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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
BÁRBARA SEBASTIANA LAGOS ZANIRATO
EM BUSCA DA REALIDADE: A REPRESENTAÇÃO DO CORPO NA
ANATOMIA E NA PINTURA DO RENASCIMENTO
CURITIBA
2011
BÁRBARA SEBASTIANA LAGOS ZANIRATO
EM BUSCA DA REALIDADE: A REPRESENTAÇÃO DO CORPO NA
ANATOMIA E NA PINTURA DO RENASCIMENTO
Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito para a conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Paula
Vosne Martins
CURITIBA
2011
Para os meus pais,
Alcir e Carmelina.
em retribuição ao apoio e carinho
AGRADECIMENTOS
À professora Ana Paula Vosne Martins, agradeço primeiramente por ter me
apresentado a este tema maravilhoso que é a História do Corpo e às pranchas
anatômicas de Vesalius, que fizeram com que eu me apaixonasse pelas dissecações
no Renascimento. Obrigada por me orientar e pelos livros interessantíssimos que me
apresentou. Agradeço, ainda, por ter me aceitado como voluntária no PET, logo no
primeiro mês de graduação. Foi uma experiência incrível e com certeza moldou a minha
vida acadêmica e pessoal. Você foi muito importante nestes quatro anos, suas aulas
eram ótimas e seus conselhos muito bem vindos. Sou muito grata por ter sido orientada
por você, a quem admiro e respeito tanto como pessoa, quanto como professora e
historiadora.
Ao PET – História, grupo em que fui voluntária e bolsista e que me proporcionou
experiências inesquecíveis. À professora Renata Senna Garraffoni, que foi minha tutora
por um curto período, muito obrigada pela experiência. Aos colegas do PET, que
dividiram momentos de alegrias e frustrações, que me ajudaram quando precisava
urgente de bibliografia, certificados, ou simplesmente para desabafar. Agradeço
especialmente à Stella, pelas discussões de contexto, pelas revisões e sugestões.
Obrigada por tudo, foi muito bom estudar com você.
Aos amigos que fiz neste período, obrigada pelas lembranças maravilhosas que
vou levar para a vida. Flora, lembro até hoje, quando te encontrei meio perdida na porta
do elevador. Depois deste dia vivemos experiências inesquecíveis nas festas, nos
trabalhos que fizemos madrugada adentro, nos almoços no Mafalda (precisamos
continuar fazendo isso). Encontrei em você alguém que entendia minhas neuras e que
reclamava junto comigo dos problemas que iam aparecendo...
À minha família, muito obrigada pelo apoio. Rafael e Mariana, vocês não têm
idéia de como são importantes para mim. Vi vocês nascerem, os dois numa sexta-feira,
no mesmo horário das reuniões do PET. O momento em que vocês vieram ao mundo
está marcado na minha memória e é uma das experiências mais felizes que tenho
destes anos. Ainda vai demorar muito para que vocês aprendam a ler para saber o que
está escrito aqui, mas mesmo assim muito obrigada, brincar com vocês alegra meu dia.
Rafael, a “tia Tabara” te ama muito. Mariana, obrigada por ser minha puxa-saco...
Agradeço também ao meu irmão, Arthur, primeiro pelo sobrinho lindo que me
deu, e segundo por ser este amigo da vida toda. Obrigada por ter sido sempre tão
protetor, apesar das briguinhas típicas de irmãos que sempre tivemos. Obrigada por ter
me levado pra escola quando eu era pequena e por ter me ensinado aqueles golpes de
judô, embora eu nunca tenha aprendido direito (você ainda lembra disso?). Obrigada
também à minha cunhada Gislaine, que torce comigo para que volte o sorvete de maçã
verde do Mc Donalds.
Agradeço também aos meus sogros, que foram maravilhosos comigo, desde o
dia em que nos conhecemos. Edna, obrigada por me deixar entrar na sua vida de forma
tão intensa e irreversível. Thelmo, queria muito que você estivesse aqui, fosse para
elogiar ou para implicar com esta monografia.
Alexandre, nem sei por onde começar a agradecer. Sem o seu apoio esta
monografia nunca teria sido possível. Obrigada por estar ao meu lado sempre, por ter
me dado forças nos momentos em que queria desistir de tudo, por me ajudar a achar
uma saída dos problemas mais chatos e complicados. Obrigada também pelos
momentos de alegria, que felizmente foram a maior parte dos nossos momentos, pelas
aventuras gastronômicas, por entrar no meu embalo de sonhadora e por planejar um
futuro junto comigo. Muito, muito obrigada por tudo!
Finalmente, agradeço aos meus pais, Alcir e Carmelina, pelo apoio incondicional,
pelo amor, pela paciência... Vocês são maravilhosos! Obrigada por terem me
aguentado nas crises de raiva, frustração e tristeza, sei que não deve ter sido fácil...
Mãe, obrigada por estar sempre ao meu lado e por ter feito café para mim naquelas
madrugadas em que eu estava fazendo as famosas provas 24 horas. Pai, sei que esta
monografia é muito importante para você, espero que aproveite a leitura.
De fato, o céu às vezes nos manda algumas
pessoas que não representam apenas a
humanidade, mas a própria divindade, de tal
modo que, sendo tais pessoas modelo desta,
possamos imitá-las para, em espírito e por
meio da excelência do intelecto, aproximarmo-
nos das partes mais elevadas do céu.
Giorgio Vasari
RESUMO
Esta pesquisa busca compreender de que forma o corpo humano foi estudado e problematizado no contexto da Renascença, nos séculos XV e XVI, levando em consideração os estudos de anatomia e de pintura. Para tanto, são utilizadas como fontes pranchas com estudos de anatomia realizados por Andreas Vesalius (1514 – 1564) e Leonardo da Vinci (1452 – 1519), tendo em vista o objetivo de entender como os conhecimentos sobre a anatomia humana e a pintura renascentista se relacionam. Assim, procuramos compreender como o corpo se tornou objeto de teorias e estudos e ainda de práticas culturais durante o Renascimento. Acreditamos que a busca renascentista pelo conhecimento sobre o ser humano tenha contribuído para o desenvolvimento de uma arte pautada pela representação do corpo. Desta forma, procuramos entender os estudos de anatomia produzidos por Vesalius e da Vinci a partir da perspectiva da História do Corpo, buscando compreender de que forma o corpo se torna o objeto do olhar de um anatomista e de um artista, respectivamente. Para tanto, esta pesquisa foi dividida em três momentos. O primeiro foi dedicado à revisão bibliográfica, o segundo à seleção e descrição das fontes e o terceiro consistiu na análise das fontes, a partir de leituras específicas sobre história da arte e história do corpo, bem como de bibliografia que trate sobre os autores estudados.
Palavras-Chave: História do Corpo, Anatomia, Arte renascentista
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 09
CAPÍTULO 1 – O CORPO RENASCENTISTA: IDEAL DE PERFEI ÇÃO.................15
1.1 O HOMEM NO MUNDO E NA NATUREZA…………………………………15
1.2 HISTÓRIA DO CORPO………………………………………………………..23
1.3 O CORPO NA MODERNIDADE……………………………………………...27
CAPÍTULO 2 – CULTURA DE ATELIÊ E DA UNIVERSIDADE NA PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO SOBRE O HOMEM………………………………………………….31
2.1 ESTUDOS DE ANATOMIA E DE PINTURA………………………………..31
2.2 ANDREAS VESALIUS…………………………………………………………38
2.3 LEONARDO DA VINCI………………………………………………………..43
CAPÍTULO 3 – O CORPO EM PERSPECTIVA ………………………………………..50
3.1 A ABORDAGEM TRÍPLICE COMO MÉTODO DE ANÁLISE
IMAGÉTICA…………………………………………………………………………………51
3.2 DESCRIÇÃO DAS FONTES …………………………………………………52
3.2.1 ANDREAS VESALIUS - De humani corporis fabrica………........53
3.2.2 LEONARDO DA VINCI - Leonardo’s Anatomical Drawings….....59
3.3 A RELAÇÃO ENTRE ANATOMIA E ARTE: ESPÍRITO DE
SUPERAÇÃO……………………………………………………………………………….66
3.3.1 AS PRANCHAS ANATÔMICAS DE VESALIUS………………….67
3.3.2 OS ESTUDOS DE LEONARDO DA VINCI……………………….69
3.3.3 O ANATOMISTA E O ARTISTA: DUAS REPRESENTAÇOES DO
CORPO………………………………………………………………………………………72
CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………….75
FONTES ................................................................................................................... 79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 80
ANEXOS…………………………………………………………………………………….82
9
INTRODUÇÃO
As imagens sobre o corpo produzidas no Renascimento costumam causar
grande impressão. O que nos chama atenção nestas imagens é, antes de tudo, a
preocupação do artista em dotar a representação de características que podemos
chamar de naturalistas, mesmo que eventualmente o resultado obtido não seja este.
Ao observarmos estas obras de arte acabamos nos detendo nos detalhes, na
impressão de movimento, nas expressões, sempre procurando encontrar aquele
aspecto que torna a obra instigante e desafiadora aos nossos olhos.
Foi esta questão que primeiro chamou atenção sobre este tema, ou seja, a
busca destes artistas em encontrar o elemento que tornasse suas representações
repletas de graça, movimento e perspectiva. Que isto se baseava em fórmulas
matemáticas já era sabido, mas o que intrigava era que estas fórmulas estavam
sendo construídas a partir de uma nova forma de olhar sobre o objeto representado,
fosse ele o corpo ou a natureza.
Este “novo olhar” resultou na proliferação de estudos anatômicos, utilizados
tanto no aprendizado da pintura, como também nas aulas de medicina. É importante
ressaltar que antes do Renascimento eram realizadas dissecações nas
universidades, mas estas eram raras e necessitavam de autorização da Igreja. A
grande novidade das dissecações realizadas no período estudado foi o modo como
o entendimento sobre o corpo mudou, ou seja, o processo de dissecação passou a
ser entendido como um método que permitia compreender o corpo em seus
detalhes, entendendo a função de cada tecido, o que possibilitou buscar novos
diagnósticos, pautados pelo que se observava na mesa de dissecação, e não mais
por elementos sobrenaturais.
A partir da aproximação com este campo de estudos e também do
aprofundamento de leituras sobre a História do Corpo, estabelecemos nosso objeto
de estudo, que é entender como o corpo humano foi estudado e problematizado no
contexto da Renascença, entre os séculos XV e XVI, recorrendo aos estudos de
anatomia e de pintura e tendo como base o referencial teórico da História do Corpo.
Neste sentido, esta pesquisa busca compreender de que forma o corpo humano foi
representado neste período a partir da análise de fontes imagéticas de caráter
pedagógico. Para tanto, são utilizadas como fontes pranchas com estudos de
10
anatomia realizados por Andreas Vesalius (1514 – 1564), anatomista, e Leonardo da
Vinci (1452 – 1519), artista, com o objetivo de entender como os conhecimentos
sobre a anatomia humana e a pintura renascentista se relacionaram e, assim,
compreender como o corpo se tornou objeto de teorias e estudos e ainda de práticas
culturais durante o Renascimento. Desse modo, esta pesquisa visa contribuir para a
historiografia pertinente à História do Corpo, bem como no debate que relaciona
ciência e arte, tendo em vista a importância dos estudos anatômicos realizados a
partir da dissecação do corpo humano tanto para a arte quanto para a anatomia e
medicina.
A historiografia vem se debruçando sobre a História do Corpo há algum
tempo, produzindo estudos sobre este objeto com os mais diferentes recortes e
fontes, nos quais se revelam possibilidades analíticas promissoras sobre o
Renascimento. No Brasil esta é uma área que está sendo explorada com pesquisas
que problematizam o corpo a partir de diversas perspectivas, dentre elas a questão
da beleza, da higiene, da saúde, entre outros. Contudo, a problematização do corpo
como um objeto de estudo no Renascimento é uma área pouco abordada pela
historiografia brasileira, de forma que esta pesquisa se mostra como uma
oportunidade de inserir esta discussão no debate histórico.
No Renascimento o aprendizado sobre o corpo foi em grande parte formado
pela cultura visual, pela produção das imagens, haja vista o início de um novo
método de observação direta dos objetos de estudo que começava a se sobrepor
paulatinamente à leitura de textos consagrados da Antiguidade. Isto não significa
que os clássicos e as referências conceituais do Medievo fossem abandonados, mas
foi notável a valorização da informação visual. Desta forma observa-se a
multiplicação de pranchas anatômicas, esboços, moldes tridimensionais, entre
outros, que possibilitassem o estudo do corpo a partir da percepção visual.
Outro aspecto importante que esta pesquisa busca problematizar é a visão
naturalizada que se tem do corpo humano, como se este objeto tivesse sido
percebido da mesma forma ao longo do tempo. Este aspecto pode ser percebido,
por exemplo, ao se estudar a literatura que trata do conhecimento médico e também
sobre aspectos culturais da sociedade, onde o corpo, quando citado, é tratado como
objeto passivo, apenas um receptáculo de práticas de diversas naturezas. Esta visão
não problematiza o corpo como um objeto ativo dentro dos diferentes contextos
sócio-históricos, diretamente ligado às práticas onde os indivíduos expressam
11
emoções e sensações, como parte de um processo de construção subjetiva e de
inserção social. A partir da crítica a esta forma de entender o corpo, podemos
questionar uma explicação totalizante do corpo, tendo em vista a variação de
relações e interpretações que cada indivíduo e sociedade fazem sobre si mesmos e
sobre o mundo.
Desta forma, os estudos de anatomia humana produzidos por da Vinci e
Vesalius são de grande importância para esta discussão, pois o material elaborado
por eles demonstra uma preocupação em situar o corpo espacialmente, explorando
diversos recursos para dotar a representação, seja ela uma gravura ou um desenho
a giz, de dramaticidade e de mobilidade. Os corpos reproduzidos nestes estudos,
apesar de representarem cadáveres, nem de longe passam uma impressão de
morbidez e passividade, pelo contrário, neles podemos identificar vários elementos
que relacionamos ao contexto, como a dignidade do homem, o controle do corpo e a
intenção de representar o real.
A primeira etapa da pesquisa consistiu em um levantamento bibliográfico
sobre o período com a preocupação de embasar o conhecimento sobre o contexto
em que estes estudos foram elaborados. A partir destas leituras é possível conhecer
os métodos empregados para se estudar o corpo humano – para fins anatômicos e
artísticos – bem como analisar estudos produzidos no período, tanto a respeito do
homem, como também de anatomia e pintura, para entender porque se procurou
representar o corpo de forma mais realista, além de revisar a literatura que trata dos
estudos sobre o corpo.
Neste sentido, recorremos à obra de Jacob Burckhardt, A cultura do
Renascimento na Itália1, um ensaio a respeito dos aspectos culturais e políticos da
Itália renascentista, para auxiliar na compreensão deste período. É desta obra que
extraímos referências a respeito da questão da valorização do indivíduo, concepção
importante para esta pesquisa.
Tendo em vista que um dos objetivos é relacionar arte e ciência no
quattrocento e no cinquecento, é de fundamental importância refletir historicamente
sobre estas duas áreas do conhecimento. Para tratar a respeito dos estudos de
anatomia e também sobre suas relações com a pintura, nos apoiamos no livro de
1 BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia da Letras,
2009.
12
Deanna Petherbridge e Ludmila Jordanova, The Quick and the Dead2, no qual as
autoras abordam temas relacionados à anatomia e às construções culturais do corpo
a partir de imagens produzidas por artistas e anatomistas dentro deste complexo
campo da representação e significação do corpo humano.
Nossa discussão a respeito da arte renascentista é pautada principalmente
nas obras de Ernst H. Gombrich, A História da Arte3, no qual o autor desenvolve
uma extensa descrição e análise sobre a arte em diversos períodos. São deste
autor, ainda, alguns conceitos primordiais para a análise das nossas fontes, tais
como a questão do progresso artístico, da ilusão de realidade e da correção do real,
que consideramos a partir da leitura de Arte e Ilusão4, onde o autor se dedica a
estudar a psicologia da representação imagética, e de Norma e Forma5, no qual
Gombrich relaciona o contexto da Renascença à produção artística deste período. A
respeito da arte renascentista também consultamos a obra O projeto Renascimento,
de Elisa Byington6, que faz uma interessante análise sobre o tema, tendo em vista o
contexto em que os artistas estavam inseridos. Para aprofundar a questão sobre a
formação dos ofícios de anatomia e de pintura, bem como para análise de contexto,
nos apoiamos na leitura de O Renascimento Italiano: Cultura e sociedade na Itália,
de Peter Burke7.
Para a análise das fontes foi de fundamental importância também a leitura do
Esboço Biográfico sobre Andreas Vesalius8 realizado por J. B. DeC. M. Saunders e
Charles D. O’Malley presente na obra De Humani Corporis Fabrica9, de Andreas
Vesalius. Já com relação ao material elaborado por da Vinci, utilizamos
principalmente o livro Leonardo da Vinci10, de Gabriel Séailles, que analisa o
processo epistemológico do fazer artístico de Leonardo, com base em esboços,
pinturas e pranchas de anatomia, bem como nos estudos de perspectiva e de novas
técnicas e métodos.
2 JORDANOVA, Ludmila. PETHERBRIDGE, Deanna. The Quick and the Dead. Berkeley: University of
California Press, 1997. 3 GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000, 16ª edição. 4 GOMBRICH, Ernst. Arte e Ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 5 GOMBRICH, Ernst. Norma e Forma. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 6 BYINGTON, Elisa. O projeto Renascimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. 7 BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: Cultura e sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria,
1999. 8 SAUNDERS, J. B. DeC. M. e O’MALLEY Charles D. Esboço Biográfico sobre Andreas Vesalius. In:
VESALIUS, Andreas. De humani corporis fabrica. Campinas: Editora. Unicamp, 2003. 9 VESALIUS Andreas. De humani corporis fabrica. Campinas: Editora Unicamp, 2003. 10 SÉAILLES, Gabriel. Leonardo da Vinci. Nova York: Parkstone Press International, 2010.
13
A metodologia de análise imagética utilizada na descrição e análise das
fontes é a da abordagem tríplice, proposta pelo historiador Artur Freitas e retirada do
artigo História e imagem artística: por uma abordagem tríplice11, na qual se busca
estabelecer uma relação entre o conhecimento histórico e a história da arte e suas
diferentes perspectivas analíticas. Este método visa a compreensão da obra em três
dimensões: a formal – que abrange a esteticidade do visual e nos permite identificar
e compreender os signos representados; a social – análise de contexto, tendo em
vista a história material da imagem, suas condições de produção e suas recepções
e; a semântica – que dá conta das interconexões com as demais representações
culturais de determinado período.
