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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
MUSEOLOGIA
SANDRA MARIA SALDANHA KROETZ
Ensaio acadêmico apresentado para obtenção de avaliação
parcial para a disciplina Antropologia do Negro no Brasil,
do curso de Museologia da Universidade Federal da
Bahia.
Orientador: Prof. Jocélio Teles dos Santos
Salvador
2011
2
INTRODUÇÃO
Sandra Maria Saldanha Kroetz1
Os estudos recentes sobre a escravidão, principalmente dos historiadores brasileiros,
têm se dedicado em traduzir as práticas para obtenção da liberdade pelos grupos de escravos
na diáspora. Encontramos várias formas de resistência sempre que nos deparamos com o
esforço despendido pelos cativos, individual ou coletivamente, na busca pela liberdade.
Os textos que trataremos a seguir revelam duas ações dos negros escravizados: a greve
e a revolta escrava, chamadas genericamente de resistência, ações estas que causavam
preocupação nos legisladores e nas autoridades baianas do século XIX e cuja prática,
principalmente a rebelião escrava, era uma realidade no período colonial.
O primeiro artigo: “Em louvor à SantAnna: notas sobre um plano de revolta escrava
em São Matheus, norte do Espírito Santo, Brasil, em 1884”, de Robson L. M. Martins2,
ressalta o papel da polícia e da imprensa, ante a denúncia de um plano de revolta escrava, com
a finalidade de promover a emancipação dos escravos do município de São Matheus.
O artigo de João José Reis3,”A greve negra de 1857 na Bahia”, retrata o movimento
negro promovido pelos escravos de ganho e nos dá um panorama dos significados do
protesto, cultura e autonomia vivenciados cotidianamente pelos escravos, os quais eram
objetos de permanentes redefinições das políticas de domínio, que procuravam modificar ou
destruir a identidade africana individual e coletiva.
Citadas leituras mostram como a resistência negra era percebida no cotidiano do
escravo, na constante busca da conquista pela liberdade, fosse essa resistência marcada pelos
atos de fuga, insurreições, revoltas, pela emancipação dada pelos senhores, ou ainda pela
compra da liberdade, onde o escravo passava a ser preto forro, ou seja, aquele que possuía
Carta de Alforria.
1 Sandra Maria Saldanha Kroetz, graduanda do Curso de Museologia da UFBA, turma 2009/1. 2 Robson L. M. Martins, doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP em 1999. 3 João José Reis, escritor e historiador, graduado em história pela Universidade Católica de Salvador. Mestre e
doutor em história pela Universidade de Minnesota.
3
A greve negra de 1857 na Bahia - João José Reis
Em louvor à SantAnna: notas sobre um plano de revolta escrava em São Matheus, norte do Espírito Santo, Brasil, em 1884 - Robson L. M. Martins
Os protestos dos escravos em várias localidades do Sudeste brasileiro eram registrados
em anúncios de jornais, em crônicas da época e na documentação oficial das autoridades.
Os jornais do século XIX são fontes importantes que retratam as inúmeras faces do
cotidiano escravo: suas linhas registram várias histórias de fugas individuais, coletivas e de
insurreições escravas.
Estes anúncios relatam as fugas, a formação de quilombos, as revoltas, os anúncios de
escravos de aluguel e as oferta de serviços prestados por negros livres e por escravos.
A fuga era uma dentre as várias modalidades de resistência, a de maior ocorrência em
todo o período de vigência da escravidão no Brasil e ocorria tanto no meio rural quanto no
meio urbano, onde os escravos buscavam a liberdade pela ruptura de sua condição, o que dava
origem, muitas vezes, aos quilombos e aos bandos de fora-da-lei nos sertões brasileiros.
Robson Martins cita a ampliação pelos historiadores, dos estudos sobre as várias
formas de protesto escravo, mostrando o quanto eles foram agentes de sua própria história,
recriando seus códigos sociais por meio de uma leitura própria, seja obedecendo
pacificamente os senhores ou promovendo o terror no campo, vilas e cidades com seus planos
de revolta.
O autor nos dá uma visão de como as denúncias de possíveis revoltas escravas a serem
praticadas por africanos escravizados assombravam os senhores ao longo da primeira metade
do século XIX.
