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Elsa Pacheco Alteração das Acessibilidades e Dinâmicas Territoriais na Região Norte: expectativas, intervenções e resultantes Faculdade de Letras da Universidade do Porto GEDES 2001

Elsa Pacheco

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  • Elsa Pacheco

    Alterao das Acessibilidades e Dinmicas Territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes

    Faculdade de Letras da Universidade do Porto GEDES

    2001

  • Tese apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 20 de Julho de 2001, para a obteno do Grau de Doutor em Geografia

  • Agradecimentos

    para o Prof. Doutor Jos Manuel Viegas que dirijo, em primeiro lugar, os meus agradecimentos. A pacincia e persistncia com que, de forma incansvel, conduziu a

    orientao cientfica deste trabalho, pautou-se, ao longo destes anos, na valorizao do

    meu conhecimento sobre as mais diversificadas questes que versam a mobilidade e os

    transportes. Fica a certeza de que jamais conseguirei retribuir tal ajuda, amizade e nimo.

    Agradeo tambm ao Prof. Doutor Jos Alberto Rio Fernandes, na qualidade de

    co-orientador, a quem coube a tarefa de fazer a crtica e os comentrios cientficos no

    mbito da Geografia. Nesse sentido, balizou de forma atenta os diferentes ritmos do

    desenvolvimento do trabalho, nomeadamente os deslizes que fui tendo, com alguma

    frequncia, para abordagens prprias da Engenharia.

    Os colegas e amigos Helder e Mrio, ora atravs da crtica e do debate de ideias,

    ora pelo apoio nos momentos menos bons, constituram um suporte fundamental e

    imprescindvel neste percurso.

    Registo a ajuda, as palavras de apoio e a amizade da Prof Doutora Rosa Fernanda, Presidente do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da

    Universidade do Porto, tal como do Joo, do Lus Paulo e da Teresa, que ocupam lugar

    especial entre todos os que me acompanharam, no s pela abertura em discutir

    assuntos relacionados com o trabalho que aqui se apresenta, como tambm em

    contextos de simples amizade.

    Porque o interesse sobre as questes de mobilidade e transportes foi despertado no

    Curso de Mestrado, ao Prof. Doutor Jos Manuel Pereira de Oliveira que agradeo a

    curiosidade e o entusiasmo que me conseguiu transmitir sobre aquelas matrias.

  • Reconheo-o ainda hoje, em evocaes que me conduzem tambm s minhas sombras o Mrio e o Miguel Bandeira - amigos sempre prximos com quem sabia,

    e sei, que posso contar.

    Teria concerteza de escrever longas pginas se quisesse agradecer a todos os que

    me acompanharam, entre eles, o Alberto, a Laura e o Marco, nos quais encontrei o

    aconchego e a leveza de grandes amigos, ou ainda a Dona Maria de Jesus e o Dr. Joo

    Emanuel Leite, pelos motivos mais diversos. Todos sabem o(s) porqu(s).

    Assinale-se ainda o apoio que me foi dispensado por diversas instituies,

    nomeadamente as Cmaras Municipais, o Instituto Nacional de Estatstica, o Jornal de

    Notcias e a Junta Autnoma das Estradas do Porto e Bragana, entre outras, que sero

    referenciadas ao longo deste trabalho, nelas agradecendo aos vrios funcionrios que,

    por vezes indo alm dos seus deveres como profissionais, se mostraram disponveis para

    ceder a informao to pertinente ao desenvolvimento deste trabalho. Destaco, porm, a

    TIS, Transportes, Inovao e Sistemas e nela particularmente o Pedro Santos, gegrafo

    e amigo, que funcionou como uma espcie de enciclopdia tcnica, porque a ele

    recorri vrias vezes para esclarecer dvidas de tratamento de dados.

    Finalmente, porque o sucesso ou o insucesso se mede por tudo quanto tivemos de

    abrir mo, dos meus pais, Maria Ins e Jos Manuel; dos meus irmos, Ita, Paulo,

    Joana e Rico; do meu cunhado, Flvio; da minha sobrinha, Beatriz e do av Artur, que

    guardo para sempre a compreenso, o apoio e o carinho que nunca deixaram de me dar.

    Entre eles, mais nova e ao mais velho, fica aqui a justificao para a minha ausncia e a pouca ateno que lhes dei nos ltimos tempos.

  • Beatriz e ao av Artur.

  • Alterao das Acessibilidade e Dinmicas Territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes

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    PLANO

    PARTE 1 INFRA-ESTRUTURAS RODOVIRIAS E TERRITRIO

    1. Introduo: territrio, transportes e comunicaes

    2. As abordagens aos transportes e ao territrio 2.1 Os transportes nas formulaes da economia espacial 2.2 Circulao e transportes: as abordagens em Geografia

    2.3 As novas questes sobre transportes e territrio no final do sculo XX 2.4 O contributo da Geografia na resposta aos novos desafios

    PARTE 2 OS EFEITOS DAS NOVAS ACESSIBILIDADES RODOVIRIAS NA REGIO NORTE: NOVAS E/OU VELHAS DINMICAS TERRITORAIS

    3. Evoluo e planeamento da rede de transportes terrestres em Portugal: os desgnios da interveno

    3.1 A rede de estradas antes da motorizao

    3.2 A consolidao de uma rede de transportes terrestres para o automvel

    4. Aspectos sobre as dinmicas demogrficas e econmicas na Regio Norte de 1980 a 1998

    4.1 Populao e qualidade de vida 4.2 Populao activa, mobilidade e estrutura empresarial

    5. A alterao desigual das condies de acessibilidade 5.1 O tratamento das alteraes das acessibilidades concelhias 5.2 Ganhos e/ou perdas de acessibilidade concelhia 5.3 Dicotomias territoriais: eixos e interstcios

  • Alterao das Acessibilidade e Dinmicas Territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes

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    6. Sobre o papel das novas acessibilidades rodovirias nos processos de (re)localizao e (re)ordenamento do territrio: estudo de casos na Regio Norte

    6.1 Aspectos de metodologia na seleco dos casos de estudo 6.2 Alterao das condies de acessibilidade e dinmicas territoriais em 10 concelhos da Regio Norte

    6.3 Induo da (re)localizao e/ou consolidao de tendncias

    7. Da gerao de expectativas s resultantes 7.1 Mecanismos associados veiculao de mensagens pela comunicao social

    7.2 Expectativas e resultantes geradas pela alterao da rede rodoviria na Regio Norte

    7.3 A gerao de expectativas e suas resultantes: propaganda do Estado e resposta pela comunicao social

    PARTE 3 CONCLUSO

    8. Processos territoriais associados alterao das condies de acessibilidade rodoviria

    Bibliografia

    Anexo ndices

  • Alterao das Acessibilidades e Dinmicas Territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes

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    PARTE 1 INFRA-ESTRUTURAS RODOVIRIAS E TERRITRIO

  • PACHECO, Elsa - Alterao das acessibilidades e dinmicas territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, GEDES, 2004. - Dissertao de Doutoramento apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a obteno de grau de Doutor em Geografia __________________________________________________________________________________________________________

    1. INTRODUO: TERRITRIO, TRANSPORTES E COMUNICAES

    Os esforos encetados no sentido de reduzir o efeito das distncias fazem parte da

    evoluo das sociedades. Das deslocaes feitas a p, mais tarde com a ajuda dos

    animais, ligao atravs da rede virtual (Internet Interconnected Networks), longa

    a histria dos transportes e das comunicaes.

    Constituindo apenas uma parcela destes processos, porque se referem

    transferncia de pessoas e mercadorias, aos transportes e sua evoluo associa-se

    tambm a ideia de superar distncias, mas neste caso com uma traduo territorial, pelo

    menos at agora, de observao mais fcil se comparada com outros meios de

    comunicao. Os avanos tcnicos neste mbito, motivados por questes que se

    repartem entre a sobrevivncia e a solidariedade, passando, entre outras, por questes de

    poder, de ordem militar, econmicas ou sociais, juntaram-se a outros elementos

    territoriais para resultar na sucessiva (re)valorizao diferenciada dos espaos.

    Comandada pela necessidade/procura de transportes tanto por parte das

    actividades de produo e comrcio como pelas de consumo, a evoluo dos sistemas

    de transportes tem-se pautado por respostas que parecem privilegiar as reas de maior

    densidade de ocupao. Populao e respectivas actividades distribuem-se no territrio

    disputando localizaes mais prximas dos recursos e/ou actividades que precisam e/ou

    desejam, num quadro geogrfico cuja densificao , portanto, resultado da competio

    pelos usos do solo, competio essa qual parece no ser alheia a valorizao

    decorrente das condies de acessibilidade, como causa-efeito do desenvolvimento.