Sobre a problematização histórica do corpo, recorremos à coleção História do
Corpo12, organizada por Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello,
composta por três volumes, 1. Da Renascença às Luzes; 2. Da Revolução à Grande
Guerra e; 3. As Mutações do olhar. O Século XX. Apesar de apenas o primeiro
volume se referir ao recorte temporal onde se inserem as fontes selecionadas, a
leitura dos outros volumes se mostra interessante para aprofundar o referencial
teórico desta pesquisa. Utilizamos igualmente diversos autores que trataram deste
tema, direta ou indiretamente, como Denise Sant’Anna13, Norbert Elias14, Claudine
Haroche15, entre outros, além de outros estudos de Courtine, de Vigarello e de
Corbin que não constam na coleção acima referida.
Esta monografia está dividida em três capítulos. No primeiro, intitulado “O
Corpo Renascentista: Ideal de Perfeição”, tratamos do contexto da produção destas
imagens, abordando principalmente a questão da valorização do indivíduo, bem
como os processos de produção do conhecimento. Enfatizamos o ambiente de
valorização do conhecimento sobre o humano e ainda de uma nova postura frente
ao mundo e à natureza. Destacamos, também, a atuação dos humanistas neste
processo de valorização do sujeito, tanto pela fé, como pelo uso da razão. Neste
capítulo buscamos ainda discutir o referencial teórico da História do Corpo,
11 FREITAS, Artur. “História e imagem artística: por uma abordagem tríplice”. Estudos Históricos. Rio
de Janeiro, n. 34, jul-dez/2004. 12 CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Gorges. História do corpo: Da
Renascença às Luzes. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2008. 13 SANT’ANNA, Denise. “É possível realizar uma história do corpo?”. In SOARES, Carmen. Org.
Corpo e história. Campinas: Editora Autores Associados, 2001. 14 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 15 HAROCHE, Claudine. Da palavra ao gesto. São Paulo: Papirus, 1998.
14
estabelecendo sua área de atuação e objeto de estudo, relacionando esta discussão
ao contexto pesquisado.
No segundo capítulo, “Cultura de Ateliê e da Universidade na Produção do
Conhecimento sobre o Homem”, procuramos compreender especificamente a
anatomia e a pintura no contexto do Renascimento, analisando os processos
formativos destes ofícios bem como seu significado social. Desta forma, discutimos
como os estudos e práticas a respeito do corpo desenvolvidos pela pintura e pela
anatomia estavam em consonância com os ideais humanistas discutidos no capítulo
anterior. Neste segundo capítulo também elaboramos um esboço biográfico de
Vesalius e de da Vinci, destacando seus estudos e os processos de formação do
ofício de cada um.
O terceiro e último capítulo, intitulado “O Corpo em Perspectiva”, trata da
descrição e da análise das fontes, tendo em vista a metodologia da abordagem
tríplice. Desta forma fizemos primeiro uma discussão a respeito deste método de
análise onde explicamos a particularidade das fontes produzidas por Leonardo e
Vesalius. Para isto, descrevemos separadamente cada imagem buscando identificar
seus elementos constitutivos. Em seguida, analisamos o conjunto de fontes de cada
autor separadamente e depois comparamos os resultados, de forma e perceber
aproximações e distanciamentos.
Ao longo desta monografia, portanto, procuraremos demonstrar a importância
destes dois estudiosos para a nascente ciência moderna, tendo em vista a
preocupação em seguir um método rigoroso de estudo, baseado na observação
prática e na repetição para construir determinado conhecimento e ainda colocá-lo à
prova, através da repetição destas observações.
15
CAPÍTULO 1
O CORPO RENASCENTISTA: IDEAL DE PERFEIÇÃO
“Muitas são as maravilhas do mundo/
E nenhuma tão maravilhosa quanto o homem.”
Antígona , Sófocles
Neste capítulo vamos tratar do Renascimento procurando compreender os
elementos sociais que permearam os processos de elaboração das pranchas
anatômicas de Andreas Vesalius e de Leonardo da Vinci. Nosso ponto de partida
será a discussão sobre a concepção renascentista de dignidade humana e de
valorização do indivíduo, estabelecendo uma relação entre estes conceitos e os
ideais humanistas de desenvolvimento da razão como forma de ação positiva no
mundo.
Outra questão discutida neste capítulo é o delineamento deste campo
conhecido como História do Corpo. Buscamos inserir a discussão sobre o corpo no
contexto delimitado pelas fontes desta pesquisa, de forma a relacionar os ideais
renascentistas de perfeição corporal com a produção intelectual e artística
propiciada pelos estudos de anatomia.
1.1 O HOMEM NO MUNDO E NA NATUREZA
Quando se estuda o Renascimento não se pode relevar a intenção explícita
dos pensadores e escritores da época em estabelecer uma relação de continuidade
com a Antiguidade Clássica. De fato, “Renascimento” sugere uma continuação de
algo que já aconteceu, um ressurgimento. Esta palavra foi empregada por sugerir
uma repetição de uma época considerada como representante do mais elevado
espírito criativo no conhecimento, nas artes e nas letras. A palavra foi utilizada
também com um sentido de oposição à época imediatamente anterior e com uma
conotação que indicava um estatuto inferior à Idade Média. Cabe ressaltar,
entretanto, que este estudo procura compreender a Renascença como um período
de grande diversidade cultural no qual se destaca uma nova postura em relação ao
16
conhecimento e também ao indivíduo, sem adotar uma visão hierárquica e
dicotômica entre épocas históricas ou culturas.
Ernst Gombrich16 aponta para a facilidade com que se exagera esta dicotomia
entre Medievo e Modernidade mas, afora definições apressadas em que se busca
diferenciar o Renascimento e principalmente a arte produzida no Medievo, o
historiador que se dedica a estudar este período pode identificar alguns elementos
de transição e de ruptura entre os dois períodos. A partir de discussões sobre
história do corpo, da arte e da ciência, pode-se observar claramente uma
transformação na forma dos indivíduos perceberem a sociedade em que estavam
inseridos, como demonstram os diversos estudos elaborados neste período, que
procuravam entender o lugar do homem no mundo e na natureza.
No Renascimento ocorre um fenômeno de apropriação cultural em relação à
Antiguidade. A tradição clássica era utilizada como referência, tanto nas obras como
também nos métodos de trabalho (exemplo da arte de característica naturalista).
Neste sentido os elementos clássicos foram empregados em conjunto com ideais e
conceitos modernos. A pintura é um exemplo dessa relação entre passado e
presente, fortemente influenciada pela tradição cristã trabalhou com o tema do lugar
do homem na natureza e a relação do humano com o divino. Em pinturas e gravuras
renascentistas podemos observar um estilo clássico de retratar o ser humano, mas
também a presença de signos religiosos cristãos.
Outro aspecto que observamos é a presença de elementos da natureza na
composição de representações artísticas. A vegetação e os animais não aparecem
apenas para compor o fundo de uma imagem, mas para demonstrar a técnica do
artista. Percebemos assim que todos os elementos da pintura eram estudados para
que a composição final fosse dotada de harmonia. De fato, a natureza não aparecia
somente como acompanhamento em uma imagem, como elemento agregador de
harmonia. Neste período houve uma popularização do gênero de pintura de
paisagem, onde artistas representavam a natureza sem se preocupar em colocar
pessoas ou construções feitas pelo homem. Um grande exemplo de artista que se
dedicou a este estilo foi Dürer, que criou famosas aquarelas topográficas17 (Fig. 1).
16 GOMBRICH, “Norma...” Op. Cit. p. 5. 17 Idem, pp. 142-143.
17
(Figura 1 – Ervas, Albrecht Dürer, 1503)
Gombrich18 chama a atenção para o fato de que a arte passou a suscitar um
sentimento de fascinação por possibilitar a representação não apenas das histórias
sagradas, mas também de fragmentos do mundo real. Assim sendo, percebe-se um
desejo de realizar experiências e de buscar novos efeitos de representação. É
importante ressaltar esta obsessão pela representação perfeita, pois é neste
contexto que vemos os minuciosos estudos sobre a anatomia do corpo humano com
a finalidade de se criar uma imagem muito parecida com a que os olhos viam. Este
princípio norteava o processo de formação dos ofícios de pintura e de anatomia, que
muitas vezes se confundiam podendo até ser exercidos pela mesma pessoa.
Burckhardt discute a questão da valorização da imagem e do corpo ocorrida
no período renascentista, demonstrando que ocorreu um desvelamento do homem e
do mundo, bem como o que ele denomina de emergência do indivíduo:
[...] esse período desenvolve ao máximo o individualismo, conduzindo-o, a seguir, ao mais diligente e multifacetado conhecimento do indivíduo, em todos os níveis. O desenvolvimento da personalidade vincula-se, essencialmente, a seu reconhecimento em si próprio e nos outros.19
18 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. 19 BURCKHARD,. Op. Cit., p. 282.
18
No período renascentista atribuiu-se um valor ao sujeito também por sua
sensibilidade. Era através dela que o homem percebia a grandiosidade da natureza,
que passou a ser valorizada paulatinamente em função da sua utilidade para o
homem. A natureza também não despertava mais o medo, mas sim uma atração
respeitosa por ser uma criação de Deus. O homem, por sua vez, deixou de ser visto
apenas como um pecador que só conhecia o mal. Ele passou a ser encarado como
uma criatura passível de se aperfeiçoar através do uso da razão e da fé.
Um sinal dessa valorização do indivíduo está no fato de se difundir, nesta
época, uma literatura de caráter biográfico e autobiográfico, que ressaltava as ações
da pessoa sobre a qual se escrevia. Foi neste período também que os pintores
começaram a assinar suas obras. Ainda na pintura surgiram os retratos e auto-
retratos. Houve toda uma preocupação em se preservar a memória, que é única e
singular. Ressaltamos que essa valorização foi resultado de um desejo de
conhecimento, tanto da natureza, quanto do ser humano.
Peter Burke discute o conceito de individualismo artístico no Renascimento
entendendo-o como uma indicação de que “tanto artistas como público estavam
interessados em estilos individuais”20 e aponta este elemento como um dos aspectos
que distingue o Renascimento da Idade Média. Contudo, Burke afirma que este
individualismo “só emergiu muito lentamente”21.
Prezava-se, ainda, o estudo do rosto – chamado fisiognomonia – pois se
acreditava que era possível conhecer o caráter das pessoas a partir de marcas ou
características da face. Como Claudine Haroche e Jean Jacques Courtine nos
mostram, neste período
(...) o rosto está no centro das percepções de si, da sensibilidade a outrem, dos rituais da sociedade civil, das formas do político. [a fisiognomonia] É um conhecimento antigo que, no entanto se reveste de uma tonalidade nova.22
e era usado para se conhecer o invisível através do visível. Esse conhecimento
procurava entender o que cada rosto expressava, mas não como havia sido feito até
então (com a intenção de se conhecer o futuro) e sim de conhecer o que se
escondia por trás daquela fisionomia.
20 BURKE, Op. Cit., p. 34. 21 Idem, p. 81. 22 COURTINE, Jean Jacques; HAROCHE, Claudine. História do rosto. Exprimir e calar as suas
emoções (do século XVI ao início do século XIX). Lisboa: Editorial Teorema, 1995, p.7
19
Doravante o indivíduo surge indissociável da expressão singular de seu rosto, tradução corporal de seu íntimo. Mas por outro lado este mesmo movimento que o incita a exprimir-se, ordena-lhe ao mesmo tempo que se apague, que mascare esse rosto, que encubra essa expressão. [...] Exprimir-se, calar-se; descobrir-se, mascarar-se: estes paradoxos do rosto são os do indivíduo.23
Percebe-se que havia uma preocupação com o que era revelado ao outro e
também com o que era ocultado. Através do controle do corpo, do comportamento e
dos sentimentos se revelavam qualidades cada vez mais privilegiadas pela
sociedade, como o refinamento dos modos e demonstração de cultura letrada, e se
mascaravam os atributos e comportamentos que não eram bem vistos.
Conforme Norbert Elias24, este controle foi introjetado por meio de uma
construção histórica e social de costumes e valores. Através do controle corporal o
indivíduo podia expressar quem ele era, sua posição social, sua educação. Essa
preocupação ocorria devido a uma necessidade de se diferenciar dos demais. Assim
o sujeito poderia mostrar qual era o seu lugar naquela estrutura social muito bem
delimitada. A necessidade de se controlar perante o outro surgiu em função da
organização da sociedade de corte, marcada por um intenso convívio social.
Percebemos, então, a emergência de um indivíduo que sabia se adequar ao
ambiente em que estava inserido, sabendo agir, conversar e se portar, ou seja, que
demonstrava ter um alto controle sobre si e seu corpo. Segundo Elias nas
sociedades de corte as pessoas passavam mais tempo em companhia uma das
outras. Com isso, foi necessário calcular minuciosamente as palavras e os gestos na
presença dos outros. Haroche e Courtine nos mostram que aquele que se adequava
a esta exigência social recebia reconhecimento de seus pares e era percebido como
um ser civilizado:
O aparecimento e o desenvolvimento da noção de civilidade, a sua estreita associação com a educação da linguagem (compreendida no sentido lato de linguagem do corpo, do gesto e do rosto tanto como da palavra) e um domínio de si mesmo são, portanto prova de uma profunda transformação do vínculo social.25
23 COURTINE e HAROCHE, Op. Cit., p.8 24 ELIAS, Op. Cit. 25 COURTINE e HAROCHE, Idem, p.21.
20
Podemos perceber essa preocupação com o convívio social em obras
literárias da época como “O Cortesão”, de Baldasare Castiglione, escrito em 1528,
que é um verdadeiro código de polidez e de elegância dirigido aos nobres, e
“Galateo ou Dos Costumes”, escrito em 1558 por Giovanni Della Casa, na qual o
autor se propõe a registrar os modos considerados dignos para se viver em
sociedade, utilizando o recurso da sua própria experiência. Nesses livros buscou-se
ensinar e instruir a respeito dos bons comportamentos, dos costumes e das novas
formas mais intensas de sociabilidade.
Muitos manuais que ensinavam a maneira correta de se portar para agradar
ao próximo foram publicados especialmente a partir do século XVI em função de
haver um público leitor interessado em se adequar aos padrões de conduta social.
Um importante representante destes manuais é o livro “De civilitate morum
puerilium”, de 1530, escrito pelo humanista Erasmo de Rotterdam. Segundo Elias,
no já citado “O Processo Civilizador”, este manual teve forte contribuição para
educação e o desenvolvimento da noção de polidez na época. Neste livro Erasmo
ensina como os indivíduos deviam se portar em público, qual postura, quais gestos,
o vestuário e as expressões faciais mais adequados à vida em sociedade, ou seja,
escreveu um tratado de conduta humana26. Nessa mesma obra, o humanista
ressalta a diferença de hábitos como um sinal de distinção que separa a classe alta
da classe baixa. Sua obra deu um novo impulso a um conceito que estava entrando
em voga na época, o de civilitas. Percebemos, desta forma, a importância dada ao
autocontrole, tanto sobre as emoções, como também do corpo e do comportamento.
Outro aspecto que também foi influenciado pelos clássicos era a ideia de
beleza. O que era considerado belo estava muito bem descrito e delimitado,
havendo uma distinção bastante clara entre o que era digno de ser representado
como ideal. É claro que os artistas deste período em sua busca incansável pela
técnica faziam estudos de representações do que se considerava feio, mas havia um
imaginário muito bem construído sobre os elementos que deveriam compor uma
obra de arte que precisasse demonstrar graça e beleza. Comparando obras da
Antiguidade e do Renascimento percebemos uma grande semelhança nas feições
retratadas como belas, por exemplo, as diversas representações de Vênus feitas
26 Faz-se necessário dizer, que segundo Elias, desde a Idade Média havia algumas publicações
acerca do comportamento humano escritos, sobretudo, por religiosos. Esta não é, portanto, uma criação moderna. Erasmo por sua vez, como típico humanista, se apropria de muitas regras de convivo da Idade Media, mas cria algo novo.
21
durante as duas épocas. Gombrich comenta o famoso quadro de Botticelli, “O
nascimento da Vênus” (Fig. 2), de 1485, no qual o artista utiliza diversas referências
clássicas na composição da tela, como o fato de os antigos costumarem representar
esta deusa surgindo do mar27.
(Figura 2 – O nascimento de Vênus, Sandro Botticelli, c.1485)
A apropriação cultural, contudo, não foi praticada somente nas artes visuais.
Os humanistas valorizavam os studia humanitatis, prezavam a retórica, a escrita, a
poesia e a filosofia e a história, todos conhecimentos herdados da Antiguidade
Clássica. Pico Della Miràndola28 utilizou muitas fontes deste período para discorrer
sobre a dignidade do homem. Erasmo de Rotterdam também citou muitas fontes da
tradição clássica em seu livro “O Elogio da Loucura”29. Thomas More30 se baseou na
República de Platão para criar um lugar perfeito, mas criou um gênero de escrita
completamente novo: o modelo utópico. Podemos caracterizar o humanismo pelo
enaltecimento da razão e pela valorização da palavra, da representação e da ética.
Esses valores, compartilhados com a tradição clássica, eram considerados
importantes para o aperfeiçoamento do ser humano.
27 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. pp. 263-264. 28 DELLA MIRÀNDOLA, Pico. A dignidade do Homem. Coleção Grandes Obras do Pensamento
Universal. São Paulo: Editora Escala, s.d. 29 ROTTERDAM, Erasmo de. O Elogio da Loucura. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril
Cultural, 1972. 30 MORE, Thomas. A utopia. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1972.
22
Para entender melhor a importância de Pico Della Miràndola, podemos nos
basear em sua concepção de que, para ser um homem apto a “agir no mundo”, era
necessário ter um conhecimento de caráter pluralista e que conhecesse a fundo as
diferentes áreas do conhecimento, participando da vida pública de forma ativa. Se o
homem não fosse capaz de aplicar seus conhecimentos para melhorar o lugar em
que vivia, sua sabedoria não teria utilidade nenhuma.
Outra importante característica do humanismo renascentista eram as redes
de amizade. Através da troca de correspondências os humanistas estabeleciam um
rico intercâmbio de ideias e valores. Erasmo de Rotterdam e Thomas More eram
amigos e se correspondiam. Ambos foram educados numa tradição humanista e
acreditavam na possibilidade de aperfeiçoamento do homem através do uso da
razão e da fé. Para estes humanistas o conhecimento humano deveria ser aplicado
no mundo, com o sentido de melhorá-lo. Ao observarem as sociedades em que
viviam, percebiam profundos problemas, tanto sociais quanto morais. Ambos
valorizavam o papel do filósofo junto aos governantes, pois, para eles o humanista
era aquele que deveria conduzir os príncipes num modelo de perfeição baseado nos
preceitos divinos. Erasmo e More, porém, não foram ingênuos a ponto de pensar
que a conduta dos governantes era perfeita. Sabiam que estes agiam de acordo
com as suas ambições, o que criava um espaço para a corrupção. Erasmo
denunciava o afastamento dos valores cristãos que deveriam pautar a vida das
pessoas. Afirmava que os nobres só desejavam riquezas para benefícios pessoais e
extravagantes, ao invés de se dedicarem a uma vida em Deus. More, por sua vez,
criticava com maior ênfase as injustiças decorrentes de uma sociedade corrupta
onde os interesses individuais se sobrepunham ao bem comum.
