36
Dinâmicas entre acessibilidade e segregação: caso das praças da cidade de João Pessoa-PB Resumo do trabalho: O espaço urbano pode ser entendido como um produto da dominação da classe de mais alta renda. Os interesses espaciais da camada dominante comandam a estruturação deste, e o utilizam como instrumento para a reprodução das relações de produção e de consumo. Os percursos territoriais e a distribuição de infraestrutura urbana nas localizações destas classes aumentam ainda mais a desigualdade socioespacial. Sendo estes deslocamentos e a adequação da infraestrutura, e dos demais subsistemas que compõe o sistema urbano, às necessidades da classe de mais alta renda, aspectos intrínsecos ao processo de segregação socioespacial. A partir desta premissa, o objetivo do presente trabalho é analisar a relação entre acessibilidade e segregação na produção de praças na cidade de João Pessoa. O método aplicado foi a Teoria da Sintaxe Espacial, para quantificar o nível de acessibilidade nas vias próximas às praças, além do uso de dados georreferenciadas para análise quantitativa e visual. Os resultados mostraram que a produção de praças na cidade de João Pessoa segue uma lógica de localização em espaços morfologicamente acessíveis, porém concentrados em localizações concentradas pela classe de alta renda. 1

Enanpur Praças Final

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Artigo para o Enanpur, sobre Praças

Citation preview

Page 1: Enanpur Praças Final

Dinâmicas entre acessibilidade e segregação: caso das praças da cidade de

João Pessoa-PB

Resumo do trabalho: O espaço urbano pode ser entendido como um produto da dominação da

classe de mais alta renda. Os interesses espaciais da camada dominante comandam a estruturação

deste, e o utilizam como instrumento para a reprodução das relações de produção e de consumo.

Os percursos territoriais e a distribuição de infraestrutura urbana nas localizações destas classes

aumentam ainda mais a desigualdade socioespacial. Sendo estes deslocamentos e a adequação da

infraestrutura, e dos demais subsistemas que compõe o sistema urbano, às necessidades da classe

de mais alta renda, aspectos intrínsecos ao processo de segregação socioespacial. A partir desta

premissa, o objetivo do presente trabalho é analisar a relação entre acessibilidade e segregação na

produção de praças na cidade de João Pessoa. O método aplicado foi a Teoria da Sintaxe

Espacial, para quantificar o nível de acessibilidade nas vias próximas às praças, além do uso de

dados georreferenciadas para análise quantitativa e visual. Os resultados mostraram que a

produção de praças na cidade de João Pessoa segue uma lógica de localização em espaços

morfologicamente acessíveis, porém concentrados em localizações concentradas pela classe de

alta renda.

Palavras-chave: Praças, Acessibilidade, Segregação

1

Page 2: Enanpur Praças Final

Introdução

As cidades podem ser entendidas como um espaço onde um aglomerado humano

exerce atividades diferenciadas. A localização destas atividades dentro da estrutura urbana e as

relações entre pessoas e grupos geram formas e processos espaciais determinados.

Os processos de produção do espaço urbano são repletos de diferenças econômicas,

distintos entre as grandes metrópoles brasileiras e disseminados entre as cidades médias e

pequenas em menor escala, e configuram as mais diversas formas de interação urbana.

Entre as imbricações dessas interações, está a instalação das atividades mais

dinâmicas e de pessoas de maiores recursos em áreas mais privilegiadas, seguindo a lógica da

conveniência e agregando valor a determinadas parcelas da cidade, criando sítios sociais muito

particulares. Este processo de estruturação interna do espaço urbano é dominado pelos interesses

de consumo das camadas mais altas e configura-se pela “apropriação diferenciadas dos frutos,

das vantagens e dos recursos do espaço urbano” pela classe dominante (Villaça, 2001, p. 328).

Entre as vantagens obtidas por estas classes está a otimização dos gastos tempo

despendidos nos deslocamentos, uma vez que, as camadas de alta renda procuram trazer ou

produzir no seu espaço equipamentos e melhorias nos subsistemas urbanos de acordo com suas

necessidades. Ressalta-se que estas camadas melhoram para si a acessibilidade às diversas

localizações urbanas em detrimento das classes menos abastadas.

Neste sentido, o termo “acessibilidade” pode assumir nuances diferentes dependendo

da área do conhecimento, mesmo sendo alvo de discussões e reflexões há quase dois séculos,

ainda é objeto de controvérsias e confusões, conforme afirma Cardoso (2007). Entretanto, para o

presente estudo, adota-se a definição de Silveira (2004, p. 33), para o qual a acessibilidade física

é vista como “a facilidade de atingir os destinos desejados, como a medida direta e positiva dos

efeitos de um sistema de transporte”, considerando-a como atributo do espaço urbano, bem como

uma questão de “atrito” resultante da relação entre a atratividade de um determinado “ponto” da

cidade e as dificuldades de acessá-lo.

