92
O TRABALHO E A DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA Osgregos nao inventaram a escravidao, mas, em certo sentido, inventaram o trabalho livre. Embora a escravidao tenha chegado a niveis sem precedences na Grdcia classica, particularmente em Atenas, nao havia no mundo amigo nada de ,4.• novo acerca do trabalho nao-livre ou da relacao entre senhor e escravo. Mas o trabalhador livre, corn o status de cidadio numa cidade estratificada, especifica- mente o cidaeltia campones, corn a liberdade jurIdica e politica implicita e a libera- tilio de varias formas de exploracao por coacao direta dos donos de terra ou dos ^ Estados, era certamente uma forma* distintiva que indicava uma relacio anica entre as classes apropriadoras e produtoras. — Essa forma5ao Unica esti no centro de grande parte do que caracteriza a palls grega e especialmente a democracia ateniense. Raros desenvolvimentos politicos ou culturais em Atenas nao foram de alguma forma afetados por eta, desde os conflitos entre democratas e oligarcas nas transaciies da politica democratica para a clissica da filosofia grega. As tradicbes politicos e culturais da Antiguidade clas- sica sue chegaram ate nets esti°, portanto, imbuidas do espirito do cidadao traba- lhador e da vontade antidemocratica que ele inspirou e que informou os textos de grande fil6sofos. A condicao do trabalho no mundo ocidental moderno, canto na. teoria quanta na pritica, nao pole ser intciramente explicada sem que se busque na histetria da Antiguidade greco-romana a disposicao distintiva de relaibes entre as dasses apropriadoras e produtoras na cidade-Estado greco-romana. Ao mesmo tempo, se a condicao social e cultural do trabalho no Ocidente moderno remonta a Antiguidade classics, temos muito a aprender corn a ruptu- ra radical sue, sob esse aspecto, separa a capitalismo moderno da democracia ateniense. Isso a verdade nao apenas no sentido 6bvio de a escravidao, depois de urn papel renovado a proeminente na ascend° do capitalismo moderno, ter sido eliminada, mas tambem no sentido de o trabalho livre, apesar de se tornar a forma dominants, ter perdido grande pane do status politico e cultural quc tinha na democracia grega. Essa afirmacao contraria nao apenas a sabedoria conventional, mas tambem a opiniao erudita. Nao se traa somente de haver algo profundamence antiintuitivo na proposicao de a evolusio das antigas sociedades escravagistas are o capitalismo liberal moderno ter sido marcada pelo declinio do status do trabalho. Ha tambem 157

Ellen Wood

Embed Size (px)

Citation preview

O TRABALHO E A DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA

Osgregos nao inventaram a escravidao, mas, em certo sentido, inventaram otrabalho livre. Embora a escravidao tenha chegado a niveis sem precedences naGrdcia classica, particularmente em Atenas, nao havia no mundo amigo nada de ,4.•novo acerca do trabalho nao-livre ou da relacao entre senhor e escravo. Mas otrabalhador livre, corn o status de cidadio numa cidade estratificada, especifica-

mente o cidaeltia campones, corn a liberdade jurIdica e politica implicita e a libera-

tilio de varias formas de exploracao por coacao direta dos donos de terra ou dos ^Estados, era certamente uma forma* distintiva que indicava uma relacio anicaentre as classes apropriadoras e produtoras.— Essa forma5ao Unica esti no centro de grande parte do que caracteriza a pallsgrega e especialmente a democracia ateniense. Raros desenvolvimentos politicosou culturais em Atenas nao foram de alguma forma afetados por eta, desde os

conflitos entre democratas e oligarcas nas transaciies da politica democratica paraa clissica da filosofia grega. As tradicbes politicos e culturais da Antiguidade clas-sica sue chegaram ate nets esti°, portanto, imbuidas do espirito do cidadao traba-lhador e da vontade antidemocratica que ele inspirou e que informou os textos degrande fil6sofos. A condicao do trabalho no mundo ocidental moderno, canto na.teoria quanta na pritica, nao pole ser intciramente explicada sem que se busquena histetria da Antiguidade greco-romana a disposicao distintiva de relaibes entreas dasses apropriadoras e produtoras na cidade-Estado greco-romana.

Ao mesmo tempo, se a condicao social e cultural do trabalho no Ocidentemoderno remonta a Antiguidade classics, temos muito a aprender corn a ruptu-ra radical sue, sob esse aspecto, separa a capitalismo moderno da democraciaateniense. Isso a verdade nao apenas no sentido 6bvio de a escravidao, depois deurn papel renovado a proeminente na ascend° do capitalismo moderno, tersido eliminada, mas tambem no sentido de o trabalho livre, apesar de se tornara forma dominants, ter perdido grande pane do status politico e cultural quctinha na democracia grega.

Essa afirmacao contraria nao apenas a sabedoria conventional, mas tambem aopiniao erudita. Nao se traa somente de haver algo profundamence antiintuitivona proposicao de a evolusio das antigas sociedades escravagistas are o capitalismoliberal moderno ter sido marcada pelo declinio do status do trabalho. Ha tambem

157

Arenas, o case

ipadrenulasccricaromendettuIe

mocrarica, na cgsentido o trabalbnem mesmo din

codg al dependeescravo aincia_e_cesquenos prop*stio agricola. Esdpermanente, matpv ;Torsi edadep eques eras

saiba sobre comedatarios ou a meDe qualquer fontidas por gruposNa epoca da coldisponivel durasinos proprietariosustentar suas fanuara desconheccoisa parece cert

Os escravwraras as grandersio talvez nao tocertamente naomente todo canquali_v_iiaTnti=cocamdoo,

umates (urn dos hoidesses escravos),pnblico; das condas. Mas haviamonopolizadalitem bora customprElpria). As nilateniense; e umempregados teascidade que nao:

'Discus° ens &talcumLondon. 1988, win&consideracees same a ea

DEMOCRACIA CONTR4 CAPITALISM°

o fato de que o trabalho livre nunca teve a importincia histOrica geralmente atri-buida a escravidao no mundo amigo. Quando chegam a tocar na questa° dotrabalho e de seus efeitos culturais, os historiadores da Antiguidade dao prioridadeabsoluta a escravidao. E consenso geral que a escravidao foi responsavel pela estag-nacao tecnolOgica da Grecia e da Roma antigas. A associacio de trabalho comescravidao, segundo esse argumento, produziu urn desprezo geral pelo trabalho nacultura grega antiga. No curto prazo, a escravidao aumentou a estabilidade dapas democratica ao unir ciciadios ricos e pobres, mas causou no longo prazo odeclinio do imperio romano — seja por sua presenca (como obsticulo ao desenvol-vimento das forcas produrivas) ou por sua ausencia (a medida que o declinio naoferta de escravos imptis presslies terriveis sobre o Estado romano imperial). Eassim por diante. Nenhum desses efeitos determinativos a arribuido ao trabalholivre. Nos paragrafos seguintes havera uma tenrativa de retomar o equilibrio econsiderar o que uma percepcao diferente do trabalho na Antiguidade pode nosinformar sobre seu equivalence no capitalismo modern.

A DIALETICA DE LIBERDADE E ESCRAVIDAO

Poucos historiadores teriarn hesitado em identificar a escravidao como uma came-. C-

\1 1 teristica essencial da ordem social da Grecia anciga, particularmente de Arenas. Muitostalvez afirmassem que a escravidao 6, de uma forma ou de outra, a caracterisuca essen-9 cial a descrevessem a Arenas clissica come. tuna "economia escravagista" uma "so ie-

t t ade escravagista", ou como urn exempla do "modo escravagista de producio". Aindaassim, nao hi muito consenso quanto ao qua significa caracterizar dessa forma a socie-dade ateniense, ou ao que Sc pretende explicar corn tal caracterizasio.

Essas descricOes nao seriam tao problematicas se soubessemosque o grosso daproducio grega foi realizada por escravos a que a divisao entre as classes apropriadorase produtoras correspondia de forma mais ou menos transparente a divisao entreurns comunidade juridicamente definida de homens byres, especialmente os cida-dios, e uma classe trabalhadora de escravos submissos. Mas, COMQ hoje_ern. gem! seaceita que a producio ao longo da histOria grega e romana se baseava pelo menosnuma proporcao igual do trabalho livre c da escravidao, o papel da escravidao comochave da histOria antiga se Lorna uma questa° mais espinhosa'.

'Pot exempla, M. 1. Finley &screw a Gricia e Roma como "sociedades escravagisras", nio porcine a escravidia predoonnas.se sobre o trabalho livre, mas porque cssas sociedadcs tram caracterizadas por "um sisrcma institucionaliaadn de cmprego detrabalho array° em grand; escala Santo no campo quanto tsar cidades" (Ancient Slavery and Modern Idrelop, Londres,1980, p. 67.) (Ed. bras.: Eteranidan oxlip e ideologin modern. Rio de Janeiro, Gnat 1991.I C. E. M. de Ste Croix afirmaque *embora nio seja tetniomentecorran caracternaro mundo grego (c romano) como 'cennomias escravagistas" porque"a producio combinada de camponeses a artesaos b yres excedeu cm muiro a dos produtores agricolas e indunriais olio-hiresdurance rodo o tempo na maioria dos lugares". airs& assim essa designacia iapropriada porquc a escravidao fni, segundoo modo dominance de =rag:to de erectlentet ou de explorasto ( The Cats Seraph in the Ancient Crock tYferii4 londres,1981, p. 133)„Parry Ancknumoont &nage, limn Ansigni‘y en Feudalism Londrcs, 1974 (Ed. bras.: Pasragetes da nritelaeletofendalinno, Sao Nolo, Brasil erase, 19871 prefer; manner o conceit° mandsta, "modo de producio oscravagisal, mu nSopor ter o trahatho

escravo predominado na produclo grega a romana, mas porque de bona uma sombra ideolOgicnsobmoutran formas de_producgo. Ve t sambdm GARLAND, Yvon. Stavery Anrimat Green, Ithaca e Londres, 1988: ;limarevisada e ampli2de de 1.es eselaws Greee, 1982, especialmente a coming°, pm uma

Ina sabre conceitos coma"rnodo producio cscravagisra” como aplkado I Gdcia amigo.

158

O TRABALHO F. A DEMOCRACIA ANIIGA E MODERNA

Arenas, o caso para o qual existe evidencia mais substantial, oferece problemas

particularmente diffceis. Ela 6 a p6lis grega que se ajusta da forma menos ambigua

b. descricao de uma "sociedade escrifigitrr-e, ao mesmo tempo, a Ohs mais de-

mocritica, na qual a maioria dos cidadaos tinha de trabalhar para viver. Nesse

\sentido, o trabalho livre era a espinha dorsal da democracia ateniense. Nao se pode

pc-

-\\ ' -, r •=' p.

nem mesmo dizer que nessa sociedade ainda essencialment e agraria a produclo t ._ (

agricola dependesse em grande parte do trabalho escravo. A extensao do trabalho

escravo ainda i questao controversa 2 , mas ciao restam muitas dtividas de que os (..-crpequenos proprietirios que trabalhavam a prdpria terra cram o ruicleo da produ- c),c`

1421gricola. Esti fora de questio que nas grandes propriedades havia urn estoque

permanence, mas nit) muito grande, de escravos para o trabalho agricola; mas as

propriedades cram geralmente pequenas, e mesmo os proprietarios ricos possuiam O

virios pequenos lotes espalhados, an vez de grandes unidades. Embora pouco sesaiba sobre como se trabalhavam essas propriedades menores, oferece-las a arren-datirios ou a meeiros era urn expedience mais pritico do que empregar escravos.De qualquer forma, nao existiam grandes plantay5es, enormes propriedades man-tidas por grupos de escravos alojados em galpOes, como nos latiftindios romanos.Na epoca da colheita, em geral se empregava trabalho temporirio assalariado,disponfvel durance o ano todo na forma de cidadaos sem propriedade ou peque-nos proprietirios cujas terras pr6prias (ou arrendadas) cram insuficiente s para

sustentar suas famflias. Muita coisa ainda se desconhece, e provavelmente conti-nuari desconhecida, acerca do campo na Arica na Antiguidade clissica, mas umacoisa parece certa: o fazendeiro-camponês foi sua figura mais caracteristica.

Os escravos eram mais importantes para a economia urbana, embora fossemraras as grandes manufaturas que empregavarn muitos escravos. 0 cidadao arte-sao taivez nao tenha sido figura tio prominen ce quanto o cidadao agricultor, mas

certamente nao era eclipsado pelos escravos. kescravidao aparecia cm pratica-mente todo canto da vida ateniense, desde o trabalho mais humilde ate o mais

-qualificado, dos escravos mineiros de Laureion ate os arqueiros citicos que ser-vtam como uma especie de forca policial, de empregados domesticos a negocian- c•tes (urn dos homens mais ricos de Arenas, o banqueiro Pasion, havia sido urndesses escravos), professores e o que de mais prOximo havia de um funcionirio

L. • L.'

ptiblico; das contlicties mais servis ate as relativament e independentes e privilegia-s •-•c' r•

das. Mas havia apenas duas areas da vida que, sabemos cornyelativa certeza, cram .- cmonopolizadas pelo trabalho escravo — o scrvicci domestic° e as minas de prata

(embora existissem pequenos arrendatirios que exploravam as minas por conta - '`....

pESpria). As minas tinham, sem dilvida, importancia critica para a economia o'

1

ateniense; e uma Otis onde homens e mulheres livres, e nao escravos, fossem ,' ,

empregados nas casas de seus compatriotas mais ricos teria sido qualquer outra *- ,cidade que nao a Arenas democritica. E.ntretanto, a importancia basica do traba-

2 Discuto cm detalhe essa quest3p da escravidio agratia em Peasant-Gtizen and Slave The Foundations ofAtitenian Demagog,

Londrcs, 1988, capitulo 2 e apendice 1. A questa° do armndamento rambem E estudada no mama capitol°, com algurnas

consideracöcs °kir a escassez e a ambigaidade das r IdEncias no &per' sdice 11.

159

Iho livre nas bases materials da sociedade ateniense exige, no minima, uma defini- sociedades ao Iclo em nuances da "sociedade escravagista"3. escravidao ter

Niose pretende aqui minimizar a importincia da escravidio na sociedadeateniense. A escravidio era mais generalizada na Grecia — principalmente em

contrario, o fat

Arenas — e em Roma do em qualquer outra civilizacio do mundo antigo e, de definido o cad

A libergfato, s6 igualada por um punhado de sociedades ao longo de coda a histOria 4 . As centivou o cres

lo

estimativas do ntimero de escravos da Arenas classica tem variado muito entre Nesse sentido, dos intelectuais modernos: por exemplo, no final do seculo IV a.C., essas estima-tivas variaram entre 20 mil para uma populacio livre de 124 mil, at 106 mil

Mal essa dialedproduciio mate

escravos para uma populas* livre de 154 mil (112 mil cidadios e respectivas ateniense rivesafamilias e 42 mil metecosr. 0 ntimero mais aceito atualmente i algo em torno trabalho livre, a

da Antiguidade classica — em graus vadiveis, uma caracteristica da sociedadehelenos como c

grega assim como da roman, mas que nunca se igualou a que havia na demo-cracia ateniense — represenra uma forma social Unica. A clareza da escravidio

quail os campsSe o crescis

como categoria de trabalho diferente de outras, como a divide ou_

campesinato asservidio, destaca-se nitidamente porque a liberdade do agricultor apagou todo acompanhadaium espectro de dependencia que caracterizou a vida produtiva da maioria das a determiner o

pars a transit*nes quanto con

Essa definic,lo deveria comegar, assim como a definicio de Ste Croix do que seja uma "cconoinia cscravagista", com a mir a condi001proposiclo de que o critirio essential nlo scia a forma dominance de producio, mas a forma principal de extraclo do deixava de secexcadentes, o mode de explorapio qua criava a riquesia da class, dominance. Permaneceriam. entrammo, aa questOes relativas ao grau em que cal riqueu scria produzida por escravos, c nio por anendatirios tiaras. imperial em R

Emboss tenha hackle escravos em muitas sociedades 20 longo da histOria, houve apenas cinco casos registrados"sociedades escravagisras" no sentido definido por Arenas clissica. romana, as ilhas clan India, Ocidentais, o

cidadios pobteBrasil o sal dos Estado Unidos. Vet FINLEY, Ancient Slaver); p. 9.e HOPKINS, Keith. Conquerors and Slam , Cambridge,

uma "transform1978, p. 99. 100. mais facil daA .timativa main baixa e a de A. H. M. Jones, Athenian Dentoersey. Oxford, 1957, p. 76 ,9:a mais aka esri no verbere solue dais Cason, a at

"Population (Greek)" do Oxfoni Clattieal Dictionary, bamada, corn algumas modificacOes, no clissico do A. W. Comma, ThePopulation of Athens. Oxford, 1933.

Lsso e o que Finley tem em manse quando descreve a Crecia e Roma coma sociedades escravagistas: nio que os cscravos&mem predominances no conjunto da economia, mas qua ales constitulam a forge de trabalho permanence "cm codes osestabalecimentos gregOs ou romans males qua a unidade familiar" (Ancient Slavery. p. 81).

160

DEMOCRACIA cos ran cArtrsusmo

de um mdximo de 60 mil a 80 mil nos periodos de maior populacio; mas aindaassim trata-se de um mimero significativo, equivalence a cerca de 20% a 30% da

talvez a mais dis

populacio total. E mesmo que os escravos nal) dominassem a producio material pelas quais essavas da vida culi

des certamente dominavam as grandes empresas, fossem elas agricolas ou "in-dustriais" 6. Nessa escala, a escravidio tinha de ser uma caracteristica definidora

Dar ao cidiescraviclio quail

da Antiguidade greco-romana, e j us tifica a designacio de "sociedade escravagista".Mas näo existe relato da histOria antiga, especialmente da hist6ria da democra-

ramente compssempre houve_

cia de Arenas, que seja, ainda que remotamente, considerado aceitive/ e nio campesinato. )coloque o trabalho livre pelo menos no mesmo nivel em termos de capacidade oligarquicas Toexplicativa.

A verdade e que, embora diversas formas de trabalho livre tenham sido uma romana (tambe

caracteristica comum em muitos lugares na maioria dos tempos, a condicio formada de can

clesfrutada pelo trabalho !lyre na democracia de Arenas nio teve precedences e,mento e meaci

sob muitos aspectos, permaneceu inigualivel des& end°. 0 cidactio campones Imperio Orient

sas regiOes don

7 Para o primeiso aspBerkeley, 1973, p.

uma0

tes e,nesde

demo-dioou

todoa das

0 TRAISALHOF A DEMOCILACJA ANTIGA E. MODERNA

sociedades ao longo da histOria conhecida. Nao e tanto o fato de a existencia daescravidio ter definido de forma tao nitida a liberdade do cidadao, mas, pelocontririo, o fato dc o cidadio trabalhador, canto na teoria quanto na pritica, terdefinido o cativeiro dos escravos.

A liberacio dos agricultores da Atica das formas tradicionais de dependencia in-.centivou o crescimento da escravidio ao excluir outras formas de trabalho nao•livre.Nesse sentido, dernocracia e esaavidio ern Atenasestiveram unidas de forma inseparivel.Mas essa dialitica da liberdade e escravidlo , que di Lugar central ao trabalho livre naproduOio material, sugere algo diferente da proposicio simples de que a democraciaateniense tivesse fundament° na escravidio. E se reconhecemos que a liberdade do

trabalho livre, assim como a cscravidao dos escravos, foi uma caracteristica essential,talvez a mais distintiva, da sociedade ateniense, somos obrigados a considerar as formaspelas quais essa caracteristica nos *Ida a explicar muitas outras caracteristicas distinti-vas da vida cultural, social, politica e econemica da democracia.

Dar ao cidadio trabalhador o seu direito 6 tao importante para a avaliacio daescravidio quanto para a avaliacio do trabalho livre. Nenh urn dos dois pock see intei-ramente compreendido for do nexo que os une. Tanto na Grecia como em Roma,

sempre houve urns relacio' direta entre a extensao da escravidao e a liberdade docampesinato. A Atenas democritica tinha escravos, Esparta tinha os hilotas. As

ofigirquicas Tessilia e Creta tinham o que se poderia chamar de servos. Fora da Italiaromana (tambean neste caso a maioria da populacio for da cidade de Roma ainda eraformada de carnponeses, mesmo no apogeu da escravidio), rnuitas formas de arrcnda-mento e meacao sempre predominaram sobre a escraviclio. No Norte da Africa e no

Imperio Oriental, a escravidio na agricultura nunca foi importante. Tanto nos reinos

helenos como no Imperio Romano, a escravidio sempre teve importincia menor nes-

sas regiees dominadas por alguma especie de Estado moninquico ou tributirio, nos

quais os camponeses nio tinharn a condicao civil que tinham na polls.

Se o cresciment° cxcepcional da escravidio em Arenas resultou da liberar,:io do

campesinato ateniense, assim tambem a wise da escraviclio no Imperio Romano foi

acompanhada pela dependencia crescente dos camponeses. Este ensaio nao se prop&

a determinar o que 6 causa e o que 6 efeito; mas, de urns forma ou de outra, a chave

para a transit* da escravidio para a servidio 6 tao relacionada corn o status do campo-

nes quanto corn a oondicio dos escravos: ou as dasses proprietirias precisavam depri-mir a conclicio dos pobres livres por causa da reduclio na oferta de escravos, e a escravidio

deixava de set produtiva como antes; ou o crescimento do govern() monirquico eimperial em Roma produziu urn declinio gradual do poder politico c militar doscidadios pobres c impbs a des uma carga cada vez mais insuportivel, ocorrendo assim

uma "transformacio estrutural" da sociedade romana que tomou os camponeses pressmais ficil da exploracio a dessa forma reduziu a demanda de trabalho escravo'.

Nos

dois casos, a escravidio se reduz 3 medida que declina a condi 'cao civil do campesinato.

7 Para o printeiro .raga.

ver Ste CROIX, atm Struggin p. 453-5 03: para o septa°, FINLEY. The Annear &snooty,

Baktien 1073. p. 86 ..egs• LEA. port.: A eremontia mega. Porto, Afrontarnento, 1980.1

161

uma variantcorpo gonetos cuja Mai

Essas focdo Bronze. itrios a campsgerais viria acomo algo dsuperpostos,mente nowum tipo sodtodos os Estciviliza95esanteriores a

A p6lis je n tiigovertae comunidaprodutoiparalelosdeobrigacio

Sob essepassagem qtNatio) centdireito "cm

Por que a

tempo deoutros, dtodas aso que us;"Alguns tgovernannados

Pode-secidade-Esteforma das n

primein51-2; a modo a1976; i31.1'Pot exempla as

MENCI US. au

' I Pam um curlmane/. antiga Ri

DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

Quando, seculos mais tarde, a escravidio volta a ter urn papel importancenas economias ocidentais, ela se inseriu num contexto muito diferente (cornalguns impressionantes efeitos ideolOgicos sobre a ligacio entre escravidio e ra-cismo, que you examinar no capitulo "Capitalismo e emancipactio humana...").A escravidio associada as plantacOes do sul dos Estados Unidos, por exemplo,nao fazia parte de nenhuma economia agraria dominada por produtores cam-poneses, mas sim de uma agricultura comercial em grande escala inserida numsistema internacional de comercio ern expansio. A principal forca rnotriz no_centro da economia mundial capitalista nit) foi o nexo entre senhor e escravo,nem do proprietirio corn o campones, e sim do capital corn o trabalho. 0_tra-balho assalariado livre se tornou a forma dominance num sistema de relacOes depropriedade cads vez mais polarizado entre a propriedade absoluta e a Elca ab-soluta de propriedade; e nesse sistema polarizado os escra‘Js tambem deixaramde ocupar urn grande espectro de funcOes econOmicas. Nio havia nada seme-lhante ao banqueiro Pasion ou ao funcionario ptiblico escravo. 0 trabalho es-cravo ocupava a posiyact mais humilde e servil na economia de plantation.

GOVERNANTES E PRODUTORES

_Os_historiadores geralmente concordam que a maioria dos cidadiosatenienses trabalhava para viver. Ainda assim, depois de colocar o cidadao tra-

Vbalhador ao lado do escravo na vida produtiva da democracia, des no se linte-l' ressaram pelas conseqiiencias dessa formasio Unica, desse trabalhador livre e

desse status politico sem precedentes. Onde existe a tentativa de cstabelecerligacOes entre as fundagóes materials da sociedade ateniense a sua politica oucultura (e a tendencia dominance 6 ainda a de separar a histeoria politica e cul-tural grega de toda raiz social), 6 a escravidao que fica no centro do palco comoo grande fato determinante.

Esse descaso 6 realmente extraordinario se consideramos a excepcionalidadeda posiclo da moo-de-obra livre e o alcance de suas conseqiiencias. Nio seriaexagero afirmar, por exemplo, que a verdadeira caracterfstica da como for-1) c y ma de otanizacio de Estado e exatamente essa, a uniao de trabalho e cidadaniaespecffica da cidadania canrponesa. A pOlis perrence certamente ao que em geralse denomina, ainda que irnprecisamente, a "cidade-Estado" dos gregos e, em

\f'?-4 termos amplos, dos romanos, bem comb dos fenicios e etruscos — ou seja, opequeno Estado autOnomo formado pela cidade e o campo que a contorna. Mas

X( tal categoria deve ser ainda mais decomposta para identificarmos o que e maisdistintivo da ',Ohs grega.

Nas sociedades pre-capitalistas, em que os carnponeses cram a principal classeprodutora, a apropriacio — seja pelo proprietario, seja por meio do Estado — assu-mia a forma do que se poderia chamar de propriedade politicamente constituida,ou seja, a apropriacio conquistada por varios mecanismos de dependencia politicae jurfdica, por contio direta — trabalho imposto sob a forma de divida, escravidio,servidio, telac6es tributarias, impostos, corvéia e outras. E o que acontecia nasciviliza95es avancadas do mundo antigo, nas quaffs a forma tfpica do Estado era

162

0 7PAPALHO E A DEMOCRACIA ANTIGAE MUMMA

uma variante do Estado "burocratico-redistributivo", ou "tributario", no qual urncorpo governance se superpunha as comunidades dominadas de produtores dire-tos cuja mais-valia era apropriada pelo aparelho governante'.

Fcsas formas ja existiam na Grecia antes do advent() da palis, nos reinos da Idadedo Bronze. Mas na Grecia surgiu uma nova forma de organizacao que uniu proprieti-nos e camponeses numa unidade dvica e milk= Urn padrio setnelhante em linhasgerais viria a aparecer em Roma. A prOpria ideia de comunidade dvica e de cidadania,como algo diferente de urn aparelho estatal ou de uma comunidade de governantessuperpostos, era caracteristica da Grecia e de Roma; e indicava uma relayao inteira-mente nova entre apropriadores e produtores. Em particular, o cidaddo campones,um tipo social especifico das cidades-Estado gregas e romans — e ainda assim a nemtodos os Estados gregos9 representou urn rompimento radical corn rod= as outrascivilizacties avancadas conhecidas do mundo antigo, inclusive as formas de Estadoanteriores a ele na Grecia durante a Idade do Bronze.

A pelis grega quebrou o pacifio geral das sociedades estratificadas de divisaoentre governanteseprodutores, especialmente a oposicio entre Estados apropriadorese comunidades camponesas subjugadas. Na comunidade civica, a_participacao do

produce — especialmente na democracia atenien,se — significava urn grau sem

earalelos de liberdade dos =dos tradicionais de exploracao, tanto na forma deobrigacao por dfvida ou de servidio quanto na de impostos.

aspecco, a pOlis democratica violou o que urn filOsofo chines (numapassagem que, corn alguns refinamentos filosOficos, poderia ter sido escrita porPlatao) certa vez descreveu como urn princtpio universalmente reconhecido comodireito "em todos os lugares sob o

Por que se deveria pensar que aquele que conduz o governo de urn reino tenha tambem

tempo de lavrar o solo? A verdade a que alguns problemas sio prOprios dos grandes, e

ourros, dos pequenos. N:esmo que se suponha que urn homem pudesse reunir em si

todas as habilidades necessirias a todas as profissOes, se ele tivesse de fazer sozinho Ludoo que usa, todos acabariam completamente exaustos de fadiga. 0 ditado 6 verdadeiro:

"Alguns trabalham corn a mente, outros corn o corpo. Os que trabalham corn a mentegovernam, enquanto os que trabalham corn o corpo sic) governados. Os que sao gover-nados produzem o alimento; os que governam sao alimentados".10

Pode-se mesmo afirmar que_a_pais (numa definicio bem geral pare induir a•

cidade-Estado romana") re rese • . A a nova dinamica social na

formadasrel lasse. Isso nit, quer dizer que a polls tenha sido a primeira

primeira annuls e undo por Rad Polanyi — per example, em The Great Teennioveation; Boston, Beacon Press, 1957. p.

51-2; o mode *tributirio de prodtrOo° d tun conceito formulado por Samir Amin em Opera, Development. iimsodn.

1976, p. 13e 'segs. (Ed. bias.: 0 deserivalvitnenio deriguaL Rio de Janeiro. Forense-Universitiria, 1976.1

9 PM exemplo, os hiloras de Esparta ens servos de Cram e daTessillia representavam a annum do cidadio camponas.

"' MENCIUS, em Three Way afThargla in Anemic China, Arthur Wsley (rd.). Garden City, std. p. 140.

Para um exemplo dense use geral, vet FINLEY. Politics in the Ancient Worg Cambridge, 1983. lEd. bras.: A politica no

womb aorta Rio dr Janeiro, Zahar, 1985.1

163

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

forma de Estado em que as relacOes de produclo entre apropriadores e produtorestenha tido papel central. A questa() 6, pelo contrail°, que essas relacoes assumiramurns forma radicalmente nova. A comunidade civica representou uma . relacao dire-ta, dotada de 16gica pr6pria cWi'Mkesso,entre proprietarios e camponeses comoindividuos e como classes, separada da velha relaclo entre governantes e silditos.

A velha relaciao dicothmica entre o Estado apropriador e os silditos camponesesprodutores foi prejudicada de alguma forma por todo o mundo greco-romano, emtodos os lugares onde houvesse urns comunidade civica unindo proprietarios e cam-poneses, ou seja, onde os camponeses possuiam o status de cidadlos. Isso era verdademesmo onde, tal como em Roma, a condicao civica dos camponeses era relativa-mente restrira. Havia, entretanto, diferencas significarivas entre as condicOes da aris-tocratica Roma e da democritica Atenas. Tanto em Arenas como em Roma, o statuspolitico e juridico do campesinato impunha restricOes aos meios disponiveis de apro-priasio pelos proprietarios e incentivou o desenvolvimento de alternativas, princi-palmente a escravidao. Mas na democracia ateniense o regime campones era maisrestritivo do que na Roma aristocratica e marcou de forma muito mais decisiva oconjunto da vida cultural, politica e econesmica da democracia, chegando mesmo aajustar o rim° e os objetivos da guerra as exigencias do pequeno agricultor e seucalendario agricolau . Na verdade, ainda que inoentivasse o crescimento cla escravi-dio, a democracia inibia ao mesmo tempo a concentracao da propriedade, limitan-do assim as formas em que se podia utilizar a escravidao, especialmente nanticultura.

Em comparacao, embora o regime aristocratic° de Roma fosse restrito de diver-sas formas pela condicao civics e militar do campones, a cidade-Estado romana eradominada pela 16gica do proprietario de terras. A concentracio rla propriedade quetomava possivel o use intensivo de escravos na agricultura era urns rnanifestacioimportance dcssa dominancia aristocratica. Outra manifestacao foi o drama espeta-cular da expansio imperial (em que a participacio indispensivel do soldado camponeso tomava vulneravel a perda de propriedades em sua prOpria terra), uma operacaode acambarcacio de terras feira numa escala desconhecida no mundo at entao. Foisobre essa fundacao aristocratica que a cidade-Estado deu lugar ao império, e comele declinou a condicio do campones cidadio. Nem os latiftindios escravistas, nemurn vast° territOrio imperial, duos das caracteristicas definidoras de Roma, seriamcompativeis corn o regime de pequenos proprietarios da Atenas democratica.

Assim, em nenhum outro lugar o pada° tipico de divisio entre governantes eprodutores foi quebrado de forma too completa quanto na democracia ateniense.Nenhuma explicaclo do desenvolvimento politico e cultural ateniense sera corn-pieta se nio levar em conta essa formacao distintiva. Embora os conflitos politicosentre democmtas e oligarcas em Arenas nunca tenham coincidido exatamente cornuma divisao entre classes apropriadoras e produtoras, permaneceu uma tensao entrecidadaos que tinham interesse na restauracAo do monop6lio aristocratic° da con-

I2 Para uma excelense discussio elan quassia, vet OSBORNE. Robin. awing! Laisticrape wish Firm The Ancient GirthCi* Ala is Careen aide, Londres, 1987. p. 13. 138 .9, 144.

dicalo politicEstado deverservir comosicio entreentre govern

Em nenbgrega. Sem rfundamentalde sua epistena democratprezo evidessio tolhidosma cultural.exernplo,-presHenicaevi.de..4atitude maimartesios gootestemunholongo discoteiros e ferndo sofista umemo da ras arms, ucanta um hida democncanter (429apenas o faao pobre, ode que o todespOticos,sua faina. 1deusa kenma outraquanto onenhum dtrabalho

"Issotambinrrabalbo de awe

Ao discutir assLINOS, que se IFlo ttababodpreseres paws

164

0 TRABALHO E A DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA

dicao politica e os que resistiam a ela, urns divisao entre cidadaos para quem oEstado deveria servir como meio de apropriacio e cidacaos para quern ele deveriaservir como protecao contra a exploracao. Em outras palavras, permaneceu a opo-sicao entre os que tinham e os que nao tinham interesse cm restaurar a divisaoentre governantes e produtores.

Em nenhum lugar essa oposicio a sao visivel quanto nos clissicos da filosofiagrega. Sem meias palavras: a divisao entre governantes e produtores e o principiofundamental da filosofia de Plata°, nao apenas de seu pensamento politico, masde sua epistemologia. E a sua obra que di a medida real da condicio do trabalhona democracia ateniense. Entretanto, isso é verdade nao no sentido de que o des-prezo evidente de Platio pelo trabalho e pelas capacidades moral e politica dos quesao tolhidos pela necessidade material de trabalhar para viver represente uma nor-ma cultural. Pelo contririo, os textos de Plata, representam urn poderoso contra-.exemplo, uma negacao delib—erada da cultura democritica.- HA evidencia sufl-iente cm outros classicos da cultura ateniense para indicar apresenca de iuna atitude corn relasio ao trabalho muito diferente da de Plata°, umaatitude mais de acordo corn as realidades de uma democracia em que camponeses eartesaos gozavam de todos os direitos da cidadania. De fato, o prOprio Plata° oferecetestemunho dessa atitude quando, por exemplo, no dialog() Proteigaras, no infcio dolongo discurso em que Protigoras defende a pritica ateniense de permitir que sapa-teiros e ferreiros possam fazer julgamentos politicos (320a e segs.), de poe na bocado sofista urns versa° do mito de Prometeu em que as "artes priticas" sio o funda-mento da vida civilizada. 0 her6i do Promettu de Esquilo, aquele que traz o fogo eas artes, e urn benfeitor da humanidade, enquanto na Antigona de SOfocles o Corocanta urn hino de louvor as artes humanas c ao trabalho (350 e segs.). E a associacaoda democracia corn a liberdade de trabalho e sugerida por urn discurso em As supli-

causes (429 e segs.), em que se diz que entre as bencaos de urn povo livre esti naoapenas o faro de que o govern() da lei di igual direito a justica tanto ao rico quantoao pobre, ou que qualquer um tern o direito de falar ao piiblico, mas tambem o fatode que o trabalho do cidadao nao se perde, ao contririo do que acontece nos Estadosdespeuicos, nos quais as pessoas trabalham apenas pars enriquecer os tiranos cornsua fain. Tambem a sem dtivida significativo que a divindade ep6nima de Arenas, adeusa Arena, fosse a padroeira das artes e dos ofkios, e que nao houvesse em nenhu-ma outra cidade da Grecia templo tao grande devotado a Hefestos, deus da forja,quanto o que foi construido no sick& V a.C., dominando a Agora ateniense. Masnenhum desses pedacos de evictencia confirma de forma tao eloqUente o status do

trabalho livre na democracia quanto a reacio de Plata° a de".

s lam rambem dve,dade ern relaclo a AristOreles, oila pills ideal. descrita ne Patine nese cidadania Ss pcs.somentajadas nor,.''

trabalho de dewier as hens e servicos bisicos de Ohs. Fars pessoas "concliorie c nao "pure de plilis„ ditommeo dos ,screws apenes pe1Ofato de desempeoharem sues humildes mares pare a comunidede nio pare indivlduos (1277.-1278a).1`''

discurir as atitudes dm gregos em relasio ao trabalho em Prarant-rigisen and Slam p. 137-62, argument°, entre outras

calms,cokes, gut sc houvesse barreiras ideoldgices ao dmenvolvimento tecnolOgico elan nlo scrims tio relacionadas ao &spewspolo trabalho derived° de sus associacio Com a escrevidlo quanta S independencie dos pequenos produtores e S austncia depress6es pare aumentu a produtividade do trabalho.

podutoresIsumiramWo dire-

ea comoWO&aponeses!nano, emlos e =n-u verde&

relativa-rS da aris-s,o status

de apro-p, princi-era mais

lecisiva omemo akor e seu

de diver-inana eraAide quepifostasiosa espera-amponh

°Perni°Foi

ID, e cornMir nem,seriam

MACS emeniense.

i corn-politicosM corn

Pio entreda con-

liras Ovei

165

DEMOCRACIA COPTIRA CAPITALISMO

GOVERNANTES E PRODUTORES: PLATA° VERSUS PROTAGORASEm seu dialog° Prmigarar., Mario define a orientacio de grande parte_cle sua

obra filosOfica posterior. Aqui ele levantou questOes relativas a virtude, ao conhe-cimento e a arm da politica que iriam preocupa-lo em suas obras da maturidade,principalmente na Rep:161in; e o conrexto em que essas questOes foram levantadasnos diz muito sobre a importancia do trabalho no discurso politico da democra-cia. Nesse dialog°, calves pela tiltima vez em sua obra, Platio deu atencio, nominimo, razolvel a oposicio, apresentando o sofista Protagoras sob uma luz maisou menos simpatica a medida que este constred a defesa da democracia, a Unicaargumentacio sistematica em favor da democracia a sobrevi•er da Antiguidade.Platio iria passar o resto de sua carreira refutando implicitamente os argumentosde Protagoras.

Pro:agoras se relaciona a natureza da virtude e a possibilidade de ela ser ensina-da. A questa° e levantada num contexto explicitamente politico, no momento emque S6crates define os termos do debate:

Agora, que estamos reunidos em Assembleia, se o Estado se ve diante de urn projero deconstrucio, observo que os arquitetos sio convocados e consultados sabre a estruturaproposta, e quando se trata de Lana quesao relativa a construclo de navios, sit) osprojetistas de navios, e e assim com tudo que a Assembleia considere objeto de apren-dizado e ensino. Se alguim oferece conselho, alguem que nio seja considerado conhe-cedor, por mais bolo ou rico ou bem-nascido ele seja, nio importa: os membros orejeitam ruidosamente e corn desprezo, ate que ele ou seja obrigado a as calar e desistir,ou seja expulso e rerirado pela policia por orders do magisrrado presidente. E assimque des se comportam corn relacao a temas que consideram tecnicos. Mas, quando setrata de debater alga relativo ao governo do pals, o homem que se levanta para darconselhos pode ser urn construtor, on mesmo urn ferreiro ou sapateiro, mercador ouarmador, rico ou pobre, nascido ou nit) de boa familia. Ninguem o acusa, como sucedeaos que mencionei ha pouco, que esse homem nAo tern qualificavies tecnicas, incapazde indicar quem o ensinou, e ainda assim tenta dar conselho. A razäo deve ser que desnio consideram que este seja urn assunto que possa ser ensinado."

Em sua resposta a Socrates, Protagoras demonstra que "seus compatriotas agemsabiamente ao aceitar o conselho de urn ferreiro ou de urn sapateiro em questOespolfricas"' 5 . E assim as questOes epistemolOgica.s e eticas fundamerAgsque_for-mam a base da filosofia grega, na realidade de toda a tradicio filos6fica ocidental,sat) situadas num context() explicitamente politico, relacionado a pritica demo-critics de permitir a sapateiros ou ferreiros fazer julgamentos politicos.

A argumentacio de Protagoras continua, primeiro por uma alegoria destinada ademonstrar que a sociedade politica, sem a qual homens n5o se beneficiam clas armse oficios que compOem o Onico presence dos deuses, nao sobrevive a menos que a

" Prot4gorm. 319b•d."[dem, ibidem, 324d.

166

virtude civicPassa entliouma quali&civilizada,dizagem quocoo e, acitnvirtude chisofista que,war ease pccidadania

A enfaspara sua deprocesso pcnada, mas 4Aprendizaeder habilidseeulo XVIPessoas sesio, ao meda comunigem descnpassafundadosi

0 prinainda tentcfpio vitia0 politic*aprendizavirtude cotumesaltas, unit

AindasobreA

cornum dtrabalhadona univetuma germaide. Asstamb4rnza. NioEstado E._ —

'61-Hours

0 TRARALHO £ A DEMOCRAC IA ANTICA A MODERNS

virtude civica que prepara as pessoas para a cidadania seja uma qualidade universal.Passa entao a mostrar que virtude pode ser uma qualidade universal sem ser inata,uma qualidade que pode ser ensinada. Todo aquele que vive numa comunidadecivilizada, especialmente a pas, é exposto desde o nascimento ao processo de apren-dizagem que promove a virtude civica, em casa, na escola, por admoestacio e puni-cao e, acima de tudo, por meio dos costumes e das leis da cidade, sua nomoi. Avirtude dvica, cal como a lingua mid 6 a urn so tempo aprendida e universal. 0sofista que, assim como o prOprio Protagoras, afirma ensinar a virtude pode aperfei-coat esse progresso continuo e universal, e o homem possui as qualidades da boacidadania sem o beneficio da instrucio do sofista.