A partir desta contextualização percebemos que a valorização do indivíduo e
dos conhecimentos produzidos sobre o ser humano, tanto sobre questões espirituais
como sobre o próprio corpo, foram determinantes para o aperfeiçoamento da
representação do homem e do mundo. Procurava-se desvendar os mistérios do
corpo para se entender o seu funcionamento. Nas artes, com a elevação do status
do artista, buscava-se sempre a superação, estudando minuciosamente os detalhes
do corpo para compreender quais eram os elementos fundamentais para uma
representação perfeita e natural que mais se parecesse com o que os olhos viam.
23
Desta forma, podemos afirmar que houve uma busca pela perfeição representativa,
ou, nas palavras de Gombrich31, pela conquista da realidade.
1.2 HISTÓRIA DO CORPO
Ao se fazer uma história do corpo é preciso levar em consideração que o
corpo foi problematizado de diferentes formas ao longo do tempo. Ele se tornou um
objeto político e também foi usado para delimitar o que é o normal e o que está fora
do padrão. Através do corpo são obtidas as primeiras impressões sobre alguém,
sempre imbuídas de valores pré-concebidos e construídos culturalmente.
Conforme Corbin, Courtine e Vigarello nos esclarecem no prefácio da coleção
História do Corpo, esta área do conhecimento trabalha com o mundo dos sentidos,
com o que se relaciona, tanto física como abstratamente ao corpo humano. Desta
forma, a pertinência do estudo desta temática reside no fato de que, conforme
mudam as relações e experiências humanas mudam também as relações e
entendimentos sobre o corpo. A partir da história do corpo, portanto, é possível
compreender de que forma se dão as representações deste objeto em determinados
contextos32.
Denise Sant’Anna33 diz que a História do Corpo busca compreender como as
diferentes sociedades ao longo do tempo elaboraram formas de lidar com o
desconhecimento sobre o próprio corpo, seja através de explicações místicas ou
sobrenaturais, seja por processos introspectivos. A partir da busca pelo
conhecimento deste objeto, foram criados recursos para o controle e manutenção
dos corpos.
Neste sentido, um dos objetivos da História do Corpo é entender as
representações do corpo em diferentes culturas. Para Roger Chartier, a
representação é um instrumento central de análise cultural, pois o referente
significado assume determinados papeis nesta sociedade34, possibilitando a
31 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p.223. 32 Cf. CORBIN, COURTINE e VIGARELLO, Op. Cit. 33 SANT’ANNA, Op. Cit. 34 CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. In: Estudos Avançados, vol.5 n.º11, São Paulo,
Jan/Abr 1991.
24
compreensão de comportamentos individuais e coletivos. É necessário levar em
consideração, porém, que há uma distância entre o objeto representado e seu
correspondente real. Deve-se observar, portanto, quais os filtros que permearam o
processo de produção da representação. O corpo assume, desta forma, uma série
de significados, de acordo com suas referências interpretativas, que são variáveis de
acordo com os contextos sócio-históricos.
Desta forma, a História do Corpo questiona a visão naturalizada que se tem
do corpo humano, como se este objeto tivesse sido percebido de maneira inalterada
ao longo do tempo. Este aspecto pode ser percebido, por exemplo, ao se estudar a
literatura que trata do conhecimento médico e também de aspectos culturais da
sociedade, onde o corpo, quando citado, é tratado como objeto passivo, apenas um
receptáculo de práticas de diversas naturezas. Esta visão não problematiza o corpo
como um objeto ativo dentro dos diferentes contextos sócio-históricos, diretamente
ligado a práticas onde os indivíduos expressam emoções e sensações, como parte
de um processo de construção subjetiva e de inserção social. A partir da crítica a
esta forma de entender o corpo, podemos problematizar uma explicação abrangente
e plural deste objeto, tendo em vista a variação de relações e interpretações que
cada indivíduo faz sobre si mesmo e sobre o mundo.
O corpo tem tido importância central na representação artística ocidental, em
grande parte baseada em estudos de dissecações anatômicas que foram realizados
ao longo do processo histórico, com maior ou menor grau de aceitação da
sociedade35. O fato de ser uma prática limitada e escondida variou conforme a
região e os aspectos culturais das diferentes sociedades. O ato de realizar um
procedimento invasivo em um corpo, seja por uma cirurgia ou pela dissecação, foi
cercado de tabus, com importante apelo no imaginário coletivo.
Na Idade Moderna o corpo era cercado por uma mística na qual se
misturavam medo e fascínio. Neste período a busca pelo conhecimento levou a um
grande interesse por se desvendar os mistérios do corpo humano, procurando
explicações racionais para o seu funcionamento. Houve uma grande difusão de
estudos de anatomia pelas universidades e também pelos círculos de
correspondência desde meados do século XV. De fato, conforme Saunders e
O’Malley demonstram, o interesse pelos estudos deste objeto levou a que as
35 Cf JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit.
25
universidades disponibilizassem corpos para que os estudantes de medicina
estudassem a partir de observações e não apenas através de gravuras. A
disponibilidade de corpos para estes estudos, contudo, era limitada, o que fazia com
que muitos anatomistas roubassem corpos de prisioneiros condenados à morte e
que eram deixados como exemplo nas estradas36.
As dissecações foram reproduzidas em desenhos nas pranchas anatômicas
para servir de recurso didático, tanto para alunos de medicina, como também para
auxiliar no preparo dos aprendizes de pintura e escultura. Estes manuais de
anatomia eram concebidos como verdadeiros “mapas” do corpo, organizados de
acordo com ideais filosóficos37, desta forma, podemos perceber que estas pranchas
apresentam elementos que vão além da simples representação fiel do objeto
representado, compostos por elementos que possibilitam uma reflexão a respeito da
relação com aspectos daquela sociedade38.
Na maioria das vezes quem realizava as dissecações eram os auxiliares do
anatomista mestre, pois devemos levar em consideração que no período não se
considerava o trabalho manual como uma atividade digna. As dissecações eram
feitas em anfiteatros como verdadeiros espetáculos nos quais o corpo ficava em
posição de destaque. O anatomista mestre ditava a explicação enquanto seu auxiliar
ia realizando as incisões39.
No entanto, alguns anatomistas dispensavam a presença do auxiliar e
realizavam pessoalmente as dissecações, acreditando que desta forma construiriam
um conhecimento mais sólido sobre o corpo. É o caso de Andreas Vesalius, cujos
estudos foram fontes para esta pesquisa. Vesalius foi o autor de um dos mais
importantes livros de anatomia do Renascimento40, sendo até hoje referência para
os estudos sobre representação do corpo. Para este anatomista era importante
trazer para os livros gravuras que tivessem uma grande semelhança com a
realidade, pois para ele e para muitos de seus contemporâneos o conhecimento se
realizava a partir da percepção visual, portanto, o objetivo das pranchas anatômicas
era dar a ver no papel o que se observava na mesa de dissecação. 36 Cf SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit. 37 JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit., p.63. 38 Podemos citar como exemplo a Gravura 21 (fonte A), do livro De humani corporis fabrica, de
Andreas Vesalius, que apresenta o estudo do esqueleto humano. Esta prancha, além de seu imediato caráter pedagógico, ainda faz uma representação da dança macabra, fortemente presente no imaginário da época.
39 SAUNDERS e O’MALLEY, Idem. 40 VESALIUS, Op. Cit.
26
A presença de artistas durante as dissecações era corrente e importante, pois
eram eles os responsáveis por ilustrar as pranchas anatômicas. Apenas nos casos
de desenhos mais simples ou quando o anatomista tinha habilidades artísticas, o
artista era dispensado. Este é o caso de algumas pranchas de Vesalius, mais
especificamente as gravuras referentes ao sistema circulatório.
Os artistas muitas vezes aproveitavam as dissecações em anfiteatros para
realizarem suas observações. Aqueles que não conseguiam estar presentes, porém,
se valiam de livros-textos contendo ilustrações, além de estudarem a partir da
observação de modelos vivos, que posavam nus, ou ainda moldes tridimensionais
de partes humanas esculpidas em diferentes materiais. Esses modelos eram
visualizados e representados de diferentes ângulos para possibilitar uma
compreensão de como preencher um determinado espaço em um desenho ou numa
pintura.
Contudo, da mesma forma como alguns anatomistas realizavam as próprias
dissecações em estúdios privados, alguns artistas também realizavam esta prática,
como Michelangelo e Leonardo da Vinci. Estes “artists-anatomists”, na expressão
usada por Jordanova e Petherbridge41, contribuíram para as emergentes ciências do
corpo. Estes artistas deixaram uma grande quantidade de material contendo
esboços, anotações e observações sobre o corpo humano, bem com sobre a
representação de outros elementos da natureza, como animais e vegetais.
Leonardo, inclusive, fez grandes contribuições ao criar novos métodos para a
dissecação e representação dos corpos observados42.
Percebemos, desta forma, a importância dos estudos de anatomia para o
Renascimento, não apenas para as artes e a sua busca pela representação perfeita
da realidade, mas também para se compreender o funcionamento do corpo, pois se
trata de um período em que o conhecimento sobre o mundo é muito valorizado. Em
nossa investigação procuramos observar nas gravuras as conexões entre as
convenções pictóricas e os desenhos de anatomia43, de forma a tentar achar
soluções para problemas de representação, por exemplo, a obsessão artística e
anatômica pela proporção perfeita e pela impressão de movimento44.
41 JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit., p.8. 42 Idem, p.44. 43 Idem, p.64. 44 Idem, p.76.
27
É importante, contudo, estar atento a conceitos como realidade, realismo e
ideal. No Renascimento o que ocorreu foi uma busca por representar a aparência do
real, ou seja, representar as coisas conforme elas nos aparentam e não
necessariamente como elas são. Desta forma, um artista poderia deliberadamente
não utilizar as proporções exatas do corpo que ele estava ilustrando, desde que o
resultado final fosse mais harmonioso e agradável ao olhar. Gombrich dá um grande
exemplo desta distinção entre real e ideal analisando o já citado quadro de Botticelli,
O nascimento da Vênus. Um olhar mais atento revela que as proporções da deusa
não podem corresponder a uma imagem real do corpo humano. Alguns detalhes
como o tamanho do pescoço, a articulação dos braços com o tronco e a posição dos
ombros revelam que o artista teve que recorrer a uma forma de representar o corpo
feminino distante da realidade a fim de garantir que a deusa apresentasse traços
harmoniosos45. A partir da análise desta imagem podemos entender que a aparência
e a harmonia eram elementos muito importantes para aquele período, tendo em vista
que Botticelli sacrificou uma representação de proporções perfeitas da deusa em
nome da graciosidade.
1.3 O CORPO NA MODERNIDADE
Como vimos, na Modernidade o corpo é compreendido por dispositivos que
estão além da influência de planetas ou de forças ocultas. Não que esta forma de
perceber o mundo tenha desaparecido, mas se percebe um “desencantamento” nas
formas de se processar o conhecimento a partir dos crescentes estudos produzidos
com o intuito de decifrar os segredos da natureza. Podemos dizer que na
Renascença o “corpo se singulariza”46, ou seja, tudo o que o corpo expressa, como
dor, alegria, medo, entre outros, passa a ser explicado a partir do próprio corpo,
como uma reação a um estímulo externo. Desta forma, explica-se a necessidade de
se estudar a ação do homem no mundo e vice versa. Dentro desta perspectiva, os
estudos de anatomia possibilitavam um olhar diferenciado sobre o corpo, permitindo
uma análise mais atenta aos detalhes da anatomia e do funcionamento corporal.
45 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit., p.264. 46 CORBIN, COURTINE e VIGARELLO, Op. Cit., p. 16.
28
Percebemos que surge uma demanda por uma representação pictórica que
acompanhasse essas mudanças na forma de entender o homem e seu corpo, o que
faz com que a sua forma de representação se modificasse.
Partindo desta discussão sobre o conceito de homem e sua sede de
conhecimento e também sobre a arte renascentista observa-se que o corpo se torna
um objeto do olhar neste período. Uma interpretação que procuramos demonstrar é
que com a emergência do indivíduo se deu, também, uma valorização do
conhecimento sobre o homem, em função da qual diversos estudos de anatomia
foram realizados a fim de melhor perceber os detalhes do corpo, suas expressões e
ainda entender seu funcionamento, tanto para fins artísticos como também para a
produção do conhecimento médico. Muitos pintores recorriam à dissecação para
compreender os movimentos do corpo, principalmente através do estudo do
esqueleto e da musculatura (particularmente da musculatura superficial) procurando
entender como estas estruturas afetavam a forma, o movimento e a expressão do
corpo47.
Pode-se afirmar, portanto, que a arte da Renascença foi marcada pela busca
de uma representação fiel da natureza e do corpo humano que fizesse com que o
observador tivesse a impressão de estar vendo uma parte da realidade. Esta
concepção exigiu do artista um aprofundamento do conhecimento de variados
temas, como o estudo da perspectiva e da matemática, elaborando esquemas e
fórmulas com o objetivo de possibilitar uma exatidão representativa. No final do
século XV essa nova concepção estética estava muito bem definida, desta forma,
pode-se compreender porque diversos artistas tenham recorrido aos estudos
detalhados sobre o corpo humano a fim de alcançar um nível de representação o
mais naturalista possível.
A historiadora da arte Elisa Byington afirma que neste período ocorreu uma
“consciência da individualidade do artista”48 e que em função disto o valor das obras
de arte passaram a ser medidos pela habilidade e técnica do artista, e não mais
apenas pelos materiais utilizados na sua composição (por exemplo, se era feito com
materiais nobres, como o ouro e a prata, ou com recursos mais acessíveis). Um sinal
da ocorrência deste fenômeno está no fato de que artistas de diversas áreas
começaram a assinar suas obras. Na pintura, surgiram os retratos e auto-retratos,
47 Cf. JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit. 48 BYINGTON, Op. Cit., p. 42.
29
com toda uma preocupação em se preservar a memória, que era considerada única
e singular. Essa valorização demonstra um desejo de conhecimento, tanto da
natureza, quanto do ser humano.
Conforme demonstramos, a habilidade do artista era medida pela sua
capacidade de representação da realidade. Quanto mais a imagem passasse a
impressão de naturalidade, mais seu autor era admirado. Desta forma, tão
importante quanto a proporcionalidade da imagem, era a interação entre os seus
componentes, o que demandava um estudo minucioso dos movimentos do corpo e
de elementos da natureza, como a ondulação das águas de um rio e o balanço das
folhas de uma árvore pelo vento. Gombrich nos mostra que neste período houve
uma série de discussões e debates entre os artistas a fim de definir qual a melhor
forma de compor uma representação artística e que Leonardo da Vinci participou
ativamente desta discussão, deixando diversos escritos onde explica a importância
de se manter uma relação entre o movimento e a expressão do “estado de espírito
das criaturas que compõem seu quadro”49.
Outro aspecto muito importante para a consagração de um artista era a sua
habilidade de representar as expressões humanas, chamadas “afetos”50, que
deveriam demonstrar sentimentos com naturalidade e apropriados à situação em
que as figuras estavam colocadas. Encontramos neste aspecto um importante valor
renascentista extensamente trabalhado nos manuais de conduta discutidos
anteriormente, que é o da medida, pois os afetos deveriam se adequar à
necessidade da representação idealizada pelo artista e, portanto, não poderia estar
em falta ou em excesso.
A partir destes apontamentos podemos pensar o Renascimento como um
período em que houve um intenso ideal de aperfeiçoamento no sentido em que
aqueles que se ocupavam do problema de explicar o mundo procuravam sempre a
superação e a utilização do conhecimento para a melhoria da sociedade em que
viviam. Desta forma, podemos afirmar que, apesar da ideia de retorno ao passado
implícita na valorização da Antiguidade em detrimento ao Medievo, este período
nada teve de nostálgico, mas sim de uma vontade de superação em que as astúcias
do homem foram colocadas a serviço do progresso científico e artístico.
49 Leonardo da Vinci apud GOMBRICH, “Norma...” Op. Cit., p.77. 50 BYINGTON, Op. Cit., p. 41.
30
A historiografia atual busca desfazer a ideia de que houve uma drástica
ruptura entre estes dois períodos, pois encontramos elementos fundamentais para
se entender a Renascença muito antes do século XIV e percebemos aspectos de
continuidade entre a Idade Media e o Renascimento. Tomando este cuidado,
podemos estabelecer alguns fundamentos para se compreender a especificidade da
representação do corpo no início da Modernidade. A ruptura com a tradição
medieval de reprodução de corpos estáticos, a hierarquia entre as figuras
representadas, acarretando em personagens de tamanho diferente de acordo com a
importância social, e ainda a utilização de cores que não correspondiam às captadas
no ambiente pelo olho humano, são alguns destes fundamentos. A invenção de
novas técnicas, como a pintura a óleo, também contribuiu para que se modificassem
os métodos e os resultados, proporcionando uma nova forma de se perceber o
mundo.
Tendo em vista este novo modo de entender o homem podemos
compreender a importância dos estudos sobre o corpo realizados no Renascimento.
No próximo capítulo trataremos do status da arte e da ciência através da análise
biográfica dos dois autores cuja produção estudamos: Andreas Vesalius e Leonardo
da Vinci.
31
CAPÍTULO 2
CULTURA DE ATELIÊ E DA UNIVERSIDADE NA PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO SOBRE O HOMEM
“O gênio vive para sempre, tudo o mais é mortal”
Andreas Vesalius
Neste capítulo aprofundamos a discussão do contexto, tratando
especificamente das artes e da ciência no Renascimento. Para tanto analisaremos o
processo de formação destes ofícios bem como seu significado social, procurando
discutir de que forma os estudos e as práticas pertinentes a estas áreas do
conhecimento expressavam uma nova concepção sobre o corpo conforme
problematizada no capítulo anterior.
Este capítulo também é dedicado a um esboço biográfico de Vesalius e da
Vinci, destacando seus estudos e processos de formação, tendo em vista a inserção
social de ambos. Desta forma buscamos fazer uma análise que compreendesse o
círculo social ao qual cada um pertencia, quais os meios que cada um utilizou para
ter acesso à formação específica de seus ofícios e de que forma eles se
relacionavam com o ambiente em que atuavam – a universidade, no caso de
Vesalius, e o ateliê, no caso de Leonardo.