Assim, acessibilidade representaria, também, “oportunidades urbanas” para os

citadinos, como possibilidades de ter acesso a diversas localizações na cidade e, assim, usufruir

dos serviços e equipamentos oferecidos pela urbe, bem como, dos espaços livres públicos.

2

Page 3: Enanpur Praças Final

Estes espaços exercem importante papel na sociedade contemporânea, proporcionam

encontro e lazer, promovem a socialização dos indivíduos, organizam a infraestrutura da cidade,

configuram o desenho urbano, fortalecem a identidade local e estruturam áreas de proteção

ambiental. A acessibilidade aos espaços livres públicos seria, portanto, uma medida também de

inclusão social.

Nesta perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo estudar a relação entre a

localização dos espaços livres públicos e a acessibilidade na cidade de João Pessoa (PB), com

base na distribuição destes espaços na trama urbana, avaliar a possibilidade de acesso a estes

espaços pela população através de análises sintáticas.

A produção do espaço urbano: algumas notas

Para Corrêa (1999, p.11), o espaço urbano pode ser entendido como um “reflexo e

condicionante social, conjunto de símbolos e lutas”. Constituído por diferentes usos de terra

sobrepostos entre si, que definem áreas, como o centro da cidade, áreas industriais, áreas

residenciais, áreas de lazer e áreas de expansão. O presente autor, nesta direção, apresenta o

espaço urbano de uma cidade capitalista como fragmentos e afirma que cada uma dessas partes

mantém relações com as demais, através da circulação de decisões e investimentos de capital, de

rendimentos, da prática do poder e da ideologia.

Neste viés, Marx em seus estudos, mostrou “ser possível ligar, teoricamente, o

processo geral de crescimento econômico com o entendimento explícito de uma estrutura

emergente de relações espaciais” (Harvey, 2005, p.43).

Depreende-se, portanto, que as articulações que conformam o espaço urbano

representam os processos de reprodução das relações de produção. Porém, “a cidade é também o

local onde diversas classes sociais vivem e se reproduzem”, dessa forma, os conflitos sociais

também se inserem no contexto da produção do espaço urbano (Corrêa, 1999, p.9). Segundo

Alvarez (2013), as transformações ocorridas nas cidades nas últimas décadas sinalizam mudanças

estruturais na reprodução social, e o espaço constituí não apenas produto, mas também condição

e meio de reprodução do capital. Para a autora:

3

Page 4: Enanpur Praças Final

A paisagem urbana revela desigualdades que são socioespaciais, porque

fundamentadas num processo contraditório de produção social do espaço, no qual

a valorização/circulação de capitais de diferentes níveis (locais, regionais e

globais) pressupõe a produção da cidade (da metrópole, do urbano) como

condição e meio de sua própria realização (Alvarez, 2013, p. 113).

Desse modo, entende-se que ao mesmo tempo em que o espaço é produzido em

conjunto com diversos atores sociais, sua apropriação é privada e o seu uso é subordinado à troca.

Esta possibilidade de capitalização da parte de mais valia como renda pelo proprietário da terra,

libera o capital imobilizado e configura a propriedade não apenas como patrimônio, mas também

como capital.

Nesta perspectiva, a compreensão do espaço urbano ultrapassa o sentido da

concentração-distribuição de atividades produtivas, serviços, equipamentos e infraestrutura

urbana, abrange também “a dimensão do uso, da presença e da possibilidade da apropriação”

(Alvarez, 2013, p.112).

Destarte, tais considerações nos convidam a fazer uma reflexão sobre a presença de

diferentes classes ou camadas sociais no espaço urbano e o modo como estas se apropriam e

modificam as formas espaciais que configuram a cidade.

A segregação socioespacial como um dos fundamentos da produção do espaço urbano

Segundo Côrrea, o conceito de segregação aparece na Escola de Chicago com Robert

Park e Roderick Mckenzie, este define a segregação como a concentração de tipos de população

dentro de um dado território, sendo entendida como um fenômeno natural, resultante da

competição entre os indivíduos. O autor, também, aponta que posteriormente ao conceito de áreas

naturais surge o conceito de áreas sociais, definido por Shevky e Bell como sendo áreas marcadas

pela uniformidade da população.

Castells (1983, p. 210), define a segregação espacial como “a tendência à organização

do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre

4

Page 5: Enanpur Praças Final

elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença, como também de

hierarquia”.