A enfase de Protagoras na universalidade da virtude e evidentemente criticspara sua defesa da democracia. Mas igualmente importante a sua concepcao doprocesso pelo qual se transmite o conhecimento moral e politico. A virtude a ensi-nada, mas o modelo de aprendizagem nao 6 tanto a erudicao quanto o aprendizado.Aprendizado, nos chamadas sociedades tradicionais, a mais que urn meio de apren-der habilidades tecnicas. "E tambem", para citar urn notivel historiador ingles dosect& XVIII, "o mecanismo de transmisslo intergeracional", o meio pelo qual as

pessoas se iniciam nos habilidades de adultos ou em artes praticas particulares, esio, ao mesmo tempo, introduzidas "na experiencia social c na sabedoria comum

da comunidade"' 6 . Nao ha forma melhor de caracterizar o processo de aprendiza-gem descrito por Protagoras, o mecanismo pelo qual a comunidade de cidadiospassa adiante a sabedoria coletiva, suas praticas, seus valores e suas expectativas

fundados nos costumes.0 principio invocado por Socrates contra Protagoras — neste estagio de forma

ainda tentative e pouco sistemitica — 6 que a virtude a conhecimento . Esse prin-

cipio viria a se tornar a base do ataque de Natio a democracia, especialmente ern0 politico e A Reptiblica. Nas moos de Plata°, de representa a substituicao doaprendizado moral e politico de Protagoras por uma concepcio mais exaltada davirtude como conhecimento filos6fico, não a assimilacin convencional dos cos-tumes e valores da comunidade, mas urn acesso privilegiado a verdades maisalias, universais a absolutes.

Ainda assim, natio tambem constrdi sua definicio de virtude politica e justi-sobre a analogia corn as artes priticas. Tambem de se baseia na experiencia

comum da Atenas clemocratica, apelando para a experiencia familiar do cidadaotrabalhador ao invocar a erica do artesio, technZ Mas, desta vez, a enfase nä° recaina universalidade ou na transmissio organica do conhecimento convencional deuma geraclo pars a seguinte, mas sobre a evrecializacio, competencia a exclusivi- o'q.

aide. Assim como os melhores sapatos sio feitos por um sapateiro especialista,tambem a arte da politica deveria ser praticada apenas por quem nela se especiali- za. Nao deve haver sapateiros e ferreiros na Assembleia. A essencia da justica no -Estado e o principio de que o sapateiro deve se ater a sua forma.

16THOMPSON, E. P. Custom is Comma, Lonclres, 5991, p. 7.

que Sc eucracia coscia, c7a

Masermedulla!A explioaextensionhamo mimesescravidigregattrario datilos trailexplicadaconsci&Nociosa na

Os pque wereAntigi-ZREigosbro do 1veu urna1810.Qlucio Fnviam sidpelas quInglatenao passharmoni

porgadnmultidantsere.

Oresem indiescravidl

"SECONIIris. Brain%" tarFos71 Ida..

\

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

Tarim Protigoras quanto Plata° colocam os valores culturais da techne, as artespriticas do cidadio trabaihador, no centre, de sua respectiva argumentaer;io politics,embora o facam corn objetivos an tit6ticos. Grande parte do que se segue na tradigio dafilosofia ocidental procede desse ponto de partida. Nao a apenas a filosofia politicaocidental que deve suss origens a esse conflito ern tomb do papel politico de sapateirose ferreiros. Para Platio, a divisio entre os que governam e os que trabalharn corncorpo, entre os que governam e sio alimenrados e os que produzem o alimento eski governados nao a somente o principio basic° da politics. A divisio de trabalhoentre governanres e produtores, que 6 a ess8ncia da justica na Republica, e rambem aessencia da teoria do conhecimento de Platio,A oposicao radical e hierarquica emir osmundos sensivel a inteligivd, e entre as respectivas formas de cognigio — uma oposicaoque foi identificada como a caracterLstica mais distintiva do pensamento grego e quedefiniu as bases da filosofia ocidental desde entio" — foi criada por Platio corn basenuma analogic corn a divisio social de trabalho que exclui cia politics o rRochrtor.

0 ECLIPSE DO TRABALHO LIVRE

Tao grandee o desequilibrio enure a imporrancia histOrica do trabalho livre naGrecia Amiga e o descaso que a historiografia moderna the dedica que 6 necessiriodizer algo acerca de como ocorreu esse desequilibrio, sobre como o cidadio trabalha-dor, apesar de coda a sua caracteristica distintiva histórica, perdeu-se na sombra daescravidao". Mais uma vez, nao se trata de os hisroriadores nao terem reconhecido ofaro de ser o corpo de cidadaos de Arenas composto em grande parte de cidadaos quetrabalhavam pars viver. Pelo contrario, trata-se de que esse reconhecimento nao foiacompanhado de um esforco simultaneo para explorar a significacio histories dessefaro notivel. Como fator determinante do movimenro da histOria, o trabalho livre nomundo amigo foi edipsado pela escravidio, e nao somenre pela razio notavel de teremnossos melhores instintos se chocado como os horrores daquela terrivel instituigio.

0 eclipse do cidadao rrabalhador na Arenas dcmocratica tem menos aver cornas realidades da democracia ateniense do que corn a politica da Europa moderns.Ames da segunda metade do seculo XVIII, e principalmen re antes das revoluc6esamericana e francesa, nao teria sido incomum uma caracterizagao da antiga demo-cracia ateniense como uma comunidade "mecanica" em que a aristocracia era su-bordinada a uma multidio "utilitaria" de cidadaos trabalhadores—em comparagio,por exemplo, corn Esparta, onde o conjunto dos cidadaos era formado por umaespecie de nobreza, "dos que vivem corn fartura de suns prOprias rendas, sem seengajar no trabalho de sua prOpria terra nem em qualquer outro trabalho parase master"". CaracterizacOes semelhantes fizeram parte de urns longs tradicao

" Jacques Cana elabont gaga quesrao ern 'Social History and the Evolution of Ideas in China and Greece from the Sixthco the Second Century BC. In, Mytli end &deo, in Ancient Greece de Jean Pierre *mane, Sussex, 1980. (Ed. bras., Mien esociedade ne Geld, antiga. Rio de Janeiro. Jose Olympic., 1999.E" Sara serrio se bamia em met, livto, Pusan-aticen and SLeue. cop. E.L9 HARRINGTON, James. "The Commonwealth of Oceana''. In, The Polities! trbriet of emir Harrington, J. G.A. Pocock,ed.. Cambridge, 1977. p. 259 .60. Harrington roma emprestada a definicAo de nobrem de Maquiavei.

168

0 MIAMI-HO E A DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA

que se estende no passado at a pro:5pda Grecia antiga e a identificacao de demo-cracia corn a domina9-to por urn demos "utilitarista". Nesses relatos da democra-cia, o dada° trabalhador ainda esti vivo e forte.

Mas pelo final do seculo XVIII ocorreu uma Otani° significativa. A multidiomecanica comecou a ceder terreno a "rale ociosa" mantida pelo trabalho de escravos.A explicacio dessa mudanca nao e terem os historiadores de repente descoberto aextensio da escravidio na democracia de Arenas. Escritores precedentes dela ji ti-nit= ciencia. Montesquieu, por exemplo, chegou mesmo a superestimar em muitoo nilmero de escravos em Atenas; e como autor de urn influente ataque contra aescravidao ele nio se teria indinado a encontrar justificativas pars as manifest-act:1esgregas. Mesmo assim, de insistiu que a essencia da democracia ateniense — ao con-tad° da de Esparta, cujos &lad-acts cram "obrigados ao 6cio" — era que seus cida-dios trabalhavam para viver". Nem mesmo a aparencia de rale ociosa pode seeexplicada por uma nova preocupacio corn os males da escravidio, gerada por umaconsciencia democritica ampliada na Idade das Revoluc6es. Pelo contrario, a raleociosa nasceu sobretudo das mentes dos anddemocratas reacionarios.

Os principals culpados foram, no primeiro caso, os historiadores britinicos -

que escreveram as primeiras histOrias polfticas e narrativas modernas sabre a GreciaAntiga corn o objetivo explicito de advertir os seus contemporineo s contra os ;:perigos da democracia. 0 inais importante entre des foi William Mitford, mern-bro do T6ri, proprietario de terras e opositor da reforma parlamentar, que escre-veu uma influente histeuria da Grecia publicada em vIrios volumes entre 1784 e1810. Quando, no period° em que estava escrevendo sua obra, estourou a Revo-lucio Francesa, de interrompeu a narrativa pars explicar por que os ingleses ha-viam sido poupados daquele mat; e sua explicacio se relacionava corn as formaspelas quais os ingleses cram cliferentes da Franca moderna e da antiga Arenas. AInglaterra gozava de harmonia sem paralelos entre os "varios niveis de cidadania",ao passo que a Grecia (e a Franca) carecia de mecanismo semelhante de , .harmonizacio. Em particular,

por toda a Grecia, os nobres e os ricos, atendidos por escravos nao apenas como empre-gados domesticos, mas como agricultores e artesios, tinham poucas ligacses corn amultidio dos mais pobres, e apenas para govemi-los nos Estados oligirquicos, e nosdemocraticos para teme-los, adul4-los, importune-los e, ou engana-los, ou por des

le serem comandados. Nenhum interesse comum unia as dues descricaes de homemR 0 resultado foi urns multidlo licenciosa e turbulenta, "cidadlos sem propriedade,

sem indiistria e talvez sem objetos de inchista', tuna multidio ociosa, mantida pelaescravictio e por pagamentos ptiblioas, swipe pronta a pilhar a riqueza dos ricos".

PhIPI 46.

ze SECONDAT, Charles de. Baron de Montesquieu, Mr Stiris ofthe Ian., Nova York, 1949, p• lEd. bras.: h* Am0 o

kis. Bra.olia, Ed. U.S. 1982.]

itks" MITFORD, Wilton. Dr Histtuy of Greta, .1V, Londres, 1814, p. 34-5.

12 !dem, ibidein, p. 16.

169

Entretantraera muito mesmocratas que 1rale ociosa tintdo que em de

invocaram o evam ainda me

enquanto, dadPoliticos a dal

toes representenfatizar o pal

O resultsArenas, talvesGeorge Gros.antiga, mendbre os servos,seu amigo, J.da democrada variedadequem, na rei

descreveu cooexemplos ajutiguidade

Nao sureocorrido no

Mitford a en

0 seculo:proporciotrabalho dnos press;antes ou 4

Traballusfen-amerulares emsenhorial0 troballna social

z6 Para um esbo9sSLovery, p. 11-66..

27 THOMPSON

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALJSMO

Mas, se Mitford representa um exempla particularmente extremo de rethricaantidemocratica, a mesma multiclio ociosa aparece em obras muito mais Ohrias eeruditas ao longo do seculo seguinte. Na influence histOria econ6mica de AugustBockh, a escravidio e os pagamentos pUblicos mais uma vez sic) forms de corrupcioda democracia, acostumando a multiclao a "indolencia" a dando a ela o lazer departicipar da politica, "ao passo que nos paises em que a escravidio rat) existia, osciciadaos, obrigados a trabalhar para garantir a prOpria sobrevivencia, nao tinhamtanta disponibilidade para se empregar nos neg6cios do govern". 0 resultado foique "Mesmo na mais nobre das ragas da Grecia, entre as quail os atenienses devemser relacionados, a depravacio e a corrupcio moral predominavam entre todo opovo"". E mesmo Fustel de Coulanges atribuiria a turbulencia da Grecia antigaausencia de principios econ6micos que teriam compelido ricos e pobres a viverjuncos ern bons termos, como teriam feito "se, por exempla, urn tivesse necessida-de do outro — se os ricos nao pudessem ter enriquecido sem convocar o trabalhodos pobres, e se os pobres pudessem ter encontrado meios de vender o pr6priotrabalho para os ricos' 24 . Na realidade, "o cidadao encontrava poucos empregos,tinha pouco a fazer; a falta de ocupacao logo o tornava indolence. Como via ape-nas escravos a trabalhar, ele desprezava o trabalho". E assim por diante.

Netilluna-clesses-escritores desconhecia que os cidadios atenienses trabalhavamcomo agriculcores ou artesios. A questa() nao era canto o faro de elesidoltzkaa 'ha-rem, mas o de des nao trabalharem o suficiente e, acima de tudo, o fato de Elioservirem. Sua independencia e o lazer de que desfrutavam para poder participar dapolitica foram a causa da condenacao da democracia grega. Para Mitford a BOcich,a participacio da multidao era urn mal em si mesma. Para o mais liberal Fustel, omal era que, na ausencia das formes tradicionais de connote politico, se fazianecessaria uma especie de disciplina ecomImica tornada passive' pela sociedademoderns pela necessidade material que forca os trabalhadores sem propriedade avender sua forca de trabalho por um salario. Em outras palavras, faltavam o Esta-do e a economia burgueses modernos. Mas, em codas esses exemplos, a indepen-dencia do cidadio trabalhador foi consistenremente traduzida como indolenciada rale ociosa, e corn ela vein a predominancia da escravidio.

Os efeitos dessa revisao hist6rica foram enormes, estendencla-se para muitodem das motivacOes antidemocraticas originais de historiadores como Mitford. Arale ociosa cobriu desde a descricao da democracia de Hegel, na qual a condicaobasica da politica democratica era screm os cidadios liberados da necessidade dotrabalho e "que aquele que entre nos 6 executado por cidadios livres — o trabalhoda vida diaria — deveria ser executado por escravos"", ate a inversio marxista darale ociosa no "modo escravista de producio".

BOECKH 1Backhl, August. Thr Public Economy ofAthem, 1842, p. 611-14.

24 PUS-TEL de COULANGES, Numa Denis. The ANCillit CO., Garden Ciry, s.d, p. 337. [FA. bras.: Cidadr amigo. Sio

Paulo, Hemus, 1975.)

25 HEGEL. G. F. W. The Philosophy afHisrory. Trod. Sibree, Nova York. 1912, p. 336. [Ed. bras, Filosofia da hindria.Brasilia, Ed. UnB, 1995.1

170

0 TRAIIALHO E A DEMOCRACIA ANT IGA E MODERNA

Entretanto, ha aqui urn paradoxo, porque o interesse intelectual pela escravidaoera muito menor em proporcio que o peso ideolOgico arribuido a ela'. Os antide-mocratas que levaram os escravos a sua posicao proeminente pelo use do tema darale ociosa tinham interesse muito menor em explorar o preiprio tema da escravidiodo que em desacreditar a multidao democritica. Do outro lado, os liberals queinvocaram o exemplo da Grecia antiga em defesa da feforma politica moderna esta-vam ainda menos ansiosos em se deter no embaraco representado pela escravidio,enquanto, dada a sua ambivalencia em relacao a democracia, a extensio de direitos

Ipoliticos a dasse trabalhadora (por comparnio com o aperfeicoamento das institui-

95es representativas e das liberdades civis), tambem nao tinham canto interesse emenfatizar o papel da multidao trabalhadora na democracia ateniense.

r0 resultado foi uma curiosa imprecisio em relacao a economia politica de

Atenas, talvez ainda mais acentuada entre os liberals que entre os conservadores.

IGeorge Grote, reformador politico c autor de uma celebrada histdria da Grecia

Pantiga, menciona apenas de passagem o trabalho dependence, e mesmo assim so-

labre os servos da Tessalia e de Greta, em lugar dos escravos de Atenas; ao passo que

i-

seu amigo, J. S. Mill, inclinava-se menos a focalizar as caracteristicas democreiticas

da democracia ateniense do que a elogiar seus valores liberais, a individualidade e

..ka variedade da vida ateniense — em contraste corn os espartanos 111(3-liberals, a

0-

quem, na resenha da histdria de Grote que escreveu para a Edinburgh Review, 8edescrevcu como "os,t6ris e conservadores hereditarios da Grecia". Nenhum desses

aexemplos ajudou a esclarecer a posicao da escravidio ou do trabalho livre na An-

tiguidade classics.

0 TRABALHO E 0 "ESPIRITO DO CAPITALISMO"

it Nao surprcende que a transicao da multidio mecanica para a rale ociosa tenha*ocorrido no sect& XVIII (e especialmente na Inglaterra, apesar dos encOmios de

1- Mitford a constituicao inglesa). Segundo Thompson:

i- 0 seculo XVIII testemunhou uma mudanca qualitativa nas relacties de trabalho. UrnsproporcSo substancial da forca de trabalho ficou realmente mais livre da disciplina do

trabalho diirio, mais livre pars escolher entre empregadores e entre trabalho e lazer, me-110A

nos press a urns posicao de dependencia em todo o seu modo de vida do que havia sido

io

antes ou do que viria a ser nas primciras decadas da disciplina da fibrica e do relegio.

ID

Trabalhando geralmente em suas praprias casas, possuindo ou alugando suas prOpriasferramentas, trabalhando para pequenos empregadores, muitas 'macs cm horns irregu-

i*lares em mais de urn emprego, des conseguiram fugir dos controles socials da casa

senhorial e ainda nio estavam sujeitos a disciplina do trabalho na fabrica.0 trabalho livre [rouse consigo um enfraqueciment o dos velhos meios de discipli-

na social."

lia

OD

56 Para urn esboco hissnrieo dos fundamencos histOricoarlo conbecimenc oda escravidio na Antiguidadc, yea. FINLEY, Ancient

Slaver); p. 1146,0 7. 1' 1.14. Ver ounbem CANFORA. Luciano, Ideobgie del 980, p. 11-9.

27 THOMPSON. Customs, p. 35-42.

171

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

A linguagem corn que esses desenvolvimentos foram saudados pela classe do-minante inglesa 6 a prOpria linguagem da rale ociosa. Os trabalhadores pobres daInglaterra, desprezando a "grande lei da subordinacio" e a tradicional deferenciado servo para corn o senhor, alternavam-se entre "o clamor e o motim", "amadu-recendo para toda especie de maus atos, seja a Insurreicio pablica, ou o saqueprivado", e, "insolentes, preguicosos, ociosos e devassos (...) des trabalham apenasdois ou tres dias da semana"".

0 mito da rale ociosa ateniense 6, portanto, uma queixa antiga de senhorcontra servo, mas acrescida da urgencia de uma nova ordem social na qual otrabalho assalariado e sem propriedade se tornava, pela primeira vez na histOria, omodo dominante de trabalho. No mesmo process° de desenvolvimento capitalis-ts, o conceit° de trabalho passava tambem por outras transformacEres. FreqUente-mente, se diz que o mundo modern testemunhou a elevacio do trabalho a urnstatus cultural sem precedentes que deve muito a "erica protestante", e a ideiacalvinista do "Chamamento". E, corn ou sem a "Erica Protestante" de Max Weber,a associagio do "espirito do capitalismo" corn a glorificacio do trabalho tornou-separte do saber convencional.

Ainda assim, enquanto o capitalismo, corn os imperativos do lucro e da produ-tividade do trabalho, trouxe consigo disciplinas de trabalho mais rigorosas, a glorifi-cacao do trabalho duro foi uma faca de dois gurnes. A ideologic do trabalho teve urnsignificado ambiguo para os trabalhadores, por justificar sua sujekao as disciplinascapitalistas pelo menos na mesma medida em que elevou o status cultural destas.Mas talvez o ponto mais importante relativo I transformacio do status cultural dotrabalho que acompanhou a ascenslo do capitalism° seja a confusio entre trabalhojp-rodutividoth, que observamos na discuss:So de Weber. Essa transformacio, comovimos, ja 6 perceptivel na obra de John Locke e sua conc,epcio de "melhoramento".As virtUdis do trabalho deixam de pertencer inequivocamente aos prOprios traba-lhadores. Passam a se; acima de tudo, atributos do capitalism, e nao porque estetrabalhe, mas porque utiliza ativa e produtivamente sua propriedade, ao contrarioda apropriaclo passiva do rencista tradicional. A "glorificaclo" do trabalho no "espi-riro do capitalismo" tern menos a ver corn o status ascendence do trabalhador do quecorn o deslocamento pelo capital da propriedade arrendada.

A concepcio de "trabalho" como "melhoramento" e produtividade, quali-dades que pertencem menos aos trabalhadores que ao capitalisia que as acio-naesta no centro da e se • roduz constantemenre nainguagem da economia moderna, na qual os "produtores" nao slo_o,straka-

thadores, mas os capitalistas. Ela denuncia uma ordem econOmica em que aproduclo se subordina a imperativos de mercado e em que o mecanismo mo-tor 6 a competicio e a maximizacio do lucro, nao as coaceies "extra-econômi-

' cas" da propriedade politicamente constituida, mas os imperativos puramente,"econOmicos" do mercado que exigem producividade crescente do trabalho.

• 2g DEFOE. Daniel. The Great Lato if Subordination Co :fed; on the Andante and Unisferable Behavior ofSernants inEngland eruptird into (1724A cicada em Thompson, Coos/114 p. 37.,

172

A

As relacartrabalho nunnao dependedo semijurklicas. e _universal, di

cia ateniensensei

Na demomicas coalsnao Sao juriiga democrate nela a igupemarmiciasnsio jece

di de privilnao possubsalario pari

estio sujeioda maximiinas sociedanao a detacoexiste comente a deintacta ac:

rios juridiclivres da no

trabalho eassalariadono capitaticonermica,profundarentre cidaoutras

A cidaestavamsociedadedastee quedireta da,

0 TRABALHO E A DEAIOCRACIA ANTICA E MODERNA

As relacties sociais de propriedade que acionam esse mecanismo colocaram o.trabalho numa posicio histOrica tinica. Submetido a imperativos econ6micos quenao dependem diretamente do status jurfifico ou politico, o trabalhador assalaria- , '

do sem • ro • ' .11 ..I • • • le desfruta o ca • i al' •, • • libe ., • C 10 •

j. -.....-■

I ,

uriclicas. e ate mesmo de todos os direitos politicos de_urn.siste a cmism.Aati .°

universal, desdeue rAZaalgilfC1131aP-----laga capital o seta der dr apmprinao..E aqui que_encontramos a major diferenca entre a condicao do trabalho na antiga democra-cia ateniense e no capitalismo moderno.

TRABALHO E DEMOCRACIA — 0 ANTIGO E 0 MODERN°

Na democracia capitalista moderna, a desigualdade e a exploracao socioecon6-micas coexistem corn a liberdade e a igualdade civicas. Os produtores primariosnao sac juridicamente dependences nem destituidos de direitos politicos. Na anti-ga democracia, a identidade civica tarnbem era dissociada do status socioeconOmico,e nela a igualdade politica tambim coexistia corn a desigualdade de dasse. Mas L. •

permanece a diferenca fundamental. Na sociedade capitalism, os produtores pri-marios sio sujeitos a presseies econ6micas independentes de sua conclicao politica.0 oder do capitalista de se apropriar da mais-valia dos trabalhadores nao depen-a-ede privilegio juridico nem de condicio civica, mas do fato de os trabalhadoresnao possuirem propriedade, o que os obriga a trocar sua foria de trabalho por urnsalirio para ter acesso aos meios de trabalho e de subsistencia. Os trabalhadores

t nto ao poser do capital giant° aos imperativos da competicio ec, r

_damax i_miza ca. ° dos lucros. A sepAraso da condi4ao civica da situacao de close r.

nas sociedades capitalistas tem, assim, dois lados: de urn, o direito de cidadanianao

determinado por posicio sociocconOmica — e, neste sentido, o capitalismo

coexiste corn a democracia formal — de outro a ig_ualdade civica nao afeta direta- x(r

mcnte a dea sigualdade de classe, e a democracia formal deixa fundamentalment e_.

intacta explornio de classe.Em comparnio, na democracia antiga havia uma dasse de produtores prima-

dos juridicamente livres e politicamente privilegiados, e que cram, ao mesmo tempo,livres da necessidade de entrar no mercado pars garantir o acesso as condicties detrabalho e de subsistencia. Sua liberdade civil nao era, como a do trabalhadorassalariado modern, neutralizada pelas pressOes econOmicas do capitalismo. Comono capitalismo, o direito de cidadania no era determinado pela condi& socioe-con6mica, mas, ao contrario do capitalismo, as rein-6es entre classes cram direta eprofundamente afetadas pela condicio civil. 0 exemplo mais Obvio 6 a divisioentre cidadaos e iscravos. Mas a cidadania determinavidifecalliente Cambim de

outran formas as relniles econ6micas.A cidadania democratica em Arenas significava que os pequenos produtores

estavam livres de extors6es extra-economical as quais os produtores diretos nassociedades pre-capitalistas sempre foram submetidos. Por exemplo, estavam livresdas pilhagens, mencionadas por Eiesfodo, dos senhores "devoradores de presen-ces", que usavam poderes jurisdicionais para saquear o campesinato; ou da coaciodireta da dasse dominance espartana, que explorava os hilocas por meio do equi-

173

valente a uma °cup** militar; ou das obriggiies feudais dos camponeses medie- restringir o tvais, sujeitos aos poderes jurisdicionais dos senhores; ou dos impostos do absolu- fortemente Itismo europeu, em que a fungi° ptIblica era instrumento primario de apropriacio 0 conteprivada; e assim por diante. Enquanto os produtores diretos continuassem livres de talismo maimperarivos puramente "econeanicos", a propriedade politicamente constituida con- sistema emtinuaria a set urn recurso lucrativo, como instrumento de aproprinao privada ou, co, qual oalternativamente, como protecio contra a exploracao; e, nesse contexto, a condicao num contcivil do cidadao ateniense era urn bem valioso que tinha implicacOes econdmicas cracia e 0 Adiretas. A aldade politica nao somente coexistia corn a desigualdade socioeco-

. nornica, mas tam m a modificava substancialmente, e a democracia era maissubstantiva que "formal".

Na antiga Arenas, a cidadania tinha profundas conseqilencias para campone-ses e artesaos; e, evidentemente, uma mucianca da condisio juridica dos escravos —ou das mulheres — teria transformado inteiramente a sociedade. No feudalismo,seria impossfvel distribuir privilegio juridic° e direitos politicos sem transformaras relavies sociais de propriedade existentes. Somente no capitalismo se tornoupossivel_cleixar fundamentalmente intactas as rely es de propriedade entre capi-tal e trabalho enquanto se permitia a democratir,a 54o .dos direitos .politicose civis.

Mas nunca foi Obvio que o capitalismo poderia sobreviver a democracia, pelomenos nesse sentido "formal". A medida que o crescimento das rela95es de pro-priedade capitalistas comecou a separar propriedade de privildgio, principalmenteonde o trabalho livre ainda não estava sujeito is novas disciplinas do capitalismoindustrial e a falta absoluta de propriedade, as classes dominantcs da Europa pas-

; saram a se preocupar muito corn os perigos oferecidos pcla multidao trabalhado-ra. Durance muito tempo, parecia que a Unica solucao seria a preservacio de algumtipo de divisa° entre governantes e produtores, entre uma elite proprietiria politi-

: camente privilegiada e uma multidio trabalhadora destituida de direitos. Desne-, cessario dizer, os direitos politicos tambem nao foram distribuidos generosamente

quando por fim se garantiu as classes trabalhadoras o acesso a eles, depois delongas turas populares que enfrentaram fortes resistencias.

Hesse meio tern o, a anti ideia slma fora derrotada por urns concepcaocompletamente nova de democractanen to crrttco essa queteve o cfeito (e a intencio) de diluir o significado de democracia, foi a fundaciodos Estados Unidos, de que you tratar no prOximo capitulo. Ainda assim, pormais que as classes dominantes da Europa e dos Estados Unidos tivessem temidoa extensao dos direitos politicos para a multiclio trabalhadora, no final, os direitospoliticos na sociedade capitalista jA no tinham a importincia que tinha a cidadaniana antiga democracia. A conquista da democracia formal e itfr,igiciLiaivetialcertamente re resentou um enorme a • •. • • II no 6 I • ca • italismoofereceu uma nova solucio para o velho problema de govemantes e procimores. Janä() era mais necessario corporificar a divisio entre pri yilegio e trabalho numadivisao politica entre os governantes apropriadores e os sip:tiros trabalhadores, umavez que a democracia eria ser eorifinad ika7f r teseparada, enquanto a "economia" seguia regas prOprias. Se ja nao era possivel

174

/ft r IN f.

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

,e

0.)C

^A-

<

NCL/ CY° {

cf4

0 TRASAI HOE A DEMOCILACIA ANTIC.A E MOI)ERNA

restringir o tamanho do corpo de cidadios, o alcance da cidadania podia entio serfortemente limitado, mesmo sem a imposicio de limites constitucionais.

0 contraste entre a condicio do trabalho na antiga democracia e no capi-talismo moderno convida a algumas perguntas de grande importancia: nurnsistema em que o poder puramente "econenicon substituiu o privilegio polfti- Ico, qual o significado de cidadania? 0 que seria necessario para se recuperar,num contexto muito diferente, a importincia da cidadania na antiga demo-cracia e o status do cidadio trabalhador?

175

0 DEMOS VERSUS "NOS, 0 POVO":

DAS ANTIGAS AS MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

O antigo conceit° de democracia surgiu de uma experiencia histOrica queconferiu status civil tinico_ as classes subordinadas, criando, principalmente, ague-la formacio sem precedentes, o cidadio-campones. 0 conceito moderno perten-ce, ern tudo — ou ern grande parte —, exceto no nome, a uma trajetOria hist6ricadiferente, cujo exemplo mais evidente e a experiencia anglo-americana. Os princi-pals marcos ao longo da estrada que leva a democracia antiga, tais como as refor-mas de S6lon e Clistenes, representam momentos fundamentals no processo deelevacao do demos a condicio de cidadania. Na outra histOria, que se origina naona democracia ateniense, mas no feudalismo europeu e que culmina no capitalis-

_mo liberal, os grandes marcos, tais como a Magna Carta e 1688, marcam a ascen-sio das classes proprietarias. Neste caso, nao se trata de camponeses que se libertam dadominacao politica de seus senhores, mas da afirmacao pelos prOprios senhores desua inaePendencia cm relacao as reivindicacbes da monarquia. ^ esta a origem dospi-melt:nos constitucionais modernos, das ideias de governo limitado, da separacioae poderes etc., principios que deslocaram as implicacties do "governo pelo demos" —_como o equil[brio de poder encre ricos e pobres como o criterio central dademocracia. Se o cidadao-campones 6 a figura mais representativa do primeirodrama histOrico, a do segundo 6 o bad° feudal e o aristocrata Whig'.

Se cidadania 6 o conceito constitutivo da democracia antiga, o principio funda-mental da outraTh.a7iiEde 6, talvez, o senhorio. 0 cidadio ateniense afirmava nao tersenhor, nao ser servo de nenhum homem mortal. Nao era devedor de servico nemde deferencia a nenhum senhor, nem se preocupava corn a obrigacao de enriquecercorn seu trabalho algum tirano. A liberdade, eleutheria, que sua cidadania tornava

possivel era a liberdade do demos em rt-larelo ao senhorio. A Magna Carta, ao contra- k

rio, nao foi urn documento de urn demos livre, mas dos pr6prios senhores que afir-feudais e aliberdade da aristocracia tanto contra a Coroa quanto

a multidio popular, assim como a liberdade de 1688 representou o privilegio dossenhores proprietarios de dispor como quisessem de sua propriedade e de seus servos. (,,,`. .

WhiF partido politico qua surgiu depois da revolusio de 1688 a qua pretendia subordinar o poder da Coroa ao doparlamento; foi substitutdo no final do siculo XIX pelo Partido Liberal.

177

DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

Naturalmente, a afirmallo do privilegio aristocratic ° contra a invasao dasmonarquias produziu a tradicao da "soberania popular" de que deriva a con-ccpcao moderna de democracia; ainda assim, o "povo" em questao nao era odemos, mas urn estrato privilegiado que constituiu uma naclo politica exclusi-va situada no cspaco piiblico entre a monarquia e a multiclao. Enquanro ademocracia ateniense teve o efeito de quebrar a oposicao ancestral entre go-vernantes e produtores, ao transformar camponeses em cidadlos, a divisio en-tre proprietarios governantes e stiditos camponeses foi condicao constitutivada "soberania popular" que surgiu no inicio da Europa moderna. De urn lado,a fragmentacao do poder do soberano e o poder da aristocracia que constituf-ram o feudalismo europeu, o controle da monarquia e da centralizacao doEstado exercida par esses princlpios feudais, seriam a base de uma nova espe-cie de poder "limitado" de Estado, a fonte do que viriam a ser chamados deprincfpios democraticos, tais como o constitucionalismo, a representacio e asliberdades civis. De ourro, o revers° da aristocracia feudal era urn campesinatodependente, enquanto a "nacao politica" que emergiu da comunidade de se-nhores feudais manteve exclusividade e a subordinacao politica das classesprodutoras.

Na Inglaterra, a nacao politica exclusiva se corporificou no Parlamento, que,como escreveu Sir Thomas Smith na decada de 1560,

tern o poder de soda o reino, a cabeca a o corpo. Pois Lod° ingles deve l5 estar presen-te, ou ens pessoa, ou por meio de procuradores e representantes, seja qua! for suapreeminencia, dignidade, ou qualidade, desde o Principe (Rei ou Rainha) ate a pes-soa mais humilde da Inglaterra. E a anuencia do Parlamento deve ser enrendidacomo a anuencia de todos.2

importance observar que um homem era considerado "presente" no Parla-mento mesmo que nao tivesse direito de eleger seu representante. Thomas Smith,assim como outros antes a depois dele, no questionava o fato de uma minoria deproprietarios rer o direito de representar toda a populacio.

A doutrina da supremacia parlamentar viria a operar contra o poder popularmesmo quando a nacio politica ja nao se restringia a uma comunidade relativa-mente pequena de proprietarios e quando se ampliou a ideia dc "povo" para in-cluir a "multiclao popular". Na Inglaterra de hoje, por exemplo, a politica é areserva especial de urn Parlamento soberano. 0 Parlamento e o responsave/ ulti-mo perante seu eleitorado, mas o "povo" nit) a realmente soberano. Para todos osefeitos, nao existe politica— pelo menos politica legitima — fora do Parlamento. Defato, quanto mais inclusivo se tornava o termo "povo", mais as ideologias politicasdominantes — dos conservadores a corrente principal do trabalhismo — insistiamna despolitizacao do mundo fora do Parlamento e na deslegitimacao da politica"extraparlamentar". Paralelan.ente a esse processo, ocorreu uma centralizacao crcs-

SMI .CH, Sir Thomas. De Republica Arigion." ed. Mary Dewar, Cambridge, 1982, p. 79.

178

cente do poder izacao do gabinc

Surgiu anticto politico —espNeville — que pde teoria politicpareceu ter, cotimplicava nao aa associar a "deengajados na hibre o qual os pcdaram corn setCidadania ativ:apenas as mulbinao tivessem "edesse do trabalnUcleo uma diNao s urp teen('An tiguidade, eRoma, em vez

Na verdadstalvez ten ha_Erepublicanism°

de xl

feudal

aomd osidi alba 1°c nicnas g or t o st u 1°7-

diferentes formdependentes.outro, a proprioutras palavras,econOtnico c p1

Sob essemomento de smind° uma fastatus juridic°,mento" da pra

mercado conyagricola de Job

3 As diferencas padanem sempre foram ■Ver WOOD. Neal

1

0 DEMOS VERSUS "NOS, 0 POVO": DAS ANTICAS AS MODERNAS CONCEPCOES DE C1DADANIA

cente do poder parlamentar no executivo, produzindo algo semelhante a soberani-zacio do gabinete, ou ate mesmo do pr6prio cargo de primeiro-ministro.

Surgiu entao, nos primOrdios da Inglaterra moderna, um corpo de pensamen-to politico – especialmente na obra de James Harrington, Algernon Sidney e HenryNeville – que parece contrariar essa tradicao parlamentar dominance. Essa escolade teoria politica, que veio a ser conhecida como republicanismo classic°, teve, oupareceu ter, como principio organizador central urn conceito de cidadania queimplicava nao apenas o gozo passivo de direitos individuals que nos acostumamosa associar a "democracia liberal", mas uma comunidade de cidadlos ativamenteengajados na busca do bem comum. Ainda assim, ha urn ponto fundamental so-bre o qual os primeiros republicanos modernos, como James Harrington, concor-daram corn seus contemporaneos "liberals": a exclusividade da nacaoCidadania ativa seria reservada para os homens proprietarios e deveria excluir naoapenas as mulheres, mas tambem os homens que, conforme expressou Harrington,nao rivessem "corn que viver por si s6" – ou seja, aqueles cuja sob revivencia depen-desse do trabalho prestado a outros, Essa concepcio de cidadania tinha em seunixie° uma divisao entre uma elite proprietaria e uma trabalhadora.Nat) surpreende que os republicanos dessa especie, quando buscavam modelos naAntiguidade, escolhessem a constituicao aristocratica ("mista") de Esparta ou deRoma, em vez da democratica de Atenas.

.Na verdade, essa divisao entre uma elite proprietaria e uma multidao trabalh.adoratalvez tenha pertencido ainda mais absoluta e irredutivelmente a essencia dorepublicanismo classic° ingles do que, digamos, ao liberalismo lockeano. Quando seproPO- s Construir principios politicos adequados a uma sociedade na qual a dominacaofeudalla nao predominava, Harrington nao abandonou completamente os principiosdo feudalism°. g mesmo possivel afirmar que sua concepcao de cidadania fora mode-— lada, sob certos aspectos importances, nos principios feudais. De um lado, deixou deexistir a categoria de propriedade dependence, uma divisao juridica e politica entrediferentes formas de propriedade fundiaria que existiu entre os senhores feudais e seusdependentes. Toda propriedade fundiaria era juridica e politicamente privilegiada. Deoutro, a propriedade em si ainda era definida como status politico ou militar; emcamas palavras, ela ainda se caracterizava pela unidade inseparavel entre os podereseconennico e politico-militar que haviam constituido o senhorio feudal.

Sob esse aspecto, o republicanismo classic° ja era urn anacronismo desde omomento de sua concepcao. A propriedade fundiaria na Inglaterra ja estava assu-mindo uma forma capitalista, em que o poder econennico ja nao estava preso aostatus juridico, politico e militar, e a riqueza dependia cada vez mais do "aperfeicoa-mento" da propriedade, ou de seu use produtivo, sujeito aos imperativos de urnmercado competitivo. Nesse ponto, a concepcao de propriedade e de "melhoria"agricola de John Locke estava mais de acordo corn as realidades correntes 4 . E ape-

3 As diferencas praricas entre whips c republicanos, ou pelo menos da ala mais radical dos whir, na politica do sEctilo XVI Inem sempre foram muito claras.4 Ver WOOD, Neal. John Lathe and Agrarian Capitalism, Berkeley c Los Angeles, 1984.

179

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

sar de o prOprio Locke nao ser um democrata a discutivel que uma concept* depmpriedade semelhante a dela atenderia melhor ao relaxamento das restri45es aparticipa* na nacio politica'. Expresso em termos simples, uma vez que o podereconómico das classes propriedrias ji nao dependia do status "extra-econtimico",dos poderes juridico, politico militar do senhorio, o monopilio da politica jinao era indispensavel a elite. Em compensa*, na estrutura clominada por umaconcept* essencialmente pre-capitalista de propriedade, corn todos os "enfeites"(como os chamou Marx) jurfdicos e politicos, a igualdade formal tornada possfvelpela separacio capitalista entre o "econOmico" e o "politico" nä° era apenas inde-sejivel, mas absolutamente impensdvel (literalmente).

0 CAPITALISM° E A CIDADANIA DEMOCRATICA

Ao deslocar o centro do poder do senhario para a propriedade, o capitalismotornou menos importante o status civic°, pois os beneflcios do privilegio politicoderam lugar a vantagem puramente "econtunica", o que tornou possivel uma novaforma de democracia. Onde o republicanismo clissico havia resolvido o problemada elite proprietaria e da trabalhadora mediante a reducao do corpo decidadios (como gostariam de ter feito os oligarcas atenienses), a democracia capita-lista ou liberal permitiria a extensao da cidadania mediante a restricao de seus po-deres (como o fizeram os romanos). Onde urn props urn corpo ativo,_ masexclusivo, de cidadaos em que as classes proprietarias governariam a multidaotrabalhadora, o outro foi capaz de imaginar urn corpo abrangente, mas grandementepassivo, de cidadaos compost() pela elite e pela mulridao, embora sua cidadaniativesse alcance limitado.

0 capitalismo transformou tambem de outras formas a esfera politica. A rela-cat) entre capital e trabalho pressup& indivicluos formalmente iguais e livres, semdireitos e obrigactries normativas, privilegios ou restricems juridicas. A separacio doindivicluo das institui45es e identidades corporativas comecou muito cedo na In-glaterra (isso se reflete, por exemplo, na definicao de Sir Thomas Smith de Estadocomo "sociedade ou bem comum de uma multiclio de homens livres reunidos eunidos por acordos comuns entre si" 6, e no psicologismo individualists, que per-passa a tradicio do pensamento social ingles, de Hobbes e Locke at Hume eoutros); e a ascensio do capitalismo foi marcada pelo desligamento crescente dosindivfduos (para nao mencionar a propriedade individual) das obriga95es e identi-dades costumeiras, corporativas, normativas e comunitarias.

5 1Jma boa critica sobre as tentativas de representar Locke cons* urn democrata esti em David McNally, °Locke, Levellersand Liberty: Property and Democracy in the Thought of the First Whigs", History ("Political Thought, 10(1), 1989, p. 17-40. Jig critiquei essat interpretacães em "Locke Against Democracy: Consent, Representation and Suffrage in the Two Treatises",History ofPolld 1 Thought, 13(4), 1992. p. 675-89. e "Radicalism. Capitalism and Historical Contexts: Not Only a Replyto Richard Ashen& on John Locke". History of Palisieel Thought, 15(3). 1994.

6 SMITH. De Republient Anglaise*, p. 57. Sob ease aspecto, h interessante oomparar a definicio de Smith corn a de scucontemporineo. Jean Bodin. que, em taus Six Book, of the Commonwealth, tests "familia.% coligios c corposcorporativos", enao homens individualmente liwes, como as unidades formadoras da comunidade, refletindo as realidades da Franca, ondeas instituicaes e identidades corporativas conrinuaram a ter papel proeminente na villa politica.

0 surgimentopositivo, cujas cocorn seu conceitshouve urn outro Ipreco pago pelapara ser mais prece o trabalhador aso mesmo processarrancados de suae cos tumei ros.