    Constituindo uma forma particular de uso do solo, os sistemas de transportes

    apresentam-se no territrio com caractersticas diversificadas e, em particular nas reas

    de maior densidade de ocupao, podem at sugerir alguma contradio:1 sendo uma

    1 [Les] logiques qui commandent aux investissements de transport et l'amnagement de l'espace sont la fois complmentaires et contradictoires: complmentaires car le dveloppement conomique appelle les transports sans lesquels il se heurte des blocages; contradictoires car lmlioration des conditions de

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    actividade econmica (porque envolve, entre outros processos, a produo, o consumo e

    o emprego) subsidiria de todas as outras desenvolvidas pela populao, evolui a par

    das restantes de forma encadeada. Ora assim sendo, pode estar-se perante um ciclo

    vicioso, dado que mais e melhores condies de acessibilidade, ao proporcionarem um

    ambiente de trocas mais fludo, geram sucessivos acrscimos nas deslocaes,

    aumentam o congestionamento e, novamente, a necessidade de mais e melhores

    condies de circulao, pelo que, as necessidades e exigncias em matria de

    transporte decorrem, entre outras causas, do sucesso que se verifica na utilizao do

    sistema.

    Assim sendo, se se admitir que as condies de acesso a bens de consumo, de

    cultura, de lazer ou, entre outros, ao ensino e investigao, enformam o conceito de

    qualidade de vida actual e definem os nveis de competitividade do territrio, uma

    melhoria no sistema de transportes resulta no aumento da competio entre os

    aglomerados de dimenso e de caractersticas diferentes, com alguns deles a reforarem

    o seu dinamismo e vantagem competitiva, enquanto outros, por no terem os recursos

    necessrios para entrar neste jogo de forma equitativa, por falta de massa crtica,

    apostam na especializao e/ou apresentam dificuldades de reaco/afirmao nos

    novos contextos territoriais.

    Se verdade que h uma relao entre infra-estruturas de transportes e territrio,

    porque os primeiros so parte integrante deste, no menos verdade que qualquer

    esforo para clarificar a forma como se processa essa relao no constitui tarefa fcil,

    porque as alteraes nos sistemas de transportes podem ser causa ou consequncia de

    mudanas nos outros usos do solo, sendo que todos eles resultam das actividades

    desenvolvidas pela populao em contextos geogrficos de interaco cada vez mais

    complexos.

    circulation dans les zones encombres, au nom de l'efficacit conomique, tend accotre les ingalits spatiales. PLASSARD, F. in BONNAFOUS, A. et al, 1993:49

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    A evoluo dos transportes e comunicaes, em particular na segunda metade do

    sculo XX, introduziu alteraes significativas no territrio e tambm renovadas

    dificuldades na sua leitura, embora no essencial revelem, tal como nos tempos mais

    remotos, a luta travada pelos homens no sentido de alargar o seu espao vital.

    Ultrapassada a fase de conhecimento, do domnio, da conquista e da explorao do

    territrio, o poder da velocidade que configura um quadro de relaes que se reparte

    entre o individual e o global, exigindo um reequacionamento dos conceitos de espao e

    tempo2: a consolidao e/ou redefinio de hierarquias e redes territoriais faz-se

    acompanhar pelo aumento da complexidade de trocas e, consequentemente, pela

    valorizao crescente da mobilidade e dos sistemas de comunicao.

    As deslocaes constituem uma medida das necessidades individuais e colectivas.

    Essas necessidades/desejos definem-se em diversos mbitos: no quotidiano; nos

    encontros com pessoas, culturas e eventos e nos espaos e contextos estranhos s

    experincias anteriores, ou seja, da vertente mais ou menos aventureira e imaginativa de

    cada um. A evoluo recente nos sistemas de transportes e comunicaes tem conferido

    a oportunidade de decidir a priori (muito pelo poder da seduo das imagens) sobre um

    destino, podendo-se, nesse caso, inventar as prprias estradas (mesmo quando

    invisveis) e ainda, atravs de um vasto conjunto de informaes complementares,

    reforar ou alterar a sugesto inicial, sendo que a grande diferena reside na diminuio

    do factor surpresa/explorao face s viagens do passado.

    Apesar de persistirem algumas dvidas sobre os efeitos que as telecomunicaes

    podem introduzir nas dinmicas territoriais, admite-se que possam ocorrer alteraes

    significativas no territrio, principalmente no domnio das actividades que dependem

    mais de transaces em tempo real, entre elas o consumo, a negociao e a tomada de

    decises. Daqui pode resultar a disperso de elementos urbanos, na reestruturao e

    2 O aumento da velocidade de circulao (entre outros, dos caminhos s auto-estradas), tende a esbater as imagens/detalhes dos percursos nas viagens e a valorizar a sntese - as origens e os destinos -, ou ainda, pensando na Internet, perde-se de algum modo o conceito de vizinhana fsica, atravs da reduo dos efeitos espao-tempo, mas ganham-se vizinhanas temticas e de interesses.

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    recomposio territorial de reas que podero consolidar/renovar a sua vocao como

    espaos de servios, mas tambm de residncia, lazer e cultura.3 Porm, considera-se

    tambm que os avanos nas novas tecnologias de informao podero manter no

    essencial as diferenas territoriais, devido dificuldade em aceder ao equipamento

    necessrio ou desigual distribuio da rede telefnica que condiciona partida as

    localizaes das actividades dependentes desses servios.4

    No mbito destes cenrios e processos em curso e/ou prospectivados, a tradicional

    estrada continua a assumir um papel de grande importncia na vida das sociedades, ora

    porque a porta para dar largas aventura e imaginao, ora porque necessria vida

    quotidiana, sempre disponvel e sem necessidade de um transportador profissional, pelo

    menos para as cada vez mais pessoas com acesso a motorizao prpria. De facto, as

    crescentes exigncias no sentido de dotar o territrio de mais eficazes vias de

    comunicao para responder aos aumentos do volume de trfego verificado,

    comprovam a sua importncia. Nas ltimas dcadas so particularmente evidentes os

    esforos realizados no sentido de construir vias de circulao que permitam viajar a

    maiores velocidades (donde, a maiores distncias no mesmo tempo) e com maior

    segurana. Alis, mesmo admitindo que os avanos nas telecomunicaes podem

    traduzir-se na diminuio da necessidade de efectuar (alguns tipos de) viagens, acredita-

    se que razes como a distribuio de bens e servios ou, entre outros motivos, as

    3 Referindo-se s novas tecnologias de informao GASPAR et al (1986:9) consideram que (...) as grandes reas urbanas [tendero a basear-se] nos servios, enquanto a actividade produtiva estar cada vez mais concentrada em reas no urbanas, importando estes servios das primeiras.(...) poder ainda afectar os padres individuais de consumo e de deslocao: nveis de prestao de servios mais elevados em sistemas de povoamento disperso e reduo da procura de deslocao em reas congestionadas [servindo, paradoxalmente, para] fortalecer tendncias para a disperso do povoamento e rejuvenescer as grandes cidades (...) contribuir certamente para uma modificao do conceito, simplista mas bastante usado, da dicotomia centro-periferia na anlise do desenvolvimento regional. 4 The new world of electronic communications will include winners and losers, haves and have-nots. Governments have already begun to fret about the danger that some groups will be excluded because they are too poor to afford the equipment and gadgets of the telecommunications revolution (CAIRNCROSS, 1997: 251). Admite-se, no entanto, que obviadas estas restries [a] melhoria das telecomunicaes ter necessariamente efeitos de alterao das relaes de distncia, podendo dar novas vantagens a localizaes mais remotas. (GASPAR et al, 1988: 220)

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    viagens, visitas e encontros, consolidaro ou traro novas necessidades para as

    deslocaes.

    Como causa e/ou consequncia das distribuies territoriais, as inovaes em

    matria de transportes tendem, tal como outras infra-estruturas e equipamentos

    pblicos, a beneficiar sempre, e em primeiro lugar, as reas de maior densidade de

    ocupao, porque a se concentram os argumentos mais fortes para o investimento e sua

    reprodutividade. Assim, se se admitir que as novas/renovadas infra-estruturas de

    transporte rodovirio promovem o desenvolvimento (argumento sempre presente na

    apresentao das intenes de interveno nestas matrias), ento os espaos mais

    desenvolvidos sero beneficiados em primeiro lugar e, portanto, multiplicaro as

    vantagens relativamente aos restantes.5 De facto, a diferena de tempo que decorre entre

    estes processos faz com que, por um lado, nas reas de menor densidade de ocupao

    (as ltimas a serem servidas) aumente a fasquia das necessidades/desejos em matria de

    acessibilidades (devido no s ao tempo de espera, como aos referenciais face s

    restantes) e, por outro, nas mais densas, uma vez concretizados os propsitos de

    investimento, cedo emergem novas exigncias, no raras vezes ainda no terminada a

    interveno nas anteriores.

    Definem-se, desta forma, eixos e interstcios de territrios em progresso ou em

    regresso, havendo casos em que possvel associar as dinmicas de expanso nova

    gerao de infra-estruturas rodovirias, entre outros que emergem ou se consolidam em

    espaos dotados de menores condies de acessibilidade. Ou seja, pode considerar-se

    que a construo/renovao da rede rodoviria constitui um estmulo actuao dos

    agentes sobre o territrio, a qual no s depende dos recursos disponveis, como resulta

    das expectativas geradas em torno das alteraes dos quadros territoriais, baseadas no

    pr-conceito dos benefcios decorrentes dos ganhos de acessibilidade. No passado, ou

    5 Referindo-se, entre outras, s infra-estruturas de transportes, GASPAR (1987: 127) considera que (...) tanto quanto permitem discernir as decises at agora tomadas e a lgica da sua continuidade, as perspectivas de interveno do Estado neste domnio apontam no sentido de acentuar o desenvolvimento do litoral.