Nossa análise sobre estas biografias será pautada, ainda, pela prática da
dissecação anatômica realizada por ambos, mas que eram diferenciadas em função
da especificidade de cada um enquanto anatomista e artista, dos usos destinados a
estes estudos e do círculo social em que estavam inseridos.
2.1 ESTUDOS DE ANATOMIA E DE PINTURA
Conforme discutido no capítulo anterior o Renascimento foi um período no
qual o estudo do corpo humano foi marcado pelo paradigma de representação fiel à
natureza e principalmente aos ideais de proporção e harmonia, o que permite
entender porque os estudos de anatomia e as artes visuais foram tão valorizados.
Ambos eram complementares, de forma que anatomistas e artistas dominavam
32
conhecimentos comuns, isso quando não exerciam as duas funções
concomitantemente. Desta forma, podemos estabelecer que neste período a
anatomia era entendida como um conhecimento indissociável da representação
artística, tendo em vista a articulação entre estes dois campos na produção do
conhecimento sobre o homem e a natureza.
Em função desta articulação se faz necessário entender a formação nestes
dois ofícios, procurando pontos em comum e observando quando se diferenciam as
práticas pedagógicas. Um aspecto comum aos dois processos de formação é a
utilização do método da observação direta de elementos reais e a busca pela
representação naturalista. Ou seja, tanto estudantes de anatomia quanto artistas
aprendizes praticavam a partir de modelos reais e partiam destas observações para
produzir as representações visuais. Para discutirmos a questão da relação entre
artistas e anatomistas e a forma como estes diferentes campos se articulavam temos
que ter em vista, também, que a formação destes campos de atuação estava ligada
a duas culturas diferentes, pelo menos na Itália, a do ateliê e a da universidade,
conforme divisão sugerida por Burke51. Esta “cultura de ateliê” pode ser indicada
como um fator importante para que determinadas características fossem
perpetuadas em diferentes gerações de artistas. Já as universidades eram o lugar
ideal para aqueles que desejavam ter a formação humanista ou de investigação
filosófica.
O estudo das artes se dava nos estúdios, que Peter Burke define como a
“unidade fundamental”52 na qual se reuniam pintores e escultores. A produção
artística destes estúdios era coletiva, ou seja, se dava a partir da intervenção
conjunta do mestre, dos seus assistentes e dos seus aprendizes. Muitas vezes havia
colaboração entre diferentes estúdios, dependendo do tamanho e especificidade da
encomenda, o que era regulado pelas guildas de cada ofício.
Para o aprendizado da pintura os aspirantes eram geralmente confiados por
seus pais a um mestre pintor como aprendizes. Esses jovens começavam a estudar
desde muito cedo e seus estudos introdutórios consistiam basicamente em auxiliar o
mestre a triturar materiais para a preparação das cores e também na elaboração de
outros recursos artísticos. Conforme o aprendiz ia adquirindo experiência, a ele eram
confiados trabalhos de maior importância até que fosse capaz de pintar cenas
51 BURKE, Op. Cit., p. 66. 52 Idem, p. 79.
33
completas nos quadros a partir do esboço do mestre53. Burke nos mostra que o
processo de formação de um artista durava entre cinco e treze anos e que as guildas
costumavam aceitar pintores com um aprendizado mínimo de sete anos em seus
quadros de mestres pintores54.
Era esperado que o aprendiz conseguisse imitar os traços do mestre,
característica que nos revela outro importante aspecto da arte renascentista – a
imitatio – um conceito que não necessariamente indica ausência de originalidade,
mas que “louvava o exemplo e, enquanto tal ocupava o centro das preocupações
dos artífices de todas as disciplinas que tinham a ver com invenção: da política à
filosofia, da literatura às artes visuais”55. Desta forma, afirma Byington, a ideia de
imitação estava ligada à de exemplo a ser seguido ou superado, como indicação de
admiração por aquele que está sendo imitado, fosse ele um mestre da Antiguidade
ou o mestre pintor da corporação de ofícios da cidade.
A imitatio era aplicada também no que se referia à representação do homem
e da natureza. Este é o conceito que está por trás da busca da representação
naturalista, pois o que se buscava era imitar a natureza, eterna fonte de inspiração,
de forma que a representação correspondesse “à reprodução o mais possível
perfeita da realidade [...] ligado a uma prática pictórica determinada a recriar a
perfeita ilusão do visível”56.
Depois de receber um treinamento completo e de se mostrar capaz de atingir
os padrões exigidos, o artista entrava para a guilda de sua cidade, também
chamadas de corporação de ofícios, e podia, ele próprio, começar a recrutar
aprendizes. Burke define as guildas como “a unidade máxima de organização para
pintores, escultores e construtores”57, com estatutos próprios e funcionários
administrativos. Estas corporações foram muito importantes para se manter um
padrão na formação de novos artistas, pois procuravam garantir uma formação
mínima de três anos aos aprendizes e ainda evitavam que estúdios “fizessem
propostas a aprendizes de outros mestres”58, gerando uma discussão ética na
prática artística. Gombrich compara estas corporações aos nossos atuais
53 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p. 248. 54 BURKE, Op. Cit., p. 67. 55 BYINGTON, Op. Cit., p. 15. 56 Idem, p. 18. 57 BURKE, Idem,p. 84. 58 Idem, p. 85.
34
sindicatos59, pois tinham o objetivo de garantir privilégios para seus membros com
relação aos artistas de outras localidades, bem como regular um mercado para as
obras produzidas. Isto nos permite entender as características regionalistas da arte
renascentista, pois tendo em vista o conceito de imitatio e as exigências para se
entrar em uma corporação, podemos acreditar que cada região buscava se
caracterizar por determinados traços, que acabaram sendo reproduzidos como
padrão. Por este motivo se faz importante saber de onde era determinada produção
artística e seus objetivos, ou seja, saber se havia sido concebida para fins artísticos
– para ficar em apenas um lugar, em determinada parede de uma igreja ou palácio –
ou para fins pedagógicos – se era produzida para circular pelos estúdios e
universidades.
Peter Burke nos mostra que neste período o uso mais frequente para as
obras de arte era o religioso, tendo em vista que “as pessoas daquela época viam
[as imagens] primordialmente como imagem sagrada” 60. Este aspecto explica o
motivo de grande parte das pinturas e esculturas desta época representarem Jesus,
a Virgem ou os santos. Estas imagens podiam ser devocionais ou didáticas, com a
finalidade de transmitir a doutrina cristã61.
Burke também aponta para o uso político das obras renascentistas através da
representação de membros importantes da elite e também através das dedicatórias
aos patronos62. Outro uso bastante comum era um tipo de “propaganda” que poderia
ser sobre uma filha esposável ou simplesmente para impressionar outras famílias,
tendo em vista que os bens de uma família eram “cenário e objetos de cena da
longa peça de teatro em que exibiam seu status” 63. Além destes usos não podemos
deixar de lado o mais imediato, que é o de proporcionar prazer. Burke nos mostra
que “a crescente importância dessa função é uma das mais significativas mudanças
do período” 64.
Para poder representar o corpo humano de forma naturalista os artistas
utilizavam modelos vivos que posavam nus, ou ainda moldes tridimensionais de
partes do corpo humano esculpidas em diferentes materiais. Esses modelos eram
visualizados e representados de diferentes ângulos de forma a possibilitar uma 59 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p. 248. 60 BURKE, Op. Cit., p. 150. 61 Idem, pp. 152-153. 62 Idem, pp. 156-158. 63 Idem, p. 166. 64 Idem, p. 168.
35
compreensão de como preencher um determinado espaço em um desenho ou
pintura (Fig. 3).
(Figura 3 – A academia de Baccio Bandinelli, Enea Vico, c. 1535)
Outro recurso bastante utilizado – e que interessa especialmente aos
objetivos desta pesquisa – era o uso de cadáveres. Muitos pintores utilizavam da
dissecação para compreender os movimentos do corpo, principalmente através do
estudo do esqueleto e da motricidade (particularmente da musculatura superficial)
procurando entender de que forma estes aspectos afetavam a forma, o movimento e
a expressão do corpo. Michelangelo e Leonardo da Vinci foram dois dos primeiros
artistas a utilizar estes recursos65. Outra forma de os artistas terem acesso a um
corpo dissecado era participando das aulas nas universidades ou ainda nos estúdios
de anatomistas, conforme demonstramos no primeiro capítulo.
Nos estudos de anatomia aquele que queria se aprofundar geralmente
entrava para um curso de medicina. Burke aponta que neste período as
universidades eram “a coisa mais próxima de uma guilda”66 para humanistas e
cientistas, pois era onde estes estudiosos podiam se reunir. Nas aulas sobre a
fisiologia do corpo os estudos se baseavam na observação de livros-textos, como De
65 Conforme JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit., p.8. 66 BURKE, Op. Cit., p. 86.
36
Humani Corporis Fabrica e Tabulae Sex67, ambos de Andreas Vesalius, ou, como
vai se tornar cada vez mais usual a partir do Renascimento, se utilizava o recurso da
dissecação, realizada em aulas expositivas nos anfiteatros das universidades e
também em estúdios privados68.
Diversas descrições e ilustrações sobre as práticas pedagógicas do estudo da
anatomia mostram artistas e estudantes que são vistos desenhando em frente a um
esqueleto completo ou a modelos de partes de corpos humanos, enquanto um
compacto grupo de estudantes se coloca à volta de um cadáver, geralmente
dissecado pelo assistente do mestre anatomista (Fig. 4). Conforme discutimos no
primeiro capítulo, é interessante observar a presença do assistente e o fato de que
geralmente não era o anatomista quem realizava a dissecação. Este aspecto é
relevante pois temos que lembrar o preconceito social deste período com relação ao
trabalho manual69. Apenas alguns poucos artistas e anatomistas realizavam, eles
próprios, suas incisões e análises do corpo, entre eles Leonardo da Vinci (1452 –
1519) e Andreas Vesalius (1514 – 1564), que são os autores das imagens utilizadas
como fontes para esta pesquisa.
(Figura 4 – Fascículo de Medicina, Johannes de Kethan, 1493) 67 Ambos contidos em: VESALIUS, Andreas. De humani corporis fabrica. Campinas:
Editora. Unicamp, 2003. 68 Conforme JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit., p.8. 69 Cf. BURKE, Op. Cit.
37
Como afirmamos anteriormente, a presença de artistas durante as
dissecações era muito importante para que se garantisse que o que se observava
fosse transferido fielmente para o papel. Desta forma, a grande maioria dos livros-
textos eram ilustrados por artistas. Como neste período ainda não estava sendo
difundida a prática de assinar as obras muitos destes artistas não assumiram a
autoria destas representações, o que dificulta sua identificação. No caso dos livros
de Vesalius, especialmente o De Humani Corporis Fabrica, alguns historiadores,
como Deanna Petherbridge e Ludmila Jordanova, afirmam que o artista que o
ilustrou foi Johan Stephan Von Calcar70. Outros historiadores, como Saunders e
O’Malley, são mais cautelosos no que se refere à autoria das ilustrações. Para estes
historiadores, Jan Stefan van Kalkar (Johan Stephan Von Calcar) foi o provável autor
das imagens, porém afirmam que esta discussão está cercada por incertezas
históricas. Para eles a única certeza com relação a Kalkar é de que ele foi o autor de
três imagens de esqueletos completos contidos nas Tabulae Sex71. Há, ainda
indicações de que Ticiano tenha desenhado algumas das pranchas anatômicas que
compõem Fabrica, conforme estudo de Daniel Arasse72.
É importante levar em consideração, contudo, que a parcela da população
que podia se dedicar aos estudos em ateliês e, principalmente, nas universidades
era muito reduzida e que a maior parte das pessoas viveu alheia aos valores
máximos do Renascimento. Apenas uma minoria de artistas, humanistas e cientistas
era oriunda do campesinato ou de camadas populares urbanas73. Burke afirma que
geralmente estes ofícios estavam ligados a uma tradição familiar e que, no caso dos
artistas, quando estes não tinham pais ou tios pintores era muito provável que
viessem de famílias de artesãos, o que fazia com que os aprendizes já tivessem
experiência com questões práticas do ofício, como saber trabalhar com tintura de
tecidos, cortar pedras ou madeira, entre outras74. No que diz respeito aos estudantes
universitários era notável a predominância de nobres, humanistas e cientistas. Burke
explica que esta característica não é difícil de explicar, tendo em vista que era mais
caro manter um filho na universidade do que num estúdio de artistas, tornando mais 70 JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit., p.27. 71SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., pp. 29-31. 72 ARASSE, Daniel. “A Carne, a Graça, o Sublime”. In: CORBIN, COURTINE e VIGARELLO, Op. Cit.,
p. 566. 73 Cf. BURKE, Op. Cit. 74 Idem, pp. 61-62.
38
difícil para um indivíduo das camadas populares seguir o caminho das artes
liberais75.
A partir desta constatação Burke define que a elite criativa era formada por
dois grupos diferentes, “um grupo visual recrutado na maioria entre artesãos e um
grupo literário recrutado nas classes superiores”76. Podemos acrescentar a este
último aqueles que se dedicavam aos studia humanitatis, à ciência e às leis. É
importante levar em consideração, contudo, que esta separação entre dois grupos
distintos não foi incontornável e definitiva. Não podemos esquecer, ainda, o ideal de
homem universal, bastante importante para este período e que demandava estudos
intensos por parte daqueles que buscavam aperfeiçoamento em seu ofício77.
Outra questão importante a ser levada em consideração para se entender a
inserção social de artistas e anatomistas é a crescente valorização do ambiente
urbano. A concentração de artesãos e de serviços burocráticos públicos típicos das
cidades acarretou em um afloramento das artes visuais e científicas neste período,
demandando uma organização social específica para estes ofícios que, como já
discutimos, se dava nos ateliês e nas universidades.
Após esta breve discussão a respeito dos ofícios de anatomista e da pintura
podemos nos dedicar à vida e obra de Andreas Vesalius e de Leonardo da Vinci,
tendo em vista a sua inserção nos círculos respectivos de cada ofício, a universidade
e o estúdio.
2.2 ANDREAS VESALIUS
Andreas Vesalius foi um dos mais importantes anatomistas do Renascimento.
Seus estudos são citados atualmente em livros escolares, manuais de medicina,
manuais de desenho e ilustração, entre outros. Contudo, a forma como sua obra
anatômica é referenciada, principalmente nos materiais didáticos e nos manuais,
geralmente é apenas ilustrativa, para exemplificar um tipo de estudo sobre noções
de perspectiva e harmonia. Desta forma, se faz necessário problematizar a
75 BURKE, Op. Cit., pp.65-66. 76 Idem, p. 66. 77 Idem, pp. 74-79.
39
discussão sobre a obra vesaliana, a fim de evitar generalizações e explicações
sumárias, inserindo seu trabalho dentro do contexto renascentista. Na historiografia
encontramos diversas referências a Vesalius, tanto no que diz respeito à história da
arte como também à história do corpo e da ciência, o que demonstra não apenas a
relevância de seus estudos, mas a importância e o alcance da anatomia humana na
Renascença para diferentes áreas do conhecimento.
Nascido em 31 de dezembro de 1514 em Bruxelas, Vesalius vem de uma
família dedicada ao estudo da medicina78. Seu avô, seu bisavô e também seu
tataravô haviam sido médicos reconhecidos em suas localidades e haviam
contribuído para o estudo da prática da medicina, deixando diversos tratados sobre
o tema que, inclusive, serviram de introdução aos estudos do jovem Vesalius. Seu
pai foi farmacêutico e prestou serviços ao Imperador Carlos V. Conforme Saunders e
O’Malley, o jovem Andreas se beneficiou da produção intelectual de seus
antepassados, se inspirando nos estudos sobre os mistérios do corpo humano.
Andreas Vesalius faleceu ao retornar de uma peregrinação à Terra Santa em
15 de outubro de 1564 e o motivo de sua morte ainda é desconhecido sendo poucas
as informações que chegaram até nós, como a data da morte e o local do enterro,
que foram inscritas em seu túmulo, na ilha grega de Zante79, que fica entre a Grécia
e a Itália.
Pouco se sabe, também, sobre sua educação inicial, além do fato de Vesalius
ter tido acesso a uma vasta biblioteca familiar em sua infância. Em 1528 ingressou
na Universidade de Louvain, onde estudou latim, além de se dedicar ao estudo de
obras de filosofia natural de escritores medievais. Já demonstrava neste período
interesse pela prática da dissecação, tendo realizado este procedimento em
pequenos animais. Em 1531 foi transferido para o Collegium Trilingue de Louvain,
cujo currículo era baseado em ideais humanistas80.
Após esta primeira instrução formal Andreas Vesalius ingressou no curso de
medicina da Universidade de Paris. Saunders e O’Malley afirmam que esta
instituição era bastante conservadora em relação ao método e às condições de
ensino. Enquanto nas universidades italianas a prática da dissecação era mais
difundida, em Paris ainda utilizavam métodos medievais de estudos de anatomia,
78 Cf. SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit. 79 Idem, p. 41. 80 Idem, p.18.
40
“constituindo-se em pouco mais que formalidades”81, consistindo em raras sessões
de dissecação que não satisfaziam totalmente as necessidades dos estudantes, o
que fez com que Vesalius estudasse basicamente através de manuais didáticos ou
ainda que procurasse por ossos nos ossários da cidade para estudar a partir da
observação das estruturas anatômicas.
Em 1514 foi publicada em Paris a tradução de uma coletânea de trabalhos de
Galeno, do grego para o latim, o que foi um grande avanço para o estudo da
medicina ocidental que, até então, tinha acesso a estas obras somente através de
traduções do grego para o aramaico e deste para o árabe e só então para o latim, o
que poderia causar muitas distorções em relação ao original. A partir de então foram
realizadas diversas traduções das obras de Galeno e de Hipócrates, produzindo uma
efervescência nos estudos de anatomia e medicina em Paris. Porém, apesar desta
renovação metodológica humanista a Universidade de Paris continuava
conservadora em relação às práticas de dissecação anatômica em seres humanos,
o que fez com que o jovem Vesalius tenha presenciado apenas duas ou três
demonstrações desta natureza no período em que ficou na cidade. De fato, Vesalius
queixou-se posteriormente que “era grande a falta de apoio dos professores nessa
parte da medicina”82.
Vesalius deixou Paris sem concluir o curso de medicina em função da invasão
da região da Provença por Carlos V, pois foi forçado a retornar a Louvain por ser
súdito imperial. O fato de não ter concluído o curso, entretanto, não pareceu ser
motivo de maiores tristezas para Vesalius, pois recebeu bastante apoio do governo
daquela cidade para realizar seus estudos de anatomia, tendo enfim a oportunidade
de se dedicar às dissecações e ao método da observação, concluindo seu
bacharelado em Louvain.