Co nsideremesciedades pre-capperrnaneceu na pde subsistencia. Iapropriar de seudo status juridicovalia a que os ato mava m geralusca: servidao poroutras. Da mesacact por parte degrande parte dacomunidade aldegrau de indepenaldea — por examtes dos propriedpliavam seus podMas, por maisobstaculo contindeia camponesae sujeita ao seudada de cidadloi

A nessa caractca. Somente nebtornou efetivarneram eidadlos. 0participa* noexistentes. 0 esada pas represeaidentidade civicsmum a aristocracidadlos ateniensubstituisse, espefundamental, as

180

0 DEMOS VERSUS "NOS, 0 POVO": DAS AN11CAS AS MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

0 surgimento desse indivfduo isolado teve, desnecessario dize-lo, o seu ladopositivo, cujas conseqiiencias emancipadoras a doutrina liberal hoje enfatiza,corn seu conceito (mito?) constitutivo da soberania individual. Mas tambemhouve urn outro lado. Em certo sentido, a criacio da soberania individual foi o';preco pago pela multiclio trabalhadora para entrar na comunidade politica, ou,:para ser mais preciso, no processo histOrico que gerou a ascensao do capitalism°. :-e o trabalhador assalariado "Iivre e igual" que se juntou ao corpo de cidadios, foio mesmo processo em que os camponeses foram despossuidos e desenraizados,arrancados de sua propriedade e de sua comunidade, com seus direitos comunse costumeiros.

Consideremos por urn momenta o que isso significa. 0 campones das so-ciedades pre-capitalistas, ao contrario do trabalhador assalariado moderno, ".\permaneceu na posse da propriedade, neste caso a terra, o meio de trabalho ede subsistencia. Isso significava que a capacidade do dono ou do Estado de seapropriar de seu trabalho dependia de uma forca coercitiva superior, na formado status juridic°, politico e militar. Os principals modos de extracio de mais-valia a que os camponeses eram submetidos — impostos e arrendamentos —tomavam geralmente a forma de varios cipos de dependencia politica e juridi-Ca: servidio por divida, servidio, relacóes tributarias, obrigacio de corveia eoutras. Da mesma forma, a capacidade dos camponeses de resistir a explora-clo por parte dos proprietarios e do Estado, ou de limits-la, dependia emgrande parte da forca de sua prOpria organizacio politica, principalmente acomunidade aldeä. Na medida em que os camponeses fossem capazes de certograu de independencia polftica pela extensio da jurisdicio da comunidadealdek — por exemplo, ao impor os direitos locais ou substituir os representan-tes dos proprietarios por seus prOprios magistrados locals eks tambem am-pliavam seus poderes econÔmicos de apropriacio e de resist'encia a exploracio.Mas, por mais forte que se tornasse vez por outra a comunidade aldek, urnobsticulo continuava intransponfvel autonomia camponeSa: o Estado. A al-deia camponesa permaneceu quase universalmente como que fora do Estado,e sujeica ao seu poder externo, ja que o campones estava exclufdo da comuni-dade de cidadlos.

g nessa caracterfstica que a democracia ateniense representa uma excecioSomente nela se quebrou a barreira entre Estado e aldeia, pois a aldeia se

tornou efetivamente unidade constitutiva do Estado, e os camponeses se torna-ram cidadios. 0 cidadko ateniense adquiriu sua condicio civica em virtude de suaparticipacao no demo, uma unidade geografica geralmente baseada nas aldeiasexistences. 0 estabelecimento do demo por Clistenes coma unidade constituinteda p6lis representou essencialmente a fundacao da democracia. Ele criou umaidentidade civica que abstraia as diferencas de nascimento, uma identidade co-mum a aristocracia e demos simbolizada pela adocio de uma demotikon pelosciciadlos atenienses, urn nome local, distinto do patronimico (embora nunca osubstituisse, especialmente no caso da aristocracia). Mas, o que foi ainda maisfundamental, as reformas de Clistenes "politizaram o campo atico e nele enraiza-

181

C

perdas sem lembras,co da esfexa politicimportancia da ciddominiototalment.vantagem puramegdi co. A desvalorizaatributo essencial 4liberal de representTOimal comonacia:indivfduo de urn]hie al.rarquias norm

— e indesculi-Pocie-se agora a

dao individual c aaquela "comunidaconflito corn a asplo bastante para insilearatfal_mte . naPara negar ou disfaou deslegitimar, cmentre os niveis do

na cornynac.ao politica crapparte a uma comaNas democracies_ida desigualdade pelos cidadios pas

Mais uma vez„Erguida sobre a fwAristOteles chamosmunidade real" tintangiveis da cidadcivica e as realidadquanto no Estadocomum corn a alaistatus socioeconimcoma desigualdad,profunda entre asdiferentes entre as

Na antiga deale a democracia...",

to Sohre a nacio coma 'co.

DEMOCRACL comas CAPITALISMO

ram uma identidade democratica" 7. Representaram, em outras palavras, a incur-poracao da aldeia no Estado, e do campones na comunidade civica, Q corolarioecon6mico dessa condicio politica foi para os camponeses urn grau exceptional deliberdade de cobrancas "extra-econOmicas" sob a forma de rendas ou impostosg.

0 campones medieval, em comparaelo, foi definitivamente excluldo do Esta-do e correspondentemente mais sujeito 3 extracio extra-econOmica de mais-valia.As instituiCoes e solidariedades da comunidade aldea tinham condicOes de the ofe-recer certo grau de protecilo contra os proprietarios e o Estado (embora rambernpudessem servir como meio de con trole por parte dos senhores como, por exem-plo, nos tribunals senhoriais), mas o Estado propriamente dito era ausenre, reservaexclusiva dos senhores feudais. E, medida que a "parcelizacao da soberania" abriucaminho a Estados mais centralizados, a exdusividade dessa esfera politica sobrevi-veu na nacao politicamente privilegiada9. Por fim, a medida que as relacäes feudaisse rendiam ao capitalismo, especificamente na Inglaterra, perdeu-se ate mesmo amediacao da comunidade aldea que se havia colocado entre camponés e senhor. 0individuo e sua propriedade foram separados da comunidade a medida que a pro-ducio fugia cada vez mais ao controle comunitario, fosse por meio dos tribunaissenhoriais ou das comunidades a/deas (o exemplo mais evidence desse processo e asubstituicao do sistema ingles dP campo aberto pelo cercamento); direitos de possereconhecidos por costume se transformaram em arrendamentos econOmicos regu-lados pelas press6es competitivas impessoais do mercado; pequenos proprietariosperderam os direitos costumeiros de use da terra comum; foram expulsos em rit-mo crescenre, quer pelo despejo por conic), quer pelas press6es econOmicas dacompeticio. A posse da terra passou a se concentrar, o campesinato cedeu espacopara, de um lado, os grandes propriedrios, de outro, os trabalhadores sem proprie-dade. Ao final, completou-se a "libertacio" do individuo, a medida que o capitalis-mo, coal sua indiferenca caracteristica pelas identidades "extra-econOmicas" damulticlio trabalhadora, dissipou os atributos normativos e as diferencas "extra-econ6micas" no solvente do mercado de trabalho, em que individuos se transfor-mam em unidades intercambiaveis de trabaiho abstraidas de qualquer identidadesocial ou pessoal especifica.

Foi como urn agregado desses individuos isolados, sem propriedade rouba-dos das solidariedades comunitirias, que a "multidlotrabalhadora" finalmenteentrou para a comunidade de cidadios. Evidentemente, a dissolucio de identida-des normativas tradicionais e de desigualdades juridicas representou um avanco_para esses individuos agora "livres e iguais"; e a aquishiao da cidadania conferiu ades novos poderes, direitos e privilegios. Mas nio se pode medir seus ganhos e suas

7 0SBORNE, Robin. Dews.• The Discovery of accuied Anika, Cambridge, 1985, p. 189."Para mais dados sobrc cues questdes, vet meu Peasant-Citizen and Stave: The horadatiom ofilthenian Democracy, Londres,1988. p. 101-7.9 Para urns discussSo da relaclo entre camponeseu. senhores e Estado no Europa medieval e no inkio da moderns, vetBRENNER, Robert. "The Agrarian Roots of European Capitalism'. In: The Brenner Debate: Agrarian Clan Strseaure andEconomic Development ;11 Pre-Imlunrial Europe, Cambridge: T. H. Aston e C. H. E. Philips, (eds.), 1985, p. 213-327.

182

r,

C'

0 DEMOS VERSUeN6S, 0 POVO": DAS ANTIGAS AS MODERNAS CONCEIVES DE CSDADANIA

perdas sem lembrar que o pressuposto histdrico de sua cidadania foi a desvaloriza-igo da esfera politica, a nova relacfio entre "econOmico" e "politico" que reduziu aimportancia da cidadania e transferiu alguns de seus poderes exclusivos para odominio totalmente econtimico da propriedade privada e do mercado, em que avantagem puramente econennica toma o lugar do privilegio e do monopOlio juri-dico. A clesvakarizsa ao da cidadania decorrente das relacoes sociais capitalistas atributo essential da democracia moderna. Por essa razfio, a tendencia da doutrinaliberal de representar os desenvolvimentos hisTSircTs que prodairam a cidadania

formal Co--modi gem de uma enfase na liberdade do indivfduo — a libertacao doindivfcluo de urn Estado arbitrario, bem como das restricOes da tradicio e dashierarquias normativas, da represslo comunitaria ou das exigencias da virtudec_ivica — e indesculpavelmente tendenciosa.

Pode-se agora avaliar os efeitos ideo/Ogicos da relacfio moderna entre o cida-dio individual e a comunidade civica ou nardo, sem considerar ate que pontoaquela "comunidade imaginada" nio passa de fit*, uma abstracio mitica, emconflito corn a experiencia da vida diaria do nacao_____o bastante • ara ins . irar in • • mo ' mas 6 ' io

erar ate. ue onto essa abstra o a ca az de servir como instrume tsEazegar ou disfariar a weriencia mais imediata dos cidadios, para desagregar

entre os niveis do individuo e da naclo, tais como as que se forlorn no local de

tribalho. na comunidade local ou na experiencia comum de classy., Quando anacfio politica era privilegiada e exclusive, a "comunidade" correspondia em grandepane a uma comunidade real de interesses no meio da aristocracia proprietaria.Nas democracias modernas, em aa ue a comunidade civica une os dois extremosda desigualdade social e de interesses conflitantes, o "bem comum" partilhadopelos ciciadios passa a ser uma nocao muito mais tenue e abstrata.

Mais uma vez, nesse caso o contraste com a democracia antiga e assustador.Erguida sobre a fundacan do demo, a pais democratica foi construida sobre o queAristOteles chamou de comunidade natural na Etica ao Niamano. Que essa "co-munidade real" tinha implicac6es politicas reais a sugerido pelas conseqiienciastangiveis da cidadania camponesa. Tambem a contradicão entre a comunidadecivica e as realidades da vida social nfio era tao grande na democracia ateniensequanto no Estado democratic° moderno. A democracia liberal_modernas.e.m emcomum corn a antiga democracia grega a dissociacio entre a identidade civica e ostatus socioeconOmico que permite a coexisrencia da igualdade politica formalcorn a desigualdade de classe. Mas essa semelhanca disfarca uma diferenca maisprofunda entre as duas formal de democracia, refletindo relaciies radicalmentediferentes entre os pianos "politico" e "social" ou "econSmico" nos dois casos.

Na antiga democracia ateniense, como ja demonstrei no capitulo "0 trabalhoe a democracia...", o direito a cidadania nit) era determinado pela condicio so-

$II • it a 11•

ou desle • itimar, ou no minim.) des • olit' as s • des colocam

la Sobre a nacio coma "comunidade imaginada", ver ANDERSON. Benedict. Imagined Communities, LOSKIICS. 1983-

183

Foi aqui quipoderiam ter aprodami-lo caopcio. Apesarmocratas teremuma democratsTamb6n aqui avernada; e quauma nacao polla propriedade -urn status j uridipoliticas das colnado os enfeitarias e em modromaramnou na revolugl

Portanto,preservat_o_qmguias crescentavo. Hoje, mail qtinha profundaopressao dos aindigenas. 0_qcontidos na idEstores Os criatcao de urn conklimitariam, o pcorpo exclualymas excludentepassivo, cujos

0 ideal fediriqueza e virtu)minancia apespi-le Lida cora_federalistasque disfarcassecratas vitoriostdefinicao de dingrsdiente ess

imitadas por

" Para uma &sands.in America", Hirtery

Constituisio. e que Is

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

cioecon6mica; mas o poder de apropriacio e as relacoes entre as classes cram dire-tamente afetados pela cidadania democratica. Na Atenas dernocratica, cidadaniasignificava que os pequenos produtores, em particular os camponeses, exam erngrande parte livres da exploracao "extra-econOmica". Sua participaiplo politica —na assembliia, nos tribunals e nas ruas — limitava a exploracio politica. Ao mesmotempo, ao contrario dos t-abalhadores no capitalismo, des ainda nao estavamsujeitos Is pressoes puramente "econ6micas" da falta de propriedade. As liberda-des politica e economics cram insepariveis — a liberdade dupla do demos em seusignificado simultaneo de condicao politica e de classe social, o homem comumou o pobre; aopassaque a igualdade politica nao apenas coexistia corn a desigual-dade socioecon6mica, mas a modificava substancialmente. Neste sentido, a de-mocracia em Atenas nao era apenas formal, mas substantiva.

Na democracia capitalista, a separacio entre a condicao civica e a Rola:2 declasse opera nas duns direcOes: a posicio socioeconOmica nao determine o direito

cidadania — e r isso o democratic° na democracia capitalista mas, comp opoder do_capitarsa de apropriar-seao trabalho exceTentedos trabalhadores naodepende de condicao juridica ou civil privilegiada, a igualdade civil nao afetatamente nem modifica significativamente a desigualdade de classe — e E isso limits a democracia no capitalismo. As relac.Oes de classe entre capital e trabalhopodem sobreviver ar mesmo a igualdade juridica e ao sufragio universal. Nestesentido, aigualdade politica na democracia capitalists nao somente coexiste corna desigualdade socioecon6mica, mas a deixa fiuidamentalmente intacta.

A REDEFINICAO AMERICANA DE DEMOCRACIA

Entao o capitalismo tornou possivel conceber uma "democracia formal",uma forma de igualdade civil coexistente corn a desigualdade social e capaz dedeixar intocadas as relacOes econ6micas entre a "elite" e a "multidio trabalha-dora". Encretanto, a possibilidade conceitual de uma "democracia formal" naofez dela uma realidade histOrica. Houve muitas lutas arduas antes que o "povo"passasse a incluir a multid:o trabalhadora, isso sem mencionar as mulheres.urn fato curioso que nas ideologias dominantes da cultura politica anglo-ame-ricana essas lutas nao tenham atingido a condicao de marcos na histOria dademocracia. Pelos cbnones do liberalism° de lingua inglesa, a principal estradaque conduz I democracia moderna passa por Roma, pela Magna Carta, pelaPeticao de Direito e pela Revoluclo Gloriosa, passando ao largo de Atenas, dosLevellers, Diggers e do cartismo n. Tambdm nao se trata de o registro histOricopertencer aos vitoriosos; pois se é 1688, e nao os Levellers ou Diggers, quernrepresenta os vitoriosos nao seria de esperar que a histdria registrasse seu a de-mocracia o lado derrotado?

r levellers Grupo de reformadores politicos que pmpunha o nivelamento das classes na sociedade ingleade reformadores do sticulo XVII que protestava contra a cerement° das terns comunitkias. Digger sé o pi.gre'M GquC revoiseruCu

po

trabalha a tem, a ests era a sua forma de manifestacio. Carnsm. o: Grupo politico do aculo XIX qua propunha melhoresoondiseses de trabalho a vide pan os openitios.

184

t14-- /4 I I/ I I*Y..•II^"^"IP'"'t■

0 DEMOS VERSUS -NOS, o povo": DAS ANTICAS AS MODERN'S coNcEpCOES Da CIDADANIA

Foi aqui que a experiencia americana mostrou ser decisiva. Os whigs inglesespoderiam ter se contentado corn a celebracao do avanco do Parlamento semprodarni-lo como uma vit6ria da democracia. Os americanos nit) tinham essa

opcsao. Apesar de, na luta para determinar a forma da nova reptiblica, os antide-mocratas terem sido vitoriosos, no momento mesmo da fundacao o impulso parauma democracia de massa ja era forte demais para que tal vitOria fosse completa.Tambem aqui a ideologia dominance separou a elite governante da multiclao go-vernada; e quern sabe os federalistas tivessem desejado, se cal fosse possivel, criaruma nacao politica exclusiva, uma aristocracia de cidadlos proprietaries, em que

a propriedade e especificamen te a propriedade da terra — permanecesse como

urn status juridic° e politico-milit ar privilegiado. Mas as realidades econOmicas e

politicas das colênias ja haviam excluido essa °Kat). A propriedade havia abando-

nado os enfeites extra-econ6mi cos numa economia bascada na troca de mercado-rias e em modos puramente "econOrnicos" de apropriacio, que solaparam etomaram direitos da multidao trabaihadora. E a experiencia colonial que culmi-

nou na revoluc.ao havia criado uma populacio politicamente ativa.Portant°, os federa_listas tinham pela frente uma tarefa sem precedences, a de

preseryar o que fosse possivel da divisio entre massa e elite no context° de Iran-

quias crescentemente democraticas e de urn corpo de cidadaos cada vez mais ati-

vo. Hoje, mais que at6 algum tempo arras, reconhece-s e que a democracia americana

tinha profundos defeitos ern suas bases por aceitar a exclusao das mulheres, aopressao dos escravos e o colonialism° genocida dirigido contra as populaciSesindigenas. 0 que talvez nao seja tao evidence sao os principios antidemocraticosconudos na id6ra de cidadania democratica tal como definida pelos "Pais Funda-.

_dotes". Os criadores da constituicao Sc engajaram na primeira experiencia de cria-_

cao de urn conjunto de instituicóes politicas que corporificariam, e simultaneamentelimitariam, o poder popular, num contexto em que ja nao era possivel manter umcorpo exclusive de cidadaos. Onde ja nao existia a °Ka° de uma cidadania ativa,

-mas exdudente, terra sido necessario criar um corpo de cidadaos inclusive, porempassivo, cujos poderes tivessem alcance limitado. .-

0 ideal federalista pode ter sido a criacao de un-,a aristocracia que combinasseriqueza e virtude republicana (um ideal que inevitavelmente cederia espaco a do-

minancia apenas da riqueza); mas a tarefa pratica era manter uma oligarquia pro-__p_rietaria corn o apoio eleitoral da multidio popular. Isso_tambem exigiu dosfederalistas uma ideologia, e, especificamente, uma redefinicao de democracia,que disfarcasse as ambiguidades de seu projeto oligirquico. Foram os antidemo- ,

crams vitoriosos nos Estados Unidos que ofereceram ao mundo moderno a suadefinicao de democracia, uma definicao em que a diluicio do poder popular 6

-

ingrediente essential. Se as instituicOes politicas americanas nit) chegaram a ser •

imitadas por coda parte, a experiencia americana deixou urn 'egad° universain.

la Para uma discussio esclarecedora desse modclo e de suas implicacews, ver MANICAS. Peter. "The Foreclosure of Democracy

iAmn eric Hiqu esuny Though4 9(1), 1988, p. 137-60. Soble os federalistas no context° dos debates cm torno da

Constituicrio, que levaram a ela, ver WOOD, Gordon S. The Creation of Anialcan Republic, 1776-1787, Nova York, 1972.

185

Drs. OCRACIA CONTRA CAPITALISNICI

No capitulo anterior, citei uma passagem do Prordgoras de Plata° reference apratica ateniense de permitir a sapateiros a ferreiros, canto aos ricos como aos pobres,emirir julgamentos politicos. Essa passagem, que expressa o principio da isegoria,nao somente a liberdade, mas tambem a igualdade de fala, identifica claramenre aesséncia da democracia ateniense. Aqui, para efeito de comparacao, reproduzouma citacao de Alexander Hamilton do Federalist re 35:

A ideia da represenraclio real de codas as classes de pessoas por pessoas de sodas as classes6 absoluramenre visionaria. (...) Mednicos e manufatureiros, corn poucas excepies,sempre se inclinarlo a dar votos para os comerciantes de preferencia a pessoas de suaprcipria profissio (...) eles sabem que, por major que seja a confianca que tenham cmseu próprio horn senso, sous inreresses sao mais eficientemente promovidos pelos co-merciantes do que par si mesmos. Eles sabem que seus habitos na vida nao !hes oferc-cem esscs dons adquiridos tern os quais, numa assembleia deliberativa, as maioreshahilidades naturals sic, em geral inticeis. (...) Devemos portant ° considerar as corner-ciances como os representantes naturals de codas essas classes da comunidade.

Algumas das diferencas mais essenciais entre a democracia antiga e a modernaesta() muito bem resumidas nessas duas citaciies. Alexander Hamilton enuncia oprincipio do que chama de "democracia representativa", uma ideia sem precedencehistbrico no mundo anrigo, uma inovagio americana. E vela os sapaceiros c ferrei-ros sic representados por seus superiores socials, 0 que esta em discussao nessacomparacao nao E simplesmente a distinclo convencional entre as democraciasdireta e representativa. Ha outras diferencas ainda mais fundamentais de princfpioentre as duas concepvies de democracia contidas nessas duas citaciies.

0 conceito de isegoria E certamente o conceito mais caracteristico associadodemocracia ateniense, o one mais se distancia de qualquer analogo na democracialiberal moderna — inclusive da ideia que dele mais se aproxirna, o conceito modernode liberdade de palavra. Alexander Hamilton era evidentemente um advogado daliberdade da palavra no sentido liberal democratico modern, associado a protecaodo direito dos cidadios de se expressarem sem interferéncias, especialmente as doEstado. Mas nao existe na concepcio de Hamilton incompatibilidade entre defenderas liberdades civis, e entre elas a liberdade de expressio a uma das mais importances,e a visa° de que no domfnio politico o comerciante rico e o representante natural dosartesaos humildes. 0 homem de propriedade responde politicamente pelo sapateiroe pelo ferreiro. Evidentemente, Hamilton nao propOe silenciar essas vozes populares.Nem pretende romar delas o direito de escolher seus preprios representantes. Aindaque corn terra relutancia, de se sente obrigado a aceitar uma franquia democraticamuito ampla e socialmente inclusiva. Mas, cal como outros antidemocratas anrerio-res a de, Hamilton parte de certas premissas relativas a representacio segundo asquais a multiclio trabalhadora, assim como as "pessoas inferiores" de Sir ThomasSmith, deve buscar em seus superiores sociais a sua prOpria voz politica.

Essas premissas devem tambem sec colocadas no context° da visa° federalismde que a representacao nao E urn meio de implantar, mas urn meio de evitar, ou depelo menos contornar parcialmente, a democracia. Os federalistas afirmavam nao

186

que a representsrio, que uma grae quanto menordistancia entre eefeito da represcfiltro de urn coqmente preferiveldo bem comumproporcao menuseria escolhido pter o efeito de wclo — especialme

13 nos aeonsmos a esquecerelasignificou_u_cratico passayade seus componisua transferencias

A alienac* •cracia que ate eque as democnsfaziam parte dalinear a forma atos dos principsa inclusao datendia a favorsfossem menos sieleicao no casopara cargos finstar de strategosrpor medidas re'claramente peneram dotados dpolfticas gerais.pos, uma pratictamanho do Estselecao que se odemos 6 politics

repriblicacia em que a teanao somente.prOpna essOnalinventado a re'uma ideia cons

(.r •

0 DEMOS VERSUS"NOS, 0 POVO": DAS ANTICIAS As MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

que a representacio era necessaria a uma grande reptiblica, mas, pelo contra-rio, que uma grande repiiblica 6 desejavel por tornar necessaria tal representacao –e quanto menor a proporcio entre representantes e representados, quanto major adistancia entre eles, unto melhor. Como afirmou Madison no Federalist 10, oefeito da representacao 6 "redefinir e ampliar as visties petblicas, passando-as pelofiltro de urn corpo de cidadlos escolhidos (...)". E uma repdblica extensa 6 clara-mente preferivel a uma pequena, "mais favoravel a eleicao dos melhores guardilesdo bem comum", corn base em "duas consideracOes Obvias": que haveria umaproporclo menor entre representantes a representados, e que cada representanteseria escolhido por urn eleitorado maior. Em outras palavras, a representacao deveter o efeito de um filtro. Sob esses aspectos, a concepcao federalista de representa-car) especialmente a de Hamilton – e a prOpria antftese da isegoria.

ja nos acostumamos unto a formula "democracia representativa" que tende-mos a—esqueir- a novidade da ideia americana. Pelo menos ern sua forma federalista,eta sig_nificokkque algo at entao percebido como a antftese do autogoverno demo-_

critic° p_assava a ser nit) apenas compativel corn a democracia, mas tambem urnde seus componentes: nio o exercicio do poder politico, mas rentincia a este poder,

sua transferencia a outros, sua alienactio.A alienacio do poder politico era tab estranha a concepcao grega de demo-

cracia que ate mesmo uma eleicao poderia ser vista como pratica oligarquica,que as democracias poderiam adotar para alguns fins especificos, mas quefaziam parte da essencia da constituicio democratica. Assim, AristOteles, ao de-linear a forma como se poderia construir uma constituiclo "mista" corn elemen-tos dos principais tipos constitucionais, como oligarquia ou democracia, sugerea inclusio da eleicao como caracterfstica oligarquica. Era oligarquica porquetendia a favorecer os gnorimoi, os notaveis, os ricos e bem-nascidos, que talvezfossem menos simpaticos a democracia. Os atenienses poderiam se valer de umaeleicao no caso de functies que exigissem competencia tecnica, principalmentepara cargos financeiros ou militates mais importantes (tais como a fungi() mili-tar de strategos para a qual Pericles foi eleito); mas essas funcOes cram protegidaspor medidas restritivas que garantiam a responsabilizaclo do ocupante, e cramclaramente percebidas como excecOes a regra segundo a qual todos os cidadioseram dotados do tipo de sabedoria politica necessaria ao exercicio de funcOespolfticas gerais. 0 metodo quintessential da democracia era a selecao por gru-pos, uma pratica que, apesar de reconhecer as restricties praticas impostas pelotamanho do Estado e pelo mimero de seus cidadaos, corporifica um criterio deselecao que se opCie em principio alienacio da cidadania e a premissa de que odemos 6 politicamente incompetente.

A reptIblica americana estabeleceu firmemente uma definicao de democra-cia ern ue a trans erencialer resentantes do povo' constituitinit) somente uma concessao necessaria ao tamanho e a complexidade, mas a prOpria essencia da democracia em si. Os americanos entio, a esar de nao term

invents 0 a podem rece er o credito pelo estabeleciment o deuma ideia constitutiva essential da democracia moderna: a identificacao desta

187

DEMOCRACIA CONTRA c.ArrrAusmo

con.Lagier-4,sAQ4.sacr„ Mas a questa° critica aqui nä° simplesmente asubstituicao da democracia direta pela representativa. Sem detvida, ha muitasrazOes que justificam a aceitacao da representacio ace mesmo pelo mais demo-cratic° dos Estados. Pelo contrario, o que se discute sic) as premissas sobre asquais se baseou a concepcio federalista de representacio. Os "Pais Fundadores"nao somente concebiam a representacio como uma forma de distanciar o povoda politica, mas advogavam-na pela mesma razio que justificava as suspeitas dosatenienses contra as eleic6es: por ela favorecer as classes proprietarias. A "demo-cracia representativa", tal como uma das misturas de AristOteles, e a democraciacivilizada corn urn toque de oligarquia.

UM "POND" SEM CONTEODO SOCIAL

0 argumento federalista, baseado na coneepesio de que o "bent ptiblico" estimais longe, e nao mais perto, da vontade dos cidadios, exibe urn conceito muitoparticular de cidadania que contrasra nitidamente corn a ideia ateniense. A modernaconeeperlo americana de cidadania talvez seja mais inclusiva e universalista do que aateniense, mais indiferente as particularidades de parentesco, laces de sangue ouetnia. Sob esse aspecto, ela lembra mais a cidadania romana do que a ateniense. Masse a cidadania americana tern mais em comum corn a identidade c.ivica romans doque corn a grega, na sua universalidade, na capacidade de extend() aos "estrangei-ros", ela talvez tenha, sob esse aspecto, mais alguma coisa em comum corn Roma(nao apenas a republicana, mas tambem a imperial), ou seja, uma discancia majorentre o "povo" e a esfera da Ka° politica, uma ligacao menos imediata entre cidada-nia e participacao polftica_Nos Estados Unidos, assim como em Roma, a cidadaniatalvez seja ma is expansiva e inclusiva do que a cidadania democratica de Atenas, maspode tambem ser mais abstrata e mais passiva.

Sea intencio dos "Pais Fundadores" era criar esse tipo de cidadania passiva, oupelo menos temperar o ativismo civico da cultura revolucionaria, ela difere dacidadania ateniense em mais urn aspecto. ja se disse que, tanto no caso americanoquanto no atcniense, a emerg'incia da democracia resultou entre outras coisas, de•"uma cultura democratica preexistence" fora do espaco politico, dos habitos igua-litarios na "sociedade 0 ato de "fundacio" de Clistenes terra tido o efeitode institucionalizar essa cultura democritica preexistente. Mas, se isso a verdade,entio a Constituisio dos Estados Unidos se relation de uma forma mulct) dife-rente corn essa cultura democratica preexistente.

Os fundadores da Conscituicao americana se viam diante nao apenas de umacultura democritica, mas tambem de instituicties democraticas bastante desen-volvidas; e estavam no minim tao preocupados em canter plant° em enraizar oshabitos dernocraticos que haviam se estabelecido na America colonial e revolucio-naria, nao somente na "sociedade civil", mas tarnbem na esfera politica, desde as

13 Ver CONNER, W. R. "Festival and Democracy". an: Demecrary Ancient end Modern, Charles Hedrick e Josiah Ober(eds.) (nio publicado. 1994).

reunieirparte pnao sot

feitomudar

Dizram coatacachfOrmulsoberarpararepresedistantA invorapenasdando-tuicOesimperil

Maida doupelos cineos paapoio atransfer0 "povcomunprivadcEm cormunichjam anuma co

Nasformatdemocrliar a cccia exigdemonsido abcao bas

14 sobre

"V= 0.ST

188

111-1 111-1.1

0 DEMOS VERSUS 'Nos, o rove': DAS ANTIGAS AS MODESNAS CONCEPCOES DE CIDADAMA

reunifies municipais at6 as assembl6ias representativas. Esse desejo se realizou empart pelo aumento da distancia entre identidade civica e nä() no espaco —

nao somente pela interposicio do filtro da representacio entre o cidadao e a esferapolitica, mas por meio de um deslocamento geografico real. Onde Clistenes tinha

feito do demo local a base da cidadania ateniense, os federalistas se esforcaram paramudar o foco da politica da localidade para o centro federal.

Diz muito do significado de cidadania e de soberania pelmlar tal como fo-ram concebidas pelos Pais Fundadores o fato de alguns antifederalista s terem

atacado as implicaceies antidemocricica s da constituicao proposta, rejeitando as

formula "N6s, o povo (...) " 14 . Essa formula, aparentemente o apelo mais clarosoberania popular, parecia aos criticos, ao contrario, uma receita de despotismopara urn extenso imp6rio governado do centro por urn Estado tiranico e nao-representativo. Para esses criticos, a formula mais democratica, que reduzia athstancia entre o povo e o dominio da politica, teria sido "Nos, os Estados (...)".

A invocacao do "povo" pelos federalistas foi, de acordo corn esses antifederalistas,apenas urn meio de transferir a verdadeira soberania para o govern() federal,dando-Ihe o selo de soberania popular, enquanto na verdade contornava insti-tuicOes mais diretamente responsaveis perante o povo, transforman do assim em

imperial o governo republicano.Mais tarde, os americanos descobririam as possibilidades antidemocraticas

da doutrina dos "direitos dos Estados", que nio podiam ter sido previstas nempelos criticos nem pelos advogados da Constituicao; mas para seus contempori-neos parecia claro que os federalistas estavam invocando a soberania popular emapoio a urn esforco para afastar o povo da politica e para redefinir a cidadania,transferindo o equilibrio do ativismo republicano para a passividade imperial.0 "povo" ja nao era definido, tal como o fora no demo ateniense, como uma

comunidade ativa de cidadaos, mas como uma colecio desagregada de cidadlosprivados cujo aspecto p6blico era representado por urn Estado central distante.Em comparacao corn essa nocao antiga de cidadania como participacdo na co-

munidade politica., at6 mesmo o conceito de direitos individuais, que talvez se-

jam a maior prova de superioridade da democracia modern.. sobre a antiga, trazuma conotacao de passividade'5.

Nas maos dos federalistas, o "povo" foi submetido a outra importance trans-forma*, que mais uma vez afasta sua concepcao de democracia dos principios

democraticos corporificados na ideia de isegoria. A pr6pria possibilidade de conci-

liar a concepcao particular de representacio de Hamilton corn a id6ia de democra-cia exigiu uma importance inovaclo que ainda hoje 6 pane de nossa definicao dedemocracia. 0 pr6prio conceito de "democracia representativa" dificilmente teriasido absorvido pelos atenienses, mas posso imaginar concepOes de representa-

cao baseadas em premissas mais democraticas que as de Hamilton (como as de

I ' Sabre essa questa°, ver WOOD. G. Oration. p. 526-7.

I5 Ver OSWALD, Martin. "Shoes and Rigins:Grizerahip' Greek and American Style. em

Democracy, Hedridc e Ober (eds.).

189

DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

Tom Paine). 0 mais importance nesse caso 6 o faro de a concepcio de Hamil-ton ter exigido um esvaziamento completo de todo contaido social do concei-to de democracia e urn conceito politico de povo de que foram suprimidas asconotaoes socials.

Consideremos, em comparacao, a definicao clissica de democracia de AristOtelescomo uma constituicao em que os "homens livres e os pobres controlam o gover-no — sendo ao mesmo tempo a maioria" (Politica 1290b), ern vez de uma oligar-quia em que "os ricos e os mais bem-nascidos controlam o govern ° — sendo aomesmo tempo a minoria". Os crit6rios sociais — pobreza num caso, riqueza e ber-co no outro — desempen.ham urn papel central nessas definioies. De faro, elas saomais importances que o crit6rio num6rico. Arist6teles enfatiza que a verdadeiradifereno entre democracia e oligarquia 6 a diferenca entre pobreza e riqueza(1279b), de forma que a Ohs seria democratica mesmo que, caso improvivel,seus governantes pobres fossem ao mesmo tempo uma minoria.

Na descrioo da pOlis ideal, AristOreles propoe uma distincao social maisespecifica, que talvez seja ainda mais decisiva que a divisio entre ricos c pobres(Politica 1238a-1329a). Na pas, sugere de, como ern todo conaplexo natural,

uma difereno entre os elementos que sao partes integrantes e os que saocondigOes necessarias. Estes tiltimos servem apenas aos primeiros e nao devemser vistos como partes organicas do todo. Na pOlis, as "condicOes" sao pessoas,sejam elas livres ou escravas, que trabalham para suprir as necessidades da co-munidade, ao passo que as "partes" sao os homens de propriedade. A categoriade pessoas "necessarias" — que nao podem ser partes organicas, ou cidadaos, dapOlis ideal — inclui os barmmoi, aqueles que se dedicam as artes e aos oficios"humildes e mecanicos", bern como outros — entre eks os pequenos agricultores —que precisam trabalhar para viver e nao rem lazer (nem liberdade de espirito?)para "produzir a bondade" nem para se engajar na politica. Essa talvez sejaa linha divisdria critica entre oligarcas e democratas: se as pessoas necessarias. devem ou nao ser incluidas no corpo de cidadaos. .

As distinceies socials estabelecidas pelos antidemocratas gregos — entre as partese condiVies da pas, ou entre os necessarios e as pessoas boas e dignas, kaloikagathoi ou ehrestoi tambem definiram a concepOo antidemocratica de liber-dade, por oposicao ao ideal constitutional democratic° de liberdade, eleutheria.Os criticos da democracia poderiam recusar completamenre o conceit° deeleutheria, identificando-a corn a licenciosidade e a desordem social; mas foi essaapenas uma das estrategias adotadas pelos oligarcas e pelos oponentes filosOficosda democracia. Outra foi a redefinicao de eleutheria para excluir os trabalhado-res, artesios e comerciantes que nä° cram escravos. AristOteles na Retch-I-at (1376a),por exemplo, define o eleutheros como urn cavalheiro que nao wive para os ou-tros, nem a servico de outros porque nao pratica uma atividade sOrdida e humil-de — razio por que, segundo de, cabelos longos em Esparta sao um simbolo desenhorio, a marca do homem livre, pois ( estranhamente observa AristOteles) édificif realizar trabalho manual quando se tern o cabelo comprido. E o que detern a dizer na Politica a respeito do Estado ideal sugere, entre outras coisas, que

190

essa distincao -entre cavalhenter implicacemque atendemmerciantes — n

Esse tip° dPlata°, para triteravel para aqualquer um qas artes "contraexemplo, 0 traAssim, cantoservilismo, atemens livres etrabalho e os 4

A definiciasob restriceestro; que vivia 4

e nimulos andva canto de pimente o useforma comocado atribuidtcia, nem messpodiam se cosoferta—edayo artesio ou anicao estendisdemocrata, dpara Plata° e.polis praticivsem mencion

Isso nä° qvenciona.1.0jcar, e talvez todemos no seuratio, como PArno per!por potwas-1nä° fosse trio

16 FINLEY, M. 1.

"Vu CARTLEDG

4

0 DEMOS VERSUS "NOS, 0 MHO": DAS ANTIGAS AS MODERNAS CONCEPCOE S DE C1DADANIA

essa distincao nao a distinclo entre homens livres e escravos, mas a que existe

entre cavalheiros e banausoi, bem como outras pessoas "necessirias" — deveriater implicacOes outras alem das politicas e constitucionais. Nesse caso, todos osque atendem as necessidades bisicas da comunidade fazendeiros, artesaos, co-merciantes — nao podem ser considerados cidadios.

Esse tipo de distinclo entre liberdade e servilismo 6 ainda mais enfitica emPlata°, para quem a escravidio as necessidades materiais 6 desqualificaci o inal-

terivel para a pritica da politica. Em o Estadista (289c e segs.), por exemplo,qualquer urn que forneca bens e servicos necessirios, qualquer urn que pratiqueas artes "contribuintes", 6 basicamente servil e incapaz para a arte politica — porexemplo, o trabalho na agricultura so deveria ser feito por escravos estrangeiros.Assim, tanto para Plata° quanto para Arist6teles, a distinclo entre liberdade e

servilismo, douleia, corresponderia nao apenas a diferenca jurfdica entre ho-mens livres e escravos, mas a diferenca entre os que sao livres da necessidade detrabalho c os que sao obrigados a trabalhar para viver.

A definicao de M. I. Finley de que "homem livre era alguem que nao viviasob restricOes impostas por outro, nem estava empregado em beneficio de ou-tro; que vivia de preferencia no seu pedaco ancestral de terra, coal sews oratorios

e ttImulos ancestrais" 16 sugere que essa concepcio de eleutheria nao se distancia-

va tanto de pelo menos alguns usos mais convencionai s. Mas, se esse era real-

mente o use conventional, teria havido algumas diferencas significativa s entre a

forma como o cidadlo ateniense comum entendia suas irnplicacOe s e o signifl-

cado atribuido a ela por Platio ou AristOteles. Para estes oponentes da democra-cia, nem mesmo o artesio independente ou o pequeno agricultor, por exemplo,podiam se considerar livres nesse sentido, ji que sua sobrevivenci a dependia da

oferta — e da venda — de bens e servicos necessirios a outras pessoas. Duvido queo artesio ou o tampons ateniense estivessem preparados para aceitar essa defi-

nick) estendida de douleia, ainda que metafOrica. Mas o principal 6 que, para odemocrata, ela nao seria relevante para a definicio de cidadania, ao passo quepara Plata° e Arist6teles, pelo menos idealmente, ela o seria. Mesmo na melhor

Ohs praticivel de AristOteles, hi problemas referentes a cidadania do arteslo, , , • ,

o

sem mencionar o trabalhador assalariado.• (C''-1)

Isso nao quer dizer que a de miclo democracia de AristOteles fosse a con- •)e

vencional. 0 preprio conceito de demokratia pole ter tido origem antidemocri ti-

e talyez tenham sido os antidemocra tas os que definiriam democracia tomando

demos no seu sentido socia6 de classes inferiores ou pobres. Um democrata mode- c/:' 4'•

ratio, como Pericles, no definiria a constituicao ateniense como uma forma de

won° por classe, mas simplesmente como urn govern() por muitos em vez de

"por poucos. Entretanto, era crucial para a sua definicio que o conceito de classe

nao fosse criterio para as honras ptiblicas e a pobreza nao fosse obsticulo para a

(1',)1

16 FINLEY, M. I. Ancient Sknery and Modern hkakgy, Loares, 1980, p. 90.

17 Vet CARTLEDGE, Paul. "Comparative ly Equal. , em Dernaenny, Hedrick e Ober (eds.).

t

191

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

fungi() ptiblica. Para Pericles, assim como para Arisnateles, uma pOlis governadapor uma comunidade politica que nao induisse o demos em seu significado socialnao poderia ser qualificada de democracia".

Talvez Pericles, tal como AristOteles, nao tivesse definido democracia comoo govern() pelos pobres; mas era certamente o governo por muitos, inclusive ospobres. Mais que isso, era uma democracia exatamente porque a comunidadepolitica inclula os pobres. De fato, misturar os significados em que demos re-presentasse tanto as classes inferiores quanto o conjunto da comunidade politi-ca a sugestivo de uma cultura democratica. E.como se a categoria romana deplebs, corn todas as suas conotacOes socials, tivesse substituido a categoria populus —e nem mesmo assim se entenderiam as implicaceies democraticas do use grego,pois plebs, diferentemente de demos, nao pode ser identiticada corn os pobresnem corn as massas.