Desse modo, analisando os pressupostos acima, podemos identificar a diferenciação

das classes sociais como um elemento (trans)formador do espaço urbano, criando separações

simbólicas entre os diversos segmentos sociais.

Porém, conforme aponta Villaça (2001), a segregação espacial não implica na

separação espacial das diferentes classes, não existe presença exclusiva. A segregação de uma

classe é determinada pela concentração desta em uma região mais do que em qualquer outra da

cidade.

De acordo com Corrêa (1999), as áreas sociais criadas pela segregação seguem certa

lógica espacial, não estão dispostas de modo aleatório. Estes padrões são identificados pelos

nomes daqueles que teorizaram sobre a distribuição espacial das classes nos fragmentos da

cidade: são denominados modelos de Kohl, Burgess e Hoyt. O primeiro modelo de segregação

foi formulado, possivelmente, em 1841 pelo geógrafo J.G. Kohl, e baseado na generalização da

distribuição dos grupos sociais nas cidades da Europa continental. Neste modelo, a elite

localizava-se junto ao centro, enquanto os pobres habitavam na periferia viviam.

Sobre a lógica desse modelo, é importante observar que:

A lógica deste padrão residia no fato de que, na metade do século XIX, assim

como anteriormente, a mobilidade intraurbana era muito limitada e a localização

junto ao centro da cidade constituía uma necessidade para a elite porque ali se

localizavam as mais importantes instituições urbanas: o governo, através do

palácio, a Igreja, as instituições financeiras e o comércio a longa distância. A

localização central da elite se devia, pois a uma questão de acessibilidade às

fontes de poder e prestígio (Corrêa, 1999, p. 68).

Segundo Ferrari (1991), em 1924, E. W. Burgess estabeleceu em a teoria das zonas

concêntricas. Tomando como objeto dados empíricos colhidos em Chicago, apresentava a

diferenciação interna do uso da terra conforme a hierarquia social. Burgess afirmava que a elite

deslocou-se para a periferia devido o aumento das camadas de menor renda no centro da cidade.

5

Page 6: Enanpur Praças Final

Para tal, Burgess desenvolveu a noção de centralidade, na qual as atividades urbanas

tendem a se concentrar no centro da cidade, devido à “posição e os processos históricos de

aglomeração e da competição ao redor de tal centro” (Silva, 1993, p.35).

Sobre a teoria de Burgess, é importante destacar que:

Trata-se, portanto de uma evolução na qual a cidade descrita por Kohl passa,

com a fase industrial do capitalismo, para uma organização espacial de

segregação de acordo com o que foi descrito por Burgess. Ter-se-ia, assim, uma

sequencia evolutiva na organização espacial da cidade (Corrêa, 1999, p. 68 e

69).

Ainda nesta perspectiva dos estudos sobre áreas sociais criadas pela segregação, em

1939, H. Hoyt propõe um modelo onde a segregação não mais assumia uma configuração de

círculos entorno de um centro. Segundo Ferrari (1991), a referida teoria apresentava que as zonas

da cidade não eram concêntricas, que estas se estendiam em setores ao longo das vias, canais ou

vale, formando setores.

Para Corrêa (1999, p. 69), “a lógica do modelo de Hoyt está na tendência auto-

segrativa da população de alto status, que se expande ao longo de um eixo de circulação que corta

as melhores áreas da cidade, de onde pode exercer um efetivo controle de seu território”.

Estes direcionamentos, primeiramente se correlacionam com a atratividade do sítio

natural e a proximidade da região ocupada ao centro. Em seguida, com a solidificação da

estruturação urbana se têm a definição das áreas “convenientes” para a burguesia e sua direção de

deslocamento. Destaca-se que esta direção de deslocamento desvela o comportamento espacial da

população, e implica na transformação do espaço urbano, a partir das novas formas de

crescimento da cidade. 

A maioria das cidades reflete às dimensões da pobreza e seu componente geográfico.

Nessas cidades, há a “conjugação de dois movimentos convergentes: a superposição de um sítio

social ao sítio natural e a disputa entre atividades ou pessoas por dada localização” (Santos, 1993,

p. 96).

6

Page 7: Enanpur Praças Final

Esse processo de estruturação interna do espaço urbano é dominado pelos interesses

de consumo das camadas mais altas e esta dominação configura-se pela “apropriação

diferenciadas dos frutos, das vantagens e dos recursos do espaço urbano” (Villaça, 2001, p. 328).

Entre as vantagens obtidas por estas classes está a otimização dos gastos tempo

despendidos nos deslocamentos, uma vez que, as camadas de alta renda procuram trazer ou

produzir no seu espaço, equipamentos e melhorias de sistemas de acordo com suas necessidades.

