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i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA Orson José Roberto de Camargo “ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA BANCADA RURALISTA” Campinas - SP Dezembro de 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH

PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Orson José Roberto de Camargo

“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA

BANCADA RURALISTA”

Campinas - SP

Dezembro de 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH

PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Orson José Roberto de Camargo

“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA

BANCADA RURALISTA”

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa

Campinas - SP

Dezembro de 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP

Bibliotecária: Maria Silvia Holloway – CRB 2289

Título em inglês: Brazilian elite and the renegotiation of rural credit debts: the case of the bench ruralista.

Palavras chaves em inglês (keywords) :

Área de Concentração: Sociologia política Titulação: Mestre em Sociologia Banca examinadora:

Data da defesa: 16/12/2009 Programa de Pós-Graduação: Sociologia

Elite (Social science) Equality Rural credit Debt renegotiation

Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa, Rosemary Segurado, Fernando Antonio Lourenço

Camargo, Orson José Roberto de

C14e Elite política brasileira e a renegociação das dívidas do crédito rural: o caso da bancada ruralista / Orson José Roberto de Camargo. - - Campinas, SP : [s. n.], 2009.

Orientador: Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Elites (Ciências sociais). 2. Igualdade. 3. Crédito rural. 4. Dívida – Renegociação. I. Gouvêa, Gilda Figueiredo Portugal. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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Agradecimentos

Nos três anos dedicados à dissertação, venho colecionando razões para

agradecer àqueles que participaram e/ou contribuíram de alguma forma para a

minha formação e a produção deste trabalho. Foram várias as instituições e,

sobretudo, pessoas que colaboraram com a minha pesquisa, inclusive em

manifestações de solidariedade e apoio afetivo. Agradeço a todos que me

acompanharam este trabalho.

À minha família, especialmente à paciência da minha mãe, Maria

Madalena, e à amizade, carinho e cumplicidade da minha querida irmã Cláudia

Liz, que mesmo estando milhas de distância, está em todos os momentos ao meu

lado, assim como aqui sou os “seus olhos”.

À compreensão, amizade e presença sempre oportuna da minha

orientadora Gilda Portugal Gouvêa, sobretudo pela forma como possibilitou e

respeitou as minhas escolhas, o fluir do meu pensamento, amenizando assim as

minhas incertezas.

Aos professores que gentilmente aceitaram participar da banca de

qualificação: Prof.ª Dr.ª Gilda Portugal Gouvêa, Prof. Dr. Josué Pereira da Silva e

Prof.ª Dr.ª Rachel Meneguello; assim como os professores que muito me

honraram com a presença e avaliação na banca examinadora: Prof.ª Dr.ª Gilda

Portugal Gouvêa, Prof.ª Dr.ª Rosemary Segurado, Prof. Dr. Fernando Antônio

Lourenço, Prof. Dr. Jesus José Ranieri e Prof. Dr. Aldo Fornazieri.

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Aos inestimáveis professores, tanto da graduação na Escola de Sociologia

e Política de São Paulo como da pós-graduação do departamento de Sociologia

da Unicamp, com quem tive a honra e a oportunidade de aprender a refletir a

coisa social de modo crítico, assim como o ambiente de efetivo aprendizado e

convivência propiciado pelas duas instituições.

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil, cujo auxílio financeiro

proporcionou o desenvolvimento desse trabalho em regime de dedicação

exclusiva, registro aqui meu reconhecimento.

Aos amigos e amigas queridos que me acompanharam e me apoiaram

nesses anos de graduação e mestrado, deixo aqui meu abraço carinhoso.

Dedico este trabalho a todos vocês.

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Resumo

O presente trabalho analisa, do ponto de vista contextual, a Medida Provisória nº

114 de março de 2003, convertida em Lei nº 10.696 de julho do mesmo ano, a

partir da ótica da elite política brasileira – especificamente a bancada ruralista. A

bancada ruralista é tida como um dos grupos conservadores do Congresso

Nacional, com forte coesão interna e intensa capacidade de pressão junto ao

Executivo e Legislativo brasileiro, para que seus interesses sejam contemplados.

O estudo considera a discussão, em plenário, dos parlamentares ruralistas sobre

a MPV nº 114/03, que dispõe da renegociação das dívidas do crédito rural e visa

analisar como as renegociações dos recursos públicos aplicados no

financiamento da produção agropecuária brasileira reproduzem e aprofundam a

desigualdade social. Tanto financiamento para a produção agropecuária como a

renegociação das dívidas do crédito rural não consideram equitativamente todos

os produtores rurais, colocando a discussão diante de questões de justiça social

ao não propiciar mecanismos para a redução da desigualdade social.

Abstract

Taking in consideration a contextual analyses, this dissertation investigates the

March 2003 Governmental Decree 114, which was converted in the Federal Law

number 10.696 in July 2003. This study focus on the thoughts and actions of the

rural landowners members of the Congress (the bancada ruralista), which are

considered one of the most conservative political sectors in the country. The

Bancada Ruralista is also considered to be a very strong lobby, with internal

cohesion and capacity of pressure on the Executive and the Legislative. The

dissertation analyses the debates around the Governmental Decree 114 among

the members of the Congress, particularly the bancada ruralista discussion on the

defense of the large landowners’ interests. The Governmental Decree 114

established new standards regarding the renegotiation of public rural credit and

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the landowner’s federal debts. Therefore it was considered a crucial political issue

for the bancada ruralista lobbies. The study demonstrates how the application of

the federal resources on the large agribusiness reproduces and deepens the

country social inequalities, since the rural producer are not equally considered in

these negotiations, clearly favoring the large and most politically powerful rural

landowners.

Palavras-chave: Elite Política; Desigualdade Social; Crédito Rural; Renegociação;

Bancada Ruralista.

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Sumário

Folha de Aprovação ............................................................................................... iv

Agradecimentos ...................................................................................................... v

Resumo ................................................................................................................. vii

Sumário .................................................................................................................. ix

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPÍTULO I – DESAFIOS CONCEITUAIS

A) Política e a Classe Dominante ...................................................................... 15

B) A elite............................................................................................................ 19

C) A desigualdade social................................................................................... 24

CAPÍTULO II – BREVE HISTÓRICO DA FRENTE PARLAMENTAR .................. 31

A) Bancada ruralista .......................................................................................... 34

B) A bancada ruralista e sua forma de atuação ................................................ 43

CAPÍTULO III – O PROCESSO DE ENDIVIDAMENTO RURAL .......................... 49

A) As dívidas do crédito rural ............................................................................ 58

B) Medida Provisória nº 114/03 e conversão na Lei n º10.696/03 .................... 67

C) Discussão da MPV nº 114/03 no Congresso Nacional ................................. 73

CAPÍTULO IV - RURALISTAS E A MPV Nº 114/03 ............................................. 77

A) Inclusão dos grandes devedores na MPV nº 114/03 .................................... 80

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B) Empréstimo ou subsídio aos produtores rurais? .......................................... 86

C) Inclusão na renegociação para além dos pequenos produtores .................. 93

D) A legitimação das renegociações ................................................................. 96

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 107

VI – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 121

VII – ANEXOS

Medida Provisória nº 114, 31 de março de 2003 ............................................ 127

Lei nº 10.696, 2 de julho de 2003 .................................................................... 135

VIII – LISTA DE SIGLAS .................................................................................... 147

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“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA BANCADA RURALISTA”

"Se é verdade que a historiografia tende a magnificar

esse papel [das elites], seria ingênuo achar que se pode

resolver o problema reformando a historiografia".

José Murilo de Carvalho

Introdução

Historicamente, a produção e reprodução da pobreza e da desigualdade

social estão fortemente presentes na sociedade brasileira. A explicação da

persistente iniqüidade social decorrente do “pecado original” não se justifica de

modo pleno na contemporaneidade, uma vez que o Brasil apresentou em diversos

momentos da sua história, sobretudo durante o século XX, um intenso

desenvolvimento econômico o que, no entanto, alterou pouca a distância entre o

topo e a base da pirâmide social brasileira. Muito pelo contrário, nos períodos de

crescimento econômico, o “bolo” não só não foi dividido como também o país

presenciou o aumento da desigualdade social. Dito isso, por que o Brasil, que não

pode ser considerado um país pobre, apresenta uma desigualdade social tão

profunda? Temos que reconhecer que as precárias condições de vida de grande

parte da população brasileira não decorrem de uma escassez absoluta de

recursos, mas sim da má distribuição desses mesmos recursos, sejam eles

materiais ou simbólicos.

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Mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, alcunhada por

Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã, a reforma do Estado e a adoção da

política macroeconômica a partir de meados dos anos 1990, a lógica estrutural da

desigualdade social pouco se alterou, diferentemente do que preconizavam

alguns atores políticos e econômicos. Instituições como o IPEA e FGV mensuram

a renda do trabalho1 a partir de dados do censo do IBGE e desenvolvem estudos

sistemáticos onde, o resultado extraído desses dados sustenta que a

desigualdade econômica apresenta, numa série histórica, uma forte queda nas

últimas décadas. Porém, os relatórios desses institutos mencionam apenas a

renda do trabalho, única fonte de renda captada pelo IBGE. Outras fontes de

renda, como a do capital, juros, aluguel etc. – fontes que normalmente são

omitidas pelos entrevistados –, onde se concentra as maiores rendas e, portanto

as maiores riquezas nacionais, é onde se situa o extremo oposto da miséria,

mostrando o quão a desigualdade na sociedade brasileira é profunda e histórica.

A partir de publicações que divulgam a produção científica brasileira, temas

como a pobreza e a desigualdade social – objetos tradicionais das Ciências

Sociais – são mais estudados pelos economistas que pelos cientistas sociais.

Pode-se arriscar a justificativa dessa argumentação considerando que a

Economia está mais próxima às questões relacionadas com a formulação de

políticas públicas, uma vez que estas envolvem opções quanto à aplicação de

recursos escassos. Os estudos produzidos pelas Ciências Sociais no Brasil e que

1 A renda do trabalho — salários, rendimentos dos trabalhadores por conta própria e pro labore

dos empregadores — representa apenas uma parcela da renda global na economia.

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abordam tais temas tendem a privilegiar a desigualdade social sob a perspectiva

fragmentada, seja do conhecimento seja da percepção da realidade.

Por outro lado, são escassos os estudos que têm como objeto investigativo

setores das elites brasileiras e sua percepção da desigualdade social. Mais

escassos ainda são os estudos sobre as classes médias. Todavia, as percepções

daqueles que monopolizam posições estratégicas e recursos escassos em uma

sociedade são elementos chaves na compreensão da eficácia e viabilidade de

políticas sociais. Neste trabalho investigaremos uma dimensão pouco

contemplada nos estudos sobre desigualdade social, qual seja a visão que um

dos segmentos dos não-pobres tem dessa problemática.

Embora nossas elites – objeto central desse estudo – se declarem cada

vez mais sensíveis aos problemas sociais, perguntamos como e se atuam

concretamente no combate às desigualdades econômicas e sociais.

A literatura sugere que as elites européias e norte-americanas assumiram

sempre responsabilidades maiores do que as elites latino-americanas. Elisa Reis,

por exemplo, sustenta que a partir do

estudo histórico de [Abraam De] Swaan e a observação

impressionista, [observou-se] que as elites do Terceiro Mundo têm

uma percepção da pobreza diferente daquela das elites européias

à época da implantação das políticas nacionais de welfare state.2

O papel político das elites é central para a definição das políticas públicas.

E quando elas, além de deter instrumentos de pressão política, se “reúnem” para

2 REIS, 2000, p. 144.

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defender seus interesses econômicos, este poder aumenta. É o que acontece

quando senadores e deputados representando grupos de interesse econômico se

reúnem para atuarem em blocos ou como frentes parlamentares no Congresso

Nacional.

Seguindo este caminho que decidimos observar a atuação de um

segmento da elite política brasileira – a bancada ruralista. É um grupo coeso e de

forte expressão política no cenário político nacional.

Averiguamos por meio de análise documental os discursos (taquigrafados)

proferidos em plenário pelos parlamentares da bancada ruralista, a partir da

discussão da Medida Provisória nº 114/03, convertida na Lei nº 10.696/03, que

dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações

de crédito rural, e dá outras providências. A tramitação da MPV 114/03 no

Congresso Nacional ocorreu no primeiro mandato do governo Lula, entre os

meses de março e julho de 2003. Consideramos este um momento importante do

debate, uma vez que obrigou os parlamentares a defenderem seus pontos de

vista e tornarem transparentes suas convicções.

A perspectiva investigativa deste trabalho é examinar uma série de

questões relativas à justiça social e igualdade (de oportunidades, de condições,

de resultados e de direitos), além de verificar se há, dentro do jogo de interesses,

nesse grupo político – bancada ruralista – uma perspectiva coletivista de

encontrar uma porta de saída para a desigualdade social que atinge grande parte

dos brasileiros, nomeadamente a população rural do Norte, Nordeste e Centro-

Oeste.

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No primeiro bloco do estudo apresentaremos os desafios conceituais que

perpassam o objeto central: a política e a classe dominante, a elite e a

desigualdade social. Na primeira parte abordaremos a definição e os limites da

Sociologia Política. Analisaremos como ocorre o diálogo entre o “mundo da

política”, as relações de poder e o trato da coisa pública; assim como a

categorização de classe dominante: entrelaçamento das esferas do poder

econômico e do poder político.

Em seguida exporemos a definição do conceito de elite e – aliado ao nosso

objeto central - a bancada ruralista. Como tratam a questão da desigualdade

social e como acomodam seus interesses no Congresso Nacional, cuja

representação política cria um viés vital pela socialização dos custos e maior

concentração dos benefícios. Para tanto, levantamos as seguintes questões:

a) Na acomodação de interesses do bloco ruralista, o Estado exerce

sua função social, isto é, cumpre seu papel como agente na

promoção da justiça social?

b) Há alguma tentativa de encontrar mecanismos que vise enfrentar

estruturalmente a desigualdade social no campo?

Na terceira e última parte do primeiro bloco apontaremos as principais

linhas de pensamento da Sociologia Política sobre a desigualdade social

brasileira.

No segundo bloco, apresentaremos um breve histórico, e sua

conceituação, da formação das frentes parlamentares no Congresso Nacional

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brasileiro, fenômeno típico da política brasileira, porém não exclusivo. A existência

de frentes parlamentares é apontada por cientistas políticos como prova da

inexistência de verdadeiros partidos políticos no Brasil. A filiação a um partido

geralmente não é por afinidades programáticas, mas por interesses pessoais,

econômico e corporativo. Uma frente parlamentar é constituída por parlamentares

de diferentes partidos, isto é, formam um grupo político suprapartidário em torno

de interesses específicos.

Rumo ao encontro do nosso objeto de estudo, abordaremos a Frente

Parlamentar da Agropecuária, comumente conhecida como bancada ruralista. Os

parlamentares ruralistas possuem uma forte representatividade e são

extremamente hábeis na defesa dos interesses dos grandes produtores rurais. No

Congresso Nacional, a bancada ruralista é mais eficiente que qualquer partido,

pois seus membros superam o número de parlamentares de qualquer agremiação

partidária. Segundo estimativas de entidades como DIAP e INESC, na 53ª

Legislatura (2007-2011) da Câmara dos Deputados pode haver entre 120 a 200

parlamentares que se identificam com essa bancada.

A bancada ruralista surgiu para representar e defender os interesses

ligados aos grandes agricultores e pecuaristas. Com forte representação tanto na

Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, essa bancada atua de forma

coesa e exerce intensa influência tanto no Legislativo quanto no Executivo, ao

interferir, por exemplo, na nomeação dos ministros da Agricultura e de diretores

da área agrícola do Banco do Brasil.

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O número de deputados federais que compõe a bancada ruralista3 oscilou

demasiadamente nos últimos 15 anos, apresentando um decréscimo constante de

1995 até o pleito de 2002, recuperando sua representatividade na eleição de

2006, aos níveis da década anterior. Conforme o DIAP, no processo eleitoral de

2006 parlamentares de cerca de 10 partidos compunham a bancada ruralista.

Para uma comprovação da força dos ruralistas, em 2006 o número de eleitos que

se alinham com essa bancada é de aproximadamente de 116 membros, número

que supera ao das cinco maiores siglas partidária (PMDB/90, PT/83, PSDB/64,

PFL/62 e PP/41), destaca o INESC. É concebível que num embate entre o

posicionamento partidário e os interesses dos ruralistas, os últimos apresentem

uma vantagem considerável.

O segundo tópico desse bloco examinará a forma de atuação da bancada

ruralista no Congresso Nacional. Desde 1985, com o início da chamada Nova

República, o Brasil teve vinte ministros que ocuparam a pasta do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento; naquele mesmo ano foi fundada a União

Democrática Ruralista (UDR) e desde então pelo menos metade dos ministros

que ocuparam essa pasta esteve ligado a essa entidade ou a Confederação da

Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ou a Bancada Ruralista, entidades de

classe que se destinam a representar e a atuar em defesa dos interesses dos

3 Não há um número exato de parlamentares que se alinham ao pensamento da bancada ruralista,

já que muitos não assumem abertamente uma posição ideológica análoga a essa bancada. Os

números apresentados se referem a parlamentares que assumem explicitamente sua identificação

com a bancada ruralista.

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grandes proprietários rurais brasileiros. Uma marca dos ruralistas é a de ter

representantes do setor, parlamentares ou não, no governo central, independente

da posição ideológica assumida pelo presidente de plantão. Por exemplo, no

governo Lula a bancada ruralista representa o “elo frágil”, pois mesmo tendo o

governo a maioria no Parlamento, os ruralistas serão sempre uma ameaça de

cisão dessa articulação. Praticamente todos os partidos da base aliada do atual

governo têm ruralistas na sua bancada. Mais da metade dos integrantes dessa

bancada estão nos partidos de base aliada ao governo Lula.

O modo como os ruralistas desenvolvem suas articulações tem se

conservado ao longo do tempo. O mais manifesto é o discurso de auto-atribuição

de um caráter de defesa dos interesses nacionais a partir da sua disposição

regional. Outra característica é a ocupação de postos-chave, como vice-

lideranças nos partidos políticos. A ocupação desses postos, tanto no Legislativo

como no Executivo, é a origem da fonte do poder político dessa bancada.

Os parlamentares ruralistas de regiões tão distintas, como o Nordeste e o

Sul, assumem na arena política o mesmo compromisso: a defesa de uma agenda

densamente conservadora em relação à reforma agrária, à extinção do trabalho

análogo à escravidão e a preservação do meio ambiente.

A existência da bancada ruralista depende, em grande parte, das crises no

setor agropecuário, que favorecem o acúmulo de recursos de poder por parte

desse grupo que, ao utilizá-los, reforça sua própria imagem.

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No terceiro bloco apresentaremos uma síntese do processo de

endividamento rural, as diversas renegociações das dívidas do crédito rural, a

apresentação pelo Executivo da MPV nº 114/03 e a discussão dessa medida

provisória ocorrida no Congresso Nacional em 2003. Apresentaremos quais os

objetivos e os requisitos básicos para que uma pessoa física ou jurídica se

enquadre nas exigências para a obtenção dos empréstimos direcionados para o

setor agrícola, lastreado por um breve histórico das renegociações das dívidas do

crédito rural desde meados dos anos 1990, possibilitando uma visão panorâmica

sobre o processo que resultou na Lei nº 10.696/03.

As renegociações das dívidas do crédito do setor agropecuarista se

arrastam uma após a outra, até os dias atuais:

a) A primeira grande renegociação ocorreu em 1995 (Securitização I);

b) Em 1998 criou-se o PESA (Programa Especial de Saneamento de

Ativos);

c) Em 2001 (Securitização II) quando o governo Fernando Henrique fez

a securitização de parte dessas dívidas, e;

d) Em 2003, no governo Lula, houve a renegociação dos inadimplentes

do PESA, chamado Pesinha, onde constatamos a “mão” dos

ruralistas na Lei nº 10.696/03.

Todas as renegociações revelam que a rica agricultura, dentro do bojo das

políticas neoliberais, parece não ter grande dificuldade de se desenvolver e de se

realizar sem subsídio público. De fato, parece que o setor agropecuário,

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principalmente o exportador, não tem presenciado graves crises, muito menos

financeira. Mesmo assim, as sequências das renegociações das dívidas do

crédito rural revelam ser cíclicas, ocorrendo em espaços de tempo cada vez

menor. Parte significativa dos grandes produtores rurais simplesmente se

habituou a não pagar os empréstimos obtidos do dinheiro público, pois sabem que

possuem uma forte base parlamentar de pressão que atua toda vez que há

renegociação das dívidas. É a consolidação da cultura do calote.

Na primeira parte do terceiro bloco apresentaremos um breve histórico das

renegociações e repactuações das dívidas do crédito rural. Apresentaremos o

estoque das dívidas rurais contraídas a partir de 1996 e as renegociações até o

ano de 2003, nosso corte temporal.

Uma sucinta exposição do montante dos valores devidos: em 1996 a

bancada ruralista pressionou o governo federal até conseguir a rolagem de R$

10,7 bilhões nas dívidas acima de R$ 200 mil; no ano de 1999, o PESA prorrogou

R$ 7,5 bilhões; em 2001 quando vencia a carência da Securitização e deveriam

ser pagos R$ 2,5 bilhões, houve nova rolagem da dívida.

Na rolagem da dívida antiga, o Tesouro Nacional assumiu como credor.

Ou seja, o Tesouro Nacional pagou essa dívida aos bancos (públicos e privados)

e continua o governo a assumir a dívida dos fazendeiros e, por efeito, a sociedade

como um todo é quem arca com a diferença não paga por aqueles inadimplentes.

Segundo sustenta o Banco do Brasil, 95% dos pequenos produtores estão

adimplentes, enquanto que os grandes produtores são os maiores inadimplentes.

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Contudo, é importante destacar o consenso entre os envolvidos no debate

dessa questão, de que a apuração dos saldos das dívidas do setor agropecuário

foi supervalorizada nas renegociações realizadas desde 1998. De qualquer forma,

as condições para pagamento, após apuração das dívidas, sempre foram

satisfatoriamente vantajosas para o conjunto dos produtores que aderiram aos

programas.

O produtor que recorre a esses empréstimos e que não paga, tem ainda no

ato da renegociação redução das taxas de juros das operações e concessões de

desconto para liquidação dessas dívidas, além de ter acesso a novos

empréstimos. Ou seja, o governo reduz os encargos, os juros e ainda confere

desconto para pagar. Esse expediente traduz o conjunto de ações que representa

transferência de recursos públicos para o setor privado, nesse caso

especificamente ao grande produtor rural.

Na segunda abordagem desse bloco iremos expor a tramitação da Medida

Provisória nº 114/03. Um dos primeiros atos que o governo Lula tomou no início

de seu primeiro mandato foi propor a renegociação das dívidas do crédito rural ao

enviar para o Congresso Nacional a Medida Provisória (MPV) nº 114 de 2003.

Após as discussões no Congresso Nacional, essa medida provisória foi aprovada

e não só compreenderia as renegociações das dívidas do crédito rural dos

agricultores familiares, pequenos e mini produtores – um procedimento atípico,

pois até então somente os grandes produtores é que tiveram suas dívidas

renegociadas –, mas também, e aí devido às pressões da bancada ruralista,

contemplou todos os produtores rurais inadimplentes, privilegiando os que

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12

estavam em débito com os agentes financeiros (público ou privados),

especialmente os grandes agricultores.

Desde 1995 foram editadas inúmeras leis, medidas provisórias e atos

normativos, fixando novas medidas, ou alterando as já existentes. O grave de

toda essa história é que apesar da profusão desses atos, e dos bilhões de reais já

despendidos pela sociedade brasileira para socorrer os agropecuaristas, parece

que se trata de um processo sem fim.

Na terceira e última parte desse bloco, apresentaremos uma síntese das 55

emendas oferecidas à MPV nº 114/03, onde estas implicam que nenhum

agricultor do país, nem mesmo o maior dos exportadores, teria condições de

honrar compromissos financeiros assumidos em decorrência de operações de

crédito rural. Seria como se todos os agricultores, sem exceção, enfrentassem

crise de renda que lhes inviabilizasse a capacidade de pagamento.

Na composição dessas 55 emendas apresentadas à MPV nº 114/03,

conclui-se pelo reconhecimento do fracasso absoluto dos instrumentos de

renegociação das dívidas rurais implementados desde 1995. Em resumo, as

emendas apontam o avanço de uma cultura do calote no crédito rural no Brasil.

Também, nenhuma destas emendas aponta para uma preocupação no combate à

desigualdade rural brasileira, mas apenas dos interesses imediatos dos ruralistas.

No quarto e último bloco apresentamos a discussão dos parlamentares em

plenário, cada qual apresentando argumentos defendendo seus pontos de vista,

isto é, na primeira parte desse bloco apresentamos os argumentos para a

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13

inclusão dos grandes produtores rurais na renegociação de suas dívidas. Na

segunda parte, apresentamos os questionamentos para os empréstimos, ou seja,

confrontamos a questão do subsídio para todos os produtores, indistintamente, e

o atual modelo adotado, confrontando o PIB total brasileiro com o PIB

agropecuário. Na terceira parte apresentamos os discursos de diversos

parlamentares ruralistas e o do relator da medida provisória, deputado João

Grandão, ao apresentarem os vícios recorrentes nesse tipo de negociação. Nesta

última parte desse último bloco apresentamos os argumentos dos ruralistas na

direção da legalização e legitimação das renegociações.

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15

Capítulo I

A) Política e a Classe Dominante

A abordagem da política pela Sociologia pode ser definida da seguinte

forma: explicar como os atores sociais experimentam a política, isto é, como

expressam as práticas relacionadas ao mundo da política. A compreensão de

grupos específicos, e no caso a banca ruralista, leva a diálogos com a literatura

sobre contextos sociais mais amplos.

Embora aparentemente simples, a compreensão de grupos específicos é

uma proposta complexa de ser executada e que implica pelo menos dois

pressupostos. O primeiro, de que a sociedade é heterogênea, formada por redes

sociais que sustentam e possibilitam múltiplas percepções da realidade. O

segundo, de que o "mundo da política" não é um dado a priori, mas precisa ser

investigado e definido a partir das formulações e dos comportamentos de atores

sociais e de contextos particulares.

O interesse da Sociologia, assim como o da Antropologia, pela política

existe desde os primórdios da disciplina, uma vez que o estudo de sociedades e

relações sociais é estreitamente ligado à temática das relações de poder. A

definição de poder teria se tornado tão ampla que poderia ser encontrada em

qualquer situação social, englobando literalmente todos os temas dessas

disciplinas. Numa chave weberiana podemos entender a política como o conjunto

de esforços feitos visando a participar do poder ou a influenciar a divisão do

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poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado4. O eixo

organizador do pensamento de Weber é o poder político.

A política é entendida, aqui, principalmente como um meio de acesso aos

recursos públicos, no qual o político atua como mediador entre grupos de

interesses e diversos níveis de poder. Esse fluxo de trocas é regulado, sob a luz

da Antropologia, pelas obrigações de dar, receber e retribuir, que o antropólogo

Marcel Mauss (1872-1950) chamou de "lógica da dádiva", e cujo princípio

fundamental está no comprometimento social daqueles que trocam para além das

coisas trocadas.

