o segundo, onde um fala e o outro só ouve, passivamente. É possível
inferir que a questão não se reduz ao fato de ser aulas expositivas, mas da exposição
assumir a condição de monólogo eximindo o aluno da possibilidade de se expressar,
participar, trocar, enfim, de ser sujeito no processo. Apontando o caminho inverso
Freire (1996, p. 96) adverte que:
...O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.
Ao levar em conta o que relataram os interlocutores acima posso deduzir que
as exposições a que se referiram se encaminham nesta direção, sinalizada por Freire.
Outras possibilidades são expressas pelos docentes. Fausto ressalta que procura tornar
as aulas interessantes, provocativas para que os alunos nelas se envolvam e aprendam.
Acrescenta que é necessário articular a teoria e a prática e para isso procura trabalhar
com pesquisas, experimentos tanto na sala como no laboratório; aulas que levem o
aluno a investigar, a ter participação mesmo. Aponta potencialidades ao lado de limites
ao trazer a seguinte observação: Quem disse que estes alunos não gostam de pesquisar?
O que falta a eles é oportunidade e para nós bem mais condições... Elano ao refletir
sobre a própria experiência junto aos jovens e adultos ao longo de sua carreira docente
reforça a dimensão dialógica e problematizadora das atividades didático-pedagógicas
que prioriza, quando faz a menção a seguir:
Ao contrário de que muita gente pensa e diz vejo esses alunos como pessoas curiosas, que perguntam.... Querem sempre saber o porquê e não se
189
conformam com qualquer explicação.... Eu também não gosto de dar respostas prontas.... Prefiro fazer eles pensarem.... Tem que problematizar... nós professores temos que colocar para eles atividades em que participem, se envolvam, raciocinem, estabeleçam relações.... Não faço aulas sozinho…Claro que faço exposição, mas não falo sozinho... Faço trabalho em grupo com resoluções de problema, pesquisas, para que eles sintam a importância do domínio dos conceitos e das ferramentas que a Matemática oferece para a nossa vida...Claro que eles têm que também querer se envolver...... E assim eles aprendem... (ELANO, trechos da entrevista)
Kiara, além de outros procedimentos, dá relevo às atividades experimentais e
de pesquisa ao fazer o seguinte relato:
…Combinamos realizar um estudo a respeito da condutividade, em que conteúdo da Eletricidade e da Química caminham juntas. Foi muito rico: discutimos a atividade, vimos juntos o objetivo que era identificar substâncias que conduziam ou não eletricidade. Separei vários materiais, como um artigo muito interessante sobre o assunto para eles estudarem em grupo.... Eles realizaram experimentos com materiais que trouxemos para sala.... Eu acompanhando de perto, fazendo perguntas para eles, orientando, colaborando.... Fizeram o relatório…Houve muito envolvimento.... E no dia da apresentação foi surpreendente. Teve uma equipe que apresentou o resultado a que chegaram por meio de uma situação prática: fez um carro se mover e explicou o processo da condutividade que levou a esse movimento.... Compreenderam a essência do conteúdo .... (KIARA, Trechos da entrevista)
Sem desconsiderar as dificuldades que perpassam a realidade em que exercem
a atividade docente, esses interlocutores explicitam que procuram desenvolver
atividades que consideram mais adequadas para potencializar relações recíprocas entre
os sujeitos aprendizes e os objetos de suas aprendizagens. A meu ver, expressam
vestígios do papel mediador docente com atuação na zona de desenvolvimento
proximal57, oportunizando experiências significativas, na busca de elevar o nível de
aprendizagem dos alunos (VYGOTSKY, 2001). Em outros termos, implica possibilitar
o confronto de conhecimento entre o sujeito e o objeto, onde o educando possa penetrar
no objeto, compreendê-lo em suas relações internas e externas, captar-lhe a essência
(VASCONCELLOS, 1993, p. 42). Ainda que carregados de limites, posso crer que
buscam organizar processos pedagógicos que a partir de suas mediações potencializem
ao estudante incorporar, apropriar-se do objeto de conhecimento em suas múltiplas
determinações e relações, transformando-o em instrumento de construção pessoal e
profissional.
57 O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal é definido por Vygotsky (2001) como sendo a distância entre o nível do desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
190
No que se refere às atividades experimentais pontuadas por esses interlocutores
cabe enfocar que estas, per se, não possibilitam a aprendizagem na perspectiva indicada
pelo currículo integrado. É necessário considerar a ação pedagógica que nela intervém
que traz em si concepções que a sustenta. A concepção que os professores têm de
Ciência, traz implicações para o trabalho experimental nas aulas de Ciências,
condicionando a forma como preparam, organizam e integram o trabalho experimental
no currículo (SILVA E ZANON, 2000; PRAIA; CACHAPUZ; GIL-PÉREZ, 2002). A
concepção positivista-indutivista de Ciência que vincula e reduz as atividades
experimentais à comprovação da teoria ou a fator motivacional não coaduna com a
perspectiva de formação que está se discutindo. É fundamental assumir o ensino
experimental em uma dimensão investigativa/dialógica, que mobiliza a relação teoria e
prática, instigando atitudes de questionamentos, reflexão, produção e sistematização de
conhecimentos, com o intuito de romper com a lógica de que a uns cabe pensar e a
outros executar.
No conjunto de atividades didático-pedagógicas vivenciadas pelos sujeitos -
professores e alunos - alcança relevo o Projeto Didático Energia, Trabalho e
Desenvolvimento58 que, fruto da ação coletiva, favoreceu que o trabalho como
princípio educativo e a pesquisa como princípio pedagógico ganhassem vida, tendo em
vista a formação para a autonomia intelectual, compreensão e intervenção na realidade.