Na medida em que essa vantagem se consolida, a região ocupada pelas classes mais altas torna-se

mais vantajosa e de difícil abandono pela camada dominante.

Nesta perspectiva, observa-se que a burguesia melhora para si a acessibilidade às

diversas localizações urbanas, especialmente ao centro, em detrimento das demais classes. Pode-

se identificar a adequação do sistema viário às necessidades dessa classe, visando uma

maior capacidade de acesso e a melhoria da mobilidade para os moradores da região.

Para Costa (2011), outra vantagem obtida pelas camadas mais altas está a atuação e

produção concreta do setor imobiliário, o qual viabiliza o acesso a áreas afastadas, pouco densas,

alimentado pelo grande capital financeiro, no vigente estágio do capitalismo mundial.

Assim, o tecido urbano apresenta inúmeras situações de descontinuidade funcional.

Sposito (2013) reforçando a ideia de que as relações entre centro e periferia não são mais

suficientes para a apreensão das lógicas espaciais.

A hierarquia funcional do sistema centro-periferia e as zonas sociais segregadas dão

lugar a estruturas descentralizadas. Substitui-se, assim, a setorização da estrutura urbana em

zonas pela fragmentação funcional.

Tais transformações no espaço urbano não negam a relação centro-periferia, pois as

novas estruturas urbanas se redefinem sobre as pretéritas. Desse modo, novas localidades são

criadas difusas no território, segmentadas socialmente e funcionalmente.

Assim, o fator distância e as relações sociais devem ser tidos como fundamentais para

se compreender como se inscreve o movimento de estruturação da cidade, uma vez que, “nas

cidades dispersas, a população está localizada distante do CBD (Central Business District),

principalmente em função dos altos custos de moradia próxima a ele” (Bertaud & Malpezzi apud

Ribeiro & Holanda, 2006, p.50).

7

Page 8: Enanpur Praças Final

Como efeito da dispersão urbana e da especialização funcional tem-se, além dos altos

custos de moradia próxima ao CBD, o aumento das distâncias que se têm que percorrer, das

velocidades para se gastar o mesmo tempo de viagem, e consequentemente, da energia

consumida para qualquer contato ou troca, e a exigência da utilização de veículos particulares e

invalidade de todos os outros meios de transporte. Na visão de Rueda (2003), esta nova dinâmica

reforça a onda de motorização e causa um retrocesso na capacidade autônoma de se mover,

criando de um quebra-cabeça territorial, a partir da fragmentação da cidade.

Nesta perspectiva, observa-se que a burguesia melhora para si a acessibilidade às

diversas localizações urbanas, em detrimento das demais classes. Pode-se identificar, também, a

adequação do sistema viário às necessidades dessa classe, visando uma maior capacidade

de acesso e a melhoria da mobilidade para os moradores da região.

A produção dos espaços livres públicos

A produção dos espaços livres públicos está correlacionada diretamente “às formas de

propriedade, parcelamento do solo, possibilidades de renda e construção dos proprietários, tanto

no caso de desmembramento de glebas com criação de novos trechos de malha viária, quanto no

caso dos lotes por sobre os quais serão inseridas as construções”. (Custódio et al., 2011, p. 2)

Entretanto, além da disponibilidade de recursos e interesses dos atores sociais

evolvidos, esta produção depende de políticas públicas que as regularizam. Dentre as legislações

federais, pode-se citar a Lei Nº 6766, de 19 de dezembro de 1975, que dispões sobre o

parcelamento do solo urbano e dá outras providencias.

De acordo com o art. 4º, entre os requisitos urbanísticos exigidos para loteamento,

esta existência de “áreas destinadas a sistema de circulação, implantação de equipamento urbano

e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, [...] proporcionais à densidade de

ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se

situem”. Dessa forma, destaca-se que é de responsabilidade municipal legislar sobre as áreas

destinadas a implantação de espaços livres públicos.

Ainda em seu art. 4º, a Lei Nº 6766 traz a seguinte observação sobre as condições que

devem ser atendidas pelos loteamentos, “a legislação municipal definirá, para cada zona em que

8

Page 9: Enanpur Praças Final

se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento

e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os

coeficientes máximos de aproveitamento”.

Essa premissa possibilita que para cada zona da cidade, exista uma percentagem de

áreas públicas diferenciada, de acordo com as características, peculiaridades e interesses dos

atores envolvidos no loteamento e na futura ocupação.