No contexto grego, c definicao politica de demos ji tinha urn significadosocial por ser deliberadamente oposta a exclusao das classes inferiores, dos sapa-teiros e ferreiros, da politica. Era uma afirmacao de democracia contra as defini-Oes antidemocraticas de pOlis e cidadania. Quando os federalistas, por sua vez,invocaram o povo como categoria politica, ilk) foi corn o objetivo de afirmar osdireitos dos "mecanicos" contra aqueles que gostariam de excluf-los da esferaptiblica. Pelo contrario, ha evidencias abundantes nas manifestacOes explicitasdos Wares federalistas de que seu objetivo — e o objetivo de muitas das medidasinduldas na Constituicao — era diluir o poder da multidio popular, principal-mente em defesa da propriedade. Para des, o "povo" era invocado a favor demenos e nä° mais principios democraticos.

Para os federalistas, o "povo" era, assim como para os gregos, uma categoriapolitica inclusiva; mas aqui a questa() da definicao politica era nao acentuar aigualdade politica dos nao-iguais sociais. A relacao se dava mais corn a enfase dopoder do govern() federal; e, caso o criterio de classe social nao fosse politicamenterelevante, nao seria apenas no sentido de que pobreza ou indefinicao de classe ciaofosse obsticulo ao acesso a fiinclo publics, mas no sentido especial de o equilibriode poder de classe nao representar urn criterio de democracia. Nao dcveria haverincompatibilidade entre democracia e governo pelos ricos. E nesse sentido que oscriterios sociais continuam ainda hoje a ser politicamente irrelevances; e que adefinicao moderna de democracia 6 to compativel corn o governo pelos ricosquanto o era no tempo de Alexander Hamilton.

Houve uma base estrutural oculta sob ess as diferencas na relacao entre os sig-nificados politico e social de "povo" tal como era entendido em Atenas e na Ame-rica pOs-revolucioniria. Os federalistas, independentemente de suas indinac5es,nao tinham mais a opcio, a disposicao das classes dominantes em outras partes, de

Is TUCIDIDES, The Peloponetian War II. 37. FE.d. bras,: Hiadria da poems do Peloponeso. Brasilia, UnB, 1982.]' 9As opinibes de Hamilton go razoavelmente clans, mas at o mais jeffersoniano Madison sentiu a necessidade de diluir ospuderes da multidsio popular para proteges a propriedade. Ver. por ezemplo. WOOD, G. Creation. p. 221, 410-11,503-4.

das a "povo_clusiva. A e(embora, pda naclonao havia emente peaAtenas nao

_aurgoa d"iesctoi nntc,

"Atica",Os pod

separavamde ja atingi,dico ou doGrandes selopresslo epassava a nela estava, a

A possildessa possildiferencasmoderno.cidadania,adulcomaneira at<democraciasobre as d<outras esfedurance ocontetido sciais na deltanto, tondemocraciaseu signifi<algo intein

Para osexpressamt_nomes senque, nas amocraciaoligarquiacionaria javinham faoutras par

192

E:un to t#Str

0 DEMOS VERSUS "NOS, 0 POVO" : DAS ANTICAS As MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

dar "povo" uma definicao limitada, como sinemimo de uma nacio politica ex-clusiva. A experiencia politica das colemias e da Revolucao tornava-o impossivel(embora, por definicao, mulheres e escravos estivessem evidentemente exclufdosda nacio politica). Mas ainda existia outra possibilidade para os americanos que 4nao havia existido para os gregos: deslocar a democracia para uma esfera pura-mente politica, distinta e separada da "sociedade ou seja, a "economia". EmAtenas nao havia essa divisao clara entre "Estado" e "sociedade civil", nao havia '-uma "economia" distinta e autanoma, nem mesmo o conceit° de Estado comoalso distinto da comunidade de cidadaos — nao havia o Estado de "Atenas" ou da"Arica", havia apenas os atenienses.

Os poderes e os direitos politicos e econOmicos, em outras palavras, nao seseparavam tao facilmente em Atenas como nos Estados Unidos, onde a proprieda-de ji atingira uma definicao puramente "econlimica", separada do privilegio juri-dic° ou do poder politico, e onde a "economia" estava adquirindo vida prOpria.Grandes segmentos de experiencia e atividade humanas e muitas variedades deopressao e indignidade nao foram tocadas pela igualdade politica. Se cidadaniapassava a ter precedencia sobre outras identidades sociais mais particularizadas,ela estava, ao mesmo tempo, tornando-se de muitas formas inconseqiiente.

A possibilidade de uma democracia esvaziada de conteildo social — e a ausénciadessa possibilidade na Grecia Antiga — esti, mais uma vez, relacionada as vastasdiferencas entre as rela95es de propriedade da Antiguidade grega e do capitalismomoderno. Ja sugeri que a estrutura social do capitalismo altera o significado decidadania, assim a universalidade dos direitos politicos — em particular, o sufragioadulto universal — deixa intactas as relacOes de propriedade e de poder de umamaneira ate end° desconhecida. Ir o capitalismo que torna possivel uma forma dedemocracia em que a igualdade formal de direitos politicos tern efeito minimosobre as desigualdades ou sobre as relaceies de dominacao e de exploraclo emoutras esferas. Esses desenvolvimentos avancaram bastante nos Estados Unidosdurance o seculo XVIII, possibilitando a redefinicao de democracia esvaziada deconteddo social, a invencao da "democracia formal", a supressao dos criterios so-ciais na definicao de democracia e na concepcao de liberdade associada a ela. Por-tanto, tornou-se possivel aos federalistas reivindicar o use da linguagem dademocracia, enquanto se dissociavam enfaticamente do governo pelo demos no

seu significado grego original. Pela primeira vez, "democracia" podia significaralgo inteiramente diferente do que significava para os gregos.-- Para os federalistas em particular, a antiga democracia era um modelo a ser

expre. ssamente evitado — o governo pela multiclao, a tirania da maioria, e outros!lopes semelhantes. Mas o que tornou interessante esse problema conceitual foique, nas condi95es da America pOs-revolucion iria, des tiveram de rejeitar a de-mocracia antiga nao em nome de urn ideal politico contririo, nao em nome daoligarquia, mas em nome da pr6pria democracia. A experiencia colonial e revolu-cionäria ji havia tornado impossfvel rejeitar simplesmente a democracia, como javinham fazendo desavergonhadamente as classes governantes c proprietirias emoutras panes. As realidades politicas dos Estados Unidos ji forcavam as pessoas a

193

DE.MCX:ILACLA CONTRA CAPITALISM°

fazer o que hoje se tornou conventional e universal, quando Codas as boas coisaspoliticos sko "democraticas" e tudo que nos desagrada na politica a antidemocratico:todos podiam se declarar democratas. 0 problema era entao construir uma con-cepcio de democracia que, por definicao, excluisse o modelo antigo.

Os debates constitucionais representam urn moment° histarico tinico, semparalelo que eu conheca que haja uma transicao visivel da acusacao a demo-cracia para a naturaliza9lo ret6rica da democracia para todos os fins politicos,inclusive os que teriam sido considerados antidemocraticos de acordo corn a defi-nicao antiga. Podemos mesmo observar o processo de redefinicio a medida queele avanca. Os federalistas alternam desde o estabelecimento de urn contrastenitido entre democracia e a forma republicana de governo que advogam at aadocio do nome "democracia representativa" para o seu modelo republican°. Essatransformacao ideolOgica ocorre nao apenas na esfera da teoria politica, mas tam-bem no simbolismo da nova reptiblica. Basta considerar o significado do apelo aossimbolos romanos — os pseudOnimos romanos adotados pelos federalistas, o nomedo Senado, e outros exemplos. E considerar a aguia romana como urn icone ame-ricano. Nao Arenas, mas Roma. Nao Pericles, mas Cicero como modelo a serseguido. Nao o governo pelo demos, mas SPQR, a "constituicio mista" do Sena-do e do povo romanos, o populus ou demos corn direitos de cidadania, mas go-vernados por uma aristocracia.

DA DEMOCRACIA AO LIBERALISM°

enc na,e seus defen-

os detratores,slanente o significado adnrado pdosue inventaram a .alavra: vemo lo demos, o".ovo", corn o Si' • • o

uplo • e status civic() e categoria social. Isso explica a ifamacio generalizada dademocracy pe as c asses ominantes. Desde entao ela se submeteu a uma trans-formacao que tornou posrivel aos seus inimigos de ontem abraci-la, oferecer a elaas mais altas expressOes de louvor em seu vocabulario politico. A redefini5ao ame-

; ricana foi decisiva; rnas nao foi o fim do processo, c seria necessirio mais de urnseculo para completa-lo. Na "democracia representativa", o govern() pelo povocontinuou a ser o principal criterio de democracia, ainda que o governo fosse fil-trado pela representacio controlada pela oligarquia, e povo foi esvaziado de con-teticlo social. No seculo seguinte, o conceito de democracia iria se distanciar aindamais de seu significado antigo e literal.

Nos Estados Unidos c na EurOpa, a questa° essential da composicio social e daincluslo do "povo" que tinha o direito de escolher seus representantes ainda nä°rinha sido resolvida, e continuou a ser urn terreno ferozmente disputado ate mea-dos do seculo XX. Poi necessario muito tempo, por exemplo, para os americanosremediarem a exclusio de mulheres e escravos na Grecia antiga, e as classes traba-lhadoras s6 obtiveram completa inclusao depois que se aboliram as tiltimas quail-ficacties de propriedade (e ainda assim permaneceram muitos instrumentos deexclusao dos pobres, especialmente os negros). Mas já na segunda metade do secu-

Are o Ultimo uarto do seculo XVI 0," • 110 I

o significado predominante de "democracia", tanto no vsores quanto nore OS

lo XIX est:"democrattornaram

e da poliOs irrq

vitavel da

Infelizngovern(a mediccorn qures quenapais?mais reprovaveeleitoraimplicanao-poInglesa&erapolitica

Em tercriticos nälidade dode uma lo

Comopria sulquest&corrupimal for

Essa escomo as cdemocraciestabelece:teorias revate mesmtincorporal

HOBSBAW.Rio de Janeiro,

HiRGUS01`22 HOBSBAW

194

•••■•••••

O nalOS VERSUS"NOS,1,1 POVO": DAS ANTICAS AS MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

to XIX estava suficientemente claro que a questa() estava se decidindo em favor da"democracia de massa"; e as vantagens ideolagicas da redefinicio de democracia setornaram cada vez mais evidentes corn o progresso da era da mobilizacao de massa— e da politica eleitoral de massa.

Os imperativos e restricbes impostos as classes dirigentes pelo crescimento ine-vitivel da democratizacao foram muito bem descritos por Eric Hobsbawm:

Infelizmente para o historiador, esses problemas [postos pela mobilizacao de massa agovernos e classes dominantesi desaparecem da cena de discussao aberta na Europa,a medida que a democratizacio crescente tornava impossivel debaté-las em pUblicocorn qualqtter grau de franqueza. Que candidato teria coragem de dizer a seus eleito-res que os considerava esuipidos e ignorantes demais para saber o que havia de melhorna politica e que suas exigencias eram absurdas por serem perigosas para o fururo dopais? Que estadista, cercado de repOrteres capazes de levar suas palavras a tavernamais remota, teria coragem de dizer o que realrnente estava pensando? Bismarckprovavelmente s6 se dirigiu a plateias de elite. Gladstone introduziu as campanhaseleitorais de massa na Inglaterra (e talvez na Europa) na campanha de 1879. Asimplicacoes esperadas da democracia nao poderiam mais ser discutidas, a nao ser pornao-politicos, corn a franqueza e o realismo dos debates que acompanharam a LeiInglesa de Reforma de 1867.A era da democratizacio transformou-se na era da hipocrisia, ou melhor, da duplicidade,politica piiblica e tamb6m esta na da satira politica.2°

Em tempos idos, democracia havia significado o que dizia, e ainda assim seuscriticos nao hesitaram em denunciar a estupidez, a ignorancia e a baixa confiabi-lidade do "rebanho comum". No seculo XVIII, Adam Ferguson falava ern nome

o de uma Tonga tradicio de antidemocratas quando perguntou:da Como se pode confiar a conduta das nagóes a alguem que confinou suas id6ias a pro-s- prig subsistencia ou preservacio? Tais homens, quando admitidos a deliberar sobre

ela questoes de Estado, trazem aos conselhos confusio e tumult°, ou end° servilismo ae- corrupclo; e raramente 6 possivel evitar faccOes ruinosas, ou os efeitos de resoluccies

Essa especie de transparencia ja nao era passive' no final do seculo XIX..Assimcomo as classes dominantes buscaram diversas maneiras de lirnitar na pratica ademocracia de massa, elan tambem adotaram estrat6gias ideolOgicas que visavamestabelecer limites para a democracia na teoria. E, assim coma "domesticaram" as

e da tearias revolucionarias — por exemplo, as classes dominantes francesa, americana e

nao ate mesmo a inglesa.22 tambem se apropriaram da democracia e a naturalizaram,

a- incorporando seu significado aos bens politicos que seus interesses particularesOS

HOBSBAWM, Eric. The Age of Empire:1875-19114, Londr(.1, 1987, p. 87-8. 11 :,4. bras.: A ens dos insperios: 1875-1914Rio de Janeiro, Pa?.e. Tem!, 1989.121 FERGUSON, Adam. An Essay an the History ofCivil tiosieot Edimburgo: Duncan Forbes, ed., 1978. p. 187.

22 110BSBAWM. Eric. The Age of Empire. p. 93-4.

Urn mal tomadas e mal conduzidas.2'

195

DEMOCRACIA CONTRA CAMTAUSMO

podiam tolerar. A reformulasio do conceito de democracia pertence, pode-se di-zer, ao novo clima de hipocrisia e duplicidade political.

Num tempo de mobilizacio de massa, o conceito de democracia foi submeti-do a novas pressOes ideolOgicas pelas classes dominantes, exigindo não somente aalienacio do poder "democratico" mas a separacio clara entre a "democracia" e o"demos" — ou, no minima, o afastamento decidido do poder popular como princi-pal criteria de valor democratic°. 0 efeito foi a mudanca do foco da "democra-cia", que passou do exercicio ativo do poder popular para o gozo passivo dassalvaguardas e dos direitos constitucionais e processuais, e do poder coletivo dasclasses subordinadas para a privacidade e o isolamento do cidadao individual. Maise mais, o conceito de "democracia" passou a ser identificado corn liberalismo23.

8 dificil isolar o momento dessa mudanca de valores, associada a irduaslutas politicos e ideolOgicas. Mas possivel encontrar indfcios nas tensiies e con-tradiVies nao resolvidas na teoria e na pratica do liberalismo do seculodividido entre a repugnincia pela democracia de massa e o reconhecimento desua inevitabilidade, talvez su necessidade e justica, ou, no minima as vantagensda mobilizacao de massa na promo* dos programas de reforma e o born sensode domesticar a "hidra de rnuitas cabecas", a multiciao turbulenta, atraindo-apara a comunidade civica.

John Stuart Mill talvez seja o exemplo mais extremado das contradicOes queformaram o liberalismo do seculo XIX. De urn lado, ele demonstrou evidencerepugnincia pelas tendencias "niveladoras" e pela "mediocridade coletiva" dademocracia de massa (principalmente no locus classicus que foi seu ensaio "OnLiberty"), seu platonismo, elitismo, a conviccio imperialista de que os povoscoloniais se beneficiariam do periodo de tutela sob o governo dos senhores colo-niais; de ourro, a defesa dos direitos da mulher, do sufragio universal (que podiaser compatfvel como uma especie de tutela de classe pela manutencdo do votoponderado, como proptie em Considerations on Representative Government); elechegou mesmo allertar corn ideias socialistas (sempre sob a condicao de que sepreservasse o capitalismo ate que "melhores mentes" tivessem erguido a multi-dao necessidade de "estimulos grosseiros", da motivaca'o de ganhos materialse da sujeicao a apetites inferiores). Mill nunca resolveu essa ambivalencia emrelacao a democracia, mas a passive] encontrar indicio de uma passive! soluciono local mais curioso, no julgamento que ele fez da democracia original daAntiguidade ateniense,

0 mais impressionante no julgamento de Mill a identificacio que ele fazda democracia ateniense, que incentivava a variedade e a individualidade, corn-parada ao conservadorismo estulto e estreito de Esparta — a quem Mill denomi-nava, como ja vimos, as tOris da Grecia. Essa caracterizacao de Atenas contrastanitidamente corn o relato que ele faz da democracia moderna e corn a ameaca

230 significado da palavra "Iiberalismo" é claramente dusOrio c variivel. Eu a cstou usando aqui para me referir a um corpode principios geralmcnte relacionados a govemo "limitado", a libcrdades civis, a protecio da csfera de privacidade contra ainvade. pclo Estado, junto cons a infase na individualidade, na diversidade c no pluralism°.

que, na suaessa avaliaca"forma cons!democriticalhadoras "indireito de vcsiasmo pelocracia

E chegarfarca tudo aclaramentemuito maisseja, a adicatpre-democdmais probleila ha algumou a "mode'cao de urn gcularmenteEm certo setclonal: a der

Nao exisindividuals"em que o "Imunidade d"Estado" epara controldio individifundamentaliar a outras

Mas, ain,Estado "mottoes centrai:concepceies I

. .viduars afirnmicro do peipopor partelizadoras. Este-ritativa deram democrreivindicacodalismo,mais moderitempo, ate

196

0 DEMOS VERSUS "NOS, o rovo": DAS ANTIC:AS AS MODERNAS coNcErcOEs DECIDADANIA

que, na sua opiniao, ela representaria para a individualidade e a excelencia. Masessa avaliacao tao diferente da antiga forma da democracia so foi possivel pelaforma conspicuamente evasiva corn que via a Unica caracteristica literalmentedemocratica da democracia ateniense, a extensao da cidadania as classes traba-lhadoras "inferiores" e "mecanicas". Embora advogasse a extensao (limitada) dodireito de voto para a "multidio", Mill demonstrava uma notavel falta de entu-siasmo pelo governo pelo demos e rat) se dispunha a avaliar seu papel na demo-cracia antiga. Antes invocar os valores liberais da Atenas classica.

E chegamos assim a "democracia liberal". A familiaridade desta formula dis-farca tudo o que e histOrica e ideologicamente problematic° nessa composicioclaramente moderna, e vale a pena decomp&-la criticamente. Ha nessa formulamuito mais que a extensao do "liberalismo" para a "democracia liberal" — ouseja, a adicao de princfpios democraticos, como o sufragio universal, aos valorespre-democraticos do constitucionalismo e do "governo limitado". QuestOes muitomais problematicas sao levantadas pela contra* da democracia em liberalismo.ja ha algum tempo, existe uma convencao segundo a qual o progresso politicoou a "modernizacao" tomou a forma de um movimento da monarquia na dire-cao de urn governo "limitado" ou constitucional ate a democracia, e mais parti-cularmente do absolutismo para o "liberalismo" e para a "democracia liberal".Em certo sentido, o processo que estou descrevendo reverte a seqiiencia conven-ciOnal: a democracia foi superada pelo liberalismo.

Nao_existia "liberalismo" constitucionalismo, governo limitado, "direitosiindividuais" e "liberdades civis" — na Antiguidade classica. A democracia antiga,1,11em que o "Estado" nao tinha cdstencia separada como encidade isolada da co-

,-

munidade de cidada.os, nao produziu uma concepcao clara da separacao entre"Estado" e "sociedade civil", nenhum conjunto de ideias nem de instituicOespara controlar o poder do Estado ou para proteger a "sociedade civil" e o cida-clao individual da interferencia dele. 0 "liberalismo" teve como precondic6esfundamentals o desenvolvimento de urn Estado centralizado separado e supe-;rior a outras jurisdicees mais particularizadas.

Mas, ainda que o "liberalismo" fosse uma criacao moderna que pressuptie oEstado "moderno" (pelo menos o absolutismo moderno initial), suas concep-Vies centrals de liberdade e de limites constitucionais tern origem anterior. Asconcepc6es liberais de governo constitucional ou limitado e de liberdades indi-viduals afirmadas contra o Estado tem origem no final do period° medieval e• .infcio do periodo moderno, na afirmacao dos poderes independentes do senho-

--ricip_or parte das aristocracies europeias contra o avanco das monarquias centra-lizadoras. Essas concepcties, em outras palavras, ja no inicio representaram umatentativa de garantir as liberdades, os pocleres e os privilegios feudais. Nao fo-ram democriticas em seus objetivos nem em suas conseqiiencias, representandoreivindicacOes saudosistas a urn pedaco da antiga soberania parcelizada do feu-dalismo, nao uma reivindicaclo progressista a uma ordem politica democraticamais moderna. E a associacao dessas ideias corn o senhorio persistiu por longotempo, ate bem depois da morte do feudalism°.

197

se afastar depriar do noantidemocclucao denimnaria nao tiuma minor)poder, assetriam alcanc

Hoje estquase nunstermos de lirancia, profcivil" con=cm. 1988._tricenterarivolucao cia, respeirc

Sao tcarealmente IThatcher sopouco tern ;terfsticas cissignificadodo Trabalhividades padfez pars preda classe deco no sento

Adefinidor dparticularde r_sessigacia — queue

=4 A `tolerincid",nao-anglicanotdo claw donsimorgio legislosinpromovendodescresrer italicMas essa lousracipoder popular eseguranco, deemrccuo do poder Iospocros, meill10XVIII do que es

DEMOCIIAC/A CONTRA CAPITAUSMO

NA° ha dtivida de que esses principios essencialmente feudais foram mais tardeapropriados para objetivos mais democraticos por forcas mais "modernas" ou pro-gressistas. Desde o skulo XVII, des se expandiram dos privikgios do senhoriopara liberdades civis mais universals e direitos humanos; e foram enriquecidospelos valores da tolerancia religiosa e intelectual. Mas os princfpios originais doliberalismo sao derivados de urn sistema de relacaes sociais muito diferente daque-le do qual foram adaptados. Nio foram concebidos para enfrentar as disposicoesde poder social inteiramente novas que surgiram corn o capitalismo moderno.Essa limitacao intrinseca (a qual voltaremos logo) a composta pelo fato de a ickiado liberalismo ter servido a objetivos muito maiores do que se esperava de seusprincipios originals. 0 liberalismo entrou no discurso politico moderno nit) ape-nas como urn conjunto de ickias e instituiciies criadas para limitar o poder doEstado, mas tambem como urn substituto da democracia.

A ideia aristocratica original, de controles sobre o poder monarquico, nao teverelacao corn a ideia de democracia. Sua identificacio corn "democracia" foi umdesenvolvimento muito posterior, que teve mais a ver corn a afirmacao do poderdas classes dominantes contra o povo. Os beneficios indiscutiveis dessaid6 ja "libe-ral" nao devem ocultar que o fato de ter substituido a democracia foi na verdadeurn projeto contra-revolucionario — ou no minimo urn meio de conter revolucCiesja em andamento, nao permitindo que ultrapascatsem limites aceitiveis.

0 primeiro embate significativo entre democracia e constitucionalismo podeter ocoi-rido na Guerra Civil Inglesa. Neste caso, urn exercito popular revolucio-nario sem precedentes foi mobilizado por Oliver Cromwell. Mas quando os radi-cais do cxercito exigiram o direito de voto e perguntaram por que haviam lutadopela revolucao se teriam negado esse direito, o direito de serem governados por seupraprio consentimento, os grandes do exërcito, liderados por Cromwell e seu gen-ro Ireton, responderam que des ja tinham ganhado muito. Haviam conquistadodireito de ser governados por urn governo constitutional parlamentarista, e naopelo comando arbitrario de urn dnico homem.

Nunca ocorreu a Cromwell afirmar que estava propondo uma democracia.Pelo contrario, ele estava deliberadamente oferecendo urn substituto. Poderiater dito que a autoridade politica em algum sentido misterioso, embora emgrande parte notional, era em tiltima analise "derivada" do povo (uma id6a deorigem medieval), mas sabia que democracia era outra coisa. Assim como seuscontemporaneos em geral, ele teria entendido a ideia de democracia mais oumenos no seu sentido antigo e literal. Seus sucessores no acordo de 1688, assimcomo ele, nä° tinham dtividas de que govern() Parlamentarista (ou monarquiaconstitutional) significava uma oligarquia.

Essa oposicao entre democracia e constitucionalismo pode ter sido resolvidapela posterior democratizaclo do governo parlamentarista; mas o processo cm sifoi ambiguo. Nao foi apenas uma questa° de adaptacao do governo constitutionala principios democraticos. Houve tambfm uma assimilacao de democracia aoconstitucionalismo. Os criadores da constituicao dos Estados Unidos, apesar deainda obrigados a se ajustar a antiga definicao, deram um passo significativo para

198

nrn ■■■ /4Nh II

DEMoS vERalS",40s , 0 r0110 " : [)AS ANTIGAS As MODERNAS CONCERCOES DE CIDADANIA

se afastar dela e se aproximar do constitucionalismo oligarquico, tentando se apro-priar do nome da democracia para algo nao muito diferente do republicanismoantidemocratic° de Cromwell. Tambem nesse caso, a intencao era conter a revo-lucao dentro de limites aceitiveis embora nas condicOes da America revolucio-niria nao tivessem, coma teve Cromwell, a opcao de limitar o direito de voto auma minoria e fossem obrigados a encontrar outros mtios de afastar o "povo" dopoder, assegurando-se de que os direitos politicos seriam em geral passivos e te-

riam alcance limitado.Hoje estamos completamen te acostumados a definir democracia menos (ou

quase nunca) em termos de governo pelo demos ou poder popular do que emtermos de liberdades civis, liberdade de expressio, de imprensa e de reuniao, tole-rancia, prate* de uma esfera de privacidade, defesa do indiv(duo e da "sociedadecivil" contra o Estado, e coisas tais. Assim, pot exempla, Margaret Thatcherdisse

ern_19 88, na abertura da cerimOnia de comemoracao no Parla ment° Rdo

tricentenario da revolucao de 1688 — um acontecitnento ambigua que "A e-volucio Gloriosa estabeleceu as qualidades duradouras da democracia toleran-cia, respeito a lei, respeito a administraca:o impartial da justice.

Sao codas qualidades admiriveis. Teria sido born se o Acordo de 1688 as tivesse

realmente estabelecido , coma teria sido uma evidence melhoria do regime deThatcher se seu governo tivesse realmente se comprometido corn etas. Mas elas

pouco tern a vet corn democracia. Conspicuamente ausente dessa relacao de carac-

terfsticas democraticas, esti exatamente a qualidade que da a democracia o seusignificado especifico e literal: governo pelo demos. Coube a ala esquerda do Parti-do Trabalhista, na pessoa de Tony Benn, demonstrar em sua resposta a essas festi-

vidades parlamentaristas que houve pouca democracia numa "revolucao" que nada

fez para promover o poder popular, enquanto consolidava firmemente o governoda classe dominante — de lam, estabelecendo urn regime ainda menos democrati-co no sentido literal que aquele que o havia precedido24.

A prOpria possibilidade de identificar na Revolucio Gloriosa urn momentadefinidor da hist6ria da "democracia" denuncia uma disposicao ideolOgica muitoparticular (que nao se limita, de forma alguma, aos taris de Thatcher).

Om o

de tees ever a i fat:au urn novo r edi ee s ara o conceito de democra-no senhorio medieval — afastou

74 A "tolerancia" do Acordo de 1688 foi esuitamente lim itada, excluind o os catAlicos da monarquia e, na verdade, todos os

nao-anglic-ano s das funcees piiblicas c das universidadcs estabclecidas . Quanto ao "respeito a lci", tratou-se clararnente da Ici

da classe dominance proprictiria, reunida num Parlament° que, especialmen ce durance o sEculo XVIII, emprecndeu uma

orgia legislati va em seu próprio inreresse, multiplicando o ntimcro tie crimes capirais para prutegcr a propricdade privada,

promovendo uma sErie do cercos parlamentar es etc. A "ariministrac io imparcial da justiyaalincritc

" E tunapessoaests dos Julies

ranha manede Paz.

ira dc

descrever a justica da aristocracia adminisuada pela prOpriaclasse proprietaria, princip Mas cssa louvacio sem limites a Revoluclo Gloriosa veio de urn primeiro-ministro que presidiu o ataque mais insistence ao

poder popular c tambEnt as libcrdades civis na Gra-Bretanha desde o advento do sufrigio universal — na forma tie Isis doseguranca, dessruicao de autoridades locais, legidacio sindical profundamc nce restritiva csc. 0 ano de 1688 representou o

recuo do poder democtinco, nao somente em Masi° ao period° mais radical (la Guerra Civil Inglesa, mas, sob certos

aspectos, mcsmo quando comparadu a monarquia restaurad a. Na verdade, ° ditch° do voro foi mais result° durance osecula

XVIII do que na major parte do sEculo XVII.

cia que se origina nao na democracia anti

199

tr

DEMOCRACIA CON IRA CAPITALISMO

todas as outras histOrias para as entrelinhas do discursoRolftioa. A tradicao alter-nauva que surgiu no inicio da Europa moderna — as tradicOes igualitariaLp_pulare democratica — foi efetivamente suprimida, ja que a Roma oligarquica, a MagnaCarta e a Revoluclo Gloriosa tiveram precedencia sobre a Atenas democratica, os

• Levellers, os Diggers e os cartistas, enquanto nos Esrados Unidos, a solucao fede-2listaspx ulsoo da hist6ria seus competidores mais democraticos. Democracia,no seu significado original e literaloempre ficou do lado perdedor. At mesmo_osmovimentos socialistas democraticos que mantiveram viva a outra tradic5o passa-ram a aceitar crescentemente a domesticacio liberal da democracia.

D EMOCRACIA UBERAL E CAPITALISMO

Os oligarcas de 1688, defendendo os direiros do Parlamento contra a Coroa,fizeram sua "revolucao" em nome da liberdade. Afirmavam o seu direito, a liber-dade de dispor de sua propriedade — e dos servos — como quisessem, contra ainterferencia do rei. A propriedade que defendiam ja era em grande parte capita-lista, mas a liberdade que invocavam para protege-la, o que era praticamente urnsinOnimo de priviletio, estava enraizada no senhorio pre-capitalista.

Isso nos leva ao micleo das contradicOes da "democracia liberal". 0 que tornaparticularmente interessante e problematica a histOria da democracia moderna éque, no momento exato em que a histOria da democracia estava sendo confundidacorn a histOria do senhorio, o prOprio senhorio ja havia sido substituido como aprincipal forma de dominacao. Havia sido substituido nao somente por urn Estadocentralizado, mas tambem por uma nova forma de propriedade privada, em que opoder puramente econOmico estava separado da condicao juridica e do privilegio.0 senhorio a os mcios extra-econOmicos de exploracio haviam sido substitufdospela propriedade capitalista. E possivel que, por algum tempo, as ideias de liberda-de enraizadas no privilegio traditional ainda se ajustassem aos interesses das classesproprietarias, e hoje podem mesmo atender a objetivos mais democraticos em tran-sacOes entre o cidadao e o Estado; mas nao foram criadas como restricio as novasformas de poder geradas pelo capitalismo.

Liberdades que significavam muito para as primeiras aristocracias moder-nas, e cuja extensao It multidlo naquele momento teria transformado comple-tamente a sociedade, nao podem ter hoje o mesmo significado — entre outrascoisas por ter a assim chamada economia adquirido vida pr6pria, completa-mente fora do ambito da cidadania, da liberdade politica ou daresponsabilizacao democratica. A essencia da "democracia" moderna nao é Cantoo fato de ter ela abolido o privilegio ou estendido os privilegios tradicionaismulticlio, mas, sim, o fato de ter tornado emprestada uma concepcio de liber-dade criada para urn mundo no qual o privilegio era uma categoria relevante,para aplicar a urn mundo em que o privilegio nao e o problema. Num mundoem que a condicao politica ou juridica nao e o determinante principal dasnossas oportunidades de vida e em que nossas atividades e experiencias esti°ern grande parte fora do alcance de nossas identidades politicas e legais, liber-dade definida nesses termos deixa muita coisa sem explicacao.

Ha aqui upre-modernarcos do liberal°a° de demoqliberal" so sesurgitnentoalpossivel a railpassou a exist]— politica, jutmico, o podaa cxistir umapendiam de p

Assim, aslimitam o alcintocada todatransferenciapropriedadenossa vida corecursos — quinadas pelos pda maximizasvel de nossaeconOmico jiEstado que lxmoderna.

A maneirapoder nä° E Ireconhece conrelacao ao meiuma coacao.ate mesmo pocessario paiallimites. Comoou regulameniela deixa de seda democraciacado. Nao senomia, comodominacao.

0 que dinvre"? 0 que dida Europa 0marketizacio;que é conduzi

200

0 DEMOS VERSUS Nos, O POVO • : DAS ANTIGAS AS MODERNAS CONCEPCOES DE CIDADANIA

Ha aqui urn paradoxo. O liberalismo 6 uma ideia moderna baseada em formaspri-modernas e pre-capitalistas de poder. Ao mesmo tempo, se osaincfpios basi-.cos do liberalismo . II • • • orna •ossivel a identifica-cao de democracia corn liberalismo 6 o pr6prio capitalismo. A ideia de "democracia liberal" so Sc _tornou nensivel — e quero dizer literalmente pensivel — corn osurgimento-das rela soc . " ca • italistas de • ro . riedade. 0 capitalismo tornoupossivel a redefinkdo de democracia esuareducio ao liberalismo. De urn lado,

passou re7ustir uma esfera politica separada na qual a condicao "extra-econOmica"— politica, juridica ou militar — nao tinha implicacOes diretas para o poder econO- ,mico, o poder de apropriacao, de exploracao e distribuicao. Do ourro lado, passoua existir uma esfera econOrnica corn suas pr6prias relacOes de poder que nao de-pendiam de privilegio politico nem juridico.

Assim, as condicoes reais que tornam possivel a democracia liberal tambemlimitam o alcance da responsabilidade democratica. A democracia liberal deixaintocada toda a nova esfera de dominacao e coacao criada pelo capitalismo, suarransferencia de poderes substanciais do Estado para a sociedade civil, para apropriedade privada e as pressOes do mercado. Deixa intocadas vastas areas denossa vida_ cotidiana — no local de trabalho, na distribuicao do trabalho e dosrecursos — que nao esti° sujeitas a responsabilidade democratica, mas sac) gover-nadas pelos poderes da propriedade, pelas "leis" do mercado e pelo imperativoda maximizacio do lucro. Isso permaneceria verdade mesmo no caso improva-vel de nossa "democracia formal" ser aperfeicoada de forma que riqueza e podereconOmico ja nao significassem a grande desigualdade de acesso ao poder doEstado que hoje caracteriza a realidade, se nao o ideal, da democracia capitalistamoderna.

A maneira caracterfstica corn que a democracia liberal trata essa nova esfera depoder Wan 6 restringi-la, e sim liberta-la. De fato, o liberalismo nem mesmo areconhece como uma esfera de poder ou de coeriao. Isso vale principalrnente emmina° ao mercado, que tende a ser percebido como uma oportunidade, nao comouma coacao. 0 mercado 6 percebido como uma esfera de liberdade, de escolha,ate mesmo por aqueles que sentem necessidade de regula-lo. Qualquer limite ne-ceilariO para corrigir os efeitos danosos dessa liberdade sao vistos apenas comolimites. Como se di corn muitos tipos de liberdade, pode haver algumas restricOesou regulamentacOes impostas a ela para manter a ordem social; mas nem por issoela deixa de ser urn tipo de liberdade. Em outras palavras, na estrutura conceitualda democracia liberal nao se pode falar, nem mesmo pensar, em liberdade do mer-cado. Nao se pode pensar em libertacao do mercado como uma especie de auto-nomia, como a libertacao de uma coacao, a emancipacao da coercao e dadominacao.

0 que dizer da tendencia atual a identificar democracia corn "mercado L-yre"? 0 que dizer dessa nova definicao, conforme a qual as "novas democracias"da Europa _ sao democraticas na proporcao do seu progresso emmarketizacao; o acrescimo de poirer do presidente Yeltsin a "democratico" por-que 6 conduzido em nome .do mercado e da privatizacao, ou o general Pinochet

201

r.

DEmocRAct, comas CAPITALISM°

foi mais "democratico" que Salvador Allende, livremente eleito? Esse novo userepresenta uma subversao ou uma distorcao da democracia liberal?

0 pendulo foi muito afastado do centro, mas nao a completamente inconsis-tente corn os principios fundamentals da democracia liberal. A prOpria condicaoque rorna possivel definir democracia como se faz nas sociedades liberals capitalis-tas modernas é a separacio e o isolamento da esfera econOmica e sua invulnerabi-lidade ao poder democratic°. Proteges essa invulnerabilidade passou a ser urnessencial de democracia. Essa definicio nos permite invocar a democracia contra aoferta de poder ao povo na esfera econelmica. Tstrua_mesmo passivel invocar ademocracia em defesa da reducão dos direitos democraticos em outran partes dasociedade civil" ou no domfnio politico, se isso for necessario para proteger a

propriedade e o mercado contra o poder democratic°.-T-Aisfera de poder econbmico no capitalismo se expandiu para muito alem dacapacidade de enfrentamento da democracia; e a democracia liberal, seja comoconjunto de instituiciies ou de sistemas de idelas, nao foi criada para ampliar seualcance naquele domfnio. Se estamos enfrentando o "fim da histOria", talvez naoseja no sentido de que a democracia liberal triunfou, mas, pelo contrario, no sen-tido de que ela sc aproximou de seus limites. Ha muita coisa boa no liberalismoque deve ser preservada, protegida e aperfeicoada, nao apenas nas partes do mun-do em que ela mal existe, mas tambem nas democracias capitalistas nas quailainda é imperfeita e geralmente ameacada. Mesmo assim, o desenvolvimento his-tOrico adicional pode pertencer a outra tradicao de democracia, a tradicao supera-da pela democracia liberal, a ideia de democracia no seu sentido literal comopoder popular.

Embora tenhamos descoberto novas formas de proteger a "sociedade civil"do Estado, e o "privado" das interferências do "ptiblico", temos ainda de desco-brir formas novas e modernas de igualar a profundidade da liberdade e da de-mocracia desfrutadas pelo cidadao ateniense sob outros aspectos. Em Os persas(242), &quit° faz urn coro de anciios persas contar que ser cidad5o ateniense 6nao ter senhor, nao ser servo de nenhum homem mortal. Ou lembrar o discursoem As suplicantes, de Eurfpedes (429 e segs.), em que se descreve uma Ohs livrecomo aquela em que o domfnio da lei permite justica igual para rico e pobre,forte e fraco, onde qualquer um que tenha alga titil a dizer tern o direito de falarao pfiblico — ou seja, onde existe isegoria mas tambem onde o cidadao livrenao é obrigado a trabalhar apenas para enriquecer um tirano. Algo aqui estacompletamente ausente de, e e ate mesmo antitetico ao, conceito europeu pos-terior de liberdade. E a liberdade do demos em relapio aos senhores, nit) a liber-dade dos prOprios senhores. Nio e a eleutheria do oligarca, em que ser livre dotrabalho é a quail/lend° ideal para a cidadania, mas a eleutheria do demos traba-lhador e a liberdade do traba/ho.

Na_pratica, a democracia ateniense era certamente excludente, canto que pare-ce estranho dar-lhe o nome de democracia. A maioria da populacao —mulheres,escravos e estrangeiros residentes (metecos) nao desfrutava dos privilegios dacidadania. Mas a necessidade de trabalhar para viver e mesmo a falta de proprieda-

de nao constitufa,esse asPect(5,-Atencratas ao longo ch

Tambem nä°de hoje confira asdesfrutados pelosnou-se mais inclulheres e aos traba"liberais", do respso da democraciamedida que os diimuito de seu pod

Ficamos,nia, nas condici54impor tancia quederna, de nao apda protecao dademocraticas derecuperar os podrecuperar a dem(co", quando o prinao apenas pelamercado? Se o caeconômica, qualsomente major igmas tambem a rera econÔmica?

Seria possiveldomfnio lacradobrevivesse a essamocracia em seu so capitalismo seena sua capacidadijunto corn a dempender da reduce

Seria a demoscondicOes do capA democracia litalternativas imagesconde outras pocultou da vista I

A tarefa que apensive!. Enquarproteger os podei

202

etc

DEMOS VERSUS"NOS, 0 POVO" : OAS ANTICAS a.5 MODERNAS CONCEPCOES DI! CI DADAN IA

de no constituiam motivo de_exclusio do_pleno gozo dos direitos politicos. Sobe'sse aspeCi6,- Aienas excedia os criterios de todos menos os mais visionirios demo-cratas ao longo dos muitos s6culos que se seguiram.

Tamb6m nao 6 evidence por si mesmo que ate a mais democrata das politicosde hoje confira as suas classes nao-proprietirias e trabalhadoras poderes iguais aosdesfrutados pelos cidadlos "baniusicos" de Atenas. A democracia moderna tor-nou-se mais inclusiva, aboliu finalmente a escravidao e ofereceu cidadania as mu-lheres e aos trabalhadores. Tambem ganhou muito da absorcao dos principios"liberais", do respeito as liberdades civis e dos "direitos humanos". Mas o progres-so da democracia moderna esti muito longe da falta de ambiguidades, poismedida que os direitos politicos se tornavam menos exclusivos rambern perdiammuito de seu poder.

Ficamos, entao, corn mais perguntas que respostas. Como poderia a cidada-nia, nas condicOes atuais e corn urn corpo inclusivo de cidadios, recuperar aimportancia que ji teve? Qual o significado, numa democracia capitalista mo-derna, de nao apenas preservar os ganhos do liberalismo, das liberdades civis eda protecao da "sociedade civil", nao apenas para inventar concepc6es maisdemocriticas de representacio e novos modos de autonomia, mas tambern pararecuperar os poderes perdidos para a "economia"? 0 que seria necessirio pararecuperar a democracia da separacao formal entre o "politico" e o "econOmi-co", quando o privil6gio politico foi substituido pela coacao econOmica, exercidanao apenas pela propriedade capitalista diretamente, mas tambem por meio domercado? Se o capitalismo substituiu o privilegio politico pela fora da coercloeconenica, qual o significado da extensao da cidadania — e isso quer dizer naosomente maior igualdade de "oportunidade", ou direitos passivos de bem-estar,mas tambern a responsabilidade democritica ou independencia ativa — na esfe-ra econ6mica?