  • PACHECO, Elsa - Alterao das acessibilidades e dinmicas territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, GEDES, 2004. - Dissertao de Doutoramento apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a obteno de grau de Doutor em Geografia __________________________________________________________________________________________________________

    ainda actualmente nalguns locais, a dificuldade em aceder informao reduz as

    expectativas, porque no se deseja o que se desconhece. A banalizao/proliferao da

    ideia de que a diminuio das distncias-tempo reduz desequilbrios regionais, j que

    por essa via se abrem portas a um conjunto mais vasto de oportunidades, faz com que se

    aumente o desejo de ter mais e melhores infra-estruturas de transporte, com vista a

    obter-se essa reduo das assimetrias e/ou vantagem competitiva face a outros

    territrios.

    Geram-se, portanto expectativas associadas a referenciais de sucesso, os quais se

    baseiam, normalmente, em imagens da vida urbana (onde se concentram oportunidades

    de trabalho, de estudo e de negcios). Apresentando-se estes territrios dotados de uma

    mais densa rede de infra-estruturas de transportes, ao que acresce o continuado reforo

    de estmulos levado a cabo por responsveis pela deciso, porque a se concentram os

    mais elevados nveis de exigncia, desencadeia-se um agravamento das expectativas

    nestas e nas restantes reas de menor densidade, no sentido de aumentar as condies de

    acessibilidade. As populaes em geral anseiam por alcanar de forma mais eficaz um

    conjunto de bens e servios, no raras vezes concentrados nas cidades, e o poder

    pblico tenta responder a estas solicitaes, por forma a garantir o bem estar dos

    indivduos envolvidos.

    Por experincia, ou por cpia de situaes de sucesso, construem-se, portanto,

    imagens positivas sobre o aproveitamento das novas acessibilidades rodovirias, ao que

    as entidades pblicas e privadas locais respondem encetando esforos no sentido de

    concretizar esses sonhos, dando origem a processos de dilogo, concertados ou no,

    dos quais podem resultar decises e intervenes sobre o territrio.

    O aumento dos graus de liberdade e a crescente banalizao na utilizao de um

    bem pblico como as infra-estruturas de transportes terrestres, colocam novos desafios

    s decises de interveno nesta matria, j que, no se trata apenas, dando seguimento

    s polticas de pocas passadas, de saciar (ou talvez fomentar) a procura, mas antes de a

    gerir promovendo solues colectivas que permitam uma distribuio mais equitativa de

  • PACHECO, Elsa - Alterao das acessibilidades e dinmicas territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, GEDES, 2004. - Dissertao de Doutoramento apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a obteno de grau de Doutor em Geografia __________________________________________________________________________________________________________

    oportunidades, sendo que tal pode significar em simultneo, para lugares diferentes, o

    investimento em novas vias de circulao e o investimento no controle/reduo do

    trfego noutras.

    Estas so algumas das questes que na actualidade se colocam quando se procura

    clarificar a relao entre as alteraes nos sistemas de transportes e a sua traduo

    territorial, questes que, de resto, remontam a pocas passadas: desde as leis de atraco

    gravitacional de Newton, procura de explicaes sobre a interaco no espao

    geogrfico, por exemplo de Lowry (1964); do reconhecimento por Cantillon (1755) de

    que a penosidade das deslocaes casa-trabalho determinava as caractersticas e

    distribuio dos aglomerados, abordagem actual ao comportamento dos indivduos

    quando efectuam as suas viagens ou, entre outras, as reflexes produzidas por Weber

    (1909), Burgess (1925) e Christaller (1933), ora sobre a questo da localizao ptima

    de uma empresa, ora sobre a expanso e arranjo das redes urbanas, compem exemplos

    de um vasto rol de estudos que, de forma directa ou indirecta, consideram o sistema de

    transportes (ou parte) nas suas explicaes.

    O transporte, enquanto tema de anlise em Geografia foi acompanhando as

    leituras no mbito da Economia e de outras reas do saber cientfico, as quais tero

    influenciado na generalidade os objectos e mtodos de trabalho nas cincias sociais e

    humanas. A importncia recente das Geografias da Circulao e dos Transportes no

    entendimento das dinmicas territoriais configura um quadro complexo de abordagem

    que no se resume leitura da relao entre desenho da rede e distribuio dos usos do

    solo, da populao e das actividades econmicas. Pelo contrrio, o reconhecimento dos

    limites impostos ao crescimento (emergente em reaces territoriais menos desejadas)

    exige uma reflexo cuidada sobre os quadros resultantes da alterao das condies de

    acessibilidade que enforme decises sobre intervenes e acautele efeitos futuros.

    Portugal no foge regra dos restantes pases europeus e norte-americanos (onde

    as preocupaes sobre a avaliao dos efeitos das infra-estruturas rodovirias no

    territrio tem pelo menos 30 anos) e, portanto, tambm aqui se tem revelado pertinente

  • PACHECO, Elsa - Alterao das acessibilidades e dinmicas territoriais na Regio Norte: expectativas, intervenes e resultantes. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, GEDES, 2004. - Dissertao de Doutoramento apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a obteno de grau de Doutor em Geografia __________________________________________________________________________________________________________

    repensar as metodologias de avaliao e os princpios subjacentes interveno em

    matria de transportes. Reconhecendo a importncia de desenvolver metodologias

    expeditas, capazes de responder em tempo real a abordagens deste gnero, o desafio

    neste trabalho, coloca-se no confronto, por um lado, entre os princpios definidos nas

    polticas de transportes e a estrutura da rede viria resultante em Portugal e, por outro,

    entre as alteraes da rede rodoviria e as dinmicas territoriais verificadas na Regio

    Norte nas ltimas dcadas, considerando para este caso quer a alterao dos quadros

    demogrficos e econmicos, quer os estmulos e reaces que a nova gerao de infra-

    estruturas de transporte rodovirio ocasionou no territrio regional.

    Partindo do princpio de que a alterao das condies de acessibilidade introduz

    alteraes nos espaos de relao (re)construdos pelos indivduos e na distribuio dos

    usos do solo, este trabalho tem por objectivo a construo de um quadro de reflexo que

    possa contribuir para a definio de prioridades de intervenes no domnio dos

    transportes, tendo em conta as tendncias territoriais e a definio de estratgias que

    privilegiem, respeitem e potenciem os recursos humanos e fsicos locais. Trata-se,

    essencialmente, de observar as tendncias de ocupao do territrio em termos de

    distribuio da populao e das actividades econmicas, tentando descortinar de que

    forma se articulam com a modificao da rede rodoviria nacional.

    A construo deste quadro de reflexo orienta-se pela conjugao dos conceitos

    de Recursos (Inputs) Produtos (Outputs) Resultados - Impactes, utilizada em

    diversos domnios da avaliao da poltica social e governamental, e recentemente

    adaptada avaliao em sistemas de transportes por VIEGAS (1996, 2001). No

    essencial, parte-se de um dado quadro territorial onde ocorre alterao dos recursos por

    meio de determinados investimentos (inputs) - em funo das decises baseadas nas

    necessidades de transporte e das verbas disponveis -, alterao que d lugar a uma rede

    de transportes expandida (outputs). Daqui decorre uma modificao das condies de

    acessibilidade (resultados) a qual, por sua vez, ter repercusses quer na mobilidade,

    quer na distribuio dos usos do solo ou na opinio (impactes).

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    Admitiu-se a possibilidade de encetar esta abordagem recorrendo a outros

    mtodos de avaliao de infra-estruturas de transportes, nomeadamente atravs da

    anlise custo-benefcio to vulgarizada noutros pases. No entanto, apesar de se

    considerar neste trabalho alguns indicadores territoriais de maior detalhe, considera-se

    que uma metodologia deste tipo (inputs-outputs-resultados-impactes) se adapta melhor

    interpretao global dos impactes, em particular dos que decorrem das intervenes

    polticas nestas matrias assunto que, de resto, orienta no essencial a reflexo

    produzida neste trabalho.

    A escolha da Regio Norte como rea de observao, prende-se, em primeiro

    lugar, com o facto de corresponder ao territrio nacional mais prximo e que melhor se

    conhece. Acresce tambm que se trata de uma unidade territorial que integra sub-

    espaos dotados de diversidade e contrastes que se consideram significativos (quer do

    ponto de vista da distribuio da populao e das actividades econmicas, quer na

    perspectiva da rede rodoviria), para ilustrar as dinmicas territoriais associadas

    alterao das condies de acessibilidade rodoviria e para proceder ao ensaio da

    metodologia que aqui se prope.

    Assim sendo, estruturou-se este trabalho em trs partes, sendo que na primeira se

    apresenta a temtica e respectivo enquadramento terico. Na segunda, composta por

    cinco captulos, parte-se para a interpretao da cadeia recursos/impactes para o caso

    portugus, comeando pela escala de menor detalhe (nacional e regional), at

    observao de casos (de concelhos e de eixos rodovirios). Finalmente, a terceira parte

    corresponde s concluses.

