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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ELZA FREIRE E PAULO FREIRE: EDUCAÇÃO, HUMANIZAÇÃO E
CONVIVÊNCIA.1
Rita de Cássia Fraga Machado
Fiz o que queria, o que pensei, porque realmente fiz bem [...]
Elza Freire (In: Costa et al., 1980, p. 200)
Resumo: Este texto propõe-se a destacar a relevante influência intelectual de Elza Freire na obra e
vida do educador Paulo Freire. Em razão do comprometimento e da ação de Elza Freire no campo
da educação, Nima Spigolon (2016) assevera que é possível, sim, pesquisar esta personagem
histórica. Elza influenciou e contribuiu para a teoria do conhecimento formulada por Paulo Freire.
"Assim, para melhor compreender a obra freireana e a própria história da educação no Brasil é
necessário se levar em conta as contribuições de Elza" (Spigolon, 2016). O próprio Paulo Freire diz
Nima Spigolon, sempre fez questão de registrar em seus trabalhos e escritos, ora na forma de
dedicatórias, ora nas citações, as contribuições da esposa, Elza, para o seu pensamento e a sua
prática político-pedagógica.
Palavras-Chave: Educação. Elza Freire. Paulo Freire.
1. ELZA VIDA E OBRA!
“Fiz o que queria, o que pensei, porque realmente fiz bem […].”
Elza Freire (COSTA et al., 1980, p. 200)
Elza Maia Costa Oliveira nasceu no estado de Pernambuco e casou-se com Paulo Reglus
Neves Freire em 1944, aos 23 anos, com quem ficou casada até sua morte, em 1986. Após o
casamento, Elza passou assinar Elza Maia Costa Freire. Casados por 42 anos, tiveram os filhos:
Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgarde.
Figura 1 – Elza Freire em 1944
1 Esse texto tem uma versão preliminar intitulada ELZA FREIE: EDUCAÇÃO PARA A HUMANIZAÇÃO que foi
escrita em parceria com o professor Carlos Rodrigues Brandão e a professora Amanda Motta Castro.
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Fonte: BARRETO, 2008, p. 23.
Elza foi professora, funcionária pública concursada do estado de Pernambuco e pioneira em
arte-educação no Brasil. É provável que ela seja a grande influência para que Paulo Freire viesse
para o campo da educação – abandonando o Direito, sua formação inicial.
Historicamente, as mulheres foram destinadas à vida privada. É comum os adjetivos
amorosa, cuidadora, meiga, entre outros, para lembrar de alguma mulher. A florzinha rosa atrás da
cerquinha branca e em frente a uma casinha parece sair dos livros infantis e nada ter a ver com os
dias atuais. Entretanto, ainda hoje, o feminino vive sobre a esfinge do privado seguindo a velha e já
conhecida divisão, infelizmente: homens no público e mulheres no privado.
O feminino como destino a “outro” e não a si mesma se perde na sociedade patriarcal que
inferioriza e silencia o conhecimento das mulheres. Talvez, o casamento seja uma das formas mais
eficazes que o patriarcado encontrou para manter as mulheres altamente produtivas com o cuidado
da casa, dos filhos e filhas, do marido e, de quebra, ajudar o marido (também de forma altamente
produtiva) no seu trabalho sem que este leve seu nome. E a história de Elza não foi diferente da
história das mulheres.
Outras mulheres podem aqui ser lembradas:
Sophia Tolstoi (22 de agosto de 1844-4 de novembro de 1919) foi esposa do célebre escritor
Leon Tolstoi. Uma de suas principais obras, “Ana Karenina”, tem várias versões para o cinema –
sem dúvida, é uma obra fascinante. O que poucos sabem é a importância de Sofia na obra de Leon
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Tolstói. Sofia revisou e, em grande medida, financiou todos os seus livros. Além dos treze filhos
que teve com o escritor, ela foi uma importante “ajudante” de Tolstoi.2
A revolução cubana guarda a imagem dos grandes lutadores: Che, Camilo e Fidel.