As pessoas que participam dessas redes jamais concordariam com os

acadêmicos que consideram suas ações um típico "clientelismo", quiçá dizer das

novas formas da prática do patrimonialismo. Do ponto de vista do senso comum,

os atores políticos não estão "privatizando bens públicos" (para usar uma

definição clássica de clientelismo); ao contrário, os políticos estão dando acesso a

bens e serviços públicos a pessoas ou instituições que não os teriam de outra

forma. Nesse contexto, a palavra "público" não significa "recursos que pertencem

a todos", mas "recursos monopolizados pelas elites políticas e econômicas". Ou

seja, pessoas "ordinárias" – de estratos inferiores da sociedade – não

participariam dessa definição de "público". Por isso mesmo, o acesso às fontes

públicas de bens e serviços precisaria ser intermediado pelo político e ser visto

como um bem extraordinário, "que não tem preço".

4 WEBER, 2004, p. 60

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17

No entanto, essa rede social não se constitui apenas pelo acesso e

intermediação de recursos públicos. Para manter esse tipo de serviço, os atores

políticos precisam manter fortes laços com grupos economicamente favorecidos e

lhes forneçam dinheiro, mercadorias ou outras benesses. Essa ajuda externa é

retribuída, por sua vez, na forma de alvarás, licenças, renegociações de dívidas,

anistia de multas e outros benefícios diversos.

Nas condições do capitalismo contemporâneo, o poder econômico – em

decorrência, o controle do poder corporativo – e o poder estatal – significando o

controle dos meios de administração e coerção do Estado – são

institucionalmente separados, se bem que os vínculos entre as duas formas de

poder sejam numerosos e estreitos5.

Em decorrência dessa separação institucional, a elite do poder (designação

de Wright Mills) das sociedades capitalistas avançadas se compõe de dois

elementos. Por um lado, há pessoas que controlam as poucas centenas de

grandes empresas industriais, financeiras e comerciais no setor privado da

economia. Por outro lado, há pessoas que controlam as posições de seus

colaboradores imediatos, as pessoas que ocupam altas posições nos serviços

civil, militar e de polícia, no judiciário e no legislativo6. Essa elite do poder constitui

a camada superior da classe dominante nessas sociedades. Obviamente, a

classe dominante está longe de ser homogênea: mas nenhuma classe o é.

5 Presenciei, em certa ocasião, afirmação de um deputado federal, feita em off em evento, que o

Congresso Nacional é pressionado por lobbys corporativos e não se pauta por questões nacionais.

6 MILIBAND, 1999, p. 478.

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18

O conjunto de práticas sociais, isto é, o conjunto da divisão do trabalho,

compreende as relações políticas e as relações ideológicas, relações de

dominação/subordinação política e ideológica. Poulantzas sustenta que

Não se trata, segundo um antigo equivoco, de uma “estrutura”

econômica que designa, sozinha, de um lado os lugares e de

outro uma luta de classes que se estende no domínio político e

ideológico: tal equivoco toma atualmente com freqüência a forma

de uma distinção entre “situação [econômica] de classe” de um

lado, e posições político-ideológicas de classe por outro lado. A

determinação estrutural de classes refere-se desde já à luta

econômica, política e ideológica de classe, expressando-se todas

essas lutas pelas posições de classe na conjuntura.7

No que se refere à classe dominante numa sociedade de classes, Miliband

reitera que

uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é

constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes

principais de dominação: os meios de produção, onde o controle

pode envolver (e em geral envolve) a propriedade desses meios,

mas não precisa necessariamente fazê-los; os meios da

administração e coerção do Estado; e os principais meios para

estabelecer a comunicação e o consenso.8

Embora haja diferenças e conflitos no seu interior, a classe dominante, em

geral, permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos

comuns sejam eficazmente propostos e defendidos. A classe dominante procura

evidentemente, acima de qualquer outra coisa, defender, manter e fortalecer a

7 POULANTZAS, 1978, p. 16.

8 MILIBAND, 1999, p. 476.

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19

ordem social. A classe dominante é o que se pode adequadamente chamar de a

principal classe conservadora da sociedade, o que obviamente não significa que

outras classes não possam ser conservadoras ou não possam incluir muitas

pessoas devotadas à causa conservadora9.

É evidente que a classe dominante e seus aliados não sejam

conservadores no sentido de sempre rejeitarem toda e qualquer reforma. No

entanto, o objetivo é defender e fortalecer seus interesses pessoais e

corporativos, podendo muito bem envolver a aceitação da reforma como o preço a

ser pago para a contenção e a sujeição da pressão de baixo para cima ou de

pressão de grupos ideologicamente divergentes.

B) A elite

Apesar de a lógica da dádiva ser um expediente rotineiro na ação política,

desde sempre, e dos escassos recursos públicos serem abarcados pelas elites

econômicas e políticas, são poucos os estudos que têm como objeto investigativo

setores das elites brasileiras – aqueles que detêm os diversos tipos de poder,

prestígio e influência. E mais escassos ainda são os estudos sobre as classes

médias. Considerando que as sociedades ocidentais modernas se consolidaram a

partir da formação de classes dominantes plurais e não homogêneas, no caso

9 Ibidem, p. 484.

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brasileiro com a redemocratização pós-1984 três elites se firmaram no cenário

político nacional: a partidária, econômica e sindical.10

Embora, por hipótese, nossas elites sejam sensíveis aos problemas

sociais, perguntamos se elas têm compreensão do seu papel como um dos atores

sociais chave pelo equacionamento dessas questões, ou se ainda se colocam

numa posição com menos responsabilidades do que as elites européias e norte-

americanas, conforme sugere a literatura.11

Não se pode subestimar a capacidade que as elites têm de influenciar

decisões na formulação e implementação de políticas públicas. Conforme

assevera Reis, apoiada em estudo clássico de Abraam De Swaan12 sobre a

emergência de políticas nacionais de bem-estar social na Europa,

a percepção das elites sobre os problemas sociais como uma

dimensão explicativa central... somente quando as elites viram

vantagens na coletivização de soluções a problemas sociais é que

o poder público tornou-se o agente natural na provisão de “bens

de cidadania” como educação, saúde e previdência.13

10 Conforme destaca o Prof. Fausto Castilho em conferência intitulada “A situação das elites no

Brasil contemporâneo”, Campinas, 2007.

11 Para uma melhor compreensão do papel social das elites européias, ver Reis & Moore, 2005.

12 Abraam De Swaan, professor de Sociologia da Universidade de Amsterdã, Holanda, que dentre

seus trabalhos se destaca: In care of the state: health care, education and welfare in Europe and

the USA in the modern era. Cambridge: Polity Press, 1988.

13 REIS, 2000, p. 144.

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O que nos leva a debruçar ao estudo de uma determinada elite é tanto a

baixa produção científica em relação ao tema nas Ciências Sociais nos últimos

anos14, e compreender como determinados parlamentares brasileiros –

especificamente os da bancada ruralista – tratam de temas relevantes à nossa

sociedade.

Este estudo privilegiará a seleção dos representantes de um grupo da elite

política brasileira atendendo a um critério institucional, no nosso caso a Frente

Parlamentar da Agropecuária – comumente conhecida como bancada ruralista, e

assim a denominaremos neste trabalho – relativizando as idiossincrasias dos

discursos individuais, considerando a priori a definição de elite de Wright Mills,

que diz:

se tomarmos os cem homens mais poderosos da América, os cem

mais ricos, os cem mais celebrados e os afastarmos das posições

institucionais que hoje ocupam, dos recursos de homens,

mulheres e dinheiro, dos veículos de comunicação em massa que

hoje se voltam para eles – seriam então sem poder, pobres e não

celebrados. Pois o poder não pertence a um homem. A riqueza

não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente

a qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o

acesso às principais instituições, pois as posições institucionais

determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar

essas experiências a que se atribui tanto valor.15

14 Essa afirmação é recorrente em trabalhos de Reis, 2000. Afirmativa também contida no artigo

de Francine Mestrum “A luta contra a pobreza: utilidade pública de um discurso na nova ordem

mundial”, in: Mundialização das resistências: o estado das lutas. São Paulo, Cortez, 2003.

15 WRIGHT MILLS, 1968, p. 19.

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22

As decisões daqueles que ocupam posições estratégicas e monopolizam

recursos escassos em uma sociedade são elementos chaves na compreensão da

eficácia e viabilidade de políticas sociais. Assim, analisar como uma parte da elite

política brasileira se posiciona frente às questões chaves de importância nacional

poderá indicar como acomodam determinados interesses, que parece redundar,

de uma forma ou de outra, no aprofundamento da desigualdade social brasileira.

O propósito deste trabalho é investigar o posicionamento da bancada

ruralista frente às questões das renegociações das dívidas do crédito rural e

como, a fim de alcançar seus próprios interesses, seus discursos se aproximam

dos parlamentares que defendem os interesses do pequeno produtor rural o do

meio ambiente; e verificar se há, de fato, no jogo dos interesses, uma perspectiva

coletivista na solução da enorme desigualdade social que aflige grande parte dos

brasileiros, e aqui especificamente os produtores rurais das regiões Norte,

Nordeste e Centro-Oeste, tendo a ciência de que grande parte dessa população

se situa no limite da linha da pobreza ou abaixo desta. Nesse sentido, sustenta

Reis que

o estudo histórico de [Abraam De] Swaan e a observação

impressionista mostra que as elites do Terceiro Mundo têm uma

percepção da pobreza diferente daquela das elites européias à

época da implantação das políticas nacionais de welfare state.16

16 REIS, 2000, p. 144.

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Consideramos de suma importância a análise do bloco político

suprapartidário aqui tomado como objeto de estudo – bancada ruralista – para a

compreensão da questão da desigualdade social no Brasil – especialmente a

desigualdade de condições em que são tratadas as questões agrárias e de poder

–, uma vez que são atores sociais capacitados e com grande influencia nas

decisões, formulação, transformação ou manutenção de políticas públicas17 e aqui

nos referimos aos acordos, especificamente, às discussões ocorridas no plenário

do Congresso Nacional quando da análise da Medida Provisória 114/03. Nossa

hipótese é que as elites brasileiras não se sentem como parte constitucional para

o equacionamento da desigualdade social, diferentemente da constatação a que

chegou De Swaan ao estudar as elites européias18; e mais, que o Estado existe

para servi-las.

Nossas questões são:

i) Se na acomodação de interesses da bancada ruralista, o Estado

exerceu sua função social, isto é, se cumpriu seu papel como agente

na promoção da justiça social;

ii) Averiguar se houve uma perspectiva, dentro da ótica ruralista, de

encontrar mecanismos que visassem enfrentar estruturalmente a

desigualdade social no campo.

17 Entende-se aqui políticas públicas em sentido amplo, nele incluídas as dimensões social,

econômica, política e simbólica.

18 REIS, 2005.

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Conforme apontam os estudos sobre desigualdades de Elisa Reis, Célia

Scalon e Teresa Sales, nossas elites vêem o enfrentamento da problemática da

desigualdade social circunstanciada à atuação do Estado, sendo distante o papel

da sociedade, em busca de estratégias e mecanismos para enfrentar tal

problemática; constatação diversa a que chegou De Swaan ao estudar as elites

européias, ao afirmar que Estado e sociedade, em particular as elites, são

agentes constitutivos para a solução da questão da desigualdade.

C) A desigualdade social19

É certo que as desigualdades sociais ocorrem em escala mundial, mas se

refletem diferentemente em países periféricos de capitalismo tardio.

Historicamente a produção e reprodução da pobreza e da desigualdade social no

Brasil estão fortemente presentes em nossa sociedade, assim como na América

Latina como um todo. A explicação da persistente iniqüidade social brasileira

decorrente do “pecado original” – onde a colonização portuguesa explicaria tudo –

19 O tema da desigualdade sempre esteve situado no centro das preocupações das Ciências

Sociais. Entre os “pais fundadores” das Ciências Sociais essa centralidade é indiscutível. Assim,

para Karl Marx a desigualdade entre classes sociais constitui a chave tanto para entender o

processo histórico social, como para superar o problema moral da exploração do homem pelo

homem. Émile Durkheim viu a desigualdade moderna substancialmente como diferença resultante

da especialização. Max Weber, por sua vez, confere à questão da desigualdade um tratamento

analítico; para este último a idéia de que as fontes de desigualdade são diferenciadas e não

necessariamente convergentes, tornou-se premissa teórica e princípio estratégico para se alterar

padrões de desigualdade através de políticas específicas.

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não se justifica de modo pleno na contemporaneidade, uma vez que o Brasil

apresentou em diversos momentos da sua história, sobretudo durante o século

XX, um intenso desenvolvimento econômico. Nos períodos de crescimento

econômico, o “bolo” não só não foi dividido como também o país presenciou o

aumento da distância entre o ápice e a base da pirâmide social.

Assim, por que o Brasil que não é considerado uma país pobre, possui uma

desigualdade social tão profunda? Temos que reconhecer que as precárias

condições de vida de pelo menos um terço da população brasileira – estando

grande parte destes nas periferias das grandes cidades e tantos outros mais nas

regiões rurais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste – não decorrem de uma

escassez absoluta de recursos, mas sim da distribuição desigual desses mesmos

recursos, sejam eles materiais ou simbólicos.

Diversos estudiosos brasileiros têm como tema central de suas pesquisas a

desigualdade social, tais como Elisa Reis (UFRJ), Jessé Souza (UFJF) e Celi

Scalon (UFRJ), dentre outros, e que desenvolvem junto aos núcleos de estudos e

pesquisas de suas respectivas instituições, estudos que abordam de diferentes

formas a desigualdade social no Brasil.

Parte dos pesquisadores que estuda a desigualdade social brasileira atribui

a persistente desigualdade brasileira a fatores que remontam ao Brasil colônia,

pré-1930 – a máquina midiática, em especial a televisiva, produz e reproduz a

idéia da desigualdade creditando ao “pecado original” como fator primordial da

desigualdade e assim, por extensão, o senso comum incorpora essa idéia já

formatada –, ao afirmar que são três os “pilares coloniais” que apóiam a

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desigualdade: a influência ibérica, os padrões de títulos de posse de latifúndios e

a escravidão. É evidente que esses fatos contribuíram intensamente para que a

desigualdade brasileira permanecesse por séculos em patamares inaceitáveis. O

surpreendente é que em pleno século XXI questões cruciais que poderiam

sinalizar um caminho para minimizar a desigualdade social, principalmente no

campo, não estão efetivamente na agenda política, como, por exemplo, a questão

da posse da terra, a criminalização da prática do trabalho análogo à escravidão

(que ainda se faz presente em nossa sociedade) e uma distribuição mais

equitativa dos escassos recursos públicos para o fomento da agropecuária,

especialmente os mini e pequenos produtores.

Ao contrário de ser personalista, a desigualdade social brasileira retira sua

eficácia da “impessoalidade” típica dos valores e instituições modernas, como por

exemplo, o Estado e o mercado, o que faz a desigualdade social tão opaca e de

tão difícil percepção na vida cotidiana.

A máscara ideológica contra a articulação política dos conflitos de classe

se faz a partir de um “fetichismo da economia”, como se o crescimento econômico

per se resolvesse problemas como desigualdade e marginalização, posto que o

mercado capitalista com seu aparato técnico e material e o Estado racional

centralizado com seu monopólio da violência e poder disciplinador pudessem

resolver nossas mazelas sociais. Estado e mercado oferecem estímulos que

lidam com as possibilidades de sobrevivência e de acesso a serviços e bens

escassos. O mercado não necessita “convencer” ninguém como os profetas e

religiosos do passado. O mercado “não fala”, mas impõe a sua lógica totalizante e

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conforma as nossas inclinações de forma mais eficiente justamente por ser

opaca, impessoal e não perceptível à consciência cotidiana. O Estado, ao

contrário do mercado que precisa constantemente se legitimar, estabelece uma

forma de estrutura da consciência subjetiva, baseada na disciplina e no

autocontrole individual.20

O tema sobre desigualdade social no Brasil, assim como a questão da

pobreza, tem sido objeto de poucos estudos no campo das Ciências Sociais

brasileiras e estes estudos tendem a privilegiar a desigualdade social sob uma

perspectiva fragmentada, seja do conhecimento ou da percepção da realidade, ao

tratarem o tema da desigualdade por intermédio de variáveis relativas a

características adquiridas da população, tais como renda, ocupação e

escolaridade, entre outras, e também a características atribuídas como gênero,

idade, cor/raça etc. Pretendemos transitar para além do universo do não

atendimento às necessidades básicas e vitais – como educação, saúde,

alimentação, moradia, segurança, cultura e emprego – para o espaço da justiça

social.

Essas análises objetivas e fragmentadas se aproximam do que Charles

Tilly (sociólogo norte-americano) chama de desigualdade categórica. De maneira

geral, Tilly denomina como desigualdade categórica aquelas formas de benefício

desigual em que conjuntos inteiros de pessoas, de um lado e de outro da

fronteira, não recebem o mesmo tratamento. Tilly afirma ainda que as categorias

20 SOUZA, 2003, p. 69.

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são cruciais, pois moldam desigualdades e identidades, e sempre estabelecem

fronteiras entre os que estão dentro e os que estão fora. No entender de Tilly a

desigualdade é uma relação entre pessoas ou conjuntos de pessoas na qual a

interação gera mais vantagens para um dos lados. A desigualdade categórica

duradoura, denominação utilizada por Tilly, refere-se a diferenças nas vantagens

organizadas por gênero, raça, nacionalidade, etnia, religião, comunidade, renda e

outros sistemas classificatórios similares.21

Aqueles indivíduos que se encontram na linha da pobreza, ou abaixo dela,

em trabalho precarizado ou escravo, assim como o negro, a mulher, a criança, o

idoso, o desempregado, o nordestino etc., são percebidos pela sociedade, em

geral, como se fossem alguém com a mesma situação do indivíduo da classe

média. No senso comum a condição do miserável e sua miséria são consideradas

“castigo divino”, e porque não dizer na visão liberal, é casual e imprevisível (como

as condições climáticas, por exemplo!), um acaso do destino, sendo a sua

situação de absoluta privação facilmente reversível, bastando apenas uma ajuda

passageira e focalizada do Estado para que eles possam encontrar seus próprios

caminhos.

A hipótese aqui apresentada é que há um aparente desconhecimento de

que a miséria dos “desclassificados” é produzida objetivamente, não apenas sob

a forma de miséria econômica, mas, sobretudo sob a forma de miséria emocional,

social, cultural e política. A realidade social é perpassada por relações de

21 Tilly, 2006.

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dominação e poder, tendo como intuito o acesso seletivo e arbitrário de classes

inteiras de indivíduos, em detrimento de outras, aos bens e recursos escassos em

disputa na sociedade. Escolhemos observar este fenômeno através do discurso

da bancada ruralista no Congresso Nacional na discussão de projetos de seu

interesse, especificamente a discussão em plenário da MPV 114/03.

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Capítulo II

Breve histórico da Frente Parlamentar

Frente parlamentar é um grupo formado de membros parlamentares que

pertencem a um dos poderes legislativos (Federal, Estaduais ou Municipais) que

tem sua atuação unificada em função de interesses comuns, independentemente

do partido político a que pertençam. Fenômeno típico, mas não exclusivo, da

política brasileira, esses grupos de interesse estão constituídos, em grande parte,

sob a forma de sociedade civil, que nasceram de bancadas suprapartidárias

informais e até hoje são conhecidas por essa denominação na mídia. Assim, por

exemplo, ao invés de se referirem à Frente Parlamentar da Agropecuária, os

órgãos de imprensa e mídia em geral denominam bancada ruralista, como era

originariamente conhecida.

A existência de frentes parlamentares é apontada por estudiosos como

prova da inexistência de verdadeiros partidos políticos no Brasil. De modo geral,

políticos filiam-se a partidos não por se identificarem com seu programa, mas por

conveniências de ordem pessoal, eleitoral e/ou corporativa. A filiação a um partido

ocorre, geralmente, por afinidade com suas chefias nacionais, regionais ou locais.

Descompromissados com o programa partidário, no mais das vezes enunciados

genéricos e vazios, os parlamentares se unem em função de interesses pessoais,

profissionais e/ou econômicos, próprios ou de seus apoiadores. A Frente

Parlamentar Evangélica, por exemplo, era composta de deputados federais e

senadores de 14 partidos na 52ª legislatura – 2003/2007.

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Esses grupos começaram a ser informalmente criado na Assembléia

Nacional Constituinte com o objetivo principal de inserir na Carta Magna de 1988

disposições que atendessem aos seus respectivos grupos de interesses, muitos

desses econômicos. Levantamento feito pelo DIAP no ano de 1997 apontava a

existência de 12 desses grupos de interesses. Algumas dessas frentes

parlamentares não têm atuação efetiva; foram constituídas porque, em

determinado momento, era interessante chamar a atenção de uma parcela

específica de eleitores mais ativos, como os que combatem o tabagismo e as

drogas. As que realmente atuam são as ligadas aos interesses de grandes grupos

econômicos e eleitorais, por representarem o interesse próprio de parlamentares

ou de poderosos lobbies por trás desses. A mais ativa e eficiente dessas

bancadas é a ruralista, que surgiu sob a orientação da UDR – União Democrática

Ruralista –, presidida por Ronaldo Caiado, que depois se tornaria deputado

federal (PFL-GO).

A bancada ruralista, como é conhecida a Frente Parlamentar da

Agropecuária, possui uma forte representatividade no Congresso Nacional e é

muito eficiente na defesa dos interesses dos grandes produtores rurais – sejam

eles ligados à agricultura ou à pecuária –, embora, por razões estratégicas, às

vezes se coloque ao lado das reivindicações dos mini e pequenos produtores.

Apesar de atuar sob a forma de sociedade civil regularmente constituída, essa

bancada não costuma fazer muita publicidade de sua atuação. A bancada

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33

ruralista possui um endereço eletrônico na internet22, porém com pouquíssimas

informações. Todavia, no sítio eletrônico dessa entidade chama atenção a

divulgação da lista dos que compõe a bancada ruralista, com número de

parlamentares muito acima do estimado tanto pelo DIAP como pelo INESC. A lista

com os nomes de parlamentares, ditos integrantes da bancada ruralista, que está

disponível no site do instituto é composto por 208 Deputados Federais e 35

Senadores, ou seja, segundo essa entidade quase metade do Congresso

Nacional pertence à bancada ruralista. Seguramente a lista com os nomes de

deputados e senadores disponível no site da Frente Parlamentar da Agropecuária

é irrealista, portanto nada confiável, pois além de divulgar um número exagerado

e ilusório de parlamentares pertencentes a essa bancada, nessa lista aparecem

nomes de parlamentares que em nada tem a ver com a bancada ruralista, tais

como: Ricardo Berzoini, José Eduardo Cardoso, José Mentor, Raul Jungmann,

Paulo Pereira da Silva e Fernando Gabeira, dentre outros. Aparentemente são

parlamentares com posições ideológicas que em nada se aproxima da bancada

ruralista.

O número de votos de que dispõe a bancada ruralista no Congresso

Nacional não é exatamente conhecido. Mas é certo que há parlamentares,

mesmo sendo ruralistas, preferem se identificar pela profissão que lhes confere

seu diploma universitário. Outros, ainda, têm interesses familiares na agricultura e

na pecuária ou são patrocinados por grupos ligados a essas atividades. Por essas

22 www.fpagropecuaria.com.br/

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34

razões, as estimativas quanto ao poder desta bancada variam entre 120 e 200

votos no Congresso Nacional, conforme o DIAP. Dificulta a contagem o fato de os

ruralistas só votarem em bloco quando a matéria é de seu interesse específico.

Por outro lado, dentro da própria bancada ruralista há outras Frentes

Parlamentares que defendem setores agrícolas específicos, como os setores

sucroalcooleiro, cafeeiro ou fruticultura e assim por diante.

A) Bancada Ruralista

Não só as elites têm sido pouco estudadas no Brasil, mas também a elite

política brasileira tem sido objeto de escassas investigações. Conforme

Mainwaring et alii (2000), no Congresso Nacional brasileiro há mais políticos

conservadores que partidos conservadores e destacam que o

sucesso eleitoral dos partidos [e políticos] conservadores é a

chave para entender a política brasileira no período pós-1985. Em

decorrência do seu êxito nas eleições, os conservadores têm

sempre integrado a coalizão governante no plano nacional, e

usam este poder para conformar as políticas implementadas. As

elites [políticas] conservadoras (das quais a ampla maioria apoiou

o golpe de 1964) percorrem as recentes transições políticas com

sucesso e não foram desalojadas das posições de poder efetivo.23

Dentro do cenário político nacional, para fins de conceituação de políticos

conservadores utilizaremos os critérios apontados por Mainwaring et alii, onde

destacam que

23 MAINWARING et alii, 2000, p. 53.

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35

os partidos [e os políticos] conservadores deveriam ser definidos

segundo as suas posições programáticas... embora, no Brasil, os

partidos conservadores não assumam abertamente. Pesquisas

realizadas no Congresso Nacional, mostram que as elites políticas

claramente distinguem os partidos conservadores dos demais...

Não é possível definir os partidos conservadores por um conjunto

invariável de preferências ideológicas ou políticas; afinal, o

conservadorismo é relacional e evolui com o tempo. Entretanto,

podemos e deveríamos identificá-los segundo os posicionamentos

em relação a políticas, expressas, sobretudo nas votações do

Congresso.24

Os atores políticos conservadores estão mais inclinados a formas limitadas

de democracia, pois “apresentam menor tendência em se empenhar para

assegurar que os pobres desfrutem direitos iguais de cidadania, como o igual

acesso ao sistema legal”.25 Mesmo assim, os atores desse espectro político têm

sua base eleitoral em amplos setores populares, e ao contrário do senso comum,

não são representantes majoritários de setores médios e altos da sociedade. Não

por acaso que os políticos conservadores têm melhor performance eleitoral onde

a democracia é mais frágil; o Departamento Intersindical de Assessoria

Parlamentar (DIAP)26 aponta que na eleição de 2006 para o Senado Federal e

24 Ibidem. p. 15.

25 Ibidem. p. 34.

26 O DIAP é uma instituição mantida pelos sindicatos dos trabalhadores e realiza avaliações sobre

os parlamentares e seus trabalhos no Congresso Nacional.

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Câmara dos Deputados aproximadamente 85% dos parlamentares da bancada

ruralista se reelegeu, sendo dos mais diversos partidos27.

Segundo essa entidade, integra a bancada ruralista aquele parlamentar

que, mesmo não sendo proprietário rural ou do setor da agroindústria, assume

sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários

e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário

e comumente em seus sítios na internet28.

A bancada ruralista29 é particularmente atuante nos momentos de

negociação do crédito rural e na repactuação e renegociação dessas dívidas e ao

27 Segundo o DIAP, os parlamentares da bancada ruralista, eleitos no pleito de 2006, pertencem a

10 diferentes partidos: PMDB, PFL (hoje o DEM), PP, PTB, PSDB, PPS, PP, PSB, PDT e até do

PCdoB.

28 http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=10691

29 Há algumas metodologias utilizadas para identificar os parlamentares ligados à bancada

ruralista. A definição que adotamos aqui se aproxima da citada anteriormente por Mainwaring et

alii e do DIAP; o INESC apresenta definição relevante, mas aponta para outra direção:

1) O INESC considera como membro da bancada ruralista aquele que declarou, entre suas

principais fontes de renda, alguma forma de renda agrícola. Todavia, a bancada ruralista, ao

agregar interesses que perpassa diversas profissões, não deve ser considerada uma “bancada

de profissão”, mas sim uma “bancada de interesse particular”.