Assim como no restante do Império, a província do Espírito Santo foi palco de várias
insurreições, de fugas e de formação de quilombos ao longo do século XIX, onde Martins,
apud Eugene Genovese4, afirma que “...a concentração da população escrava em uma única
região, foi um dos fatores que propiciaram o surgimento de vários planos de sublevação
4 Eugene Genovese – Da rebelião à revolução. 1993. São Paulo. Global; A terra prometida: o mundo que os escravos criaram. 1988. Rio de Janeiro. Paz e Terra. CNPq.
4
escrava na América” 5.
O autor cita denúncias ocorridas em várias províncias, destacando o caso de São
Matheus, em 1884, já no final do regime de escravidão. A cidade de Vitória, no século XIX,
estava em total transformação, principalmente a partir de 1840, onde os negros, cativos, forros
ou livres, buscavam seu espaço na sociedade escravocata da época.
A farinha de mandioca era o principal produto comercial na comarca de São Matheus,
vindo a se tornar o maior produtor mundial do produto, no século XX. A região possuía
grande concentração de escravos e a homenagem a Sant’Anna havia se tornado uma festa de
negros, onde tanto os escravos da lavoura quanto os da própria cidade, se encontravam para
comemorar, matar as saudades, rever os amigos e parentes, o que causava temor às
autoridades, uma vez que os escravos não transmitiam informações seguras.
Às vésperas da Abolição, no ano de 1884, a sociedade e as autoridades de São
Matheus acompanharam apreensivas a descoberta de um plano de revolta: os escravos
planejavam, no dia 27 de julho de 1884, durante a festa em homenagem a Sant’Anna,
promover a emancipação geral de todos os cativos, livrando a partir da festa, todos os negros
do cativeiro.
O jornal que dava ampla cobertura às atividades da sociedade abolicionista, não
divulgou uma única palavra sobre a iniciativa dos escravos em promoverem sua própria
emancipação, provavelmente para não influenciar outros grupos de escravos da capital e
demais regiões da Província.
As diversas correspondências trocadas pelas autoridades da Província evidenciaram
uma grande preocupação com a constante mobilização dos cativos em torno de sua
emancipação. De fato, o que ficou conhecido na historiografia como insurreição de
Sant’Anna não chegou a acontecer; o plano foi descoberto e reprimido a tempo.
As autoridades acusavam de ser o idealizador da revolta, um escravo de nome
Benedito, líder de um quilombo que, já em 1881, era conhecido por promover roubos e por
disseminar a fuga entre os cativos.
A imprensa da época teve um importante papel na iniciativa dos escravos na busca de
sua emancipação, principalmente com a intensificação dos debates promovidos pelo
movimento abolicionista nos anos que antecedem à lei Áurea.
Considerada outra forma de resistência escrava, A greve negra de 1857 na Bahia6 foi
5 Em louvor a SantAnna: notas sobre um plano de revolta escrava em São Matheus, norte do Espírito Santo,
Brasil, em 1884. Afro-Ásia n. 38. PP. 85-112. 6 REIS, João José. “A greve negra de 1857 na Bahia”. Revista USP, nº 18. 1993. Págs. 6-29.
5
um protesto contra a determinação judicial que obrigava os negros de “cantos” – grupos que
se reuniam para oferecer seus serviços em locais delimitados da geografia urbana: esquinas,
encruzilhadas, largos, locais próximos ao cais, e outros a usarem no pescoço uma placa de
metal contendo uma matrícula identificadora, para que pudessem desenvolver suas atividades.
Além desta placa, havia ainda o recolhimento de um imposto, devido por “negros de
ganho”. Alguns observadores da época, equivocadamente, consideraram ser esse imposto a
causa para que naquele 1º de junho de 1857 fosse deflagrada a greve.
A maioria dos negros residentes na Salvador oitocentista trabalhava na rua, ou entre a
casa e a rua, e eram responsáveis pela circulação de coisas e pessoas pela cidade,
denominados ganhadores, ou escravos de ganho, que, segundo Reis: “...carregavam de tudo:
pacotes grandes e pequenos, do envelope de carta a grandes caixas de açúcar, tina de água e
fezes, tonéis e aguardente e gente em cadeiras de arruar” , que, além de fazer o trabalho de
seu dono, ainda faziam serviços extras para também dividir ou entregar o lucro para seu
senhor.