Contudo, Saunders e O’Malley comentam que Vesalius teve um
desentendimento com Jeremiah Drivère, professor da Universidade de Louvain, pois
discordavam veementemente sobre a metodologia mais adequada à venissecção
(sangria). Esta discussão acabou por dificultar seus estudos naquela cidade, o que
fez com que Vesalius buscasse oportunidades em outros lugares, especialmente nas
cidades italianas, que apresentavam maiores oportunidades para o estudo de
medicina e de anatomia em função de seus métodos menos conservadores com
81 SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., p.18. 82 Idem, p. 20.
41
relação às práticas anatômicas, Desta forma, partiu para Pádua em 1537, onde com
apenas vinte e três anos recebeu o grau de Doutor em Medicina e foi nomeado
professor de cirurgia, cargo que implicava, também, a função de professor de
anatomia83. Burke aponta esta universidade como a mais importante daquele
período na Itália em função do investimento do governo veneziano, território ao qual
Pádua pertencia84.
Como professor de Cirurgia, Vesalius atraiu bastante atenção e popularidade
em função do caráter peculiar de seu método de ensino. Para este anatomista a
percepção visual era primordial no aprendizado da medicina, o que fazia com que
descesse de sua cátedra e interferisse nas sessões de dissecação, explicando os
conteúdos através de demonstrações visuais, manejando o escalpelo. Quando não
havia um corpo para ser dissecado Vesalius recorria ao recurso dos desenhos
anatômicos para que fosse “proveitosa a todos aqueles aos quais é recusada a
observação experimental”85. Estes desenhos foram posteriormente publicados,
resultando em um vasto material didático que revolucionou a forma de se entender o
corpo, estabelecendo “um novo critério para o uso da ilustração na biologia e
também nas artes gráficas”86.
É importante levar em consideração os livros de anatomia elaborados por
Vesalius para entender a importância social deste anatomista e sua inserção no
contexto renascentista de produção do conhecimento. Suas principais obras, Fabrica
e Tabulae Sex, foram impressas pelo método da gravura em metal, de forma a obter
uma qualidade visual superior, apresentando detalhadamente cada prancha. Burke
credita ao Renascimento a confecção das primeiras gravuras em chapas de metal87,
de forma que podemos inferir que Vesalius estava em sintonia com os avanços
tecnológicos de sua época.
Além de ser conhecido pelas pranchas anatômicas de fins pedagógicos,
Vesalius também é reconhecido por ter revisado a obra de Galeno e, através das
observações feitas a partir da mesa de dissecação, ter percebido que havia
discrepâncias entre os ensinamentos do grande mestre da Antiguidade e as
conclusões do jovem anatomista. Vesalius, porém, tratou da questão com humildade 83 SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., pp. 20 e 21. 84 BURKE, Op. Cit., p. 69. 85 Andreas Vesalius apud MANDRESSI, Rafael. “Dissecações e anatomia”. In: CORBIN, COURTINE
e VIGARELLO, Op. Cit., pp. 423-424. 86 SAUNDERS e O’MALLEY, Idem, p. 22. 87 BURKE, Idem,p. 25.
42
e procurou conciliar os ensinamentos de Galeno com aqueles que ele próprio estava
construindo. Percebemos, desta forma, a importância do método da observação
para Vesalius, que se tornou o cânone dos estudos anatômicos durante séculos.
A publicação de De Humanis Corporis Fabrica em 1543 é tida por muitos
especialistas como o início da ciência moderna. Nesta obra as imagens e os textos
se completam, não sendo o recurso visual concebido apenas como uma ilustração,
mas sim como a consolidação dos conhecimentos obtidos na mesa de dissecação.
Cada imagem era acompanhada de um texto escrito por Vesalius, de forma que um
não poderia ser entendido sem o outro, formando “um todo inseparável”88.
É interessante prestar atenção ao fato de que Carlos V foi o mecenas de
Fabrica, pois, a partir da sua publicação, um marco na carreira do anatomista, ele foi
nomeado médico do imperador. Os biógrafos de Vesalius apontam que a partir desta
nomeação ele passou a ficar em segundo plano e sua obra teve mais
reconhecimento do que o próprio autor. Saunders e O’Malley acreditam que isto se
deva ao fato de que “o ideal vesaliano era o médico completo” 89, que tivesse seus
conhecimentos baseados tanto na observação quanto na prática, de forma que com
a nomeação como médico imperial tivesse a oportunidade de conhecer este outro
lado da medicina.
A receptividade de Fabrica na Europa foi bastante positiva, apesar de
Vesalius sofrer críticas e ataques ferozes de alguns estudiosos mais conservadores
que não concordavam com suas ratificações à obra de Galeno. Desta forma, tanto o
livro quanto seu autor percorreram diversas cidades e universidades, como Bolonha
e Pisa90, cumprindo o intento pedagógico que Vesalius tanto prezava em um livro de
anatomia.
Vesalius publicou uma segunda edição do De Humanis Corporis Fabrica em
1555, onde foram acrescentadas algumas revisões baseadas em novas
observações e reflexões nascidas da experiência de Vesalius como anatomista e
cirurgião91. Esta nova edição foi impressa em papel de melhor qualidade e em um
formato maior que o da primeira impressão. A qualidade das gravuras foi
amplamente elogiada e Saunders e O’Malley apontam que “Em nenhum outro lugar,
88 SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., p. 25. 89 Idem, p. 33. 90 Idem, p. 34. 91 Idem, p.38.
43
e isso inclui o moderno Icones de 1934, encontram-se ilustrações melhores”92. Para
estes estudiosos da obra vesaliana, tal feito foi possível graças à fortuna que
Vesalius acumulara com heranças de família e também por sua atuação como
médico da corte imperial.
Com a abdicação de Carlos V em 1555 Vesalius passou a servir o novo
soberano espanhol, Felipe II a partir de 1556. Saunders e O’Malley apontam um
série de infortúnios que fizeram com que o anatomista não fosse feliz em seu novo
posto, como o despeito e as posturas antiquadas dos outros médicos da corte
espanhola93. A gota d’água havia sido a doença do Infante Dom Carlos. Ferido
gravemente na cabeça foi tratado com métodos arcaicos baseados em crendices
populares. Vesalius recebeu forte oposição da população, mas também pelo “ciúme
e provincialismo dos médicos espanhóis”94 , até que finalmente pode administrar
seus conhecimentos para recuperar a saúde do Infante. Após seu desligamento da
corte espanhola Vesalius empreendeu uma peregrinação à Terra Santa, na qual,
como falamos inicialmente, veio a falecer durante a viagem de volta, em 1564.
A partir de sua vida e obra justifica-se o estudo da obra vesaliana ainda hoje,
tendo em vista a grande contribuição de Andreas Vesalius para a nascente ciência
moderna em função da “criação de uma atmosfera de pesquisa e do estudo
anatômico fundado na observação”95, que acabou se consolidando como um dos
fundamentos do método científico. Vesalius modificou de tal forma os estudos sobre
o corpo humano que ao final do século XVI seu método havia se tornado prática de
referência para todos os estudos anatômicos96.
2.3 LEONARDO DA VINCI
Leonardo da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452 na pequena cidade de
Anchiano, perto de Vinci, na região de Florença. Conforme o esboço biográfico
contido no livro Leonardo da Vinci, de Gabriel Séailles97, Leonardo é filho ilegítimo
92 SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., p.38. 93 Idem, pp. 38-39. 94 Idem, p. 40. 95 PORTER, Roy. VIGARELLO, Georges. Corpo, saúde e doenças. In: CORBIN, COURTINE e
VIGARELLO, Op. Cit., p. 452. 96 Idem, p. 453. 97 SÉAILLES, Op. Cit.
44
de Ser Piero e uma jovem chamada Catarina. Após seu nascimento, sua mãe o
deixou aos cuidados do pai e se casou com outro homem. Após estes
acontecimentos seu pai se casou com Alberia Amadori, com quem teve outros filhos,
e levou Leonardo para viver com uma nova família. Da Vinci morreu no dia 02 de
maio de 1519, aos 67 anos, na corte do rei da França, Francisco I, de quem foi
amigo.
Da mesma forma como ocorre com Vesalius, pouco se sabe sobre sua
formação inicial, o que se sabe é que aos 8 anos de idade o jovem Leonardo seguiu
com seu pai para Florença e que em 1469 se tornou aprendiz no estúdio de Andrea
Del Verrochio, nesta mesma cidade98. Conforme explicado anteriormente, na
condição de aprendiz ele deveria ir progredindo de acordo com seus méritos, ou
seja, após receber as instruções iniciais sobre o ofício foi realizando trabalhos cada
vez maiores, aumentando gradualmente a dificuldade de forma a adquirir as noções
necessárias para a prática da pintura. Leonardo, porém, se diferenciou de outros
aprendizes de sua época, pois estes começavam seus estudos ainda meninos, por
volta dos 10 anos, enquanto da Vinci ingressou no ateliê de Verrochio aos 15 anos.
Este aspecto é interessante, pois nos permite entender a excepcionalidade de
Leonardo, que, mesmo começando seus estudos artísticos mais tarde que o usual
para a época, desenvolveu rapidamente suas notáveis habilidades.
De acordo com as regras vigentes na época, Leonardo deveria ser capaz de
realizar algumas técnicas com precisão para então ser considerado digno de entrar
na guilda de pintores de sua cidade. Em 1472 conseguiu se registrar como membro
independente da guilda de pintores de Florença, mas ainda continuou no estúdio de
Verrochio, realizando trabalhos para seu mestre até 147799.
Leonardo chamou atenção como artista desde seus primeiros trabalhos, tanto
que Vasari, ao analisar uma obra de Verrochio chamada Batismo de Cristo, afirma
que seu mestre ficou assustado ao perceber que a parte do quadro que deixou a
cargo de seu aprendiz, a figura de um anjo segurando algumas vestes, havia ficado
melhor do que todo o resto, e que “nunca mais quis tocar nas cores, inconformado
pelo fato de um menino saber mais que ele” 100 (Fig. 5).
98 Idem, p.5. 99 Idem, p.12. 100 VASARI, Giorgio. Vidas dos Artistas. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.445.
45
(Figura 5 – Batismo de Cristo, Leonardo da Vinci e Andrea Del Verrochio, 1470 -
1476)
De acordo com Séailles a maior parte dos primeiros trabalhos de da Vinci
foram perdidos e só sabemos sobre eles por análises feitas por Vasari. A partir
dessas descrições podemos perceber que já nos anos iniciais Leonardo havia criado
uma identidade própria como artista, desenvolvendo estudos sobre a natureza e
também sobre o funcionamento do corpo. Já havia desenvolvido também
habilidades de composição e o método do chiaroscuro, pelo qual passou a ser
imitado por artistas como Perugino, Michelangelo e Rafael101.
Da Vinci já demonstrava neste primeiro momento uma capacidade de
expressar diversas emoções em suas obras, tanto pinturas como esculturas, e a
preocupação em manter uma relação entre o movimento e os afetos em suas
composições. Contudo, não reservava estas habilidades apenas no campo das
artes, mas também já se dedicava ao estudo de outras ciências, como arquitetura e
engenharia.
101 SÉAILLES, Op. Cit., p.18 – 20.
46
Em 1492 Leonardo trocou Florença por Milão, conforme Séailles afirma,
“buscando a oportunidade de agir e exercer seu gênio universal”102, e, ainda
conforme Séailles, não podia achar ninguém melhor que Ludovico Sforza - “Que era
ávido por glória, curioso sobre todas as ciências e pretendia justificar a usurpação do
poder, fazendo Milão a cidade mais importante da Itália e rival de Florença”103 - para
financiar seus estudos e suas criações artísticas.
Em Milão começou a projetar suas famosas invenções, como catapultas,
canhões e outras máquinas de guerra. Como sua fixação por aprender o
funcionamento de mecanismos das máquinas e dos organismos ficava cada vez
maior, dedicou grande parte de seu tempo estudando estas questões, passando a
aplicar seus novos conhecimentos em projetos de engenharia e também
desenvolvendo novas técnicas como artista.
O principal trabalho de Leonardo da Vinci em Milão foi a Última Ceia, pintado
no refeitório da Igreja de Santa Maria delle Grazie, entre 1494 e 1498 (Fig. 6). Da
Vinci queria que seu trabalho “refletisse perfeitamente o “natural” da forma como era
vista pelo olho humano” 104, demonstrando estar em perfeita sintonia com os ideais
de sua época que, conforme explicado no capítulo anterior, buscavam uma
representação da realidade bastante naturalista, na qual o artista passasse para a
sua obra uma aparência de realidade. Leonardo aplicou tão bem esta regra em sua
pintura que o observador tem a impressão de que por trás dos homens
representados ao logo da mesa há um longo hall. Gombrich explica que a
importância desta obra está na originalidade com que o artista trabalhou um tema já
tão explorado na arte ocidental, afirmando que “Nada havia nesse afresco que se
assemelhasse às representações anteriores do mesmo tema. [...] Há nela drama,
teatralidade e excitação” 105.
102 Tradução livre de: “seeking the opportunity to act and to exercise his universal genius”. SÉAILLES,
Op. Cit., p. 26. 103 Tradução livre de: “who was avid for glory, curious about all the sciences and intent on justifying his
usurpation of power by making Milan the most important city in Italy and the rival of Florence”. SÉAILLES, Op. Cit., p. 26 – 27.
104 Tradução livre de: “perfect reflect ‘Nature’ as it is seen by the human eye”. SÉAILLES, Op. Cit., p. 32.
105 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p. 297.
47
(Figura 6 – A Última Ceia, Leonardo da Vinci, 1494-1498)
As incertezas políticas na Itália com a invasão de Milão pelos franceses fez
com que Leonardo deixasse a cidade e seguisse para Mantua, depois Veneza e
finalmente Friuli, em busca de trabalho106. Em 1501 da Vinci retorna a Florença e de
acordo com Séailles, precisava de um “protetor cujas necessidades fossem tão
variadas quanto os seus talentos”107, desta forma, entrou para o serviço de Cesar
Borgia, pois “Leonardo era o homem certo para um príncipe de tão grandes
ambições”108. Em 1501, ainda, Leonardo termina a pintura de seu mais famoso
quadro: A Mona Lisa, pelo qual ficou conhecido na posteridade por apresentar todas
as técnicas que desenvolveu para a representação naturalista, tais como a
perspectiva, o uso do chiaroscuro, do sfumato109, entre outros.
A volta de Leonardo para Florença também foi marcada por sua famosa
inimizade com Michelangelo, que o detestava110. Gombrich nos esclarece que da
Vinci foi um artista pouco compreendido por seus contemporâneos, muito em função
de seus constantes deslocamentos pela Itália111, que eram motivados pela situação
política desta região tão instável. Séailles completa ainda, explicando que
106 SÉAILLES, Op. Cit., p. 5. 107 Tradução livre de: “protector whose needs were as varied as his talents”. SÉAILLES, Op. Cit., p.
86. 108 Tradução livre de: “Leonardo was just the man for a prince with such great ambitions”. SÉAILLES,
Op. Cit., p. 94. 109 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit., p.p 300 – 303. 110 SÉAILLES, Idem, p. 122. 111 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p. 296.
48
Michelangelo, por ser um patriota apaixonado não compreendia a indiferença de
Leonardo com relação às fidelidades políticas e citadinas112.
A partir desta discussão sobre seu “não-patriotismo”, podemos entender sua
nomeação como pintor na corte de Luis XII da França, em 1507113, corte na qual
permaneceu sob proteção até a sua morte tendo, porém empreendido ainda muitas
viagens pela Itália. Em abril de 1519 Leonardo se encontrava doente e procurava
encaminhar seus negócios e encomendar serviços religiosos para sua alma, como
era comum naquela época, através de missas e garantindo um enterro em solo
sagrado. Em seu testamento deixa todos os seus manuscritos, desenhos, estudos e
ferramentas para seu discípulo favorito, Francesco Melzi e todas as pinturas
remanescentes em seu estúdio, incluindo a Mona Lisa, foram deixadas para Salai,
outro aprendiz. No dia 02 de maio deste mesmo ano, Leonardo morreu na corte do
Rei da França, Francisco I, e foi enterrado em Amboise.
Estudar a vida de Leonardo para entender como se dava a representação do
corpo naquele período nos permite entender de que forma os valores que citamos
anteriormente, como a valorização do homem, do conhecimento e da razão,
estiveram presentes na sua arte. Na busca por tornar visível aquilo que era
concebido pela imaginação, da Vinci passou também a estudar corpos humanos,
recorrendo ao método da dissecação e da observação com o intuito de entender de
que forma se davam os movimentos do corpo para dotar suas imagens de
naturalidade e expressão. De acordo com Séailles, “A ambição de Da Vinci foi a de
representar tudo o que, em uma face ou em uma figura, mostra a alma humana: Os
sorrisos de uma nobre mulher de Florença, bem como as caretas de
soldados ferozes” 114.
Para Leonardo, a resolução de um problema que se colocava ao trabalhar em
uma representação deveria se dar a partir da observação e do estudo e
desenvolvimento de técnicas novas. Esta característica nos mostra um artista
sempre em busca de aperfeiçoamento e que não aceitava que se colocasse um
impedimento à sua arte. Nesta busca por descobrir a melhor forma de pintar
112 SÉAILLES, Op. Cit., p. 126. 113 Idem, p. 7. 114 Tradução livre de: “Da Vinci’s ambition was to render everything which, on a face and in a figure,
shows the human soul: The smiles of the noblewomen of Florence as well as the grimaces of ferocious soldiers.”. SÉAILLES, Op. Cit., p. 146.
49
dissecou mais de trinta cadáveres com o intuito de desvendar os segredos do corpo
humano115.
A partir destes estudos da Vinci fez centenas de desenhos anatômicos.
Conforme Porter e Vigarello116, estes foram feitos para uso próprio, provavelmente
em sigilo, e não para servir de material didático nas universidades. Contudo, Gilson
Barreto e Marcelo G. de Oliveira afirmam que o objetivo de Leonardo era elaborar
um manual de anatomia em conjunto com o anatomista Marcantonio Della Torre,
que não pôde ser finalizado em função da morte deste. Os corpos a que Leonardo
teve acesso provinham de criminosos executados e até mesmo de hospitais, e foram
disponibilizados pelo Mosteiro do Espírito Santo, em Roma117.
Podemos concluir, a partir dos estudos anatômicos de Leonardo, que apesar
de manter seus escritos e esboços em sigilo este artista foi de grande importância
para a constituição da anatomia moderna, pois conforme Arasse nos explica, “a
modernidade própria dos desenhos de Leonardo está, aliás, com toda precisão, na
neutralidade objetiva com a qual eles apresentam (ou supostamente apresentam) a
constatação gráfica de uma observação visual”118.