Entretanto, conforme aponta Serpa (2004, p.1), a acessibilidade ao espaço público

da/na cidade contemporânea é hierárquica, desigual, “articula-se no processo de apropriação

espacial, definindo uma acessibilidade que é, sobretudo, simbólica”, é muitas vezes não

contempla as classes menos abastardas. Contrariando o conceito de espaço público, no qual estes

espaços são construídos pela diferença dos membros, e projetados a partir das relações que

envolvem igualdade de direito.

Categoricamente, pode-se classificar a acessibilidade em três escalas territoriais

interligadas: a macroacessibilidade, enquanto possibilidade de atravessamento da cidade como

um todo; a mesoacessibilidade, que seria um escala funcional intermediária de ligação entre

setores urbanos, ou mesmo intrassetorial (entre áreas do mesmo setor – bairros e vias principais

e/ou coletoras); e a microacessibilidade, definida como ligação direta a pontos locais da cidade

(Silveira, 2014). Interessa para o trabalho a macroacessibilidade, associada a uma análise global

da cidade, e a microacessibilidade, relacionada a uma analise na escala do pedestre.

Sob uma visão morfológica, Hillier et al. (1993) afirma que a configuração espacial

(nela incluída a localização de praças) indica, sem a necessidade de outros dados, a provável

distribuição geral de fluxos. Portanto, a configuração da tecitura urbana possui a propriedade de

privilegiar alguns espaços em relação a outros, no que diz respeito ao movimento de passagem.

Sendo assim, a malha urbana seria o principal gerador dos padrões de movimento e, como

consequência, de produção espacial. Este movimento, no cenário das cidades brasileiras, a

desigualdade de oportunidades urbanas, bem como a distribuição de espaços acessíveis, possui

relação com a apropriação espacial por parte da classe de alta renda, que se localizam nos espaços

mais acessíveis da cidade.

Sobre a área de estudo

9

Page 10: Enanpur Praças Final

O município de João Pessoa possui uma área total de 211km², ocupa 0,3% da

superfície do Estado da Paraíba, com uma população de 723.515 habitantes, sendo que, desta,

mais de 99% reside na zona urbana, apresentando uma densidade demográfica de 3.421,28

habitantes por quilômetro quadrado (IBGE, 2010). Está localizado na porção oriental do Estado

(figura 01), entre 08°07’ de latitude sul e 34°52’ de longitude oeste (cf. infra, Figura 01).

É reconhecido por vários autores como Santos Júnior, Silva e Silveira (2013) e

Oliveira (2006) que a malha urbana de João Pessoa vem passando por um processo de dispersão.

A cidade viveu após a década de 1970 um rápido crescimento populacional, que promoveu uma

expansão urbana acelerada, principalmente na região sul do município. Nesse processo, baseado

no acúmulo de capital, bens, serviços, equipamentos e infraestrutura, a organização da cidade em

"fatias socioespaciais" torna a dinâmica espacial urbana desordenada sob o ponto de vista de uma

cidade mais equitativa. As parcelas mais pobres da população são, cada vez mais, afastadas dos

centros e subcentros da cidade, restringindo oportunidades e provocando segregação

socioespacial e espraiamento urbano (Santos Júnior, Silva e Silveira, 2013).

10

Page 11: Enanpur Praças Final

Figura 01: localização da cidade de João Pessoa-PB

11

Page 12: Enanpur Praças Final

Embora, os espaços livres públicos sejam condicionadas por legislação municipal,

conforme apontado anteriormente, o Plano diretor da cidade de João Pessoa (1992) e Código de

urbanismo (2001) não os abordam em suas diretrizes.

Sobre estes espaços, o Código de obras da cidade de João Pessoa (2001) apresenta

apenas a diferenciação entre parques e praças, porém, não se adentra aos aspectos relacionados,

por exemplo, às áreas míninas e à sua proporcionalidade ao número de habitantes da zona em que

se situam. O capitulo V, das definições, art. 39, traz a seguinte redação:

PARQUE - o jardim de dimensões avantajadas, entrecortados de

avenidas, ruas ou caminhos e destinado a recreio. [...] PRAÇA - É o

logradouro de caráter monumental para onde convergem outras vias e

destinado ao tráfego ou estacionamento (João Pessoa, 2001).

Neste cenário, pode-se observar a inexistência de orientações plausíveis sobre a

implantação desses espaços, bem como, o direcionamento de políticas que busquem possibilitar

uma melhor distribuição dos espaços livres públicos na malha urbana da cidade, uma vez que, a

legislação municipal refere-se as estes logradouros apenas como pontos de convergência de vias e

áreas destinas a estacionamento.