Os relatos dos interlocutores a seguir esclarecem o que viveram:
O projeto integrador foi um momento muito rico para os professores e alunos, aliás, para a instituição, por muitos motivos: pelo trabalho em parceria desde o planejamento, em que se envolveram professores e alunos nas discussões das atividades e durante a realização da pesquisa.... Temos que tirar isso como lição pois os resultados ficam visíveis quando nos envolvemos em prol de um mesmo objetivo... (FAUSTO, trechos da entrevista). Esse projeto foi muito importante pra nós desde o início, pois a gente foi chamado prá participar, deu opinião sobre as atividades, e foi um trabalho conjunto de pesquisa... Foi a primeira vez que participei de uma atividade assim... (ALAN, trechos do grupo focal).
58 Este Projeto correspondeu à Atividade Integradora I que compõe o Currículo do Curso Técnico de Eletrotrotécnica Integrado ao Médio, sob análise, desenvolvido como síntese dos 1º e 2º semestres do Curso. Como eixo orientador das atividades pedagógicas tem o seguinte problema de pesquisa: É possível considerar a energia como fonte de desenvolvimento econômico e social, ecologicamente viável em São Luís? Nele estiveram envolvidos os Professores de Ciências da Natureza e da Matemática, os outros professores que ministraram aulas nos semestres aludidos e os alunos do curso.
191
Os entendimentos acima explicitados levam a identificar avanços diante de
uma realidade que ainda se ressente de espaço/momento regular, formalmente instituído
para discussões e decisões coletivas. O ensino que se subsidie pela pesquisa não deve
ser definido ao revés dos que dele devem dar concentricidade, pois é a participação que
gera o sentimento da autoria que potencializa a construção da autonomia. Freire (1983)
adverte que sem o envolvimento dos sujeitos do conhecimento - jovens e adultos - no
movimento de pesquisar e educar o processo educativo se reduz ao treinamento de mão
de obra. Isso é contrário ao que anuncia a formação integrada.
O interlocutor discente expressa o processo de envolvimento e instigação que
vivenciou ao fazer a seguinte manifestação:
Quando foi pra iniciar o projeto que a gente dizia o que já sabia sobre a energia aqui em São Luís foi muito legal, todo mundo falava, dizia o que entendia, mas depois a gente viu que algumas coisas são muito diferentes do que a gente pensa.... Acho que por isso que é bom pesquisar (FÁBIO, trechos do grupo focal).
Partir do que os sujeitos já sabem e da percepção que têm sobre a realidade
fertiliza a busca, gera inquietude, instiga o estudante no sentido da curiosidade que foi
mexida, evitando que incorporem ‘pacotes fechados’ de visão de mundo, de
informações e de saberes científicos. Nesse movimento de apreender o conhecimento
constroem atitudes de questionamento, busca de entendimento e a tomada de atitudes
críticas diante do mundo em que vivem (DEMO, 1997). Fausto expressa que a
abordagem indissociável da teoria e da prática se fez presente a partir dos diferentes
procedimentos metodológicos vivenciados. Ressalta que os alunos levantaram
hipóteses sobre a energia na cidade, a respeito de seu uso ecologicamente viável ou
não; fizerem estudo a respeito do assunto; levantaram informações junto ao público e
socializaram os resultados. O interlocutor discente Edson manifesta que o
conhecimento, fruto do processo de pesquisar, gerou outro olhar sobre a realidade,
expressando revigoramento em sua capacidade de pensar, sentir e agir em
conformidade com os objetivos da formação em foco. Isso fica evidente no relato a
seguir:
Eu fiquei abismado com o que aprendemos neste projeto, com a pesquisa.... Eu jurava que lá na área de redução da ALUMAR no forno, que eles usassem madeira essas coisas, ou algo parecido, mas não, é todo um processo químico que tem a Física no meio e a Matemática com tudo calculado. Aquela matéria prima que vem, tudo no transporte, nos vagões do trem...É a energia que aquece todo aquela matéria pra ela se fundir com outro material... Nunca
192
imaginei. Então, isso aí foi um aprendizado muito grande porque eu pensava que era outra coisa, mas é totalmente diferente de como eu pensava.... É tudo através de energia.... É muita energia...E o controle disso, a fiscalização dos gastos de uma coisa que é de todos... e o meio ambiente? É preciso mais controle... (EDSON, trechos do grupo focal).
Sendo a pesquisa uma atividade inerente ao ser humano, ensinar a pesquisar
constitui ponto de partida e de chegada do apreender a realidade. Portanto, em
concordância com Freire (1996), se deve ensinar nesta formação, sob estudo, não
apenas o conteúdo, mas, também, a forma de se chegar ao conhecimento visando que
os trabalhadores, jovens e adultos, tornem-se sujeitos críticos e autônomos, em
condições de agir na realidade com qualidade formal e política, como evidencia
Moraes (2002). Isso parece ser a compreensão de Kiara e do sujeito discente Jorge ao
sinalizarem que a experiência vivida por professores e alunos resultou em ganhos para
ambos, como abaixo é possível identificar:
O que foi mais interessante foi ver a curiosidade que rondava o grupo.... Eles queriam mais fonte para enriquecer os trabalhos de seu grupo.... Eles não se contentavam com poucas informações, queriam mais para fundamentar suas explicações…. Isso foi um grande ganho para eles.... Um momento rico de aprendizagem para todos nós do curso. (KIARA, trechos da entrevista). Eu me senti importante e no dia das apresentações.... Nos sentimos valorizados e importantes de ver que tínhamos feito algo que todos gostaram.... E a gente aprendeu que tem muitas formas de aprender (JOEL, trechos do grupo focal).