Entretanto, não são visibilizadas as inúmeras mulheres que também lutaram pela liberdade de um
povo. Tivemos muitas mulheres na frente da batalha na ilha cubana, uma delas foi casada com Che;
Aleida March nasceu em Cuba, no ano de 1936. Lutou na Revolução Cubana e foi companheira de
Che Guevara de 1959 até sua morte, em 1967. Atualmente, é diretora do Centro de Estudos Che
Guevara. Em seus escritos, existe uma importante contribuição; a história que foi praticamente
esquecida pela Revolução Cubana: as mulheres que combateram na luta armada durante a revolução3.
Anna Madgalena foi casada com o compositor Johann Sebastian Bach. Ela foi uma soprano e casou-
se com Bach em 1721. Segundo o recente documentário, intitulado Written by Mrs. Bach, Anna foi a
principal compositora das obras de Bach4.
Logo, percebemos que Elza não está sozinha; ela compõe um grande leque de mulheres que como
ajudante do marido fizeram história.
2 ELZA E PAULO: INTERLOCUTORES DE UM PENSAMENTO LATINO
AMERICANO!
Imagine uma “aula” que, em vez de opor um professor que “sabe” a uma “turma de
estudantes” que “não sabe” (ou pensa que não sabe), faça interagir uma ativa equipe de pessoas em
que “quem ensina sempre aprende também, e onde quem aprende sempre tem algo a ensinar”. Um
lugar onde ninguém ensina a ninguém, mas todos e todas aprendem com e entre todas e todos. E
ensinam e aprendem na mesma medida em que dialogam e intertrocam os seus saberes, os seus
valores, as suas sensibilidades, os saberes de suas experiências de vida.
Imagine uma educação em que nos seus inícios, em vez de se aprender apenas a “ler-e-
escrever” palavras de uma maneira instrumental e mecânica, aprende-se a dialogar com os outros
“ao vivo e a cores”, e também com os textos escritos. Aprende-se a ouvir e a falar, ao mesmo tempo
em que se aprende a ler e a escrever. Aprende-se a “dizer a sua palavra”, como gostava tanto de
repetir Paulo Freire, e a ouvir a palavra da outra pessoa.
2 Ver: TOLSTÓI, Sofia. Diarios (1862-1919). Espanha: Colección Alba Clásica, 2011. 3 Ver: MARCH, Aleida. Evocación mi vida al lado del Che. Los recuerdos de la compañera de lucha y de
vida de Ernesto Che Guevara. Cuba: Ocean Sur, 2012. 4 Ver documentário "Written by Mrs. Bach", baseado em um estudo realizado em 2011 pelo professor
Martin Jarvis, da Universidade Charles Darwin, na Austrália.
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E, assim, aprende-se a ler de maneira pessoal, crítica e criativa, também a realidade do
mundo da vida que se vive. Aprende-se a compreender como é este mundo da vida e como ele
poderia ser transformado para ser bem melhor, se as pessoas se unissem para fazer algo nesta
direção.
Imagine um lugar onde a educação esteja dirigida não apenas à mente e à racionalidade das
pessoas, mas ao todo delas. Como isso é possível? Paulo Freire foi um dos principais, ao lado de
Elza Freire, divulgadores da ideia de que não só aprendemos uns com os outros, umas através das
outras, mas aprendemos envolvendo, nisso tudo, o que somos.
Se pudéssemos brincar um momento com a letra “s”, bem poderíamos lembrar que
aprendemos com as nossas sensações (visão, audição, olfato, tato e tudo o mais), com as nossas
sensibilidades (afetos, emoções, sentimentos), com os nossos saberes (tudo o que aprendemos antes
e integramos em nós como “aquilo que sabemos), com os nossos sentidos de vida (os valores, os
princípios, os preceitos que nos diz quem somos como devemos ser e como devemos conviver), os
nossos significados (as ideias que temos sobre o mundo em que vivemos e sobre como ele deveria
ser) e as nossas sociabilidades (a nossa vocação de criarmos juntos o mundo em que vivemos e de o
transformarmos para vivermos nele).