Metodologia

O método aplicado neste trabalho é a Sintaxe Espacial. Também chamada de Análise

Sintática do Espaço, foi desenvolvida no final da década de 1970, sendo concretizada no livro

The Social Logic of Space (Hillier e Hanson, 1984). A teoria busca analisar a relação entre o

espaço construído e as práticas sociais, a partir de uma visão sistêmica, na qual um determinado

objeto (praças, ruas, entre outros) relaciona-se com o sistema (p.ex., uma cidade, uma metrópole)

como um todo.

Dentro da Sintaxe Espacial, os dados serão abordados a partir de mapas de

segmentos. Desenvolvido por Turner (2001), o mapa de segmento difere do mapa axial

tradicional por considerar que o caminho mais curto é aquele que minimiza o ângulo entre os

12

Page 13: Enanpur Praças Final

pontos de origem e destino, diferente do mapa axial, cujo menor percurso é aquele onde há a

menor mudança de direção e, portanto, retrata melhor movimento natural das pessoas que o mapa

axial.

As medidas sintáticas empregadas foram Integração e Escolha. De acordo com Hillier

(2009), esta medida analisa a facilidade de alcançar determinado segmento partindo de todos os

outros. A escolha (Choice) refere-se à probabilidade de se passar por um segmento, considerando

todas as possibilidades de origem-destino). As medidas foram analisas em duas escalas: global,

que considera a análise sistêmica, ou seja, valores em relação ao sistema como um todo, e de raio

de 1km, que é o raio de influência dos parque vizinhança e parques de bairro, conforme

Cavalheiro e Del Picchia (1992, p. 32). Ressalta que para o estudo proposto, as praças foram

equiparadas a estas categorias de espaços livres públicos e escolhidas como objetos de análise.

Resultados e discussões

Em relação à integração destes espaços com a malha urbana da cidade, considerando

dados globais, pode-se observar que o maior quantitativo de praças concentra-se na região central

da mancha urbana. Esta situação está atrelada aos aspectos históricos de crescimento da cidade,

no qual seu eixo de expansão inicial delimitado pelo sentido oeste-leste, e na localização das

classes de mais alta renda ao longo deste corredor. Ao todo, das 189 praças, 154 estão localizadas

nos espaços mais integrados (e com maior renda),com valores de integração entre 0,76 e 1,05, o

que equivale a 81,48% do total das praças. O setor sul de João Pessoa, caracterizado por ser

morfologicamente mais segregado e com presença maior da população de baixa renda, possui

apenas 15 praças nos espaços mais integrados (ou 9,74% das praças na região mais integrada), o

que mostra uma clara relação entre a produção de espaços livres, a acessibilidade e o acúmulo de

capital.

Com relação aos valores de integração na escala de 1 km, vê-se que as praças estão

posicionadas em espaços com potencial de interação na escala do pedestre, com concentração em

dois principais polos: o centro antigo da cidade e ao sul da rodovia federal BR-230, região esta

com predomínio de conjuntos habitacionais populares. Neste cenário, 131 praças estão inseridas

em espaços com integração entre 0,63 e 1,18 (bem integradas), o que representa 69,31% do total

13

Page 14: Enanpur Praças Final

de praças. No entanto, 27 delas estão em área de classe de baixa renda, o que representa 20,61%

de todas as praças melhor integradas (cf. infra, Figura 02 a 07).

81%

19%

Integração Global das Praças de João Pessoa

Integradas

Segregadas

Figura 02: Divisão das Praças, por Integração Global

90%

10%

Divisão das Praças Integradas, por classe social

Alta Renda

Baixa Renda

Figura 03: Praças Integradas, por classe social

14

Page 15: Enanpur Praças Final

69%

31%

Divisão das Praças, por integração de raio 1km

Integradas

Segregadas

Figura 04: Divisão das praças, por integração de raio 1km

79%

21%

Praças Integradas no Raio 1km, por classe social

Alta Renda

Baixa Renda

Figura 05: Praças Integradas em raio de 1km, por classe social

15

Page 16: Enanpur Praças Final

Figura 06: Integração Global de João Pessoa, com a sobreposição das Praças

16

Page 17: Enanpur Praças Final

Figura 07: Integração de raio de 1km de João Pessoa, com a sobreposição das Praças

17

Page 18: Enanpur Praças Final

A medida de Escolha global também mostra, espacialmente, que as praças da cidade

estão localizadas nas ruas com potencial de serem escolhidas como rota principal, ou seja, foram

produzidas em percursos potencialmente utilizados para trajetos macroespaciais. Como não há

vias principais no setor sul da cidade, as praças desta região também localizadas em espaços com

menor potencial global. Percebe-se, desta forma, como as praças se articulam com o sistema

vário, numa relação biunívoca.