    Na primeira parte, alm do presente captulo, procura-se no segundo ilustrar o

    percurso de construo de um quadro terico sobre territrio e transportes que passa

    pela leitura de vrias abordagens no mbito da Economia, da Geografia da Circulao e

    da Geografia dos Transportes, e que culmina, nas ltimas dcadas, entre outras, com a

    questo da avaliao de impactes, estas relacionadas com o ritmo com que se processam

    as alteraes no territrio decorrentes da alterao recente das condies de

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    acessibilidade por via da introduo de eixos de circulao que suportam deslocaes a

    grande velocidade. Dado que a observao e avaliao de impactes constituem

    preocupaes que, actualmente, enformam uma parcela significativa da interveno

    nesta matria, elaborou-se tambm uma sntese sobre as principais linhas que tm

    orientado as polticas de transportes na Europa e nos Estados Unidos, com referncia

    paralela s suas resultantes, por forma a permitir, em captulos posteriores, a

    comparao com o caso portugus.

    Na sequncia, retomando as duas ltimas questes do captulo anterior, o terceiro

    refere-se aos princpios subjacentes interveno em transportes rodovirios em

    Portugal do sculo XIX viragem para o XXI, para perceber melhor quais as alteraes

    nas intenes ou se, pelo contrrio, se mantm no essencial as lgicas do passado. Aqui,

    optou-se por assumir o surto da motorizao, de meados dos anos de novecentos, como

    a diviso principal, ou seja, parte-se do perodo em que as estradas detinham uma

    funo subsidiria navegao fluvial at perda de importncia do comboio, devido

    concorrncia levada a cabo pelo automvel, para entrar no perodo de

    consolidao/reforo da rede de transportes terrestres que procura acompanhar os nveis

    crescentes da motorizao, o qual se estende at actualidade.

    Nos quarto e quinto captulos ilustra-se, para os concelhos da Regio Norte, o tipo

    de relao entre as alteraes ocorridas na rede rodoviria e a distribuio do

    povoamento e das actividades econmicas. Apresenta-se uma sntese sobre as dinmicas

    territoriais recentes, seguindo-se-lhe o confronto dessas dinmicas com a alterao das

    condies de acessibilidade rodoviria. O sexto captulo consta de uma leitura idntica,

    para um conjunto de concelhos amostra, numa escala de maior detalhe, com recurso,

    entre outros, a levantamentos escala da freguesia e observao da evoluo do

    povoamento. Nestes trs captulos o objectivo centra-se na extrapolao de tendncias

    territoriais, no sentido de clarificar se h ou no concordncia com os princpios

    definidos nas polticas de transportes, tal como se apresentam no terceiro.

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    Aps este confronto, entre o que so as intenes polticas e as dinmicas

    territoriais recentes, o passo seguinte deveria consistir na anlise das intenes/aces

    pelo poder pblico e privado local, j que, desta forma, seria possvel descortinar com

    maior detalhe as razes subjacentes s diferenas dos comportamentos scio-

    econmicos verificadas entre os concelhos da Regio Norte que pudessem estar

    relacionadas com a alterao das condies de acessibilidade rodoviria. De facto,

    levaram-se a cabo vrios exerccios de recolha de opinio junto das Cmaras

    Municipais, associaes locais e algumas empresas, sobre as expectativas geradas em

    torno da abertura de novos e/ou renovados eixos rodovirios, mas cedo se concluiu pela

    dificuldade em conseguir obter elementos pertinentes, uma vez que, na generalidade, as

    respostas apontavam para uma leitura em tudo idntica que se tinha obtido nos

    captulos 4, 5 e 6, sendo que, no raras vezes, quer a inrcia das tendncias do passado,

    quer as questes de foro meramente poltico-partidrio, constituam o essencial da

    informao.

    Assim sendo, o recurso informao veiculada pela comunicao social pareceu

    constituir uma base interessante de trabalho. De facto, admitindo que no processo de

    propaganda e de reivindicao se esgrimem aspectos de interesse sobre a sequncia

    Recursos - Produtos - Resultados - Impactes, no stimo captulo procurou observar-se o

    tipo de argumentos sobre estas matrias utilizados no dilogo entre o poder central e o

    poder local e suas populaes. Ou seja, partiu-se do princpio que constituiria uma

    sntese pertinente para o entendimento das razes subjacentes reividincao, do tipo

    de expectativas geradas e das (re)aces da decorrentes.

    Sobre os aspectos metodolgicos de pormenor, optou-se pela sua apresentao

    nos respectivos captulos, em particular nos casos nos quinto, sexto e stimo, pelo facto

    de ter sido necessrio definir critrios de tratamento e seleco de informao prprios,

    cujo contedo se considera dever estar presente no momento da interpretao da

    informao emprica.

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    Em sntese, procurou-se, neste trabalho, abordar o processo de transformao do

    territrio tendo por base a relao entre a alterao da rede de infra-estruturas

    rodovirias e as dinmicas territoriais recentes da Regio Norte. Esta abordagem pauta-

    se por um conjunto de perspectivas/factores, entre os quais se destacam quatro: os

    processos (e perspectivas de interveno infra-estrutural) histricos; a utilizao de

    vrios indicadores quantitativos de acessibilidade e seu cotejo com indicadores dessa

    transformao; uma anlise mais fina escala local dos processos e factores das

    alteraes e sua correlao com a disponibilidade de melhores transportes e, finalmente,

    o dilogo entre o poder central e os agentes locais (pblicos e provados), tal como

    espelhados pela imprensa de grande circulao.

    Da considerao conjunta destes factores resultam claras vrias linhas de fora,

    bem como um diagnstico do que poderiam ser algumas orientaes chave para

    aumentar a eficcia dos investimentos feitos neste domnio.

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    2. AS ABORDAGENS AOS TRANSPORTES E AO TERRITRIO

    A necessidade de vencer as distncias entre os diversos pontos de interesse no

    territrio resultou em esforos por parte das sociedades no sentido de criar condies

    para facilitar as deslocaes, processo consolidado, ao longo do tempo, numa relao

    cada vez mais complexa entre os transportes e as formas de organizao espacial. Assim

    sendo, a prpria evoluo nos padres de ocupao do territrio, ao revelar lgicas

    distintas, tambm na relao entre os transportes e a distribuio dos outros usos do

    solo, suscitou vrias reflexes no mbito da economia espacial e de outras cincias,

    nomeadamente a Geografia. Qualquer esforo de sntese sobre estas matrias revela a

    presena de um vasto conjunto de abordagens, em que os transportes integram o elenco

    dos elementos explicativos das organizaes espaciais, suscitando a necessidade de

    construir, a partir de vrias leituras, um quadro terico de sntese que permita enformar

    a temtica transportes na Geografia enquanto objecto de estudo.

    2.1 OS TRANSPORTES NAS FORMULAES DA ECONOMIA ESPACIAL

    Os princpios avanados por Newton (1687) na obra Principia Mathematica1, ou

    a leitura de Cantillon (1755), ainda que no sustentado por formulaes matemticas2,

    contam-se entre algumas concepes anteriores ao sculo XIX que, considerando os

    1 Segundo esta teoria, (...) a fora atractiva entre dois corpos [a uma distncia fixa] depende apenas de um nmero associado a cada corpo, a sua massa, mas independente da matria de que os corpos so feitos, [sendo que] quanto mais separados estiverem os corpos, mais pequena ser a fora. (HAWKING, 1996: 31 e 37). Stewart (1947) e Zipf (1949) contam-se entre os autores que aprofundaram as questes da interaco, encetando observaes sobre o trfego, as migraes e a troca de informaes. (POTRYKOWSKI e TAYLOR, 1984: 154). 2 Das vrias ideias expressas na obra deste autor - Essai -, pode ler-se: (...) indispensvel que quem a trabalha [referindo-se terra], possua-a ou no, viva relativamente prximo dela porque de outra forma veria muito elevada a proporo do tempo dirio gasto em deslocaes de casa para o campo e regresso: da a necessidade das aldeias, que no devem localizar-se ao acaso mas de forma a minimizar aqueles tempos de viagem. (LOPES, 1984: 156 e 157)

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    movimentos/deslocaes nas suas interpretaes, viriam a inspirar as abordagens no

    mbito das cincias sociais e humanas at pocas mais recentes.

    No sculo XIX, dos autores que contemplam os transportes como factor

    explicativo da organizao espacial, von Thnen (1826), por exemplo, debruou-se sobre questes de economia agrcola, partindo da relao entre a distribuio de tipos

    especficos de culturas e a distncia a que as mesmas se localizavam face ao mercado;

    Kohl (1850) conclui que a evoluo de uma rede de transportes depende das

    condies/distribuies territoriais anteriores, sendo que a rede de transportes diminui

    de importncia em direco s periferias mais afastadas; para Ravenstein (1885-1889),

    as migraes dos trabalhadores para as cidades diminuem com o aumento da distncia

    (POTRYKOWSKI e TAYLOR, 1984: 88 e 154), e Wellington (1887) revela

    preocupaes sobre a necessidade de adaptar os traados das redes s caractersticas do

    territrio, quer do ponto de vista fsico, quer humano, o que resulta num jogo de

    decises que se repartem entre a configurao ideal (a de menor distncia) e o ajuste

    diversidade da distribuio da procura3 (TOLLEY e TURTON, 1995: 49 e 50).