Ao considerar o explicitado pelos interlocutores posso pressupor que a vivência
deste projeto foi uma experiência fértil e enriquecedora para os sujeitos docentes e
discentes, contudo, não se realizou sem limites e obstáculos. Fausto expressa que foi
uma boa oportunidade para todos, mas houveram dificuldades. É necessário mais
tempo para nos disponibilizarmos a atividade como esta, e que todos se envolvam
mesmo, acrescenta. Elano pontua que a instituição deve oferecer condições para que
possam desenvolver adequadamente as atividades propostas. Mariana ao tempo que
também menciona sobre as condições de trabalho, alerta quanto a necessidade de mais
preparo de todos. Isso é endossado por Kiara ao dizer: precisamos estudar mais,
planejar e fazer acontecer.
As dificuldades que perpassam a experiência que assume o desafio da
formação integrada também não são indiferentes aos sujeitos discentes, que expressam
limites e obstáculos enfrentados, quando assim se referem:
193
Deveríamos ter mais aulas no laboratório…O dia que tivemos aula de Física no laboratório de eletricidade foi ótimo, houve muita participação, demonstramos também nossos conhecimentos.... A gente botou nossos conhecimentos de eletricidade na Física e foi botado conhecimento de Física no nosso... O negócio é que muitas vezes o laboratório já está ocupado por outros alunos... (EDSON, trechos do grupo focal). Também a professora diz que é difícil nós irmos para o laboratório de Química, pois lá é dos alunos que fazem o técnico em Química, que eles têm jaleco, que é preciso segurança.... Eu acho isso errado, pois também somos alunos daqui e queremos ter direito a todos os lugares como os outros... (VANDA, trechos do grupo focal). Foi combinado com a professora de Biologia e de Química que íamos ter uma aula de campo na Praia do Araçagi, muita gente não podia ir, daí não teve.... Agora a visita da Eletronorte que a gente devia ir terminou não acontecendo... (FABIO, trechos do grupo focal).
Aspectos limitadores relativos à infraestrutura e às condições materiais
didático-pedagógicas são evidenciados. Isso se expressa tanto no que refere às
limitações de possibilidades de travarem relações profícuas com o conhecimento,
quanto à impossibilidade de usufruírem em condições de igualdade dos mesmos
espaços de aprendizagem disponibilizados a outros alunos. Isso faz retomar o que
disse Elano quanto a essas condições imprescindíveis ao desenvolvimento da ação
formativa para que pudessem responder ao proposto pelo programa. É importante ter
em conta, como ressalta Machado (2006b) que além da sala de aula outros diversos
espaços e situações de aprendizagem devem ser explorados, de modo que possam criar
condições e situações que favoreçam integrar prática e teoria, trabalho, ciência, cultura
e tecnologia.
O relato de Fausto a seguir, a meu ver, sintetiza parte dos problemas, limites e
dificuldades enfrentados no percurso da formação, expressos, também, pelos demais
interlocutores:
.... Se tivéssemos mais tempo para estudar, discutir, planejar esta integração juntos e executar seria bem mais produtivo, pois temos professores com bons potenciais.... É o que já falei antes, o fato de já termos alguma experiência não significa que estamos fazendo, de fato, esta integração... A integração deve ser um projeto comum.... É necessário que todos os envolvidos no curso trabalhem com a mesma intenção de integração... E que a gente tivesse mais tempo para planejar as aulas, as atividades de um modo geral, se envolver mais em projetos, ter mais momentos para que cada um fale do que está fazendo, avaliar essa integração .... É necessário que façamos da formação integrada uma oportunidade de crescimento para professores, alunos e para esta instituição... (FAUSTO, trecho da entrevista. Grifos meus).
194
Reforça, pois, que a integração proposta supõe intencionalidade comum,
construída em um processo coletivo, que exige planejamentos e avaliação contínuos.
Ademais, a especificidade de cada campo de conhecimento exige tempo e espaço
individual para planejamentos, preparação das aulas, dentre outros. Ao que parece não
tem sido esta realidade vivenciada, o que certamente compromete os resultados
almejados.
Isso expressa que no ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da
Matemática no contexto do Curso de Eletrotécnica, ao lado de possibilidades que se
gestam, limites e dificuldades devem ser enfrentados, superados para que possa atingir
os objetivos pretendidos.
ALINHAVANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditemos na capacidade coletiva e aguerrida de defender ideias e de propor para a construção de novas possibilidades. O novo nasce do velho, daquilo que sabemos. A fórmula não existe e o pronto nunca existirá...
Marise Ramos
Esta pesquisa resultou de inquietações que foram tomando forma no
imbricamento das ações de docência e de pesquisa em que questões dos campos da
formação profissional, da educação de jovens e adultos e do ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática se entrecruzam. A propositura do PROEJA - especialmente
para os Cursos Técnicos Integrados ao Médio - de uma formação capaz de
proporcionar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional,
na perspectiva da formação integral do estudante traz como corolário o
195
desenvolvimento do currículo integrado. Isso implica integração epistemológica, de
conteúdos, de metodologias e de prática educativas, traduzida na integração teoria-
prática, entre o saber e o saber-fazer. Essa propositura abre brechas para estudos dada
a complexidade e profundos desafios que lhe atravessam.
As Ciências da Natureza - Química, Física e Biologia - e a Matemática, como
partes do currículo dos cursos são essenciais para o alcance da formação em foco, uma
vez que constituem fundamentos científicos básicos dos processos tecnológicos
modernos, ao tempo que contribuem para a formação da consciência científica, crítica e
para a atuação transformadora dos sujeitos. Para que possam sinalizar no rumo da
formação integrada, seu ensino deve estar assentado no trabalho como princípio
educativo, com um caráter politécnico, de forma que os conhecimentos que as compõem
sejam evidenciados na relação com a produção e relações sociais como um todo. Para
isso, devem ser tratados na dimensão de totalidade e historicidade, integrados aos
saberes constituintes das outras áreas da formação geral e da base técnica profissional,
assumindo uma perspectiva histórico-crítica.