Seria possivel imaginar uma forma de cidadania democritica que penetrasse odominio lacrado pelo capitalismo moderno? Seria possivel que o capitalismo so-brevivesse a essa extensao da democracia? 0 capitalismo 6 compativel corn a de-mocracia em seu sentido literal? Se persistirem as suas dificuldades atuais, continuarao capitalismo sendo compativel corn o liberalismo? Poderi o capitalismo se apoiarna sua capacidade de garantir a prosperidade material, e seri ele capaz de triunfarjunto corn a democracia liberal, ou sua sobrevivencia em tempos dificeis vai de-pender da reduclo dos direitos democriticos?

Seria a democracia liberal, na teoria e na pritica, adequada para enfrentar ascondicOes do capitalismo moderno, para nao falar do que existe fora e alem dele?A democracia liberal parece o fim da hist6ria por haver ultrapassado todas asalternativas imaginiveis ou por ter exaurido sua prOpria capacidade, enquantoesconde outras possibilidades? Ela realmente superou todos os rivals ou apenas osocultou da vista temporariamente?

A tarefa que o liberalismo estabelece para si mesmo 6, e continuari a ser, indis-pensive,. Enquanto houver Estados, haveri a necessidade de controlar seu poder eproteger os poderes e as organizaceies independentes que existem fora do Estado.

r r r,r411.11

203

DEMOCRAcIA CONTRA C:APITALISMO

Quanro a isso, qualquer tipo de poder social precisa ser cercado pcla protecio daliberdade de associacio, de comunicacio, de diversidade de opinioes, de uma esfe-ra privada inviolivel etc. Qualquer futura democracia continuard a receber lickssobre esses remas da tradicio liberal, tanto na teoria quanto na pritica. Mas oliberalismo — ate mesmo como ideal, para nä° falar de sua realidade carregada deimperfeiVies nio esta equipado para enfrentar as realidades do poder numasociedade capitalista, muito menos para abranger urn tipo mais inclusivo de de-mocracia do que o que existe hoje.

Soc:

Numa 4,ocatendencias tedriccapitalismo,Pizede "diferencas".sews imperativesbricolage de midflexfvel que podelista traditional

D.Lnertto abre ado capitalismo reidentidade esta j4

Por mais difecapitalismo — oculturais" pess-mcomum urn corntdria longa e tortde Hegel, Marxmigica adaptivelde aspiracks emde desculpas par;ideia na defesa dmarcar o terrenolha" esquerda mase num Alibi pan

A IDE

Hi no Ocideclassica, que denogg° de socieda,pendentcs da autmente de ourros Ievoluciio prendet

204

SOCIEDADE CIVIL E POLITICA DE IDENTIDADE

Numa 6poca em que a critica do capitalismo 6 mais urgente do que nunca, astendencias te6ricas dominantes da esquerda se ocupam em conceituar a ideia decapitalismo, Dizem que o mundo "p6s-moderno" 6 um pastiche de fragmentos ed_e "diferencas". A unidade sistemica do capitalismo, suas "estruturas objetivas' eseus imperativos totalizantes deram lugar (se 6 que chegaram a existir) a urnbricolage de imiltiplas realidades sociais, uma estrutura pluralista tic) variada eflexivel que pode ser reorganizada pela construcao discursiva. A economia capita-lista tradicional foi substituida pela fragmentacio "p6s-fordista", em que todofra_gmento abre espaco para lutas emancipadoras. As relacoes de classe constitutivasdo capitalismo representam apenas uma "identidade" pessoal entre muitas outras,identidade esta ja nao "privilegiada" pela centralidade histOrica. E por ai vai.

Por mais diferentes que sejam os metodos para dissolver conceitualmente ocapitalismo — o que indui tudo desde a teoria do p6s-fordismo ate os "escudosculturais" pds-moderns e a "politica de identidade" eles em geral tem emcomum urn conccito especialmente 661: "sociedade civil". Depois de uma his-t6ria longa e tortuosa, depois de uma serieZ.e- marcos representados pelas obrasde Hegel, Marx e Gramsci, essa ideia versatil se transformou numa expresso

magica adaptive' a todas as situacCies da esquerda, abrigando uma ampla gamade aspiracties emancipadoras, bem como — 6 preciso que se diga — urn conjuntode desculpas para justificar o recuo politico. Por mais construtiva que seja essaideia na defesa das liberdades humanas contra a opressio do Estado, ou paramarcar o terreno de praticas sociais, institui95es e relacoes desprezadas pela "ve-lha" esquerda marxista, corre-se o risco hoje de ver "sociedade civil" transformar-se num alibi para o capitalismo.

A IDEIA DA SOCIEDADE CIVIL: UM BREVE ESBOCO HIST°RICO

Ha no Ocidente uma longa tradicao intelectual, originaria da Antiguidadeclassica, que de varias forma delineou urn terreno de associacio humana, umanocao de sociedade diferente do corpo de reivindica95es politicas e morals inde-pendentes da autoridade do Estado, e as vezes ate opostas a ela. Independente-mente de outros fatores que teriam influenciado a producao de tais conceitos, suaevolucio prendeu-se desde o inicio ao desenvolvimento da propriedade privada

205

priacio, e nio de modosou militares, como aconiimpostos e do controlecipais meios de apropria

Mas se o significadodade civil, foram as coral

-de e de apropriacio capitalde mercado mais bun doconceitual entre os_dois.mou Napoleao como suemente a economia capesclassicos ingleses, COMO

civil" (corn algumas coraA identificacao de lb

Rue urn simples acas371-ai.Gesellschaft era urns fortyde civil" nay se referisse(ela foi, por exemplo, salpios corporativos medialPara Hegel, a possibilidilda "universalidade" do Etfeito as sociedades antes."'e de uma esfera inteiran$autemoma. nessa nowten_contrariam por mej_2_4era o lar, nem o Estes

Marx transformoune ar a universalida •ridades da "sociedadecou a dedicar sua vide.SO

a forma de uma•

a• ecrtalismo, mas o efeito0 dualism° Estad •cipal do discurso poll-

Foi necessaria a _ciedade civil como p -dessa nova formulasioEstados parlamentaresautocracias mais abede clominacio de classecentracio visivel norats. Gramsci assita_seterreno de uma nova

e

Esta • o e socie

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

como a sede distinta e authnoma do poder social. Por exemplo, embora os roma-nos antigos, cal como os gregos, ainda tendessem a identificar o Estado corn acomunidade de cidada'os, o "povo romano", des produziram alguns dos principalsavancos na separacio conceitual de Estado e "sociedade", especialmente no direiroromano, que distinguia a esfera ptiblica da privada e dava a propriedade privadaurn status e urns clareza legais de que ela nunca gozou antes'.

Nesse sentido, embora o conceito modern de "sociedade civil" esteja associa-do aS- refacOes de propriedade especificas do capitalismo, trata-se ainda assim deuma variacio sobre urn velho terra. Apesar disso, a variaelo 6 cririca; e qualquertentativa de diluir a especificidade dessa "sociedade civil", de obscurecer sua dife-renciacio em relacio a concepches anteriores de "sociedade", corre o risco de dis-farcar a particularidade do capitalismo como forma social distinta corn suas prOpriasrelac6es sociais caracteristicas, seus prOprios modos de apropriacio e de explora-cio, suas prOprias regras de reproducio, seus pr6prios imperativos sistêmicos2.

A concepcio moderna de "sociedade civil" - uma concepcio que aparecesistematicamente pela primeira vez no seculo XVIII - 6 algo muito diferente das91:5tia anteriores de "sociedade": sociedade civil representa uma_esferasliferen-ciada do Estado, separada das relacOes e da atividade humanas, mas nem ptibli-ca nem privada, ou talvez as duas coisas ao mesmo tempo, incorporando codauma -sarna de interac6es sociais fora da esfera privada do lar c da esfera do mer-

aiiiiia de produclo, distribuick e troca. Urns precondicio necessaria,mas no suficiente, pars essa concepcio de sociedade civil foi a icliia moderns de!Estado como uma entidade abstrara corn sua prOpria identidade corporativa,i que evoluiu coin a ascensio do absolutism° europeu; mas a completa diferen-iciacio conceitual de "sociedade civil" exigiu o surgimento de uzna "economia"autemoma, separada da unidade do "politico" e do "econOmico" que ainda ca-

' racterizava o Estado absolutista.Paradoxalmente - talvez nem canto assim os significados primitivos do

termo "sociedade civil" no nascedouro do capitalismo, nos primOrdios da Ingla-terra moderna, longe de estabelecer a oposicio entre sociedade civil e Estado,confundiram os dois. No pensamento politico ingle's dos s6culos XVI e XVII,"sociedade civil" era geralmente sinonimo de "sociedade politica" ou o Estado

:)visto como a coisa p6blica. Essa confusao entre Estado e "sociedade" represen-

- tou a subordinacio do Estado a comunidade de proprietarios (em oposicio tan-to a monarquia quanto a "multidlo") que constituia a flack) politica. Ela refleriauma organizacio politica Unica em que a classe dominants dependia, para ga-rantir a prOpria riqueza e o poder, de modos puramente "econOmicos" de apro-

I Urns prova de que os romans, especialmence Cicero, tinham um conceive de "sociedade" eats na obra dc Neal Wood,Cicerei Social and Politicel 717.04 Berkeley a Los Angeles, 1988; esp. p. 136-42.2 Por example, grandc parte da discussao feint per John Keane am Democracy and Civil Socirot Londres, 1988, se dawn-volva em tomb de urn; crinca do marxisme por identificar "sociedade civil" corn capitalism, corn o qua elm eke concor-ds, invocando a longa tradicie de coneeituacees de "sociedade" no Ocidente, arias origens s5o muito anteriores aoadvance do capitalismo.

206

SOCIEDADE CIVIL E POLITICA DE IDENTIDADE

priacao, e nao de modos de acumulacao "extra-econOrnicos" por meios politicosou militares, como acontecia no caso dos arrendamentos feudais ou no caso dosimpostos e do controle da administracao piiblica do absolutismo coma as prin-cipals meios de apropriacio privada.

Mas se o significado ingles tendeu a confundir a distinc.ao entre Estado e socie-dade civil, foram as condicOes ingleses o mesmo sistema de relaciies de proprieda-de e de apropriacio capitalista, mas agora mais avancado e dotado de urn mecanismo6 mercado mais bem desenvolvido — que tornaram possivel a moderna oposicaoconceitual entre os dois. Quando construiu sua dicoromia conceitual, Hegel to-mou Napolelo como sua inspiracao para o Estado moderno; mas foi principal-mente a economia capitalism da Inglaterra — por meio de economistas politicosclassicos ingleses, como Smith e Steuart — que ofereceu o modelo de "sociedadecivil" (corn algumas correcOes e aprimoramentos claramente hegelianos).

A identificacao de Hegel de sociedade "civil" . com sociedade burguesa foi maisque um simples acaso da lingua alema. 0 fenOmeno que ele designou de burgerliche

Gesellschaft era uma forma social historicamente especifica. Embora essa "socieda-

de civil" Rao se referisse exclusivamente a instituicOes puramente"economical"(ela foi, por exempla, suplementada pela moderna adaptacao de Hegel dos princi-pios corporativos medievais), a "economia' moderna era sua condicao essencial.Para Hegel, a possibilidade de preservacao tanto da liberdade individual quantada "universalidade" do Estado, e nao a subordinacao de uma a outra como haviamfeito as sociedades anteriores, estava alicercada no surgimento de uma nova classee de uma esfera inteiramente nova da existencia social: uma "economia" distinra eaut6noma. E nessa nova esfera que priblico e p_rivatio, particular e universal, seencontrariam por mein da interacao de interesses privados num terreno que nabera o lar, nem o Estado, mas uma mediarra.'o entre os dois.

Marx transformou a distinoo de Hegel entre_Estado e "sociedade civil" ao

neg7ar a universalidade • • s .. • nsistir • ue o Estado ex • ressava as articula-ridadescja:sL3s6clz6,,ilismrda&s de classe, uma descoberta que o for-cou a dedicar sua vida ao trabalho de ex lorar a anatomic "sociedade civil"

sod a forma de uma critica da economia olitica. A diferenciaclo conceitual deEsta o e socie a e civi foi assim uma precondicao da analise de Marx do capi-talismo, mas o efeito dessa analise foi privar de racionalidade a distincao hegeliana. Estado—sociedade civil mais ou menos desapareceu da corrente prin-

cipal do discurso politico.Foi necessaria a reformulacao de Gramsci para ressuscitar o conceito de so-

ciedade civil como principio organizador central da teoria socialista. 0 objetivodessa nova formulacao foi reconhecer a complexidade do poder politico nosEstados parlamentares ou constitucionais do Ocidente, ern comparacao corn asautocracias mais abertamente coercitivas e a dificuldade de suplantar urn sistemade donriinacio de classe em que o poder de classe nao apresenta ponto de con-centracao visivel no Estado, mas se difunde pela sociedade e suas praticas cultu-

.rais. Gramsci_ assim se apropriou do conceito .de sociedade civil para marcar oterreno de uma nova especie de luta que levaria a iatalha contra o capitalismo

207

DEMOCRACIA CONTRA cAprrAusmo

nao somente a suas fundacOes econOmicas, mas tambem as suas rakes culturaise ideolOgicas na vida diiria.

0 NOVO CULTO A SOCIEDADE CIVIL

Para Gramsci, o conceito de "sociedade deveria ser, sem ambiguidades,uma arma contra o capitalismo, nuz.ca uma acomodacao a ek. Apesar do peso desua autoridade, invocada pelas teorias socials contemporaneas da esquerda, o con-ceito, no seu use corrente, ji nao exibe a mesma intencao inequivocamenteanticapitalista. Ele adquiriu todo urn conjunto de significados e conseqiiencias,alguns muito positivos para os fins emancipatarios da esquerda, outros muitomenos. Os dois impulsos contririos podem ser assim resumidos: o novo conceitode "sociedade civil" indica que a esquerda aprendeu as lic6es do liberalismo relati-vas A opressao do Estado, mas, ao que parece, estamos esquecendo as licOes queaprendemos da tradicao socialista acerca das opressOes da sociedade civil. De umlado, os defensores da sociedade civil fortalecem nossa defesa de instituicOes erelacOes nao-estatais para enfrentar o poder do Estado; de outro, tendem a en_ fra-..quecer nossa resistencia as coercOes do capitalismo.

0 conceito de "sociedade civil" esta sendo mobilizado para servir a tansos.etao variados fins que a impossivel isolar uma Unica escola de pensamenro asso-Clida a ele; mas surgiram alguns tetras comuns. "Sociedade geralmenteusado para identificar uma arena de liberdade (pelo menos potential) fora doEstado, urn espaco de autonomia, de associacao voluntiria e de pluralidade emesmo conflito, garantido pelo tipo de "democracia formal" que se desenvol-veu no Ocidente. 0 conceito tambem pretende reduzir o sistema capitalista(ou a "economia") a uma de muitas esferas na complexidade plural e heteroge-nea da sociedade moderna. De uma entre duas formas principais, o conceito de"sociedade civil" pode obter esse efeito. Ele pode designar a pr6priamultiplicidade contra as coercOes do Estado e da economia capitalism; ou, oque a mais comum, de pode englobar a "economia" numa esfera major deinstituicOes e relacoes nao-estatais 3 . Nos dois casos, a enfase esti na pluralidadedas relacocs c priticas sociais, entre as quais a economia capitalista a apenasuma entre mu itas.

Os principais usos comuns se originam da distincao entre sociedade civil eEstado. "Sociedade civil" e definida pelos defensores dessa distincao em termosde algumas oposicOes simples: por exemplo, "o Estado (e seus &pros militares,policiais, legais, administrativos, produtivos e culturais) e o espaco nao-estatal(regulado pelo mercado, controlado pelo poder privado ou organizado volunta-riamente) da sociedade civil"; ou poder "politico" versus "social", direito "p6bli-co" versus "privado", "propaganda e (des)informaclo sancionadas pelo Estado"

3Coisa semelhante ao primeiro conceit* pode ser extraido de Class and Civil Sori": The Limits of Mandan Critical Theory,de jean L Cohen, Amherst, 1982. A segunda posicio foi elaborada por John Keane em &mom:gar:Id Civil Saris" (vet suaaides S concepsio de Cohen em nota do pigina 86).4 KEANE, John (ed.), Civil Society and the State, Londres, 1988, p. 1.

208

versus "livre circula401"abrange uma ampla SI

roes volunt&rias, hos"toda a economia capEstado, ou talvez o

Essa dicotomiacada pelo Estado, e Iiprincipio se nao neonsociedade civil pode *politicos ou "regiOes Iautonomia" que se as

caracteristica especial,desenvolvida entre o Ede politica particulars

Os defensores desbuem a ela dois hematenclo nos perigos dadequados para as appressOes contra de nocupacao liberal corn are, o controle desse podentro da sociedade,1pritica. Em segundodiferenca e a diversidaem contraste corn oreducionista e econosuma nova gama de in

em sua preocupa•plo c0 impeto do rem

roes. 0 impulso maisdade civil" era uma iscontra a opressio do Iinclusive seus aparellsneira mais ou menosdo. Podia-se afirmacorresponderia clans

A crise dos Es-rade

esquerda do Ocidens

5 Idem, ibidem, p. 2.6 Norman C.cras destrdi asn MilRegiiler, 1990.7 Para a aplicacio do condoAgainst the State: Poland 19M,

t

SOCIEDADE CIVIL E POLITICA DE 1DENTIDADE

versus "livre circulaclo da opiniao ptiblica" 5 . Nesta definicio, "sociedadeabrange uma ampla serie de instituicOes e relasiies, de lares, sindicatos, associa-95es voluntarias, hospitais e igrejas, ate o mercado, empresas capitalistas, enfim,toda a economia capitalism. As antfteses significativas sio o Estado e o nao-Estado, ou talvez o politico e o social.

Essa dicotomia corresponde aparentemente a oposkao entre coat*, corporifi-cada pelo Estado, e liberdade e acao voluntaria, que na pratica pertencem, emprincipio se Rao necessariamente, a sociedade civil. De varias formal e graus, asociedade civil pode ser submersa ou eclipsada pelo Estado, e diferentes sistemaspoliticos ou "regioes histOricas" inteiras podem variar de acordo corn o grau de"autonomia" que se atribui a esfera nao-estatal. Por exemplo, o Ocidente tern umacaractcrfstica especial, que 6 o fato de ele ter gerado uma separacio impar e bemdesenvolvida entre o Estado e a sociedade civil e, portanto, uma forma de liberda-de politica particularmente avancada.

Os defensores dessa distincio entre Estado e sociedade civil geralmente atri-buem a ela doffs beneficios principals. Em primeiro lugar, ela concentra nossaatencio nos perigos da opressio pelo Estado e na necessidade de definir limitesadequados para as a95es do Estado, por mein da organizacio e do reforco daspressOes contra ele no ambito da sociedade. Em outras palavras, ela revive a preo-cupacio liberal corn a limitacao e legitimacio do poder politico, e, principalmen-te, o controle desse poder pela liberdade de associacao e de organizacio autOnomadentro da sociedade, que a esquerda geralmente despreza, tanto na teoria como napratica. Em segundo lugar, o conceito de sociedade civil reconhece e celebra adiferenca e a diversidade. Seus advogados fazem do pluralismo um bem primario,em contrasre corn o marxismo, que e, segundo cies, essencialmente monistico,reducionista e economistico 6 . Este novo pluralismo nos convida a apreciar todauma nova gama de instituiVies e relacOes desprezadas pelo socialismo tradicionalem sua preocupacio corn economia e classe.

O impeto do renascimento dessa dicotomia conceitual veio de muitas dire-95es. 0 impulso mais forte veio sem chivida da Europa Oriental, na qual a "socie-dade civil" era uma importante arma do arsenal ideolOgico das forcas de oposicaocontra a opressio do Estado. Nesse caso, as quesaks cram bem claras: o Estado —inclusive seus aparelhos econtimico e politico de dominacao — se colocava de ma-neira mais ou menos ciara contra urn espaco (potencialmente) livre fora do Esta-do. Podia-se afirmar, entao, que a antitese entre sociedade civil e Estadocorresponderia claramente a oposick do Solidariedade ao Partido e ao Estado'.

A crise dos Estados comunistas deixou tambem uma profunda impress5o naesquerda do Ocidente, convergindo corn outras influencias: as limitaciies da so-

5 [dem, ibidem, p. 2.6 Norman Geras destrdi esses miros a respeito do marxismo cm "Seven Types of Obliquy: Travesties of Marxism". In: SocialistRegister. 1990.7 Para a aplicacso do conceito de "sociedade civil" aos aconrecimentos da PolOnia, ver ARA:10. Andrew. "Civil SocietyAgainst the State: Poland 1980-81", Telos, 47, 1981 e "Empire versus Civil Society: Poland 1981-82", Trios, 50, 1982.

(;.9

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM()

cial-democracia, corn sua fe ilimitada no Estado como agente de melhoria social,bem como a emergencia das lutas emancipardrias par movimentos sociais naobaseados em classe, corn uma sensibilidade as dimensties da experiencia humanaque foi geralmente subestimada pela esquerda socialism traditional. Essa sensibili-dade aos perigos oferecidos pelo Estado e as complexidades da experiencia huma-na pode ter-se associado a uma ampla gama de ativismos, abarcando tudo desde oferninismo, a ecologia e a paz, ate a reforma constitutional. Todos esses projetos sebasearam no conceiro de sociedade civil.

Nenhum socialista hi de duvidar do valor dessas novas sensibilidades, masdeve-se ter serias dtividas sobre esse metodo particular de concentrar a aterkaosobre elas. Temos de pagar urn alto preco pelo conceito abrangente de "sociedadecivil". Esse abrigo conceitual, que a tudo cobre, desde os lares e as associa95esvoluntirias ate o sistema econeornico do capitalismo, confunde e disfarca tantoquanta revela. Na Europa Oriental, de inclui tudo, desde a defesa dos direitospoliticos e das liberdades culturais ate o marketizacao das economias pea-comu-nistas e a restauracao do capitalismo. "Sociedade civil" pode ser entendida comoum cOdigo ou mascara para o capitalismo, e o mercado pode se juntar a outrosbens menos ambfguos, como as liberdades politicas e intelectuais, como urn obje-tivo desejivel acima de qualquer dtivida.

Mas se os perigos dessa estrategia conceitual c da entrega ao mercado do espacolivre da "sociedade civil" parecem empalidecer diante da enormidade da opressaostalinista no Leste, problemas de uma ordem muito diferente surgem no Ocidente,onde realmente existe urn capitalismo completamente desenvolvido e onde a opres-sao pelo Estado nao e urn mall poderoso e imediato que oculta todos os males sociais.Uma vez que, neste caso, o conceito de "sociedade civil" deve abranger toda umacamada de realidade social que nao existia nas sociedades comunistas, as implica95esde seu uso, sob certos importantes aspectos, sao ainda mais problemiticas.

Neste caso, o perigo esti no faro de a logic; totalizadora e o poder coercitivo docapitalismo se tornarem invisfveis quando se reduz todo o sistema social do capita-lismo a urn conjunto de instituicOes e relacOes, entre muiras outras, em pe deigualdade corn as associacties domesticas ou voluntirias. Essa redo* 6, de fato, aprincipal caracteristica distintiva da "sociedade civil" nessa nova encarnacao. 0efeito e fazer desaparecer o conceito de capitalismo ao desagregar a sociedade emfragmentos, sem nenhum poder superior, nenhuma unidade totalizadora, nenhu-ma coerclo sistemica ou seja, sem urn sistema capitalista expansionista e doradoda capacidade de intervir em todos as aspectos da vida social.

•E a estrategia tipica do argument° da "sociedade civil" — na verdade, sua raisondetre — =car o "reducionismo" ou o "economicismo" marxista. 0 marxismo,dizem, reduz a sociedade civil ao "trod° de producao", a economia capitalista. Aimportincia de outras instituicOes — como familias, igrejas, associacOes cientificase literirias, prisOes a hospitais — e desprezada"8.

'KEANE. Democracy and Crud Society, p. 32.

210

Tenham ou ntuicOes, a fraquelcomo hospitais?)mesmo para os nno Ocidente osque afetou profuinstituicOes medilativa aos efeitosinstitukOes" signcontrario, que elva? Nao haveria Ias bases quantiosocial e a eficiciacomo estas. Terntras" institui46estamente a questa

Hi outra ventotalidade sistérnoutros modos deestratificacao gutde classes, e conconstitutiva e a clrelacOes "econOrn6 vista como umsdo ponto de visepela razao simple

Trata-sc de uMica totalizantedades e relacifiesAna', apenasou de. clesIgaaipoder, mas tambmica da a41-MUraque classe nao ede e dominacio.

PTra negar a 1vincentementenenhuma formasistema de relaciimpulso de actucriacio do mere;

9 COHEN. Clot and G

.ADE Civil. F. poancA DE IDENTIDADE

Tenham ou nao os marxistas dado muito pouca atencio a essas "outras" insti-tuicOes, a fraqueza dessa justaposicao (a economia capitalista e outras instituicOescomo hospitais?) deve ser imediatamente evidente. Corn certeza deve ser possivel,mesmo para os nao-marxistas, reconhecer, por example', a verdade simples de queno Ocidente os hospitais esti° situados no interior da economia capitalista, oque afetou profundamente a organizacio da assistencia a snide e a natureza dasinstituicöes medicas. Mas seria possivel conceber uma proposicao semelhante re-lativa aos efeitos dos hospitais sobre o capitalismo? Essa observacao sobre "outrasinstituivies" significa que Marx nao deu o devido valor a tares e hospitais, ou, pelocontrario, que ele nao atribuiu a elas a mesma forca historicamente determinati-va? Nao haveria base para distinguir entre essas diversas "instituiciies", sobre todasas bases quantitativas c qualitativas, desde o tamanho e o alcance ate o podersocial e a eficacia histOrica? 0 emprego atual de "sociedade civil" evita perguntascomo estas. Tem tambem o delta de confundir as reivindicacOes morals das "ou-tras" instituiciies corn seu poder determinativo, ou melhor, de desprezar comple-tamente a questao essencialmente empirica das determinaciies histdricas e socials.

Ha outra versa. ° do mesmo argumento que, em vez de simplesmente evitar atotalidade sistémica do capitalismo, a nega explicitamente. A prOpria existencia deoutros modos de dominacio que nao as relaciies de classe, outros principios deestratificacio que nao a desigualdade de classe, outras lutas sociais que nao a lutade classes, 6 considerada uma demonstracio de que o capitalismo, cuja relacioconstitutiva 6 a classe, nao 6 urn sistema totalizante. A preocupacio marxista cornrelacOes "econOmicas" e classes ern prejuizo de outras relaciies e identidades sociaise vista como uma demonstracao de que as tentativas de "totalizar toda a sociedadedo ponto de vista de uma esfera, a economia ou o modo de producao", 6 erradapela razao simples de que evidentemente existem outras "esferas"'.

Trata-se de um argumento circular, uma peticao de princfpio. Para negar ahtica totalizante do capitalismo, nao basta apenas indicar a pluralidade de identi-

,c-

dades e relaVies sociais. A relacio de classe que consticui o capitalismo nao e,aA—naf, ape- nas "uma identidade pessoal, nem mesmo urn principio de "estratificacao"_u_sieldesiguirdade.-Nio se trata apenas de um sistema especifico de relacOes de

poder, mas tambem da relacio constitutiva de urn processo social distinto, a dina-Taida acumulacao e da auto-expanslo do capital. E passive! mostrar facilmente;

que classe nioe o .tinico principio de "estratificacio", a unica forma de desigualda-;

de e dominacao. Mas isso nada nos diz sabre a lOgica totalizante do capitalismo..,Para negar a lagica totalizante do capitalismo seria necessirio demonstrar con--

vincentemente que essas outras esferas e identidades nao vem — pelo menos denenhuma forma significativa — dentro da forca determinativa do capitalismo, seusistema de relaceies sociais de propriedade, seus imperativos expansionistas, seuimpulso de acumulacio, a transformacao de toda vida social em mercadoria, acriaclo do mercado como uma necessidade, urn compulsivo mecanismo de corn-

9 COHEN. Class and Civil Soddy, p. 192.

211

discussan a urn merocontemporaneo) comdos os socialistas,das geralmente,princ-fp-ia-sdareesfera "nao-estatal"nheiarnos_que Ade quAq_ner espectdemocracia. com asconfinada a taisrais" terio de assumir

-d-asua forma no-- Mas permanecem

maneiras (que sin, del"democracia formal" dPodemos aceitar asdes civis. A aceitasiodades civis, mas Limb!"o melhor meio de analpara tambem reconhelhistOricas levar a "deallo — como ji ocorreu 0perceber essas ligagraesisabre a democracia e oi

A ligacao histOricipode certamente ser feldade civil. Entretanto;clo e o processo hidin terpretacio simuldoipaz de ver a evoluglo ■progressiva. Trata-se dimo, ou ideologia "bugde democracia da esqo

Os pressupostos hito sào definidos comsofisticado de urn intdlume dedicado a madsirva como modelo deracterizar as trés difereoe alguma coisa entre aoferece a seguinte deo

Discud essas questaes em make

DRMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

peticao e de "crescimento" auto-sustentado etc. Mas os argumentos da "sociedadecivil" (ou os argumentos pOs-marxistas de modo geral) nao assumem a forma darefutari.lo histarica e empfrica dos deltas determinativos das relaceies capitalistas.Pelo contririo (quando nao adotam a formula circular: o capitalismo nao 6 urnsistema totalizante porque existem outras esferas que nit) a economia), tendem ase apresentar como argumentos filosOficos abstratos, como crfticas internas dateoria marxista ou, o que e mais comum, como prescrishes morais acerca dosperigos de desvalorizar as "outras" esferas da experiencia humana.

De uma forma ou de outra, o capitalismo 6 reduzido ao tamanho e ao peso de"outras" instituicOes singulares e especfficas e desaparece na noire conceitual emque todos os gatos sag pardos. A estrategia de dissolver o capitalism° numapluralidade desestruturada e indiferenciada de instituicOes e relacOes sociais naoajuda,_apenas enfraquece, a Imp analitica e normativa da "sociedade civil", suacapacidade de enfrentar a limitacio e legitimacao do poder, bem como sua utili-dade na orientacio de projetos emancipat6rios. As teorias atuais ocultam a "socie-dade civil" cm seu sentido caracteristico de forma social especifica do capitalismo,uma totalidade sistemica dentro da qual se situam codas as outras instituicOes e naqual codas as forcas socials tern de encontrar seu caminho, uma esfera especifica esem precedentes de poder social, que propOe problemas inteiramente novas delegitimactio e controle, problemas que ainda nao foram encarados pelas teoriastradicionais do Estado, nem polo liberalismo contemporineo.

CAPITALISMO, "DEMOCRACIA FORMAL" E A ESPECIFICIDADE DO OCIDENTE

Ur.oa das principais acusacbes feitas ao marxismo pelos defensores da "socieda-de civil" 6 que de coloca em risco as liberdades democriticas quando identifica a"democracia formal" ocidental — as formal legais e politicas que garantem espacolivre para a "sociedade civil" — com o capitalismo: a sociedade "burguesa" seria omesmo que a "civil". 0 perigo, dizem des, 6 que poderfamos ser tentados a jogarGra— o beb'e corn a igua do banho, rejeitar a democracia liberal junto corn o

Deverfamos, ao contrail° , reconhecer os beneffcios da democracia for-mal e expandir, ao mesmo tempo, seus principios de liberdade e igualdadeindividual, dissociando-os do capitalismo para negar que este seja o Unica, ou omelhor, meio de promover tais principios.

t . preciso que se diga que a crftica do marxismo moderno nesses termos des-(' .preza o grosso da teoria politica marxista desde a decada de 1960, especialmente

tr depois do renascimento da teoria do Estado corn o debate "Miliband-Poulanrzas"..„40 Corn certeza, as liberdades civis foram uma preocupacio importante dos dois

4s 1 ' lados daquela controversia, e de muitas outras que se seguiram a ela. Ate mesmo aafirmacio de que o marxismo "clissico" — na pessoa de Marx ou de Engels — eraindiferenre as liberdades civis esti aberta a questionamento. Mas, sem reduzir essa

la Ver, por exempt°, idem, ibidem, p. 49; KEANE, Dentarrary and Civil Society, p. 59; HELLER, Agnes. "On FormalDemocracy". In: KEANE, Civil Socie, and the State, p. 132.

212

r 1 4,4 r4 tint

SOCIEIMDE CIVIL EPOL1T1CA DE 111EN111),11.)F.

discussio a urn mero debate textual sobre a atitude do marxismo ("classico" ou

contemporineo) corn relacao as liberdades "burguesas", devemos admitir que to-dos_ os socialistas, marxistas ou nao, devem apoiar as liberdades civis (hoje chama-das geralmente, ainda que de forma urn tanto vaga, de "direitos humanos"),

princfplos -da legalidade, da liberdade de expressao e de associasao, e a protecao daYesfera "nao-estatal" contra interferencias por parte do Estado. E. preciso que reco-

nhecamosgue algumas prote95es individuals dense tipo sio condicOes necessarias ,

de ,qualquer especie de democracia, ainda que nao aceitemos a identificacio de .democracia corn as salvaguardas formais do "liberalismo", ou que democracia sejaconfinacia a tail salvaguardas, e mesmo que acreditemos que as prote95es "libe-rais"terio de assumir na democracia socialista uma forma institutional diferente

sua forma no capitalismo". _

--Mas permanecem as dificuldades da discussao da "sociedadeHa outras

maneiras (que sao, de fato, as maneiras principals na teoria marxista) de associar a"democracia formal" corn o capitalismo alem da rejeicao de uma corn o outro.Podemos aceitar as liga0es histOricas e estruturais sem negar o valor das liberda-des civis. A aceitacao dessas ligac6es nao implica a obrigacao de depreciar as liber-dades civis, mas tambem nao nos obriga a aceitar o capitalismo como o Unico ouo melhor meio de manner a autonomia individual; e nos deixa perfeitament e livres

pars tambem reconhecer que o capitalismo, embora possa sob certas condiciaeshistOricas levar a "democracia formal", a perfeitamente capaz de se recusar a faze-lo como ja ocorreu mais de uma vez na histOria recente. De qualquer forma, naoperceber essas ligaciaes, ou nao entender seu carater, limita nossa compreensaosobre a democracia e o capitalismo.

A ligacao histOrica e estrutural entre a democracia formal e o capitalismopode certamente ser formulada corn referencia a separacio entre Estado e socie-dade civil. Entretanto, muita coisa depende de como interpretamo s essa separa-

cao e o processo histOrico que a gerou. Hi uma visa° da histOria, e umainterpretacao simultinea da separacao entre Estado e sociedade civil, que 6 inca-paz de ver a evolucio do capitalismo como outra coisa que nao uma evolucloprogressiva. Trata-se de uma visao da histOria geralmente associada ao liberalis-mo, ou ideologia "burguesa", mas que parece se ocultar por tris das concepcties

de democracia da esquerda.Os pressupostos histOricos subjacentes a defesa da "sociedade civil" rararnen-

te sio delinidos corn clareza. Entretanto, ha um relato particularmente titil e

sofisticado de urn intelectual hangar°, publicado em traduclo inglesa n m vuo-

lume dedicado reanimacao da "sociedade civil" (Leste e Oeste), que talvezsirva como modelo de interpretacao hist6rica relevance. Numa tentativa de Ca-racterizar as tres diferentes "regiiies histOricas da Europa" — o Ocidente, o Orientee alguma coisa entre os dois Jeno Szacs (seguindo os passos de Istvan Bibo)oferece a seguinte descricao do modelo "ocidental" na "busca das raizes mais

I DiSCAlti essas quest5cs cm mais detalhe no men livro The Retreat from Claw A New "True" Satiation, Londres,1986, cap. 10.

213

marcos da ascenslo dascorn relacao ao Ocidentemais profundas" da deque para etc a "ideia

Vamos examinar ate. Vistas de outrorelaciies politic= pelosrania, a mesma "autounicidade e sua impoter conseqiiencias muitodesenvolvimento da

A divergencia do "Estado comecou muitogrega, mas para nossosRomano. Essa divecorn as formas politicos,aqui a evoluyao do siscaracteristica curiosa,que modos de apropraparecem, na sua ditalvez tambem expliquede e feudalismo. Noquintessencial do regialguma forma de concivil ocidental e o sist

Roma representa umno mundo amigo comeriqueza, ao trabalhoquistado por meio dotinha urn sistema muitode riqueza e o poderhierarquia burocraticaRoma foi distinta na ames propriedades funtinha um apetiteprecedentes e urn poderperios antigos na avid=foi Roma quem estenrio vasto e diferenciamas por meio de urnraga. ° de aristocraciasEstado imperial forte eyao a de, urn Estadodir, o desenvolvimento

7 DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

profundas de urn 'mod° democratic° de organizayio da sociedade'' 12. 0 "arri-buto mais caracteristico do Ocidente 6 a separayao estrutural — e te6rica — entre`sociedade' e 'Estado'", uma forma Unica de desenvolvimento que esti no Imagoda democracia ocidental, enquanto sua ausencia no Leste explica uma evoluyioda autocracia ate o totalitarismo". As ratzes dessa evoluyio, segundo ele, esti°no feudalism° ocidental.

A unicidade da histOria ocidenral esti, de acordo corn essa discussao, numa"'decolagem' abso/utamente incomum no crescimento das civilizacOes. Essa 'de-colagem' se deu em meio desintegrayao, em vez da integraydo, e em meio aodeclInio de uma ao reagrarianismo e A anarquia politica crescenteni4.Essa fragmentaclo e essa desinregrayao foram as precondicOes da separacao entre"sociedade" e "Estado". Nas altas civilizacOes do Leste, onde essa separayao n5oocorreu, a funcio politica continuou a set- exercida "de cima para baixo".

No processo de "fragmentayio" feudal do Ocidente, as antigas relayks poll-ticas entre Estado e serditos foram substituidas por novos lacos, de naturezacontratual, entre senhores e vassalos. Essa substituicao das relay3es politicas porimportantes relac6es sociocontratuais teve, entre suas principais conseqiiencia,urn novo principio de dignidade humana, liberdade e "honra" do indivfduo. E adesintegraclo territorial em pequenas unidades, cada uma com seu prOprio di-reito consuetudinario, gerou uma descentralizacio do direiro que foi capaz deresistir aos "mecanismos 'descendentes' de exercicio do poder"". Mais tarde,quando as monarquias ocidentais recuperaram a soberania, o novo Estado foiessencialmente constituido "verticalmente de baixo para cima"". Foi a unidadena pluralidade que transformou as "liberdades" nos "principios organizadoresinternos" da estrutura social ocidenral "e Ievou ao que definiu tao nitidamente alinha que separa o Ocidente medieval de muitas outras o nascimen-to da `sociedade' como entidade aut6noma"t7.

Muita coisa nessa argumentacio e de faro esclarecedora, mas tambem ins-trutiva a tendenciosidade de seu 'Angulo de visa°. Esti° aqui todas as caracteristi-cas da hist6ria liberal: o progresso da civilizayao (pelo menos no Ocidente) vistocomo a ascenslo continua da "liberdade" e da "dignidade" individuais (se existealguma diferenca critica entre o relato de Sziics e a visao liberal tradicional e ofato de a segunda ser mais franca em relayao a identificayio de individualidadecorn propriedade privada); o foco principal de tensäo entre indivIcluo ou "socie-dade" e o Estado como forca morriz da histOria; ate mesmo — talvez especialmen-te — a tendencia a associar o avanco da civilizacao e da prOpria democracia a

12 SZOCS, Jena. "Throe Historical Regions of Europe'', on Keane, Owl Such, ant !she State, p.294.°Mem, ibidem, p. 295.14 Idem, ibidem, p. 296.5 'dem, ibi,km, p. 302.

es idem, ibidem, p. 304.17 Idem, ibidem, p. 306.

214

SOCIEDADE CIVIL E POLITICA DE IDENTIDADE

marcos da ascensdo das classes proprietarias. Embora nada haja de democratic°corn relacao ao Ocidente medieval, admite Sides, e all que se encontram as "raizesmais profundas" da democracia. Embora Win o afirme em tantas palavras, pareceque para ele a "ideia constitutiva" da democracia moderna foi o senhorio.

Vamos examinar a mesma seqaencia de eventos de urn ponto de vista diferen-te. Vistas de outro 'Angulo, a mesma "fragmentacao", a mesma substituicio dasrelacties politicas pelos laws sociais e contratuais, a mesma "parcelizacao" da sobe-rania, a mesma "autonomia da sociedade", mesmo quando se reconhece suaunicidade e sua importancia na trajetOria do desenvolvimento ocidental, podemter conseqiiencias muito diferentes para nossa avaliacao da "sociedade civil" e dodesenvolvimento da democracia ocidental.

A divergencia do "Ocidente" em relacao ao padrio "oriental" de formacio deEstado comecou muito antes do feudalism° ocidental. Recua ate a Antiguidadegrega, mas para nossos fins a possivel identificar urn marco critico no ImperioRomano. Essa divergencia, 6 preciso que se diga, relacionou-se nao somenteCorn as formas politicas, mas, acima de tudo, corn os modos de apropriacio — eaqui a evolucao do sistema romano de propriedade privada foi decisiva. (E umacaracteristica curiosa, mas tambem "sintomatica" da argumentacao de Sziicsque modos de apropriacao e de exploracao nao aparecam corn destaque, se e queaparecem, na sua diferenciacao das tees regieoes histOricas da Europa — o quetalvez tambem explique sua insistencia no rompimento radical entre Antiguida-de e feudalism°. No minim°, a sobrevivencia do direito romano, o simboloquintessential do regime de propriedade romano, deveria ter indicado a Sziicsalguma forma de continuidade fundamental entre a "autonomia" da sociedadecivil ocidental e o sistema romano de apropriacao.)