Aprendemos o tempo todo com o todo que somos: corpo e espírito, razão e imaginação,
racionalidade e sentimento, individualidade e partilha com os outros. Imagine tudo isso e você
poderá compreender os princípios das inovações das ideias pedagógicas de Paulo Freire.
Paulo Freire e a sua primeira “equipe nordestina” trabalharam intensamente associados aos
movimentos de cultura popular dos anos 1970. Anos antes do começo desta década, Paulo Freire foi
um relator de um documento da Comissão Regional de Pernambuco a respeito da educação no
Estado. Em “A Educação de Adultos e as Populações Marginais”, escrito antes de amadurecer as
suas ideias mais originais sobre a educação, ele já se revelava como um pensador bastante
progressista.
O que as ideias de Paulo Freire e as práticas – breves e fecundas – dos movimentos de
cultura popular procuram estabelecer em seu tempo e nos deixam como herança pode ser resumido
da seguinte maneira:
1º. Elas partem da busca de uma interação equitativa entre diversos campos de pensamento,
criação e ação social através das ciências, da educação e das artes. Saber de ciência, cinema, teatro,
literatura, música, artes plásticas, educação – vivida como arte e prática – são compreendidas como
diferentes domínios humanos de criação de novas ideias, com uma convergente vocação política
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transformadora. Assim, seria através da partilha de todas e de cada uma dessas vocações, no interior
de projetos de “criação do novo” e de “transformação através da inovação”, que uma nova cultura
deveria ser, passo a passo, criada.
2º. Elas procuram uma convergência de/entre culturas. Em termos concretos, elas buscam
estabelecer novas alianças entre pessoas e grupos de vida e vocação acadêmica ou artística
(eruditos, acadêmicos, etc.), com autores/atores populares individuais ou coletivos. Este complexo
processo de criação de “estradas de mão dupla” na criação e gestão de estilos de arte e sistemas de
educação tomam um rumo bem diverso do que se praticava até então.
Isso porque não são pensados e praticados como outro “serviço cultural” ou educacional
complementar ao povo. Não se trata de estender ao “oprimido” os padrões de gosto e as ideologias
de moda do “opressor”, mas de partir de um diálogo tão igualitário quanto possível, que termine por
criar meios de autotransformação de pessoas, grupos sociais e movimentos populares em
construtores e gestores de sua autonomia, e também em condutores de um processo de ruptura da
hegemonia “burguesa” e de transformação radical da sociedade.
3°. Elas colocam a cultura e a política no centro do próprio acontecer da educação. É nesta
direção que insistimos em lembrar que, para Paulo Freire e o grupo que com ele estava, a educação
é pensada como um campo da cultura, e a cultura como algo cuja dimensão de realização tem a ver
com a gestão de formas de poder simbólico que tanto podem reiterar e reproduzir uma conjuntura
social de desigualdade e de opressão, quanto podem configurar a dimensão simbólica de teor
político da construção de uma nova ordem social.
Eis o caminho para que métodos e técnicas utilizados originalmente como alternativas de
terapia e de dinâmica de grupos "centrados no cliente" – isto é, na individualidade de cada
participante – sejam repensados como estratégias de novos diálogos centrados nas pessoas
participantes; não em busca de sua "cura pessoal", mas na transformação de mundo social de vidas
coletivas e cotidianas – contudo, sempre pensadas como algo que ocorre no fluxo da história. Pois
não se trata de criar contextos de soluções pessoais de conflitos sociais, mas da busca solidária de
soluções sociais para problemas pessoais. Este seria o momento de uma inversão de uma educação
para o povo em direção a uma educação que o povo cria ao transitar de sujeito econômico a sujeito
político e ao se reapropriar de um modelo de educação para fazê-la ser a educação do seu projeto
histórico. Não esquecer que "sujeito político" tem, em Paulo Freire, a conotação do agente
consciente-e-crítico e, portanto, a pessoa criativamente ativa é corresponsável e participante pela
gestão e transformação de sua polis, o seu lugar de vida e destino.