Os questionamentos e inquietações no seio institucional quanto ao proposto,
atravessados por atitudes e sentimentos contraditórios de otimismo/descrença,
aceitação/negação e reconhecimento/estranhamento do público de EJA me instigaram a
debruçar sobre o contexto formativo. Fui movida, pois, a encontrar respostas a questões
norteadoras que sintetizaram o problema de pesquisa atinente às concepções e ações que
sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática frente aos desafios da
formação integrada, na perspectiva de um currículo integrado, no Curso Técnico de
Eletrotécnica/EJA.
Apoiada no entendimento de que as concepções revelam nossa compreensão de
mundo, a visão que temos sobre o que nos cerca, ao tempo que orienta nossas ações,
assumi a tese de que as concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da
Natureza e da Matemática no Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio de
EJA implicam processos relativos a pressupostos, princípios e fundamentos inerentes ao
desenvolvimento da formação integrada, sob a base de currículo integrado, tal qual
enunciado por cursos desta natureza.
Nessa perspectiva, procurei compreender efetivamente o que pensam, o que
sentem e o que expressam a partir do que declaram os sujeitos que vivem a experiência
do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, no curso pesquisado. Entendo que
o desvelamento dessa realidade poderá explicitar elementos conducentes a novas
196
pesquisas, ao tempo que poderá contribuir para gestar intervenções significativas no
sentido da construção de um projeto educacional emancipatório para jovens e adultos.
Nas análises das interlocuções realizadas, busquei contribuições teóricas de
autores que voltam suas investigações para os campos de estudo que entrecruzam o
objeto investigado. Por esta razão, são feitas reflexões sobre o percurso histórico da
EJA, as concepções que lhe dão movimento se estendendo ao sinalizado com as
proposituras do PROEJA. Mantenho foco na análise do Documento Base,
especificamente, que se volta à formação profissional de nível técnico integrado ao
ensino médio, buscando conhecer as diretrizes, os fundamentos e princípios que lhe
fundamentam. A abordagem do currículo integrado, respeitando as especificidades da
EJA, com vista à formação integrada se embasa em referenciais com esteio na relação
trabalho e educação que implica novas/outras concepções epistemológicas e
pedagógicas para o ensino das Ciências da Natureza e de Matemática, como sinalizado
por estudiosos que coadunam com a visão de educação numa perspectiva emancipatória.
Foi possível apreender que o Projeto Político Pedagógico – PPP- do
IFMA/Campus Monte Castelo incorpora o trabalho como princípio educativo,
sugerindo processos formativos em que educação, trabalho e conhecimento deverão
constituir uma unidade orgânica, visando à formação omnilateral dos sujeitos que
atende. A interdisciplinaridade e a contextualização aparecem como princípios
pedagógicos norteadores das formações a serem ofertadas. Atendendo às determinações
do MEC esta instituição passa a oferecer a formação técnica integrada para jovens e
adultos, com a implantação de cursos do PROEJA.
No Projeto Curricular do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao
Médio/EJA se expressa a intencionalidade de formar profissionais nas diferentes
dimensões humanas, com competência para assumir atividades profissionais de forma
autônoma. A exemplo do que se encontra indicado no PPP, o trabalho como princípio
educativo, a pesquisa, a interdisciplinaridade e a contextualização se constituem eixos e
princípios pedagógicos em que a formação profissional deve estar assentada. Entretanto,
os relatos dos interlocutores sugerem que as possibilidades da manifestação destes
princípios no contexto da formação decorrem antes da postura dos docentes do que
como diretriz definida e assumida coletivamente. Cabe lembrar que os projetos
curriculares para serem, de fato, consequentes com o que assumem devem ser
construídos de forma dialógica e conjunta, constituindo-se espaços de negociação e de
197
construção de alternativas condizentes às possibilidades e dificuldades que o processo
formativo proposto traz em si.
As disciplinas das Ciências da Natureza - Química, Física e Biologia - e da
Matemática, conforme o projeto, são trabalhadas paralelamente aos saberes
constituintes das outras áreas da formação geral e da base técnica profissional. Pelo que
expressam os professores que as ministram é possível evidenciar objetivos que se
direcionam para além do assegurar a memorização dos conceitos pelos alunos, assim
como, apontam abordagens não reduzidas a visão utilitarista, para a qual a memorização
e a reprodução dos conhecimentos são suficientes.
No que se refere ao percurso de implementação do Curso pesquisado os
sujeitos manifestaram questões que advêm da forma como o PROEJA foi implantado na
instituição. Não houve discussões coletivas com relação às propostas de Cursos
Técnicos Integrados ao Ensino Médio voltados para jovens e adultos, tendo em vista a
formação básica integrada à formação profissional, o que gerou insatisfações e
ressalvas. Em concordância com os interlocutores considero que esse seria um
movimento necessário para potencializar o envolvimento de todos no processo de
construção e decisão coletiva sobre a formação a ser ofertada.
Em seus relatos deixam claro que se envolveram no curso em pauta a partir de
convites da Coordenação Pedagógica. Contudo, o critério da composição do corpo
docente não pode ser reduzido à disponibilização e boa vontade dos professores. A
formação em pauta requer profissionais preparados adequadamente, que tenham
domínio das especificidades desse processo formativo complexo que trazem desafios de
três campos historicamente dissociados: a educação profissional, o ensino médio e a
EJA. Ademais, devem estar embasados epistemológica e pedagogicamente nos campos
científicos em que assumem a docência, no caso nas Ciências da Natureza e da
Matemática, de forma que tratem o trabalho como princípio educativo, e a pesquisa, a
contextualização e a interdisciplinaridade como princípios pedagógicos.