2) O DIAP utiliza metodologia distinta. Membro da bancada ruralista pode ser considerado

aquele que defende interesses dos grandes produtores rurais (agricultores e pecuaristas) no

Congresso Nacional, tendo ou não declarado alguma forma de renda ligada à agropecuária. É

aquele parlamentar que defende os interesses dos grandes produtores rurais nas votações de

temas que interessam a essa bancada, ou seja, sua posição programática. Assim o faz

Mainwaring et alii, ao considerar conservador o parlamentar que se situa segundo os

posicionamentos adotados em relação a políticas votadas no Congresso. Nesses termos que

adotamos o conceito de conservador e pertencente à bancada ruralista.

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contrapor-se a projetos de lei que têm como objetivo a preservação do meio

ambiente, a reforma agrária e o combate ao trabalho análogo à escravidão no

campo. Aliás, foi para barrar as normas constitucionais nesse sentido que a

bancada ruralista se instituiu na Assembleia Nacional Constituinte, sob a

inspiração da UDR.

Para exemplificar a expressão e força conservadoras que a bancada

ruralista possui no Congresso Nacional, em 2005, na Comissão Parlamentar de

Inquérito da Terra, os ruralistas conseguiram derrotar o relatório final apresentado

pelo relator da CPI e aprovar outro de acordo com os seus interesses. O relator

oficial da comissão, deputado federal João Alfredo (PSOL/CE), elaborou um

relatório que fazia um diagnóstico da questão agrária no Brasil e apontava a

reforma agrária como uma provável solução para o quadro de violência e

desigualdade social no campo. O documento também apresentava sugestões

para que a Constituição Federal fosse cumprida e a terra democratizada. A

bancada ruralista, maioria na comissão, reagiu ao relatório do deputado João

Alfredo e aprovou o texto alternativo, que criminaliza os movimentos sociais,

preserva a UDR e classifica a ocupação de terra improdutiva como "ato terrorista".

A bancada ruralista, por intensas pressões junto ao Poder Executivo, vem

conseguindo sucessivas concessões e benefícios para o pagamento das dívidas

do crédito rural, com alongamento de prazos, redução ou dispensa de juros e

linhas de crédito favorecidas nos bancos oficiais. Também tem tido êxito na

defesa dos alimentos transgênicos, contra os quais se colocaram as entidades de

proteção ao meio ambiente. Dentre as atividades da bancada, destacam-se sua

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permanente atuação para impedir o efetivo combate ao trabalho análogo à

escravidão nas fazendas, sua oposição a quaisquer medidas de preservação da

ecologia e do meio ambiente, bem como o patrocínio de um projeto de lei em

tramitação no Congresso e já aprovado no Senado, que aumenta em 150% o

limite legal para desmatamentos nas fazendas da região da Amazônia legal e dá

anistia aos fazendeiros que já desmataram, ilegalmente, em suas propriedades

nos últimos anos.

Historicamente a bancada ruralista desenvolveu a estratégia de ocupar

todos os espaços políticos possíveis. Esse grupo político exerce forte influência

na nomeação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de

diretores da área agrícola do Banco do Brasil – tendo vetado com êxito o nome de

pessoas não ligadas à agroindústria ou ao grande produtor rural – e as

presidências da Comissão de Agricultura e Política Rural e da Comissão de Meio

Ambiente e Consumidor – esta última com menor freqüência.

Conforme levantamento feito pelo DIAP após a eleição de 2006, o

poderoso grupo que representa os interesses dos grandes agricultores e

pecuaristas no Congresso Nacional, a chamada bancada ruralista, segue forte na

legislatura 2007/2011. Segundo o instituto, "a bancada ruralista, uma das mais

eficientes do Congresso, diminuiu um pouco numericamente [em relação à 52ª

legislatura da Câmara dos Deputados – 2003/2007], mas isso não quer dizer que

perderá a importância ou capacidade de atuação coesa". De acordo com o

mapeamento do DIAP, 95 deputados e senadores "deverão priorizar, a partir de

2007, as pautas do setor empresarial rural". Com o resultado da eleição de 2006,

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o DIAP identificou aproximadamente 111 parlamentares como componentes da

bancada ruralista.30

Com a eleição para o Senado Federal, em 2006, da ex-deputada Kátia

Abreu, ex-líder da União Democrática Ruralista (UDR) e presidente da Federação

da Agricultura do Tocantins e atual presidente da Confederação Nacional da

Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), foi possível perceber um avanço da

bancada naquela Casa. A presença efetiva de uma liderança tende a mobilizar os

demais parlamentares que possuem vínculos com a questão ruralista. Os

senadores simpatizantes da bancada ruralista, até então, não se colocavam a

serviço deste agrupamento explicitamente, apesar de serem sensíveis aos seus

interesses. Com a chegada da senadora, o grupo estabelece uma de suas

lideranças como um ponto focal de suas atividades no Senado Federal.

O potencial da bancada ruralista é a habilidade para mobilizar um número

de parlamentares bem maior que os diretamente envolvidos com a bancada.

Sendo assim, não é bem o número absoluto de membros que promove sua força,

mas a capacidade de mobilização que possui junto aos diversos partidos políticos

e às bancadas estaduais, além de sua representação junto à política federal31.

30 A lista com os parlamentares que compõem a bancada ruralista, de duas legislaturas (52ª e

53ª).

31 Em relação à esse tema, Regina Ângela Landim Bruno desenvolve com maestria em sua tese

intitulada “O ovo da serpente”, Unicamp, 2002.

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Em 2007, o INESC32 desenvolveu um estudo que aponta a queda no

número de parlamentares representantes da bancada ruralista da Câmara dos

Deputados em três legislaturas consecutivas, que foi reduzida de 117 Deputados

(1995/1999), para 89 (1999/2003) e depois 73 (2003/2007); esse fato não

enfraqueceu os ruralistas, pois obtiveram conquistas significativas nesse período.

Na eleição de 2006 para o cargo de deputado federal essa bancada saltou de 73

para 116 membros na Câmara, conforme observamos no gráfico 1, logo abaixo.

Cresceu, portanto, quase 60% em relação à legislatura anterior. No balanço geral,

percebe-se que a oscilação na representação da bancada não deve ser vista

como uma debilidade. Mesmo durante os anos “magros”, os ruralistas mantiveram

um poder de pressão considerável no Legislativo e também sobre o Executivo.

Obtiveram, nestes últimos 12 anos, vitórias consideráveis, como a aprovação da

Lei de Biossegurança, a liberação dos transgênicos por meio de Medidas

Provisórias, a aprovação do relatório final da CPMI da Terra. Ainda garantiram

que o governo mantivesse intacta a Medida Provisória que suspende as vistorias

nas áreas ocupadas pelos movimentos sociais e penaliza os ativistas do

movimento dos sem-terra (MST) que participam de ocupações; e avançaram nas

diversas renegociações e repactuações das dívidas dos grandes produtores

rurais, entre outras conquistas. A oscilação dos membros ruralista na Câmara

pode ser observada no gráfico 1, logo abaixo.

32 INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) – Brasília/DF

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Gráfico 1: Bancada ruralista na Câmara dos Deputados

Fonte: Câmara dos Deputados. Elaborado pelo INESC.33

Na legislatura 2003-2007, a bancada perdeu 16 dos seus 89 membros.

Essa redução de 18% evidenciou aparente declínio da representação da elite

agrária no Parlamento, cujo domínio vem desde os tempos do Império. Ao

conseguir uma representação de 116 deputados no pleito de 2006, a bancada

ruralista se coloca hoje como a maior bancada de interesse no Congresso

Nacional. O INESC sustenta que o número de membros da bancada ruralista na

legislatura 2007/2011 supera o das cinco maiores siglas partidárias (PMDB/90,

PT/83, PSDB/64, PFL/62 e PP/41). Como os ruralistas são suprapartidários, essa

comparação é apenas referência. Mas, considerando que no atual contexto

político os partidos sofrem um déficit de liderança e dificilmente conseguem votar

com a base unida ou fazer com que as suas bancadas sigam as orientações de

votos dos lideres, não é de todo impensável que, num enfrentamento entre o

33 www.inesc.org.br

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posicionamento partidário e os interesses dos ruralistas, os últimos levassem a

melhor, de forma ampla e indiscutível.

Pode-se ponderar, dentre outros fatores, que a recuperação do número de

parlamentares da bancada ruralista na eleição de 2006 (116 deputados),

chegando ao mesmo número de representantes da eleição de 1994 (117

deputados), se deve a mesmice, em termos de programa e atuação, que os

partidos políticos se tornaram. Os sinais emitidos pelo presidente Lula e o Partido

dos Trabalhadores durante o primeiro mandato (2003/2006), de alterar o mapa

fundiário nacional, foram recebidos positivamente pelos eleitores, que reagiram

isolando algumas lideranças ruralistas identificadas como obstáculos ao processo

de democratização da terra. Como esse propósito não se concretizou, os eleitores

voltaram a agir de forma tradicional e reelegeram os que regionalmente

representam a elite agrária.

O senso comum parece identificar-se com o discurso fácil e conservador

dos ruralistas, que pregam que a reforma agrária é um desperdício de recursos e

terras e que a agricultura familiar é uma economia de subsistência sem função

social e econômica. Diante do principio de que todos é a mesma coisa, vota-se no

mais visível; vota-se, então, no que tem mais poder econômico. Não podemos

ignorar que outros fatores também interferiram no processo, assim como os

contextos locais e regionais que definem escolhas nem sempre são racionais.

Regionalmente, os parlamentares ruralistas estão concentrados no

Nordeste, Sul e Sudeste. É curiosa a concentração no Nordeste e Sudeste, pois

estas são regiões caracterizadas economicamente como diametralmente opostas.

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Enquanto a primeira é associada ao subdesenvolvimento, a segunda região

representa o desenvolvimento industrial do país. De acordo com o gráfico 2, logo

abaixo, todas as regiões apresentam um aumento significativo de representantes

ruralistas na Câmara, na eleição de 2006. A legislatura 2003-2007 desenhou um

mapa inverso: todas as regiões tinham perdido representantes ruralistas. Em

números absolutos, duplicou o número de parlamentares ruralistas representantes

da região Sul nas eleições de 2006, a região Norte mais que triplicou o número de

parlamentares da bancada ruralista, em comparação a eleição anterior, de 2002.

Gráfico 2: Mapa regional dos ruralistas

Fonte: Câmara dos Deputados. Elaborado pelo INESC.

B) A bancada ruralista e sua forma de atuação

Os membros da bancada ruralista aprenderam rapidamente a importância

de pertencer à base de apoio do governo, seja qual governo for. Uma marca da

bancada ruralista sempre foi a de ter parlamentares aliados ao governo. Desde

sempre! Para ficarmos limitados num período, isso ocorreu no governo FHC e

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continua no governo Lula. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995–2002),

os parlamentares que compunham a bancada ruralista pertenciam,

majoritariamente, aos partidos que formavam a base de apoio do governo. No

governo Lula (2003–), a situação não se alterou: a base de apoio parlamentar tem

se mantido em torno de 310 deputados. Os ruralistas – não considerando os do

PSDB e do DEM, que fazem oposição ao governo atual – representam cerca de

um quarto da base de apoio do governo Lula. Praticamente todos os partidos da

base do atual governo têm ruralistas na sua bancada.

Quando o PMDB passou a compor a base de apoio do atual governo

federal (Lula), trazendo quase 33% de deputados da bancada ruralista, segundo o

INESC, a base do governo ficou ainda mais fragilizada num determinado aspecto.

Isso porque a liderança do governo, além de ter que tratar com a oposição,

também tem que atender, em certos casos, a bancada ruralista, que deveria, a

priori, alinhar-se e votar favoravelmente às propostas governamentais, já que é

parte da base de apoio parlamentar.

Não sendo necessariamente assim, esta bancada representa, dentro do

equilíbrio de forças do governo federal, o “elo frágil” da base de apoio. Mesmo o

governo Lula possuindo uma maioria no Parlamento, a bancada ruralista será

sempre mais uma ameaça de ruptura dessa articulação. Como a base

parlamentar não é monolítica – enquanto essa questão não for equacionada por

uma ampla, profunda e racional reforma política –, os ruralistas deverão ter o seu

poder de barganha otimizado a cada votação.

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Algumas das peculiaridades do modus operandi da bancada ruralista têm

se mantido. O mais manifesto é auto-atribuição de um caráter de defesa dos

interesses nacionais a partir da sua disposição regional. O fato de a maioria dos

deputados do grupo pertencer às regiões Nordeste e Sul demonstra não só a

coexistência de formas de produção material e ideológica diferentes, como indica

interesses comuns entre a elite agrária e as corporações econômicas desse setor

produtivo. Os parlamentares dessas regiões tão distintas assumem na arena

política o mesmo compromisso: a defesa de uma agenda conservadora em

relação à reforma agrária, à extinção do trabalho análogo à escravidão e a

preservação do meio ambiente.

Outra característica é a ocupação de postos-chave, como vice-lideranças

nos partidos políticos. Essa mesma característica se transfere para os cargos da

máquina estatal, como a indicação para o ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento, sem contar os cargos de segundo escalão no poder Executivo. A

ocupação desses postos, tanto no Legislativo como no Executivo, é a origem da

fonte do poder político da bancada.

Sustenta o INESC que nas diversas legislaturas a bancada ruralista adotou

formas diferenciadas de operacionalizar os seus interesses. No período de 1990 a

1994, sob a influência da União Democrática Ruralista (UDR), o grupo mostrou-se

truculento e agressivo diante dos adversários. O domínio dos pecuaristas, no

interior do grupo, conduzia a bancada para uma situação de confronto constante.

Na legislatura de 1995-1998, os ruralistas optaram pela representação

diversificada, ou seja, certos deputados se colocaram como porta-vozes e

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articuladores de setores produtivos específicos, como os ligados ao cacau, aos

cítricos, à pecuária, entre outros.

Na legislatura 1999/2002, a operacionalização voltou a ficar dependente do

comportamento de algumas lideranças, como a do deputado Ronaldo Caiado, ou

outras que se impuseram, como os deputados Abelardo Lupion (DEM/PR) e Luís

Calos Heinze (PP/RS). Novas lideranças, como os deputados Kátia Abreu

(DEM/TO), Darcísio Perondi (PMDB/RS) e Moacir Micheleto (PMDB/PR) também

estavam se firmando no processo legislativo. Na legislatura 2003-2006, os

ruralistas mostraram uma operacionalidade mais profissional e a bancada, desde

o primeiro mandato do governo Lula, conseguiu estabilizar-se e colocou-se na

mídia como o mais importante agrupamento parlamentar. Nesse contexto, os

seus membros conseguiram contornar uma situação de disputa de poder entre as

lideranças pecuaristas e agrícolas. Esse ambiente de instabilidade tem surgido

nos momentos de renegociação da dívida agrícola. O deputado Ronaldo Caiado

(DEM/GO) continua sendo a referência nas negociações das dívidas do crédito

rural dos grandes produtores e no combate à reforma agrária. A sua maturidade

política tem evitado a deflagração de uma disputa pela retomada da liderança

pessoal nos moldes antigos. Já a atual senadora Kátia Abreu, eleita em 2008 para

a presidência da CNA, vem se firmando em outra frente. A senadora está à frente

da tropa de choque contra as ocupações de terras pelos militantes do MST

(Movimento dos Sem-Terra), pressionando governos federal e estaduais e o

poder judiciário no sentido de se fazer cumprir a reintegração de posse de terras

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ocupadas. Kátia Abreu desponta como uma nova e forte liderança dos ruralistas

no Congresso Nacional.

Na esfera institucional, alguns cientistas políticos avaliam que a bancada

ruralista e outros grupos de interesse representam uma anomalia do sistema

político, apesar desses grupos serem uma constante também em Parlamentos de

diversos outros países. No Brasil, o sistema partidário não tem reunido interesses.

Os partidos não priorizam, apesar dos seus programas, quais são as políticas

públicas que irão defender ou promover. Assim, interesses que poderiam ser

conjugados se fracionam em proposições parlamentares individuais. Na teoria

política prevalece o entendimento de que os fatores principais que explicam a

criação de grupos de interesse no interior do Congresso Nacional são a hipertrofia

do poder Executivo e a fragilidade do sistema de representação partidária.

A bancada ruralista tem ocupado certos nichos do aparelho do Estado de

onde exerce o seu poder. O poder, no caso da bancada ruralista, é exercido de

forma qualitativamente diferente de um partido político. A ascensão dos ruralistas

não visa ao cargo segundo uma estratégica política de governo, mas para obter

mais recursos orçamentários para o rico setor agropecuarista, principalmente o de

exportação. Esse aparelhamento setorial do Estado só é possibilitado pela dupla

representatividade: do partido político e da bancada ruralista. Não é por

representatividade da bancada, como força política interna do Congresso

Nacional, que os ruralistas ocupam a presidência da Comissão de Agricultura,

mas porque têm origem em partidos de representatividade expressiva.

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A existência da bancada ruralista depende, em grande parte, das crises no

setor agropecuário, que favorecem o acúmulo de recursos de poder por parte do

grupo que, ao utilizá-los, reforça sua própria imagem34. Se, hipoteticamente, os

problemas agrícolas pudessem ser equacionados, ou seja, se as políticas

públicas agrícolas fossem eficazes e eficientes, a bancada ruralista, ainda assim,

teria que continuar a cumprir a sua função específica como grupo de interesse no

contínuo processo legislativo.

Desde que haja respeito aos princípios constitucionais e a legislação

vigente, a defesa de interesses não é ilegal, nem politicamente incorreta. Assim,

nada pode impedir que os ruralistas continuem a definir suas estratégias em

proveito de seus interesses.

34 E quando não há realmente uma crise no setor, os ruralistas “plantam” um fato político qualquer

e justificam, por exemplo, que uma produção maior no campo irá ampliar suas dívidas, em

decorrência do excedente provocar queda no preço, e devido à crise global financeira iniciada em

2008, cair também o consumo.

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Capítulo III

O processo do endividamento rural Apesar de amplo leque de temas que envolvem as questões agrárias, não

é objetivo deste trabalho discutir a questão política da reforma agrária, sendo que

diversos acadêmicos já o fizeram muito bem, assim como tantos outros temas

referentes ao assunto. No que se refere à reforma agrária no Brasil

contemporâneo, tanto o sociólogo José de Souza Martins como o Secretário de

Estado de São Paulo e agrônomo Xico Graziano35 expõem de forma

esclarecedora as críticas ao processo de reforma agrária do modo como vem

sendo conduzido nas últimas décadas, ao afirmarem, em suma, que os governos

deveriam investir mais na qualidade que na quantidade da reforma agrária, por

conhecerem a penúria que passam parte dos assentados beneficiados pela

reforma agrária36.

Tampouco trataremos neste trabalho de questões teóricas ou empíricas

como latifúndio, terra produtiva/improdutiva, conflitos agrários etc. Certamente

todos esses temas são objetos de estudos sociológicos de extrema relevância,

porém deixamos como sugestões para trabalhos futuros. Nosso objetivo é

35 Para um aprofundamento das críticas à política da reforma agrária no Brasil ver: José de Souza

Martins, Reforma agrária: o impossível diálogo. Edusp, 2000; e Xico Graziano, O carma da terra

no Brasil. A Girafa Editora, 2004.

36 Penúria essa que eu pude comprovar pessoalmente ao trabalhar numa pesquisa sobre a

reforma agrária no Brasil em 1995, executado pelo instituto de pesquisa Vox Populi, a pedido do

então Ministério da Reforma Agrária, ao percorrer diversos assentamentos agrários nos estados

do Maranhão, Piauí e Ceará.

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analisar como a bancada ruralista se impõe frente às renegociações das dívidas

do crédito rural, circunscrito nas discussões em torno da Medida Provisória

114/03, convertida na Lei 10.696/03.

Para tanto, apresentaremos um breve histórico das renegociações das

dívidas do crédito rural nos últimos anos no Brasil, possibilitando uma visão

panorâmica sobre o processo que redundou na aprovação da MPV 114/03 e

promulgação da Lei 10.696/03. Antes, porém, apresentaremos quais os objetivos

e os requisitos básicos para que uma pessoa física ou jurídica se enquadre nas

exigências para a obtenção dos empréstimos direcionados para o setor rural

brasileiro.

Os objetivos do crédito rural são basicamente:

a) Estimular os investimentos rurais feitos pelos produtores ou pelas

cooperativas rurais;

b) Favorecer o custeio, a produção e a comercialização de produtos

agropecuários;

c) Fortalecer o setor rural;

d) Incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de

produção.

Pode utilizar o crédito rural o produtor rural (pessoa física ou jurídica), a

cooperativa de produtores rurais e a pessoa física ou jurídica que, mesmo não

sendo produtor rural, se dedique a uma das seguintes atividades:

- pesquisa ou produção de mudas ou sementes fiscalizadas ou certificadas;

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- pesquisa ou produção de sêmem para inseminação artificial;

- prestação de serviços mecanizados de natureza agropecuária, em

imóveis rurais, inclusive para a proteção do solo;

- prestação de serviços de inseminação artificial, em imóveis rurais;

- exploração de pesca, com fins comerciais.

É consenso na literatura especializada o processo de modernização da

agropecuária nacional onde a política de crédito rural, operacionalizada pelo

Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) implantado em 1965, cumpriu papel

determinante na transformação da base técnica dos estabelecimentos agrícolas,

no aumento da produtividade do setor, na consolidação dos complexos

agroindustriais e cadeias produtivas e na integração dos capitais agrários ao

capital financeiro. Ao privilegiar produtores (sobretudo os grandes), as regiões

Centro-Sul e a agro exportação, o SNCR marcou significativamente, pelo volume

de recursos direcionados ao crédito rural, a conjuntura setorial do final dos anos

1960, de toda a década de 1970 e de parte dos anos 1980. Este caminho que

percorre o esgotamento do padrão nacional-desenvolvimentista torna-se

importante, especialmente quando se quer chamar a atenção para a capacidade

de o Estado gerir políticas públicas de corte setorial.

Além disso, paira uma questão, corroborada por agricultores,

parlamentares e especialistas, sobre a legitimidade de parte dessa dívida que

decorre da incompatibilidade entre índices de correção de ativos e passivos

desde o final da década de 1980. Também fica a questão da sustentabilidade

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privada do setor, especificamente do grande produtor rural e da agropecuária

para exportação, no sentido de ser ou não capaz de custear-se sem recorrer

ciclicamente aos cofres públicos. Será uma questão de não sustentabilidade?

Será decorrência do “regime de política” que permite a privatização dos lucros

(nos anos de “vacas gordas”) e socialização dos prejuízos (nos períodos de

crise)? Não sendo o setor sustentável sob a ótica privada, o seria sob a ótica

social?37

37 O Prof. Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, da ESALQ-USP e coordenador científico do

Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) argumenta que “o agronegócio

configura-se como um setor não-sustentável do ponto de vista privado, apesar de ser sustentável

do ponto de vista social. Se não houver compensações da sociedade pelas transferências

recebidas do agronegócio, o setor fatalmente tenderá à estagnação ou regressão. Essas

compensações devem ter o condão de – longe de representar simples perdão de dívidas –

proporcionar condições que ao mesmo tempo aproxime o setor da sustentabilidade privada e

amplie os benefícios que a sociedade pode auferir do setor. Entre os fatores endógenos, nascidos

no próprio setor, que influenciam o desempenho do agronegócio, devem ser salientados os

seguintes. O setor passa por forte concentração e verticalização a montante e a jusante da

produção agropecuária. No varejo, os supermercados consolidaram-se, o mesmo acontecendo

com a agroindústria, do que emergem mecanismos de transação que merecem ser destacados.

Por um lado, os supermercados estabeleceram padrão de extrema concorrência pelos escassos

recursos dos consumidores. Aumentos de preços têm sido evitados de todas as formas possíveis.

Cria-se, assim, um mecanismo pelo qual aos produtores agropecuários resta a absorção dos

impactos de custos de comercialização. Aumentos de produtividade são repassados aos

consumidores na forma de menores preços, ficando os produtores – cujos preços tendem a

decrescer à medida que a produtividade e a eficiência crescem – sem condições de capitalizar as

reduções de custos que obtêm. É um sistema de transferência de renda dos produtores aos

consumidores. Ao mesmo tempo cresce em termos reais a renda da população mais pobre,

abrindo novas oportunidades de consumo a serem exploradas pelo varejo em geral e pelo próprio

sistema financeiro. Uma combinação de juros altos e prestações acessíveis é o instrumento para

expandir o mercado em direção “às camadas de menores rendas”.

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Vale lembrar que foram tantas as mudanças nos contratos de empréstimos

aos produtores rurais que se torna difícil contabilizar qual foi o montante

aproximado de recursos transferidos ao setor desde 1994, para não se voltar

ainda mais no tempo38. Desde esse período foram criados diversos programas de

financiamento para a agricultura e pecuária e tantos outros para a renegociação

das dívidas do crédito rural.

As renegociações dessas dívidas ocorrem por força de lei, pois os

empréstimos rurais obtidos são recursos públicos, oriundos de programas oficiais

de crédito, que, em geral, são regulamentados por resoluções do Conselho

Monetário Nacional (CMN) e complementados, quando pertinente, por portarias

dos ministérios envolvidos.

Observaremos a seguir que as renegociações das dívidas do setor

agropecuarista se fazem fortemente presente até os dias atuais. No governo FHC

(1995-2002), no momento em que a conjuntura do Plano Real era desfavorável ao

setor agropecuário, ocorreram três grandes renegociações de dívidas rurais cujos

reflexos sentimos até os dias atuais:

38 Vale enfatizar que é muito dispare o montante dos recursos públicos transferidos para o setor

em forma de crédito rural. Dependendo do autor ou da instituição que torna público os dados, os

valores das dívidas nem sequer se assemelham. Limitar-nos-emos dentro das possibilidades, a

partir de informações disponíveis do Ministério da Fazenda, do Ministério da Agricultura e do

IBGE.

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a) Securitização I: para as dívidas de valores em contrato originalmente

menores de R$ 200 mil por CPF (Lei nº 9.138, de 29 de novembro

de 1995);

b) Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA): para as

dívidas de valores em contrato originalmente maiores que R$ 200

mil. Em 1998, através da Resolução nº 2.471 do Conselho Monetário

Nacional foi criado o Programa Especial de Saneamento de Ativos

(PESA39) que trata da renegociação da dívida dos agricultores

devedores de valores acima de R$ 200 mil. O título utilizado foi o

Certificado do Tesouro Nacional (CTN). Naquele ano, o prazo de

pagamento ao Tesouro foi de 20 anos com juros de 8% ao ano para

valores até R$ 500 mil, 9% para acima de R$ 500 mil e 10% acima

de R$ 1 milhão;

c) Securitização II: deu-se a partir da Medida Provisória nº 2.196/2001,

a qual desonerou o Banco do Brasil do risco operacional das

operações securitizadas e cedeu à União as operações contratadas

na forma da Lei nº 9.138/1995.

d) Pesinha, que ocorreu em 2003.

39 Lei nº 9.866, de 9 de novembro de 1999. Dispõe sobre o alongamento de dívidas originárias de

crédito rural, de que trata a Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, e de dívidas para o Fundo

de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé –, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.295, de 21 de

novembro de 1986, de forma reescalonadas no exercício de 1997, das operações de custeio e

colheita da safra 1997/1998, à luz de resolução do CMN, e dá outras providências.

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O PESA, normatizado pela Resolução CMN nº 2.471/98, sofreu críticas à

época, por, supostamente, não diferenciar o “bom” do “mau” pagador, assim como

não diferenciava aqueles que frustraram suas expectativas de ganho por meio de

eventos fortuitos climáticos, como a seca – e assim deixaram de honrar seus

compromissos. Os grandes produtores são os que compõem a significativa

parcela de inadimplentes, enquanto que aproximadamente apenas 5% dos mini e

pequenos produtores não honraram seus compromissos40.