A medida de escolha com raio de 1km repete o resultado da medida de integração de

1km: as praças estão em eixos com potencial de escolha ara percursos curtos, independente da

região da cidade e da classe social. Percebe-se, então, que estes elementos se conformam melhor

na escala microespacial na cidade. As áreas estruturadas pelas praças possuem importante função,

tanto global como loca, nos deslocamentos das pessoas (cf. infra, 08 e 09).

18

Page 19: Enanpur Praças Final

Figura 08: Escolha Global de João Pessoa, com a sobreposição das Praças

19

Page 20: Enanpur Praças Final

Figura 09: Escolha de raio 1km de João Pessoa, com a sobreposição das Praças

20

Page 21: Enanpur Praças Final

Considerações finais

A avaliação da acessibilidade aos espaços livres públicos a partir da localização das

praças na malha urbana – para isso fazendo uso de ferramentas de Sistemas de Informações

Geográficas e técnicas de analises sintáticas por meio do método de Sintaxe espacial – mostrou

ser uma maneira muito conclusiva de se identificar o acesso a estas áreas. No entanto, reconhece-

se suas limitações, uma vez que, nessa análise, não foram consideradas as mudanças dos padrões

sociais e de uso do espaço público ao longo das última décadas.

Mesmo assim, os produtos cartográficos construídos e utilizados para esta análise

mostraram-se eficientes, como ferramenta de aproximação e de baixo custo. Foi possível, com o

trabalho, ter uma noção de como as praças estão distribuídas na trama da cidade e, logo, quais

áreas abrangem o maior/menor quantitativo destas, e correlacionando as localizações com uma

presença maior/menor da população de alta renda e a possibilidade de acesso.

A análise dos produtos cartográficos gerados na pesquisa evidencia a existência de

predominância desta categoria de espaços públicos nas áreas onde estão concertadas a população

de alta renda. Entretanto, na escala de 1 km, observou-se que independe da localização relativa

na cidade, as praças estão posicionadas em espaços com potencial de interação na escala do

pedestre, possibilitando assim o acesso a estes espaços pela população que reside na zona onde

estão inseridas.

Por fim, destaca-se que a localização das praças na trama urbana segue as diretrizes

apresentadas no código de obras do município, uma vez que, estes espaços livres públicos, em

sua maioria, estão inseridos em pontos de convergências de vias e em ruas com potencial de

serem escolhidas como rota principal.

Referências

Alvarez, I. P. 2013. A Segregação como conteúdo da produção do espaço urbano. In:

Vasconcelos, P. A., R. L. Corrêa & S. M. Pintaudi. A cidade contemporânea: segregação

espacial. São Paulo: Contexto, p.111-126.

21

Page 22: Enanpur Praças Final

Brasil. 1979. Lei Federal n.º 6.766, de 19 dez. 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano

e dá outras providências. Brasília. [Disponível em:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm]. [Acesso em: 08/12/2014].

Cardoso, L. 2007. Transporte público, acessibilidade urbana e desigualdades socioespaciais na

região metropolitana de Belo Horizonte. Tese de doutoramento, Universidade Federal de Minas

Gerais. [Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/MPBB-

7A2N6A]. [Acesso em: 08/12/2014].

Castells, M. 1983. A questão urbana. 3. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Cavalheiro, F. & P. C. Del Picchia. 1992. Áreas verdes: conceitos, objetivos e diretrizes para o

planejamento. In: 1º Congresso Brasileiro sobre Arborização Urbana e 4º Encontro Nacional

sobre Arborização Urbana. 13/18 setembro 1992, Vitória. p. 29-38. [Disponível em:

http://www.labs.ufpr.br/site/wp-content/uploads/2014/07/cavalheiro_anaisdecongressos_cbau_19

92.pdf]. [Acesso em: 08/12/2014].

Corrêa, R. L. 1999. O Espaço Urbano. 4. São Paulo: Ática.

Costa, M. L. P. M. 2011. Dispersão urbana: as questões e a busca de seus equacionamentos. In: Revista Vitruvius. Resenhas on line, 108 (01). [Disponível em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.108/3833]. [Acesso em: 08/12/2014].

Custódio, V., A. C. M. A. Campos, S. S. Macedo & E. F. Queiroga. 2013. Sistemas de espaços

livres e forma urbana: algumas reflexões. In: Encontros Nacionais da ANPUR, 15, p.1-16.

[Disponível em: http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/download/

4429/4298]. [Acesso em: 08/12/2014].

22

Page 23: Enanpur Praças Final

Ferrari, C. 1991. Curso de planejamento Municipal integrado. 7. São Paulo: Livraria Pioneira

Editora.