Pude apreender que os sujeitos docentes pesquisados, com limites, expressam
concepções indicativas nessa direção. Denunciam a imposição do Programa de forma
aligeirada, sem as devidas discussões, que trouxe consequências negativas à sua
implantação. De outra forma, manifestam que o planejamento coletivo e a formação
continuada são condições importantes, embora não únicas, para potencializar que
assumam o processo formativo em questão. Revelam reconhecer que estar envolvidos
neste programa implica compreensão de suas especificidades, apropriação de suas
198
bases, de seus pressupostos e princípios. A meu ver, as manifestações desses
interlocutores dão indícios de que as práticas educativas escolares e os currículos que
lhes dão materialidade envolvem, além de questões técnicas, aspectos éticos e políticos.
No que se refere ao planejamento coletivo revelam aproximação com os
preceitos do Documento Base que implicam a organização curricular dos cursos como
uma construção contínua, processual e coletiva que envolva todos os que dele estão
participando. Expressam concepções que vão ao encontro dos pressupostos de autores
que anunciam necessidades de mudanças e de uma nova cultura a ser assumidas pelas
instituições. Isso significa práticas pedagógicas compartilhadas com o envolvimento de
todos os segmentos, movidos pela intencionalidade de romper com o modelo
educacional hierárquico fragmentado em que decisões do nível macro ao nível micro -
relativas aos processos de ensino e de aprendizagem - ficam reduzidas a poucos. É
preciso, pois, assumir posições de resistência para dar conta de um currículo
comprometido com a emancipação humana. Para isto, devem ser criados espaços
democráticos em que os sujeitos se envolvam em críticas, discussões e decisões no
horizonte da reconstrução da escola, trazendo implicações para a prática educativa que
desenvolvem.
O reconhecimento de que a formação proposta exige saberes e práticas para
além do que acumulam explica a necessidade da formação continuada que os sujeitos
pesquisados explicitam. Ao requerer integração de funções e de conteúdos da educação
básica e da educação profissional, considerando a especificidade da EJA, a formação em
pauta traz no bojo profundos desafios a serem assumidos. Embora os interlocutores
docentes já tenham certa experiência na educação profissional integrada não se sentem
ainda seguros para dar conta das exigências formativas do PROEJA. Ao tempo que
expressam indícios de clareza dos limites de suas formações docentes, esses
interlocutores revelam compromisso com o processo formativo em pauta, pois apenas a
boa vontade que demonstram não é suficiente para dar conta dos desafios dessa nova
experiência assumida.
O que esses sujeitos manifestam a respeito da necessidade de tal formação
indica aproximação dos pressupostos teóricos assumidos nesta pesquisa e das
orientações dos documentos oficiais que regulam ações da EJA e do PROEJA,
especificamente. Dada a complexidade da oferta integrada da Educação Profissional
Técnica ao Ensino Médio, na modalidade EJA, a formação continuada é uma das
estratégias fundamentais para que possam se preparar para assumir o universo de
199
questões que perpassam cursos dessa natureza. A formação continuada de professores e
gestores consta como orientação, tendo em vista a construção de referenciais e de
práticas que subsidiem o processo formativo previsto, continuamente, desde o
planejamento à avaliação do realizado.
A formação desenvolvida no percurso de implantação do curso pesquisado teve
positividade para a compreensão do programa. No entanto, essa ação formativa
apresenta face contraditória na medida em que não assegurou a participação integral dos
docentes, como condição importante para o crescimento profissional necessário à
realização das atividades requeridas pela formação em foco. A não previsão de espaços-
tempos coletivos de formação continuada dentro da jornada de trabalho que propicie
reflexão sobre a prática, no sentido de melhor compreendê-la e nela intervir para
transformá-la parece expressar os próprios limites da instituição que - como parte da
totalidade educacional - carrega ainda nuances da desintegração produzida no
movimento histórico da educação brasileira, como expressão das relações fragmentadas
e contraditórias que movem a sociedade.
As disposições manifestadas pelos interlocutores para o planejamento coletivo
e para a formação continuada, no sentido de responderem ao proposto pelo programa,
precisam ser assumidas pela instituição. Isso deve se dar a partir de ações que
contribuam para transformar pela raiz a cultura do trabalho esporádico, descontínuo,
dividido que impede a possibilidade de formação do homem omnilateral. A construção
de uma cultura institucional de planejamento coletivo e de formação docente
continuada, manifestada na prática de encontros pedagógicos periódicos de estudo, de
planejamento e de avaliação, com todos os sujeitos envolvidos no processo formativo,
inclusive os estudantes, é condição para que o trabalho seja incorporado como princípio
educativo das diferentes ações educativas que lhe conferem identidade. Apesar do
avanço que a instituição já alcançou essa é uma possibilidade que está por vir.
Por parte dos interlocutores docentes transparece a concepção de PROEJA
como oportunidade de exercício de um direito social, por favorecer uma formação mais
completa, não reduzida à aprendizagem de aspectos operacionais, de caráter prático,
destituídos de sistematização e fundamentação teórica. O entendimento de que este
significa a formação para a cidadania e para o trabalho expressa aproximação aos
pressupostos enunciados nos instrumentos legais de EJA, e reafirmado no Documento
Base dos cursos técnicos integrados do PROEJA. Tais pressupostos sinalizam para o
trabalho como princípio educativo desta formação, em que trabalho, ciência, técnica,
200
tecnologia, humanismo e cultura geral se integram com a finalidade de contribuir para o
enriquecimento científico, cultural, político e profissional como condições necessárias
para o efetivo exercício da cidadania.