    J no incio do sculo XX (1909), Weber atentou nos factores que condicionam a

    localizao das empresas industriais, desenvolvendo um exerccio de identificao de um

    ponto ptimo que envolvesse menores custos. Transportes, fontes/tipo de matrias

    primas e mercado constituram os elementos essenciais da formulao proposta pelo

    autor, na qual a melhor localizao da empresa corresponderia quela que envolvesse os

    menores custos totais de transportes: das matrias primas ao local eleito, e dos produtos

    finais ao mercado.4

    3 O desafio coloca-se na escolha de um traado o mais rectilneo possvel, mas com uma configurao que respondesse ao mximo de procura, isto , que se aproximasse do maior nmero possvel de aglomeraes ou, pelo menos, das de maior dimenso em termos demogrficos e/ou econmicos. 4 Autores como Losch (1954) (citado por PLASSARD, 1977: 74), ou Hoover (1948), Greenhut (1956) e Isard (1956) (citados por TOLLEY e TURTON, 1995: 90), avanaram tambm com diversas reflexes sobre estas questes, nas quais sublinham a presena de outros factores alm da mo de obra, tais como as diferenas nas condies de oferta de transporte, ou as modificaes introduzidas pelo padro de distribuio das indstrias e pelas economias de aglomerao, as quais exerciam distores no modelo apresentado por Weber, podendo alterar de forma desigual as reas de escolha.

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    A lgica das distribuies em reas urbanas constituiu tambm objecto de reflexo

    e formulao terica: em 1925, Burgess conclui que a distribuio dos grupos sociais em

    anis volta do centro urbano de Chicago se relacionava com a configurao das redes

    de transportes e Reilly (1929), centra-se na observao da dinmica de deslocaes

    interurbanas, para admitir que o fluxo entre dois centros directamente proporcional ao

    quantitativo populacional dos aglomerados e inversamente proporcional distncia que

    os separa, relao que, segundo o autor, define a interaco entre esses pontos no espao

    (HAGGETT, 1973: 45). O papel dos transportes na estruturao das reas urbanas

    conheceu vrios desenvolvimentos nas dcadas de 30 e 40 do sculo XX, reconhecendo-

    se que o padro de distribuio da populao e suas actividades necessariamente

    diferente entre situaes em que domina uma economia local e aquelas em que os

    sistemas de transportes, ao aumentarem os graus de mobilidade, proporcionam

    distribuies distintas orientadas pelas redes de comunicao.5

    J na segunda metade do sculo passado, considerado um pioneiro da Geografia

    dos Transportes nos Estados Unidos, Ullman (1959) identificou trs elementos

    fundamentais no transporte: (...) transferability (...) may be broadly viewed not just

    as the cost of movement but as any impeding factor of distance that includes the

    particular configuration of linkages in a network. Complementarity is clearly related

    to comparative advantage (...) The idea of a trade flow between two points being

    affected by intervening opportunity is broadly related to competition.6. Apesar das

    ideias inovadoras avanadas por este autor, os anos 60 e 70 ficaram marcados por

    5 Para Christaller (1933) a rede de transportes apresenta-se com uma estrutura regular e simtrica, conforme a homogeneidade do esquema espacial definido, ligando os principais centros da malha de hexgonos (POTRYKOWSKI e TAYLOR, 1984: 62). O autor admite alteraes no modelo, nomeadamente atravs do que designou por princpio do trfego, que (...) explica o maior desenvolvimento linear dos l.c. [leia-se lugares centrais] ao longo das vias de comunicao. (GASPAR, 1981: 18). Hoyt (1939) e Harris e Ullman (1945), reconhecem que possvel relacionar a configurao das redes de transportes nas reas urbanas com o tipo de ocupao, relao esta que resulta de valorizaes diferenciadas do solo ocasionadas por melhores condies de acessibilidade s reas centrais (centro das cidades) (TOLLEY e TURTON, 1995: 96). 6 TAAFFE, GAUTHIER e OKELLY, 1996: 72

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    abordagens de aperfeioamento relativamente s anteriores, quer sobre a interaco,7

    quer sobre o traado,8 localizao e densidade das redes9 ou ainda as que se associam

    com a evoluo das redes, a sua transformao/desenvolvimento e simulao.10 Note-se

    7 A este propsito, Isard (1962), por exemplo, considera que o espao econmico composto por uma srie hierarquizada de pontos (aglomeraes) e de ligaes (as vias de comunicao). Os pontos mais importantes seriam os maiores geradores de fluxos, pelo que as ligaes entre eles tambm se posicionariam no topo da hierarquia, traduzindo e gerando as suas dinmicas internas, graus de interaco diferentes entre os locais (PLASSARD, 1977: 61). Para HAGGETT (1973: 51-56), as interaces no espao geogrfico processam-se sobre uma superfcie que deve ser abordada a diferentes escalas, as quais definem reas de influncia, permitindo identificar campos mdios de atraco a partir de cada centro, cujos limites no sendo estticos correspondem aproximadamente s reas onde se dilui/sobrepe o efeito de atraco entre dois ou mais centros. 8 Baseado nos princpios da menor distncia e resistncia Losch aplicou a lei da refraco anlise da localizao das redes de transportes. No essencial, o autor considera existir um conjunto de factores inerentes diversidade territorial (localizao de infra-estruturas, aglomeraes, equipamentos ou, entre outros, diferenas na topografia) pr-existentes, que provocam desvios (refraco), ao traado ideal (em linha recta) das vias de comunicao. A questo coloca-se no s nos nveis de utilizao que a nova infra-estrutura pode vir a ter na escolha do traado mais prximo de uma linha recta, mas tambm nos custos de construo. Estas questes so exemplificadas com a definio do melhor traado para a ligao entre duas localidades separadas por uma cadeia de montanhas, sendo que entre o corte em linha recta e a soluo de a contornar, a diferena coloca-se na distncia, mas tambm nos custos de construo, donde a soluo razovel passa pela escolha de um traado intermdio entre custos mais elevados e maior distncia (HAGGETT, 1973, 76). 9 Entre outros, Werner (1968) que considerou uma rea composta por sectores com diferentes custos de transporte, assemelhando-se escolha de um traado em reas de montanha na qual a escolha ir de encontro s reas com idntica e mais baixa altitude (considerando aqui que as curvas de nvel corresponderiam a isodpanas). Abler, Adams e Gould (1971) desenvolveram reflexes sobre as opes de construir canais ou a utilizao da via circundante do mar, na ligao entre dois pontos localizados em terra. Questes semelhantes foram tratadas por vrios autores, nomeadamente sobre sistemas compostos por mais do que um par de ns. Para Quant (1960), por exemplo, a rede ptima ser aquela onde todos os ns se encontram ligados em linha recta a todos os outros (HAGGETT, 1973:78 e 79). Na sequncia, Bunge (1962) questiona-se sobre a melhor opo para estabelecer a ligao mais curta entre cinco centros, tendo encontrado seis hipteses, das quais a nica que permitia um acesso directo de cada n a todos os outros correspondia soluo mais dispendiosa em termos de custos de construo, mas a mais econmica, ao contrrio das concepes anteriores, no correspondia pior soluo em termos de acessibilidade para cada n (TOLLEY e TURTON, 1995: 25). 10 Sobre a expanso das redes de transportes, Taaffe, Morrill e Gould (1963) desenvolveram um modelo indutivo e Lachene (1965) um modelo dedutivo. Os primeiros apresentaram um esquema composto por quatro fazes para explicar a expanso das redes de comunicao em pases subdesenvolvidos. A existncia de pequenos portos comerciais ao longo da costa sem diferenciao em termos de dimenso, constituiriam o ponto de partida, por se admitir que as actividades originais das populaes se tero desenvolvido a partir do transporte fluvial e martimo (TAAFFE, GAUTHIER e OKELLY, 1996: 38 e 39). Lachene (1965) considerou um espao onde se desenhava uma quadrcula homognea a rede de transportes -, em cujas interseces se localizavam centros de dimenso diferente, admitiu que seria a dimenso e desenvolvimento desigual de cada centro que, progressivamente, iria dando lugar, pela excluso sucessiva de ligaes de menor importncia na quadrcula, a uma rede de transportes hierarquizada que se faria acompanhar pela hierarquia dos aglomerados.

    Ekstrom e Williamson (1971), identificaram cinco fases na evoluo das redes de transportes: inicial correspondente s primeiras reaces com a introduo de um novo modo e/ou infra-estrutura de transporte; de difuso, na qual se verificava uma efectiva expanso da rede; de coordenao, isto , de integrao e complementao dos (e nos) modos de transporte existentes; de concentrao, revelada

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    que nestas ltimas reflexes coloca-se sempre a questo da rede como se os

    aglomerados tivessem surgido todos antes do incio da construo da rede. O problema

    conduz a respostas muito diferentes, no entanto, se se admitir que as redes se vo

    desenvolvendo medida que surgem os aglomerados: por exemplo uma estrada ligando

    o primeiro e o segundo aglomerado, outra procurando optimizar a ligao destes com o

    terceiro e assim sucessivamente.