Roma representa urn contraste gritante corn outras "altar" civilizacöes — tantono mundo antigo coma nos seculos posteriores nas quais o acesso a granderiqueza, ao trabalho excedente de outros ern grande escala, foi geralmente con-quistado por meio do Estado (por exemplo, a China ja no final do imperio, quetinha urn sistema muito desenvolvido de propriedade privada, mas onde a gran-de riqueza e o poder nao se concentravam tanto na terra quanto no Estado, nahierarquia burocratica cujo pinaculo era a torte e os funcionarios imperials).Roma foi distinta na enfase que deu a propriedade privada, na aquisicao de enor-mes propriedades fundiarias, corno meio de apropriacao. A aristocracia romanstinha urn apetite insaciavel por terra que criou concentraceies de riqueza semprecedentes e urn poder imperial predatOrio sem rival entre todos os outros im-perios antigos na avidez nao somente de impostos, mas tambem de territOrios. Efoi Roma quern estendeu seu regime de propriedade privada por todo um impe-rio vasto e diferenciado, governado sem necessidade de uma burocracia pesada,mas por meio de urn sistema "municipal" que constituia efetivamente uma fede-cacao de aristocracias locals. 0 resultado foi uma combinacao especifica de urnEstado imperial forte e uma classe proprietiria dominante e autemoma em rela-cao a ele, urn Estado forte que, ao mesmo tempo, incentivava, em vez de impe-dir, o desenvolvimento aut6norno da propriedade privada. Foi Roma, em resumo,

215

traelo da substandaralmente ao capitalis

Ja discuti algunsurn certo paradoxo nque nossa concepelo"democracia formal"como pouco mais queveneamos de que afire

A separacao entrenovas formas de fiberminaelo e de coerek"sociedade civil" comeas condieóes histOricasEstado c sociedade civiem que muitas tune/5espara a esfera "privada",vos de mercado. Em ccriou o mundo histori

"Sociedade co "pdblico" e o "priva■presenca e opressao ph

uma cruel lOgica sisternä° apenas se coloca e;

IB A defesa da democracia fon,*em "On Formal DenKsa

democracias se transformam imoIrrisnic-aiica-feira por um aniickqua a dcgraciacSo das democraciado fascismo italiano ealernio). a130). Consideremos tuna frase -A-tirania (a mx e mars caracterisniovalcluer relacio corn seqUeniiiida tirania e aobreviveu por quafrikarmente superior. Dutanteaque sohreviveu a pr6pria dentsA reptiblica torrtana realmenteda repnblica e sua substicuiceio pcgrande inspiracao do quo Hellerdos Unidos.) Direr que a "clegraitimido numa associacAo corn IIinseparavelmente ligada ao regimnenhuma democracia formal quepelos critirios de Heller, tem uma reptiblica americana, a quern elapar a exclusio atcniense dastrabalhadores livres -cidadiosate quo os Ultimos Estados abolissde estratagemas usados para doecompletamente removidos). Asaiduracio de calves um sEculo e

216

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

que estabeleceu firme e deliberadamente a propriedade privada como uma sedeautemoma de poder social, separada do Estado, mas mantida por de.

A "fragmentaelo" do feudalismo deve ser vista sob essa luz, enraizada naprivatizacio do poder ja inerente ao sistema de propriedade romano e na adminis-tragic) "municipal" fragmentada. Quando finalmente se resolveram as tensOes entreo Estado imperial roman e o poder autOnomo da propriedade privada pela &since-gracio do Estado central, permaneceu o poder autemomo da propriedade. As anti-gas rela95es politicas entre governantes e stiditos se dissolveram gradualmente emrelacOes "socials" entre senhores e vassalcs, e, particularmenre, entre senhores e cam-poneses. Na instituielo do senhorio, os poderes politico e econSmico se uniramcomo haviam sido unidos onde o Estado era a principal fonte de riqueza privada;mas, dessa vez, essa unidade passava a existir numa forma privatizada e fragmentada.

Dessa perspectiva, o desenvolvimento do Ocidente dificilmenre pode ser vistocomo apenas o crescimento da individualidade, o dominio do direiro, o progresso daliberdade ou do poder que vem de "baixo"; e a autonomia da "sociedade civil" ad-quire um significado diferente. A prOpria evoluelo descrita por Szucs nesses termos

também e ao mesmo tempo a evolueio de novas formas de exploracio e domina-elo (o poder constitutive/ originado de "baixo" afinal, o poder do senhorio), novasrela95es de dependencia e servidio pessoal, a privatizacio da extra* de excedentese a transferencia de antigas opressOes do Estado para a "sociedade" — ou seja, a trans-ferencia de relacties de poder e dominacio do Estado para a propriedade privada.Essa nova divisio de trabalho entre o Estado e a sociedade tambem lancou as funda-cOes (como condieä° necessaria, mas näo suficiente) para a crescente separacio entrea apropriacio privada e as responsabilidades ptiblicas que se realizou no capitalismo.

0 capitalismo representa entdo a culminacio de urn longo desenvolvimento,mas rambem constitui um rompimento qualitativo (que ocorreu espontaneamenteapenas nas condicOes histOricas particulares da Inglaterra). Ele n5o se caracterizaapenas por uma transforma9io de poder social, uma nova divisio de trabalho entreo Estado e a propriedade privada ou classe, mas tambern marca a criacio de umaforma nova de coerglo, o mercado — o mercado n'ao apenas como uma esfera deoportunidade, liberdade e escolha, mas como compulsio, necessidade, disciplinasocial capaz de submeter todas as atividades e relae6es humanas as suas exigencias.

A SOCIEDADE CIVIL E A DESVALORIZACÁO DA DEMOCRACIA

Mao basta enrio afirmar que a democracia pode se expandir pela separae..aodos principios da "democracia formal" de toda associacio corn o capitalismo.Tambim nao basta afirmar clue a democracia capitalista 6 incompleta, urn esti-gio de um desenvolvimento progressivo que deve se aperfeicoar pelo socialism°e avanear Aim das limitavies da "democracia formal". A guestao 6 antes que aassociaelo do capitalismo corn a "democracia former representa uma unidadecontraditOria de avarice, e recuo, canto urn aperfeicoamento quanto uma desva-lorizacio da democracia. A "democracia formal" 6 corn certeza um aperfeicomento das formas politicas a que faltam liberdades civis, o domlnio do climb.° eo principio da representacio. Mas ela 6 tamb6m, e ao mesmo tempo, uma sub-

x i txt ■ IX In

SOCIEDADE CIVIL E POLITICA DE IDENTIDADE

tracio da substincia da ideia democratica, aquela que se liga histOrica e estrutu-.ralmente ao capitalismo's.

JO -discuti alguns desses temas em capItulos anteriores. Aqui, basta observarurn certo paradoxo na insistencia corn que se afirma que nä° devemos permitirque nossa concept* de emancipat* humana se restrinja pela identificacio da"democracia formal" corn o capitalism°. Se pensarmos a emancipacao humanacomo pouco mais que uma extensio da democracia liberal, entio talvez nos con-

vencamos de que afinal o capitalism° 6 a melhor garantia.A separacio entre Estado e sociedade civil no Ocidente certamente gerou

novas formal de liberdade e igualdade, mas tambem criou novos mottos de do.-mina*, e de coercio. Uma das maneiras de se caracterizar a especificidade da"sociedade civil" como uma forma social particular Unica no mundo moderno –as condiVies histOricas particulares que tornaram possivel a distincio moderna entreEstado e sociedade civil – 6 dizer que ela constituiu uma nova forma de poder social,em que muitas funcOes coercitivas que pertenceram antes ao Estado foram deslocadas

. —para a esfera "privade, a propriedade privada, a explora9rio de classe e os imperati-vosde mercado. Em certo sentido, trata-se da privatizat* do poder ptiblico quecriou o mundo historicamente novo da "sociedade civil".

"sociedadeconstitui nao somente uma relacao inteiramente nova entre

o "pUblico" e o "privado", mas urn reino "privado" inteiramen te novo, corn clara

presenca e opressio piTblica prOpria, uma estrutura de poder e dominacio Unica euma cruel lOgica sistemica. Representa uma rede particular de rela93es sociais quenio apenas se coloca em oposicio as fund: 3es coercitivas, "policiais" e "administra-

la A defeats da democracia formal a is vezcs explicitamente acompanhada de urn ataque4 democracia "substantiva". Agnes

Heller, em 'On Formal Democracy", escrevet "A afirmacia de Aristeaeles, um analista altamente realista, de que codas as

democracies se transform= imcdiatamen te em anarquia, e esra ern rirania, foi a declaracio de um faro, nio ulna calinia

riltaTiFitica fajta por urn anidemocrata . A reptiblica romana nunca foi democritica. E quero acresccntar que mesmo

que a degradacio das democraciast

moderns em tiranias este3a hinge de s ee eliminada (fomos testemunhas disso no caso

do fascismo italiano e alemio), a perroaOncla du democracias modems Sc deve precisamente ao seu canter formal" tp.

130). Considcremos uma frase de coda ave. A dernincia da democracia antiga coma o prcruincio inevnlvel da marquis c

tirani;lo que i mail caracterfsticu de riACIO ore de Polfbio Tiede Arisceetcles)e umacalania ancidemncricica. Ela nio rem

qualquer relacio corn sequencias histriricas, causais ore aonoldgicas. A democracia ateniense trouse o fim da instimicio

da Jirania e sobrcviveu por quase dais sectdos., pap Engine= sec derrotada nio pals anarquia, mas por uma forca

militarmantesuperiiii. Durance aquelcs seculos, avidenternente, Arenas produziu uma culcura Inuit° frurffera a influence

qua sobreviveu 4 prdpria derrota e tambem lancou as bases das concepcOes ocidentais tic cidadania c d....ninio do direito.

A reptiblica romana realmente "nunca foi democricica", c o resultado mais notivel de seu regime aristocririco foi a mune

da reptiblica c sua substicuicio por um govern autocratic° imperial. (Aquela reptiblica antidemocritica foi, por acaso, a

grande inspiraclo do qua Heller considera a document° constitutivo da democracia moderns, a Constituicio dos Esta-

dos Unidos.) Direr que a "degradacio da democracia moderna cm tirania esti longe de scr eliminada" parece urn pouco

timid° numa assoriacio corn a fascismo — para nio mencionar a histeria da guetra c do imperialism° que estiinseparavalmente ligada so regime da democracia formal. Qualm) 4 durac40, vale a pens mencionar que ainda

nio existe

nenhuma democracia formal qua tenha durado tanto quanta a democracia atcniense.t Nenhumaural "democ

iraci

acea" curopeia,

pelos ai arias de Heller, tern urn seculo de vista (na Gra-Bretanha, por ouemplo. a voacio pl sobrevveu i 948); e

a reptiblica americana, a quern ela atribui a "ideia constitutive" da democracia formal. levou urn bongo tempt' ate aperfei-soar a exclusio ateniense das muiheres e dos escravos, so passe qua nio se pode considers/ que nem tnesmo os humans

trahalhadorcs !lyres — cidadios integrals da democracia ateniense— tenham ganhado acesso irrestrito a cidadania "formal"

ate que os ailtimos Estados abolissem as qualificacbes por propriedade no final do seculti XIX (sem mencionar a varicd foram

completamente removidos). Mint, na melhor das hipdteses (e apenas pars os homens brancos), cxiste urn registro de

duracilo de talvez urn seculo e mein para as "democracias formals" existences.

217

As atuais teoriasde liberdade e drelacoes de gene_.etc. Na verdade,se tornararn o forelation_ ada ao poder

masue

as

fora de moda.sociedade civil,Estado, ao passo q aemancipacio humana„sociedade civil, suaprotecao oferecidarecer de vista goconstituem a socimas como sua pr6pque especifica dotermina as func6es

0

Portanto, a redtern dois lados.liberdades civis e aoscivil tende tambem acoerc6es da sociedadeenraiza nas relacoes dedizer dessa dedicacloao tratar a diversidade

E aqui que o cult°diferenca e da divda nova esquerda.mais hermeticas teoriasnovos movi men toiA

pluralismo. De Eras mastde interesses divergentemconcepcio de diversidaiprofundidade psiquica 4opiniao ou do "compoilele nao pressupOe quepossam acomodar todaypara serem livres e igulihornens); 3) apOia-se maca histOrica, do mundocapitalista conternporkrmo, mas a heterogeneidi

DEMOCRACIA CONITPA CAPITALISMO

tivas" do Estado, mas tambem a transferencia dessas funclies, ou, no minim, deuma parte significativa delas. Ela gera uma nova divislo do trabalho entre a esfera"peiblica" do Estado e a esfera "privada" da propriedade capitalista e do imperativode mercado, em que apropriacio, exploraclo e dotninacio se desligam da autori-dade pablica e da responsabilidade social — enquanto esses novos poderes privadosdcpcndem da sustentacio do Estado por mein de urn poder de imposicao maisconcentrado do que qualquer outro que tenha existido anteriormente.

A "sociedade civil" deu a propriedade privada e a seus donos o poder decomando sobre as pessoas e sua vida diaria, urn poder reforcado pelo Estado,mas isento de responsabilidade, que teria feito a inveja de muitos Estadoscos do passado. Mesmo as atividades e experiencias que estejam fora da estrum-

. ra imediata de comando da empresa capitalista, ou fora do alcance do grandepoder politico do capital, sio reguladas pelos ditames do mercado, pela necessi-dade de competicioe de lucro. Mesmo quando o mercado nio 6, como em geral

1 acon`tece nay sociedades capitalistas avancadas, urn mew instrumento de poderpara conglomerados gigantescos c empresas multinacionais, ele ainda assimuma forca coercitiva capaz de submeter todos os valores, atividades e relacoeshumanos aos seus imperativos. Nenhum despota amigo teria esperado invadir avida privada de seus sticlitos — suas oportunidades de vida, escolhas, preferen-cias, opini6es e relacoes — corn a mesma abrangencia e detalhe, nao somente nolocal de trabalho, mas em todos os caiitos de sua vida. E o mercado criou novosinstrumentos de poder a serem manipulados nio apcnas pelo capital multinacio-nal, mas tambem pelos Estados capitalistas avancados, que tem capacidade deimpor "disciplinas de mercado" draconianas sobre outras economias enquantoprotegem capital domestic° prOprio. Em outras palavras, coercio nlo e apenasum defeito da "sociedade mas urn de seus mais importantes princfpiosconstitutivos. As funcoes coercitivas do Estado foram em grande parte ocupa-das na imposicio da dominacio na sociedade civil.

A realidade histOrica tende a solapar as distincoes nitidas exigidas pelas teo-rias correntes que nos pedem para tratar a sociedade civil como, pelo menos emprincipio, a esfera da liberdade e da nä° voluntaria, a antftese do principioirredutivelmente coercitivo quc pertence intrinsecamente ao Estado. l verdadeque na sociedade capitalista, corn a separacio entre as esferas "politics" e "eco-neomica", ou seja, o Estado e a sociedade civil, o poder coercitivo pUblico estimais centralizado e concentrado do que nunca, mas isso apenas quer dizer queuma das principais fun46es de coercio "ptiblica" por parte do Estado 6 apoiar opoder "privado" na sociedade civil.

Um dos exemplos mais Obvios da visa.° distorcida produzida pela meradicotomia entre o Estado como a sede da coacao e a "sociedade civil" como oespaco livre 6 o grau em que as liberdades civis, como a liberdade de expressio oude imprensa nas sociedades capitalistas, sao medidas nä ° pela variedade de opi-ni6es e debate oferecidos pela midia, mas pelo grau em que as empresas de co-municacao sio propriedade privada e o capital a livre para lucrar corn elan. Aimprensa 6 "livre" quando e privada, mesmo que seja uma "fabrica de consenso".

218

it • , p / ttP /04 t*-ti .

'UTICA DE IDENTIDADE

As atuais teorias da sociedade civil reconhecem o fato de ela nao ser o espacode liberdade e democracia perfeitas. Ela sofre corn a opressäo na familia, nasrelacOes de g'6nero, no local de trabalho, pelas atitudes racistas, pela homofobia

Na verclade, pelo menos nas sociedades capitalistas avancadas, tais opress6esse tornaram o foco principal de luta, enquanto a politica, no seu sentido antigo,relacionada ao poder do Estado, partidos e oposicio a des, Pica cada vez maisfora- de rri oda. Ainda assim, essas opress6es sdo tratadas como componentes dasociedade civil, mas como disfuncoes dela. Em principio, a coacio pertenceria aoEstado, ao passo que a sociedade civil seria o local onde se enrafza a liberdade; e aemancipacao humana, de acordo corn tais argumentos, consiste na autonomia dasociedade civil, sua expansao e seu enriquecimento, sua libertacio do Estado, e naprotecao oferecida pela democracia formal. Mais uma vez, o que tende a desapa-recer de vista s5o as relacOes de exploracio e dominacdo que irredutivelmenteconstituem a sociedade civil, nao apenas como um defeito alheio e corrigivel,mas como sua prOpria essencia, a particular estrutura de dominacio e coacioque 6 especifica do capitalism° como totalidade sisternica — e que tambem de-termina as func6es coercitivas do Estado.

0 NOVO PLURALISMO E A POLITICA DE IDENTIDADE

Portanto, a redescoberta do liberalismo no renascimento da sociedade civiltern dois lados. admirivel pela intenc.5o de tornar a esquerda mais sens(vel asliberdades civis e aos perigos da opressao pelo Estado. Mas o culto da sociedadecivil tende tambem a reproduzir as mistificacOes do liberalismo, mascarando ascoercOes da sociedade civil e ocultando as maneiras pelas quais a opressäo seenrafza nas relacties de exploracäo e de coacao da sociedade civil. Entao, o quedizer dessa dedicacao ao pluralismo? Como o conceito de sociedade civil se salao tratar a diversidade de relacOes e "identidades" sociais?

E aqui que o culto da sociedade civil, a sua representacio como a esfera dadiferenca e da diversidade, fala mais diretamente as preocupacOes dominantesda nova esquerda. Se ha_ algo que une os varios "novos revisionismos" — de5de asmais hermeticas teorias "pds-marxistas" e "p6s-modernistas" ate o ativismo dos`novos movimentos sociais" e a enfase na diversidade, na "diferenca", nopluralismo. De tres maneiras, o novo pluralismo supera o reconhecimento liberalde interesses divergentes e tolerincia (em princfpio) de opini6es diversas: I) suaconcepclo de diversidade penetra as externalidades dos "interesses" e vai ate aprofundidade psiquica da "subjetividade" ou "idencidade" e avanca para alem daopini5o ou do "comportamento" politico ate a totalidade dos "estilos de vida"; 2)de nao pressupOe que alguns princfpios universals e indiferenciados do direitopossam acomodar todas as diferentes identidades e estilos de vida (por exemplo,para serem !lyres e iguais, as mulheres necessitam de direitos diferentes dos doshomens); 3) apOia-se numa vislo cuja caracteristica essential, a diferenca especifi-ca hisc6rica, do mundo contemporAneo — ou, mais especificamente, o mundocapitalista contemporaneo nao 6 a forca totalizadora e homogenea do capitalis-mo, mas a heterogeneidade anica da sociedade "p6s-moderna", seu grau sem pre-

219

DEMOCRAC1A CONTRA CAPITALISMO

cedentes de diversidade, at mesmo de fragmentacao, que exige prindpios novos,mais complexes e pluralistas.

Os argumentos sao mais ou menos assim: a sociedade contemporanea se ca-racteriza por fragmentagao crescente, diversificacio de relacaes e experiencias so-ciais, pluralidade de estilos de vida, multiplicacao de identidades pessoais. Emoutras palavras, estamos vivendo num mundo "pels-moderno", urn mundo emque diversidade e diferenca dissolveram todas as antigas certezas e todas as antigasuniversalidades. (Neste ponto, algumas teorias pOs-manistas oferecem uma alter-

' nativa ao conceito de sociedade civil, afirmando nao ser mais possivel falar desociedade, porque esse conceito sugere uma totalidade fechada e unificada' 9.) Rom-peram-se velhas solidariedades — o que significa especialmente as solidariedades declasse e proliferaram movimentos sociais baseados em outras identidades e con-tra outras opresseies, movimentos relacionados a rata, ao género, a etnicidade,sexualidade etc. Ao mesmo tempo, esses acontecimentos ampliaram enermemen-te as oportunidades de escolha individual, tanto nos padthes de consumo comonos estilos de vida. o que algumas pessoas chamam de a tremenda expansao cia"sociedade civil"". A esquerda, continua a argumentacao, deve reconhecer essesacontecimentos e construir sobre des. Deve construir uma politica baseada nessadiversidade e diferenca. Deve tante celebrar a diferenca quanto reconhecer apluralidade das formas de opressao ou dominagao, a multiplicidade das lutasemancipadoras. A esquerda tem de reagir a essa multiplicidade de relagOes sociaiscorn conceitos complexos de igualdade, que reconhecam as necessidades e expe-riencias diferentes das pessoas2l.

Ha varia95es em tome desses temas, mas este é urn born resume do que se tornouuma corrente substantial da esquerda. Eta se orienta Para nos fazer abrir mao da ideiade socialismo e substitui-la pelo — ou incorpora-la ao — que se supOe seja uma caregoriamais inclusiva, a democracia, urn conceito que nao "privilegia" classe, como o faz osocialismo traditional, mas trata igualmente todas as opresseles. Ora, como declaracaogeral de principles, ha aqui coisas admiraveis. Nenhum socialista duvida da importan-cia da diversidade ou da multiplicidade de opressifies que precisam ser abolidas. Edemocracia e — ou deveria ser o que propoe o socialismo. Mas nao fica clam que onovo pluralism° — ou o que passou a ser chamado de "politica da identidade" — e capazde nos levar muito alem da afirmacao de principios gcrais e de boas intencties.

Pode-se tcstar os limites do novo pluralismo pela exploracio de seu principioconstitutive, o conceito de "identidade". Ele afirma ter a virtude de, ao contririodas noceies "reducionistas" ou "essencialistas" como class; ter a capacidade de —igualmente e sem preconceito ou privilegio — abranger tudo, desde entre a classe,de etnia ate raca ou preferencia sexual. A "politica da identidade" afirma entle ser

19 t esta, por exempio, a visio de Ernesto Ladau e Chantal Mouffe ern Hegemony and Socialist Strategy. Londres, 1985.20 Ver, por exemplo, HALL, Stuart. Marxism Today, outubro de 1988.11 A nocio de igualdade complexa d primariansente obra de Michael Walter, Spheres ofjustice [ed. port.: Al efferar dajunica,Lisboa, Presenca, 1999.1; A Afenee of Pluralism° and Equality, Londres, 1983. Ver tarnbem KEANE, Democracy and CivilSociety, p. 12.

220

mais afinada em sua smais inclusiva no aka

Entio, o que se patraves do prisma delhante)? 0 novo plusnbeia_todo tipo de _dcelebre essas diferencnacao e de opressio.,rentes, codes Iivresnecessidades especiaiscc...ideas quanto politicIrsse na sua visa° de— E±essivel imagingrenca" que define urnaissikualclade e pode4sexual ou cultural. Uricelebrar diferentes de

senndo seria "demos-----concepcio de liberdadela amplie o alcanceconcepcao de liberdadexistem muitos politerelaciies sociais, e issocao e democracia e34outro, isso certamenteres esti° sendo ocultadnos sociais muito difi_

minim°, igualdade deque se associam a iguslade -de classe represeaplica necessariamenadesigualdades sexual ecompativeis corn o calwades de classe é pondembora a exploracao sue nao se aplica as d95es sociais as sues net-des e opressoes que a:1

0 velho conceitodo que se convenciaacomodar as desigualttal ao capitalismo e setica especifica do capuniversal que nao se e

ir Ft I...41-

SOC1EDADE CiViL E POUTICA OF 1DENTIDADE

mais afinada em sua sensibilidade corn a complexidade da experiencia humana emais inclusiva no alcance emancipatOrio do que a velha politica do socialismo.

Entao, o que se perde — se 6 que realmente se perde — por se ver o mundoatraves do prisma desse conceito que a tudo engloba (ou qualquer outro seme-lhante)? 0 novo pluralismo aspira a uma comunidade democratica que reco-pheca_todo_tigo sic diferenca, de garter°, cultura, sexualidade, que incentive ecelebre essas diferencas, mas sem permitir que elas se tornem relacóes de domi-nacio e de opressao. A comunidade democratica ideal une seres humanos dife-rentes, todos livres e iguais, sem suprimir suas diferencas nem negar suasifecasidades especiais. Mas a "politica da identidade" revela suas limitacóes, tantotei5ricas quanto politicas, no momento em que tentamos situar as diferencas declasse na sua visao democratica.

ssfvel imaginar as diferencas de classe sem exploracao e dominacao? A "dife-renca que define uma classe como "identidade" f, por definicao, uma relacao dedisTgualdade e poder, de uma forma que nao necessariamente a das "diferencas"sexual ou cultural. Uma sociedade verdadeiramente democratica tern condicOes decelebrar diferencas de est Vda. de rl ILtiira nit deplefelLricia sexual; mas em que

seria "democratic° celebrar as diferencas de c re? Se se espera de uma—concepcito de liberdade ou igualdade adaptada a diferencas culturais ou sexuais queela amplie o alcance da liberacao humana, pode-se fazer a mesma afirmacio de umaconcern:10 de liberdade e igualdade que acomode as diferencas de classe? claro queexistem muitos pontos fracos no conceito de "identidade" tal como 6 aplicado asrelacties sociais, e isso 6 verdade nao apenas corn referenda a classe; mas se emancipa-clo e dernocracia exigem a celebraclo de "identidade" num caso, e sua supressao emoutro, isso certamente ja 6 suficiente para sugerir que algumas diferencas importan-tes esti° send° ocultadas numa categoria abrangente que se propiie a cobrir fenOme-nos sociais muito diferentes, como classe, genero, sexualidade ou etnicidade. Nominim°, igualdade de classe significa algo diferente e exige condicOes diferentes das. _ que se associam a igualdade sexual ou racial. Em particular, a abolicao da desigual-dadecie classe representaria por definicao o fim do capitalismo. Mas o mesmo seaplica necessariamente a abolicio da desigualdade sexual ou racial? Em princ_ ipio, asdesigualdades sexual e racial, como you discutir no prOxirno capitulo, nao sio in-compativers corn o capitalismo. Em compensacio, o desaparecimento das desigual-aades de classe a por definicao incompativel corn o capitalismo. Ao mesmo tempo,embora a exploracao de classe seja um componente do capitalismo, de uma forma_gue nao se aplica as diferencas sexual e racial, o capitalismo submete codas as relaVies sociais as suas necessidades. Ele tern condic6es de cooptar e reforcar desigualda-Zes e opress—cies que nao criou e aapti:laLags interesses da exploracao de classe.

0 velho conceito liberal de igualdade politica, legal e formal, ou uma nocaodo que se convencionou chamar de "igualdade de oportunidades", a capaz deacomodar as desigualdades de classe — e por isso nao representa desafio fundamen-tal ao capitalismo e seu sistema de rela46es de classe. Na verdade, E uma caracteris-tica especifica do capitalismo que seja possivel um tipo particular de igualdadeuniversal que nao se estenda as relacOes de classe — ou seja, exatamente a igualdade

221

nao apenas comocao do poder socialresse", c os doisuma totalidadecidaclios ao ."diferenca". Mas astas, ou pelo menosdes". Ambos re'm oa prtipria existenciada sociedade cahomogeneizacio.0dades do poder e • -o efeiro de tornar

..,estrutura doptiblica e privada-interesse se situamdois pluralismo

Essa negacioé, paradoxalmente,coma diver .4realidade dolentes defortnadoxasduto", o triunfo davida", medida pelasumo, mascara adade enquanto i—05-ciue e alarmo faro de eles violpriviiegiado da cverdade "privilegiamentre as muitas icriticamente o ca:„„.plesmente desap.memos e "diferen

vaitiva especffica doaceitamos conceitosnham especificamenscinem chcgam a recallpluralidade fragmentalma como projeto maimenos inclusivo. Em'integradora da luta amparticulares

-.-001111111

DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

formal, associada a princfpios e procedimentos politicos e jurfdicos, e nao ao con-trols do poder social ou de classe. Nesse sentido, a igualdade formal teria sidoimpossivel nas sociedades pre-capitalistas em que apropriacio e exploracio craminseparavelmente ligadas ao poder jurfdico, politico e militar.

Por essas razOes, o velho conceito de igualdade formal satisfaz o criterio mais fun-damental do novo pluralismo, ou seja, de nao atribui status privilegiado a dasse. Podemesmo ter implicaciies radicais para genet° e raga, pois, em relacao' a essas diferencas,nenhuma sociedade capitalista atingiu nem mesmo os limites estreitos de igualdadeque o capitalismo aceita. Tambem nao esta daro que o novo pluralismo tenha encon-trado uma maneira melhor de lidar corn as variadas desigualdades de uma sociedadecapitalista, algo que supera em muito a velha acomodarrio liberal ao capitalismo.

Muitos esforcos foram feitos pars construir novas concepOes complexas epluralistas de igualdade que reconhecam as diversas opressOes sem "privilegiar" clas-se. Diferenciam-se da ideia liberal-democratica por desafiar explicitamente a univer-salidade do liberalismo tradicional, sua aplicaclo de paddies uniformes de liberdadee igualdade cegos as diferentes de identidade c de condicao social. Ao reconhecer ascomplexidades da experiencia social, essas novas concepsiies de igualdade devemaplicar criterios diferentes a cireunstancias e relacties diferentes. Sob esse aspecto, asnocães pluralistas alegam ter vantagens em relacao aos princfpios mais universalistas,ainda que percam alguns dos beneficicx de padrOes universais22 . Pode-se objetar aquique a dissociacio do novo pluralismo de todos os valores universais pode permitirque de venha a servir como desculpa pars a supressio dos antigosprincipios pluralistasde liberdade civil, liberdade de expressio, tolerancia, e, assim, corrermos o perigo devoltar a estaca zero, na medida em que o respeito a diversidade se transforme no seucontrario. Ainda assim, mesmo que esquecamos essa objecio, e sejam quais forem asvantagens das concep9Oes "complexas" ou "pluralistas" de igualdade em relasao aoliberalismo traditional, elas deixaram intocada a acomodaclo liberal ao capitalismo,no minimo por ornisslo ao evitar o problema; pois bem no centro do novo pluralismoexiste a incapacidade de enfrentar (em geral, de negar explicitamente) a totalidadeabrangente do capitalismo como sistema social constituido pela exploracio de clas-se, mas formador de sodas as "identidades" e relaciics sociais.

0 sistema capitalista, sua unidade totalizadora, foi conceitualmente suprimidopelas concepciies difusas de sociedade civil e pela submersao de dasse cm categoriasabrangentes como "identidade" que desagregam o mundo social em realidades par-ticulares e separadas. As relaceies sociais do capitalismo se dissolveram numapluralidade fragmentada e desestruturada de identidades e diferencas. Pode-se evitaras questoes relativas a causalidade histOrica e a eficacia politica, e nao ha necessidadede se perguntar como tantas identidades se situam na estrutura social dominanteporque deixou de existir o prOprio conceito de estrutura social.

Sob todos esses aspectos, o novo pluralismo tem muito em cotnum corn outrovelho pluralismo, que era dominants na ciencia politica conventional — o pluralismo

22 Para uma discussio das vamagense desvantagens da conceprAu de Walser de igualdadc complexa, ver RUSTIN, Michael.

Forty Pluralist So6rlims, Londres, I985, p. 71)-95.

222

rn ■ p t ■ lo; 011,

SOCIEDADE CIVIL IL POI ITICA OF. IDENTIDADE

nao apenas como principio etico de tolerancia, mas como uma teoria de distribui-sic) do poder social. 0 conceito de "identidade" substituiu o de "grupos de inte-resse", e os dois pluralismos talvez difiram entre si no fato de o ant:go reconheceruma totalidade politica inclusiva - o "sistema politico", a flack, ou o corpo decidadacts ao passo que o novo insiste na irredutibilidade da fragmentacio e da"diferenca". Mas os dois negam a importancia da classe nas democracias capitalis-tas, ou pelo menos ocultam-na numa multiplicidade de "interesses" e "identida-des". Ambos tem o efeito de negar a unidade sistemica do capitalismo, ou mesmoa prOpria existencia dele como sistema social. Ambos insistem na heterogeneidadeda sociedade capitalista e perdem de vista a forca global crescents dahomogeneizacio. 0 novo pluralism° afirma ter sensibilidade Unica as complexi-dades do poder e das diversas opress6es; mas, tal como a variedade antiga, ele tem

,o efeito de tornar invisiveis as relacbes de poder que constituem o capitalism°, aestrAttura dominante_de coercio que interfere em todos os cantos de nossa vidapablica e ptiv_adaincapazes de reconhecer que as varias identidades ou grupos deinteresse se situam ern posicOes diferentes em Macao a estrutura dominance, osdois pluralismos reconhecem menos a difirenca -que a simples pluralidade.

Essa negacao mais recente da lOgica sistemica e totalizadora do capitalismoe, paradoxalmente, urn reflexo daquilo que tenta negar.. A atual preocupacaocorn a diversidade e a fragmentacao "p6s-modernas" expressa sem dtivida ulnarealidad“lo capitalismo contemporaneo, mas 6 urns realidade vista atraves daslentescleformadoras da ideologia. Ela representa o definitivo "fetichismo do pro-duto", o . triunfo da "sociedade de consumo", em que a diversidade de "estilos devida", medida pela mera quantidade de mercadorias e padrOes variados de con-sumo, mascara a unidade sistemica oculta, os imperativos que criam a diversi-dade enquanto impetem uma homogeneidade maior e mais global.—0-que6 alarmante corn relacao a esses desenvolvimentos teOricos nit) 6 tantoo fato de des violarem algum preconceico doutrinirio marxista relativo ao statusprivilegiado da classe. 0 problema a que teorias que nao discinguem - e, naverdade "privilegiam", se isso significa atribuir prioridade causal ou explicativa -entre as muitas instituicOes e "identidades" sociais sa p incapazes de enfrentarcriticamente o capitalismo. Comp forma social especifica, o capitalismo sim-plesmente desaparece diante de nossos olhos, enterrado sob urn monte de frag-mentos e "diferencas".—7-aonde. rafii capitalismo tambem vat a ideia socialista. 0 socialismo 6 a alterna-tiva especifica do capitalismp., Sem o capitalismo, nio precisamos do socialismo;aceitamos conceitos muiro difusos e indeterminados de democracia que nio se opo-nham especificamente a nenhum sistema identificavel de relaceies sociais, na verdadenem chegam a reconhecer urn sistema assim. Nada permanece al6m de umapluralidade fragmentada de opressOes e de lutas emancipatOrias. Aquele que se afir-ma como projeto mais inclusivo do que o socialismo traditional na verdade 6 omenos inclusivo. Em vez das aspiracties universalistas do socialismo e da politicaintegradora da luta contia -a exploracao de classe, temos uma pluralidade de lutasparticulares isoladas que terminam na submissio ao enpirakmo.

223

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

E. possivei que o novo pluralismo esteja, na verdade, se inclinando na direcio (que nao sao tio

da aceitacio do capitalismo, no minimo como a melhor ordem social a que tere- como desculpa paramos acesso. 0 colapso do comunismo fez mais que qualquer outra coisa no passa- fundir respeito pela

do para generalizar esse modo de ver. Mas, nas respostas da esquerda a esses dissolucio complex

desenvolvimentos, a diflcil distinguir o otimismo panglossiano do desespero pro- dade, diferenca e

fundo. De urn lado, torna-se cada vez mais comum o argument° de que, por mais de processo, em queinfiltrado que esteja o capitalismo, suas estruturas rigidas e velhas ja esti° mais ou nenhum projeto de

menos desintegradas, ou se tornaram tio permeaveis, abriram tantos espacos, queas pessoas esti° livres para construir suas prdprias realidades sociais de formasainda sem precedentes. exatamente isso o que se quer dizer ao falar da enormeexpansao da sociedade civil no capitalismo pds-moderno (pds-fordista?). De ou-tro, e as vezes na mesma frase, ouvimos um conselho ditado pelo desespero: quais-quer que sejarn os males do capitalismo triunfante, existem poucas esperansas deque ele seja desafiado alern das resistencias locais e particulares.

Talvez esta nao seja uma Nora de otimismo, mas a confrontacio critica corn ocapitalismo 6, no minim°, urn born comeco. Talvez sejamos end° forcados a

distinguir, nä° menos, mas muito mais radicalmente, entre as muitas especies dedesigualdade e opressao aceitas at mesmo pelo novo pluralismo. Sera possIvel,por exemplo, reconhecer que, ainda que todas as opressOes tenham o mesmo pesomoral, a exploracao de classe rem um status histdrico diferente, uma posicao maisestraregica no centro do capitalismo; e a luta de classes talvez tenha urn alcancemais universal, urn maior potential de progresso nao sornente da emancipaclo declasse, mas tambem de outras lutas emancipadoras.

0 capitalismo a constituido pela exploracao de classe, mas e mais que urnmero sistema de opressao de classe. E urn processo totalizador cruel que di formaa nossa vida em todos os aspectos imaginaveis, e em toda parte, nao apenas narelativa opulencia do Norte capitalista. Entre outras coisas, mesmo sem conside-rar o poder direto brandido pela riqueza capitalista tanto na economia quanto naesfera politica, ele submete soda vida social as exigencias abstratas do mercado,por meio da mercantilizacao da vida em todos os seus aspectos, determinando aalocacio de trabalho, lazer, recursos, paddies de producio, de consumo, e a orga-nizacio do tempo. E assim se tornam ridfculas todas as nossas aspiracoes a auto-nomia, a liberdade de escolha e ao autogoverno democratic°.

0 socialismo e a antitese do capitalismo; e a substituicio do socialismo por urnsistema indeterminado de democracia, ou a diluicao das relacoes sociaisdiversificadas e diferentes em categorias gerais como "identidade" ou "diferenca",ou conceitos frouxos de "sociedade civil", representa a rendican ao capitalismo e atodas as suas mistificacOes ideolOgicas. Diversidade, diferenca e pluralismo sioobviamente necessirios; mas nao urn pluralismo indiferenciado e desestruturado.Precisamos de um pluralismo que realmente reconheca a diversidade e a diferen-ca, nao apenas a pluralidade e a multiplicidade. Ou seja, clue reconheia a unidadesistemica do capitalismo e que tenha a capacidade de distinguir entre as relactiesconstitutivas do capitalismo e outras desigualdades e opressties. 0 projeto socialis-ta dew ser enriquecido corn os recursos e as ideias dos "novos movimentos sociais"

224

SOCWIMDE CIVIL E POLITICA DE IDEN1 I DADE

(que nao sao tao novos), e nao empobrecidos polo use desses recursos e ideiascomo desculpa para desintegrar a resistencia ao capitalismo. Nao devemos con-fundir respeito pela pluralidade da experiencia humana e das lutas sociais corn adissolucao completa da causalidade histOrica, em que nada existe alem de diversi-dade, diferenca e contingencia, nenhuma estrutura unificadora, nenhuma lOgicade processo, em que nao existe o capitalismo e, portanto, nem a sua negacao,nenhum projeto de emancipacio humana.

225

CAPITALISMO E EMANCIPACAO HUMANA:RAGA, GENERO E DEMOCRACIA

'him& aos cstudantcs americanos no auge do ativismo estudantil dos anos1960, Isaac Deutscher lancou uma mensagem que nao foi de todo bem aceita:"Toth ma° ern atividade efervescente as margens da vida. sociaLc trabalha-Antes estao passivos no centro dela. E esta a trag6dia de nossa sociedadc. Se napenfrenrarem esse contraste, votes sera° derrotados" 1 . Esse aviso ralvez seja maisimportance hojc do que naquela epoca. Ha hoje em acao impulsos emancipatOriosfortes e promissores, que talvez nao estejam agindo no centro da vida social, nocoracao da sociedade capitalists.

Ja nao se admire sem discussao na esquerda que a batalha decisiva pela eman-cipacao humana vai ocorrer no campo "econOrnico", o terreno da luta de classes.Para muitas pessoas, a enfase sc transferiu para o que denomino bens extra-ecom5-

mites — emancipacao de &cm, igualdade racial, paz, sailde ecolOgica, cidadaniademocritica. Todo socialista deveria estar comprometido corn csses objetivos — naverdade, oprojeto socialista de emancipacio de close sernpre foi, ou deveria tersido, urn mein pars o objetivo maior da emancipacilo humana. Mas esses compro-Missos nao resolvem as questhes cruciais relativas a agentes e modalidadcs de luta,e certamente nao resolvem a questa^ da politica de classe.

Ainda ha muito a ser dito acerca das condicOes de conquista desses bensextra-econOmicos. Em especial, se nosso ponto de partida 6 o capitalismo, entiodevemos saber exatamente que tipo de ponto de partida 6 este. Quais os limitesimpostos, quais as possibilidades criadas por essa ordem material e por sua con-figuracao de poder social? Quais tipos de opress-Ao o capitalismo exige c queformas de emancipacio ele tolera? Em especial, quais as vantagens para o capita-lismo dos bens extra-econOmicos, que incentivos ele lhes oferece e que resisten-cia optic a sua consecucao? Pretendo comecar pelas respostas a essas pergunras e,a medida que a argumentacio vi se desenvolvendo, tentarei realca-las pela corn-paracao corn sociedades pr6-capitalistas.

DEUTSCHER, Isaac. `Marxism and the New Left". In: Marxism in Our Tniun, Londrca, 1972. p. 74. Eate capfrolo sebascia, corn algumas modtficapSes, ern minha aula ern homenagem a Isaac Deutseher, apresentada em 23 de novembrode1987.

227

No caso de raga ousexism° tern identidadesnao a tao cvidente quetalismo, nem que ode garantir a paz mubens extra-econamicos

A primeira caractrente as identidadesde boas e mas noticia.modos anteriores de pdesigualdades ou dida mais-valia dos trduos formalmenteou juridica. Na yeessas diferencas e apara absorver as pintercambiaveis de

Em compensacio,bem como de descaque o capitalismo eextra-econOmica quesituaclo. Tais legadosideolOgica do capital'Quango _ os setores_as identidades extra

pode pareceroutras que nit) a 16

Evidentemente,Pois em parte o raci

por serem capazes deconckeles competiser capaz de tirar vandencia estrutural parscontrasio, sao des quedividem a classe traem prinapio, ser cocorn a dependencia deisso, o desenvolvimsigualdades e difere

Neste caso, nossideremos o exemploidentidades extra-

DLMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

CAPITALISMO F. BENS "EXTRA-ECONCIMICOS"

Certos bens extra-econOmicos simplesmente nao são compativeis corn o capi-talismo, e, portanro, nit) pretend° comcnta-los. Estou convencida, por exempla,de que o capitalismo nit) a capaz de garantir a paz mundial. Para mim, pareceaxiomatic° que a logica expansionista, competitiva e exploradora da acumulacaocapitalista no contexto do sistema nacao-Estado deve, mais cedo ou mais tardc, sedesestabilizar, e que o capitalismo — ou, neste momento, sua fora organizadoramais aventureira e agressiva, o governo dos Estados Unidos — 4, e continuara a serno future previsivel, a major ameaca a paz mondial'.