Harvey, D. 2005. A produção capitalista do espaço. 1. São Paulo: Annablume.

Hillier, B. 2009. Spatial sustainability in cities: Organic patterns and sustainable forms.

Proceedings 7th International Space Syntax Symposium, Stockholm.

Hillier, B. e J. Hanson. 1984. The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press.

Hillier, B., A. Penn, J. Hanson, T. Grajewski e T. Xu. 1993. Natural movement: or, configuration

and attraction in urban pedestrian movement. Environment and Planning B: Planning and

Design. 20 (1), p. 29 -66.

IBGE. 2010. Cidades: Censo demográfico. [Disponível em: censo2010.ibge.gov.br/]. [Acesso em

08/12/2014].

João Pessoa. 2001. Código de obras. João Pessoa. [Disponível em:

http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/03/codobras.pdf]. [Acesso em

08/12/2014].

João Pessoa. 2001. Código de urbanismo. João Pessoa. [Disponível em:

http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/03/codi_urba.pdf]. [Acesso em

08/12/2014].

João Pessoa. 1992. Lei complementar nº 3, de 30 de dezembro de 1992. Plano diretor da cidade

de João Pessoa. João Pessoa. [Disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-

content/uploads/2012/04/PMJP-PlanoDiretor.pdf]. [Acesso em 08/12/2014].

23

Page 24: Enanpur Praças Final

Oliveira, J. L. A. 2006. Uma contribuição aos estudos sobre a relação transportes e crescimento

urbano: o caso de João Pessoa – PB. Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Paraíba.

[Disponível em: http://www.ct.ufpb.br/pos/ppgecam/images/arquivos/dissertacoes/2004/10-

2004.pdf]. [Acesso em 08/12/2014].

Ribeiro, R. J. C. & F. R. B. Holanda. 2006. Proposta para análise do Índice de Dispersão Urbana.

In: Cadernos Metrópoles, 15, p. 49-70.

Santos, M. 1993. A urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec.

Santos Júnior, A. D., M. D. Silva & J. A. R. Silveira. 2013. Caracterização socioeconômica da

borda urbana na cidade de João Pessoa, Paraíba. In: II Simpósio de Estudos Urbanos – SEURB,

19/21 agosto 2013, Paraná. [Disponível em:

http://www.fecilcam.br/anais/ii_seurb/documentos/santos-junior-adalberto-duarte]. [Acesso em

08/12/2014].

RUEDA, Salvador. 2003. P5 Modelos de ordenación del territorio más sostenibles. In: Boletín CF+S > 32/33: IAU+S: la Sostenibilidad en el Proyecto Arquitectónico y Urbanístico, Barcelona. [Disponível em: http://habitat.aq.upm.es/boletin/n32/asrue.html]. [Acesso em 08/12/2014].

Serpa, A. 2004. Espaço público e acessibilidade: notas para uma abordagem geográfica. In

GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, 15, p. 21-37. [Disponível em:

http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp15/Artigo2.pdf]. [Acesso em

08/12/2014].

Silva, C. A. F. 2013. A segregação residencial sob a ótica das escolas de Chicago e

Neoclássica. In: Boletim Goiano de Geografia. 13(l), p. 29-44. [Disponível em:

www.revistas.ufg.br/index.php/bgg/article/download/4340/3803]. [Acesso em 08/12/2014]

24

Page 25: Enanpur Praças Final

Silveira, J. A. R. 2014. Mobilidade urbana (e para além dela). Ponto de vista - ANTP, outubro

2014. [Disponível em: http://antp.org.br/website/noticias/ponto-de-vista/show.asp?

npgCode=C84CB13C-FBBE-4329-B04E-26AEF2E37482]. [Acesso em 08/12/2014]

Silveira, J. A. R. 2004. Percursos e Processo de Evolução Urbana: O Caso da Avenida Epitácio

Pessoa na Cidade de João Pessoa-PB. Tese de doutoramento, Universidade Federal de

Pernambuco. [Disponível em: www.liber.ufpe.br/teses/arquivo/20041116095202.pdf]. [Acesso

em 08/12/2014]

Sposito, M. E. B.2013. A produção do espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades socioespaciais. In: Carlos, A. F. A., M. L. Souza & M. E. B. Sposito (orgs). A produção do espaço urbano. São Paulo: Contexto, p.123-146.

Turner, A. 2007. From axial to Road-centre lines: a new representation for space syntax and a

new model of route choice for transport network analysis. Environment and Planning B. 34 (3),

p. 539-555.

Villaça, F. 2001. Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2. São Paulo: Studio Nobel/Fapesp.

25