    Destaca-se, no mbito da interaco, Lowry (1964) que procurou explicar a

    relao entre as alteraes dos custos dos transportes nas estruturas de emprego e de

    habitao, propondo um modelo de transportes e usos do solo. Trata-se de um exerccio

    de resposta s crticas que ento se faziam sobre a aplicabilidade das formulaes

    anteriores, baseadas em princpios que ao procurarem simplificar os processos

    compartimentavam os elementos territoriais, afastando-se da realidade. O autor parte de

    um espao urbano dividido em reas nas quais distingue as actividades bsicas,

    dependentes de uma procura exterior rea em observao, e as no bsicas

    (retalhistas), dependentes da procura local. O nmero de empregos em cada rea

    determinado por estas duas actividades e pela sua dimenso populacional, mas o alcance

    do equilbrio entre populao e emprego (usos do solo) teria de ser abordado

    conjuntamente com as deslocaes a uma escala mais reduzida, no sistema urbano.11

    atravs da progressiva consolidao de determinados eixos e modos de transportes na hierarquia da rede e, finalmente, de liquidao, que se caracteriza pelo declnio do sistema (TOLLEY e TURTON, 1995: 56 e 57). 11 O ponto de partida consiste na estimativa da populao bsica em cada rea residencial, tendo por base de clculo o emprego bsico, passando de seguida ao clculo da populao no empregada e do emprego no bsico, numa sequncia que se organiza em trs fases. A primeira fase consta da estimativa da populao bsica em cada rea a partir do emprego bsico atravs da localizao dos empregos bsicos; da distribuio dos trabalhadores pelas reas residenciais com recurso ao modelo gravitacional e do clculo da populao no trabalhadora nas reas residenciais, partindo do princpio de que sero proporcionais ao nmero de trabalhadores a residentes. Na segunda procede-se ao clculo da populao total (bsica e no-bsica), com o clculo do nmero de trabalhadores no-bsicos necessrios para prover os servios necessrios populao bsica, considerando que estes sero proporcionais populao bsica; a distribuio dos trabalhadores no-bsicos pelas reas de emprego no-bsico, com recurso ao modelo gravitacional; a distribuio dos trabalhadores no-bsicos pelas reas residenciais, utilizando o mtodo anterior e o clculo da populao residente dependente dos trabalhadores no-bsicos em cada rea residencial e da populao no trabalhadora, considerando que so proporcionais aos trabalhadores no-bsicos residentes em cada rea. A terceira e ltima fase corresponde ao alcance do equilbrio, ou seja, como a populao no-bsica tambm

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    Sobre as deslocaes que ocorrem entre os locais de residncia e de trabalho, Lowry

    recorre ao modelo gravitacional e verifica que a alterao na oferta de transportes

    traduz-se por uma deformao nos custos de deslocao entre cada rea e todas as

    outras, originando uma nova redistribuio das actividades e habitaes em cada rea

    at se atingir o equilbrio.12

    Contribuindo para a compreenso das redes e sistemas de transportes actuais, os

    estudos sobre a sua evoluo e relao face aos outros usos do solo, deram lugar a

    abordagens que passaram a enfatizar aspectos territoriais cada vez mais complexos que

    passam a fazer parte das decises em matria de deslocaes e localizao, associadas

    com factores ligados qualidade de vida e bem-estar dos indivduos. De grande

    importncia para a explicao dos padres de distribuio dos usos do solo e evoluo

    das redes de transportes, estas teorias viriam a demonstrar-se insuficientes com os

    crescentes nveis de mobilidade gerados pelo aumento da motorizao e propagao de

    infra-estruturas de transportes, redutoras do efeito gerado pela distncia, mas

    permanecem, em muitos casos, como base de formulao de muitas das concepes da

    actualidade. Em particular a partir de finais dos anos 60, com a forte expanso das

    cidades e o aumento da motorizao escala interurbana, vrios problemas comeam a

    surgir, nomeadamente com o alargamento das periferias, a necessidade de percorrer

    distncias cada vez maiores entre locais de trabalho e residncia, os congestionamentos

    e, entre outras, as desiguais condies de mobilidade da populao, tero contribudo

    para uma maior complexidade dos sistemas territoriais, suscitando a necessidade de

    repensar as intervenes.

    necessita de servios, se a sua dimenso for significativa, ocorrer nova angariao de trabalhadores no-bsicos para o emprego no sector e para as reas residenciais, e se daqui resultar um aumento relevante da populao residencial no-bsica, percorrem-se novamente os passos de da segunda fase at se atingir o equilbrio, num sistema que se articula por um conjunto de deslocaes entre os locais de residncia e os de trabalho (BRUTON, 1985: 271-274). 12 Lowry explica que: (...) la population dune zone j est fonction de la somme des emplois dans toutes autres zones i pondrs par le cot de dplacement de i j; (...) le nombre demplois offerts par les activits de dtail (K) dans la zone j est fonction de la population de toutes les autres zones i pondre par le cot du dplacement de i j (...) (PLASSARD, 1977: 204).

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    Na sequncia de crticas que entretanto comeam a surgir face s formulaes

    tericas desenvolvidas, principalmente nas dcadas anteriores, as quais se apresentavam

    com leituras parcelares do territrio e onde os transportes eram assumidos como

    ferramenta optimizadora de decises pelos agentes econmicos, na dcada de 70 a

    ateno passa a centrar-se nas necessidades de deslocao da populao. O

    conhecimento dessas necessidades obriga a uma aproximao a factores mais imateriais,

    isto , mais ligados ao comportamento e s noes de qualidade de vida, pelo que o

    acento se coloca na procura de um entendimento sobre as razes subjacentes s decises

    dos indivduos, no sentido de encontrar solues mais adequadas aos novos quadros de

    vida de populaes agora dotadas de maior mobilidade.

    Em 1975, reconhecida esta questo nos Estados Unidos, bem como a forte

    dependncia pelo uso do carro, incentivada tambm pelo surto de construo de auto-

    estradas e pelo parco investimento em transportes pblicos nas cidades, os governos

    federais levam a cabo uma srie de trabalhos onde se regista a alterao dos objectivos

    polticos no planeamento de transportes, j que antes se privilegiava a expanso da rede

    rodoviria, e agora se pretende aumentar a capacidade do sistema de transportes

    existente, no para promover a utilizao de mais carros, mas para servir com qualidade

    mais pessoas (TAAFFE, GAUTHIER e OKELLEY, 1996: 340).

    O comportamento dos indivduos assume lugar de destaque nas abordagens aos

    sistemas de transportes.13 As questes da mobilidade, entre outras, na vertente

    proteccionista das classes menos favorecidas compem o essencial do elenco das

    abordagens, mas a referncia s atitudes face s alteraes nos transportes, surge com

    13 Logo no incio dos anos 70, Appleyard (1971) aponta quatro objectivos fundamentais para o desenvolvimento futuro dos transportes: promover o acesso aos transportes pelos segmentos mais desfavorecidos da populao, melhorar a qualidade das viagens e a oferta de um mais diversificado leque de escolhas, reduzir os impactes menos desejveis e, finalmente, nortear o planeamento dos transportes no sentido de melhorar a qualidade ambiental. Poucos anos depois em Transport realities and planning policy, Hillman (1976) contribui para uma aproximao aos comportamentos dos indivduos nas suas deslocaes, chamando a ateno para as diferenas observadas entre reas com caractersticas diferentes (TOLLEY e TURTON, 1995: 302). Para Heggie (1978) os viajantes apresentam comportamentos resultantes de escolhas entre alternativas, as quais se orientam pelo princpio da maximizao dos benefcios (BRUTON, 1985: 278-281).

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    particular destaque na segunda metade da dcada 70, constituindo ainda nos dias de

    hoje tema de debate. TAAFFE, GAUTHIER e OKELLY (1995: 340-361), por

    exemplo, descrevem com algum pormenor o logit model, no qual se procura

    descortinar os processos subjacentes s decises dos indivduos quando efectuam as

    suas viagens. O modelo parte de conceitos de base sobre os quais se produzem ajustes

    consoante o objectivo da observao, quer na perspectiva do indivduo (procura) e que

    se relaciona essencialmente com a escolha feita (trajecto e modo de transporte

    utilizado), quer na perspectiva das entidades pblicas (oferta), nomeadamente no que

    respeita alterao das condies de acessibilidade numa dada rea. Nomes como

    McFadden (1973), Domencich (1975) e Tye (1981), contam-se entre os autores que

    fizeram vrios ensaios sobre o modelo14.

    2.2 CIRCULAO E TRANSPORTES: AS ABORDAGENS EM GEOGRAFIA

    2.2.1 A geografia da circulao

    A procura de meios de subsistncia, as questes blicas ou as descobertas de

    novos espaos, contam-se entre os diversos motivos da histria das sociedades que tero

    suscitado a necessidade de abrir/construir caminhos, de descrever rotas e itinerrios e de

    clarificar a funo dos transportes no territrio. No Mundo Antigo, Herdoto,

    Eratstenes e Estrabo, referem-se aos priplos que (...) descreviam [...]

    14 O esquema de anlise desagregada de base parte de nove conceitos: os indivduos decidem sobre as suas viagens fazendo escolhas entre as alternativas que se apresentam; as escolhas feitas incorporam, por parte do indivduo, o reconhecimento da sua utilidade mxima; a utilidade de cada alternativa uma medida da preferncia individual; as alternativas podem ser ordenadas em funo das preferncias individuais; a alternativa de utilidade mxima encontrar-se- no topo dessa ordenao, correspondendo que foi seleccionada pelo indivduo; a utilidade das alternativas definida pelo indivduo por comparao, pelo que a utilidade compe-se de atributos; o valor da utilidade de cada alternativa resulta dos seus atributos e da percepo que cada indivduo tem dos mesmos; quanto maior o valor da utilidade, maior a probabilidade de ser eleita entre as alternativas e, finalmente, h uma correlao entre a escolha e a sua utilidade.