Em 2001, a Medida Provisória nº 9 reduziu os encargos do PESA, de 8%,

9% e 10% para 3%, 4% e 5% dos valores acima citados, respectivamente, e

incluiu um teto na variação seguida pelo IGP-M em 9,5% ao ano, enquanto a taxa

Selic, que regula os índices de juros no país, oscilava entre 15 e 20%. A

diferença, a chamada equalização de juros, passou a ser bancada pelos cofres

públicos e ter o Tesouro Nacional, reserva de capitais formada a partir da

arrecadação de impostos da população, como avalista. Ou seja, se os produtores

não pagassem, o governo saldaria a dívida, ou melhor, a sociedade como um

todo.

Em 2002, a Lei 10.437 aumentou em 23 anos (a contar da data de sua

promulgação) o prazo para o saldo da dívida dos agricultores beneficiados pela

securitização. Em 2003, a resolução nº 3.078 do CMN (conhecida como

40 Segundo dados do MDA, a taxa de inadimplência entre as famílias agricultoras participante do

PRONAF é em torno de 2,5%.

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PESINHA41), autorizou novas operações para regularização dos juros

inadimplidos do PESA, operação que ficou conhecida como “PESINHA”. Entre

outras condições para se beneficiar do “PESINHA”, destacamos:

1) Pagamento em espécie de, no mínimo, 10% do montante de juros

vencidos;

2) Recolhimento, pelo devedor, de 20,62% do montante a ser

repactuado destinado à aquisição de títulos públicos que seriam

vinculados em garantia do pagamento da dívida;

3) Formalização de uma operação nos moldes do PESA, com prazo de

13 anos, observadas as disposições da Resolução CMN nº 2.471

(no texto dessa Resolução o prazo para pagamento era de 20 anos);

4) A formalização dessa nova operação deveria ocorrer ainda em 2003.

Dados da Secretaria do Tesouro Nacional dão conta que de 2000 a 2005 o

governo despendeu R$ 15,9 bilhões somente com o financiamento e a

equalização de taxas de juros do crédito rural, enquanto que as despesas com

renegociações de dívida montaram a R$ 9 bilhões no mesmo período.

41 O chamado “Pesinha” consiste em uma nova compra de títulos do Tesouro Nacional sobre as

parcelas de juros atrasadas do Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). Para este

saldo valem as mesmas regras do PESA, ou seja, juros de 3%, 4% e 5% de acordo com o

tamanho da dívida; a correção monetária é feita através do IGP-M, limitada a 9,5% ao ano. A

criação do programa foi sugerida pelo ex-presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural,

deputado federal Luis Carlos Heinze (PPB-RS) – da bancada ruralista –, quando as dívidas do

setor produtivo foram renegociadas.

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Todas as renegociações revelam que a agricultura, dentro do bojo das

políticas neoliberais, parece não ter grande dificuldade de se desenvolver e de se

realizar sem recursos públicos. O saldo agrícola que entre 2000 e 2007 obteve

média anual de R$ 127 bilhões, tendo por dois anos picos próximos de R$ 145

bilhões, em 2008 chegou a R$ 161 bilhões. De fato, parece que o setor

agropecuário não tem tido graves crises, muito menos financeira, pelo menos no

que diz respeito ao montante obtido pela produção. Mesmo assim, as sequências

das renegociações revelam ser cíclicas, ocorrendo a cada quatro ou cinco anos, e

não raro sucede em períodos mais curtos. Boa parte dos grandes produtores

rurais simplesmente se habituou a não pagar, pois sabem que possuem uma forte

base parlamentar de pressão, que obviamente é posta a reivindicar tais tipos de

renegociação, que por fim, o governo cede. É a consolidação da cultura do calote.

Os dados do gráfico 3 mostram que o percentual da renda agrícola no

período de 1997 a 2004 é duas vezes e meia superior à inadimplência. Mesmo

com as intempéries como seca, excesso de chuvas, geadas, queda na produção

etc., a renda agrícola supera de longe o índice de inadimplência. O gráfico 3

também indica um salto significativo da renda agrícola a partir de 2002.

Curiosamente, é justamente nesse período de maior ganho na lavoura que a

inadimplência aumenta, notadamente os inadimplentes que optaram pelo

Programa Especial de Saneamento de Ativos, o PESA, período em que foi

instituído o Pesinha.

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Gráfico 3 – Inadimplência (Securitização e PESA) comparativamente ao índice de rendimento das principais culturas agrícolas. Brasil, 1997/2004.

Fonte: retirado de Graziano et alii (2005) e elaborado pelo autor.

A) As dívidas do crédito rural

Existe, entre os envolvidos, um intenso debate relacionado sobre as

questões da renegociação das dívidas do crédito rural. Esse tema proporciona

debates inflamados, tanto de parlamentares e entidades representantes dos

grandes produtores e também do agrobusiness, como também de parlamentares

e entidades ligados ao meio ambiente, reforma agrária, agricultura familiar, mini e

pequenos produtores rurais. Representantes de ambas as partes manifestam,

principalmente por meio da mídia em geral, assim como também a partir de sítios

eletrônicos de suas respectivas entidades, cada qual evidenciando aspectos que

vão ao encontro de seus interesses, no jogo de atrair apoio e influenciar a opinião

pública. O setor patronal agropecuário por ser muito bem organizado, tendo seus

interesses bem representados no Congresso Nacional, formando, como dito

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anteriormente, uma bancada coesa e forte, sendo esses parlamentares

significantes porta-vozes dos interesses dos grandes produtores rurais.

O certo é que, apesar das renegociações das dívidas do crédito rural ser

sempre em condições favoráveis ao setor rico da agropecuária, os débitos não

têm sido pagos em dia pela maioria dos grandes produtores, como mostra a

tabela 1 logo abaixo. O estoque das dívidas renegociadas somaria em 2005 cerca

de R$ 30 bilhões, segundo estimativas do Ministério da Agricultura com base em

dados do Banco Central. Outras fontes, como o Ministério da Fazenda, sustentam

que a soma das dívidas do setor ultrapassa os R$ 70 bilhões.

A análise dos dados do crédito rural revela a forte tendência de

inadimplência nesses débitos. O Banco do Brasil, maior financiador do setor, é um

bom exemplo: 90,2% dos R$ 10,1 bilhões em dívidas agrícolas vencidas são

compromissos parcelados na renegociação concluída em 200142. Desses, R$ 9,2

bilhões são dos programas de securitização (dívidas até R$ 200 mil) e

saneamento de ativos – PESA (acima de R$ 200 mil). As demais dívidas

atrasadas – cerca de R$ 900 milhões – são de produtores de café, cacau,

assentados da reforma agrária e agricultores familiares. Os grandes produtores

são os maiores inadimplentes do setor. Apenas 5% das dívidas estão limitadas a

R$ 50 mil, ou seja, os médios e pequenos agricultores, assim como os

empréstimos concedidos ao agricultor familiar, são os que pagam em dia suas

obrigações, e isso, como veremos a seguir, se deve a fatores que parecem

42 Dados do Departamento de Agronegócio do Banco do Brasil.

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reforçar a importância da agricultura familiar para o país, diferentemente do que

propagam alguns estudiosos do assunto.

O Banco do Brasil possui um estoque de R$ 10,6 bilhões em débitos

antigos renegociados no Governo FHC (securitização e PESA); no total, a carteira

de crédito rural do banco soma R$ 21,6 bilhões. No setor privado, segundo dados

da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), o cenário é um tanto diferente. Os

produtores têm “apenas” R$ 2,7 bilhões em débitos renegociados no PESA e R$

287,3 milhões na securitização43.

O histórico de benefícios aos grandes produtores rurais é extenso e vem de

longo tempo. Em 1996, os produtores pressionaram o governo até conseguir, por

20 anos, a rolagem de R$ 10,7 bilhões nas dívidas até R$ 200 mil (Securitização

I). Em 2001, quando vencia a carência e deveriam ser pagos R$ 2,5 bilhões,

43 Todavia, o STJ, por meio da Súmula nº 298, entendeu de forma diferente o processo de

renegociação vinculado às instituições bancárias: “a) a Súmula n° 298 do STJ dispõe que “o

alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira,

mas, direito do devedor nos termos da lei”; b) a aplicabilidade deste enunciado se estende ao

PESA, isto é, também há o direito subjetivo do produtor rural de obter o alongamento dos débitos

agrícolas sujeitos ao PESA, e; c) entre os requisitos para formalização da renegociação com base

no PESA está a aquisição, pelo devedor, de títulos do Tesouro Nacional para entrega ao credor

em garantia do principal, mas esta condição deve ser cumprida após a aceitação do alongamento

pela instituição financeira.

Tais conclusões atendem, ademais, às finalidades do crédito rural que, como instrumento da

política agrária, deve viabilizar a proteção social ao homem do campo, assim como o atendimento

das necessidades mais comezinhas do ser humano. Não se trata, portanto, de favorecer uma ou

outra classe de agricultores. Todos os produtores rurais são beneficiados pela ampliação do

crédito agrícola e a sociedade em geral colhe os frutos desta política. O direito sempre deve estar

atento a esses fatos da vida”. (http://bdjur.stj.gov.br)

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houve nova rolagem da dívida (Securitização II). No PESA, criado em 1999 para

débitos acima de R$ 200 mil, foram prorrogados R$ 7,5 bilhões com juros anuais

entre 3% e 5%. Na época, o governo calculou em R$ 8,5 bilhões o custo dessas

rolagens para o Tesouro Nacional até 2026, ou seja, entre os valores prorrogados

e o custo dessas rolagens somam aproximadamente R$ 16 bilhões, cifra nada

desprezível.

Em 2002, a Lei nº 10.437 autorizou a rolagem por 25 anos de R$ 11,2

bilhões da Securitização e a redução dos juros para grandes produtores em 5

pontos percentuais, além de ter "travado" em 9,5% a.a. os juros dos empréstimos

indexados pelo IGP-M. Para ter o benefício, os produtores tinham de pagar à vista

10% da parcela de 1999, 15% da prestação de 2000 e outros 32,5% da de

2001.44

Na rolagem da dívida antiga, o Tesouro Nacional assumiu como credor.

Ou seja, o Tesouro Nacional pagou aos bancos (públicos e privados) e continua o

governo a assumir a dívida dos fazendeiros, no valor de aproximadamente R$ 7

bilhões. Essa dívida está vencida e os inadimplentes estão inscritos na Dívida

Ativa da União – prejuízo e impacto já reconhecidos pela União pelo fato de não

renegociar o débito45. Neste caso, não terão seus débitos de investimentos ou

mesmo de custeio renegociados.

44 www.portaldoagronegocio.com.br

45 Segundo relatório da CAPADR de 2006.

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Os dados apresentados na tabela 1 mostram que o número de

inadimplentes de todas as operações de crédito rural efetuadas nos períodos de

1980 e 1990 é de 25% do total dos contratos firmados46, enquanto que o saldo do

valor vencido e não pago desses mesmos contratos equivale a 99% do valor total

(quase R$ 6,5 bilhões). A partir dos dados apresentados, podemos concluir que a

maioria dos contratos adimplentes é, sem dúvida alguma, do pequeno produtor

rural, enquanto que parcela significativa dos contratos com valores expressivos e

não pagos, se referem aos grandes produtores.

Tabela 1 – Operações de crédito rural efetuadas nos anos 80 e 90 e renegociadas

Fonte: elaboração do Ministério da Fazenda.

A tabela 2 mostra que dentre todas as operações de crédito rural efetuadas

nos anos 1980 e 1990 e renegociadas, as referentes a Securitização I e PESA

são as mais representativas em termos de montante do valor. No que se refere

apenas ao PESA, estes são responsáveis por 52,7% do saldo devedor total (R$

14,4 bilhões), 41% (R$ 2,6 bilhões) do saldo vencido e apenas 16% (29.626) do

total dos contratos das operações renegociadas.

46 47.732 contratos das dividas refere-se a grandes fazendeiros que devem acima de R$ 200 mil

cada um, representam a maior parte da conta de devedores.

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Tabela 2 – Operações contratadas nos anos 80 e 90 e renegociadas – saldo em 31/08/2007.

Fonte: elaboração do Ministério da Fazenda.

A tabela 3 mostra que os valores das operações de crédito rural não pagos

até 2006 somam quase R$ 16,5 bilhões, mas o saldo devedor surpreende mais

pelo seu montante, R$ 74,4 bilhões.

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Tabela 3 – Brasil: operações de crédito rural “em ser” em 31/08/2007 contratadas até 30/06/2006.

Fonte: elaboração do Ministério da Fazenda.

Para que possamos balizar o que essas renegociações representam para

os cofres públicos, recorremos a Graziano, Del Grossi e Del Porto47, os quais nos

apresentam um exercício dos cálculos da renegociação. A seguir reproduzimos

na íntegra o exercício:

Uma das formas de explicitar as condições favoráveis dadas aos

devedores, por meio das medidas adotadas pelo governo federal,

especialmente em relação aos contratos securitizados, é pela

exposição de um caso concreto. Os valores desse exemplo, para

sua compreensão, foram transformados para base 100.

Um determinado produtor rural, em abril de 1995, tinha uma

dívida de R$ 100. Um ano depois, em 1996, esse produtor

recebeu proposta e aderiu à primeira Securitização pelo valor de

R$ 108. Cerca de seis anos mais tarde, em 2002, o valor foi

recontratado – Securitização II - por R$ 103,59, com prazo de 25

anos para pagamento, sendo os 5 primeiros anos de carência.

Supondo que esse produtor pague em dia, ao longo do período,

todas as parcelas (vencimento anual) e, goze, assim, dos

descontos de pontualidade, ao final dos 25 anos ele terá pagado a

quantia total de R$ 91,48.

47 Para uma maior compreensão ver GRAZIANO et alii, “(Re)Negociações das dívidas agrícolas”,

em www.sober.org.br/palestra/5/751.pdf

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Caso os mesmo recursos fossem de uma operação de crédito

[comum a qualquer cidadão que recorre a empréstimos e]

corrigidos à taxa de 8,75% aa., o valor [a ser pago] ao final do

contrato seria de R$ 1.348,22. Ou seja, caso esse produtor

tivesse tomado emprestado R$ 100, para pagamento em 25 anos,

com correção de 8,75% aa., ao final do contrato ele teria pagado

R$ 1.348,22. Como o contrato foi securitizado, esse produtor

pagou apenas R$ 91,48, deixando de arcar com R$ 1.256,74.

Tabela 4 – Exemplo de cálculo de renegociação da dívida do crédito rural.

Fonte: retirado de Graziano et alii (2005) e elaborado pelo autor.

Ou seja, com esse exemplo, Graziano et. alii mostra que ao final do

contrato o produtor que recorreu a Securitização de sua dívida irá pagar um valor

menor que o valor original de sua dívida. O Tesouro Nacional, e, por efeito a

sociedade como um todo, é que arca com a diferença não paga por aqueles

inadimplentes. Segundo Banco do Brasil, 95% dos mini e pequenos produtores

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estão adimplentes, enquanto que os grandes produtores são os maiores

devedores, com dívidas acima de R$ 50 mil, podendo a parcela da dívida

ultrapassar os R$ 500 mil.

É importante destacar que há consenso entre os envolvidos no debate que

a apuração dos saldos das dívidas, ao aderirem a Securitização I (1995), foi

supervalorizada. Sendo assim, caberia um estudo mais consistente para avaliar

as efetivas condições em que foram realizadas as renegociações de securitização

de dívidas agrícolas, compreendendo desde os valores originais das dívidas, a

apuração de seus saldos devedores e as condições de pagamento concedidas ao

longo do período por meio de diversas medidas.

De qualquer forma, as condições para pagamento, após apuração das

dívidas, foram vantajosas para o conjunto dos produtores que aderiram aos

programas. Mesmo assim, parcela importante dos contratos da Securitização I e

II, PESA e Pesinha continua inadimplente, sob a alegação das mais diversas

crises, seja em referência a problemas climáticos, volatilidade de preços, quebra

de safra agrícola, como também fatores relacionados à conjuntura econômica. No

entanto, historicamente a trajetória da inadimplência pouco se altera, mesmo em

anos que as expectativas do setor agrícola superam com elevação da renda

agrícola.

O produtor que recorre ao empréstimo e que não paga tem ainda, por força

de Lei, redução das taxas de juros das operações e concessões de desconto para

liquidação de dívidas. Ou seja, o Estado, por força de Lei, reduz os encargos, os

juros e ainda confere desconto para pagarem. Esse expediente traduz o conjunto

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de ações que representa transferência de recursos públicos para o setor

agropecuário, principalmente, ao grande produtor rural.

É importante destacar que, após 5 anos de não pagamento e, esgotados

os procedimentos de cobrança e negociação administrativos, os débitos devem

ser encaminhados para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), prejuízo

reconhecido e absorvido pela União, conta, aliás, paga pelo contribuinte.

B) MPV 114/03 e conversão em Lei 10.696/03

Uma das medidas provisórias que o Governo Lula apresentou logo no

início de seu primeiro mandato foi em relação às dívidas do crédito rural, ao

enviar ao Congresso Nacional a Medida Provisória (MPV) nº 114 de 2003, a partir

da regulamentação da resolução nº 3.079/03 do Banco Central (BACEN), que

tramitou e foi aprovado no Congresso Nacional ainda no primeiro semestre

daquele ano, e versa sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas

de operações de crédito rural contratadas junto a vários programas e fontes de

recursos que compõem essa política. O texto original da MPV 114/03 se referia

somente às renegociações das dívidas do crédito rural contraídas pelos

agricultores familiares, assentados, mini e pequenos agricultores rurais. Após as

discussões e acordos no Congresso Nacional, a MPV 114/03 não só

compreenderia as renegociações das dívidas do crédito rural dos pequenos e mini

produtores, mas também, e aí devido às pressões da bancada ruralista, essa

medida provisória contemplou todos os produtores rurais inadimplentes,

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privilegiando os grandes agricultores que estavam em débito com os agentes

financeiros (público ou privados), em mais uma renegociação de suas dívidas.

A MPV 114/03 compõe mais um capítulo da longa novela sobre os

programas voltados para o processo de saneamento do endividamento agrícola

iniciada no ano de 1995, com a aprovação da Lei nº 9.138, que instituiu o

programa de Securitização. Desde então, foram editadas inúmeras leis, medidas

provisórias e atos normativos do governo, fixando novas medidas, ou alterando as

já existentes. O grave de toda essa história é que apesar da profusão desses

atos, e dos bilhões de reais já despendidos pela sociedade brasileira para

socorrer os grandes agropecuaristas, parece que se trata de um processo sem

fim. É o que sugere as emendas apresentadas no Congresso Nacional à MPV nº

114/03. Conforme o relator dessa Medida Provisória (114/03), deputado João

Grandão (PT–MS), foram oferecidas 55 emendas à medida provisória, de

iniciativa de 18 membros do Poder Legislativo, dos quais 16 deputados e 2

senadores, na maior parte com implicações financeiras e orçamentárias sobre as

finanças públicas federais. É interessante notar que das emendas apresentadas a

essa medida provisória, metade delas são de autoria de membros da bancada

ruralista.

As emendas pretendem ampliar, sobremaneira, o alcance da MPV 114/03.

De certo que houve emendas específicas e criteriosas, que reivindicavam solução

para situações de dificuldades que envolvem agricultores familiares, sem ignorar

o delicado panorama fiscal do país. Todavia, de maneira geral, tanto as emendas

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voltadas para as dívidas dos agricultores familiares como para os maiores

devedores, apresentaram-se com um foco linear, universal, e irrestrito.

As emendas sugerem que nenhum agricultor do país, nem mesmo o maior

dos exportadores, teria condições de honrar compromissos financeiros assumidos

em decorrência de operações de crédito rural. Seria como se todos os

agricultores, sem exceção, enfrentassem crise de renda que lhes inviabilizasse a

capacidade de pagamento.

Há emendas que propõem novo programa de securitização para quem não

pagou o próprio contrato de renegociação firmado nesse programa. Propõe-se a

renegociação de dívidas vencidas, já renegociadas, de grandes produtores.

Outras emendas pretendem a repactuação de operações que já foram alongadas

com base na Resolução nº 2.765 do BACEN. Houve emendas propondo a

redução de encargos para operações de vulto junto ao crédito rural. Demandam-

se descontos entre 60% e 90%, para todas as operações de custeio até R$ 35

mil, junto ao BNB, celebradas no ano de 1998. Há emendas que postulavam a

prorrogação, por 15 anos, de todos os contratos de agricultores familiares,

qualquer que seja a fonte, com taxas de 1,15% e 70% de redução,

indistintamente.

Se fossem acatadas todas as emendas relacionadas aos Fundos

Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE), e do

Centro-Oeste (FCO), haveria a substancial erosão patrimonial daqueles

instrumentos regionais. Há caso em que o exagero chega ao ponto de se propor a

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prorrogação de dívidas relativas a operações recém-contratadas, ainda em plena

fase de carência.

Na síntese dessas emendas apresentadas à MPV nº 114/03, conclui-se

pelo reconhecimento do fracasso absoluto dos instrumentos de renegociação das

dívidas rurais implementados desde 1995. Ou, sobre a inconsistência, ou pouca

validade, quando se trata de atestar capacidade de pagamento, dos discursos

dando conta da extraordinária performance de segmentos da agropecuária

brasileira, em particular, daqueles voltados para o mercado externo.

O mais grave, na maior parte das emendas apresentadas, se refere ao

propor tratamento linear e universal para todas as dívidas, como se todos os

produtores rurais, independente do porte, do padrão de renda ou do produto

financiado, estivessem nivelados no empobrecimento. Em resumo, as emendas

apontam o avanço de uma cultura do calote no crédito rural no Brasil.

Os vícios recorrentes na renegociação das dívidas do crédito rural estão

expressas nas 55 emendas e foram criticadas pelo relator da MPV 114/03,

deputado João Grandão (PT – MS). A seguir trechos da fala do relator proferidos

em plenário da Câmara, quando da apreciação da matéria, corroborando com as

análises acima:

As medidas dispensadas ao tratamento da dívida, em particular,

baseadas na focalização genérica aos programas instituídos,

traduzem diagnóstico equivocado e socialmente perverso ao

sugerir a incapacidade geral de pagamento de todos os

agricultores brasileiros, indistintamente.

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Ainda que em parte financiada pelo mercado, “a rica agricultura”

de vastos segmentos do agronegócio exportador, ao invés de

expor a improbidade do trato geral, irrestrito e linear dos

benefícios concedidos pelos diplomas relativos ao endividamento

agrícola, tem sido utilizada para a consolidação desse desvio. Em

outros termos, a agricultura rica tem sido explorada como fator de

pressão sobre o Governo Federal por generosas medidas

genéricas de subvenção e alongamento de dívidas rurais, “sob

pena do comprometimento da performance da agricultura na

balança comercial”. O fato é que a agricultura brasileira não é um

monólito. Razões diversificadas, com destaque para a iniquidade

histórica das políticas agrícola e agrária, geraram amplo mosaico

de realidades sociais na agricultura brasileira nas várias regiões

do Brasil. Nos extremos, convivem portentosos empreendimentos

capitalistas, com padrões técnicos equiparáveis às agriculturas

mais dinâmicas do mundo, com grande profusão de

empreendimento de subsistência nivelados pela precariedade das

condições técnicas e materiais.

Note-se que, de 1998 a 2000, foram editadas 15 resoluções do

Banco Central do Brasil sobre assistência aos maiores devedores

do Crédito Rural — inclusive quero fazer essa ressalva —,

enquanto os assentados em projeto de reforma agrária com

dívidas junto ao PROCERA, a rigor, somente com a Lei nº 10.464,

de 2002, e com a medida provisória sob análise, passaram a

contar com a possibilidade de repactuação das dívidas, o que não

foi diferente também com a agricultura familiar com recursos de

programas específicos para essa área.

As 55 emendas apresentadas à medida provisória, no geral,

reproduzem os vícios acima comentados. Tanto as emendas

focalizadas para dívidas rurais dos agricultores familiares como

aquelas voltadas para os maiores devedores estão pautadas por

critérios gerais lineares e pouco parcimoniosos com que buscam

intervir na problemática.

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Observe-se que, em contraste com a idéia de penúria geral

esboçada para a agricultura quando se trata de avaliar a

capacidade de pagamento para honrar dívidas rurais, a CNA —

Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil exalta

a expansão de 8,65% do PIB da agropecuária de 2000 para 2001.

No ano de 2002, o PIB da agropecuária passou de 95 bilhões de

reais, registrados em 2002, para 25,8 bilhões em valores

correntes. Para 2003, a CNA projeta esse PIB, em valores e 2002,

para 127,2 bilhões, ou seja, 1,4 bilhão superior, em termos reais.

Avaliando-se a renda agrícola pelo conceito de VPB — Valor

Bruto da Produção, constata-se trajetória consistente com a

evolução do PIB da agropecuária. Ainda de acordo com a própria

CNA, após o declínio de 2% no ano de 2000, o desempenho do

Valor Bruto da Produção agropecuária cresceu 5,5%, em 2001;

11,2%, em 2002, e, para 2003, projeta-se o crescimento de

9,1%.48

É certo que agricultores e pecuaristas brasileiros, mesmo de grande porte,

experimentam processo brutal de empobrecimento por conta, notadamente, da

abertura e desregulação da agropecuária, processadas desde o início da década

de 1990, intensificado com o Plano Real e aprofundado, posteriormente, no

Governo Lula. Todavia, a partir da concretude dessa realidade, há de se chamar a

atenção para os riscos de se propor tratamentos genéricos e lineares que

beneficiam, indevidamente, agricultores de todos os portes, em especial, grandes

produtores, que estão longe do cenário de penúria sugerido por tais emendas.

48 Câmara, 21/05/2003, pp. 557-70.

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C) Discussão da MPV 114/03 no Congresso Nacional

As discussões no plenário da Câmara dos Deputados ocorreram durante

os meses de abril a junho de 2003, sendo a Medida Provisória 114/03 convertida

em Lei nº 10.696 em 02 de julho de 2003.

As notas taquigráficas do Departamento de taquigrafia, revisão e redação

da Câmara dos Deputados49 apresentam na íntegra todos os discursos proferidos

pelos parlamentares no plenário da Câmara dos Deputados, sendo possível, a

partir do trabalho desse Departamento, analisar e avaliar o conteúdo dos

discursos de todos os parlamentares. Neste trabalho, a análise ficou dirigida

apenas para os discursos dos parlamentares que integram a bancada ruralista.

A Medida Provisória 114/03 possui dois aspectos emblemáticos: o primeiro

por ser uma das primeiras medidas tomadas logo no início do primeiro mandato

do Governo Lula e que, a priori, beneficiaria a agricultura familiar, os mini e

pequenos produtores. Os próprios parlamentares, em seus discursos, enfatizam

que essa é a primeira vez que um governo acena com uma renegociação das

dívidas do crédito rural para essa parcela de agricultores. Apesar de serem

poucos os inadimplentes em relação aos maiores devedores, os mini e pequenos

produtores nunca foram contemplados com uma renegociação de suas dívidas

agrícolas. O acesso à renegociação das dívidas do crédito rural que os

agricultores mais pobres tiveram direito foi ao encontro dos anseios e

49 Todos os discursos taquigrafados estão disponíveis no site da Câmara dos Deputados,

www.camara.gov.br

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reivindicações dos movimentos sociais e das lutas políticas e sociais, pelo menos

no primeiro momento do governo petista.