O PROEJA como oportunidade de uma boa preparação profissional para
garantir vaga no mercado de trabalho também é expressa, o que termina por reduzir a
perspectiva que tal formação proclama alcançar. Essa compreensão parece revelar
desconhecimento da lógica que preside as relações de trabalho no contexto produtivo
contemporâneo. Embora a qualificação profissional seja aspecto importante não
representa garantia de inserção no mercado. Portanto, a relação formativa entre
educação e trabalho deve ir para além da concepção de oportunidade de ascensão social,
que prima pelo imediatismo da prática, em que a oportunidade de emprego aparece
como fim. O trabalho, pois, deve ser compreendido nas dimensões histórica e
ontológica. Na dimensão histórica se expressa o caráter limitador alcançado na forma
atual, mas, simultaneamente, revela-se que esta forma foi historicamente construída,
sendo, portanto, passível também de transformação. Na dimensão ontológica se
expressa como práxis humana, atividade intencional de intervenção e transformação da
natureza e dos próprios homens.
Para os interlocutores discentes o PROEJA se manifesta como possibilidade de
formação profissional e de aprimoramento de aprendizagem, por propiciar
profissionalização técnica integradamente à formação da cultura geral básica. Além da
oportunidade de aprender para participar de outras experiências sociais e culturais, e da
possibilidade de continuidade nos estudos, a perspectiva de ingresso/alcance de postos
desejáveis no mercado de trabalho revela unanimidade. De fato, para esses sujeitos,
imersos em uma realidade social conjunturalmente desfavorável, a profissionalização é
uma necessidade imediata como alternativa de busca de sobrevivência. Contudo, isso
não significa que esta deva ser restrita aos modos operacionais, ao contrário, deve ser
ampla e sólida, pois a educação que interessa aos trabalhadores ultrapassa a dimensão
de mera preparação instrumental.
A concepção de currículo integrado se encontra ora explícita ora implícita entre
os sujeitos docentes e discentes substanciada por entendimentos que revelam
aproximação dos princípios que lhes dão base. Ao se ocupar da formação cidadã
integradamente à formação em um campo profissional específico exigências
epistemológicas e pedagógicas emergem e lhes atravessam. A necessidade de dar
concretude ao trabalho como princípio educativo, propiciando a integração entre os
201
conhecimentos da base geral e específica, considerando os saberes e experiências dos
jovens e adultos, emerge claramente dos relatos dos interlocutores, ainda que não
manifestem aprofundamento teórico dos pressupostos e princípios que a perspectiva em
questão requer.
Ao tempo que os interlocutores expressam concepções sobre o PROEJA e o
currículo integrado, que tendem a se aproximar dos pressupostos, princípios e
fundamentos que, pelo menos formalmente, lhes sustentam, admitem que sua
materialidade apresenta desafios não tão simples de serem assumidos pelo coletivo
institucional, dada a complexidade que o perpassa. Os limites e dificuldades já
evidenciados persistem. Espaços-tempos insuficientes de planejamento coletivo e de
formação profissional permanente, assim como, insuficientes condições de trabalho
criam barreiras para a concretização da formação integrada neste currículo em foco.
Ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática também
encontram esteio em concepções que emergem dos ditos sujeitos. Para interlocutores
docentes, as possibilidades de integração entre a educação geral e a profissional, na
perspectiva da formação profissional cidadã passa pelo redimensionamento do ensino
que historicamente tem prevalecido nas escolas. Manifestam ser necessário superar a
concepção empirista-indutivista de ciência que tem sustentado o modelo de ensino das
Ciências da Natureza e da Matemática, reduzido à transmissão de conhecimentos
prontos, verdadeiros, imutáveis e fragmentados, a alunos receptores que devem decorar
fórmulas, descrições, enunciados e leis. Expressam vestígios de concepções destes
conhecimentos para além da raiz positivista, na medida em que são explicitados como
saberes imbricados às práticas sociais, presentes nas relações cotidianas.
Os sujeitos transparecem indícios da concepção de integração advinda da
indissociabilidade dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática às
diferentes dimensões da vida. A inevitável integração entre os conhecimentos da
Química, Física, Biologia e Matemática aos saberes da base profissional é parte desta
indissociabilidade manifestada, que constitui condição fundamental para o alcance da
formação politécnica. É necessário superar a ideia que a integração de conhecimentos da
formação geral e profissional se resolve pela junção de conteúdos, por meio de
possibilidades ‘criadas’ para que ocorra diálogo entre os mesmos. Esta não ocorre pela
relação entre disciplinas e, sim, pela integração de todas as dimensões formativas do
sujeito. Ademais, ações que a condicionam às iniciativas individuais e disponibilidades
de encontros casuais entre docentes revela distanciamento da concepção que lhe dá base.
202
As possibilidades de integração advêm de postura perante os conhecimentos, da forma
de tratá-los, considerando as dimensões de totalidade e historicidade que remetem à
concepção de conhecimento que se assume.
A busca em romper com o distanciamento entre os conhecimentos escolares e
os saberes que os jovens e adultos constroem nas relações que estabelecem com o mundo
- de que as experiências de trabalho são parte - evidencia a fertilização de espaços
embasados na escuta, no diálogo, na troca de experiências e na ação dos sujeitos
envolvidos no processo educativo. Sem desconsiderar as dificuldades, os limites
advindos das descontinuidades nos estudos, da própria vida marcada por exclusão, os
professores manifestam reconhecimento de que os alunos não chegam à escola como
tábula rasa, mas trazem sua leitura inicial de mundo, experiências e saberes que devem
ser valorizados. Reconhecer as formas de vida e de trabalho dos jovens e adultos como
potencializadores de novas aprendizagens é optar por uma educação que seja a favor de
sua emancipação. Isso também traduz pressupostos explicitados pelos documentos
norteadores da formação em pauta.