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    pormenorizadamente, o trajecto de um cabo ou porto a outro local da costa, como o

    faro, na Idade Mdia os portulanos.15, de que o mais antigo dataria do sculo VII a.C.

    Mais tarde, Herdoto (sc. V a.C.) e Alexandre Magno (sc. IV a.C.), levaram a cabo

    expedies que contriburam para o alargamento do conhecimento do mundo, sendo que

    o ltimo, se fez (...) acompanhar de vrios sbios entre os quais dois discpulos de

    Aristteles. Mandou fazer um cadastro do Imprio, traar caminhos e verificar as

    comunicaes entre o mar Negro e o mar Vermelho.16 J depois de Ptolomeu (sc. II),

    Vegcio (sc. IV), introduz uma componente mais prtica no seu trabalho, dando

    especial ateno aos itinerrios e rotas, entre os quais distingue (...) os annotata ou

    escritos e os picta ou cartas. Os primeiros continham apenas nomes dos lugares ou das

    estaes com as respectivas distncias (...), os picta [indicavam] as cidades, os pases e

    os contornos das costas (...)17.

    Na Idade Mdia as conhecidas expedies de Pian Carpine, Guilherme Rubruck

    ou Marco Polo, acrescentaram elementos s descries at ento realizadas. Mas, os

    avanos nos registos sobre os espaos geogrficos e sobre o seu conhecimento no

    foram significativos, at porque, ainda no sculo XV, a traduo da obra de Ptolomeu

    do rabe para latim, manteve toda a sua importncia. O sculo XV e seguintes, e at aos

    anos de oitocentos, pautaram-se pelo aperfeioamento das tcnicas de navegao e

    explorao de novos espaos, com motivaes em parte ligadas actividade comercial,

    constituindo a gnese do que hoje comummente se designa de economia-mundo.

    Na viragem para o sculo XIX, numa altura em que os europeus ainda

    desconheciam muitas reas da superfcie terrestre, em particular o interior do continente

    africano, o desenvolvimento verificado nos meios de transportes e as novas orientaes

    polticas e econmicas (com a consolidao do colonialismo) resultaram num acrscimo

    15 CLOSIER, 1972:23 e 24 16 FERREIRA e SIMES, 1990: 36 17 CLOSIER, 1972: 32 e 33

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    importante de saber em diferentes mbitos cientficos, o que foi particularmente notvel

    no que respeita Geografia.

    Tendo em conta a perspectiva geogrfica, POTRYKOWSKI e TAYLOR (1984:

    13-15) consideram que podem admitir-se quatro tendncias nas abordagens s

    deslocaes e aos transportes: a paisagista, enquadrada por concepes de

    antropogeografia, que descreve a relao entre os transportes e o meio geogrfico, sendo

    que as comunicaes so influenciadas por factores scio-econmicos; a tcnica, na

    qual se destaca a importncia dos meios tcnicos na adequao das comunicaes ao

    meio geogrfico; a mercantil, mais vocacionada para a descrio das actividades

    comerciais enquanto factor desencadeador da necessidade de efectuar deslocaes e,

    finalmente, a econmica, tal como as anteriores muito descritiva, mas aqui na procura

    da relao com a distribuio das actividades econmicas no espao geogrfico.

    Os quadros de insero territorial das redes de transportes at meados do sculo

    XIX, ocorreram em contextos espaciais bastante menos complexos do que os actuais,

    sendo prtica comum enveredar-se por abordagens que reconhecendo a importncia dos

    transportes no funcionamento da vida das sociedades, assumiam-no em perspectivas

    mais globais, nas quais as condies naturais e os padres de distribuio da populao

    e suas actividades permitiam a construo de ideias mais simplificadas, ou de certa

    forma padronizadas.

    Tentando ilustrar algumas destas abordagens, a propsito da evoluo da rede de

    comunicaes em Portugal entre 1750 e 1850, MATOS (1980) considera no passado

    ter sido (...) a geografia fsica, que sugeriu a fixao das gentes no continente e nas

    ilhas, impondo a distribuio das vias de transporte terrestre. (...) A tcnica moderna

    (...) foi progressivamente conseguindo ultrapassar e vencer tais dificuldades (...)18, e

    acrescenta, ao comparar mapas de estradas com datas diversas, que o relevo o

    principal entrave ao desenvolvimento das estradas para o interior. Orlando Ribeiro

    18 MATOS, 1980:15

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    partilha algumas destas opinies sobre a estrutura da rede de estradas em meados do

    sculo XX, explicando que [entre] os ncleos povoados e entre as casas e os campos,

    uma rede densa de caminhos e atalhos assegura o movimento dos homens e a

    concentrao e distribuio dos produtos19. A distribuio do povoamento e da rede de

    transportes explica-se, no s, pelas diferenas da topografia do territrio portugus

    entre o norte e o sul, mas tambm pela sua evoluo na qual a rede de aglomerados de

    maior importncia e dimenso orientou os traados principais, bem como as inovaes

    tcnicas que se seguiram.

    Como evidente, alm das condicionantes fsicas e do povoamento, tambm a

    distribuio da actividade econmica constitui factor pretinente na estruturao da rede

    de estradas. Josu de CASTRO (1957) refere que [o] traado das estradas de rodagem

    resulta da topografia regional. Assim temos estradas rectas em plancies e em curvas

    ascendentes ao galgar as montanhas (...). Contudo, graas tcnica, a estrada capaz

    de vencer todas as categorias de obstculos naturais (...). Basta que uma razo

    fortemente determinante, como a descoberta de minerais valiosos se apresente nas

    regies mais inacessveis da terra para que depressa os homens para l se dirijam e

    construam estradas transitveis (...)20.

    Uma pesquisa sobre os ttulos de referncias bibliogrficas feitas por vrios

    autores que incluem simultaneamente as palavras geografia e transportes21 (ou

    outras associadas), d conta, para as dcadas de 40 e 50, de abordagens que referem

    mais os meios e infra-estruturas de transportes de forma isolada e no tanto o sistema

    como um todo. A excepo s geografias dos caminhos-de-ferro, area, fluvial ou

    martima, s quais se associa com elevada frequncia a palavra circulao, ter sido o

    trabalho de CAPOT-REY (publicado em Paris, em 1946). Na Gographie de la

    19 RIBEIRO, in DAVEAU, 1999: 874 20 CASTRO, 1957: 114 21 Esta pesquisa foi feita sobre a bibliografia citada pelos autores referidos na bibliografia geral deste trabalho. Os apelidos escritos em letra minscula referem-se a autores de cujos trabalhos apenas se consultou o ndice geral, pelo que no so citados na bibliografia geral.

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    circulation sur les continents, a nfase coloca-se na circulao no quadro das grandes

    zonas climticas e botnicas. Admite-se o papel preponderante das condies naturais,

    mas considera-se tambm que a necessidade de construir novas estradas, advm da

    solicitao das populaes ou de interesses polticos e estratgicos.

    Aps a segunda guerra mundial, com os esforos de recuperao econmica e a

    necessidade de repensar, recorrendo ao planeamento, a evoluo regional e urbana,

    retomam-se os conceitos de regio econmica e de interaco espacial, nos quais, a

    abordagem s redes de transportes assume papel de destaque na compreenso das

    distribuies no territrio: (...) la regin es un sistema (...), como tal, puede ser

    estudiado en base a las funciones que le dan cohesin, a los flujos que alimentan esas

    funciones y a la organizacin espacial que se deriva de ellas.22 Nos anos 50, ainda que

    com alguns rasgos de descrio, os mtodos quantitativos passam tambm a ser

    utilizados no mbito da geografia, e com eles revalorizam-se os conceitos de tempo

    (utilizados j no sculo XIX pela fsica e matemtica) e dos custos das viagens

    (FERREIRA e SIMES, 1990:87). Ullman (1957) sobressai nos estudos da poca23

    com Geography of Transportation, no s pelo ttulo escolhido (transporte e no

    circulao), como pelos ensaios desenvolvidos no sentido de encontrar um mtodo

    que permitisse explicar e prever a dinmica de fluxos24. Indicado, por vrios autores,

    como o percursor da geografia dos transportes, considera que o transporte constitui uma

    medida das relaes entre reas, devendo assumir um lugar de destaque nas abordagens

    em Geografia (TOLLEY e TURTON, 1995: 2). Nesse sentido, fez descries

    minuciosas das caractersticas das ligaes e dos ns (origens e destinos) e considerou

    22 SEGUI-PONS e PETRUS BEY, 1991:14 23 A relao dos transportes com a localizao da actividade econmica ou com as alteraes no espao geogrfico constituram o mote para a abordagem feita por vrios autores na segunda metade dos anos 50, entre eles destacam-se ttulos como: The role of transportation and the bases for interaction (Ullman, 1956); The function and growth of bus traffic within the shere of urban influence (Godlund, 1956); Do trfego fluvial e da sua importncia na economia portuguesa (Castelo-Branco, 1958); Efficient transportation and industrial location (Goldman, 1958) e Studies of highway development and geographic change (Garrison, Berry, Marbel, Nystuen e Morril, 1959). 24 Ullman (1957) considera que (...) transportation is a measure of the relations between areas and is therefore an essential part of geography. (TOLLEY e TURTON, 1995:2)

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    que o conceito de distncia se devia relacionar com o tipo de actividade envolvida nas

    deslocaes, sendo diferente de umas para outras, e de entendimento bastante

    subjectivo. Esta opinio, que viria a ser partilhada por Isard (1962) e Bunge (1962),

    pode considerar-se ter constitudo os alicerces para as perspectivas comportamentais

    que viriam a surgir anos mais tarde (POTRYKOWSKI e TAYLOR,1984: 15).