Em segundo lugar, como parte da base aliada do Governo Lula é composta

também por parlamentares da bancada ruralista, é de se notar que estes em

momento algum foram contra a renegociação das dívidas do crédito rural dos

mini, pequenos produtores e agricultores familiares. A bancada ruralista apoiou e

corroborou a necessidade de haver a renegociação para os pequenos produtores

rurais, mas não sem antes reivindicar os mesmos benefícios para sua base

eleitoral, os grandes produtores rurais. Ou seja, há um jogo político velado, onde

o Executivo para obter o apoio dos parlamentares ruralistas e aprovar a

renegociação das dívidas dos pequenos produtores rurais há de contemplar

também seus interesses, ou seja, incluir também no pacote a renegociação das

dívidas dos grandes produtores.

A discussão para a conversão da Medida Provisória 114/03 em lei foi palco

para muitos acordos entre o Legislativo e o Executivo, o que sem o apoio da

bancada ruralista muito provavelmente acabaria por “travar” a discussão e

postergaria a ajuda aos que realmente necessitam dessa renegociação: os mini e

pequenos produtores e a agricultura familiar.

Como dito anteriormente, foram apresentadas 55 emendas de 18

Deputados e 2 Senadores à Medida Provisória 114/03, sendo que 26 emendas

são de autoria de Deputados e Senadores que compõem a bancada ruralista;

para um contraponto à força demonstrada pela bancada ruralista, das outras 29

emendas propostas pelos Deputados, 15 são de autoria apenas da senadora

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Heloisa Helena (PT-AL, atualmente no PSOL). Quando o assunto em pauta no

Congresso Nacional se refere às questões fundiárias ou agrárias, a bancada

ruralista está sempre presente e exercendo sua força e poder para que os seus

interesses sejam contemplados, mesmo quando, aparentemente, a discussão não

diz respeito aos grandes produtores rurais, como é o caso da MPV 114/03,

quando inicialmente a proposta do Governo tratava apenas das renegociações

das dívidas do crédito rural da agricultura familiar, mini e pequenos agricultores.

Os parlamentares da bancada ruralista e que apresentaram as 26 emendas

são: Deputados Federais Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Zonta (PP-SC), Silas

Brasileiro (PMDB-MG), Ronaldo Caiado (PFL-GO), João Leão (PP-BA), Moacir

Micheletto (PMDB-PR) e o Senador Jonas Pinheiro (PFL-MT). Apesar de não

apresentarem emendas à MPV 114/03, outros parlamentares da banda ruralista

participaram das discussões, como por exemplo, a deputada Kátia Abreu (atual

presidente da CNA e senadora, DEM-GO), reforçando as pressões para que a

medida provisória contemplasse não só a agricultura familiar, mini e pequenos

produtores rurais, mas que fossem incluídos nessa renegociação das dívidas do

crédito rural os grandes produtores rurais.

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Capítulo IV

Ruralistas e MPV nº 114/03

O quarto capítulo é um construto realizado a partir dos pronunciamentos

que deputados federais pertencentes à bancada ruralista realizaram em torno da

MPV 114/03 em plenário. Os debates apresentam indicativos de “trocas de

gentilezas e amabilidades” entre a bancada ruralista e o Executivo, e não poderia

ser diferente já que mais da metade dessa bancada faz parte do bloco de apoio

governista. O construto foi idealmente elaborado a partir da organização e análise

dos discursos dos ruralistas proferidos no plenário da Câmara dos Deputados no

primeiro semestre de 2003.

Para dimensionar a pesquisa documental nos anais da Câmara dos

Deputados foram analisadas as 21 sessões ocorridas ao longo de três meses do

primeiro semestre de 2003, que resultou em um pouco mais de 4.300 páginas

contendo os discursos de todos os parlamentares, tendo como primeiro crivo os

pronunciamentos que contêm na pauta a discussão da MPV 114/03. Apesar da

grande quantidade de documentos referente aos dias em que constava na pauta

de discussão a MPV 114/03, boa parte do conteúdo desses documentos pouco ou

nada tinha a ver com os temas colocados em discussão pelo presidente da

Câmara. As preleções dos parlamentares estão devidamente registradas pelo

departamento de taquigrafia, revisão e redação da Câmara dos Deputados.

Assim, logo no início da análise dos discursos dos parlamentares, foi

necessária uma primeira triagem, que consistiu em excluir os pronunciamentos

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que em nada se relacionavam com a MPV 114/03. Desse primeiro filtro restaram

quase 500 páginas. Como a finalidade do trabalho é exclusivamente a análise dos

discursos dos que se alinham com a Frente Parlamentar da Agricultura e

Pecuária, fez-se necessário realizar outro crivo. Ao ser aplicado o segundo filtro,

restou um pouco mais de 200 páginas contendo somente os discursos dos

parlamentares ruralistas relativos à MPV 114/03, os quais nos servem de base

para a análise e composição deste capítulo.

Observou-se que os discursos dos ruralistas, considerando somente as

sessões que teve a MPV 114/03 na pauta das discussões, gravitaram em torno de

alguns temas50 que, combinados, contribuíram para contemplar com mais uma

renegociação a maioria dos produtores rurais que estão inadimplentes com o

crédito rural, que não por acaso, é composta por grandes produtores rurais. A

medida provisória em análise, em seu texto original apresentado pelo Executivo,

pretendia beneficiar apenas os agricultores familiares e os mini e pequenos

produtores rurais. Porém, após as discussões em plenário e os acordos

realizados entre os parlamentares, o texto definitivo da medida provisória

contemplou todos os produtores inadimplentes, isto é, em última instância os

maiores beneficiados com a renegociação e o reescalonamento da dívida foi

justamente os que tinham as maiores dívidas.

50 Identificamos e organizamos os seguintes temas abordados pelos ruralistas nas sessões de

discussão da MPV 114/03: a) invasões do MST em fazendas de empresas transnacionais; b) o

crescimento do setor agropecuário; c) os médios produtores; d) a inclusão dos grandes produtores

na MPV 114/03; e) defesa da renegociação das dívidas dos agricultores familiares, mini e

pequenos produtores rurais.

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Após leitura detalhada dos discursos dos ruralistas em relação à MPV

114/03 foi possível constatar que os parlamentares ruralistas compõem um grupo

coeso, com discurso articulado, de tal modo que os desavisados deixarão de

perceber a apropriação de temas e ideias até então próprios de ambientalistas e

de parlamentares que defendem a agricultura familiar e a permanência do homem

no campo.

Dois temas que os parlamentares ruralistas defenderam em plenário,

durante a discussão da MPV 114/03, chamaram a atenção pela forma paradoxal

de tratar o assunto e a habilidade de colocar no mesmo plano de endividamento

os pequenos e grandes produtores rurais.

O primeiro tema, a inclusão dos maiores inadimplentes do crédito rural na

MPV 114/03, é tratada de modo paradoxal pelos ruralistas. Em outras palavras,

se por um lado os ruralistas enaltecem o crescimento econômico do setor e da

expansão da participação da agropecuária no PIB nacional e na exportação, por

outro lado os mesmos parlamentares “choram” as perdas na agropecuária devido

às diversas intempéries ocorridas no período. Os argumentos utilizados pelos

ruralistas nos debates da medida provisória podem ser desconstruídos a partir do

confronto com dados do IBGE e do PIB nacional e agropecuário do período e com

o modelo de financiamento oficial recebido pelos produtores rurais no Brasil, isto

é, o atual modelo que o Estado adota para o incentivo da produção agropecuária

parece distante daquele modelo que os países centrais colocam à disposição de

seus agricultores. No modelo brasileiro, o crédito rural, e consequentemente a

renegociação desses mesmos empréstimos, é obtido majoritariamente pelos

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grandes produtores. Diferentemente do que ocorre nos países centrais, onde

todos os produtores rurais são subsidiados pelo Estado, principalmente os

pequenos e médios produtores.

Outro tema relevante abordado pelos ruralistas diz respeito à ampliação da

renegociação das dívidas dos mini e pequenos produtores rurais. Ao apresentar

essa argumentação os ruralistas estão, veladamente, a legitimar suas próprias

reivindicações, isto é, ao agregar nessa medida provisória toda a gama de

produtores rurais, os maiores beneficiários com a renegociação das dívidas do

crédito rural são, principalmente e mais uma vez, os grandes produtores rurais.

Veremos que a proposta da inclusão dos maiores inadimplentes na

renegociação das dívidas do crédito rural e a defesa da renegociação dos

pequenos produtores rurais. Questões aparentemente paradoxos, são

trabalhados conjuntamente pela bancada ruralista, e se complementam ao

legitimar a inclusão dos maiores inadimplentes das dívidas do crédito rural na

MPV 114/03, contemplados com a benesse da renegociação de suas dívidas

rurais e assim aptos a contrair novos empréstimos.

A) Inclusão dos grandes produtores na renegociação da MPV nº

114/03 - argumentos

É consenso entre os diversos atores envolvidos nas renegociações das

dívidas do crédito rural que o montante devido desde 1994 teve correção muito

superior à evolução dos preços dos produtos e insumos da agricultura e pecuária.

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No que diz respeito aos Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-

Oeste, parece haver certa disposição em favorecer o setor financeiro,

especificamente os bancos estatais51 em detrimento dos interesses dos setores

agropecuários, seja de qual porte/tamanho for.

São diversos os parlamentares, ruralistas ou não, que tecem críticas

quanto à forma de cálculo e o montante total devido pelos produtores rurais,

devido às renegociações das dívidas do crédito rural, contraídos juntos aos

agentes financeiros públicos ou privados.

O próprio relator da medida provisória, deputado João Grandão (PT-MS),

reconhece que o endividamento do setor agropecuário é uma questão complexa e

tem efeitos sobre todos os produtores, principalmente entre os pequenos e

médios:

O endividamento agrícola tem sido, ao mesmo tempo,

determinante e subproduto da reificação de um quadro social

51 A Constituição Federal de 1988 (art. 159, inciso I, alínea c) diz que na repartição das receitas

tributárias, a União destinará 3% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e

proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados para aplicação em programas

de financiamento aos setores produtivos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ao destinar

parte da arrecadação tributária para as regiões mais carentes, a União propiciou a criação dos

Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste

(FCO), com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social daquelas Regiões, por

intermédio de programas de financiamento aos setores produtivos. Os produtores rurais, as firmas

individuais, as pessoas jurídicas e as associações e cooperativas de produção, que desenvolvam

atividades nos setores agropecuário, mineral, industrial, agroindustrial, turístico, de infra-estrutura,

comercial e de serviços, podem solicitar financiamentos pelo FNO ao Banco da Amazônia S.A., no

caso da Região Norte; pelo FNE ao Banco do Nordeste do Brasil, no caso da Região Nordeste; e

pelo FCO, ao Banco do Brasil S.A, no caso da Região Centro-Oeste.

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desolador no setor agrário brasileiro, ampliado no período recente

pela interação de tendências gerais da indústria agroalimentar

mundial, com o ciclo longo de desequilíbrios na economia

brasileira. No plano específico, o endividamento e a crise social no

[setor] agrário têm sido impulsionados pelos processos

inflacionários, desde a década de 80, pelos efeitos colaterais dos

programas criados na busca da estabilidade dos preços, pelas

conseqüentes políticas agrícolas negativas e pelos efeitos da

desregulamentação e da liberação unilateral da economia

agrícola.

A trajetória depressiva dos preços agrícolas ao produtor,

contrastada pela curva ascendente de custos de produção e pela

falta de políticas de sustentação de renda, levou ao colapso da

atividade produtiva de contingente significativo de pequenos e

médios agricultores, e mesmo de agricultores de grande porte

com maior vínculo ao mercado doméstico.52

No que diz respeito à discrepância dos juros e prazos das dívidas

contraídas pelos agricultores em relação ao mercado com um todo, os

parlamentares da bancada ruralista demonstram articulação e coesão em seus

discursos, cujas características são marcas constantes em suas intervenções. A

orquestração afinada da bancada ruralista fecha o cerco contra quaisquer

argumentos que possa descredenciar suas afirmativas. Alguns ruralistas

sustentam a necessidade, tão importante quanto à renegociação das dívidas, que

o prazo para o pagamento seja estendido; outros afirmam ainda que os juros

acordados nas negociações de crédito rural são incompatíveis com a realidade

econômica e com a produção do setor. Ou seja, para os ruralistas nem o prazo

52 Câmara, 21/05/2003, pp. 557-71.

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para o pagamento das dívidas e nem os juros sobre o valor devido estão de

acordo com suas prerrogativas.

O deputado José Rocha (PFL-BA) argumenta que para cumprir os

compromissos seria necessário duas décadas para o pagamento dessas dívidas,

porque do contrário os produtores não terão como cumprir com

seus compromissos. Os exemplos estão aí: inadimplências,

renegociação do PESA e da securitização, cujos prazos curtos e

juros incompatíveis à época impediram o agricultor de cumprir

com suas obrigações. As taxas de juros hoje estão se adequando,

mas não os prazos. Isto se faz necessário, para que os produtores

possam ter seus investimentos garantidos.

Juros compatíveis temos, nos fundos constitucionais, mas não os

prazos necessários a que os resultados da agricultura permanente

possam fazer face ao pagamento da dívida dos produtores. Se

isso não acontecer, teremos sempre as inadimplências.53

Por outro lado, no que tange as taxas de juros, o deputado Zonta (PP-SC)

afirma que a renegociação

representa muito para o presente e, principalmente, quanto à

perspectiva de futuro, ainda mais no momento em que o Brasil

vive às voltas com gravíssimo problema de custo financeiro, ou

seja, de juros elevados. Para o campo, onde se situa hoje a

grande força, a grande mola propulsora do desenvolvimento

econômico e social, já se pode vislumbrar modelo [de

cooperativismo] que dá consecução à substituição dos tradicionais

bancos por iniciativa do próprio agricultor.54

53 Idem, 23/05/2003, pp. 507-10.

54 Idem, 16/06/2006, pp. 502-3.

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Não faltam pressões para que os grandes produtores sejam, mais uma vez,

contemplados com a renegociação e reescalonamento do montante devido nessa

medida provisória, que a priori contemplaria somente os agricultores familiares,

mini e pequenos produtores rurais. O relator da MPV assevera que

a Medida Provisória nº 1143 foi fruto de um amplo debate, que

resultou num grande acordo entre os movimentos sociais em

relação ao médio, ao pequeno e ao mini produtor rural. Um grande

acordo foi efetuado em relação ao [produtor do] semi-árido

nordestino. No que diz respeito à proposta dos grandes

produtores, que reivindicavam o que chamamos de "Pesinha",

evidentemente ela não foi acatada na forma apresentada. Sofreu

algumas alterações.55

Mas a “Pesinha” foi acatada!

Em relação às renegociações das dívidas dos grandes produtores rurais, o

deputado João Grandão ressalta que houve acordos, tanto na Câmara quanto no

Senado, para que fosse dada nova redação ao inciso II do artigo 12 da medida

provisória,

fixando em 13 anos o prazo para refinanciamento do saldo

devedor remanescente e elevando para 20,62% o montante

equivalente em títulos públicos federais a serem adquiridos e

entregues em garantia ao credor. Essa emenda, que chamamos

“Pesinha”, pelo percentual alterado, não tem impacto em relação à

proposta apresentada pelos representantes da grande produção,

especificamente aqueles que tinham o financiamento do PESA.

Portanto, o “Pesinha” foi incluído e sofreu no Senado Federal uma

55 Idem, Ibidem, pp. 618-26.

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alteração que, pela nossa avaliação, não prejudicará em

absolutamente nada o acordo nesta Casa.56

Não é de se estranhar a pressão que os parlamentares ruralistas exercem

junto aos seus pares para que seja aprovada mais uma renegociação das dívidas

do crédito rural. Como se pôde comprovar a partir dos discursos em plenária, os

ruralistas tentam incluir de todas as formas em mais esta renegociação os

grandes devedores. Não causa espanto que por fim o intento é alcançado, já que

na MPV 1143 a “Pesinha” acabou sendo considerada, mesmo não sendo nos

moldes como os ruralistas idealizaram. De todo modo, foi uma importante vitória

da bancada ruralista, já que no texto original desta medida provisória os grandes

produtores rurais não seriam contemplados.

A “Pesinha”, como dito anteriormente, é uma forma renovada do PESA –

Programa Especial de Saneamento de Ativos, instituído em 1998 – tendo as

mesmas regras do PESA, isto é, os mesmo juros (3%, 4% e 5%, conforme o

tamanho da dívida), mesma correção monetária (9,% aa.), sendo a “Pesinha”

criação do deputado Luiz Carlos Heinze (PPB-SC), um dos mais ativos ruralistas

do Congresso Nacional.

A importância da aprovação da “Pesinha” e o que esse programa

representa se traduz menos em termos econômicos e mais em marcos de poder e

influência que a bancada ruralista exerce no Congresso Nacional na “distribuição”

56 Idem, ibidem.

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de benesses aos seus correligionários, sem esquecer, evidentemente, que esses

mimos são realizados com o dinheiro público.

B) Empréstimo ou subsidio aos produtores rurais?

A partir dos argumentos da bancada ruralista, percebe-se uma forte

pressão para que a MPV 114/03 seja estendida a todos os produtores rurais

inadimplentes, independente do porte ou da necessidade. Essa medida provisória

de renegociação da dívida do crédito rural se distingue radicalmente das

anteriores, pelo simples fato de esta, a priori, contemplar a agricultura familiar,

mini e pequenos produtores rurais, fato que as medidas provisórias anteriores só

contemplam os grandes produtores, deixando os demais produtores fora de

qualquer renegociação para a quitação de suas dívidas.

Assim, fica evidente o tratamento diferencial e preferencial para aqueles

setores que têm seus interesses organizados e representados, ou seja, a

bancada ruralista, pois exerce forte pressão junto ao poder Executivo,

independentemente do presidente de plantão ou do seu partido, para que os

grandes produtores tenham sempre renegociado as suas dívidas do crédito rural.

A questão principal não é a renegociação ou não, mas o porquê somente

um determinado setor da agropecuária, e invariavelmente a elite agrária, é

sempre privilegiado nas renegociações, enquanto que os demais setores

agropecuários não recebem o mesmo tratamento por parte do Estado.

Nesse sentido, surgem duas questões:

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a) Partindo das argumentações dos ruralistas que tanto juros quanto

prazos para pagamentos das dívidas são incompatíveis com a realidade

econômica, como explicar tais inadimplências ao ser confrontadas com o

crescimento econômico da agropecuária, assim como da sua expansão no Brasil?

b) O modelo adotado pelo Estado brasileiro de abrir os cofres públicos

somente para a rica agricultura parece não ser viável, é preferível adotar o

modelo praticado nos EUA e Europa ao subsidiarem todos os produtores

agropecuários, priorizando os pequenos e médios produtores?

No que se refere à participação da agropecuária no PIB brasileiro, como

era de se esperar, os dados se diferenciam substancialmente, conforme a fonte

consultada. De modo geral, os dados do IBGE57 mostram uma participação maior

da agropecuária no PIB total brasileiro que os dados do CEPEA-USP/CNA58.

Na tabela 5 e gráfico 4, logo abaixo, os dados apontam a participação da

agropecuária no PIB nacional, onde observamos que o crescimento desse setor

foi significativo no período do nosso recorte temporal, de 1995 a 2003.

Crescimento esse que os próprios ruralistas festejaram em diversos momentos.

O deputado ruralista Lincoln Portela (PL-MG) sustenta que

cinco décadas depois de a indústria superar o setor primário, o

Brasil reconquista a condição de potência agrícola. Até a década

de 1950, quando aconteceu o surto industrial, a agricultura

predominava, mas sempre alternando entre ciclos de

57 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

58 Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - USP (CEPEA-USP).

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prosperidade e declínio, chegando mesmo a ser vista como

rudimentar. Nos últimos oito anos (1995-2003), voltou virtuosa, e

hoje o setor mostra muito mais força. O País já se inclui entre os

cinco maiores players mundiais do agrobusiness, respeitado e

temido pelos chamados blocos ricos.

A safra brasileira de soja deve ser a maior do planeta. O setor

cresceu e se sofisticou, chegando até a ganhar nova

denominação: agora, trata-se do agronegócio. Essa cadeia

produtiva, que inclui também a pecuária, as indústrias de

alimentos fertilizantes e defensivos agrícolas, foi responsável por

um terço do PIB brasileiro no ano passado, pelos cálculos da

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil — CNA, com

giro de 356,4 bilhões de reais. Para este ano [2003], a expectativa

de crescimento é de 8%. Segundo especialistas do setor, o

agronegócio cresce sem parar e cada vez mais incorpora o que há

de mais moderno em tecnologia.59

O deputado Zonta (PPB-SC), um dos parlamentares mais ativos e hábil

articulador da bancada ruralista, é categórico ao afirmar que o

agronegócio brasileiro está dando grande sustentação ao país no

aspecto econômico e social. Consequentemente, os indicadores

apontam para uma perspectiva mais favorável para o futuro.

Atualmente [em 2003], compomos 29% do Produto Interno Bruto

brasileiro e devemos alcançar 438 bilhões de dólares na soma do

PIB. É necessário, cada vez mais, estimular nossa vocação

natural para a agricultura, a pecuária e a pesca, e nos unirmos

para fortalecer o agronegócio no País.60

59 Câmara, 20/05/2003, pp.576-8.

60 Idem, 22/05/2003, p. 843.

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O tucano paulista Antônio Carlos Thame (PSDB-SP), credita ao governo

Fernando Henrique Cardoso o sucesso da agricultura e sua expansão, pois

o imenso sucesso da agricultura brasileira, que chegou a 116

milhões de toneladas de grãos e tem sido reconhecido pelo

Governo como a salvação da nossa economia, se sustenta em

quatro medidas adotadas pelo Governo anterior [FHC].

Primeira, a repactuação das dívidas; segunda, o MODERFROTA,

que conseguiu diminuir para quase metade a idade média das

máquinas que ajudam no campo e, com isso, aumentar

tremendamente a produtividade por hectare; terceira, a

incorporação de tecnologia. A agronomia brasileira conseguiu

desenvolver uma agricultura tropical. Quarta, relativa tranquilidade

ao produtor de que sua propriedade não seria invadida, não seria

desapropriada sem a observância de critérios técnicos.61

Pelas citações acima podemos observar que no ano de 2003 houve intenso

entusiasmo por parte dos ruralistas no que se refere ao crescimento econômico

da agropecuária brasileira, corroborado pelos dados estatísticos da participação

no PIB nacional. Isso posto, as justificativas dos ruralistas pela alta inadimplência,

apresentadas na primeira parte deste capítulo, parecem improváveis no confronto

com os dados do PIB do setor desenvolvidas tanto pelo IBGE como pelo CEPEA-

USP/CNA.

61 Idem, 18/06/2003, pp. 550-1.

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1994 2003 1999 2001

Tabela 5 – PIB Brasil e PIB agropecuário (1994-2003)

Ano PIB total Crescimento do

Participação da PIB Agropecuário Crescimento do

PIB

Anual - R$(milhões) PIB total (%) agropecuária

no PIB (%) Anual -

R$(milhões) Agropecuário (%)

1994 1.494.345 - 27,90 416.849 - 1995 1.557.463 4,2 27,55 429.014 2,9 1996 1.598.870 2,7 27,42 439.365 2,4 1997 1.651.175 3,3 26,23 433.097 -1,4 1998 1.653.353 0,1 26,41 436.717 0,8 1999 1.666.340 0,8 26,68 444.584 1,8 2000 1.739.003 4,4 26,58 462.174 4,0 2001 1.761.829 1,3 27,04 476.375 3,1 2002 1.795.776 1,9 28,86 518.332 8,8 2003 1.805.563 0,5 30,58 552.205 6,5

Fonte: IBGE.

Gráfico 4 – Variação do PIB agropecuária e PIB total (1995-2003)

Fonte: IBGE.

Apesar da oscilação da participação do PIB agropecuário no PIB nacional

no período de 1995 a 2003, é de se notar que a taxa média de crescimento do

PIB desse setor foi de 4% ao ano – em 1994 a receita do setor agropecuário era

pouco mais de R$ 416 bilhões, enquanto que em 2003 passou de R$ 550 bilhões.

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Entre os anos 2001 e 2003, a participação da agropecuária no PIB brasileiro

aumentou consideravelmente, tanto que o salto da receita nesse biênio

surpreendeu até os parlamentares mais envolvidos no debate. Sendo assim,

verificamos que a agropecuária brasileira não só acompanhou o crescimento

econômico do país, como o crescimento do setor ficou acima da economia em

geral.

Considerando que o conjunto formado pela agricultura familiar, mini e

pequenos produtores rurais responde por cerca de 30% da produção total do

setor agropecuário e 70% do mercado interno, a produção restante está nas mãos

dos grandes produtores agropecuaristas e, consequentemente a produção é

direcionada para a exportação. A partir dos dados acima observamos que a

produtividade do setor agropecuário no período de 1994 a 2003 não é nada

desprezível, portanto não sendo possível considerar que a rica agricultura não

tenha condições de realizar os pagamentos dos créditos rurais contraídos. Se os

pequenos agricultores são, conforme o Ministério da Agricultura, cerca de 5% dos

inadimplentes e quitam suas dívidas, os grandes produtores também teriam, em

tese, condições favoráveis para pagar em dia suas dívidas.

Mas por que não o fazem?

Uma das hipóteses aponta que a sucessão de renegociação em si atesta a

incapacidade do agronegócio brasileiro em se sustentar de forma competitiva sem

subsídios governamentais, como ocorre nos países desenvolvidos.

Umbelino afirma que

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Assim, vai por água abaixo aquela máxima do agronegócio

brasileiro, a de que eles são competitivos e capazes de competir

com a produção agrícola de qualquer outro lugar do mundo. No

entanto, a verdade é que a agricultura brasileira, de forma indireta

e através desta renegociação, revela que também é subsidiada. É

evidente que nesse bojo entram os grandes, mas também fazem

parte os médios e pequenos produtores, sobretudo aqueles

provenientes da reforma agrária.62

E, portanto, a renegociação sinaliza que os grandes simplesmente se

habituaram a não pagar, pois sabem que o governo cede e que possuem uma

forte base parlamentar de pressão, que obviamente é posta a reivindicar tais tipos

de renegociação.

Essa postura de “anti-pagamento” é comum entre setores das

elites brasileiras, que sempre transferiram à União os custos de

seus investimentos. A base do enriquecimento das elites sempre

se fez na apropriação do fundo público, como muito bem estudou

e apontou o professor Chico de Oliveira. Sendo assim, é uma

prática cotidiana do setor empresarial brasileiro, sobretudo dos

que são ligados à agricultura.

Eles não pagam e o governo ainda reduz o imposto, que tem a ver

com os juros sobre essa dívida não paga e que não pertence

somente aos devedores das parcelas futuras. Há ainda a

concessão de prazo adicional, redução das taxas de juros das

operações e concessões de desconto para liquidação de dívidas.

Ou seja, reduzem os encargos, os juros e ainda dão desconto

para pagarem.63

62 UMBELINO, 2008.

63 Idem.

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C) Inclusão na renegociação para além dos pequenos produtores

A discussão da MPV 114/ proporciona uma reflexão estimulante do modo

como a bancada ruralista se manifesta no plenário da Câmara. O texto original,

proposto pelo Executivo, discute a renegociação das dívidas do crédito rural dos

pequenos produtores rurais – agricultores familiares, mini e pequenos produtores

– não sendo contemplados, nessa medida provisória, os grandes produtores

rurais. Como dito anteriormente, o rico setor agropecuário brasileiro, sempre

muito bem organizado e coeso, possui uma forte representação no Congresso

Nacional – através da bancada ruralista –, e sempre exerceu pressão junto ao

Executivo para que seus interesses sejam contemplados, e não foi diferente em

relação à discussão da MPV 114/03.