A partir desta constatação, podemos entender melhor como a produção de da
Vinci se insere no contexto renascentista tendo em vista a excepcionalidade deste
artista ao aplicar técnicas novas que procuravam resolver problemas postos pela
representação naturalista, desenvolvidas a partir do método científico da observação
e da busca por desvendar os mistérios da Natureza. Desta forma Leonardo foi além
dos outros artistas de sua época que se contentavam com o estudo da motricidade a
partir de músculos, ossos e articulações, e buscou conhecer minuciosamente o
funcionamento do corpo como um todo.
115 GOMBRICH, “A História...” Op. Cit. p. 294. 116 PORTER e VIGARELLO, Op. Cit. 117 BARRETO, Gilson e OLIVEIRA, Marcelo G. A Arte Secreta de Michelangelo: Uma lição de
anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004, pp. 49-50. 118 ARASSE, Op. Cit., p. 569.
50
CAPÍTULO 3
O CORPO EM PERSPECTIVA
“Detalhes fazem a perfeição,
mas a perfeição não é um detalhe”
Leonardo da Vinci
Neste capítulo analisamos as fontes tendo em vista o contexto no qual foram
produzidas e o processo que cada um dos dois autores utilizou na elaboração das
suas famosas pranchas anatômicas. Inicialmente fazemos uma discussão a respeito
da metodologia que visa compreender a singularidade das fontes produzidas por
Leonardo e Vesalius. Para isto descrevemos separadamente cada imagem
buscando identificar seus elementos constitutivos. Em seguida analisamos o
conjunto das fontes de cada autor separadamente e depois comparamos os
resultados, de forma a perceber aproximações e distanciamentos.
Para esta pesquisa foram selecionadas cinco pranchas de cada autor, num
total de dez. O critério de escolha se baseou em obter imagens que mostrassem o
corpo em diferentes momentos da dissecação, ou seja, desde o corpo completo até
aquelas pranchas que representem esqueletos e estudos dos ossos
individualizados, de forma a permitir uma compreensão de todas as etapas deste
processo minucioso de estudo. A partir deste primeiro critério foi preciso estabelecer
outros que permitissem explorar melhor as fontes. Desta forma procuramos
selecionar imagens que representassem o corpo em diferentes ângulos, em
diferentes posições e que nos permitissem estudar detalhadamente quais eram as
características ilustrativas mais importantes para cada autor.
As pranchas referentes aos estudos de Andreas Vesalius estão no livro
De humani corporis fabrica119 que além de conter os estudos que ele realizou ao
longo de sua vida, traz também um Esboço Biográfico e uma análise das ilustrações
do livro, realizados por J. B. DeC. M. Saunders e Charles D. O’Malley. Estes
suplementos foram de grande utilidade na descrição das fontes em função da
linguagem bastante técnica que as acompanham. Para entender as pranchas é
necessário levar em consideração que a obra de Vesalius é de caráter pedagógico e 119 VESALIUS, Op. Cit.
51
foi escrita para atender tanto aos alunos de medicina como aos aprendizes de
artistas de diferentes estúdios.
Os estudos de Leonardo da Vinci estão numa publicação norte-americana
que faz parte da coleção Dover Art Library120. Este livro é composto apenas de
reproduções de pranchas com estudos da anatomia humana realizados por da Vinci,
sem qualquer análise ou textos explicativos das ilustrações. Há apenas uma nota
bastante sucinta no início do livro com uma curta biografia de Leonardo.
3.1 A ABORDAGEM TRÍPLICE COMO MÉTODO DE ANÁLISE IMA GÉTICA
A metodologia de análise imagética utilizada na descrição e análise das
fontes é a da abordagem tríplice, proposta por Artur Freitas121, na qual se busca
estabelecer uma relação entre o conhecimento histórico e a história da arte e suas
diferentes perspectivas analíticas. Este método visa a compreensão da obra em três
dimensões: a formal, a social e a semântica.
A primeira dimensão explorada por este método é a formal, a qual, conforme
Freitas nos esclarece, se refere ao “momento em que, de fato vemos a imagem
como um acontecimento da visão: com sua dimensionalidade, sua materialidade e
sua visualidade”122. A partir disto, procura-se perceber todos os elementos que
compõem a imagem, indicando a posição, forma, volume, textura e os demais
detalhes que influenciem a percepção visual.
A dimensão social, por sua vez, tem por objetivo a análise de contexto, tendo
em vista a história material da imagem, suas condições de produção e de recepção.
Para Freitas é a abordagem social que nos permite “compreender em certo nível as
eventuais funções da imagem, ao descrevê-la justamente como uma operação que
atua num certo sentido, cumprindo certos papéis”123. No caso das fontes desta
pesquisa este aspecto é importante, pois precisamos compreender as imagens
120 DA VINCI, Leonardo. Leonardo’s Anatomical Drawings. Mineola, N.Y.: Dover Publications Inc,
2004. 121 FREITAS, Op. Cit. 122 Idem, p. 10. 123 Idem, p. 13.
52
enquanto instrumentos pedagógicos de uso público e privado, pois esta é a
particularidade que as insere socialmente no contexto do Renascimento.
A última dimensão de análise proposta por Freitas é a semântica, que dá
conta das interconexões com as demais representações culturais de determinado
período. Esta dimensão nasce da interpretação das duas anteriores (formal e social),
ou seja, “nasce dos significados atribuídos pelo sistema de referências e valores de
um observador concreto – nasce, enfim, da construção subjetiva de um conteúdo”124.
Recorremos a este método – mesmo que as nossas fontes não sejam obras
artísticas, mas sim de estudos – por entendermos que estas três dimensões nos
possibilitam compreender a significação dada pelos artistas e anatomistas
renascentistas aos estudos imagéticos sobre o corpo, tendo em vista que
estabelecemos critérios de análise que envolvem desde os métodos e processos de
produção, a divulgação e recepção e até mesmo a influência da subjetividade de
cada autor, de forma a entender como Leonardo e Vesalius representaram o corpo.
Tendo esclarecido o método de análise empregado nesta pesquisa podemos
agora dar continuidade ao estudo das pranchas anatômicas elaborando,
primeiramente, a descrição das imagens, procurando estabelecer os aspectos
formais e sociais.
3.2 DESCRIÇÃO DAS FONTES
Para proceder à análise das fontes, primeiramente será feita a descrição
formal das imagens, tendo sempre a preocupação de inseri-las numa dimensão
social. Desta forma a descrição busca dar conta de todos os detalhes das pranchas,
tais como o posicionamento espacial do corpo, os tecidos representados, a
expressão ou ausência desta, o estudo específico da função corporal apresentada,
os elementos de composição, tais como objetos que interagem com o corpo, fundo,
entre outros. O aspecto social será apresentado antes da descrição formal, de forma
a facilitar o entendimento sobre esta dimensão e como ela interfere na questão
formal destas imagens.
124 FREITAS, Op. Cit., p. 14.
53
3.2.1 ANDREAS VESALIUS - De humani corporis fabrica
Conforme dito anteriormente, as pranchas de Vesalius estão no livro
De humani corporis fabrica, publicado em 1543. É importante lembrarmos que esta
publicação é de caráter pedagógico e foi concebida para auxiliar a formação de
médicos que não tivessem acesso ao estudo do corpo a partir da prática da
dissecação. Este livro também era dirigido aos estudantes que freqüentavam os
estúdios de arte, para que pudessem entender as particularidade do corpo humano
de forma a alcançar uma representação artística naturalista. As pranchas estão aqui
nomeadas conforme a edição de Fábrica publicada no Brasil em 2003, pela Editora
Unicamp e, para facilitar a identificação das imagens, elas serão aqui indicadas
pelas letras A, B, C, D e E.
FONTE A – GRAVURA 21125
Descrição:
A Gravura 21 busca representar a face anterior do esqueleto humano, de
forma que o observador possa visualizar todos os ossos e articulações presentes 125 VESALIUS, Op. Cit., p. 90.
54
nesta posição. O corpo está em uma posição central, ocupando toda a altura da
imagem. O fundo da gravura é neutro, exceto pela parte inferior que mostra uma
paisagem com morros ao longe. O esqueleto está numa superfície plana.
A figura está apoiada pelo antebraço direito em uma pá, ao lado de uma cova
aberta. Estes elementos estão presentes em diversos motivos pictóricos
relacionados à Dança Macabra e ainda à representação da Morte126. Esta alusão
indica que Vesalius recorreu a uma tradição antiga e bem conhecida para criar um
cenário para sua gravura.
Os elementos que compõem a imagem são utilizados de forma a dotar a
figura de vigor, pois apesar de ser uma representação repleta de referências à
morte, o esqueleto não remete a um corpo morto, inerte. Sua postura e posição
remetem ao corpo de um ser superior, apesar da gravura apresentar alguns
problemas de proporção, além da ausência de curvatura na coluna, o que modifica a
posição original da maioria dos ossos do tórax. Estas imprecisões foram
reconhecidas por Vesalius, contudo este tipo de imprecisão atendia à necessidade
de adequar o elemento observado e organizado na dissecação aos cânones
clássicos de representação da proporcionalidade humana127.
FONTE B – GRAVURA 22128
126 VESALIUS, Op. Cit., p. 90. 127 Idem, Ibidem. 128 Idem, p. 92.
55
Descrição:
A gravura 22 apresenta a parte lateral de um esqueleto em pé, apoiado pelo
cotovelo esquerdo em uma lápide. A mão direita está sobre um crânio, também
apoiado na lápide e a mão esquerda apóia a cabeça, numa posição de reflexão. As
pernas se cruzam de forma que o pé direito está todo encostado no chão, e o pé
direito encosta apenas com as pontas dos dedos.
Pode-se dividir a ilustração verticalmente em duas partes, na metade da
direita se encontra o esqueleto, ocupando toda a altura da imagem. No lado inferior
direito há o solo com pouca vegetação onde o esqueleto está assentado. Na metade
da esquerda observa-se a lápide que serve de apoio ao esqueleto e ao crânio, além
dos pequenos ossos do ouvido (hióide, martelo e bigorna) posicionados ao lado do
crânio.
Esta gravura visualiza todos os ossos do corpo humano e como se articulam.
A proporção dos ossos deste esqueleto apresenta os mesmos problemas dos
identificados na Gravura 21. A imagem também apresenta dramaticidade devido à
forma como o esqueleto preenche o espaço, com uma postura claramente humana e
contemplativa, demonstrando uma das características da dignidade humana.
Esta gravura aparece no Primeiro Livro do De Humanis Corporis Fabrica, e
também na Epitome129, obra que Vesalius publicou para auxiliar na introdução dos
estudos da medicina. A diferença entre as duas gravuras consiste apenas na
inscrição da lápide que, em Fábrica aparece “O gênio vive para sempre, tudo o mais
é mortal”. Já em Epítome, a inscrição é “Todo o esplendor é desfeito pela morte, e
através dos limbos brancos como a neve, rouba o Estígio matiz para corromper a
graça da forma” 130. Estes textos não aparecem na versão impressa utilizada nesta
pesquisa.
129 VESALIUS, Op. Cit., p. 226. 130 Tradução do latim por SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit., p. 92 e 226.
56
FONTE C – GRAVURA 25131
SEGUNDA GRAVURA DOS MÚSCULOS
Descrição:
Esta imagem mostra os músculos superficiais do corpo humano numa
perspectiva lateral. O corpo está centralizado, voltado para a esquerda. A imagem
preenche todo o espaço de forma harmoniosa, pois os braços estão esticados,
ocupando todo o campo superior esquerdo, enquanto as pernas ocupam a área
inferior direita. Esta posição dá ao observador a impressão de movimento. Não é
uma figura estática. Os braços estão um pouco afastados um do outro, permitindo a
visualização da musculatura anterior e posterior. As pernas também permitem esta
visualização, pois estão em posição de marcha. A cabeça está inclinada para cima
e, em conjunto com a mão esquerda, passa a impressão de contemplação.
O fundo da ilustração é composto por uma paisagem apenas na parte inferior,
onde podemos observar algumas construções e vegetação. Na parte superior não
há nada no fundo, feito com técnicas que criam ilusão de perspectiva.
131 VESALIUS, Op. Cit., p. 100.
57
FONTE D – GRAVURA 27132
QUARTA GRAVURA DOS MÚSCULOS
Descrição:
A Gravura 27 apresenta um estágio mais avançado do processo de
dissecação do que a Gravura 25. A partir da “Quarta Gravura dos Músculos”,
Vesalius vai gradualmente retirando os músculos, expondo-os como se estivessem
pendurados , até chegar à dissecação completa, passando a ilustrar partes isoladas
do corpo. Desta forma pode-se visualizar melhor as conexões entre os músculos,
bem como sua forma, volume e tamanho.
Nesta imagem podemos visualizar o corpo em posição frontal, com as pernas
e os braços um pouco afastados. A posição das mãos e dos pés permite visualizar
diferentes músculos. A cabeça está voltada para a esquerda, deixando os músculos
do pescoço expostos. O corpo está centralizado e distribuído harmoniosamente em
toda a superfície da gravura. O fundo é composto por uma paisagem com vegetação
e construções na parte inferior, com ilusão de profundidade.
132 VESALIUS, Op. Cit., p. 104.
58
FONTE E – GRAVURA 33133
DÉCIMA GRAVURA DOS MÚSCULOS
Descrição:
A Gravura 33 é referente à mesma etapa de dissecação da Gravura 27. Nesta
imagem está representada a musculatura superficial da parte posterior do corpo.
Alguns músculos aparecem pendendo do corpo de forma a expor algumas partes da
musculatura interna.
O corpo é visto de costas, centralizado e ocupando quase todo o espaço da
gravura. As pernas estão semi-flexionadas, em aparente movimento de marcha. O
braço direito está um pouco afastado do corpo, enquanto o braço esquerdo está
apontando para o canto superior esquerdo. A composição dos braços e pernas cria
uma harmonia de conjunto, dando a impressão de movimento. Os músculos
posteriores do pescoço estão bastante visíveis e a cabeça apresenta uma faixa de
couro cabeludo com cabelos. A paisagem de fundo da gravura é composta por
vegetação, construções e ainda uma ponte sobre um rio, dispostos em perspectiva.
133 VESALIUS, Op. Cit., p. 116.
59
3.2.2 LEONARDO DA VINCI - Leonardo’s Anatomical Drawings
As imagens produzidas por Leonardo utilizadas neste estudo foram retiradas
da coleção Dover Art Library, publicada em 2004 que é composta por diversos
estudos anatômicos de da Vinci. Cada prancha foi aqui nomeada de acordo com a
publicação norte-americana e não pelo nome original. Esta escolha se deu pela
dificuldade de encontrar a nomenclatura original, tendo em vista que a historiografia
consultada apresenta nomes diferentes para a mesmas imagens. Desta forma
optamos pela edição de Leonardo’s Anatomical Drawings para estabelecer um
padrão nominal. Nesta monografia elas estão indicadas pelas letras F, G, H, I e J.
Todas as pranchas referentes aos estudos de da Vinci apresentam corpos
que foram ilustrados em fundo branco, sem imagem ou qualquer outro aspecto
iconográfico de fundo. Segundo o levantamento que realizamos, a maioria das
imagens foi elaborada com giz preto ou vermelho, carvão vegetal, pena e tinta134.
FONTE F – 1. THE SKELETON135
134 SÉAILLES, Op. Cit. 135 DA VINCI, Op. Cit.
60
Descrição:
Nesta imagem observamos seis ilustrações referentes ao estudo dos ossos.
Nenhuma delas apresenta um esqueleto completo, cada uma estuda uma parte
específica e não há imagens de antebraços, das mãos e do crânio. Ao analisar o
conjunto de imagens podemos ter uma visão da maioria dos ossos e articulações do
corpo humano com riqueza de detalhes. Para facilitar a descrição das imagens, elas
serão analisadas individualmente, da esquerda para a direita e de cima para baixo.
A primeira mostra a parte posterior do tronco, ombros e uma parte do braço. É
possível ver as articulações e até mesmo os pequenos ossos, percebendo o volume,
posicionamento e curvaturas. Os braços estão posicionados ao lado do corpo, sem
impressão de movimento. Não é possível observar de que forma ocorre a rotação da
articulação dos ombros.
Na segunda imagem temos o perfil de um tronco, mostrando o encaixe do
braço no ombro. O interessante desta imagem é a possibilidade de visualizar o
volume da caixa torácica e seu posicionamento com relação aos ombros, braços e
coluna vertebral.
A terceira imagem mostra a coluna vertebral, o lado esquerdo do tronco
articulado ao braço, o pescoço e a região do quadril. Percebemos a preocupação do
artista em demonstrar a curvatura dos ossos e a proporção entre eles. O braço está
relaxado ao lado do corpo, não sendo possível observar a rotação dos ombros.
Na quarta imagem observamos o final da coluna vertebral, o quadril e as
pernas, em posição frontal. As pernas estão esticadas e é possível observar
detalhadamente os ossos. Os pés estão apenas esboçados, virados para a frente,
mas não é possível visualizar os ossos.
A quinta e a sexta imagem podem ser analisadas conjuntamente, pois uma é
referente à perna esquerda e a outra à perna direita, ambas de perfil. Pode-se
imaginar que elas se complementem, tendo em vista que a perna esquerda aparece
em primeiro plano, encaixada no quadril e a perna direita aparece um pouco
afastada. O conjunto nos permite observar as pernas em dois ângulos distintos. Os
pés aparecem, mas são apenas esboços.
61
FONTE G – 9. THE LOWER EXTREMITY136
Descrição:
Neste conjunto de estudos, observamos oito ilustrações de pernas, sendo que
sete delas mostram os ossos e articulações e uma apresenta a musculatura
superficial. Para facilitar a descrição, algumas das imagens serão analisadas em
conjunto, pois apresentam características semelhantes.
As primeiras cinco ilustrações mostram os ossos das pernas e do pé, vistas
de diferentes ângulos. Em todas as ilustrações as pernas estão esticadas, sem
mostrar a rotação das articulações. As duas primeiras mostram uma visão frontal
das pernas e dos pés, sendo possível observar quase todos os ossos facilmente. A
terceira imagem apresenta a parte posterior dos ossos da perna e do pé, enquanto a
quarta e a quinta mostram a perna de perfil, com os ossos voltados para a direita.
A sexta imagem mostra a musculatura superficial de uma perna em perfil. A
ilustração começa logo acima dos músculos das nádegas e vai até a região da
panturrilha, sem mostrar os pés. É possível observar o volume e formato dos
músculos bem como a forma como se ligam uns aos outros. Assim como nas cinco
136 DA VINCI, Op. Cit.
62
ilustrações anteriores, esta mostra um perna esticada, desta forma observamos a
posição dos músculos quando não estão flexionados.
Na sétima e na oitava imagem podemos observar a rotação do joelho, pois as
duas apresentam os ossos da perna flexionados. Vemos esta flexão de dois ângulos
diferentes, o que nos permite relacionar este estudo com o de perspectiva, visto que
temos a impressão de profundidade.