Esses ganhadores “cruzaram os braços” na greve de 1857 em protesto a tal lei. E nada
mais circulou em Salvador, nem gente, nem mercadoria. Os negros rejeitaram as placas que,
segundo eles, os igualariam aos animais.
A greve trouxe várias implicações para a sociedade baiana parando todo o comércio da
cidade, uma vez que esta dependia totalmente dos trabalhadores de carga para a circulação de
mercadorias.
As estratégias dos escravos foram eficientes conforme documento datado de
02/06/1857:
“Hontem esteve à cidade deserta de ganhadores e carregadores de
cadeira. Não se achava quem se prestasse para conduzir objeto
algum. Da alfândega nenhum objeto sahio, a não ser objeto mui
portátil, ou que fosse tirado por escravos da pessoa interessada. Os
pretos ocultaram-se. E se os senhores não intervierem nisso,
ordenando-lhes que obedeçam a Lei, o mal continuará, porque,
segundo ouvimos, elles estão nessa disposição” 7.
Cabe registrar aqui a forma estruturada de organização do trabalho dos negros nas
ruas. Cada “canto” possuía um capitão eleito por seus integrantes, e, tanto podia ser um
homem livre, como um escravo. Citados capitães eram empossados em seus cargos em
7 João José Reis. A greve negra de 1857 na Bahia, pág. 8. Revista USP, 18. 1993.
6
cerimônias festivas, ritualizadas, a que compareciam outros capitães e que eram do
conhecimento das autoridades policiais e dos senhores de escravos.
Foi essa ordem organizacional que foi ameaçada naquele ano de 1857, por uma
tentativa de taxação pelo Estado, objetivando disciplinar aquele trabalho e praticamente
extinguindo a autoridade do capitão do “canto”. A greve, que então se desprendeu e parou
Salvador, foi uma reação aberta de libertos e escravos, tendo em vista defender práticas
julgadas por eles legítimas.
Até de seus senhores os “ganhadores” conseguiram o apoio, claro que interessados nos
lucros trazidos por seus escravos e incomodados com a intromissão das autoridades sobre
seus negócios privados.
A greve negra de 1857 expressou os diversos interesses das classes existentes, onde
os escravos eram explorados e subjugados pelo legislativo, pelas ordens religiosas e pelos
senhores de engenho, que detinham as condições de existência do escravo.
CONCLUSÃO
A partir do século XIX, observamos uma contínua tensão no sistema de relações
sociais entre os negros escravizados, os negros alforriados, seus descendentes, os senhores de
escravos, os proprietários de terras e os homens brancos livres. Esse relacionamento social
que circulava ao redor dos senhores e dos escravos, começava a ser marcado pela recusa à
exploração.
Constatamos que a greve negra de 1857 na Bahia representou um novo mecanismo de
luta dos trabalhadores escravos, como forma de resistência, tendo como principal meta o
repúdio aos métodos do senhorio, cujo objetivo era a limitação dos escravos e sua acirrada
fiscalização.
Mesmo cativos, os trabalhadores negros escravizados foram aos poucos conquistando
espaços de liberdade, que possuiam inclusive uma hierarquia informal trabalhista entre eles,
com lideranças capazes de incorporar pessoas para o trabalho e de negociar com seus
senhores, com as autoridades locais e também com a Igreja.
Os espaços de liberdade são confirmados pela presença dos escravos de “ganho”, pela
legalização do casamento entre cativos, pela folga semanal e pelo direito de eles terem seu
próprio cultivo para ajudar na alimentação familiar.
Concluindo, os negros não propunham uma quebra de sistema, queriam tão somente
7
sua inclusão no seio daquela sociedade escravocata, onde pudessem viver como homens
livres, trabalhadores, aptos e adaptados ao sistema de produção do século XIX, isto é, com
capacidade de negociar sua mão de obra e de definirem seu próprio destino.
8
BIBLIOGRAFIA
REIS, João José. “A greve negra de 1857 na Bahia”. Revista USP, nº 18. 1993. Págs. 6-29. MARTINS, Robson L. M. “Em louvor a Sant´Anna: notas sobre um plano de revolta escrava em São Matheus, norte do Espírito Santo, em 1884” . Estudos Afro-Asiáticos, nº 38. Págs. 85-112.