Dentre as manobras praticadas para que seus interesses sejam

considerados, os parlamentares ruralistas apoiaram a emenda nº 10 de autoria da

senadora Heloísa Helena (PT-AL), que dá nova redação ao art. 7º da medida

provisória e tratava da ampliação do teto daqueles que contraíram empréstimos,

passando de R$ 35 mil para até R$ 50 mil. Veja que esses valores estão aquém

daqueles contraídos pelos grandes produtores, que são sempre superiores a R$

200 mil, no entanto, os ruralistas lançaram mão desse expediente para que seus

interesses fossem também atendidos, ou seja, que fossem incluídos nesse bolo

também os grandes produtores, os inadimplentes com as maiores dívidas.

O ruralista Ronaldo Caiado (PFL-GO) não economiza palavras ao apoiar a

emenda da senadora petista, pois sabe que a aprovação dessa emenda não

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beneficiaria apenas os médios produtores, mas abriria caminho para que o

benefício se estendesse aos grandes produtores, este sim os grandes devedores.

Ao final das apresentações das emendas à MPV 114/03, o relator da

medida provisória, João Grandão, proporcionara uma longa conclusão dessas

discussões, reafirmando a presença de vícios antigos nas emendas apresentadas

pelos deputados e ao mesmo tempo mostrando a pressão política que a bancada

ruralista sempre exerceu nessas questões relacionadas à renegociação:

As 55 emendas apresentadas à medida provisória, no geral,

reproduzem os vícios acima comentados. Tanto as emendas

focalizadas para dívidas rurais dos agricultores familiares como

aquelas voltadas para os maiores devedores estão pautadas por

critérios gerais lineares e pouco parcimoniosos com que buscam

intervir na problemática.

Todavia, conforme demonstra o anexo, há emendas que propõem

novo programa de securitização, alcançando até as operações já

adquiridas pela União. Propõe-se a repactuação das dívidas

vencidas junto ao PESA e a repactuação de operações já

renegociadas com base na Resolução nº 2.765, de 2000.

Outras emendas propõem a redução de encargos para operações

de vulto junto ao Crédito Rural. Existe proposta de concessão de

subsídios entre 60% e 90% para todas as operações de custeio

até 35 mil reais, junto ao BNB, celebradas no ano de 1998. Há

emendas que postulam a prorrogação por 15 anos de todos os

contratos de agricultores familiares, qualquer que seja a fonte,

com taxas de 1,15% e 70% de subsídios indistintamente.

Com relação aos Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e

Centro-Oeste, a aceitação de alguma das emendas apresentadas

acarretaria substancial erosão patrimonial daqueles instrumentos

regionais.

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Observe-se que, em contraste com a idéia de penúria geral

esboçada para a agricultura quando se trata de avaliar a

capacidade de pagamento para honrar dívidas rurais, a CNA —

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil exalta a

expansão de 8,65% do PIB da agropecuária de 2000 para 2001.

No ano de 2002, o PIB da agropecuária passou de 95 bilhões de

reais, registrados em 2002, para 125,8 bilhões em valores

correntes. Para 2003, a CNA projeta esse PIB, em valores de

2002, para 127,2 bilhões, ou seja, 1,4 bilhão superior, em termos

reais.

Avaliando-se a renda agrícola pelo conceito de VPB — Valor

Bruto da Produção, constata-se trajetória consistente com a

evolução do PIB da agropecuária. Ainda de acordo com a própria

CNA, após o declínio de 2% no ano de 2000, o desempenho do

Valor Bruto da Produção agropecuária cresceu 5,5%, em 2001;

11,2%, em 2002, e, para 2003, projeta-se o crescimento de

9,1%.64

Ainda em sua exposição, o relator parece inverter a concepção de

satanização do Estado e sacralização do mercado no que se refere ao mundo da

produção rural ao expor as negociações sempre vantajosas para a “rica

agricultura”, ao sustentar que:

Ainda que em parte financiada pelo mercado, “a rica agricultura”

de vastos segmentos do agronegócio exportador, ao invés de

expor a improbidade do trato geral, irrestrito e linear dos

benefícios concedidos pelos diplomas relativos ao endividamento

agrícola, tem sido utilizada para a consolidação desse desvio.

Em outros termos, a agricultura rica tem sido explorada como fator

de pressão sobre o Governo Federal por generosas medidas

64 Câmara, 18/06/2003, pp. 568-71.

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genéricas de subvenção e alongamento de dívidas rurais, “sob

pena do comprometimento da performance da agricultura na

balança comercial”.

O fato é que a agricultura brasileira não é um monólito. Razões

diversificadas, com destaque para a iniqüidade histórica das

políticas agrícola e agrária, geraram amplo mosaico de realidades

sociais na agricultura brasileira nas várias regiões do Brasil. Nos

extremos, convivem portentosos empreendimentos capitalistas,

com padrões técnicos equiparáveis às agriculturas mais dinâmicas

do mundo, com grande profusão de empreendimento de

subsistência nivelados pela precariedade das condições técnicas

e materiais.

Em suma, pretende-se afirmar que é expressiva e lamentável,

sim, a condição de empobrecimento e insolvência na atividade

agrícola produtiva, em especial entre os segmentos da pequena

produção.65

D) A legitimação das renegociações

A partir dos discursos dos parlamentares ruralistas em relação à MPV

114/03, torna-se possível apresentar o contraponto da renegociação de dívidas do

crédito rural frente aos recordes de produção alcançados nas safras anteriores a

2003, ano da medida provisória. Mesmo com todas as intempéries climáticas e

percalços econômicos, os ganhos obtidos pelos grandes produtores rurais no

período estudado (1995 a 2003) foram significativos. Esse desempenho

extraordinário (surpreendendo até os mais entusiasmados produtores), por mais

65 Ibidem, p. 567.

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lucrativo que seja, parece não ser contabilizado nos momentos das rolagens das

dívidas contraídas junto ao governo federal. Seja qual for o tamanho da safra ou a

cotação das commodities agrícolas, praticamente não há ano sem renegociação

das dívidas agrícolas.

O peso político dos ruralistas como integrantes da base de apoio aos

governos recente – tanto de Fernando Henrique como de Lula – permite que a

capacidade dos primeiros imponha a sua agenda e seus interesses, pois a

representação política é maior do que esse setor representa na sociedade como

um todo. Parece existir a idéia de que não se faz nada sem os ruralistas.

O setor agropecuário tem sua parcela de importância na balança comercial

brasileira, todavia a sua relevância do ponto de vista do conjunto da economia,

assim como a capacidade de criação de empregos de qualidade e distribuição de

renda, por exemplo, não é tão grande quanto parece66. Políticas de crédito

simpáticas aos grandes produtores criaram condições para o uso intensivo de

mecanização, com efeitos restritivos ao emprego rural. Segundo dados do IBGE

de 2006, as fazendas com mais de 2 mil hectares absorve apenas 350 mil

trabalhadores assalariados. Bem menos que os 900 mil trabalhadores que a

pequena propriedade emprega. Ou seja, o modo de produção nas grandes

fazendas, que se moderniza permanentemente, expulsa mão-de-obra do campo,

ao invés de gerar emprego. Esse status da rica agropecuária de segmento

66 Ao contrário, a agricultura familiar e os pequenos agricultores são os que respondem pela

maioria dos empregos e da distribuição de renda no campo. Esse setor absorve cerca de 70% da

mão-de-obra no campo, conforme sustenta o IBGE.

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"especial" é histórico – assim como as dívidas, uma tradição desde ciclos

passados como o do café – e permanece até hoje.

Assim, as dívidas dos grandes e dos pequenos produtores, que têm

características bem diferentes, deveriam ser tratadas separadamente. A rica

agropecuária é beneficiada por vantagens "extraordinárias". Além dos incentivos

oficiais para a produção e exportação voltados a grandes produtores, há um

vácuo na regulação do Estado com relação à grilagem de terras, ao

descumprimento de leis ambientais e à exploração de mão-de-obra análoga à

escravidão.

A rolagem das dívidas e anistia aos devedores do Pronaf e aos pequenos

agricultores acabam sendo usadas pelos ruralistas num contexto em que se

procura legitimar o tratamento geral dado ao setor agrícola como um todo. Nesta

medida provisória, os ruralistas querem que as renegociações dos grandes

produtores sejam realizadas em conjunto com os pequenos e médios produtores,

para que o pacote seja apresentado à opinião pública como um só. A unificação

da negociação das dívidas faz com que as diferenças entre os grandes e os

pequenos produtores sejam camufladas. Grande parte da dívida está concentrada

em contratos de grandes fazendeiros que devem acima de R$ 200 mil cada um.

Por outro lado, a inadimplência entre os pequenos produtores rurais costuma ser

historicamente menor, sendo aproximadamente 5% dos inadimplentes, segundo o

Ministério da Agricultura. Assim, a inclusão dos grandes, pequenos e médios

produtores rurais num único bolo de devedores acaba por legitimar a ajuda que

diferentes governos brasileiros prestaram aos grandes produtores rurais.

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A despeito das oscilações das cotações internacionais das commodities, da

volatilidade do dólar e dos ciclos da demanda nas últimas décadas, os interesses

classistas dos grandes produtores agropecuários brasileiros sempre prevaleceram

nas renegociações de suas dívidas. Para além de intempéries pontuais e

setorizadas, os ruralistas mais uma vez confirmaram o seu “favoritismo histórico”

nos principais embates em relação às questões agrárias, principalmente no que

se refere à (re)distribuição de terras, preservação e sustentabilidade do meio

ambiente e aprovação da lei que penaliza aquele que utilizar em sua propriedade

mão-de-obra análoga à escravidão.

Conforme apresentado anteriormente, o PIB agropecuário, que é a soma

de todas as riquezas geradas pelo setor, superou R$ 550 bilhões em 2003. Essa

vultosa quantia não condiz com o conhecido “chororô” dos porta-vozes ruralistas,

que sempre apresentaram um quadro de “extrema gravidade” para convencer o

governo e a opinião pública da necessidade “incontornável” de mais um pacote de

“bondades oficiais” ao setor; leia-se, a renegociação e o alongamento das dívidas

contraídas pela rica agropecuária.

Dessa forma, cria-se um cenário para que, depois da apropriação dos

lucros, os prejuízos sejam socializados. As quebras de recordes, na produção e

no lucro, são acompanhadas da desenvoltura da elite agrária na arena política.

Historicamente, a Comissão de Agricultura da Câmara têm sido um dos espaços

mais utilizados para dar propulsão à agenda ruralista.

Sendo assim, não é estranha a pressão que os parlamentares ruralistas

exercem sobre o Executivo e o Congresso Nacional para que o Estado brasileiro

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continue a financiar a rica agropecuária, em detrimento aos agudos problemas

sociais, principalmente no campo. O crédito rural que o Estado concede aos

grandes produtores – cada vez mais presente na figura de empresas

transnacionais – parece mais com subsídios disfarçados e contrastam com a

escassez de recursos para os pequenos e médios produtores.

O equívoco dos grandes produtores rurais brasileiros tem sido desenvolver

a tese de que a agricultura contemporânea brasileira é capaz de competir no

plano mundial, com possibilidade de vencer essa competição capitalista. Isso

ocorre porque se conseguiu, nesses repetidos esquemas de securitização das

dívidas do crédito rural, camuflar os subsídios, melhor dizendo, perpetuar a sua

ausência. Nos países de grande produção agrícola e pecuária, a atividade rural é

subsidiada. Por exemplo, os Estados Unidos, no início do governo de George W.

Bush que tratou de votar o Farm Bill, destinando, em quatro anos, algo em torno

de US$ 250 bilhões de dólares para a agricultura norte-americana. O Brasil tem

sido um dos poucos países do mundo onde a elite agrária e alguns economistas

do setor dizem que é possível uma agricultura capitalista que não se insira nesses

moldes. Nota-se que, quando as vacas são gordas, ninguém reclama, mas

quando a situação fica crítica, o prejuízo tende a ser socializado.

E o governo central, independente do governante de plantão ou do partido,

pactua com os representantes desse setor organizado e coeso, mirando a

governabilidade, sobretudo a partir dos acordos político-partidários no Congresso

Nacional. No fundo, os governos são uma espécie de reféns desses

parlamentares ruralistas.

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101

De certa forma, a rica agricultura brasileira é controlada por empresas,

chamadas genericamente de tradings, que dominam o mercado, principalmente o

de grãos, como: Bunge, Cargill, Archer Daniels Midland (ADM) e Louis Dreyfuss,

empresa francesa que no Brasil opera com o nome de Coimbra. Essas são as

quatro empresas gigantes mundiais. Há ainda a Maggi, da família do ex-

governador do Mato Grosso e a Caraburu, de Goiás; há também outros grupos

nacionais e internacionais menores. A lógica predominante nessas empresas, que

pode ser aplicada também a outras culturas e a pecuária, é a seguinte: os

agricultores fazem acordos com as multinacionais, que lhes fornecem sementes e

fertilizantes e passam a ser os avalistas, no sistema financeiro, do empréstimo

que esse agricultor fará. O dinheiro do Banco do Brasil e de outros bancos

estatais e privados vai, portanto, para as multinacionais. Para tanto, basta verificar

na revista da Agrishow de 2008 onde há uma propaganda do Banco do Brasil que

apresenta as empresas que são seus maiores clientes. Ali estão todas essas

empresas mencionadas anteriormente.

No que diz respeito aos pequenos produtores, os Estados Unidos, por

exemplo, conseguem ser um país que abastece o seu mercado interno com todos

os principais produtos necessários e, ao mesmo tempo, ter excedente para

exportação, porque possuem uma forte agricultura centrada nas chamadas family

farms, pequenas unidades de produção. O mesmo ocorre na Europa, onde os

países que compõem o bloco têm uma agricultura centrada nos camponeses em

pequenas propriedades. No Japão, acontece a mesma coisa. Fica evidente que

não é necessário reinventar a roda. A questão central é que a história do Brasil

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sempre foi orientada pela e para a elite agrária. Qualquer governo que queira

segurança e soberania precisa ousar romper esse vínculo à grande agricultura e

apostar que há possibilidade de governabilidade sem precisar barganhar com os

ruralistas. A partir dos modelos agrários experimentados ao redor do mundo,

deveríamos aprender que o Estado subsidia não apenas a rica agropecuária, mas

toda a gama de agricultores e pecuaristas, principalmente os pequenos e médios

produtores rurais, aqueles que realmente geram emprego67 e abastecem cerca de

70% do mercado interno brasileiro.

Podemos observar nos discursos a seguir que os ruralistas têm plena

noção da importância da agricultura familiar e dos pequenos produtores para o

setor. Apesar dos dados apresentados pelos parlamentares não serem

semelhantes, podemos creditar nas suas informações, pois essas informações

vão ao encontro das do Ministério da Fazenda e do Ministério do

Desenvolvimento Agrário.

O deputado Heleno Silva (PL-SE) não perdeu a oportunidade de elogiar o

público alvo do governo federal expresso na MPV 114-03:

sabemos que precisamos investir na agricultura familiar, o setor

da economia que mais gera empregos no País... Para isso, é

preciso viabilizarmos projetos de irrigação e o fortalecimento das

associações de agricultores, de modo que todas tenham seu trator

comunitário. Praticar agricultura familiar é fazer com que as

67 Vale lembrar que segundo dados do IBGE, a agricultura familiar e pequenos agricultores geram

cerca de 70% da mão-de-obra rural, em contrapartida, os grandes produtores empregam cerca de

30%.

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associações tenham condições de dar aos produtores o

necessário suporte.68

O ruralista goiano Leandro Vilela (PMDB-GO) é explícito ao colocar a

importância devida aos pequenos produtores e a agricultura familiar, ao afirmar

que:

Hoje, 84% das propriedades rurais se encaixam no perfil de

agricultura familiar, o que representa mais de 4 milhões de

estabelecimentos. Essa gente simples e desamparada é

responsável por quase 38% do valor bruto de produção

agropecuária, e ocupam 77% da mão-de-obra no campo.

Apesar das dificuldades de acesso ao crédito, os pequenos

produtores são responsáveis por 84% da produção de mandioca,

67% da produção de feijão, 54% de todo o milho produzido, e 54%

da bovinocultura de leite. São eles os grandes responsáveis pela

preservação da paisagem [meio ambiente] e da cultura brasileiras.

Para os agricultores familiares, haverá um aumento do número de

beneficiados e do volume de financiamento muito mais

significativo. Estima-se que cerca de 30.000 pequenos produtores

terão acesso ao crédito, e que o montante de recursos disponíveis

subirá de 34.000, para cerca de 90.000 reais.69

A certa altura da discussão da medida provisória é notável que os ruralistas

deixassem às claras suas intenções de apoio à inclusão dos pequenos produtores

na renegociação das dívidas, pois ao serem incluídos os grandes produtores –

estes os maiores inadimplentes –, todos os agropecuaristas que estiverem no

“bolo” da renegociação serão contemplados com essa medida do governo federal.

68 Câmara, 21-05-2003, pp. 739-40.

69 Idem, 18-06-2003, pp. 422-5.

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Nesse sentido, o deputado ruralista João Caldas (PL-AL) não deixa de aproveitar

a oportunidade e afirma que

o Partido Liberal vota favoravelmente à medida provisória, porque

vem se posicionando ao lado dos trabalhadores, principalmente

do pequeno agricultor, e de todas as conquistas do setor do

campo. Essa é a luta da bancada ruralista e de todos os

Deputados.70

Apesar dos dados apresentados pelo deputado Costa Ferreira (PFL-MA)

mostrarem o oposto, sua percepção da importância do pequeno agricultor vai ao

encontro da tendência mundial, como mostrado anteriormente. O ruralista

maranhense elogia e mostra o devido valor dos pequenos produtores tanto para o

abastecimento interno quanto para a geração de emprego na zona rural brasileira,

mas parece querer inculcar a tendência de eliminar todo e qualquer pequeno

produtor em nome da “globalização”, e veladamente, em prol da grande

propriedade, a elite agrária brasileira.

A mensagem que gostaria de trazer aos nobres pares [deputados]

é a de que não podemos deixar que os resultados de

circunstâncias atípicas, conjunturais, de curto prazo, empanem

nossa percepção da realidade amarga das perenes dificuldades

dos pequenos produtores familiares e sua permanente

desvantagem frente aos grandes empreendimentos agrícolas.

Melhoras cíclicas, ocasionais, não podem encobrir a tendência

histórica declinante dos preços agrícolas, a discriminação que os

pequenos agricultores sofrem quando procuram crédito, o

abandono de que são vítimas quando são definidas as prioridades

70 Ibidem, p. 549.

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de pesquisa, de investimentos em infra-estrutura e mesmo de

assistência técnica e extensão rural.

É por fatos como esses que ninguém aposta na sobrevivência da

pequena propriedade familiar num mundo globalizado, numa

economia onde a concorrência é cada vez mais acirrada e onde o

poder econômico fala cada vez mais alto. De fato, a tendência à

aglutinação dos pequenos estabelecimentos em unidades

produtivas maiores é global. Políticas de redistribuição de terra

que visam ao fracionamento de grandes áreas em pequenos

estabelecimentos tendem a se confrontar com as forças contrárias

da economia. Infelizmente, a impressão que se tem é que políticas

de apoio às pequenas propriedades rurais podem almejar, no

máximo, o retardamento de um processo histórico cujo resultado

final será a virtual eliminação desses estabelecimentos.

Tão grandes são os benefícios sociais da pequena propriedade

familiar e tão grandes seriam os custos sociais de sua dissolução

prematura que tudo que a sociedade puder fazer em prol de sua

manutenção será esforço bem compensado.

No Brasil, após pelo menos 3 décadas de intensa modernização

tecnológica, é impressionante a capacidade da pequena

propriedade familiar de resistir ao abandono da política pública, à

concorrência desleal dos grandes produtores, à ganância dos

monopólios, à discriminação dos bancos e ao olhar de

menosprezo da sociedade. Cinco milhões de estabelecimentos

agrícolas, 75% do total, enquadram-se na categoria de

“pequenos”. Esses estabelecimentos ocupam cerca de 80% da

força de trabalho no campo, ou aproximadamente 14 milhões de

pessoas. A maioria dos Municípios do interior do Brasil tem sua

vida econômica baseada predominantemente na agricultura

familiar. Uma crise na agricultura significa uma crise na economia

urbana... uma política de apoio à pequena agricultura de base

familiar confunde-se com uma política de desenvolvimento para o

interior, sem distinção do rural e do urbano. O Governo passado,

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em um de seus melhores momentos, instituiu o Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — PRONAF.

O problema da falta de acesso dos pequenos produtores ao

crédito ainda está longe de ser resolvido. Impedidos pela

Constituição de dar a terra em garantia e sem outras garantias

reais a oferecer, esses agricultores não conseguem crédito para

investimentos. Com freqüência, convive-se com a esdrúxula

situação de bancos terem dinheiro sobrando em caixa para

emprestar a agricultores familiares, e agricultores familiares sem

financiamentos porque sua ficha cadastral não atende aos

parâmetros da instituição financeira.

Não advogo a criação de algum programa de apoio à agricultura

familiar. Novos programas são eficazes na produção de

manchetes. Mas, Sr. Presidente, de forma candente apelo ao

Governo para que fortaleça e complete os programas que aí

estão.71

71 Câmara, 02-07-2003, pp. 628-32.

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Considerações finais

Na contemporaneidade é certo que as sociedades, por conseguinte as

relações sociais, estão mais complexas. Por isso mesmo, são difíceis as formas

de definir as principais características que configuram uma sociedade. Na

América Latina, e especialmente a tarefa de analisar a sociedade contemporânea

brasileira, se torna hercúlea, diretamente proporcional à medida que tomamos

como tema central a relação entre a classe dominante e a desigualdade social.

O século XX foi aquele em que o Brasil deu um salto no crescimento

econômico e aumentou sua riqueza, mas não a dividiu. É o que mostra a

publicação de 2003 do IBGE, “Estatísticas do Século XX”, que apresenta um

resumo do Brasil daquele século. De 1901 a 2000, o PIB brasileiro mais do que

centuplicou, passando de R$ 9,1 bilhões para R$ 1 trilhão. Paradoxalmente,

conforme aponta o relatório de 2003 do PNUD (Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento), o Brasil encerrou o século XX com a sexta pior

distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Namíbia, Botsuana, Serra

Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.

Essa constatação instiga a investigar em que medida a classe dominante

brasileira, e neste trabalho o eixo central é um representante “de peso” da elite

política brasileira – bancada ruralista –, compreende a questão de encontrar

mecanismos para implantar políticas sociais para a redução da desigualdade

social. O fato é que o Brasil não é e nem pode ser considerado um país pobre,

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mesmo assim parte da população está aquém das condições consideradas

mínimas para uma sobrevivência digna e humana.

O recorte temporal utilizado neste trabalho compreende o período de 1995

a 2003, período que ocorreram diversas discussões no Congresso Nacional

acerca das renegociações do crédito rural. Centralizamos os esforços nesse

tema, renegociação do crédito rural, por considerar que pode estar aí uma das

chaves para compreender umas das mais palpáveis desigualdades em nossa

sociedade.

A escolha em analisar a Medida Provisória nº 114 de 2003 nos parece

emblemática por dois motivos. Primeiro, por ser umas primeiras medidas

provisória do governo Lula, que a priori poderia indicar uma inversão nos destinos

dos recursos públicos aplicados na agropecuária brasileira. Segundo, esta medida

provisória, em seu texto original, colocava em pauta a discussão da renegociação

das dívidas do crédito rural dos mini e pequenos produtores rurais e dos

agricultores familiares, justamente aqueles que não foram contemplados nas

renegociações anteriores.

No entanto, para que uma medida provisória seja convertida em lei, é

necessário cumprir um rito legal dentro do Congresso Nacional e só a partir da

discussão da matéria no Legislativo uma medida provisória é convertida em lei.

Porém, no meio do caminho da discussão da MPV 114/03 grupos de interesses

se manifestaram e, obviamente, prevalece a decisão da maioria, cujo grupo

possui grande poder de fogo e pressão. Ou seja, a bancada ruralista se faz

firmemente presente e as articulações resultam na acomodação dos interesses

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dos grandes produtores rurais, sendo contemplados nesta medida provisória não

apenas aqueles pequenos produtores rurais como constava no texto original, mas

contemplando igualmente os grandes produtores.

A contemplação dos interesses dos ruralistas, especificamente nesta MPV

114/03, não seria estranha se em outras renegociações fossem igualmente

contemplados os médios e pequenos produtores rurais, fato que não ocorreu.

Aliás, nas renegociações anteriores somente os grandes produtores foram

atendidos. O que torna curioso toda a situação é que justamente o fato de os

grandes produtores rurais serem os que mais recorrem aos recursos públicos, em

forma de empréstimos, e são os maiores devedores, demonstrando cerca cultura

do calote. Pelo histórico das renegociações, o benefício do empréstimo via crédito

rural mais parece uma apropriação indevida de recursos públicos, uma vez que a

maioria dos grandes produtores rurais não cumpre com suas obrigações. O que

não deixa os inadimplentes do crédito rural serem incluídos na Dívida Ativa da

União são justamente as constantes renegociações promovidas pela bancada

ruralista (no Legislativo) e, não raro, com o apoio do Ministério da Agricultura e

Pecuária (no Executivo), ficando os devedores novamente aptos a contraírem

novos empréstimos e em seguida renegociar estes mesmos empréstimos e assim

segue o ciclo interminável de empréstimos e renegociações.

Nas pesquisas sobre o tema, verificou-se que diversos países do

hemisfério norte, como EUA e Europa, fornecem subsídios para os seus

produtores rurais, de forma a não privilegiar determinados grupos de interesses,

mas ao contrário, o Estado cumprindo sua função social independentemente da

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representatividade dos produtores rurais, sejam eles pequenos ou grandes. Não

que o Estado brasileiro não disponibiliza o financiamento do crédito rural para

aqueles que procuram e cumprem com os requisitos necessários para o

empréstimo, mas como o modelo adotado nas terras tupiniquins não é do tipo

subsídio, todo aquele montante do erário público emprestado deveria ser pago

nas condições estipuladas. No entanto, conforme o Banco do Brasil ou mesmo o

Ministério da Fazenda informam, 95% dos pequenos produtores que recorrem aos

empréstimos são os que pagam em dia suas obrigações. Fato contrário quando

deparamos com os inadimplentes com propriedades com mais de 1.000

hectares72 de terras. Dentre os grandes produtores rurais que contraíram

empréstimos até 2003, verificamos que a maioria simplesmente não pagou as

parcelas devidas; além de não pagar ainda tiveram suas dívidas renegociadas e

alongadas com prazos de pagamento maiores e juros menores. Ou seja, como se

não bastasse não pagar as dívidas, por força de lei os inadimplentes do crédito

rural, e a grande maioria é composta pelos grandes produtores, têm ainda suas

dívidas prorrogadas e o montante devido reduzido, estando esses inadimplentes

liberados da dívida e aptos a contraírem novos e volumosos empréstimos.

Uma coisa é certa: os dados disponíveis em relação ao montante de

recursos públicos destinados para o crédito rural e não pago até o ano de 2003,

sejam esses recursos obtidos em bancos públicos ou não, os números não

72 1 hectare equivale a aproximadamente 1 campo de futebol, cuja medida máxima (90 × 120

metros) totaliza 10 800 metros quadrados, ou 1,08 hectares. 1 quarteirão padrão mede 100 m ×

100 m, ou seja, 1 hectare.