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4º. Finalmente, sobretudo a partir das propostas de Paulo Freire e de sua equipe pioneira,
o que se procura estabelecer e difundir é uma experiência de educação que anos mais tarde receberá
o qualificador “popular”. Elza, desde os primeiros escritos da "equipe pioneira", não estará restrita a
um método de trabalho, como aquele criado para a alfabetização de adultos, mas como um “sistema
de educação” que tem em seu andar térreo a alfabetização, e à cobertura com a proposta de criação
de uma universidade popular. Isto acontece vários anos antes da reinvenção de propostas de
universidades alternativas, livres ou populares que surgem por todo o mundo.
Dos anos 1970 até hoje, não é mais possível pensar uma educação libertadora e
transformadora sem trazer ao debate as ideias de Paulo Freire. Mais de cinquenta anos depois das
primeiras ideias e experiências com a educação popular, a pessoa, as práticas e as propostas de uma
educação pensada como cultura, e uma cultura pensada como política (no sentido freireano de nossa
responsabilidade com a transformação humanizadora do mundo em que vivemos) permanece tão
viva como nos anos em que ele estava entre nós.
3 PEDAGOGIA DA CONVIVÊNCIA: CATEGORIA ELZANIANA
Para Nima Spigolon (2006, p. 7) autora da dissertação “Elza Freire: uma vida que faz
Educação”,
[…] essa pedagogia tem como referência o pensar, o fazer, o falar e o sentir. Ela parte do
princípio de que a convivência pelo encontro em si é uma relação que, por sua natureza,
requer respeito e coerência. O que nós fizemos foi trazer essa reflexão para o contexto
pedagógico, com critério acadêmico. Ou seja, é através dessa convivência e dos ‘saberes
diferentes’ que o conhecimento é compartilhado, mediante o ensinar-aprender, pautado na
amorosidade, criticidade e principalmente na conscientização.
Para a escrita deste trabalho, encontramos pouquíssima referência teórica dessa interlocução.
Concordamos com Graciela Hierro (2003) sobre nossa invisibilidade: as mulheres estão em segunda
instância na sociedade patriarcal e não é diferente no campo da Educação Popular (FLEURI, 2012).
Nesse sentido, queremos
perspectiva educativa e libertária.
Figura 2 – Elza Freire, meados da década de 1960
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Fonte: SPIGOLON, 2016, p. 3.
A entrada das mulheres na cena pública, incluindo a acadêmica, pela reivindicação de seus
direitos civis e políticos, pela incorporação maciça no mercado de trabalho remunerado fora da casa
e pelo acesso aos diferentes níveis educativos, trouxe ao mesmo tempo uma fratura do espaço
público, tradicionalmente considerado território masculino, com a constituição paralela de um
espaço social predominantemente feminino. Nesse sentido, o trabalho de Elza constitui-se em um
movimento que se torna importantíssimo na vida intelectual de Paulo Freire. Elza, com sua
heterogeneidade, cria espaços/efeitos de consciência, onde se dá a ressignificação da pedagogia de
Paulo Freire a partir de suas leituras e releituras, onde se negociam e renegociam as necessidades
práticas e os interesses estratégicos desse companheirismo. Aqui, nasce Pedagogia da Convivência.
Mazza (2016, p. 7), no prefácio no livro “Pedagogia da Convivência”, destaca que Nima
Spigolon registra, de modo apaixonante e único, a amorosidade5 de Elza pela educação. Elza Freire
– uma vida que faz educação é de três educadores. Segundo o primeiro e mais denso, é o da
educadora Elza Maia Costa Oliveira, depois Freire, ou de modo mais compacto, Elza Freire, cujo
nome compõe o título e suleia a obra.
Nascida em uma família de classe média, no Recife, na segunda década do século XX,
“professora normalista” aos 19 anos, Elza tinha preferência pelo trabalho educacional com
crianças, e a alfabetização foi um dos aspectos em que se especializou, tendo sido também
uma das pioneiras em envolver a Arte no trabalho de educação.
Segundo sua biografia, escrita pela colega Nima Spigolon (2006, p. 10):
5 Para Paulo Freire, a “educação é um ato de amor”, sentimento em que homens e mulheres veem-se como seres
inacabados e, portanto, receptivos para aprender, sendo que “não há diálogo [...] se não há um profundo amor ao
mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que
o funda [...]. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo” (FREIRE, 1987, p. 79-80).