FONTE H – 14. MYOLOGY OF TRUNK137
Descrição:
Nesta prancha observamos duas imagens principais, mostradas em diferentes
ângulos, permitindo uma visualização mais completa de diferentes regiões. Existem,
ainda, alguns estudos de outras partes do corpo, mas estes são de difícil
visualização em função da qualidade da reprodução. O que se pode observar é que
estes constituem de estudos de partes internas do corpo. Desta forma, nos
deteremos a analisar as duas imagens principais.
A primeira imagem mostra uma perna, aparentemente com pele, onde
podemos perceber o volume dos músculos. A perna é vista de frente e apresenta a
musculatura da coxa bastante delineada. Os pés aparecem, mas são apenas
137 DA VINCI, Op. Cit.
63
esboços, o destaque é mesmo para a coxa. Apesar de ser apenas a perna direita,
podemos perceber, pelos recursos artísticos utilizados, que ela foi representada um
pouco afastada do corpo, deixando à vista a parte interna da perna.
A outra imagem mostra um corpo masculino de perfil, sem a pele, com
destaque para a musculatura superficial. Estão representadas quase todas as partes
do corpo, exceto a cabeça, os pés, antebraço e mãos. O corpo está em pé, com os
braços esticados para frente. Esta posição dos braços permite visualizar a posição
dos músculos neste movimento.
FONTE I – 17. MYOLOGY OF SHOULDER REGION138
Descrição:
Nesta imagem podemos observar claramente cinco estudos da região do
ombro e ainda alguns músculos do pescoço e do braço. Existem ainda pelo menos
quatro estudos que apresentam dificuldades de observação, pois se encontram
quase apagados. É interessante observar que cada estudo é referente à posição dos
músculos em diferentes movimentos de rotação do ombro.
Na primeira imagem o corpo está posicionado de frente para o observador.
Estão representados o peito, a cabeça, o pescoço, os ombros e os braços (não
138 DA VINCI, Op. Cit.
64
estão visíveis os antebraços e as mãos) e a ilustração é referente a um corpo com
pele. A cabeça está levemente inclinada para a direita e para baixo. O braço
esquerdo está relaxado ao lado do corpo. O braço direito está levantado em um
ângulo de quase 90º em relação ao tronco, o que permite uma análise atenta da
posição dos músculos quando tensionados por este movimento. A musculatura do
pescoço também está em evidência.
A segunda imagem apresenta o estudo da região do ombro direito vista de
cima, com o braço em ângulo reto em relação ao corpo, que está voltado para a
direita. Assim como na ilustração anterior, o corpo também está representado com
pele, permitindo visualizar o volume da musculatura superficial.
Na terceira imagem, assim como a segunda, também mostra um estudo, visto
de cima, da região do ombro, desta vez o esquerdo. O corpo está virado para a
esquerda, com o braço posicionado ao longo do corpo, com os músculos relaxados.
E interessante estudar a segunda e a terceira imagem juntas, pois podemos
perceber a atenção do artista com relação à posição dos músculos em diferentes
movimentos.
A quarta imagem apresenta o estudo do ombro direito visto de frente. Pode-se
observar uma parte do pescoço e do braço, que está um pouco afastado do tronco.
Passa a impressão de apresentar pele e ser um corpo bastante magro, pois a
musculatura que liga o ombro ao pescoço está acentuada.
Na quinta imagem podemos observar o estudo da região que liga o ombro ao
pescoço. É difícil afirmar se apresenta pele, pois em alguns lugares ela é aparente e
em outros não. A imagem está ligeiramente voltada para a direita do observador,
deixando visível o ombro e parte do braço direito, o pescoço, o lado direito da
cabeça e parte do peito. O braço está levemente afastado do tronco, deixando os
músculos levemente tensionados.
65
FONTE J – 24. MYOLOGY OF LOWER EXTREMITY139
Descrição:
Esta imagem apresenta apenas uma ilustração, referente à musculatura
superficial das pernas, onde podemos observar o ligamento das pernas com o
tronco. A ilustração apresenta os músculos sob a pele, desta forma percebe-se uma
preocupação em conhecer o volume e formato de cada músculo superficial e como
este interfere na forma do corpo.
A ilustração apresenta as pernas afastadas uma da outra, a direita voltada
para frente e a esquerda virada para o lado de forma a mostrar a parte interna. O
quadril e o tronco aparecem apenas esboçados, ficando cada vez mais apagados
em direção ao canto superior direito da imagem. Apenas o braço direito aparece,
revelando mais detalhamento do que o tronco, mas ainda assim não tão nítido
quanto as pernas.
139 DA VINCI, Op. Cit.
66
3.3 A RELAÇÃO ENTRE ANATOMIA E ARTE: ESPÍRITO DE SU PERAÇÃO
Procederemos agora à análise imagética do nosso corpo documental. Para
tanto faremos uma discussão do conjunto de fontes de cada autor separadamente,
tendo em vista a dimensão semântica, procurando entender de que forma estes
estudos se relacionam com a produção renascentista. Após esta etapa será feito um
quadro comparativo entre Leonardo e Vesalius, aprofundando a discussão sobre a
representação do corpo no Renascimento.
Contudo, antes de nos determos nas particularidades de cada conjunto de
fontes e de traçarmos um quadro comparativo entre elas, é preciso discutir de que
forma os estudos de anatomia interagem com os estudos de arte, pois este aspecto
é bastante importante para entendermos a dimensão semântica das imagens
descritas. Para tanto, recorremos à discussão sobre progresso artístico conforme
proposta por Gombrich para entendermos como naquela época o espírito de
superação dos obstáculos ao conhecimento e à representação era fortemente
difundido, tendo em vista que “a ideia de progresso podia atuar como um estímulo e
um desafio” 140.
Em função deste ideal de superação podemos entender porque os estudos
sobre o corpo despertavam tanto interesse então, ainda mais se levarmos em
consideração o fato de que a arte e o conhecimento não eram áreas e práticas
separadas e que a medicina era considerada uma espécie de arte. Este status social
da arte exigia uma “intensificação dos estudos que chamamos ‘científicos’ [...] só o
mais íntimo conhecimento da estrutura da forma orgânica pode permitir ao artista
revestir de carne e osso seu primo pensiero”141.
Percebemos, desta forma, que conhecer o corpo em todos os seus detalhes
não era apenas um recurso para uma representação naturalista, mas sim um ideal
intrínseco à própria concepção de arte no Renascimento, na medida em que esta
era entendida como um ramo da ciência e, como tal, demandava estudos
específicos. Para o Renascimento, portanto, estudos científicos como a anatomia,
integravam o processo criativo artístico, de forma que a História do Corpo se coloca
como um tema de grande importância para se compreender as representações
deste período.
140 GOMBRICH, “Norma...” Op. Cit., p. 4. 141 Idem, p. 81.
67
3.3.1 AS PRANCHAS ANATÔMICAS DE VESALIUS
Ao observarmos as imagens contidas em Fábrica, fica evidente a
preocupação de Vesalius em representar o corpo humano de forma a passar a
impressão de movimento e também de emoções. O artista que a elaborou teve
cuidado em não deixar que elas lembrassem cadáveres, mas sim a representação
de um corpo vivo, como se pudéssemos ver o que está por baixo da pele e dos
músculos, como se estes fossem transparentes, enquanto o corpo está executando
determinado movimento. É importante ressaltar, contudo, que as pranchas
selecionadas para este estudo representam corpos inteiros, mas que Fábrica
também apresenta estudos de partes específicas do corpo, como sistema
circulatório e respiratório. Entretanto optamos por escolher imagens que mostrassem
o corpo completo por serem bastante utilizadas tanto em estudos artísticos como
também de medicina.
A partir da descrição feita podemos estabelecer que as fontes A e B foram
elaboradas especialmente para o estudo da pintura, apesar de também servirem
para estudos de medicina. O erro proposital na questão da proporcionalidade da
imagem nos remete à discussão feita no primeiro capítulo a respeito da busca pela
representação fiel da realidade, porém sempre com a preocupação em dar uma
aparência de fidelidade ao que o olho humano está captando. Ou seja, Vesalius
tinha consciência de que sua prancha apresentava problemas de proporcionalidade
e esta “correção” do real foi necessária para que a imagem se ajustasse aos
cânones clássicos da pintura que já haviam estabelecido fórmulas para dar a ilusão
de naturalidade a determinados posicionamentos do corpo. Outro motivo para a
curiosa ausência de curvatura da coluna era o método que Vesalius utilizava para
montar esqueletos, no qual inseria uma barra de ferro nas vértebras proporcionando
maior estabilidade à montagem142.
Entretanto, insistimos que estas pranchas também eram usadas para o
estudo científico do corpo humano. Vesalius chamava a atenção para o fato da
imagem apresentar erros de proporcionalidade e que este aspecto era importante
quando se estudava o corpo para uma representação que seguisse os ideais
renascentistas de beleza. Contudo, estas pranchas permitem o estudo detalhado de
142 SAUNDERS e O’MALLEY, Op. Cit.
68
todos os ossos humanos, trazendo informações sobre forma, volume, como se
articulam, entre outras. Desta forma, aquele que observava estas imagens com o
intuito de compreender as funções exercidas por cada osso, poderia estudar com
elas sem maiores problemas, apenas seguindo a ressalva de que deveriam ser
feitos alguns ajustes a respeito do posicionamento e curvatura de determinados
ossos, problemas que poderiam ser corrigidos a partir do estudo comparativo com as
demais pranchas do livro.
Ainda com relação à fonte B voltemos para as inscrições contidas na gravura
original (“O gênio vive para sempre, tudo o mais é mortal” e “Todo o esplendor é
desfeito pela morte, e através dos limbos brancos como a neve, rouba o Estígio
matiz para corromper a graça da forma”). A partir das inscrições e dos elementos
representados na gravura podemos entender que a imagem procurava levar seu
observador a refletir sobre a finitude da vida. É interessante observar este detalhe,
ainda mais tendo em vista o contexto de valorização da razão e do corpo humano
como ideais de perfeição analisados no primeiro capítulo.
Já com relação às pranchas referentes à musculatura corporal, podemos
destacar nestas gravuras a característica vesaliana de representar o corpo humano
de forma dinâmica. Segundo as considerações de Vesalius, as gravuras que
mostram os músculos “apresentam uma visão total do sistema muscular, como
somente os pintores e os escultores estão habituados a considerar” 143. Desta forma,
podemos fazer uma ligação com os estudos de pintura, pois o objeto do olhar era a
musculatura em seus mínimos detalhes, de forma a gerar a ilusão de perspectiva. É
interessante ressaltar que as gravuras referentes à musculatura são utilizadas até
hoje por estudantes de arte144. É importante observar que estas gravuras não
ressaltam o caráter mórbido ou inativo da morte e sim os aspectos que caracterizam
o homem como ser vivo, a saber, os movimentos expressivos e a reflexão, entre
outros atributos que podemos relacionar com a cara noção renascentista da
dignidade do homem.
Destacamos nas fontes D e E a preocupação em fazer com que o estudante
tivesse acesso ao maior número possível de músculos, entendendo sua função e
forma, tendo em vista o recurso de deixá-los “pendurados” no corpo, “com a
143 VESALIUS, Op. Cit., p. 98. 144 Idem, Ibidem.
69
exposição sistemática dos músculos mais profundos, camada por camada” 145. É
importante destacar que apesar destas imagens mostrarem alguns músculos
descolados e pendurados ao corpo, de forma alguma esta é uma imagem destituída
de vivacidade ou mesmo mórbida. O corpo representado nesta gravura é dotado de
toda a dignidade atribuída ao homem, o que pode ser observado tanto pela postura
corporal como pela composição entre corpo e fundo na imagem.
Podemos concluir, portanto, que os corpos representados na obra de Vesalius
não representam cadáveres, mas sim a natureza humana a partir de sua estrutura
física, acessada a partir da observação e movida pela busca do conhecimento
através do uso da razão. Fica claro, também, como o método de Vesalius era
importante para os estudos do corpo no Renascimento, pois permitiam um olhar
atento, camada por camada, aos detalhes da anatomia humana, o que era possível
aliando a observação à prática.
3.3.2 OS ESTUDOS DE LEONARDO DA VINCI
Conforme o estudo de Georges Vigarello e Roy Porter146, Leonardo produziu
aproximadamente 750 desenhos anatômicos, porém estes estudos foram
elaborados “a título estritamente privado, provavelmente em segredo, e não tiveram
absolutamente nenhum impacto sobre o progresso da medicina” 147. Desta forma,
podemos diferenciá-lo de Vesalius, que buscou divulgar os conhecimentos obtidos a
partir das observações feitas da dissecação, inclusive com a publicação de textos e
livros pedagógicos. A partir desta constatação, podemos deduzir que da Vinci se
debruçou sobre os estudos da anatomia humana para satisfação de interesses
pessoais pelo tema, para saciar sua busca pelo conhecimento sobre o corpo,
aplicando o resultado de suas observações em sua produção artística. Desta forma,
a escolha pelos estudos de Leonardo como fonte na presente pesquisa se dá em
função de sua busca por desvendar os segredos do corpo a partir do olhar de um
145 VESALIUS, Op. Cit., p. 104. 146 PORTER e VIGARELLO, Op. Cit. 147 Idem, p. 451.
70
artista e também de um investigador que estava intensamente envolvido nas
discussões contemporâneas sobre o homem e seu corpo.
Com a descrição das imagens é possível perceber que a preocupação de da
Vinci não era a de reproduzir o corpo inteiro, mas sim estudar os detalhes, de
diversos ângulos, de forma e entender como músculos, ossos, tendões e outros
tecidos se comportavam em determinados movimentos. Para tanto, Leonardo
estudou, observou e desenhou cada parte do corpo à exaustão, resultando em uma
minuciosa representação. Gombrich aponta para a “persistência dele [da Vinci] na
criação de certas imagens”148, e que este fator o levou a desenvolver um método de
esboçar que, nas palavras do próprio Leonardo, “harmonizem em escala e
proporções com a perspectiva, de tal forma que não se perceba, na obra, nada que
contrarie a razão e os efeitos naturais” 149
No estudo do esqueleto podemos perceber que a volumetria da caixa torácica
teve especial atenção. Para este estudo da Vinci procurou visualizar o esqueleto
tridimensionalmente, pois temos acesso ao tronco em uma visão anterior, lateral e
frontal, o que é revelador de sua obsessão em entender a constituição do corpo
humano. Para estudar a obra de Leonardo é fundamental que tenhamos em mente
que ele foi mais que um artista. Seu objetivo ao dissecar corpos humanos era o de
atingir uma representação perfeita dos objetos, mas também o de estudar, conhecer
e compreender o corpo humano.
Ao analisarmos a fonte G podemos compreender mais claramente de que
forma se dava esta busca pela representação perfeita dos objetos. Leonardo buscou
ilustrar os ossos da perna em diversos ângulos de forma a compreender como esta
estrutura ocupa lugar no espaço em determinada posição. Assim sendo,
observamos um conjunto de estudos de tridimensionalidade e também sobre as
articulações e rotações dos ossos da perna. A existência da imagem de uma perna
com os músculos sugere que da Vinci se preocupou em relacionar os ossos da
perna com o revestimento de músculos. Olhando o conjunto de imagens dos ossos
com a da musculatura entendemos o papel de cada uma destas estruturas para a
representação do corpo humano segundo os ideais renascentistas de
proporcionalidade e beleza.
148 GOMBRICH, “Norma...” Op. Cit., p. 80. 149 DA VINCI, Leonardo, Apud GOMBRICH, Idem.
71
Na fonte H vemos que Leonardo se deteve especialmente ao estudo da
musculatura masculina. É interessante ressaltar a preocupação do artista com o
volume e a forma de cada parte representada, e ainda sua preocupação com as
proporções corporais. Este aspecto é de grande importância em função de da Vinci
sempre buscar passar a impressão de vivacidade em suas obras, tendo em vista
que as pranchas demonstram que ele possuía grande conhecimento sobre a
motricidade, ou seja, como cada músculo deveria ficar (flexionado ou relaxado) em
determinada posição.
Este aspecto também pode ser percebido ao estudarmos a fonte I, sobre os
estudos da área do ombro. Nestas imagens percebemos que Leonardo não se
deteve apenas a observar a musculatura superficial, como os artistas de sua época
geralmente faziam, mas também de músculos internos, nervos e tendões,
articulação dos ossos do ombro e sua rotação, entre outros. O estudo minucioso de
da Vinci o levou a repetir os estudos da mesma área corporal em diversos ângulos e
perspectivas, e os desenhos apresentam uma aparência realista que surpreende o
observador pela perícia e exatidão.
A fonte J, referente ao estudo da extremidade inferior do corpo, se diferencia
das demais por não estar acompanhada de outros desenhos. É interessante
perceber que Leonardo se preocupa em apresentar o encaixe do quadril com o
tronco, mesmo que o objetivo do estudo fosse apenas compreender a musculatura
das pernas. Este aspecto nos permite pensar que para ele era importante inserir o
conhecimento adquirido em um conjunto maior, compreendendo de que forma o
detalhe fazia parte do todo representado. Outro aspecto impressionante nesta
imagem é a aparência de vitalidade que da Vinci consegue demonstrar, mesmo com
poucos traços e com um desenho incompleto.
A partir do conjunto documental de Leonardo podemos inferir que para este
artista a dissecação era um método de desvendar detalhes do corpo humano de
forma a permitir uma representação perfeita deste objeto e é este aspecto que deve
ser considerado em primeiro lugar para se entender sua anatomia. Outra questão
que devemos levar em consideração ao estudarmos as pranchas de da Vinci é a
forma como este artista conseguia transmitir vivacidade a seus desenhos e
ilustrações, mesmo com poucos recursos estilísticos.
72
3.3.3 O ANATOMISTA E O ARTISTA: DUAS REPRESENTAÇOES DO
CORPO
A partir das descrições formais do nosso corpo documental passamos às
diferenças primordiais entre Vesalius e da Vinci. Desta forma, é interessante analisar
comparativamente os dois conjuntos de fontes desta pesquisa levando em
consideração os diferentes recursos utilizados pelos autores para dotar o corpo
representado da dignidade atribuída ao homem.
Uma diferença fundamental que podemos apontar é que as pranchas de
Vesalius possuem temas artísticos, enquanto os estudos de Leonardo são mais
objetivos, sem preocupação em inserir o objeto representado em um contexto. Esta
é uma observação importante se levarmos em consideração os ofícios de cada um,
pois Vesalius procurava dar um caráter científico à sua produção, que tinha função
pedagógica, já Leonardo, apesar de trabalhar em diferentes ocupações, como
inventor e até mesmo botânico, era notadamente reconhecido como artista. Desta
forma se torna curioso perceber que o anatomista buscou inserir suas pranchas em
uma narrativa pictórica formal e que da Vinci não se preocupou com este aspecto,
dando preferência ao estudo dos detalhes do corpo.