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coincidem. Explicando melhor. O montante dos empréstimos contraídos entre

1995 e 2003, com seus respectivos juros, renegociações, realongamento do

prazo etc., o montante dos valores renegociados não se assemelha, em nenhum

cálculo de nenhuma instituição, o que pode significar total descaso e desinteresse

do poder público em mexer nesse “vespeiro”. Os únicos números que se

assemelham é a taxa de inadimplência entre os pequenos produtores rurais, que

está em torno de 5%. Ou seja, 95% dos inadimplentes correspondem aos grandes

produtores rurais. Essa lógica parece não ter fim. Os dados do Ministério da

Fazenda apontam que o saldo devedor das operações de crédito rural somava

em 2003 quase R$ 75 bilhões. Outras fontes, como o IBGE, apontam para uma

dívida que chega a R$ 130 bilhões em 2006.

Com essa quantidade de recursos, por exemplo, o Brasil poderia sediar

três eventos dos jogos olímpicos – o custo inicial para sediar a Olimpíada no Rio

de Janeiro em 2016, tem um custo atual estimado em cerca de R$ 30 bilhões. Ou

então, daria para custear durante oito anos a importação de todos os

componentes eletrônicos e elétricos que o país consome (o Brasil importa cerca

de R$ 12 bilhões em componentes eletrônicos e elétricos ao ano).

Conforme o exemplo dado por Graziano et alii, citado neste trabalho, é

muito vantajoso o grande produtor inadimplente não pagar suas dívidas, já que

possui uma base parlamentar coesa e forte – bancada ruralista – estando sempre

a postos para intervir a favor dos grandes produtores rurais, quando necessário.

Esse expediente legalizado, porém perverso, contribui de forma decisiva para

cristalizar a desigualdade social brasileira, especialmente no campo.

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As renegociações das dívidas do crédito rural são legais, estando

fundamentadas por meio de medidas provisórias e convertidas em leis, porém

beneficiam majoritariamente os grandes produtores rurais. Apesar de legalizadas,

essas renegociações não podem ser consideradas legítimas, pois além de

aprofundar a distância entre a base e o pico da pirâmide social, os maiores

inadimplentes, composta basicamente pelos grandes produtores rurais, se

beneficiam do poder que os parlamentares ruralistas exercem no Congresso

Nacional, e se acostumaram a não pagar os empréstimos do crédito rural. A

representação política destes interesses no Congresso e junto ao Executivo cria

um viés fundamental pela socialização dos custos e maior concentração dos

benefícios.

O tema da desigualdade é um guarda-chuva que abraça diversos

conceitos, onde não apenas a desigualdade de renda é considerada importante,

mas, sobretudo a desigualdade de poder e de oportunidades, que ocasiona

consequências profundas e preocupantes para a sociedade.

Ricardo Abramoway afirma com propriedade a questão da desigualdade,

indo além do tema da renda, ao sustentar que

A grande desigualdade traz três consequências altamente

preocupantes. Em primeiro lugar, prejudica a própria coesão do

tecido social. Além disso, para um determinado nível de renda,

países mais desiguais têm maior pobreza. Pior: “para uma

determinada taxa de crescimento na renda média a maior

desigualdade implica em menor taxa de redução de pobreza” (De

Ferranti, et al¸2003:10). Em terceiro lugar, é muito provável que a

alta desigualdade comprometa o próprio crescimento econômico,

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isso se traduz, antes de tudo, na baixa qualidade da educação

que os mais pobres recebem, mas também no fato de não

possuírem os ativos necessários – entre eles, o crédito e a base

patrimonial para garantir seu acesso ao crédito – para participar

ativamente da produção da riqueza social.73

A redução das desigualdades socioeconômicas é antes de tudo uma

exigência de justiça social, conforme consta na Constituição Cidadã brasileira de

1988. Há razões de sobra para desejá-la ao menos instrumentalmente, isto é,

como política pública comprovadamente competente no combate a diversas

patologias sociais. De modo geral, os países menos desiguais ostentam menores

taxas de criminalidade, melhores níveis de saúde pública e educação, maior

confiança e solidariedade entre as pessoas e maiores perspectivas de

desenvolvimento sustentável. Em um sistema econômico capitalista, um dos

principais mecanismos no combate à desigualdade social, principalmente a de

renda e a de oportunidades, passa necessariamente pela redistribuição, pelo

Estado, das riquezas originariamente distribuídas de maneira desigual pelo

mercado.

Com a recente divulgação e publicação do Censo Agropecuário de 2006,

realizado pelo IBGE, torna-se possível analisar diversas questões relacionadas à

questão agrária no período de 1995 a 2006. No entanto, nos limitaremos aos

indicadores que foram abordados neste trabalho, onde parece ser possível

demonstrar como as renegociações das dívidas do crédito rural influenciam para

aprofundar a desigualdade social no campo.

73 ABRAMOVAY. 2005, p. 355.

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A partir dos dados disponíveis, e o Censo agropecuário de 2006 do IBGE

veio corroborar com a afirmativa, verificamos que a pequena produção rural74

(aqueles que utilizam até 10 hectares) responde por 70% do consumo interno

brasileiro e 30% de toda a produção nacional, ocupando apenas 2,4%, em 2006,

das áreas produtoras agropecuárias do país; por outro lado, os grandes

produtores rurais ocupam uma área correspondente a 44,4% do total, e produzem

basicamente para a exportação, contribuindo pouco para o consumo interno.

Tabela 6 - Área dos estabelecimentos rurais (hectare) - Brasil Estrato de área 1985 1995 2006

Total 374.924.421 353.611.246 329.941.393 Menos de 10 hectares 9.986.637 7.882.194 7.798.607 De 10 a menos de 100 hectares 69.565.161 62.693.585 62.893.091 De 100 a menos de 1.000 hectares 131.432.667 123.541.517 112.696.478 Mais de 1.000 hectares 163.940.667 159.493.949 146.553.218

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

Os números apontados pelo Censo dão uma noção exata da diferença de

tamanho entre o pequeno estabelecimento rural e o grande produtor. Abaixo

apresentamos os mesmos números, porém em percentual em relação ao total da

área dos estabelecimentos.

74 Ao conceituar pequena produção rural, estamos reunindo neste grupo a agricultura familiar, os

assentados da reforma agrária, os mini produtores rurais e toda a gama de produtores rurais que

utilizam até 10 hectares de terra, independente se o produtor é proprietário, arrendatário ou

meeiro.

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Tabela 7 - Área dos estabelecimentos rurais (%) - Brasil 1985 1995 2006

Menos de 10 hectares 2,7 2,2 2,4 De 10 a menos de 100 hectares 18,6 17,7 19,1 De 100 a menos de 1.000 hectares 35,1 34,9 34,2 Mais de 1.000 hectares 43,7 45,1 44,4

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

A partir dos dados apresentados na tabela 7, podemos observar, por

contraste, que a diferença entre as áreas ocupadas pelos pequenos produtores

(2,4%) rurais e a dos grandes agropecuaristas (44,4%) é gigantesca.

Como se não bastasse à constatação da extensão das áreas ocupadas, o

Censo ainda mostra a quantidade de estabelecimentos entre esses grupos.

Focalizando apenas o número total de estabelecimentos, 50% dos

estabelecimentos pertencem aos produtores com propriedade de até 10 hectares,

enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representam apenas 1% do total

de 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários.

Tabela 8 - Área Vs. Números de estabelecimentos rurais – Brasil 2006 Estrato de área Área (ha) % Número %

Total 329.941.393 100 5.175.489 100

Menos de 10 hectares 7.798.607 2,4 2.732.095 52,8

De 10 a menos de 100 hectares 62.893.091 19,1 1.971.577 38,1

De 100 a menos de 1.000 hectares 112.696.478 34,2 424.906 8,2

Mais de 1.000 hectares 146.553.218 44,4 46.911 0,9

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

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A partir desse cruzamento de área Vs. número de estabelecimentos rurais

no Brasil, se percebe que há uma inversão: quanto maior o número de

estabelecimentos rurais menor é a área ocupada, ou seja, 53% dos

estabelecimentos rurais com até 10 hectares ocupam apenas 2,4% das terras

destinadas à agropecuária. Inversamente, quanto maior a área de terra ocupada,

menos estabelecimentos rurais há, isto é, apenas 1% dos estabelecimentos rurais

com mais de 1.000 hectares ocupa quase 45% das áreas.

No que tange à empregabilidade no campo os dados mostram que, apesar

da soma das áreas daqueles proprietários com até 10 hectares de terra seja

dezoito vezes menor do que a detida pelo segmento patronal, os pequenos

estabelecimentos utilizam 45,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os

grandes estabelecimentos (área superior a 1.000 ha). Assim, se por um lado os

pequenos estabelecimentos ocupam apenas de 2,4% de área das terras

produtivas, por outro lado respondem por 84% das pessoas ocupadas no campo

ao final de 2006.

Um dos principais dados divulgado pelo Censo 2006, porém, reitera a

assimétrica distribuição da terra, onde a concentração na distribuição de terras

permaneceu praticamente inalterada nos últimos vinte anos. Os índices de Gini

que aferem essa concentração estão entre os mais altos do planeta. A

concentração de terra reflete o modelo agrário escolhido pelo Brasil: uma

agricultura de “resultados”, competitiva e sem os pesados subsídios dos países

desenvolvidos.

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O movimento de concentração de terras foi puxado pelas grandes

monoculturas de exportação, pela profissionalização daqueles envolvidos na

grande produção e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia

e ao Pantanal, impulsionada pela criação de bovinos e pela soja.

Nesse processo de ganho de produtividade, aumentou em 1,9% a

concentração de terras medida pelo índice Gini, passando de 0,856 para 0,872

(quanto mais próximo de 1, mais área na mão de menos proprietários). Por outro

lado, a intensa concentração da terra no Brasil não é atualmente a causa

fundante das desigualdades sociais e políticas, pois os produtores sejam eles

pequenos, médios ou grandes, formam o elo subordinado das cadeias produtivas.

Enquanto a economia brasileira nos últimos 40 anos experimentou muitos

altos e baixos, passando longos períodos de baixo crescimento, a produção rural

do Brasil cresceu forte e regularmente durante todo esse tempo. Na realidade, a

produção rural brasileira comportou-se dentro de nossa economia com um mundo

a parte.

O IBGE constatou ainda que a produção de alimentos dos pequenos

produtores rurais é voltada basicamente para a cesta básica – itens nos quais

chega a responder por até 70% da produção total e supera, em muitos casos, a

produção do grande produtor rural. Na soma geral, o Brasil produz muito mais

alimentos do que consome.

No entanto, a desigualdade social no campo pode ser entendida como a

combinação de uma estrutura agrária concentrada, políticas agrícolas e padrão

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tecnológico excludentes, gerando o empobrecimento de milhares de famílias de

pequenos e médios agricultores, a perda de biodiversidade e a contaminação de

rios e pessoas pelo uso intensivo de agrotóxicos. Uma reforma agrária

regionalizada, especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, talvez ainda

faça sentido nos dias de hoje, mas a agricultura demanda, sobretudo, mais

tecnologia e melhor manejo dos recursos naturais.

Pelo histórico do crédito rural, das renegociações e juros, dinheiro para o

setor agrário parece não ser o maior dos problemas. Todavia, o Censo 2006

aponta ainda muitas outras mazelas do setor agrário brasileiro, como a baixa

utilização do crédito – menos de um quinto dos estabelecimentos recorreu a

financiamentos em 2006.

Dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, 4,3 milhões não

obtiveram financiamento em 2006. Dentre os últimos, 3,63 milhões (85,4%) têm

área total inferior a 100 hectares, em outras palavras, a imensa maioria de

pequenos produtores não obteve financiamento do crédito rural. Os

estabelecimentos com 1.000 ou mais hectares captaram 43,6% dos recursos

totais, mesmo representando apenas 0,9% do total de estabelecimentos rurais.

Dentre aqueles estabelecimentos que receberam financiamento, 85%

tiveram como uma das fontes algum programa governamental e 91% apontaram

os bancos como uma das fontes de recursos, que representa 78,3% do total de

recursos. Dos produtores que declararam ter obtido financiamento, 80% são

proprietários das terras – eles captaram 86% dos recursos. Os arrendatários são

5% dos produtores e obtiveram financiamento. Metade dos estabelecimentos que

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obtiveram financiamento (492.628) declarou ter como finalidade o custeio. A

finalidade “Investimento” aparece em segundo lugar, com 40,15% (395.425). Já a

manutenção do estabelecimento foi declarada por 8,75% dos estabelecimentos.

A partir dos dados apresentados pelo Censo de 2006 verificamos que o

volume de empréstimos ficou nas mãos de pouquíssimos produtores rurais,

corroborando a hipótese que além da concentração de terras no Brasil há também

uma intensa concentração de recursos públicos, em forma de empréstimos,

aprofundando e consolidando a desigualdade entre os que vivem da

agropecuária.

Apresentados alguns dos resultados obtidos pelo Censo Agropecuário do

IBGE de 2006 que corroboram com pontos levantados por esta pesquisa,

verificamos que a desigualdade social no campo mais que enraizada não é

percebida pela elite política – bancada ruralista – como prioridade, principalmente

pelo fato de que nem todos os produtores rurais têm acesso ao crédito rural e

poucos privilegiados têm suas dívidas postergadas e renegociadas, por força de

lei, sendo liberados aqueles inadimplentes para contraírem novos empréstimos. A

rica agropecuária tem na bancada ruralista um dos seus mais fortes

representantes, com forte coesão interna e força de pressão mais que suficiente

para que seus interesses sejam atendidos no Congresso Nacional, demonstrando

claramente que a nossa elite política, ou pelo menos a bancada ruralista, está

deveras distante de encontrar mecanismos que realmente combata a

desigualdade social que assola o Brasil, tanto no campo como nas cidades.

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DIAP. 2008. Site do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

<http://www.diap.org.br>

75 Os portais eletrônicos indicados foram acessados em vários momentos, de modo que não

haverá menção a datas específicas de acesso.

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<http://www.ibge.gov.br>

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<http://www.inesc.org.br>

IPEA. 2009. Site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

<http://www.ipea.gov.br>

Frente Parlamentar da Agropecuária. 2009. Site

<http://www.fpagropecuaria.com.br>

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Anexos

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 114, DE 31 DE MARÇO 2003.

Convertida na Lei nº 10.696, de 2003

Dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas sob a égide do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária - PROCERA, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, ou de outras fontes de recursos, por agricultores familiares, mini e pequenos agricultores, suas associações e cooperativas, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1o Ficam autorizados a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas ao abrigo do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária - PROCERA, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória, observadas as seguintes condições:

I - repactuação, pelo prazo de até dezoito anos, tomando-se o saldo devedor atualizado pelos encargos pactuados para situação de normalidade até a data da repactuação, incorporando-se os juros de que trata o inciso II, e calculando-se prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo a primeira em 30 de junho de 2006;

II - a partir da data da repactuação, as operações ficarão sujeitas à taxa efetiva de juros de um inteiro e quinze centésimos por cento ao ano;

III - os mutuários farão jus, nas operações repactuadas, a bônus de adimplência de setenta por cento sobre cada uma das parcelas, desde que o pagamento ocorra até a data aprazada;

IV - os agentes financeiros terão até cento e oitenta dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória para formalização do instrumento da repactuação.

Art. 2o Os mutuários adimplentes que não optarem pela repactuação farão jus ao bônus de adimplência de que trata o inciso III do art. 1o, no caso de pagamento total de seus débitos até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória.

Art. 3o Os mutuários com prestações vencidas a partir de 2001 poderão ser beneficiários da repactuação nas condições descritas nos incisos do art. 1o.

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Art. 4o Os mutuários com obrigações vencidas em anos anteriores a 2001 terão duas alternativas para enquadramento nas disposições do art. 1o:

I - repactuação do somatório das prestações integrais vencidas, tomadas sem bônus e sem encargos adicionais de inadimplemento; ou

II - pagamento das prestações integrais vencidas, tomadas sem encargos adicionais de inadimplemento e aplicando-se o bônus de que trata o inciso III do art. 1o sobre o montante em atraso.

Art. 5o Fica autorizada a individualização das operações coletivas ou grupais ao amparo do PROCERA, inclusive as realizadas por associações e cooperativas, para possibilitar o atendimento a cada mutuário isoladamente.

§ 1o Os mutuários integrantes de contratos coletivos ou grupais, quando optarem pela operação individualizada de que trata o caput, poderão valer-se:

I - da faculdade prevista no art. 1o, se estiverem adimplentes com suas obrigações vencidas em anos anteriores a 2001;

II - de uma das alternativas constantes do art. 4o, se estiverem inadimplentes com suas obrigações vencidas em anos anteriores a 2001.

§ 2o Aplica-se às operações individualizadas o disposto nos arts. 2o, caput, e 3o, caput e § 1o da Lei no 10.186, de 12 de fevereiro de 2001, e mantém-se a garantia originalmente vinculada ao contrato coletivo ou grupal quando todos os mutuários optarem pela individualização.

§ 3o Nos casos em que pelo menos um dos mutuários integrantes de contrato coletivo ou grupal não optar pela individualização:

I - o agente financeiro fica autorizado a contratar operação de assunção de dívidas com cooperativa ou associação de cujo quadro social os mutuários participem, mantendo-se a garantia originalmente vinculada ao contrato coletivo ou grupal, para fins de assegurar que o bem em garantia permaneça servindo às atividades rurais dos agricultores; ou

II - fora da hipótese a que se refere o inciso I, havendo pelo menos um mutuário inadimplente que não optou pela individualização até o encerramento do prazo fixado no caput do art. 1o, para regularização das obrigações, o agente financeiro iniciará, no dia útil seguinte, as providências relativas ao encaminhamento do contrato para cobrança dos créditos pendentes e sua inscrição em Dívida Ativa da União, observada a legislação em vigor.

§ 4o Se houver execução da garantia vinculada ao contrato coletivo ou grupal, em decorrência do que dispõe o § 3o, inciso II, eventual sobra de recursos, depois de liquidadas as obrigações dos mutuários que não optaram pela individualização, será carreada à amortização, proporcionalmente, das operações individualizadas na forma deste artigo.

Art. 6o Cumpre aos agentes financeiros:

I - dar início às providências relativas ao encaminhamento dos contratos ao amparo do PROCERA para cobrança de créditos e sua inscrição em Dívida Ativa da União, observada a legislação em vigor:

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a) em 30 de setembro de 2003, no caso dos mutuários com obrigações vencidas em anos anteriores a 2001 que não se valerem de uma das alternativas previstas no art. 4o;

b) após cento e oitenta dias do vencimento de prestação não paga; e

II - informar, no prazo de até cento e vinte dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória, à Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, os montantes envolvidos nas repactuações e nas liquidações de obrigações.

Art. 7o Fica autorizada a renegociação de dívidas oriundas de operações de crédito rural de investimento contratadas por agricultores familiares, mini e pequenos produtores e de suas cooperativas e associações, no valor total originalmente financiado de até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) em uma ou mais operações do mesmo beneficiário, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem segundo as regras contratuais até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória, observadas as seguintes características e condições:

I - financiamentos de investimento concedidos até 31 de dezembro de 1997, com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, no caso de operações com recursos mistos desse Fundo e de um dos três Fundos Constitucionais e daquelas classificadas como "PROGER Rural", ou equalizados pelo Tesouro Nacional, no valor total originalmente contratado de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em uma ou mais operações do mesmo beneficiário, que não foram renegociados com base na Resolução no 2.765, de 10 de agosto de 2000, do Conselho Monetário Nacional, e na Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995:

a) rebate no saldo devedor equivalente a oito inteiros e oito décimos por cento, na data da renegociação;

b) bônus de adimplência de trinta por cento sobre cada parcela da dívida paga até a data do respectivo vencimento;

c) aplicação de taxa efetiva de juros de três por cento ao ano, a partir da data da renegociação;

d) manutenção do cronograma original de pagamentos;

e) no caso de financiamentos com recursos dos mencionados Fundos Constitucionais, não será obrigatória a regularização das prestações integrais vencidas até 26 de maio de 2002, as quais, tomadas sem encargos adicionais de inadimplemento, poderão compor o saldo devedor a ser repactuado, com o montante em atraso distribuído de forma proporcional entre as parcelas remanescentes do cronograma original de pagamentos;

II - financiamentos de investimento concedidos no período de 2 de janeiro de 1998 a 30 de junho de 2000, ao abrigo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, do FAT, no caso de operações com recursos mistos desse Fundo e de um dos três Fundos Constitucionais e daquelas classificadas como "PROGER Rural", ou equalizados pelo Tesouro Nacional, no valor total originalmente contratado de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em uma ou mais operações do mesmo beneficiário: rebate de oito inteiros e oito décimos por cento no saldo devedor existente em 1o de janeiro de 2002, desde que se trate de operação

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contratada com encargos pós-fixados, e aplicação de taxa efetiva de juros de três por cento ao ano a partir da mesma data;

III - financiamentos de investimento concedidos nos períodos referenciados nos incisos I e II, ao amparo de recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com valor total originalmente contratado acima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), observadas as seguintes condições:

a) aplica-se o disposto no inciso I ou II, conforme a data da formalização da operação original, para a parcela do saldo devedor, ou da prestação, que corresponda ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) na data do contrato original;

b) para a parcela do saldo devedor, ou da prestação, que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mantêm-se os encargos contratuais vigentes para situação de normalidade.

§ 1o No caso de operações referenciadas no caput deste artigo formalizadas com cooperativa ou associação de produtores, considerar-se-á:

I - cada cédula-filha ou instrumento de crédito individual originalmente firmado por beneficiário final do crédito;

II - como limite individual, no caso de operação que não envolveu repasse de recursos a cooperados ou associados, o resultado da divisão do valor originalmente financiado pelo número total de cooperados ou associados da entidade que se enquadrarem como agricultores familiares, respeitado o mesmo teto de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para enquadramento.

§ 2o Na hipótese de liquidação antecipada e total do saldo devedor das operações a que se refere o caput deste artigo até 31 de dezembro de 2006, aplicar-se-á bônus adicional de dez por cento sobre o montante devido.

§ 3o Para efeito do disposto neste artigo, são consideradas operações de crédito rural de investimento lastreadas por recursos do FAT:

I - operações classificadas pelas instituições financeiras como "FAT/PROGER Rural", contratadas na área de abrangência de um dos três Fundos Constitucionais de Financiamento;

II - operações contratadas simultaneamente por um mesmo mutuário envolvendo recursos do FAT e de um dos três Fundos Constitucionais de Financiamento.

Art. 8o Fica autorizada, para os financiamentos concedidos a agricultores familiares que sejam lastreados por recursos de outras fontes que não os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no caso de frustração de safra por fenômenos climáticos em municípios decretados em situação de emergência ou estado de calamidade pública, com reconhecimento do Governo Federal, a conversão das operações para o âmbito do Fundo Constitucional respectivo, mantendo-se integralmente as condições financeiras do PRONAF, com absorção dos respectivos ônus pelo Fundo Constitucional.

Art. 9o Fica o Ministério do Desenvolvimento Agrário encarregado das providências legais e administrativas necessárias à nomeação de liquidante para conduzir os trabalhos de encerramento das atividades do Fundo Contábil do PROCERA.

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Parágrafo único. Fica a Secretaria Federal de Controle Interno incumbida de certificar os valores dos ativos e passivos do Fundo Contábil do PROCERA.

Art. 10. Ficam os gestores dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste autorizados a conceder bônus de adimplência sobre cada parcela da dívida paga até o vencimento, nas proporções e condições a seguir explicitadas, no caso de operações de crédito ao setor rural ao amparo de recursos desses Fundos, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória:

I - operações de valor originalmente financiado de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais):

a) dívidas contraídas até 31 de dezembro de 1994: trinta e cinco por cento;

b) dívidas contraídas no ano de 1995: vinte e cinco por cento;

c) dívidas contraídas no ano de 1996: dezenove por cento;

d) dívidas contraídas no ano de 1997: dezessete por cento;

e) dívidas contraídas no ano de 1998: catorze por cento;

II - operações de valor originalmente financiado acima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais):

a) para a fração de cada parcela que corresponda ao crédito original de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) aplica-se o disposto nas alíneas do inciso I;

b) para a fração da parcela que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) são mantidos os encargos financeiros pactuados sem aplicação do bônus aqui estabelecido;

III - para aplicação do disposto neste artigo considerar-se-á o somatório das operações existentes em nome do mesmo emitente do instrumento de crédito, identificado pelo respectivo Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente às operações que não foram contempladas com os benefícios estabelecidos no art. 7o desta Medida Provisória.

Art. 11. O prazo estabelecido pelo § 3o do art. 3o da Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001, para o encerramento das renegociações, prorrogações e composições de dívidas amparadas em recursos dos Fundos Constitucionais, fica alterado para até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Medida Provisória, sem que essa dilação de prazo alcance a forma alternativa de que trata o art. 4o da referida Lei.

Art. 12. O inciso I do art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

"I - zero vírgula setecentos e cinqüenta e nove por cento ao mês sobre o saldo principal, para a variação IGP-M do mês imediatamente anterior ao de incidência;" (NR)

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Art. 13. Fica autorizada, para as operações adquiridas pela União sob a égide da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, que são passíveis de enquadramento no art. 2o da Lei no 10.437, de 2002, a substituição dos encargos financeiros pactuados, no período que se inicia em 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Medida Provisória, pelos encargos estabelecidos nos termos dos incisos I e II do caput do referido art. 2o.

§ 1o As prestações que estavam vencidas em 28 de outubro de 2002 são corrigidas da seguinte forma:

I - dos respectivos vencimentos até o dia 27 de outubro de 2002, pelos encargos financeiros definidos no art. 5o da Medida Provisória no 2.196-3, de 2001;

II - de 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Medida Provisória, pelos encargos estabelecidos no art. 2o da Lei no 10.437, de 2002.

§ 2o Aplicam-se as disposições do caput deste artigo às parcelas com vencimento a partir de 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Medida Provisória, desde que pagas até o vencimento.

Art. 14. Os bancos oficiais federais poderão, a seu exclusivo critério, retardar a propositura ou suspender processo de execução judicial de dívidas de operações de crédito rural, no caso de agricultores familiares, mini e pequenos produtores e de suas cooperativas e associações, quando envolverem valor originalmente financiado de até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) em projetos localizados em áreas de abrangência dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, desde que haja reconhecimento da necessidade de reconversão de atividades para resgate ou ampliação da capacidade de geração de renda dos agricultores.

§ 1o Para efeito de reconhecimento da necessidade de reconversão de atividades, os bancos oficiais federais poderão se valer de estudos realizados por entidades de pesquisa e de prestação de assistência técnica e extensão rural.

§ 2o Excluem-se do disposto neste artigo as operações adquiridas sob a égide da Medida Provisória no 2.196-3, de 2001, as renegociadas com base na Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995, as contempladas pelo art. 7o desta Medida Provisória e aquelas formalizadas após 30 de junho de 2000.

3o Aplicam-se as disposições deste artigo às operações lastreadas por recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste.

Art. 15. Os custos decorrentes desta Medida Provisória, no âmbito do PROCERA, dos Fundos Constitucionais e das Operações Oficiais de Crédito, serão compensados com o resultado decorrente do contingenciamento estabelecido pelo Poder Executivo neste exercício, nos termos do art. 67 da Lei no 10.524, de 25 de julho de 2002, e do art. 9o da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que poderá ser liberado para estas ou outras finalidades.