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No começo da década de 1940, Elza já lecionava no Instituto Pedagógico do Recife,
atuando na formação continuada de docente. E, de meados da década de 1940 até 1964 –
ano da partida para o exílio, no Chile –, atuou como professora e diretora de várias
instituições da rede pública do estado de Pernambuco. Em 1944, casou-se com o também
recifense Paulo Freire, para quem Elza representou uma apresentação/aproximação às
questões educacionais, despertando seu envolvimento crítico-reflexivo com o pensamento
pedagógico. Talvez seja Elza uma das grandes inspiradoras para que Paulo abandonasse a
advocacia e abraçasse a Educação.
Continuando:
(...) esse encontro/casamento consolida a parceria em cujo contexto se desenvolve
– segundo a leitura e a denominação criada por Nima– a Pedagogia da
Convivência, por meio da qual ela influenciou e contribuiu para a construção das
teorias e práticas freireanas, ao ser partícipe desse processo histórico. (MAZZA,
2016, p. 7)
Nas palavras do prefácio, é nesse processo de constituição de uma Pedagogia da
Convivência que teria sido, segundo D’Angelis (2016), uma pedagogia que teria como principal
interlocutor a obra de Paulo Freire.
Figura 3 – Elza e Paulo na Unicamp
Fonte: Jornal UNICAMP6
Nesse sentido:
Elza aprofundou estudos; ampliou atividades; compôs equipes técnicas; fundou
instituições; socializou conhecimentos; aliou teoria e técnica; discutiu questões
político-pedagógicas sem se isolar do contexto da vida. O compromisso dela com a
Educação, sua instrução e formação compreende questões sobre a discussão do
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ensino público no Brasil, dentro de uma perspectiva crítica e politizada, reflexiva e
científica. (Spigolon 2006, p. 22):
A parceria intelectual de Elza e Freire podem ser constatada nos relatos de seus filhos sobre
a presença da mãe na vida do pai (Madalena). Uma relação que não foi marcada somente pelo seu
casamento com Freire, mais também através de sua influência em suas decisões
teóricas/epistemológicas.
4 DO DIA A DIA NASCE A CONVIVÊNCIA
Em 2008, Ivone Gebara escreveu o texto “As epistemologias teológicas e suas
consequências”. Nesse texto, Gebara (2008) nos apresenta o conceito de epistemologia da vida
ordinária, que busca, a partir do cotidiano da vida das pessoas comuns, mostrar outras formas de
conhecimento tecidas no cotidiano.
No dicionário, a palavra “ordinário” significa:
1. Vulgar; 2. de baixa condição; 3. grosseira; 4. mal-educada; 5. reles. Em substantivo
feminino, encontramos a palavra ordinário como sendo: 1. de todos os dias; 2. frequente; 3.
orações ditas pelos sacerdotes em todas as missas; 4. passo de marcha; 5. (música)
composição destinada à marcha regular das tropas; 6. mulher malcriada. (dicionário
brasileiro Aurélio)
De acordo com essas definições, podemos verificar que Gebara busca uma palavra que não
tem glamour algum. Ela busca algo do dia a dia; palavra que, às vezes, é grosseira, vulgar ou de
baixa condição. Sua intenção é criar o conceito da epistemologia da vida ordinária. Logo, podemos
perceber que Elza foi uma mulher que criou na ordinária tanto na esfera privada como na esfera
pública. Conciliando família e trabalho, podemos dizer que ela esteve à frente do seu tempo,
embora ainda distante dos anais da história. Em 2005, em Homenagem à Memória de Paulo Freire,
o filho caçula de Elza e Paulo, Lutgardes Costa Freire expressa o que foi Elza para a Educação
Popular e a teoria desenvolvida pelo pai e mãe:
Fui convidado para uma homenagem a meu pai, mãe eu gostaria de falar um pouco a
respeito da minha mãe. Elza Freire, porque muitas vezes os grandes homens aparecem no
mundo, na mídia e as esposas ficam na penumbra. (SPIGOLON, 2010, n. p.)