Ao tempo que a positividade de ter os saberes dos alunos como ponto de partida
é expressa, manifesta-se pelos interlocutores que é a necessidade de apropriação dos
conhecimentos científicos que motiva a procura pela escola. Portanto, o compromisso
em mediar o conhecimento da experiência para realimentar e enriquecer o
conhecimento científico possibilitando condições de sua apropriação na perspectiva da
integração deve ser o foco do processo de ensino. Sendo assim, propiciar aos jovens e
adultos a apreensão dos saberes das Ciências da Natureza e da Matemática em uma
dimensão de totalidade, integrados ao trabalho, à cultura e à tecnologia parece se
constituir desafio constante aos interlocutores deste estudo.
A preocupação em empregar diversificadas atividades didático-pedagógicas
revela compromisso com a formação profissional que potencialize o alcance acima
evidenciado. Aulas expositivas dialogadas, atividades experimentais, projetos
integradores são expressos como alternativas metodológicas visando propiciar
apropriação do conhecimento consubstanciado pelo trabalho como princípio educativo e
pelos princípios pedagógicos da pesquisa, da interdisciplinaridade e da
contextualização. É preciso esclarecer que a questão não se resume aos procedimentos
didáticos priorizados ou ao uso de materiais, mas a relação que o estudante poderá
estabelecer com o conhecimento a partir destas situações didáticas que vivenciam. Isso
implica que além do domínio teórico-metodológico dos princípios em que se assenta a
203
perspectiva de integração anunciada, os docentes devem ter tempo disponível para
planejar, organizar e avaliar as ações de ensino, assim como, dispor de condições
materiais e estruturais para concretizar o que planejam.
Os desafios que se colocam para a propositura na dimensão desta proposta são
enormes e complexos. Tendo por base os pressupostos, princípios e fundamentos que
lhes servem de esteio, posso dizer que as concepções e ações reveladas pelos sujeitos
pesquisados configuraram possibilidades e limites, aproximação e distanciamento e, por
isso, tanto podem contribuir para gerar um terreno fértil para o seu alcance quanto gerar
obstáculos. Contudo, tais responsabilidades não podem ser reduzidas ao ensino de áreas
de conhecimentos, como a exemplo da área das Ciências da Natureza e da Matemática.
As responsabilidades devem ser compartilhadas entre os que gestam e materializam o
processo educativo no âmbito micro - da sala de aula -, no meso - da instituição escolar
-, e no âmbito macro das políticas educacionais elaboradas pelo Estado, enquanto poder
político responsável pela garantia de direitos fundamentais.
Sem desconhecer os limites e contradições que a perpassam, posso considerar,
a partir deste estudo, que a formação integrada regida pelo currículo integrado - ao
apontar unicidade entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura; educação básica e
educação profissional; teoria e prática – traz imanente novas possibilidades e
oportunidades formativas para alunos, professores e instituição. O IFMA para além
de abrir as portas para receber os jovens e adultos trabalhadores deve construir as
condições concretas para assegurar que alcancem o que nele vieram buscar. Deve,
pois, assumir, de fato, o compromisso com a inclusão deste público, o que significa
não somente ofertar vagas, mas, também, garantir condições de continuidade e de
aprendizagem com relevância social. É necessário, portanto, aprender a ser, na
caminhada, um espaço educacional melhor, também, para esse segmento que até
pouco tempo sequer sonhava nele adentrar.
Foi possível apreender que - ainda que em meio a profundas dificuldades -
novos anúncios já se apontam. Quando nos deparamos com jovens e adultos
trabalhadores aprendendo Ciências da Natureza e da Matemática, investigando
fenômenos físicos, químicos, biológicos e matemáticos junto aos fenômenos das
atividades profissionais; aprendendo a Língua Portuguesa envolvidos em práticas
sociais de uso da língua; aprendendo a filosofia pela exercício da reflexão filosófica,
além de outras vivências enriquecedoras que a pesquisa possibilitou desvelar, somos
impulsionados a acreditar que pequenos passos já foram dados.
204
Os sujeitos dessa experiência têm muito ainda a narrar, por isso, precisam
continuar sendo ouvidos para falar das potencialidades e de dificuldades que
vivenciam e que devem se tornar pontos de reflexão, tanto no interior da instituição
quanto no contexto em que as políticas educacionais são elaboradas.
Continuarei, certamente, envolvida em práticas de ensino e de pesquisa
buscando contribuir ancorada no entendimento de que o possível não se encontra
pronto. Ele pode estar presente imediatamente na situação, mas também é construído a
partir dela. Construir o possível significa explorar os limites, no sentido de reduzi-los,
e as alternativas de ação, no sentido de ampliá-las.
205
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219
APÊNDICE 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA
SUJEITOS - DOCENTES DAS DISCIPLINAS DA ÁREA DAS CIÊNCIAS DA
NATUREZA (QUÍMICA, BIOLOGIA E FÍSICA) E DA MATEMÁTICA
1 INFORMAÇÕES PARA IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS
· Nome do Professor/a:
· Disciplina que leciona
· Tempo de atuação profissional na docência
· Tempo de atuação no IFMA
· Formação inicial completa
· Cursos de Pós-graduação (Especialização/ Mestrado/Doutorado)
· Algum curso específico de EJA
2 INFORMAÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NO
CURSO TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA
· Opinião a respeito do PROEJA /Ensino do campo de conhecimento que trabalha
na perspectiva de Currículo Integrado
· Experiência anterior com Educação de Jovens e Adultos
· Como se tornou professor deste Programa.
· Oportunidade de formação/estudos, planejamentos e discussões promovidos pela
instituição visando implantar e desenvolver cursos Técnicos Integrados ao
Médio/ PROEJA.