Art. 16. Para efeito do disposto no art. 1o, inciso I, alínea "a", da Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001, são considerados componentes dos encargos financeiros os rebates e os bônus por adimplemento que forem aplicados aos financiamentos concedidos aos beneficiários do PRONAF, consoante resolução do Conselho Monetário Nacional, cabendo o ônus desses benefícios ao respectivo Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste.

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Art. 17. O § 1o do art. 9o da Lei no 8.723, de 28 de outubro de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

"§ 1o O Poder Executivo poderá elevar o referido percentual até o limite de vinte e cinco por cento ou reduzi-lo a vinte por cento." (NR)

Art. 18. O Conselho Monetário Nacional, no que couber, disciplinará o cumprimento do disposto nesta Medida Provisória.

Art. 19. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 20. Revogam-se as Leis nos 10.464, de 24 de maio de 2002, e 10.646, de 28 de março de 2003.

Brasília, 31 de março de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Antonio Palocci Filho Roberto Rodrigues Ciro Ferreira Gomes Miguel Soldatelli Rossetto

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 1º.4.2003

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Antigas_2003/114.htm, acesso em 18/11/2008.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.696, DE 2 DE JULHO DE 2003.

Conversão da MPv nº 114, de 2003

Dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Ficam autorizados a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas ao abrigo do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária - PROCERA, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei, observadas as seguintes condições:

Art. 1o Ficam autorizados a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas ao abrigo do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária – Procera, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até 31 de maio de 2004, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

I - repactuação, pelo prazo de até dezoito anos, tomando-se o saldo devedor atualizado pelos encargos pactuados para situação de normalidade até a data da repactuação, incorporando-se os juros de que trata o inciso II, e calculando-se prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo a primeira em 30 de junho de 2006;

II - a partir da data da repactuação, as operações ficarão sujeitas à taxa efetiva de juros de um inteiro e quinze centésimos por cento ao ano;

III - os mutuários farão jus, nas operações repactuadas, a bônus de adimplência de setenta por cento sobre cada uma das parcelas, desde que o pagamento ocorra até a data aprazada;

IV - os agentes financeiros terão até cento e oitenta dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei para formalização do instrumento da repactuação.

IV - os agentes financeiros terão até 31 de maio de 2004 para formalização dos instrumentos de repactuação. (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

Art. 2o Os mutuários adimplentes que não optarem pela repactuação farão jus ao bônus de adimplência de noventa por cento, no caso de pagamento total de seus débitos até cento e vinte dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei.

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Art. 2o Os mutuários adimplentes que não optarem pela repactuação farão jus ao bônus de adimplência de 90% (noventa por cento), no caso de pagamento total de seus débitos até 31 de maio de 2004. (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

Art. 3o Os mutuários com prestações vencidas a partir de 2001 poderão ser beneficiários da repactuação nas condições descritas nos incisos do art. 1o.

Art. 4o Os mutuários com obrigações vencidas em anos anteriores a 2001 terão duas alternativas para enquadramento nas disposições do art. 1o:

I - repactuação do somatório das prestações integrais vencidas, tomadas sem bônus e sem encargos adicionais de inadimplemento; ou

II - pagamento das prestações integrais vencidas, tomadas sem encargos adicionais de inadimplemento e aplicando-se o bônus de que trata o inciso III do art. 1o sobre o montante em atraso.

Art. 5o Fica autorizada a individualização das operações coletivas ou grupais ao amparo do PROCERA, inclusive as realizadas por associações e cooperativas, para possibilitar o atendimento a cada mutuário isoladamente.

§ 1o Os mutuários integrantes de contratos coletivos ou grupais, quando optarem pela operação individualizada de que trata o caput, poderão valer-se:

I - da faculdade prevista no art. 1o, se estiverem adimplentes com suas obrigações vencidas em anos anteriores a 2001;

II - de uma das alternativas constantes do art. 4o, se estiverem inadimplentes com suas obrigações vencidas em anos anteriores a 2001.

§ 2o Aplica-se às operações individualizadas o disposto nos arts. 2o, caput, e 3o, caput e § 1o, da Lei no 10.186, de 12 de fevereiro de 2001, e mantém-se a garantia originalmente vinculada ao contrato coletivo ou grupal quando todos os mutuários optarem pela individualização.

§ 3o Nos casos em que pelo menos um dos mutuários integrantes de contrato coletivo ou grupal não optar pela individualização:

I - o agente financeiro fica autorizado a contratar operação de assunção de dívidas com cooperativa ou associação de cujo quadro social os mutuários participem, mantendo-se a garantia originalmente vinculada ao contrato coletivo ou grupal, para fins de assegurar que o bem em garantia permaneça servindo às atividades rurais dos agricultores; ou

II - fora da hipótese a que se refere o inciso I, havendo pelo menos um mutuário inadimplente que não optou pela individualização até o encerramento do prazo fixado no caput do art. 1o, para regularização das obrigações, o agente financeiro iniciará, no dia útil seguinte, as providências relativas ao encaminhamento do contrato para cobrança dos créditos pendentes e sua inscrição em Dívida Ativa da União, observada a legislação em vigor.

§ 4o Se houver execução da garantia vinculada ao contrato coletivo ou grupal, em decorrência do que dispõe o § 3o, inciso II, eventual sobra de recursos, depois de liquidadas as obrigações dos mutuários que não optaram pela individualização, será carreada à amortização, proporcionalmente, das operações individualizadas na forma deste artigo.

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Art. 6o Cumpre aos agentes financeiros:

I - dar início às providências relativas ao encaminhamento dos contratos ao amparo do PROCERA para cobrança de créditos e sua inscrição em Dívida Ativa da União, observada a legislação em vigor:

a) em 30 de setembro de 2003, no caso dos mutuários com obrigações vencidas em anos anteriores a 2001 que não se valerem de uma das alternativas previstas no art. 4o;

a) em 30 de setembro de 2004, no caso dos mutuários com obrigações vencidas em anos anteriores a 2001 que não se valerem de uma das alternativas previstas no art. 4o; (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

b) após cento e oitenta dias do vencimento de prestação não paga; e

II - informar, no prazo de até cento e vinte dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei, à Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, os montantes envolvidos nas repactuações e nas liquidações de obrigações .(Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

II - informar, até 30 de setembro de 2004, à Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda os montantes envolvidos nas repactuações e nas liquidações de obrigações.

Art. 7o Fica autorizada a renegociação de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas por agricultores familiares, mini e pequenos produtores e de suas cooperativas e associações, no valor total originalmente financiado de até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) em uma ou mais operações do mesmo beneficiário, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem segundo as regras contratuais cento e vinte dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei, observadas as seguintes características e condições:

Art. 7o Fica autorizada a renegociação de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas por agricultores familiares, mini e pequenos produtores e de suas cooperativas e associações, no valor total originalmente financiado de até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) em uma ou mais operações do mesmo beneficiário, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até 31 de maio de 2004, observadas as seguintes características e condições: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

I – nos financiamentos de custeio e investimento concedidos até 31 de dezembro de 1997, com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, no caso de operações classificadas como "PROGER Rural", ou equalizados pelo Tesouro Nacional, no valor total originalmente contratado de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para investimento, e até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para custeio, em uma ou mais operações do mesmo beneficiário, que não foram renegociados com base na Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995, e pela Resolução no 2.765, de 10 de agosto de 2000:

a) rebate no saldo devedor das operações de investimento equivalente a oito inteiros e oito décimos por cento, na data da repactuação;

b) bônus de adimplência de trinta por cento sobre cada parcela da dívida paga até a data do respectivo vencimento, no caso das operações de custeio e investimento contratadas na região dos Fundos Constitucionais, e de vinte por cento nas operações de custeio e investimento nas

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demais regiões do país, sendo que nas regiões do semi-árido, e Norte do Espírito Santo, o bônus será de setenta por cento para custeio e investimento;

b) bônus de adimplência de 30% (trinta por cento) sobre cada parcela da dívida paga até a data do respectivo vencimento, no caso das operações de custeio e investimento contratadas na região dos Fundos Constitucionais, e de 20% (vinte por cento) nas operações de custeio e investimentos nas demais regiões do País, sendo que, nas regiões do semi-árido, Norte do Espírito Santo e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, compreendidos na área da atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, o bônus será de 70% (setenta por cento) para custeio e investimento; (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

c) aplicação de taxa efetiva de juros de três por cento ao ano, a partir da data da repactuação nas operações de investimento, e de quatro por cento ao ano nas de custeio;

d) no caso das operações de investimento, o saldo devedor apurado na data da repactuação será prorrogado pelo prazo de dez anos, incluídos dois anos de carência, a ser liquidado em parcelas iguais, anuais e sucessivas, sendo que as operações repactuadas de custeio serão liquidadas em três parcelas anuais, iguais e sucessivas, após um ano de carência contado da data da repactuação;

e) no caso de financiamentos com recursos dos mencionados Fundos Constitucionais, a adesão à repactuação dispensará contrapartida financeira por parte do mutuário, exigindo-se, nos demais casos, o pagamento, no ato da formalização do instrumento de repactuação, do valor correspondente a dez por cento do somatório das prestações vencidas, tomadas sem bônus e sem encargos adicionais de inadimplemento;

II – nos financiamentos de custeio e investimento concedidos no período de 2 de janeiro de 1998 a 30 de junho de 2000, ao abrigo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF; com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste; do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, no caso de operações classificadas como "PROGER Rural", ou equalizados pelo Tesouro Nacional, no valor total originalmente contratado de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para investimento, e até R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para custeio, em uma ou mais operações do mesmo beneficiário:

a) rebate de oito inteiros e oito décimos por cento no saldo devedor das operações de investimento, na posição de 1o de janeiro de 2002, desde que se trate de operação contratada com encargos pós-fixados;

a) os mutuários que estavam adimplentes em 3 de julho de 2003 ou que regularizaram seus débitos até 28 de novembro de 2003 terão as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

1. rebate de 8,8% oito inteiros e oito décimos por cento) no saldo devedor das operações de investimento, na posição de 1o de janeiro de 2002, desde que se trate de operação contratada com encargos pós-fixados; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

2. no caso das operações de investimento, o saldo devedor apurado na data da repactuação será prorrogado pelo prazo de 10 (dez) anos, incluídos 2 (dois) anos de carência, a ser liquidado em parcelas iguais, anuais e sucessivas, sendo que as operações repactuadas de custeio serão liquidadas em três parcelas anuais, iguais e sucessivas, após 1 (um) ano de carência contado da data da repactuação; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

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3. aplicação de taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano) a partir de 1o de janeiro de 2002; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

4. nas regiões do semi-árido, Norte do Espírito Santo, e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, compreendidos na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, será concedido um bônus de adimplência de 70% (setenta por cento) sobre cada parcela da dívida paga até a data do respectivo vencimento; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

b) no caso das operações de investimento, o saldo devedor apurado na data da repactuação será prorrogado pelo prazo de dez anos, incluídos dois anos de carência, a ser liquidado em parcelas iguais, anuais e sucessivas, sendo que as operações repactuadas de custeio serão liquidadas em três parcelas anuais, iguais e sucessivas, após um ano de carência contado da data da repactuação;

b) os mutuários que se encontravam em inadimplência e não regularizaram seus débitos até 28 de novembro de 2003 terão as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

1. o saldo de todas as prestações vencidas e não-pagas deverá ser corrigido até a data da repactuação com base nos encargos originalmente contratados, sem bônus e sem encargos adicionais de inadimplemento; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

2. para aderir à repactuação será dispensada contrapartida financeira por parte do mutuário nas regiões do semi-árido, Norte do Espírito Santo, e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, compreendidos na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

3. para aderir à repactuação nas demais regiões do País será exigido o pagamento do valor correspondente a 5% (cinco por cento) do somatório das prestações vencidas apuradas na forma do item 1 da alínea b quando os financiamentos forem realizados com os recursos dos Fundos Constitucionais, ou convertidos para esta fonte com base no § 3o deste artigo, e de 10% (dez por cento) do somatório das parcelas vencidas quando se tratar de contratos financiados exclusivamente por outras fontes, no ato da formalização do instrumento de repactuação; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

4. sobre o saldo das parcelas vencido, apurado após o pagamento previsto nos itens 2 e 3 da alínea b, será concedido na data da repactuação um rebate de 8,2% (oito inteiros e dois décimos por cento), desde que contratadas com encargos pós-fixados, sendo aplicada taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano) a partir da data de renegociação; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

5. na parcela do saldo devedor vincendo das operações de investimento será concedido na posição de 1o de janeiro de 2002 um rebate de 8,8% (oito inteiros e oito décimos por cento) no saldo devedor, desde que se trate de operação contratada com encargos pós-fixados, passando a ter uma taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano) a partir desta data; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

6. o saldo devedor total apurado nas formas dos itens 4 e 5 da alínea b das operações de investimento será consolidado na data da repactuação e prorrogado pelo prazo de 10 (dez) anos, incluídos 2 (dois) anos de carência, a ser liquidado em parcelas iguais, anuais e sucessivas, após 1 (um) ano de carência contado da data da repactuação; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

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7. nas regiões do semi-árido, Norte do Espírito Santo, e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, compreendidos na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, os mutuários que vierem a adimplir-se nessas condições farão jus a um bônus de adimplência de 40% (quarenta por cento) sobre cada parcela da dívida para até a data do respectivo vencimento. (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

c) aplicação de taxa efetiva de juros de três por cento ao ano a partir de 1o de janeiro de 2002, com as condições diferenciadas para o semi-árido previstas na alínea b do inciso I;

III – nos financiamentos de investimento concedidos nos períodos referenciados nos incisos I e II, ao amparo de recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com valor total originalmente contratado acima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), observadas as seguintes condições:

a) aplica-se o disposto no inciso I ou II, conforme a data da formalização da operação original, para a parcela do saldo devedor, ou da prestação, que corresponda ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) na data do contrato original;

b) para a parcela do saldo devedor, ou da prestação, que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mantêm-se os encargos contratuais vigentes para situação de normalidade.

§ 1o No caso de operações referenciadas no caput deste artigo formalizadas com cooperativa ou associação de produtores, considerar-se-á:

I - cada cédula-filha ou instrumento de crédito individual originalmente firmado por beneficiário final do crédito;

II - como limite individual, no caso de operação que não envolveu repasse de recursos a cooperados ou associados, o resultado da divisão do valor originalmente financiado pelo número total de cooperados ou associados da entidade que se enquadrarem como agricultores familiares, respeitado o mesmo teto de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para enquadramento.

§ 2o Na hipótese de liquidação antecipada e total do saldo devedor das operações a que se refere o caput deste artigo até 31 de dezembro de 2006, aplicar-se-á bônus adicional de dez por cento sobre o montante devido.

§ 3o Para efeito do disposto nos incisos II e III do caput deste artigo, ficam os gestores dos Fundos Constitucionais autorizados a reclassificar as operações realizadas simultaneamente com recursos do FAT e de um dos Fundos Constitucionais para a carteira do respectivo Fundo, bem como, nesse caso, a assumir o ônus decorrente das disposições deste artigo.

§ 4o Aplicam-se as condições previstas no inciso I, do caput deste artigo, aos mutuários que tenham renegociado as suas dívidas com base em legislações posteriores à Resolução no 2.765, de 10 de agosto de 2000, exclusivamente nas áreas de abrangência dos Fundos Constitucionais, não sendo cumulativos os benefícios previstos nesta Lei com os anteriormente repactuados.

§ 5o Para os financiamentos de que tratam os incisos I e II, realizados na região Nordeste e lastreados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT em operações com recursos mistos desse Fundo e do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, ou realizadas somente com recursos do FAT sem equalização, nesta região, cujo valor total originalmente contratado não exceda a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), prevalecem as seguintes disposições:

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§ 5o Para os financiamentos de que tratam os incisos I e II, realizados na região Nordeste, no Norte do Espírito Santo e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, compreendidos na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, e lastreados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT em operações com recursos mistos desse Fundo e do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, ou realizadas somente com recursos do FAT sem equalização, nessa região, cujo valor total originalmente contratado não exceda a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), prevalecem as seguintes disposições: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

I - aplicam-se os benefícios de que tratam os incisos I ou II, conforme a data da formalização da operação original, para a parcela do saldo devedor, ou da prestação, que corresponda ao limite de R$ 15.000,00 ( quinze mil reais);

II - a parcela do saldo devedor, apurado na data de repactuação, que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), na região do semi-árido, incluído o norte do Espírito Santo, poderá ser prorrogada pelo prazo de dez anos, incluídos dois anos de carência, com rebate de cinqüenta por cento sobre a prestação ou parcela liquidada na data do vencimento, e taxa efetiva de juros de três por cento ao ano a partir de 1o de janeiro de 2002.

II - a parcela do saldo devedor, apurado na data de repactuação, que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), na região do semi-árido, incluído o Norte do Espírito Santo, e nos Municípios do Norte de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, compreendidos na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, poderá ser prorrogada pelo prazo de 10 (dez) anos, incluídos 2 (dois) anos de carência, observado o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

a) os mutuários que estavam adimplentes em 3 de julho de 2003 ou que regularizaram seus débitos até 28 de novembro de 2003 terão as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

1. farão jus a bônus de adimplência de 50% (cinqüenta por cento) sobre a prestação ou parcela liquidada na data do vencimento; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

2. aplicação de taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano) a partir de 1o de janeiro de 2002; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

b) os mutuários que se encontravam em inadimplência e não regularizaram seus débitos até 28 de novembro de 2003 terão as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

1. para aderir à repactuação será dispensada contrapartida financeira por parte do mutuário; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

2. o saldo de todas as prestações vencidas e não-pagas deverá ser corrigido até a data da repactuação com base nos encargos originalmente contratados, sem bônus e sem encargos adicionais de inadimplemento, quando passam a ter uma taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano); (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

3. na parcela do saldo devedor vincendo das operações de investimento será aplicada uma taxa efetiva de juros de 3% a.a. (três por cento ao ano) a partir de 1o de janeiro de 2002; (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

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4. os mutuários que vierem a adimplir-se nessas condições farão jus a bônus de adimplência de 20% (vinte por cento) sobre cada prestação ou parcela da dívida paga até a data do respectivo vencimento. (Incluído pela Lei nº 10.823, de 19.12.2003)

Art. 8o Fica autorizada, para os financiamentos até o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) concedidos aos produtores rurais que sejam lastreados por recursos de outras fontes que não os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no caso de frustração de safra por fenômenos climáticos em municípios decretados em situação de emergência ou estado de calamidade pública, com reconhecimento do Governo Federal, a conversão das operações para o âmbito do Fundo Constitucional respectivo, mantendo-se integralmente as condições financeiras do PRONAF, nos casos de agricultores familiares, mini e pequenos produtores e, para os demais casos, as condições previstas no art. 1o da Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001, com absorção dos respectivos ônus pelo Fundo Constitucional.

Art. 9o Fica o Ministério do Desenvolvimento Agrário encarregado das providências legais e administrativas necessárias à nomeação de liquidante para conduzir os trabalhos de encerramento das atividades do Fundo Contábil do PROCERA.

Parágrafo único. Fica a Secretaria Federal de Controle Interno incumbida de certificar os valores dos ativos e passivos do Fundo Contábil do PROCERA.

Art. 10. Ficam os gestores dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste autorizados a conceder bônus de adimplência sobre cada parcela da dívida paga até o vencimento, nas proporções e condições a seguir explicitadas, no caso de operações de crédito ao setor rural ao amparo de recursos desses Fundos, cujos mutuários estejam adimplentes com suas obrigações ou as regularizem até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei:

I - operações de valor originalmente financiado de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais):

a) nas dívidas contraídas até 31 de dezembro de 1994: trinta e cinco por cento;

b) nas dívidas contraídas no ano de 1995: vinte e cinco por cento;

c) nas dívidas contraídas no ano de 1996: dezenove por cento;

d) nas dívidas contraídas no ano de 1997: dezessete por cento;

e) nas dívidas contraídas no ano de 1998: catorze por cento;

II - operações de valor originalmente financiado acima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais):

a) para a fração de cada parcela que corresponda ao crédito original de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) aplica-se o disposto nas alíneas do inciso I;

b) para a fração da parcela que diz respeito ao crédito original excedente ao limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) são mantidos os encargos financeiros pactuados sem aplicação do bônus aqui estabelecido.

§ 1o Para aplicação do disposto neste artigo, considerar-se-á o somatório das operações existentes em nome do mesmo emitente do instrumento de crédito, identificado pelo respectivo Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ.

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§ 2o O disposto neste artigo aplica-se somente às operações que não foram contempladas com os benefícios estabelecidos no art. 7o desta Lei.

Art. 11. O prazo estabelecido pelo § 3o do art. 3o da Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001, para o encerramento das renegociações, prorrogações e composições de dívidas amparadas em recursos dos Fundos Constitucionais, fica alterado para até noventa dias após a data em que for publicada a regulamentação desta Lei, sem que essa dilação de prazo alcance a forma alternativa de que trata o art. 4o da referida Lei.

Art. 12. Para efeito do disposto no art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002, admite-se que a regularização das parcelas em atraso até 28 de fevereiro de 2003, exclusivamente das operações adquiridas pela União sob a égide da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, ocorra mediante a contratação de nova operação realizada pelo mutuário, até noventa dias após a regulamentação desta Lei, observadas as seguintes condições:

I – pagamento, em espécie, de dez por cento do saldo devedor em atraso;

II – refinanciamento em treze anos do saldo devedor remanescente, mediante repactuação vinculada à aquisição de Títulos Públicos Federais equivalentes a vinte inteiros e sessenta e dois centésimos por cento desse saldo remanescente, a serem dados em garantia ao credor.

Parágrafo único. Para as operações refinanciadas nos termos do inciso II deste artigo, aplicam-se os benefícios previstos nos incisos I e II, do art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002, sobre as parcelas de juros pagas até o vencimento.

Art. 13. O inciso I do art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2o ..........................................................

I - zero vírgula setecentos e cinqüenta e nove por cento ao mês sobre o saldo principal, para a variação IGP-M do mês imediatamente anterior ao de incidência;

..................................................................."(NR)

Art. 14. Fica autorizada, para as operações adquiridas pela União sob a égide da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, que são passíveis de enquadramento no art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002, a substituição dos encargos financeiros pactuados, no período que se inicia em 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Lei, pelos encargos estabelecidos nos termos dos incisos I e II do caput do referido art. 2o.

§ 1o As prestações que estavam vencidas em 28 de outubro de 2002 são corrigidas da seguinte forma:

I - dos respectivos vencimentos até o dia 27 de outubro de 2002, pelos encargos financeiros definidos no art. 5o da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001;

II - de 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Lei, pelos encargos estabelecidos no art. 2o da Lei no 10.437, de 25 de abril de 2002

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§ 2o Aplicam-se as disposições do caput deste artigo às parcelas com vencimento a partir de 28 de outubro de 2002 até sessenta dias após a data da publicação desta Lei, desde que pagas até o vencimento.

Art. 15. Os bancos oficiais federais poderão, a seu exclusivo critério, retardar a propositura ou suspender processo de execução judicial de dívidas de operações de crédito rural, no caso de agricultores familiares, mini e pequenos produtores e de suas cooperativas e associações, quando envolverem valor originalmente financiado de até R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) em projetos localizados em áreas de abrangência dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, desde que haja reconhecimento da necessidade de reconversão de atividades para resgate ou ampliação da capacidade de geração de renda dos agricultores.

§ 1o Para efeito de reconhecimento da necessidade de reconversão de atividades, os bancos oficiais federais poderão se valer de estudos realizados por entidades de pesquisa e de prestação de assistência técnica e extensão rural.

§ 2o Excluem-se do disposto neste artigo as operações adquiridas sob a égide da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, as renegociadas com base na Lei no 9.138, de 29 de novembro de 1995, as contempladas pelo art. 7o desta Lei e aquelas formalizadas após 30 de junho de 2000.

§ 3o Aplicam-se as disposições deste artigo às operações lastreadas por recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste.

Art. 16. Os custos decorrentes desta Lei, no âmbito do PROCERA, dos Fundos Constitucionais e das Operações Oficiais de Crédito, serão compensados com o resultado decorrente do contingenciamento estabelecido pelo Poder Executivo neste exercício, nos termos do art. 67 da Lei no 10.524, de 25 de julho de 2002, e do art. 9o da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que poderá ser liberado para estas ou outras finalidades.

Art. 17. Para efeito do disposto no art. 1o, inciso I, alínea a, da Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001, são considerados componentes dos encargos financeiros os rebates e os bônus por adimplemento que forem aplicados aos financiamentos concedidos aos beneficiários do PRONAF, consoante resolução do Conselho Monetário Nacional, cabendo o ônus desses benefícios ao respectivo Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste.

Art. 18. O § 1o do art. 9o da Lei no 8.723, de 28 de outubro de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 9o ...........................................

§ 1o O Poder Executivo poderá elevar o referido percentual até o limite de vinte e cinco por cento ou reduzi-lo a vinte por cento.

....................................................."(NR)

Art. 19. Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos com a finalidade de incentivar a agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de produtos agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e à formação de estoques estratégicos. (Regulamento) (Regulamento)

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§ 1o Os recursos arrecadados com a venda de estoques estratégicos formados nos termos deste artigo serão destinados integralmente às ações de combate à fome e à promoção da segurança alimentar.

§ 2o O Programa de que trata o caput será destinado à aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares que se enquadrem no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, ficando dispensada a licitação para essa aquisição desde que os preços não sejam superiores aos praticados nos mercados regionais.

§ 3o O Poder Executivo constituirá Grupo Gestor, formado por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; e do Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, para a operacionalização do Programa de que trata o caput.

§ 3o O Poder Executivo constituirá Grupo Gestor, formado por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e da Educação, para a operacionalização do Programa de que trata o caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 11.524, de 2007)

§ 4o A aquisição de produtos na forma do caput somente poderá ser feita nos limites das disponibilidades orçamentárias e financeiras.

Art. 20. O Conselho Monetário Nacional, no que couber, disciplinará o cumprimento do disposto nesta Lei.

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 22. Revogam-se as Leis nos 10.464, de 24 de maio de 2002, e 10.646, de 28 de março de 2003.

Brasília, 2 de julho de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Antonio Palocci Filho Roberto Rodrigues Guido Mantega Miguel Soldatelli Rossetto José Graziano da Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 3.7.2003

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.696.htm, acesso em

20/12/2008

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SIGLAS

BACEN = Banco Central do Brasil

BNB = Banco do Nordeste Brasileiro

CAPADR = Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e

Desenvolvimento Rural

CMN = Conselho Monetário Nacional (colegiado formado pelo presidente do

Banco Central e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento)

CNA = Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil

CTN = Certificado do Tesouro Nacional

DAU = Dívida Ativa da União

DIAP = Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

FCO = Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste

FNE = Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

FNO = Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

FGV = Fundação Getúlio Vargas

IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IGP-M = Índice Geral de Preços – Mercado (FGV)

INESC = Instituto de Estudos Socioeconômicos - Brasília

IPEA = Instituto de Pesquisas Aplicadas

MPV = Medida Provisória

PESA = Programa Especial de Saneamento de Ativos

PIB = Produto Interno Bruto

PNRA = Programa Nacional de Reforma Agrária

PROCERA = Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária

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PROGER RURAL = Programa de Geração de Emprego e Renda Rural

PRONAF = Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

SNCR = Sistema Nacional de Crédito Rural

STJ = Supremo Tribunal de Justiça