Portanto, Elza e Paulo Freire (e não apenas Paulo Freire) foram pioneiros como pensadores
da Educação na aludida temática da pesquisa. Levaram de Recife para o Brasil e o mundo estas
descobertas e experiências, que partiram de situações concretas e se realizaram através do diálogo
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entre homens/mulheres criadores de cultura, pois assim era possível superar sua compreensão
ingênua do mundo e desenvolver postura crítica diante da realidade.
A participação de Elza na vida intelectual de Freire como sendo um avanço permanente é
incontestável. Ora como professora dando ênfase aos aspectos pedagógicos, ora como ser humano
no contexto político:
Ela foi professora, depois diretora de grupo, mas teve aí um gesto lindo que foi, depois do
golpe, a solidariedade absoluta que ela teve comigo. Elza ia me visitar na cadeia e nunca
disse: ‘Você está vendo, Paulo, se você tivesse pensado mais...’ Nunca! Quer dizer, ela foi
solidária, absolutamente solidária (FREIRE, 2005, p. 288).
Assim, vamos reafirmando a presença visível das mulheres nas elaborações intelectuais e na
produção de conhecimento no campo da Educação, mais ainda no campo da Educação popular. Que
este trabalho, assim como os demais, possam contribuir para pesquisas que possam nascer sobre e
de mulheres e educação popular.
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Referências
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. 4. ed. São Paulo: Ed. Arte e Ciência,
2008.
BRANDÃO, Carlos R. (Org.). O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Edições Graal
Ltda, 1983.
COSTA FREIRE, Lutgardes; MACEDO, Donaldo. Alfabetização leitura do mundo leitura
da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
COSTA FREIRE, Lutgardes. Homenagem à Memória de Paulo Freire (mimeo). São
Paulo: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALSP), 2005.
COSTA, Albertina de O. Obra Coletiva. Memórias das Mulheres do Exílio. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: UNESP, 2005.
______. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MARCH, Aleida. Evocación mi vida al lado del Che. Los recuerdos de la compañera de
lucha y de vida de Ernesto Che Guevara. Cuba: Ocean Sur, 2012.
MAZZA, Debóra; Pefácio. In: Pedagogia da convivência: Elza Freire – uma vida que faz
educação. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. P. 5-15.
ROSAS, Paulo. Papéis Avulsos Sobre Paulo Freire, 1. Recife: Centro Paulo Freire –
Estudos e Pesquisas: Editora Universitária da UFPE, 2003.
SPIGOLON, Nima I.. Elza Freire e a memória do Exílio Brasileiro. In: REUNIÃO
ANUAL DA ANPED, 35., 2012, Porto de Galinhas/PE. Anais - Educação, Cultura,
Pesquisa e Projetos de Desenvolvimento: o Brasil do século XXI. Rio de Janeiro/RJ:
Armazém das Letras Gráfica e Editora Ltda, 2012. p. 323-323.
______. Pedagogia da convivência: Elza Freire – uma vida que faz educação. Jundiaí: Paco
Editorial, 2016.
TOLSTÓI, Sofia. Diarios (1862-1919). Espanha: Colección Alba Clásica, 2011.
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Elza Freire and Paulo Freire: education, humanization and coexistence
Abstract: This text proposes to highlight the important intellectual influence of Elza Freire in the
work and life of the educator Paulo Freire. Due to the commitment and action of Elza Freire in the
field of education, Nima Spigolon (2016) asserts that it is possible to research this historical
character. Elza influenced and contributed to the theory of knowledge formulated by Paulo Freire.
"Thus, to better understand Freire's work and the history of education in Brazil, it is necessary to
take into account Elza's contributions" (Spigolon, 2016). Paulo Freire says that Nima Spigolon,
always made a point of recording in his works and writings, sometimes in the form of dedications,
or in the quotations, the contributions of his wife, Elza, to his thinking and his political-pedagogical
practice.
Keywords: Education. Elza Freire. Paulo Freire.