    Ao contrrio da Geography of Transportation norte-americana de Ullman

    (1957) ou The Geography of Communications de Appleton (publicada em Londres

    em 1962), para a escola francesa a designao escolhida, ainda na dcada de 60, foi de

    Gographie de la Circulation, como testemunham, entre outros, Clozier (1963),

    Perpillou (1964) e Vigarie (1968). Na leitura de MRENNE (1995: 183) a utilizao da

    palavra circulao pode atribuir-se ao facto destes autores considerarem a totalidade

    dos modos de transportes nas suas relaes com os quadros naturais e humanos, sendo

    que as infra-estruturas e meios de transportes servem para efectuar deslocaes. A

    palavra transporte, incorporaria uma concepo mais alargada, nomedamente atravs

    da considerao de processos territoriais resultantes da sua evoluo/alterao

    conceito avanado por Ullman, mas que at finais dos anos 60 no conheceu muitos

    adeptos.

    O transporte areo tem, nesta altura algum significado nas abordagens

    geogrficas25 e o caminho-de-ferro passa a ser objecto de reflexes que associam o seu

    traado com as alteraes econmicas e demogrficas dos espaos servidos. Deve

    registar-se tambm a presena de trabalhos sobre este ltimo modo de transporte que

    revelavam j alguma preocupao sobre a sua evoluo, preocupao esta decorrente da

    crescente concorrncia levada a cabo pelo automvel26. Um dos grandes problemas com

    que tambm se debateram os investigadores e tcnicos no mbito dos transportes, foi a

    caracterizao das origens e dos destinos geradores dos fluxos. Entendeu-se que os

    25 Por exemplo, em 1969, Durand-Dastes publica a Gographie des Airs em Paris. 26 Veja-se a este propsito o trabalho de Patmore (1966) sobre The contraction of the network of railway passenger services in England and Wales, ou o de Appleton (1967) sobre Some geographical aspects of the modernisation of British railways.

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    espaos de circulao perdem significado no territrio se forem considerados

    exclusivamente como suporte fsico para as deslocaes. A sua funo essencialmente

    de ligao e de estruturao nos espaos em que se inserem, pelo que devem conhecer-

    se os diferentes tipos de utilizao, o seu significado nos padres dos movimentos e,

    portanto, os seus efeitos no ordenamento do territrio.

    A anlise de redes, a sua evoluo, a interaco espacial e a mobilidade nas

    cidades constituram entretanto tema de abordagem por vrios autores como KANSKY,

    nomeadamente na Structure of transportation networks: relationships between network

    geometry and regional characteristics (1963), TAAFFE, MORRIL e GOULD em

    Transportation in underveloped countries: a comparative analysis (1963), MORRILL

    em Migration and the spread and growth of Urban Settlement (1965), Black em

    Growth of the railway network of Maine (1967), Haggett e Chorley em Network

    analisys in geography (1969), Hilling The evolution of the major ports of W. Africa

    (1969) ou MACKINNON e HODGSON em The highway system of southern Ontario

    and Quebec: some simple network generation models (1969). Esta mescla de temas

    sobre os sistemas de transportes, denota por um lado, a importao para a Geografia dos

    mtodos ento utilizados na Econometria os modelos matemticos - e, por outro, a

    emergncia de novas questes, das quais se destacam, as diferenas econmicas e

    sociais entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, tanto escala regional como

    escala intra-urbana. Os anos 60 do sculo XX, ficaram tambm marcados nos trabalhos

    em Geografia pelo despertar para a necessidade de aprofundar as anlises sociais,

    reconhecendo-se que nem sempre os mtodos quantitativos constituem a nica e

    exclusiva ferramenta de trabalho. A imagem simplificada dos transportes enquanto

    substracto das deslocaes, ou uso do solo que se amanhava no territrio no sentido de

    acompanhar a evoluo da distribuio da populao e suas actividades foi-se alterando

    nos anos 50 e 60, mas a mudana mais evidente, em particular no mbito da Geografia,

    apenas se deu na dcada de 70, prolongando-se pelas seguintes.

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    2.2.2 A geografia dos transportes

    A partir de meados do sculo XX, o debate cientfico centra-se no s na questo

    das diferenas das distribuies, mas tambm nos problemas da decorrentes (como a do

    subdesenvolvimento e a diferena das condies de vida entre classes sociais), pelo que

    no mbito das cincias sociais e humanas se evidencia a necessidade de repensar tanto

    as questes sociais, como as polticas de ordenamento do territrio. Os indivduos

    apresentam comportamentos distintos consoante os contextos em que se inserem, sendo

    que cada um possui uma imagem prpria do territrio a qual lhe permite decidir sobre

    as aces que a desempenha.

    Neste quadro, e em particular a partir de finais dos anos 60, passa a no fazer

    muito sentido a tradicional procura de uma linguagem comum entre as cincias com

    recurso matemtica e lgica, j que estas podero ser usadas para complementar as

    abordagens ao comportamento, deciso ou, se se quiser, ao entendimento das condutas

    espaciais, ou seja, o repto coloca-se agora mais na definio de solues para os

    problemas identificados e no tanto no relato e/ou modelao das leituras sobre o

    territrio.

    A migrao para as reas urbanas e o crescimento das periferias, o

    congestionamento derivado da crescente motorizao, a desigual oportunidade no

    acesso aos bens e servios ou, entre outras, a preocupao ambiental, trouxeram novas

    questes para a rea dos transportes e tambm para a Geografia. O sucesso das auto-

    estradas nos Estados Unidos e em vrios pases da Europa e o aumento da utilizao do

    automvel, ainda na dcada de sessenta, ocasionaram diversas chamadas de ateno

    sobre o seu papel no ordenamento do territrio. Verifica-se que o desejado progresso

    por via da expanso da rede de transportes poderia surtir efeitos inesperados no

    territrio, porque os indivduos adaptam-se s sucessivas alteraes segundo orientaes

    de maior benefcio pessoal (BANISTER, 1994: 93 e 94).

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    Neste contexto, a importncia do factor transporte nas explicaes sobre a

    organizao do espao geogrfico, agora no sentido da deslocao de algo ou algum de

    uma origem a um destino porque ocorreu uma deciso para encetar essa transferncia,

    encontrou terreno frtil de desenvolvimento nas cincias sociais e humanas. No mbito

    da Geografia, os anos 70, ficaram marcados pela publicao de alguns trabalhos, agora

    intitulados de Geografia dos Transportes, nos quais se enfatiza a estrutura das redes

    de transportes, ora abordadas segundo os meios e/ou modos de transportes, ora pela

    comparao entre a situao nos pases desenvolvidos e subdesenvolvidos. Do mesmo

    modo, as resenhas sobre as teorias e modelos desenvolvidas em anos anteriores, em

    particular na rea da Econometria, assumem lugar de destaque nestes trabalhos.

    Paralelamente, os transportes urbanos e as questes sociais do os primeiros passos na

    dcada de 70, para conhecerem um maior aprofundamento nas de 80 e 90.

    A ateno centrada nos problemas gerados pela desigual distribuio dos usos do

    solo e das oportunidades, enforma a preocupao pelas classes sociais menos

    favorecidas, sendo que ao domnio dos transportes pedido que promova a mobilidade

    e as condies de acessibilidade, em particular das populaes urbanas. Neste mbito,

    autores como Wheeler (1973) em Societal and policy perspectives in transportation

    geography, Jones (1975) em Acessibility, mobility and travel need, ou Muller (1976)

    em Transportation geography II: social transportation geography revelaram interesse

    particular sobre o estudo da influncia dos transportes nas relaes interpessoais, nos

    processos de interaco social e na segregao de classes. Em 1970, BRUTON publica

    a 1 edio de Introduction to transportation planning, em cujo prefcio esclarece que

    [this] book deals only with the techniques of estimating future demands for movement.

    As such it can be considered to provide an introduction to both traffic estimation

    procedures, and transportation planning process.27 A segunda edio, data de 1975 e

    prossegue com os objectivos da anterior, mas agora com uma actualizao das tcnicas

    e mtodos de anlise, nomeadamente regresso linear mltipla, custos generalizados

    27 BANISTER, 1985: 9

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    e programao linear e anlise de discriminantes na repartio modal . Na terceira

    edio, de 1985, foi acrescentado um primeiro captulo sobre Transport and Society,

    bem como informao sobre modelos comportamentais desagregados e modelos de

    usos de solo relacionados com transportes.

    Entre as publicaes francesas28, WOLKOWITSCH, em 1973, apresenta

    Gographie des Transports, trabalho no qual predomina a descrio das redes tanto nos

    quadros nat