Nem acredito que o capitalismo tenha condicöes de evitar a devastacaoTalvez seja capaz de se ajustar a um certo grau de preocupacio ecolOgi-

ca, especialmente porque a tecnologia de protecao ambiental se rornou umamercadoria lucrativa. Mas a irracionalidade essential da busca da acumulacaode capital, que subordina tudo as exigencias da auto-expansao do capital e dochamado crescimento, a inevitavelmente hostil ao equilibria ecolOgico. Se nomundo comunista a destruicao do ambience resultou de urn enorme descaso,do alto grau de ineficiencia, e da pressa irresponsavel de se aproximar do desen-volvimento industrial ocidental no menor prazo possivel, no Ocidente capita-lism urn vandalismo ecolOgico de muito maior alcance nao e vista comoindicacao de fracasso, mas de sucesso, o subproduto inevitivel de urn sistemacujo principio constitutivo 6 a subordinacao de todos os valores humanos aosimperativos da acumulacao e as exigencias do lucro.

Mas a necessario acrescentar tambem que as questhes relativas a paz e a ecolo-gia nao satisfazem muito a geracdo de vigorosas forcas anticapitalistas. Em certosentido, o problema 4 precisamente a sua universalidade. Elas nao constituemforgas sociais porque simplesmente nao tem identidade social especifica — ou, nominimo, so a tem quando se cruzam corn as relacties de classe, como, por exem-plo, no caso das questhes ecologicas relativas ao envenenamento de operatios nolocal de trabalho, ou a tendência a concentrar a poluicio e os rejeitos nos bairrosoperarios e nao nos bairros privilegiados. Mas, em tiltima analise, a preocupacaodos capitalistas nao 6 major que a dos operarios no que diz respeito a destruicaopor uma bomba nuclear ou a dissolucao pela chuva kida. Pode-se mesmo dizerque, dados as perigos do capitalismo, nenhuma pessoa rational deveria apoia-lo;mas sabemos que nao a assim que as coisas funcionam.

= Etta observaclo talvea pateca 111C{10S piausivel hoje do que quando a fez, antes de o militarism° arnericano see mascara&polo colapso do comunismo, da apt-trite accitacio pelosgovernos dos Estados Unidos de que a versa fria havia acabado, ede explos&sdramiticas de violencia itnica, principalmente na antiga lugostivia. Cheguei a pensar em retirar csta afirmaciosobreos efeitos desestabilivudores do capitalismo e da agress5o americana, on em diur alguma coisa sabre as novas formal demilitarism° associadas ao papel dos Estados Unidos como a sinks superpotencia e guardi5 da "nova ordem mundial". Masnada do que ocorreu durance os dltimos snot muda o faro de que, depois da Segunda Guerra Mundial, nao houve conflitoregional importance que nao tenha sido iniciado, agravado ou prolongado pela intervencio, aberta ou clandesrina, dosEstados Unidos; c ainda e redo demais para se poder afirmar que cssc pada° de aventura tenha finalmente sido repudiado -pars nao mencionar as novas format de inters:et-10o militar, cal come a Tempestade do Desert°.

228

CAPITALISM° E EMANCIPACIA0 I IIIMANA : RAGA, IIENPRO E DEMOCILACIA

No caso de raga ou &tier°, a situacao é quasc oposta. Anti-racist-no c anti-sexism° tern identidades sociais especificas e geram forcas sociais vigorosas. Masnä° 6 tao evidente que igualdade racial e de generos sejam antagenicas ao capi-talism°, nem que o capitalismo seja incapaz de toleri-las, assim como 6 incapazde garantir a paz mundial ou de respeitar o ambiente. Ou seja, cada um dossesbens extra-econOmicos tem urns relacao especifica corn o capitalism°.

A primeira caracteristica do capitalism° 6 ser ele incomparavelmente indiEe-rente 3s identidades sociais das pessoas que explora. Trata-se de urn caso classic°de boas e mas noticias. Primeiro as boas — mais ou menos. Ao contthrio dosmodos anteriores de producio, a exploracao capitalista nit) se liga a identidades,

desigualdades ou diferencas extra-econ6micas politicas ou jurfdicas. A extracio

da mais-valia dos trabalhaclores assalariados acontece numa relacio entre indivf-duos formalmente iguais e 'lyres e nao pressuptie diferencas de condicao politicaou juridica. Na verdade, o capitalism° tern uma tendencia positiva a solaparessas diferencas e a diluir identidades como genero ou raga, pois o capital lutapara absorver as pessoas no mercado de trabalho e para reduzi-las a unidadesintercambiaveis de trabalho, privadas de coda identidade especifica.

Em compensacao, o capitalism° 6 muito flexivel na capacidade de usar,bem como de descartar, opresseies sociais particulares. Parte das mat noticias 6que o capitalism° 6 capaz de aproveitar cm beneffcio prOprio coda opressioextra-econOmica que esteja hist6rica e culturalmen te disponivel em qualquer

situacio. Tais legados culturais podem, por cxemplo, promover a hegemoniaideolOgica do capitalismo ao mascarar sua tendencia intrinseca a criar subclasses.

Quango os setores menos privilegiados da classe trabalhadora coincidem corn

as identidades extra-econeomicas como genero ou raga, como acontece corn fre-

qUencia, pode parecei que a culpa pela existencia de tais setores 6 de causasoutras que nao a lOgica necessaria do sistema capitalista.

Evidentemente, nao se trata de uma conspiracio capitalista para enganar.Pois em parte o racismo e o sexism° funcionam tao bem na sociedade capitalista

.

por serern capazes de gerar vantagens para certos setores da classe operaria nas

cties competitivas do mercado de trabalho. Mas a questa° 6 que, apesar de

ser capaz de tirar vantagens do racism° ou do sexismo, o capital nao tem a ten- .14

dencia estrutural para a desigualdade racial ou opressio de genera, mas, pelocontrail°, sao des que escondem as realidades estrucurais do sistema capitalista e

diVidem a classe trabalhadora . De qualquer forma, a exploracio capitalista pode,

em principio, ser conduzida sera preocupaciae s corn cor, raga, credo, genero, ou -

corn a dcpendencia de desigualdade ou diferenca extra-econinnica; e, mais que

isso, o desenvolvimen to do capitalism° criou pressOes ideol6gicas contra tais de-

sigualdades e diferencas em grau sem precedentes nas sociedades pth-capitalistas,

RAGA E GtNERO

Neste caso, not confrontamos imediatament e corn algumas contradicOes. Con-sideremos o exemplo da rasa. Apesar de sua indiferenca estrutural em relacao aidentidades extra-econOmicas (ou, em certo sentido, por causa delas), a histOria

229

DEMOCRAC:IA CONTRA CAPITALISM°

do capitalismo foi provavelmente marcada pelos mais virulentos racismos ja co-nhecidos. 0 racismo generalizado e arraigado contra os negros no Ocidente, porexemplo, 6 geralmente atribuido ao legado cultural do colonialismo c da escravi-dao que acompanharam a expansao do capitalismo. Mas, apesar de essa explicacaoser ate certo ponto convincente, por si so ela nao 6 suficiente.

Consideremos o caso extremo da escravidao. Uma comparacio corn os outrosdnicos exemplos histOricos de escravidao na mcsma escala ira Humus o fato denada haver de automatic° na associacao de escravidao corn racismo tao violento, epode mesmo sugerir que ha algo especifico ao capitalismo nesse efeito ideolOgico.Na Grecia e na Roma antigas, apesar da aceitacao quase universal da escravidao, aideia de que ela se justificava pelas desigualdades naturais entre seres humanosera urn valor dominante. A Unica excecao importante, a concepcao aristotelica deescravidao natural, nunca foi aceita. A opiniao mais comum parecia ser a de que aescravidao era ulna convencao, ainda que universal, que se justificava simples-mente corn base na sua utilidade. De fato, aceitava-se ate mesmo quc instituicaosacs iitil seria contrdria a natureza. Essa visa° aparece nao somente na filosofiagrega, mas era tambern aceita no direito romano, no qua/ havia um conflito reco-nhecido entre o ius gentium, o direito convencional das nacOes, e o ius naturale, odireito da natureza3.

Esse faro 6 significativo nao por ter levado a abolicio da escravidao, o que elerealmente nao fez, tampouco por abrandar os horrores da escravidao na Antigui-dade. Ele merece ser observado pot sugerir que, diferentemente do que ocorreu naescravidao moderna, nao parecia haver necessidade premente de encontrar na in-ferioridade natural e biolOgica de certas ragas justificativas para essa instituicaoruim. Conflitos etnicos sits com certeza tao amigos quanto a civilizacao; e defesasda escravidao bascadas, por exemplo, em histOrias biblicas acerca de uma maculaherdada tan uma longa histhria. Existiram tambem teorias do determinismo cli-matic°, desde Arist6teles ate Bodin; mas nesse caso os determinantes sic) ambientaise nao raciais. 0 racismo moderno e diferente, uma concepcao mais viciosamentesisternatica de inferioridade intrinseca e natural, que surgiu no final Jo seculoXVII ou inicio do XVIII, e culminou no seculo XIX, quando adquiriu o reforcopseudocientifico de teorias bioldgicas de raga, e continuou a servir como apoioideolOgico para a opressao colonial 'mesmo depois da abolicio da escravidao.

E entao tentador perguntar que element() do capitalismo criou essa necessida-de ideolOgica, essa necessidade do que 6 na verdade uma teoria da escravidao natu-ral, e nao convencional. Enquanto cresciam a opressio colonial e a escravidao nospostos avancados do capitalismo, cada vez mais a forca de trabalho da metrOpolese proletarizava; e a expansao do trabalho assalariado, a seta*. contratual entre

individuos formalsda liberdade formanega a desigualdadtalista, sempre foi

em certrenca extra-econ6ida raga humana omal da liberdadediferencas extra-etpessoas menos clueque eram tao titeisbastava identificaicidaeleios, ou nao s

cab menos exclusiparece ser a exclus

0 u cons iderentao gritantes. Seconhece, nao con:formas mais extreipre-capitalistas. Ndiferenca estrutulmesmo pressao ccmite ao capitalists

Normalmente,de genero de dualnômicas, como rameio de constituicifica ao enero:pensou (talvez inczacao existence dada forca de trabalfoi a crenca geralesfera privada dacapital, esse cumoutro. Do pontoqualitativamentedesemprcgo, pois

3 Por exemplo, o jurista romano Florenrinus escrcvcu quc "a escravidao r uma instituiao do ilea gentimmpeli qual alguem 6submerido ao dorninium de Dutra, contrario a natureza". Vet FINLEY, M. I. "Was Greek Civilization Based on SlaveLabour?" e "Between Slavery and Freedom". In: Economy and Society en Ancient Greece, Londres, 1981, p. 104, 113, 130.1Ed. bras.: Economia e rociedade na Grecia antiga. Sao Paulo, Martins Fontes, 1989.1 Para uma rejeigao enfitica da opiniaode que o cristianismo introduziu "urns atitude nova e melhor com relacao a escravidao", ver STE CROIX, G. E. M. de. TheClass Same( in eke Ancient Greek Workh Londres, 1981, p. 419.

Limitei essa afirmarelo poiINAO ESIACIO 1.11VC7. 461 11/611

5 Existem evidMcias de tramo desemprego estrutural deICV2/71 a culpa polo declitagrande pane uma questa*,outra forma de opressio

230

CANTALISMO E EMANCIPACAO HUMANA: RAGA, GtNERO E DEMOCRACIA

individuos formalmente iguais e livres, trouxe consigo a ideologia da igualdade eda liberdade formais. Na verdade. essa ideologia, que nos pianos juridico e politiconega a desigualdade fundamental e a falta de liberdade da relacao econOtnica capi-talista, sempre foi elemento vital da hegemonia do capitalismo.

Entio, cm certo sentido, foi precisamente a pressao estrutural contra a dife-renca extra-econOmica que tornou necessario justificar a escravidio excluindoda rata humana os escravos, tornando-os nao-pessoas alheias ao universo nor-mal da liberdade e da igualdade. Talvez porque o capitalismo nao reconhecadiferencas extra-econOmicas entre seres humanos, tenha sido necessario fazer aspessoas menos que humanas para tornar aceitiveis a escravidao e o colonialismoque eram tao titeis ao capital naquele momento histOrico. Na Grecia e cm Roma,bastava identificar pessoas como estrangeiras corn base no faro de nao seremcidaddos, ou nao serem gregos (como vimos, os romanos tinham uma concep-cao menos exclusiva de cidadania). No capitalismo, o criterio para excomunhaoparcce ser a exclusäo do corpo principal da raga humana.

Ou consideremos o caso da opressäo de genero. As contradiciies aqui nao saotao gritantes. Se o capitalismo foi associado ao racismo mais violento que seconhece, nao considero convinccnte a alegacio de que o capitalismo produziuforrnas mais extremas de opressio de genero que as que existiam nas sociedadespre-capitalistas. Mas, tambem neste caso, ha uma combinacao paradoxal de in-diferenca estrutural em relacao a essa desigualdade extra-econOrnica, ou atemesmo pressao contra ela, e uma especie de oportunismo sistematieo que per-mite ao capitalismo aproveitar-se dela.

Normalmente, o capitalismo nos paises capitalistas avancados usa a opressäode genero de duas formas: a primeira E comum a outran identidades extra-eco-neimicas, como raca ou idade, e e ate certo ponto intercambiavel corn clas comomeio de constituir subclasses e oferecer cobertura ideolOgica. A segunda a espe-cffica ao genero: serve como meio de organizar a reproducao social no que sepensou (talvez incorretamente) ser a forma menos dispendiosa4. Corn a organi-zacio existente das relaceies entre generos, os custos para o capital da reproducioda forma de traba/ho podem continuar reduzidos — ou pelo menos esta semprefoi a crenca geral mantendo-se os custos de gestacio e criacao de filhos naesfera privada da familia. Mas temos de reconhecer que, do ponto de vista docapital, esse custo social em particular nao 6 em nada diferente de qualqueroutro. Do ponto de vista do capital, licenca-matcrnidade ou creches nao sãoqualitativamente diferentes de, digamos, aposentadoria por idade ou seguro-desemprego, pois rodos envolvem um custo indesejavel 5 . 0 capital é em geral

esta afirsnac5o porque fui informacla de que existem estudosque dcmonstram que o arendimento a criancacusteado

polo Estado talvez se) a uma forma aincia menos CUSIOS2 para o capital.

5 Existem evidtMcias de translegncia crescente do 8nus para idade, por opo.sicio a sex° ou rasa, polo menus no senrido de queo desemprego estrutural dos jovens combinado com arneacas crescentes a seguridade social e ins aposentadonas por idadelevam a culpa pelo declinio capitalism. A qual dessas identidadesextra-ccomimicas seri imposto o major peso d :Linda emgran& parte uma questao politica que pouco tern a ver corn a disposi55o cstrutural do capiralismo de escolher entre uma ou

outra forma de °pm:ma° extra-econnmica.

231

socialista de que asram pressocs iefeitos da demtransformaciocao suave da dereal izacio das

necessirio,efeitos da demdos limiter da dlisra democriticotal, e o fato de clue acapitalista, masmocracia que diga e moderns.

A questao criparte pela sua Iuma vez, nestetalista 6 instrutivo.capitalistas, em quee a exploracao assuldca e militar, as relaidao ptivikgio juridialrio medieval uniaresistencia campondiparticipacao no stealna famosa revolta caise impor urn impalaqueixas dos campootre todos os homeiario do que se di nourn limite absoluto

Para os camponuaparte do alcance dot-aldeia, contra os podextensio da jurisdisiproprietario. Cont.contririo do capital'sde mais-valia dependpoderes de coacio' dotinha a posse dos me

tanto individualuma caracteristica dque o ato de apropoprocesso de produci

DEmoclinciAc()Nmo (:AITIALI5M0

hostil a custos como esses — apesar de nunca ter lido capaz de sobreviver sempelo menos alguns deles; mas a questa° a que, sob este aspecto, ele nao e maisincapaz de tolerar a igualdade de generos do que de aceirar a seguridade social.

Embora o capitalismo possa usar e faca use ideolOgico e econOmico da opres-sao de genero, essa opressao nao tern status privilegiado na estrutura do capita-lismo. Ele poderia sobreviver a erradicacio de codas as opressOes especificas dasmulheres, na condicao de mulheres embora nao pudesse, por definicao, sobre-viver a erradicacao da exploracao de classe. Isso nao quer dizer que o capitalismotenha passado a considerar a liberacao das mulheres necessiria ou inevitivel.Mas significa que nao ha necessidade estrutural especifica de opressao de eller°no capitalismo, nem mesmo uma forte disposicao sistemica para eta. Farei maisadiante alguns comentarios sobre como o capitalismo difere sob este aspecto dassociedades pre-capitalistas.

Citei esses exemplos para ilustrar duas questoes importantes: que o capitalismotern uma tendencia estrutural a rejeitar as desigualdadcs extra-econOmica.s, mas queessa tendencia a uma faca de dois gumes. Estrategicamente, cla implica que as lutasconcebidas em termos exciusivamente extra-econeunicos — puramente contra o ra-cismo, ou contra a opressao de geriero, por exemplo — nao representam em si umperigo fatal para o capitalismo, que elas podem ser vitoriosas sem desmomar o siste-ma capitalism, mas que, ao mesmo tempo, tea.° pouca probabilidade de sair vito-riosas caso se mantenham isoladas da luta anticapitalista.

0 CAPITALISMO E A DESVALORIZACAD DOS BENS POLITICOS

Como ja vimos, as ambigiiidades do capitalismo sac) particularmente eviden-tcs na sua relacao corn a cidadania democratica. Nesta secao, pretendo explorar asambigfiidades da democracia capitalista relacionadas corn a questa() dos bens "ex-tra-econOmicos" em geral e a posicao das mulheres em particular.

Para o socialismo, a questa() principal sempre foi determinar que importan-cia estiategica deveria ser atribuida ao fato de o capitalismo ter tornado possivelurn aumento sem precedentes da cidadania. Praticamente desde o inicio, ternhavido uma tradicio socialista que pressupoe que a igualdade formal juridica epolitica do capitalismo, combinada corn a desigualdade econOrnica e corn a au-séncia de liberdade, estabelece uma contradicao dinamica, uma forca motivadorada transformacao socialista.Umapremissa basica da democracia social, por exem-plo, foi que a liberdade e a igualdadc limitadas do capitalismo deverao produzirimpulsos incontrolaveis em direcao a completa emancipacan. Hoje_existe umatendencia nova e forte de se pensar o socialismo como uma extensdo dos dircitosde cidadania, ou — e isso se roma cada vez mais comum — de se pensar a "demo-cracia radical" como urn substituto para o socialismo. Como o rermo democraciase transformou no slogan de varias lutas progressistas, o tinico tema unificadorentre os muitos projetos emancipatdrios da esquerda, ele passou a representartodos os bens extra-econOmicos em conjunto.

Entencler o socialismo como uma extensao da democracia pode ser uma ideiamas nao me deixo impressionar pelos novos aderecos tebricos da vclha Husk,

232

CAPITALISMdt EMANC1 PACÃO HUMANA: MSA, GENERO E DEMOCRACiA

socialista de que os impulsos ideolOgicos de liberdade e igualdade capitalistas cria-ram pressEies irresistiveis para transformar a sociedade em todos os seus niveis. Osefeitos da democracia capitalista foram muito mais ambiguos, e essa concepcao detransformacio social a urn truque que nos convida a imaginar, se nao uma transi-cao suave da democracia capitalista para a socialista (ou "radical"), no minimo arealizacio das aspiravies democriticas nos intersticios do capitalismo.

necessario, em primeiro lugar, nao ter Husks acerca do significado e dosefeitos da democracia no capitalismo. Isso representa nao somente a compreensiodOamites da democracia capitalista, o faro de que at mesmo urn Estado capita-lista democratic° pode ser restringido pelas exigencias de acumulacao do capi-tal, e o fato de que a democracia liberal deixa essencialmenre intacta a exploracaocapitalista, mas tambem, e ainda mais particularmente, a desvalorizactio da de-mocracia que discutimos nas comparacOes anteriores entre as democracias anti-ga e moderna.

A questa° crftica é que o status dos bens politicos e determinado em grandeparte pela sua localizacao no sistema de relacties sociais de propriedades. Maisuma vez, neste caso, o contraste corn os muitos modelos de sociedade pr&capi-talista a instrutivo. Ja sugeri em capitulos anteriores que nas sociedades pre-capitalistas, em que os camponeses eram a classe predominantemente exploradae a exploracao assumia a forma de dominacao extra-econOmica, politica, juridi-ca e militar, as relacöes dominantes de propriedade atribuiam urn valor especialao privilegio jurfdico e aos direitos politicos. Dessa forma, assim como o senho-rio medieval unia inseparavelmente os poderes econOmico e politico, tambem aresistencia camponesa a exploracao econ6mica assumia a forma de exigencia departicipacao no status politico e juridico de seus senhores — como, por exemplo,na famosa revolta camponesa na Inglaterra em 1381, provocada pela tentariva dese impor urn imposto de censo, em que o lider rebelde, Wat Tyler, formulou asqueixas dos camponeses como a exigencia de distribuicio igual de senhorio en-tre todos os homens. Mas isso teria significado o fim do feudalism°. Ao contra-rio do que se di no capitalismo, a importancia dos direitos politicos impunhaurn limite absoluto a sua distribuicao.

Para os camponeses, o poder econOrnico contra a exploracao dependia em grandeparte do alcance da jurisdicao permitida a sua prOpria comunidade politica, aaldeia, contra os poderes dos donos da terra e do Estado. Por definicao, qualquerextensio da jurisdicao da aldeia invadia e limitava os poderes de exploracao doproprietario. Contudo, alguns poderes cram mais importances que outros. Aocontririo do capitalismo, nem o proprietirio pre-capitalista nem o Estado extratorde mais-valia dependiam tanto do controle do processo de producao quanto dospoderes de coacio de extracao de mais-valia. 0 campones pr6-capitalista, que re-tinha a posse dos meios de producao, geralmente mantinha o controle da produ-cao, tanto individual quanto coletivamente, por meio da comunidade aldea. Erauma caracteristica do feudalism°, bem como de outras formal pre-capitalistas,que o ato de apropriacio fosse, em geral, muito mais claramente separado doprocesso de producao do que se di no capitalismo. 0 campones produzia, o pro-

233

campesinato grego,locais. A cidadaniapoliticas e econamica"

Vimos no capituloldemocracia antiga eProximo e na Asia, . -da relacao entre g•do padrao comum docamponeses, e foi atrabalham corn ados"". Nao foi pordemocraticos greseparacio entre g• -mente consideravam

De faro, o EstadoBrenner denominouexcecio nas sodfrances sem recocorn seu vasto aneses, urn recursopreendemos urnseus problemas mais

Se casos tao -politico que da aospoliticos no capistatus dos bens popela independenciapUblicas, pela e/ economia", que tca, sem as impli-

Dito de outralismo significaexemplo, nada sepela comunidadea vida politica 6capitalismo tamNo capitalismo, o

9 Ver anteriormente, p. 163,

l ° BRENNER, Robert.Debase: Agrarian ChauCambridge, 1985. p. 55-7.

Sobrc essa questio, verRevisionist Challenge, loatier.

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO

prietario entao extrafa a sua renda ou o Estado se apropriava dos impostos; ouentao o campones produzia urn dia na sua prOpria terra para atender as necessida-des de sua prOpria familia, e outro dia trabalhava na propriedade do senhor ouprestava algum servico ao Estado. Assim, os poderes de apropriacao do senhor oudo Estado cram preservados mesmo que os camponeses tivessem urn grau consi-derive' de independencia na organizacao da producio, desde que a jurisdicao dacomunidade camponesa nao cruzasse a linha que limitava o controle dos mecanis-mos jurfdicos e politicos de extracao de mais-valia.

As comunidades camponesas impunham, de tempos em tempos, forte pressiocontra essas barreiras, logrando urn gran substancial de independencia nas suasinstituicOes polfticas, estabelecendo suas prOprias magistraturas em lugar dos re-presentantes da nobreza proprietaria, impondo suas prOprias regras locais etc. E,na medida em que conquistaram esse grau de independencia politica, clas tambemlimitaram a expioracio econOmica a que cram submetidas. Mas, como ja sugeri nocapitulo "0 demos versus 'rids, o povo...", a barreira entre a aldeia e o Estadogeralmente derrotava as tentativas de superar a submissao do campones; e a demo-cracia ateniense talvez seja o imico caso em que se rompeu a barreira final e ondea comunidade aide' nao era excluida do Estado e submetida a ele, como urn corpoestranho6.

Ja mostrei que o aspecto mais revolucionario da antiga democracia ateniensefoi a posicao, Unica e nunca igualada, do campones como cidaddo, e corn ela aposicao da aldeia na sua relacao corn o Estado 7 . Em nitido contraste corn outrassociedades camponesas, a aldeia era a unidade constitutive do Estado ateniense,por meio da qual o campones se tornava cidadio. Isso representou nao somenteuma inovacao constitutional, mas uma transformacao radical do campesinato,sem paralelo no mundo antigo, nem mesmo em qualquer outro tempo ou lu-gar. Se o campones, como quer Eric Wolf; 6 urn cultivador rural cujos exceden-tes sob a forma de rendas ou impostos sac, transferidos para alguem que "exerceurn poder, ou domfnio, efetivamente superior sobre ele" 8 , entao o que caracteri-zou o pequeno proprietario ateniense foi ser livre — de forma jamais igualada —desse tipo de "dominio", e dal urn grau incomum de independencia em relacaoa rendas e impostos. A criasio do cidadao campones significou a libertacio doscamponeses de coda forma de relacao tributaria que antes havia caracterizado o

'A respeito da comunidade aldeS exclulda do Estado, mas submetida a ele como uma for estranha, ver SHAN IN, Teodor.'Peasantry as a Political Factor" e WOLF, Eric. "On Peasant Rebellions". In: Peasants and Peasant Societies, T. Shanin, (ed.),

Harmondsworch. 1971, especialmente p. 244 e 272.

'Estee urn ponto polemic° dilicil de esclarecer neste espaco limirado. Os males ji bem conhecidos da democracia ateniense, a

instituicao da escravidin e a posiclo das mulheres, empanam as suas outras caracteristicas mais atraentcs; e parece sem davida

pervcrso argumentar, como faro, que a caracteristicacssencial da democracia ateniense, talvez a maisdistintiva, e o gran em quoela excluta a dependencia da ellen da producin — au seja, o grau ern quo a base material da sociedade ateniense era o trabalho

byre a independente. Ji expliquei isso em pane no capitulo "0 trabalho e a democracia...", e calm uma exposicio mais deralha-

da ern meu limo Ras:ant Citizen and Slave: The Foundations of Athenian Donee-tag, Lonches, 1988, na qual discus* em detalhc

a escraviclio e tambern traro da posicio das mulheres em Arenas. N5o peva quo as pessoas relevem ou subestimem a importinciada escravidio no a condicio da: mulheres, apenas que considcrem a posic.io Unica do campesinato ateniense.

'WOLF, Eric. Peasants Dtgiewooef Ch NJ, 1966, p. 9-10. [Ed. bras.: Sodoidiefes eansponents. Rio de Janeiro, Zahn, 1970.]

234

CAPITALISM° E EMANCIPACAO HUMANA: RACA, GENERO E DEMOCRACIA

,campesinato grego, e que ccatinuou a caracterizat o campesinato em outroslocais. A cidadania democratica ateniense teve implicaseies ao mesmo tempopoliticas e econemicas.

Vimos no capitulo "0 trabalho e a democracia..." a diferenca radical entre ademocracia antiga e outras civilizacOes adiantadas do mundo antigo, no OrientePr6ximo e na Asia, hem como na Grecia durance a Idade do Bronze, sob o aspectoda relacao entre governantes e produtores, o quanto a p6lis democratica divergiado pada° comum de Estados apropriadores e aldeias submissas de produtorescamponeses, e foi a regra "universalmente reconhecida sob o Ceti" de que "os quetrabalham corn a mente governam, e os que trabalham corn o corpo san governa-dos"'. Nan foi por acaso que, ao representar seus Estados ideais, os fil6sofos anti-democraticos gregos, como Plata° e AristOteles, reafirmaram o princfpio daseparaCio entre governantes e governados, um principio cuja violacao eles obvia-_mente consideravam essencial para a democracia ateniense.

De faro, o Estado apropriador de mais-valia, agindo segundo o que RobertBrenner denominou de maneiras "classistas", foi provavelmente mais a regra que aexcecan nas sociedades capitalistas avancadas m . Non entendemos o absolutism°frances sem reconhecer o papel do Estado como mein de apropriacio privada,corn seu vasto aparelho de funcOes lucrativas e a extracao de impostos dos campo-neses, urn recurso privacivo dos que possuiam uma parte dele. Por isso, no corn-preendemos urn levante como a Rev°luclo Francesa sem reconhecer que urn dosseus problemas mais importantes foi o acesso a esse lucrativo recurso"

Se casos to diversos tem em comum uma unidade de poder econOmico epolitico que di aos direitos politicos um valor especial, a ciesvalorizacio dos benspoliticos no capitalismo se baseia na separacio entre o econOmico e o politico. 0status dos bens politicos ha de ser reduzido pela autonomia da esfera econ6mica,pela independencia da exploracio capitalista ern relacão a execucao de functiesptiblicas, pela existencia de uma esfera separada e puramente "politica" distinta da"economia", que coma possivel pela primeira vez uma "democracia" apenas politi-ca, sem as implicacoes econcimicas e sociais associadas a antiga democracia grega.

Dito de outra forma, a separacio entre o politico e o econOmico no capita-lismo significa separar a vida comunitaria da organizacao da producao. Porexempts:), nada se compara a regulamentacao comunitaria da producao exercidapela comunidade aldea em muitas economias camponesas. E, no capitalismo,a vida politica e separada da organizacan da exploracao. Ao mesmo tempo, ocapitalismo tambem redne producao e apropriacao numa unidade inseparavel.No capitalismo, o ato da apropriacao, a extracao de mais-valia, e inseparavel

9 Ver anteriormen te, p. 163, nota 10, a citacio complera de Mencius.

"'BRENNER, Robert. "Agrarian Class Structure and Economic Development in Pre-Industrial Europe". In: The BrennerDebate: Agrarian Clan Striteture and &anomie Development in Pre-Indus:nal Europe, T. H. Aston e C. H. E. Philpin, (cds.),Cambridge, 1985. p. 55-7.

1 Sobrc cssa quest5o, ver o escudo pionciro dc COMMINEL, George. Rethinking the French Revolution: Marxism and theRevisionist Challenge, lAnircs, 1957, esp. p. 196-203.

235

bem claro — a unido pelos proprietariestomou a forma naodos coletivamentepriblicos, mas tambaatemente, a reprodos futuros nabdominantes. A diligado as exienciasexploracao._Fossemsexuais do trabalhodistorcidas pelas

e as forsasE panic

geral mantinham oterra aumentavamsews poderes dee militares. Alêm diapoliticos, ele revefamilia camponesa.que houver explcaso as dims se

Nao 6organizacao do lod.

ja se afirmouo chefe de umaecontimica e urndades como unrambem as demponto de vista doWolf, "uma fontepoder"'1. Urnslia reproduz asdo. Na qualidadesentido como

Evidentemente.estrinuia filersido o que emquaisquer outroscomo as diferensastempo da mulher —.entre a familia

12 WOLF. Peasants, p. 12-7

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISR40

do processo de producao; e os dois processos foram separados da esfera politi-ca e, de certa forma, privatizados.

Tudo isso tern implicacoes pars as condicOes de resistencia. Por exemplo, naoexiste no capitalismo paralelo da funcao da aldeia comunithria como forma deorganizacao da classe camponesa na luta contra a exploracao senhorial, ou seja,uma forma de organizacao ao mesmo tempo e inseparavelmente politica e econ6-mica. No capitalismo, muita coisa pode acontecer na politica e na organizacaocomunitiria em todos os Myers sem afetar fundamentalmente os poderes de ex-ploracao do capital ou sem alterar fundamentalmente o equilibrio decisivo dopodexsocial. Lutas nessas arenas continuam a ter importancia vital, mas precisamser organizadas e conduzidas corn a noriao tiara de que o capitalismo tern notivelcapacidade de afastar a politica democthtica dos centros de decitho de poder sociale de isentar o poder de apropriacao e exploracao da responsabilidade democritica.

Em resumo, nas sociedades pre-capitalistas, os poderes extra-econOmicos ti-nham importancia especial porque o poder econ6mico de apropriacao era inse-paravel deles. Cabe aqui falar de escassez de bens extra-econOmicos por seremdes valiosos demais pars serem distribuidos. Poderiamos, end°, caracterizar asituacio dos bens extra-econetmicos no capitalismo dizendo que ele superou calescassez. E possibilitou uma distribuicio muito mais ampla dos bens extra-eco-nOmicos e, especificamente, dos bens associados a cidadania, como jamais ocor-reu antes. Mas para superar a escassez desvalorizou a generalizacao.

A POS1CAo DAS MULHERES

0 que afirmci sobre a desvalorizacao dos direitos politicos vale tambem paratodos, homens e mulheres, mas tern algumas conseqUencias interessantes para asmulheres em particular, ou melhor, para as relacties de genet°, que vat) alem dasquestOes puramente politicos. Primciro, ha o fato Obvio de que mulheres sob ocapitalismo conquistaram direitos politicos que nem eram sonhados ern socieda-des precedences; e creio poder afirmar que a tendencia geral a uma igualdade nominimo formal criou pressetes favoriveis a emancipacao das mulheres sem piece-denies hist6ricos. Essa vit6ria, claro, nao foi conquistada sem muita luta; mas apr6pria ideia de que a emancipacao politica era algo a que as mulheres podiamaspirar e por que podiam lutar s6 bem tarde entrou na ordem do dia. Em parte,esse fato pode ser atribuido desvalorizacao generalizada dos bens politicos quetornou possivel aos grupos dominantes ser menos discriminatetrios corn relacaosua distribuitiao. Mas, neste caso, ha muito mais em jogo do que os direitos for-mais de cidadania.

Retornemos aos nossos exemplos pre-capitalistas. Focalizamos a atencao nacombinacao tipica de producao camponesa e exploracao extra-economics. Po-demos agora considerar o que isso representou para a posicao das mulheres. Eimportante ter em mente que onde os camponeses eram os produtores prima-rios e geradores de excedentes, como geralmente se deu nas sociedades pr6-capi-talistas, nao era apenas o pr6prio campones, mas a familia camponesa queconstitula a unidade basica de producao, assim como — e 6 necessario deixar isso

236

CAPITALISM° E EMANCIPACAO HUMANA: RAGA, GENERO E DEMOCRAC:IA

bem claro – a unidade basica de exploracio. 0 trabalho dos camponeses apropria-do pelos proprietirios da terra c pelos Estados era o trabalho de roda a familia, etomou a forma nio somente de serviyos geradores de renda ou de impostos presta-dos coletivamente pela familia camponesa, ou outros tipos de servicos privados oupriblicos, mas tambem o trabalho domestic° prestado na casa do senhor e, eviden-

/. temente, a reproducio da forca de trabalho em si, a gestacio e a criacio dos filhos,11 os futuros trabalhadores, servos, soldados nos campos, lares e exereitos das classes

dominantes. A divisio do trabalho numa familia camponesa era inseparavelmenteligado as exigencias impostas a unidade familiar pot seu papel no processo deexplorayio. Fossem quais fossem as razOes histdricas para dcterminadas divisOessex uais do trabalho dentro de casa, nas sociedades de classe etas sempre foramdistorcidas pelas relay:3es de producio hierarquicas, coercitivas e antag8nicas entre

I afini ilia e as forcas fora dela.P• E particularmenre importante lernbrar que os camponeses pre-capitalistas cm,.. geral mantinham o controle do processo de producio, enquanto os senhores daI terra aumentavam os excedentes menos pelo comando da produck que pelo use det seus poderes de extrarli0 de excedentes, ou seja, seus poderes jurisdicionais, politicosI e militares. Alem das implicacees gerais desse faro para a distribuicio de direitos

politicos, de teve tambem conseqUencias para as relacoes de genero no ambito daP- familia camponesa. 0 ponto critic° pode ser resumido na afirmacao de que sempre

que houver exploracio hi de haver disciplina hierirquica e coercitiva, e que nessecaso as duas se concentram na familia e se tornam insepariveis das suas relayksdiarias. Nio é possivel haver uma separacio clara entre as relaciies. familiares e a

it organizaylo do local de trabalho do tipo da que se desenvolve sob o capitalismo.I Ji se afirmou que o "dilema" do campon'es e ser ele urn agente econOmico e

o chefe de uma familia, e a familia camponesa é "ao mesmo tempo uma unidadeeconomics e um lar". De urn lado, a familia deve vender suas prOprias necessi-

l- dades como unidade de consumo e como urn conjunto de relayies afetivas, cIII tambem as demandas da comunidade camponesa de que faz parte; de outro, do

ponto de vista do explorador, a familia camponesa é, como o exprimiu Eric

!IWolf, "uma fonte de trabalho e bens com que ele aumenta seu prOprio fundo de

II poder"12. Uma conseqiiencia dessa unidade contraditOria parece ser que a fami-t. Ha reproduz as relaches hierirquicas e coercitivas entre o explorador e o explora-

do. Na qualidade de organizador da producao, o chefe de familia age em certoh sentido como agente de seu preprio explorador.I- — Evidentemente, e possivel afirmar que nio existe necessidade absoluta de que essa

estrutura hierirquica assuma a forma da dominacio masculina, embora isso tenha...__

sido o que em geral aconteceu, embora nio universalmente. Mas, sem considerarquaisquer outros farores que incenrivem essa forma particular de hierarquia – tais

i como as diferencas de forca fisica ou as fungies reprodutivas que ocupam energias eI- tempo da mulher –, hi uma disposicio a dominacio masculina inerente as relayries

entre a familia camponesa pre-capitalista e o mundo dos senhores e do Fstado.

'2 WOLF. Pralant.r. p. 12-7

237

_1 '

DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISM°

Mais uma vez, essa relacao 6 ao mesmo tempo e inseparavelmente econennicae politica. Uma vez que os poderes de exploracao que a familia camponesa obri-gada a enfrentar sao geralmente "extra-econ6micos" — ou seja, juridicos, politicose militares —, des sao inevitavelmente ligados a Unica funcao social que foi sempreurn monop6lio universal masculino, a violencia armada. Em outras palavras, aorganizaclo da sociedade em geral, e especificamente a natureza da classe domi-nante, impeie um premio a dominacao masculina. 0 poder e o prestigio atribui-dos ao papel masculino na sociedade em geral e na ideologia dominante da classegovernante tiveram o efeito de reforcar a autoridade do homem, canto nas funcOespoliticas quanto nos cerimoniais da comunidade camponesa e da familia. Se noambito da familia o chefe 6 o agente do senhor e do Estado, fora dela ele tamb6m6 seu representante politico, no enfrentamento dos poderes extra-econenicosmasculinos dos senhores e do Estado. Assim, o carater extra-econenico politico ecoercitivo da exploracao pre-capitalista tende a reforcar todas as outras disposicties

dominacio masculina no ambito da familia.Incidentalmente, urn teste importante dessas proposic6es poderia ser imaginar

uma familia dependente de produtores em que o homem nao tern papel politicofora da casa, ou cujas relacepes sociais nao tenham carater extra-econOmico. Amelhor aproximacao talvez seja a familia escrava do Sul dos Estados Unidos, urngrupo de pessoas desenraizado, isolado de suas raizes comunitarias, sem posicaopolitica nem juridica definidas, e inserido numa economia capitalista. E uma dascaracteristicas distintivas da familia escrava americana, mesmo no meio de umasociedade em que a dominacao masculina era tenaz, foi exatamente a autoridadeincomum da mulher.

De qualquer forma, no capitalismo, a organizacao da producao e da explora-cao nao se liga de forma tao prOxima corn a organizacao da familia, e o poder deexploracao tambem nao E diretamente extra-econenico, politico ou militar. Em-bora o capitalismo se caracterize pelo impulso sem precedentes para a acumula-cao, ele preenche essa necessidade principalmente pelo aumento da produtividadedo trabalho, e nao por meio da extracio coercitiva de mais-valia. Essa compulsaopara maximizar a produtividade e o lucro, e o antagonismo de interesses entrecapital e trabalho criam a necessidade de organizacao hierarquica altamente disci-plinada da producao; mas o capitalismo nao concentra na familia esses antagonis-mos, essa organizacio hiethrquica e coercitiva. Des estao situados no local detrabalho. Mesmo nos casos cm que a casa esteja mais ligada ao local de trabalho,como se di, digamos, na pequena fazenda familiar, o mercado capitalista criarelacbes prOprias corn o mundo externo que sao diferentes e tomam o lugar dasantigas relaceies pre-capitalistas corn a comunidade camponesa e corn as forcaspoliticas juridicas e militares dos senhores e Estados. Essas novas relaciks terngeralmente o efeito de enfraquecer os principios do patriarcado.

Ja nao existem os principals fatores que dispunham o feudalismo para a domina-.cao masculina — ou seja, a unicidade da organizacao da produclo e exploracao e daorganizasao da familia, a relacio extra-econennica entre exploradores e explora.clos„eoutras. Enquanto o feudalismo operava por meio de uma relacio entre o senhor ou

Estado e a familia,mediadas porassumem a idende amigos padriksdissolventes dolheres que deixam o

Sao essas, ends,

sao econelmica e as

sobre seus efeitosxistas" c seus supoderosos impulses'mas tambem que asoas, que a autode nossa atual sido capitalismo a qua

Paradoxalmente,os bens extra-ecodomfnio extracomo realidadeliberal 6 a ultimahist6ria), e agorapassando tambem afora cia econorni. A cas e os escritOrios.