220
· Oportunidade de participação no percurso de implantação e elaboração da
Proposta Curricular do Curso de Eletrotécnica Integrado/PROEJA no qual
leciona.
· Existência de espaços/momentos para planejamentos das atividades do curso.
Interações com outros professores da área e do Curso como um todo.
· Opinião a respeito do PROEJA/Ensino do campo de conhecimento que trabalha
na perspectiva de currículo integrado.
· Opinião se o Curso de Eletrotécnica Integrado/PROEJA poderá contribuir com a
formação para a cidadania/ mundo do trabalho.
· As contribuições da disciplina com o qual trabalha (FÍSICA, QUÍMICA,
BIOLOGIA, MATEMÁTICA) para o alcance dos objetivos da formação
integrada.
· Com relação à disciplina com o qual trabalha (Física, Química e Biologia e
Matemática) considera que existe integração e/ou o que tem sido feito para
estabelecer integração:
• Com outras disciplinas da própria área
• Com disciplinas que compõem outras áreas da formação geral
• Com disciplinas da área específica do Técnico em Eletrotécnica /PROEJA
• Exemplifique
· Disciplinas/Conteúdos em que a interação, diálogo é imprescindível e tem sido
evidenciado. Exemplifique.
· Desenvolvimento de atividade/projeto em que estivessem integrados os
professores. Com quais professores/disciplinas. Como se deu o planejamento da
atividade. Descreva-as/os sucintamente.
· Opinião a respeito dos jovens e adultos que são alunos/as do curso de
Eletrotécnica do PROEJA. Similitude e Diferença com relação aos alunos de
221
outros cursos do ensino médio/técnico. Características que possibilitam e ou
dificultam o ensino-aprendizagem
· Critérios usados para selecionar conteúdos da disciplina, considerando
especificidade Curso Técnico/PROEJA
· Metodologias que comumente usa no ensino da disciplina que leciona,
considerando os objetivos da formação. Considera necessidade de realizar
atividades diferenciadas das que desenvolve com alunos de outros cursos
técnicos/médio
· Opinião a respeito das condições materiais e didáticas (biblioteca, equipamentos e
materiais de laboratórios) e as demandas do ensinar/aprender a disciplina (área
das Ciências da Natureza e da Matemática) no Curso de Eletrotécnica/PROEJA
· Recursos didáticos que comumente utiliza. Adequação para promover o processo
ensino-aprendizagem junto a alunos do PROEJA
· Técnicas/ instrumentos mais utilizam nas avaliações
· Principais possibilidades e dificuldades para ensinar a disciplina na perspectiva de
currículo integrado.
222
APÊNDICE 2- ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA
SUJEITO – COORDENADOR PEDAGÓGICODO CURSO TÉCNICO INTEGRADO
AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA
1 INFORMAÇÕES PARA IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO
· Nome do Coordenador Pedagógico
· Tempo de atuação no IFMA
· Formação inicial completa
· Cursos de Pós- graduação (Especialização/ Mestrado/Doutorado)
· Algum curso específico de EJA
2 INFORMAÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NO
CURSO TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA
· Opinião a respeito do PROEJA / Ensino na perspectiva de Currículo Integrado
· Experiência anterior com Educação de Jovens e Adultos
· Aspectos que motivaram a implantação do curso Técnico de Eletrotécnica
Integrado ao médio/PROEJA na instituição
· Como foi o processo de seleção dos alunos do Curso
· Critérios utilizados/estratégias para compor o corpo docente do curso
· Criação de espaços para estudos, planejamentos e discussões visando
implantar e desenvolver Cursos Técnicos Integrados ao Médio/ PROEJA.
· Processo de elaboração da Proposta Curricular do Curso de
Eletrotécnica/PROEJA. Envolvimento do coletivo docente. Organização da
matriz curricular do curso
223
· Existência de espaços/momentos para planejamentos das atividades do curso.
Interações entre os professores do Curso.
· Importância que atribui ao ensino das disciplinas das Ciências da Natureza e
da Matemática (FÍSICA, QUÍMICA, BIOLOGIA, MATEMÁTICA) para o o
desenvolvimento da formação integrada
· Critérios usados para selecionar conteúdos das disciplinas , considerando
especificidade Curso Técnico/PROEJA
· Procedimentos adotados para possibilitar que as disciplinas se integrem:
• Entre si na própria área
• Disciplinas de outras áreas de formação geral/ vice-versa
• Disciplinas da parte da formação específica/ vice-versa
· Espaço/momento para planejamento das atividades do curso, no sentido de
possibilitar essa integração
· Desenvolvimento de atividades/ projetos com o envolvimento de diversos
professores do curso, em que as disciplinas se integram no desenvolvimento da
atividade. Descreva
· Como as atividades desses projetos tem sido planejada/ Como as disciplinas das
Ciências da Natureza de da Matemática estão situadas no contexto dessas
atividades.
· Os professores das disciplinas da área das Ciências da Natureza e da Matemática
buscam orientação para a realização das atividades/ E os da área de
conhecimentos em específico
224
· Considera que os professores das Ciências da natureza e da Matemática têm
procurado inovar as aulas nas perspectivas dos princípios do currículo integrado
de cursos técnicos/ PROEJA
· Opinião a respeito dos jovens e adultos que são alunos/as do curso de
Eletrotécnica do PROEJA. Similitude e Diferença com relação aos alunos de
outros cursos do ensino médio. Características que considera positiva e/ou
dificuldade que interferem no desenvolvimento do curso.
· Opinião a respeito das condições materiais e didáticas (biblioteca, equipamentos e
materiais de laboratórios) e as demandas do ensinar/aprender as disciplinas das
Ciências da natureza e da Matemática
· Orientações quanto à avaliação
· Possibilidades e dificuldades para a efetivação do curso na
perspectiva de currículo integrado.