É interessante perceber que as imagens de Leonardo não buscam
representar o corpo inteiro e com a dramaticidade observada nos estudos de
Vesalius. Porém, o que as pranchas de da Vinci nos mostram, conforme Daniel
Arasse150, é a incansável busca pelo movimento, pelo detalhe de cada parte do
corpo, ou seja, podemos perceber uma obsessão em representar o movimento.
Talvez porque toda a dramaticidade, intensidade e delicadeza estavam nas suas
pinturas.
Outra diferença básica entre os conjuntos de imagens analisados é o material
com o qual foram produzidos. Enquanto as pranchas de Vesalius recorrem ao
método da gravura, Leonardo utiliza giz, carvão vegetal e tinta pura ou aguada, o
que possibilita criar efeitos tridimensionais. A partir desta diferenciação podemos
inserir as imagens em sua dimensão social, ou seja, compreender as funções
exercidas por elas no contexto renascentista.
150 ARASSE, Op. Cit.
73
Analisando as fontes e recorrendo à historiografia pudemos perceber que o
recurso da gravura era importante para Vesalius, pois ele queria que sua obra fosse
difundida entre estudantes de medicina e das artes. Desta forma ele poderia garantir
certa qualidade de reprodução com um custo menor. Notamos, então, que o
detalhamento da imagem foi sacrificado em função de sua utilidade social, o que não
significa que Vesalius não tenha alcançado seu objetivo de produzir pranchas
pedagógicas que permitissem uma compreensão detalhada do corpo humano. As
gravuras nos passam a impressão de movimento, contemplação, perspectiva, entre
outros, porém elas não apresentam características naturalistas. Isto, contudo, não
impedia que as imagens cumprissem seu papel de servir como instrumento para se
entender tanto o funcionamento do corpo, como também estabelecer noções de
proporção e estética.
Os estudos de Leonardo, por outro lado, apresentam uma riqueza de detalhes
que impressiona o observador. Apesar de não se tratar de imagens de corpo inteiro
e de muitas vezes um desenho se sobrepor ao outro causando até mesmo uma
confusão, as partes representadas apresentam a impressão de naturalidade que,
como demonstramos anteriormente, era tão almejada pelos artistas. O recurso ao
giz e à tinta aguada dotava as pranchas de movimento, volume e profundidade. É
importante ressaltar que estas imagens foram produzidas para uso privado do artista
e de seus aprendizes, o que permitia que da Vinci dedicasse maior atenção aos
detalhes técnicos e formais. De fato, percebemos esta dedicação ao observarmos
que ele buscava representar alguma parte específica do corpo até a exaustão,
repetindo quantas vezes fossem necessárias para atingir o efeito desejado.
Percebemos ainda que Leonardo dedicou muita atenção ao estudo do movimento do
corpo humano, buscando desenhar as articulações em diferentes rotações e
ângulos, de forma a estar preparado para enfrentar qualquer desafio que se
apresentasse em um trabalho.
Aproximando os dois conjuntos de fontes estudados pode-se perceber que
foram concebidos para possibilitar a transformação do corpo em imagem de forma
que o observador tivesse a impressão de estar diante do objeto real e não da
representação. Para tanto, percebemos que o artista se via frente a um desafio de
mediar a relação entre as proporções reais e aquela que passava maior impressão
de naturalidade. Desta forma, a preocupação do pintor era entender “a natureza de
74
nossas reações a este mundo [...] conjurar uma imagem convincente apesar do fato
de que nenhum tom isolado corresponde ao que chamamos de ‘realidade’” 151.
É importante relembrar, conforme discutido no primeiro capítulo, que a
representação pictórica do corpo humano estava diretamente ligada aos ideais de
beleza da época que se baseavam na reprodução de padrões neo-platônicos de
harmonia e proporção, o que fazia com que as imagens nem sempre fossem uma
representação fiel do objeto em questão, mas sim de um ideal de perfeição, o que
gerava algumas diferenças entre as fórmulas estabelecidas para a representação
perfeita e aquilo que era tido como ideal representativo. Este distanciamento entre
as medidas estabelecidas através do estudo atento de todas as partes do corpo e
aquilo que era necessário que o artista fizesse para que sua imagem tivesse uma
ilusão de naturalidade – o que podemos chamar de “correção” do real, de acordo
com Gombrich - gerou um intenso debate que envolveu artistas e anatomistas a fim
de estabelecer os melhores métodos representativos152.
151 GOMBRICH, “Arte...” Op. Cit. pp. 44-46. 152 Idem.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho procuramos relacionar os conhecimentos sobre o corpo
produzidos no Renascimento a uma nova forma de representação. A partir da
localização cultural do objeto da nossa pesquisa apontamos alguns elementos
direcionadores para este estudo, como a questão do corpo ter se configurado como
um objeto do olhar, demandando estudos específicos que resultaram em diversas
ilustrações de caráter pedagógico, utilizadas como recursos didáticos nas
universidades e em estúdios de artes. É possível perceber, ao se observar esses
materiais, que anatomistas e artistas procuravam representar o corpo de forma
bastante naturalista. Foram explorados recursos visuais que possibilitaram a
impressão de movimento, dotando o desenho ou a gravura de certa dramaticidade.
A expressão corporal, os músculos, os detalhes superficiais eram alvo de análise,
bem como a tridimensionalidade.
O ambiente intelectual que permeou este processo de transformação do olhar
sobre o corpo facilitou a produção de um conhecimento que articulava a fé e a razão
influenciando de forma marcante a elaboração das pranchas anatômicas.
Defendemos a ideia de que estes estudos, que se preocupavam em entender o
lugar do homem no mundo e na natureza, foram muito importantes para que se
estudasse cada detalhe do corpo humano de forma a estabelecer fórmulas para uma
representação naturalista que demonstrasse e reforçasse a singularidade e a
dignidade humana.
Procuramos demonstrar também que este período foi marcado por uma forma
específica de se compreender o corpo. Em sua materialidade e expressividade foi
alvo de controles e determinações culturais intensos, resultado de um processo
social no qual as pessoas começaram a se preocupar em se adequar às regras cada
vez mais restritas dos espaços em que estavam inseridos.
Este período marcou, ainda, uma diferenciação do status social do artista, que
passou a ser valorizado pela sua individualidade e talento. Acreditamos que esta
característica influenciou a forma de representação do corpo, tendo em vista que os
artistas eram admirados pela sua capacidade de demonstrar expressão,
naturalidade e harmonia, gerando um desejo de superação tanto de si mesmo, como
76
também de outros artistas. A partir destes aspectos definimos o Renascimento,
portanto, como um período em que houve um intenso ideal de aperfeiçoamento, o
que fez com que se criassem novos métodos e técnicas com o objetivo de conceber
representações artísticas que estivessem em consonância com os ideais da época.
Apontamos este ideal de aperfeiçoamento como gerador de um ambiente que
permitiu estudos aprofundados sobre o corpo através das dissecações anatômicas.
Tendo em vista que no Renascimento a medicina era concebida como uma arte e a
representação artística do corpo era tida como ciência, podemos, portanto, apontar
as pranchas anatômicas como um elemento catalisador entre estas duas áreas do
conhecimento. Concluímos assim, que a prática da dissecação era um recurso
importante para a construção do conhecimento sobre o homem, tanto para entender
sua constituição física, como também para buscar explicações científicas para as
reações corporais a doenças, prazeres e outros estímulos externos.
Observamos a importância social do anatomista e do artista que praticavam o
método da dissecação. Estes dois ofícios se ocupavam em desvendar os mistérios
do corpo em uma época em que se estava buscando uma nova interpretação sobre
a natureza, valorizando estudos cada vez mais baseados na observação.
Foi neste ambiente que Andreas Vesalius e Leonardo da Vinci produziram
suas obras anatômicas, cada um com um objetivo específico, buscando desvelar os
segredos do corpo humano. Cada um deles teve uma formação de acordo com o
esperado na época, ou seja, Vesalius cursou medicina na Universidade de Paris e
da Vinci serviu como aprendiz no estúdio de Andrea Del Verrochio. O grande
diferencial deles com relação a outros artistas e anatomistas da Renascença é que
ambos foram além da simples dissecação para conhecer o corpo e comprovar o que
mestres do passado haviam ensinado. Leonardo e Vesalius procuraram observar e
representar o corpo humano com rigor, mesmo que isto às vezes os levasse a
discordar dos cânones da anatomia. Vesalius ficou famoso por fazer uma correção à
obra galênica, o que acabou por gerar inimizades com os defensores do mestre da
Antiguidade.
Embora o objetivo de Vesalius e Leonardo fosse estudar o corpo em todas as
suas minúcias, podemos estabelecer diferenças primordiais em suas obras. Vesalius
era professor de cirurgia e utilizou seus estudos para desenvolver um material
pedagógico que ajudasse os estudantes de medicina e também para aprendizes de
artistas que não tinham a oportunidade de estudar a partir da observação prática do
77
corpo. Já Leonardo elaborou seus estudos para aperfeiçoar suas técnicas, de forma
que poucas pessoas em sua época tiveram acesso a este material.
Entender a relação entre arte e ciência no Renascimento é fundamental para
compreender a importância social dos estudos de anatomia neste período. A arte era
entendida como uma forma de conhecimento e, como tal, demandava estudos
específicos para garantir um rigor que, além de permitir ao artista uma
representação harmoniosa da figura humana, dava à imagem a aura de perfeição.
Num período em que se discutia a dignidade do homem e seu lugar no mundo e na
natureza através da utilização da razão e da fé, a representação deveria
acompanhar este ideal de perfeição.
É importante levar em consideração este caráter quase cientifico da arte no
período estudado, pois nos ajuda a situar as fontes desta pesquisa no contexto
renascentista. Procuramos ressaltar tal característica ao longo desta monografia,
pois acreditamos que ela seja fundamental para entendermos de que forma o artista
e o anatomista da Renascença se posicionavam perante o corpo humano, que tipo
de olhar crescentemente dessacralizado era destinado a este objeto e de que forma
ele se tornou central no processo criativo do artista.
Apontamos nas pranchas de Vesalius um aspecto de “vitalidade” do corpo
representado, ou seja, todos os elementos de composição das imagens eram
minuciosamente calculados, de forma que o corpo representado não parecia o de
um cadáver, mesmo que estivesse sem a pele e com músculos pendurados ao
corpo.
Outra questão que definimos a partir da análise das imagens foi que as
pranchas contidas em Fábrica apresentam diversos elementos característicos da
concepção renascentista de representação do corpo, ou seja, por mais que o
objetivo principal destas imagens fosse servir de recurso pedagógico para a
construção de um conhecimento objetivo sobre o corpo, elas apresentam erros
propositais de proporção, curvatura e volumetria, de forma a passar uma impressão
de naturalidade. Há um distanciamento entre a representação naturalista e as
proporções que o elemento representado possui de fato, pois artistas e anatomistas
do Renascimento percebiam que havia uma diferença entre o objeto e aquilo que a
percepção humana captava daquele objeto.
Já as pranchas de Leonardo não buscavam representar o corpo inteiro, mas
sim estudos específicos de determinadas partes do corpo. Estas imagens
78
mostravam detalhes do interior do corpo, diferentemente de estudos de outros
artistas da época que se preocupavam somente em entender a musculatura
superficial. É importante ressaltar, contudo, que, mesmo que estas pranchas
apresentem partes isoladas do corpo estas imagens são expressivas, pois ao
observarmos estas imagens temos a impressão de força, emoções e,
principalmente, movimento.
Outra questão importante a se ressaltar sobre estas pranchas é que elas
apresentam estudos repetidos das mesmas partes do corpo, em diferentes ângulos,
posições e tamanhos. Apontamos que este aspecto é fundamental para entender a
busca de da Vinci pela representação perfeita. Entendemos que este olhar
minucioso que Leonardo devotava às suas imagens tenha contribuído para a
elaboração de técnicas representativas que são admiradas até hoje, tais como o
sfumato, o chiaroscuro, entre outros.
Entendemos, portanto, que ao estudar o corpo no Renascimento a partir dos
estudos anatômicos acessamos um rico material epistemológico que nos permite
entender o lugar ocupado por este objeto, inserido em um amplo campo de
pesquisas sobre o humano, tanto a respeito do funcionamento corporal, quanto de
questões filosóficas com relação à dignidade humana, e o uso da razão.
79
FONTES
FONTE A – GRAVURA 21 In VESALIUS, Andreas. De humani corporis fabrica.
Campinas: Editora Unicamp, 2003, p. 90. FONTE B – GRAVURA 22 In VESALIUS, Op. Cit., p. 92. FONTE C – GRAVURA 25 (SEGUNDA GRAVURA DOS MÚSCULOS) In
VESALIUS, Op. Cit., p. 100. FONTE D – GRAVURA 27 (QUARTA GRAVURA DOS MÚSCULOS) In VESALIUS,
Op. Cit., p. 104. FONTE E – GRAVURA 33 (DÉCIMA GRAVURA DOS MÚSCULOS) In VESALIUS,
Op. Cit., p. 116. FONTE F – 1. THE SKELETON. In DA VINCI, Leonardo. Leonardo’s Anatomical
Drawings. Mineola, N.Y.: Dover Publications Inc, 2004 FONTE G – 9. THE LOWER EXTREMITY In DA VINCI, Op. Cit. FONTE H – 14. MYOLOGY OF TRUNK In DA VINCI, Op. Cit. FONTE I – 17. MYOLOGY OF SHOULDER REGION In DA VINCI, Op. Cit. FONTE J – 24. MYOLOGY OF LOWER EXTREMITY In DA VINCI, Op. Cit. REFERÊNCIA DAS IMAGENS Figura 1 – Ervas, Albrecht Dürer, 1503. In: GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000, 16ª edição. Figura 2 – O Nascimento de Vênus, Sandro Botticelli, c.1485. In: GOMBRICH, Op. Cit. Figura 3 – A academia de Baccio Bandinelli, Enea Vico, c. 1535. In: JORDANOVA, Ludmila. PETHERBRIDGE, Deanna. The Quick and the Dead. Berkeley: University of California Press, 1997. Figura 4 – Fascículo de Medicina, Johannes de Kethan, 1493. In: JORDANOVA e PETHERBRIDGE, Op. Cit. Figura 5 – Batismo de Cristo, Leonardo da Vinci e Andrea Del Verrochio, 1470 -1476. In: SÉAILLES, Gabriel. Leonardo da Vinci. Nova York: Parkstone Press International, 2010. Figura 6 – A Última Ceia, Leonardo da Vinci, 1494-1498. In: SÉAILLES, Op. Cit.
80
REFERÊNCIAS
ARASSE, Daniel. “A Carne, a Graça, o Sublime”. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Gorges. História do corpo: Da Renascença às Luzes. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2008. BARRETO, Gilson e OLIVEIRA, Marcelo G. A Arte Secreta de Michelangelo: Uma lição de anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004. BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia da Letras, 2009. BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: Cultura e sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999. BYINGTON, Elisa. O projeto Renascimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. In: Estudos Avançados, vol.5 n.º11, São Paulo, Jan/Abr 1991. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Gorges. História do corpo: Da Renascença às Luzes. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2008. COURTINE, Jean Jacques; HAROCHE, Claudine. História do rosto. Exprimir e calar as suas emoções (do século XVI ao início do século XIX). Lisboa: Editorial Teorema, 1995. DELLA MIRÀNDOLA, Pico. A dignidade do Homem. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. São Paulo: Editora Escala, s.d. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. FREITAS, Artur. “História e imagem artística: por uma abordagem tríplice”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 34, jul-dez/2004. GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000, 16ª edição. __________________. Arte e Ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. __________________. Norma e Forma. São Paulo: Martins Fontes, 1990. HAROCHE, Claudine. Da palavra ao gesto. São Paulo: Papirus, 1998. JORDANOVA, Ludmila. PETHERBRIDGE, Deanna. The Quick and the Dead. Berkeley: University of California Press, 1997.
81
MANDRESSI, Rafael. “Dissecações e anatomia”. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Gorges. História do corpo: Da Renascença às Luzes. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2008. MORE, Thomas. A utopia. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1972. PORTER, Roy. VIGARELLO, Georges. Corpo, saúde e doenças. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Gorges. História do corpo: Da Renascença às Luzes. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2008. ROTTERDAM, Erasmo de. O Elogio da Loucura. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1972. SANT’ANNA, Denise. “É possível realizar uma história do corpo?”. In SOARES, Carmen. Org. Corpo e história. Campinas: Editora Autores Associados, 2001. SAUNDERS, J. B. DeC. M. e O’MALLEY Charles D. Esboço Biográfico sobre Andreas Vesalius. In: VESALIUS, Andreas. De humani corporis fabrica. Campinas: Editora. Unicamp, 2003. SÉAILLES, Gabriel. Leonardo da Vinci. Nova York: Parkstone Press International, 2010. VASARI, Giorgio. Vidas dos Artistas. São Paulo: Martins Fontes, 2011. VESALIUS Andreas. De humani corporis fabrica. Campinas: Editora Unicamp, 2003.
82
ANEXOS
ANEXO 1
Figura 1 – Ervas, Albrecht Dürer, 1503
83
ANEXO 2
Figura 2 – O Nascimento de Vênus, Sandro Botticelli, c.1485
84
ANEXO 3
Figura 3 – A academia de Baccio Bandinelli, Enea Vico, c. 1535
85
ANEXO 4
Figura 4 – Fascículo de Medicina, Johannes de Kethan, 1493
86
ANEXO 5
Figura 5 – Batismo de Cristo, Leonardo da Vinci e Andrea Del Verrochio, 1470 -1476
87
ANEXO 6
Figura 6 – A Última Ceia, Leonardo da Vinci, 1494-1498
88
ANEXO 7
FONTE A – GRAVURA 21
89
ANEXO 8
FONTE B – GRAVURA 22
90
ANEXO 9
FONTE C – GRAVURA 25
SEGUNDA GRAVURA DOS MÚSCULOS
91
ANEXO 10
FONTE D – GRAVURA 27
QUARTA GRAVURA DOS MÚSCULOS
92
ANEXO 11
FONTE E – GRAVURA 33
DÉCIMA GRAVURA DOS MÚSCULOS
93
ANEXO 12
FONTE F – 1. THE SKELETON
94
ANEXO 13
FONTE G – 9. THE LOWER EXTREMITY
95
ANEXO 14
FONTE H – 14. MYOLOGY OF TRUNK
96
ANEXO 15
FONTE I – 17. MYOLOGY OF SHOULDER REGION
97
ANEXO 16
FONTE J – 24. MYOLOGY OF LOWER EXTREMITY