- trabalho. A expl_ •cas oupolincas.tura de producaosem ligacao imedialarecem muito massdar ao mundo

Mas, na realiextra-econennico. 0tenceram ao dovarias responsabfora das esferas de

capitalista, sao sextra,econOmicos.to que nao seja p

Se no capital'tante em que essada politica preficou tambim a

238

CAPITALISM° E EI.AANCIPAG. 3,0 HUMANA: RAGA, CANER() E DEMOCRAGIA

Estado e a familia, mediada pelo homem, o capitol luta por rela95es diretas e nao

mediadas por individuos, homens ou mulheres, que do panto de vista do capitalassumem a identidade abstrata do trabalho. Homens interessados na manutencio

antigos padrOes de dominacao masculina foram forcados a defende-los dos efeitosdissolventes do capitalismo — por exemplo, dos efeitos do crescente ntimero de mu-lheres que deixam o lar para se incorporar a forca de trabalho.

0 CAPITALISM° E A CONTRACk° DO DOMINI° EXTRA-ECONOMICO

Sao essas, entio, as varias implicaceies da separacio capitalista entre a explora-cao econOmica e as forcas a identidades extra-econOmicas. Ha ainda alga a ser ditosobre seus efeitos ideoldsicos. Tornou-se Lugar-comum entre os tearicos "pds-mar-xistas" e seus sucessores dizer nao somente que a democracia capitalista produziupoderosos impulsos ideolOgicos de busca de coda especie de liberdade e igualdade,mas tamb6m que a "economia' tem importancia limitada na experiencia das pes-

soas, que a autonomia da politica e a abertura das identidades sociais sao a essenciade nossa atual situacao no Ocidente capitalista. Vamos examinar as caracteristicasdo capitalismo a que aparentemente se referem essas afirmacoes.

Paradoxalmente, mais uma vez, as pr6prias caracteristicas que desvalorizaramos bens extra-econOmicos nas sociedades capitalistas dio a aparfncia de enfatizarodominio extra-econOmico e de ampliar seu alcance. Essa aparencia Is entendidacomo realidade pelos idedlogos capitalistas que nos asseguram que o capitalismoliberal 6 a Ultima palavra em liberdade e democracia (para nao mencionar o fim dahistOria), e agora parece que as pessoas de esquerda estao, para o melhor e o pior,passando tamb6m a aceita-la. O capitalismo parece deixar muitos espasos livresfora da. economia. A produclo foi isolZa cm instituicties especializadas, as fibri-

cas e os escrit6rios. A jornada de trabalho 6 nitidamente separada das horas semiribalho. A exploracio ja nao esti formalmente associada a incapacidades jurfcti-cas ou politicas. Parece haver uma ampla gama de relgOes sociais externas a estru-tura de producao e exploracao, que criam uma variedade de identidades sociaissem ligacio imediata corn a "economia". Nesse sentido, as identidades sociais pa-recem muito mais "abertas". Assim, 6 possivel que a separacio da economia parecadar ao mundo externo a ela urn alcance maior, uma liberdade major.

Mas, na realidade, a economia do capitalismo invadiu e estreitou o dominioextra-econOmico. 0 capital assumiti o controle privado sobre questhes que j per-tenceram ao dominio ptiblico, ao mesmo tempo em que transferia para a Estadovarias responsabilidades sociais e politicas. Mesmo as areas da vida social clue estaofora das esferas de nroducao e apropriacao-, e fora do alcance imediato do controle

capitalista, sao su. was aos inerativos do mercado e a transformacao dos bens

_gs.tra-econOmicos. Praticamente nä° existe aspecto da vida na sociedade -

ta que nao seja profundamente determinado pela lOgica do mercado.Se no capitalismo a politica tem autonomia especifica, ha urn sentido impor-

tante em que cssa autonomia mais fraca, e nao mais forte, do que a autonomiada politica pre-capitalista. Como a separasio entre o econOmico e o politico signi-ficou tambem a transferencia de functies antes politicas para a esfera econOmica

239

lista, longe de serquer outra, comocapital e traballtodisfarcada na pequem paga ao tao senhor. E estarelacOes capitalicido "fetichismo dede relacOes entrehumanas; ha aver classe domi

Tudo issofalta de liberdadetes que a domiexemplo, ficoudependencia porliberdade contobscurecem ase exploracao. EmeconOrnico, queque, pelo con

0 efeito domento mesmo, eduos extra-ecoecon6mica docategoria econ"ditame de classe jifinal e sem mver no problemsesclarecedor quer)

truir uma est -esforco para

Entao, o quetalista e para opelas identidades, aMades e oseja capaz deemancipacaoessa mesmacaz e flex:lye!sociedades pexploracao, node opressaoredistribuisio

I If

V U/1111,71,

DEMOCRACIA CONTRA CAPITA1.ISMO

separada, a politica e o Estado sao agora mais, e na p menos, restringidos pelosimperativos e exigencias das classes apropriadoras. Podcmos aqui relembrar exem-plos anteriores de Estados pr6-capitalistas livres das classes dominantes, a ponto deagirem des prOprios como classe, competindo corn outros apropriadores de classepelos mesrnos excedentes produzidos pelos camponeses.

Para a esquerda, e urn truismo que a vida social no capitalismo seja subordinadade forma Unica aos imperativos da "economia" e por des moldada, mas as renden-cias mais recentes da teoria social na esquerda parecem ter abandonado essa id6iasimples. De fato, Elio 6 exagero afirmar que elas se deixaram enganar pelas aparen-cias mistificadoras do capitalismo, pela ilusan unilateral de ter o capitalismo libera-do e enriquecido a esfera extra-econOmica. Se a autonomia da politica, a evidenciadas identidades sociais e a ampla distribuicao dos bens extra-cconOrnicos sao parteda verdade, nao passam de parte dela, uma parte pequena e contradit6ria.

Entretanto, a tendencia a ver apenas parte do quadro nao surpreende. Uma dascaracteristicas mais notiveis do capitalismo a essa capacidade de ocultar o rosto atrasde uma mascara de mistificacties ideoldgicas. Mais surpreendente 6 o faro de sehaver criado uma convencao segundo a qual o capitalismo deveria ser excepcional-mente transparente nas suas relacOes de exploracao e dominacao econOmicas. Oscientistas sociais afirmam corn freqUencia que, ao contrario dos modos pre-capita-listas de producao, no capitalismo as relacães de classe sap nitidamente delineadas,nao sao mascaradas por categorias nao-econOmicas, tais como diferencas de statusou outros principios nao-econOmicos de estratificacio. As relacOes econOmicas sedestacam, pois a economia ja nao esta mergulhada nas relacOes sociais nao-econtimi-cas. Somente agora, dizem des, tornou-se possivel falar de consciencia de dame.

Mesmo entre aqueles que negam a importancia da classe na sociedade capitalista— como uma entre muitas "identidades" — existe quern endorse essa opiniao. Con-cordam sobre a distincao da esfera econOmica no capitalismo e sobre a nitidez daclasse como categoria daramente econ6mica, e entao passam a tratar essa separacaocomo isokmento e a reiegam a uma periferia insular, baseados em que, ainda que aspessoas pertencam a classes, as identidades de classe tern importancia limitada, naomais que marginal, na experiencia dos seres humanos. As pessoas tern outras identi-dades que nada tem a ver corn classe e que sac) tao ou mais determinantes.

Mais uma vez, ha nisso uma ponta de verdade, apenas parte de uma verdadecontraditdria, tao parcial que pode ser vista como uma grosseira distorcao. Evi-dentemente, as pessoas tern outras identidades sociais akin de classe, e 6 claro queelas tem grande capacidade para dar forma as suas experiencias. Mas csse truism()simples nao aumenta o nosso conhecimento, e quase nada nos diz sobre comoessas identidades deveriam ser representadas na construcao de uma polftica socia-lista — ou de qualquer programa de emancipacao — se nao aprofundarmos o queessas identidades significam, nao apenas o que revelam sobre a experiencia daspessoas, mas tambem o que ocultam.

Deu-se muito pouca atencio a capacidade sem precedences do capitalismode mascarar exploracao e classe ou melhor, torna-se cada vez mais childlreconhecer que essa mascara a exatamcnte uma mascara. A exploracao capita-

240

CArrauskio E ENIANelrAclo HUMANA: RACA, CANER° F. DEMOCRACIA

- -

lista, longc de ser mais transparente que outras formas, é mais opaca que qual-quer outra, como mostrou Marx, mascarada pela obscuridade da relacao entrecapital e trabalho em que a porcio nao-gaga de trabalho completamentedisfarcada na permuta de forca de trabalho por salario, na qual e o capitalistaquem paga ao trabalhador, ao ,:ontrario, por exemplo, do campones que paga

ao senhor. esta a falsa aparencia mais elementar que existe no centro dasrelacOes capitalistas, mas a apenas uma entre muitas. Ha tambem o ja conhe-cido "fetichism° de mercadorias" que di as relacties entre pessoas a aparenciade relacOes entre coisas, ji que o mercado medeia a mais basica das transacOeshumanas; ha a mistificacio politica de que igualdade civica significa nao ha-ver classe dominante no capitalismo; e muitas outras.

Tudo isso a muito conhecido, mas a necessario enfatizar que a exploracao e afalta de liberdade capitalistas sio de muitas formas menos, e nao mais, transparen-tes que a dominacao pre-capitalista. A exploracao do campones medieval, porexemplo, ficou mais, e nao menos, visivel pelo reconhecimento juridic° de suadependencia por parte do feudalism°. Em comparacao, a igualdade juridica, aliberdade contratual e a cidadania do trabalhador numa democracia capitalistaobscurecem as relacifies ocultas de desigualdade econemica, ausencia de liberdadee exploracao. Em outras palavras, a prOpria separacao entre o econOmico e o extra-econOmico, que deveria desmascarar as realidades de classe no capitalismo, 4 oque, pelo contthrio, mistifica as relacöes de classe capitalistas.

0 efeito do capitalismo talvez seja a negacao da importancia da classe no mo-mento mesmo, e pelos mesmos meios, em que ele limpa a classe de todos os resi-duos extra-econOmicos. Se o efeito do capitalismo a criar uma categoria puramenteeconOmica de classe, ele tambem cria a aparencia de que classe é apenas umacategoria econOmica, e de que existe urn vasto mundo alern da "economia" onde oditame de classe ja nao e valid°. Tratar essa aparencia como se fosse uma realidadefinal e sem mascara nä° representa avanco na analise do capitalismo. E o erro dever no problema sua soluclo, e no obstaculo, uma oportunidade. E menosesclarecedor que o menos critico dos economistas politicos pre-marxistas; e cons-truir uma estrategia politica sobre a manutencio dessa mistificacao, e nao sobre oesforco para erradica-la, conduz certamente a prOpria derrota.

Entao, o que significa cudo isso para os bens extra-econdmicos na sociedade capi-talista e para o projeto socialista? Vou resumir: a indiferenca estrutural do capitalismopelas identidades sociais das pessoas que explora torna-o capaz de prescindir das desi-valdades e opressOes extra-econOmica.s. Isso quer dizer que, embora o capitalismo naoseja capaz de garantir a emancipagio dappressao de genero ou raga, a conquista dessaemancipaceio tambem nä° garante a erradicacao do capitalismo. , Ao mesmo tempo,essa mesma indiferenca pelas identidades extra-econOmicas torna particularmente efi-caz e flodvel o seu use como cobertura ideolOgica pelo capitalismo. Enquanto nassociedades pre-capitalistas as identidades extra-econOmicas acentuavam as relaceies deexploracao, no capitalismo etas geralmente servem para obscurecer o principal modode opressao que the a especIfico,E, apesar de o capitalismo tornar possfvel umaredistribuicao sem precedences de bens extra-econOmicos, ele o faz desvalorizando-os.

241

J--"P111110111111111111w."--

r.

DEMOCRACIA CONTRA CANTALISMO

0 q_ue dizer end° do socialismo? 0 socialismo _calm Tao seja cm si uma ga-rantia de compkta conquista dos bens extra-econOrnicos. Talvez nao seja em si agarantia da destruicao dos padrOes histOricos e culturais de opressao de mulheres ouracismo. Mas 6 capaz de pet menos duas coisas importantes, akm da aboliciodessas formas de opressao que homens e mulheres, negros e brancos, sofrem emcomum como membros de uma classe explorada. Primeiro, etc elimina as necessida-

, r. ' des ideol6gicas e econOmicas que, sob o capitalismo, ainda sao atendidas pela ores-, sic) de rasa e genero. 0 socialismo talvez venha a ser a primeira forma social desde

9advento da sociedade de classes cuja reproducao como sistema social 6 ameacada,

e nao favorecida, pelas relacoes e ideologias de dominacio e opressio. Segundo, devai permitir a revalorizacio dos bens extra-econ6micos, cujo valor foi deterioradopela economia capitalista. A democraciague o socialismo oferece ester baseada nareint a ao da "economia" a vida •°Utica da—cornunidade ue seinicia . la suerSlls nacio autOdeterminacao democratica dos prOprios produtores.

A maioria dos sodnente do capitalismo.crises regulares, ji nosde encontrar novosrand° algo novocrise nas economiassistema esti° desaswldeclinio terminal;futuro previsivel, susc6es de vida e dedesenvolvidos quedividas. Ainda assiss.da, sobre a condicioca, ainda nao foram

Vou primcirocatalogo de decliniopaises ocidentais. Asfunda recessio, aliascolapso do corneurop6ias mais foral de longo praZO,

fracos que ja coJapan comerrou a(para nao falar dasquanto isso, rrecessao recalcimente seletivos Di

de tendéncia damassa, ou o suparecem ter semundo. As taxers deconquistadas em

242

CONCLUSAO

A maioria dos socialistas ja desistiu ha muito tempo de prever a morte imi-nente do capitalismo. Embora o "ciclo de neg6cios" continue a scr ponruado porcrises regulares, ja nos acostumamos a flexibilidade do sistema c a sua capacidadede encontrar novos caminhos de expansio. Mas parece que hoje estamos enfren-tando algo novo corn que a esquerda nunca havia se deparado. A prolongadacrise nas economias capitalistas avancadas, que at os economistas alinhados aosistema esti° descrevendo como "estrutural", talvez nio seja uma indicacio dedeclinio terminal; mas talvez indique que essas economias ja esgotaram, para urnfuturo previsivel, sua capacidade de sobreviver sem deprimir ainda mais as condi-Vies de vida e de trabalho de suas populac6es muito menos as dos paises menosdesenvolvidos que elas continuam a explorar como fontes de trabalho barato e dedIvidas. Ainda assim, embora sejam muitas as laminas, e nao somence da esquer-da, sobre a condicao atual do capitalismo, suas implicacOes, na teoria e na prati-ca, ainda ciao foram entendidas.

Vou primeiro esbocar o contexto. Nä° é necessario falar muito a respeito docatalog° de declinio que d alimento diario de todos os meios de comunicacio dospalses ocidentais. As economias capitalistas adiantadas enfrencam uma Tonga e pro-funda recessio, alem das fissuras e contradicOes do mundo capitalista expostas polocolapso do comunismo, antes ocultas e mascaradis pela guerra fria. As economiaseuropeias mais fortes vivem o que para elas sao novas formal de desemprego estrutu-ral de longo prazo, e a unificacao da Alemanha agravou dramaticamente os pontosfracos que ja comecavam a aparecer na economia mais bem-sucedida da Europa. 0Japio comecou a sofrer os males aos quais o seu "milagre" econOmico parecia imune(para nip falar das penosas condicties de vida e trabalho que o sustentaram). En-quanto isso, recebemos garr-itias de que nos Estados Unidos e em outros lugares arecessao recalcitrante ja foi revertida; mas os economiscas tern sido mais que normal-mente seletivos na leitura dos "indicadores" econOtnicos para demonstrar inversaode tendencia da economia, deixando de lado as evidencias de que o desemprego emmassa, ou o subcmprego, a pobreza, o desabrigo, o racismo e a violencia criminalparecem ter se transformado em caracteristicas permanentes dos palses mais ricos domundo. As taxas de desemprego ligeiramente mais baixas dos Estados Unidos foramconquistadas em detrimento do crescimento dos empregos de baixos salarios e de

243

DEMOCRACIA (()NTRA CAPITAIJSMO

uma grande classe de trabalhadores pobres. A crescente consciencia ecolOgica dospaises ocidentais tambem nao foi capaz de controlar o imperativo estrutural docapitalismo de degradar o meio ambiente. Tudo isso acontece enquanto formaciiespoliticas tradicionais, de esquerda e direita, vivem diversos graus de crise, chegandoem alguns casos, como acontece na Italia, quase ao ponto do colapso.

Ninguem duvida que, em meio a essa litania de males econtimicos, seja o de-semprego estrutural de longo prazo — complicado pelas mudancas no padrao detrabalho em direcao a informalidade e aos contratos de curto prazo — de longe osinal mais importante que desafiou as flutuacOes de todos os outros indicadoreseconOmicos, contrariando at mesmo as convencaes econamicas mais bisicas re-lativas a crescimento c emprego s . Mas, se isso nao a novidade, os termos do debatedominante sobre essas questóes na Europa e nos Estados Unidos sugerem quealguem esti interpretando mal os acontecimentos.

MERCADOS, "FLEXTVEIS" E "SOCIALS"

A Ultima palavra magica no debate ccomimico (se a isso se pode dar o nome dedebate) e"flexibilidade": as economias capitalism avancadas, e o que se afirma,devem desregulamentar o mercado de rrabalho, enfraquecer a "rede de seguranca"social equern sabe levantar as restricties poluicao ambiental para compefir corno capitalismo do Terceiro Mundo, ao permitir que os termos e as condiVies-detrabalho caiam aos niveis de seus competidores nos paises menos desenvolvidos.Alem dos cuidados corn a previdencia social, tambem o sal£rio . e as condiccies detrabalho detentes, e ate a protecio do meio ambiente, parecem constituir obsti-culos a competitividade, a lucratividade e ao crescimento.

Por si so, isto talvez nao seja novidade, pelo menos para a extrema direita, masparece haver uma nova disposi9lo de se manifestar explicitamente sobre a necessidadede deprimir a condicao dos trabalhadores no interesse de mercados "flexiveis" de traba-lho, e uma nova tendencia a incluir entre os inimisos da flexibilidade ate mesmo osdireitos e as protecties que qualquer um, corn excecao do mais fanatic° dosneoconservadores, teria preferido preservar. Talvez se note urn desvio para a esquerdanessa exigencia de major "flexibilidade". Nao sao apenas os conservadores da EuropaOcidental, em cujas fileiras os britanicos pareciam isolados na oposicao as frageis regu-lamentacöes das Questoes Sociais, que agora falam a lingua da flexibilidade a medidaque acordam para as novas realidades do desemprego de longo prazo. Ate entre ospartidos europeus de esquerda ji nao esti too claro que este 6 urn territbrio proibido.

Se nesse debate existe alternativa a flexibilidade, ela 6, segundo alguns (principal-mente o Partido Trabalhista Britanico), a criacao de uma forca de trabalho alcamen-te qualificada que atraia o capital deslocado para as economias dependentes de baixossalarios. Educacao e treinamento sao, de acordo corn esse ponro de vista, a principal

No momento em que escrevo, estima-se que 40% di forca de trabalho canadense esteja desempregada ou ocupada ernempregos inseguros ou temporirios. Nos Eutados Unidos, entre 20 e 30% estio ocupados em empregos temportrios ou decontrato limitado, lunge do grande e crescente nitmero de empregos de baixos salirios em tempo integral. Sabre os padrOesde trabalho, ver MATTERA, Philip. Proveriq, Lost Reading, Mass, 1990.

244

cura para os malesnessa solucao de a*em massa, a hSgicaantes da demanda Euma forca qualiexistem por rathesdos empregos (corndo), mesmo nas ma'smentu demorado e

As evidenciastorno de uma lorsa, defato, o crescimentobem treinada, deve sete la, exatamente na -car as fabricas euro"inflexlvel" para locaissac menores, e ondetrabalho, a turnos

Se a solucao pelodas pela esquerda?querda, deslocandoes-pectro do debatelealdade ao Estadomais revolucionaria —ram esta como suania social", o aprimajor (mais viivel)

Mas e se a cidadaoyestivcr correta? E se oformos forcados a adncado de trabalho sao trollprazo, mas tambemo futuro do capitalismo ivida e de trabalho? Econtribuicio para adiminuindo? E se naodireita, se for realmentedores, a cidadania social,

Sobrc a cducacso na economia drilyEducation, Aldershot, 1992.

3 Ver Financial Timer Most comm'Logic, urn fabricante americano deismincentives da Alemanha, e que 'kcal

CA)NausAo

cura para os males econOmicos. Mas nä° ha sinal mais seguro de desespero que a Fenessa solucao de cuja eficAcia nao se tern evidencia. Num contexto de desempregoem massa, a l6gica de uma teoria que coloca a oferta de mfio-de-obra qualificadaantes da demanda é no minimo ilusdria. Seria razoivel supor que, para absorveruma Ionia qualificada recem-criada, fossem criados de repente empregos que nit)existem por razóes estruturais? De qualquer forma, sera tao evidente que a maioriados empregos (corn excecio do trabalho da secretaria, geralmente pouco valoriza-do), mesmo nas mais avancadas inchistrias de alta tecnologia, exige mesmo treina-mento demorado e habilidades que nao se adquirem no trabalho2?

As evidencias sugerem que o capital nao tern major probabilidade de gravitar cmtomb de uma forga de trabalho altamente qualificada do que de outra mais barata. Defato, o crescimento atual do desemprego na Alemanha, o modelo de uma economiabem treinada, deve set suficiente para lancar ckividas sobre a solucio pelo treinamento;e la, exatarnente na inckistria de alta tecnologia, ha sinais de uma tendencia a se deslo-car as fabricas europeias pars a Asia, deixando uma forsa de trabalho qualificada, mas"inflexivel" para locais onde os custos do trabalho, inclusive pensOes e pianos de satide,sfio menores, e onde ha uma "cultura" menos avessa a longas e insalubres jornadas detrabalho, a turnos ininterruptos e a condicOes de trabalho geralmente piores'.

Se a soluclo pelo treinamento nao a adequada, existem outras opc.Oes ofereci-das pela esquerda? Como as conviccOes da direita se espalham na elirecio da es-querda, deslocando atlas formas mais inofensivas de neokeynesianismo, todo oespectro do debate parece estar adotando uma nova tendéncia em que mesmo alealdade ao Estado keynesiano de bem-estar ji e vista como uma posicao cada vezmais reyolucionaria. — e, de faro, ha hoje pessoas na extrema esquerda que adota-ram esta como sua prOpria posicfio, e substituiram o socialismo por uma "cidada-nia social", o aprimoramento dos "direitos sociais" sob o capitalismo, como suamajor (mais viavel) aspiracio emancipat6ria.

Mas e se a cidadania social for menos viavel que o socialismo? E se a direitaestiver correta? E se o Estado de bem-estar ji nao for o refiligio da esquerda? E seformos forcados a admitir que o Estado de bem-estar e a regulamentacio do mer-cado de trabalho sao incompativeis nao somente corn o objetivo do lucro de curtoprazo, ram tambem corn a competitividade e o crescimento de Longo prazo? E seo futuro do capitalismo ocidental depender realmente da reducio dos padroes devida e de trabalho? E se a disparidade entre o nivel de forcas produtivas e suacontribuicao para a melhoria das condicoes de vida estiver crescendo, em vez dediminuindo? E se nao formos capazes de negar as queixas ruidosas da extremadireita, se for realmente verdade (agora, se nao antes) que os direitos dos trabalha-dares, a cidadania social, o poder democratic° e ate mesmo uma qualidade decen-

2 Sabre a educacão na economic de hoje, ver BLALJG, Mark. The Economic Value ofantation: Sadie iv: the Economics of

Ediecation, Aldenshor, 1992.

3 Ver Financial lima ("Cost constrains prompt a continental shift'), 25 de agosto de 1992, o caso emblemitico da LSILogic, urn fabricante americano de semicondutores, inicialmenteatraido pela fora de trabalho qualificada a pelosgenerosos

incenrivos da Alemanha, a qua decidiu fechar sua fibrin stems e mudar-se pars o Eastern° Oriente.

245

dependem, estitrabalho em merque determinam osque, alem dos efeitosfuncOes reguladoras

Falei antes,co?" e "HistOria ounhecer a distinclode Coda a histOrianao 6 uma opoacesso dos produtda competicao, daexemplo, no momoutras vias que naseus produtos nocondicOes especificrativamente areforcados a medientre uma classemente destituidasalario. A visa° gessa visa° a formatura de rotas deseia na fusao dreconhecer a esdes e imperativebilidades infinitas de

penas

de

esse

Se a direita,que a principalregular a prdo 6 esteril. De varins

cao — num dos cases,lucro intrinsecas an

trial acelerado. Npelos produrores,excedente foi apem nenhum dosmercado social nem

s Indict, aos leitores oas implicacfies do mond.Critique, Londres, 1993.4

Mv

lie I

ores

00

cis

da

de

doII

1 11 •

s de

••'•

p

•V •

DEMOCRACIA CONTRA CAPfrAusmo

to de vida para a massa da populacao sac> de fato incompativeis corn o lucro, e queo capitalismo, mesmo nas suas formas mais avancadas, nao a capaz de oferecerlucro e "crescimento", nem a melhoria das condicOes de trabalho e de vida, muitomenos justica social? Nio 6 essa a mensagem que se extrai do discurso da "flexibi-lidade", e ji nao deveriamos estar aprendendo corn esse faro que esse julgamentosombrio de nosso sisrema econOmico ja nao 6 mais uma reserva da esquerda?

Mas o que vemos 6 uma estranha inversao de posicOes. Hoje sao os ideologosda ala direita do capitalismo que apregoam suas limitacOes, enquanto a esquerdadescobre novas razOes para ter fe na sua capacidade de adaptacao. Por tris dessacuriosa inversao talvez se encontre outra mudanca estranha: foi o marxismo quedenunciou a cruel lOgica social do mercado capitalista mascarada pela economia-Rama classica, mas hoje essa lOgica esti sendo revelada nas piginas fmanceiras daimprensa burguesa e pelos economistas da "flexibilidade", enquanto muitos dosantigos militantes da esquerda marxista se converterarnifreny no mercado "so,Ciir, urn mercado capitalista corn rosto human.

Vou expor claramente minha prOpria posicio. Acredito que a direita esteja certaem relasao aos custos sociais da lucratividade capitalista. A lingua da "flexibilidade"certamente registra importantes alteracoes estruturais na economia mundial quetornam ineficazes os velhos corretivos intervencionistas. 0 capitalismo corn rostohumano talvez exija mais intervenclo do Estado do que exigiria o socialismo, talvezum planejamento mais extensivo que o sonhado pelo mais ortodoxo dos comunis-tas, e desta vez numa enorme escala internacional4 . Com isso nao quero negar que aesquerda deva defender corn todas as suas Imps o Estado de bem-estar ou a regula-mentacrao arn-biental,- ou que educacio seja urn bem indiscutivel a ser perseguidopor razOes que nada tem a ver corn a maximizacao dos lucros.Provisao para aseguridade, protecao ambiental e educacio devem continuar no centro dos progra-mas de curto e longo prazos da esquerda. Basta apenas reconhecer os limites doca—pitalismo. Acho dificil entender como o mercado hi de se tornar uma disciplina"econOrnica", urn mecanismo motor e urn regulador cia economia, sem mais cedoou mais tarde produzir as mesmas conseqUencias que preocupam os expoentes daflexibilidade e que os defensores do mercado social prometem corrigir.

Uma coisa a falar da adocao de certos mecanismos de "mercado" como instru-mentos de circulacao e intercambio. Outra muito diferente 6 convocar o mercadoa agir como regulador econOmico, o garantidor de uma economia "racional". Naopretendo explicar aqui essa distincio, apenas dizer que a economia "racional" ga-rantida pelos disciplinas do mercado, auxiliadas pelo mecanismo de preco de que

4 Ver, pot exempt.), as observacnes de Robert Heilbroner sobre as muttansasque rornam men°, viiveis as solucães keyncsianas.Apesat de insistir que ainda temos algo a aprender do 'espirito" da teoria econemica de Keynes. Heilbroner aroma que "odesemprego persistence de hoje, sane nas suas origens quanto nas conseqttencias, parece diferente do problems que Keynespensou poder see remediado per `uma socializacio urn canto abrangente do inrestimence .". Entre as diferencas estruturaisesti() as "pressses inflacionarias, desconhecidas no tempo de Keynes", e interpenetracio internacional de mercados" que"ameaca diluir o efeito benefice de qualquer programa de recuperacao, ainda quo onside. Ela indica a riecessidade de

coordenacio international de enforces econdmices — um objetivo que se encontra, lament°, mono alem de nosso alcance".

"Acts of an Apostle". New York Review of Books, 3 de marco de 1994, p. 9.

246

CONCLUSAO

dependem, esta assentada num requisito insuperivel, a transformacio da for-9a detrabalho em mercadoria e sua sujeicao aos mesmos imperativos da competicioque determinam os movimentos de outros "fatores" econOrnicos 5 . Isso quer dizerque, alem dos efeitos diretos sobre os trabalhadores, ha uma contradicao entre asfunccies reguladoras do mercado e sua capacidade de "socializacio".

Falei antes, especialmente nos capitulos "Hist6ria ou determinismo tecnolOgi-co?" e "HistOria ou teleologia?...", sobre a incapacidade dos historiadores de reco-nhecer a distincio entre sociedades corn mercado e comercio, que existiram ao longode toda a histOria conhecida, e a especificidade do capitalismo, em que "o mercado"nao a uma oportunidade, mas urn imperativo. A diferenca esti no grau em que oacesso dos produtores aos meios de producao depende do mercado. Os imperativosda competicio, da maximizaclo de lucros e da acumulasio foram acionados, porexemplo, no momento em que se negou aos meeiros ingleses o acesso as terras poroutras vias que nao o mercado, sujeitando-os nao somente a exigencia de venderemseas produtos no mercado, mas tamb6m a urn mercado de arrendamento que, nascondiciies especificas das rela95es de propriedade inglesas, for9ou-os a produzir lu-

. crativamente apenas pars manter o acesso a pr6pria terra; e esses imperativos foramreforcados a rnedida que as pressOes da competicio aceleraram o processo de divisaoentre uma classe de grandes proprietarios e uma classe de trabalhadores completa-mente destitulda de propriedade e obrigada a vender sua for-9a de trabalho por urnsafari°. A visa) geralmente aceita do capitalismo como expansao de mercados (tenhaessa visäo a forma do velho modelo de comercializacao, corn o fechamento e a abet-tura de rotas de comercio, ou a do argumento demografico mais complexo) se ba-seia na fuslo desses dois tipos diferentes de "mercado"; e a mesma incapacidade dereconhecer a especificidade histOrica do capitalismo e a distincao entre oportunida-des e imperativos de mercado parece-me estar oculta sob a crenca corrente das possi-bilidades infinitas de urn mercado socializado.

DEMOCRACIA COMO MECANISMO ECONOMICO

Se a direita estiver correta sobre o mercado como agente regulador, parece-meque a principal tarefa dc longo prazo _ e pensar ern triecanismos alternativos para eregular a producao social. A antiga °Ka° entre mercado e planejamento centraliza-do 6 estiril. De varias formas, os dois foram movidos pelos imperativos da acumula-crcao— num dos casos, impostos pelas exigencias da competicio e da maximizacio do lucre intrInsecas ao sictema, no outro, pelas exigencias do desenvolvimento indus-trial acelerado. Nenhum dos dois envolveu a reapropriacao dos meios de producaopelos produtores, nem foi motivado pelos interesses dos trabalhadores cujo trabalhoexcedente foi apropriado, nem mesmo pelos interesses do conjunto da populacio; eem nenhum dos dois casos a producao se sujeitou a responsabilidade social. Nem omercado social nem o "socialism° de mercado" oferecem uma afternativa, pois, corn

5 India) aos kitores o trabalho de meu amigo, colega c ex-aiuno, David McNally, que discorreu corn adm nivel Iucidez sabreas implicalUs do mercado como regulador em Against the Motrker. Political Economy; Market Socialism and the MarxistCritique, Londres, 1993, especialmente o capitulo 6.

247

P.

de cidadios — nao seri+organizacao aprimoratitivos que eles definir

Nem mesmo a tom"so, a alienacio do podddo os debates sabre adder o problema. 0apresentar em defeatseus empregadoressupOe, as disciplinescondicoes de operar

Formas novas ede controle por panetencial de algo mtiria o problemainstituicifies hojerealmente demmercado, mas demotivadora daobjetivos dos tcolocar tais objtodo e do bem-estar

Nao quero darsario definir ppelos debates aprocurando nomecanismo mcomo acredito sexdemocratica dacao pelos prodsubstituicao dasomente dosdos imperaritrabalho e lazermatores para a"extra-econ8

Nesse meioquerda, tal comeOs aconeuropeia e o linenovas confronNafta, evidenUnidos paracia do trab

I I

11 1111, II

DENtocRAcIA CONTRA CANT/Ws:vs°

ou sem um rosto humane, os imperativos do mercado permanecem como o meca-nismo acionador. Na economia mundial de hoje, a medida que o mercado :ocialassume o ar de utopia, cada vez menos viavel, uma contradicao em termos, talvezseja mais realista pensar em alternativas radicais.

Ja sugeri em varias panes deste livro que o mercado capitalista e urn espacopolitico, iisim como econOmico, urn terreno nao apenas de liberdade e escolha,

mas tambem de dominacao e coacio.LQ51_4-0 e 'LAW a democracicuedsa.ge I , • . • . • . • se to • oria ■ ■

a• •• ■ as como cate oria

econOmica. Nao esto nr- •• • . nen•-da. ass .0 a.t. nOmic

como major iRualdade na distribuicao. Estou sugerindo democracia como urn re-gulador econOmico, o mecaniono acionador da_economia.

UniTc) ' inm to de partida e a associacio livre de produtores diretos (que nao selimita a incluir trabalhadores manuals ou pessoas diretamente envolvidas na producao

- -material) proposta par Marx. E claro que o melhor local para comecar a busca urnnovo mecanismo econOmico 6 a prOpria base da economia, na organizacio do traba-Iho. Mas a questa° nao e apenas a organizacio interna das empresas; e mesmo areapropriacao dos meios de producao pelos produtores, ainda que condicao necessaria,nao seria suficiente, pois a posse permanece dependente do mercado e sujeita aos ve-

-Rios imperativos. A liberdade de livre associacan implica nao somente a organizacaodemocratica, mas rambem a emancipacao de coa95es "econOmicas" dense tipo.

Estabelecer uma organizacao democratica de produtores diretos, por compara-cao corn a atual estrutura hiethquica da empresa capitafista, e tarefa ficil sobcertos aspectos. Ate certo panto, mesmo as firmas capitalistas tem condi95es deacomodar organizacOes alternativas coma o "conceito de equipe". Corn certeza,nao ha nada de especialmente democratica no conceito de equipe que opera nasempresas capitalistas; mas mesmo corn as equipes organizadas da forma mais de-mocratica, essas empresas seriam governadas nao pelos objetivos autodeterminadosdas pessoas que nela trabalham, mas pelos imperativos impostos a etas do exterior,nem mesmo pelas necessidades e pelos desejos da maioria dos cidadaos, mas pelosinteresses dos empregadores e pelas coer95es impostas pelo mercado capitalista emsi: os imperativos da competion, da produtividade e da maximizacao dos lucros.E e claro que os trabalhadores continuariam vulneriveis a ameaca de demissao efechamento de fabricas, a disciplina Ultima do mercado. De qualquer forma, essesnovos modos de organizacao sic) concebidos nao como novas formas de democra-cia, que tornam a organizacao mais responsivel perante seus empregados e a co-munidade, mas, pelo contrario, como meio de tornar os trabalhadores mais atentosas necessidades econermicas da organizacdo. Essas organizaccies nao satisfazem aoscriterios mais bisicos de democracia, pois o "povo" — os trabalhadores, ou o corpo

Una.lstst pasta de partida para entender o conceito de Marx de classe erodurora a seu conceito do "trabalhador coleri,o".

_que nas sociedades capitalistas indui uma amnia variee l• de de trahalhadores, canto onenlrios.guancoadminiscrarivoitia-. dos em • ontos diferentes do rocesso de cri e realiza do mais-valia a. ro riado elo CiI ital. (Para uma discussao

dessa quest:1o, vet MEISICI. , et. "Beyond the Boun ary Question') New Lift-114vi•o-157,p. 1.0j-20.)._g_essa a classe

cuja auto-emancipaclio viria a constituit o socialismo; mas e evidente que coma abaci° da explorapio capitalista anatureza 2Os "produtores" deixaria de see definida por sua contribuicao a producao de capital.

248

a

CONCLUSÃO

de cidadaos Tao sera em nenhum sentido soberano, nem a objetivo primario daorganizacio aprimorar a qualidade de vida de seus membros nem a busca de obje-tivos que des definiram para si prOprios.

Nem mesmo a tomada do controle por parte dos trabalhadores evitaria, por siso, a alienaclo do noder para o mercado. Qualquer pessoa que tenha acompanha-do os debates sobre a compra da United Airlines nos Estados Unidos pode enten-der o problema. 0 argumento mais forte que os trabalhadores conseguiramapresentar em defesa de sua proposta foi que des nao seriam menos sensiveis queseus empregadores capitalistas aos imperativos do mercado — inclusive, e o que sesupeie, as disciplinas de fechamento e demissOes sem as quais o mercado nit) terncondicOes de operar como regulador.

Formas novas c rnais democraticas_ de organizar o local de trabalho e as tomadasde controle por parte dos trabalhadores sio objetivos admiriveis em si e a base po-tencial de algo mais; mas, ainda que todas as empresas fossem assim tomadas, persis-tiria o problema de separa-las dos imperativos do mercado. Certos instrumentos einstitui95es hoje associados ao "mercado" seriam sem dtivida &cis numa sociedaderealmente democratica, mas a forca motora da economia teria de emanar ran domercado, mas de dentro da associacdo auto-ativa dos produtores. E se a forcamotivadora da economia se encontrasse na emprcsa democratica, nos interesses eobjetivos dos trabalhadores auto-ativos, seria necessario descobrir alternativas parscolocar tais objetivos e interesses a servico da administracao da economia como urntodo e do bem-estar da comunidade em geral.

Ndo quero dar a entender que tenho as respostas; mas, como sempre, é neces-sari° definir primeiro os problemas, o que ainda trial comecamos a fazer, a julgarpelos debates atuais. No momento, quero apenas enfatizar urn porno: o que estamosprocurando nao sae) apenas novas formas de propriedade, mas tambem urn novomecanismo motor, uma nova racionalidade, uma nova Iogica econOmica; e se,como acredito ser o caso, o local mais promissor para comecar é a organizaciodemocratica da producao, o que pressupOe a reapropriacio dos meios de produ-cab pelos produtores, entio e tambem necessario enfatizar que os beneficios dasubstituicao da racionalidade do mercado como mecanismo motor 'la° seriamsomente dos trabalhadores, mas de todos aqueles que se sujeitam as consequ'enciasdos imperativos do mercado, desde os seus efeitos sobre os termos e condicties detrabalho e lazer — na verdade, a propria organizaVio do tempo — ate as implicacOesmaiores para a qualidade da vida social, a cultura, o meio ambiente e os bens"extra-econOrnicos" em geral.

Nesse meio tempo, a atual lOgica do mercado gera efeitos para os quais a es-querda, tal como esti hoje constituida, esta despreparada, teOrica e politicamente.Os acontecimentos que deveriam revigorar o capitalismo ocidental — a integracaoeuropeia e o livre comercio na America do Norte — parccem criar condicOes paranovas confronta95es de classe entre capital e trabalho. Por exemplo, assim como oNafta, evidentemente criado para deprimir as condic.6es de trabalho nos Estados,,,,Unidos para convergir corn os vizinhos mexicanos, foi instituido contra a resisten-`cia do trabalhismo organizado, a integracio europeia tern o efeito de enfraquecer

249

DEMOCRACIA CONTRA CAPITAUSMO

os mecanismos — tais como deficit e desvalorizacio — por meio dos quail as econo-mias nacionais europeias conseguiram no passado acomodar aumentos de salirioe amortecer o desemprego.

Os efeitus comecaram a se manifestar numa explosao de agitacao opeririana Europa e na crescente politizacao dos sindicatos — mais significativa e sinto-maticamente na Alemanha. Ao mesmo tempo, urn dos milagres asiaticos, aCoreia, experimenta agora uma "moderna" politica de classes, enquantoe as chamadas novas democracias se transformaram em terreno fertil para oconflito de classes, a medida que se estabeleccm as disciplinas do mercado. Ondeestao os recursos politicos e intelectuais para tratar esses acontecimentos, quan-do os partidos de esquerda abandonaram o terreno da politica de classes e a novapOsitsquerda ainda esti em busca de tuna identidade? 0 que, por exemplo,poderi preencher o vicuo politico deixado pela defeccao dos partidos operirios,a medida que a reestruturacio do capitalismo aumenta as press6es ao longo daslinhas de tensao de classee cria novas formas de trabatho inseguro e vulnerivel?Quern sabe mais extremismos de direita?

Ninguem nega que a "nova ordem mondial" define tarefas inteiramente novastanto para a esquerda quanto para todos os outros. Mas o colapso do comunismonao 6 somente o moment° definidor de nosso tempo, nao e apenas uma transfor-macio significativa que exige serio "repensar". Nesse mein tempo, alguma coisaesti acontecendo tambem corn o capitalismo. At agora as principais solucäesoferecidas foram, de virias formas, contradit6rias e devem gerar o prOprio fracas-so. 0 mercado "flexivel" acentua a flexibilidade e a competitividade solapando assuas prOprias fundacties enquanto retira consumidores do mercado, enquanto omercado "social", submetendo-se aos imperativos capitalistas, estabelece limitesestreitos para sua prOpria capacidade de humanizar o capitalismo. A licao quetalvez sejamos forcados a aprender de nossas atuais condicOes econOmicas e politi-cas 6 ue u II • I to human° "social" e ve iramente democratic° e i • u -

.

litirio a mais irreal e ut6pico que o socialismo.

250

absolutismo 21 -22.aoo humane 17-1

92-93acumulacao 28, 31.agricultura 58. 11Alemanha 145. 1Althusser, Louis 1 7

71, 92, 94-%sobre a d'e modo de

Anderson, Perry80, 82, 86, 1

aprendizado 166-apropriacio 28,

216, 247e o Estado 37-Jcapitalista 45-ifeudal 41-42, iinas socieciades

Arist6teles 183, 1Asia

modo de

Arenas 141, 150.cidadania167, 168, 173.189, 234-235democracia cia188, 196-197.

1