Ensino de Arte No Brasil Comprendendo Ideias

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    Ensino de Arte no Brasil: compreendendo idias.1

    Andrea Penteado

    Renato Jose de Oliveira

    Palavras-chave: Currculo, Historia do Ensino, Nova Retrica, Filosofia da Educao.

    1. Sobre discursos e argumentos

    Nesse trabalho apresentamos algumas concluses de um dos captulos da

    pesquisa O Argumento do Auditrio: o que dizem os alunos sobre o ensino de arte em

    suas escolas?. Partimos da teoria da Nova Retrica de Perelman e Olbrechts-Tyteca

    (2002), que defende que todo conhecimento que no se fundamenta em fatos criado

    por meio de uma discusso na qual se legitimam algumas verdades provisrias, frutos

    de juzos de valores que so social e historicamente determinados. Considerando essa

    tese, pensamos se seria possvel trazer os alunos para dentro dos debates educacionais,

    especificamente para participarem daqueles que dizem respeito construo dos

    currculos, que tem sido um de nossos campos de interesse. Essa questo nos levou

    necessidade de conhecermos mais profundamente os pressupostos que fundamentam o

    ensino de arte nas escolas contemporneas, pois para podermos compreender e analisar

    os argumentos dos alunos seria necessrio conhecer suas origens.

    Inicialmente, todo debate implica em aceitarmos de comum acordo determinadas

    premissas, ou teses, para que possamos, ento, defend-las ou refut-las por meio da

    discusso retrica, permitindo a reviso e a continuidade dos processos histricos. Esse

    acordo se d entre orador e auditrio2 e marca a possibilidade de que haja a discusso,

    pois se reconhece um valor comum para que esse seja problematizado. necessrio ao

    orador que conhea as teses de seu adversrio, primeiro para que possa compreend-lo e

    para que possa fundamentar seus prprios argumentos; segundo, para que o auditriofirme um compromisso com o orador permitindo-se ouvi-lo.

    Desse modo, propusemo-nos, no captulo aqui resumido, fazer uma reviso dos

    debates que foram empreendidos sobre ensino de arte no Brasil, desde o incio do sculo

    1Publicado nos Anais do IV Colquio Luso-brasileiro sobre Questes Curriculares, em meio digital,

    ISBN 9788587103390, 2008.2Perelman e Olbrechts-Tyteca propem a seguinte definio: parece-nos prefervel definir o auditrio

    como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentao que explicasimultaneamente os papis do orador e do auditrio. (2002, p 22) .

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    XX, com a finalidade de conhecermos as teses geradas e de estabelecermos novos

    acordos e matrias para discusso.

    2. Sobre a origem (possvel) de algumas verdades que conhecemos

    Para tentarmos compreender tais debates recorremos a algumas fontes

    bibliogrficas tanto do campo de estudos da pedagogia, quanto do ensino de arte, alm

    da legislao federal e dos PCN de Arte. Grosso modo deparamo-nos com duas

    tendncias de posicionamento em relao ao ensino de arte no Brasil atual que se

    sobressaem s demais: de um lado h autores que reconhecem que esteja ocorrendo nos

    ltimos anos um enaltecimento do ensino de arte nas escolas e at certo modismo que

    deve ser problematizado; de outro, pensadores que observam o oposto, um preconceito

    para com a arte dentro do universo escolar.

    Para pensarmos sobre essa primeira tendncia, recorremos tese de

    doutoramento de Sueli Batista, na qual a autora nos convida a refletir a respeito dos

    pressupostos que poderiam estar sustentando esse modismo da arte em nossas escolas:

    A educao pela arte tem se configurado como um modismo. Como j dissemos, ser

    politicamente correto em relao a esse assunto valorizar o papel social da arte, o

    social aqui entendido como assistencial (BATISTA, 2002, p.37).

    J o posicionamento de identificar um preconceito contra o ensino de arte est

    claramente apresentado nos trabalhos de Ana Mae Barbosa, em particular na obra em

    que pesquisa a historia da arte-educao no Brasil (2005), ao denunciar que a arte nas

    escolas fica confinada ao objetivo de servir s decoraes das tradicionais festas

    escolares.

    Para resgatarmos a origem desses argumentos voltamos ao incio do sculo XX e

    apresentaremos um breve resumo do que pudemos analisar sob o olhar filosfico da

    Nova Retrica.De modo geral, ressalvadas nuances que no poderemos apresentar nesse

    trabalho em funo de sua brevidade, percebemos quatro grandes momentos na

    discusso sobre o ensino de arte em nosso pas. As primeiras trs dcadas do sculo XX,

    que configuraram a Bela poca, so marcadas pela influncia do pensamento de Dewey

    no campo pedaggico, pelo formato proposto pela Escola Nova, no campo

    metodolgico, e pelas obras Desenvolvimento da Capacidade Criadora, de Lowenfeld

    e Brittain (1977) e Educao Atravs da Arte, de Read (1972), no campo especficodo ensino de arte. A partir da Constituio de 1934 (2007), passando pelo Estado Novo,

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    at o incio da Ditadura Militar, observamos a consolidao do pensamento liberal no

    campo da educao e o forte investimento na busca de procedimentos e mtodos

    eficientes de ensino. A educao em arte nas escolas vai se restringindo s prticas

    mimticas. Porm, o surgimento das Escolinhas de Arte, seguindo o modelo da

    Escolinha de Arte do Brasil, fundada em 1948, mantm vivo o debate que se apia em

    Lowenfeld e Brittain e em Read, fora da rede oficial de ensino. J, durante o Regime

    Militar, continua a ganhar peso o discurso liberal e a educao tende a se tornar cada

    vez mais tecnicista e procedimental, o que reforado, entre outros, pela angstia

    gerada com a Guerra Fria; alm disso, a educao passa a servir claramente a objetivos

    de formao de mentalidades. O ensino de arte nesse perodo fica marcado por essa

    ltima caracterstica, servindo produo de material cvico. Por fim, a queda do

    militarismo e a necessidade de se reconstruir a democracia no pas reacende a discusso

    educacional e, no campo do ensino de arte, traz novas premissas que buscam superar o

    tecnicismo e o reducionismo moralista, apoiando-se em variadas conceituaes ps-

    modernas de arte e propondo uma nova direo para a disciplina.

    Analisaremos nesse texto as principais teses e verdades legitimadas nesses

    perodos para que sirvam como acordos necessrios para que possamos compreender o

    debate atual.

    A discusso que nos parece mais significativa na Bela poca aquela que traz

    para o ensino da arte um problema maior que permeia a questo do ensino no Brasil e

    diz respeito ao prprio objetivo da educao escolar que oscila entre o valor concreto da

    formao de trabalhadores e o valor abstrato do desenvolvimento do indivduo como

    sujeito pleno.

    Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002, p. 90) estudam as caractersticas dos

    argumentos que se pautam em valores concretos e abstratos. Observam que os primeiros

    tendem a ser conservadores, uma vez que o valor concreto se fundamenta emparticularidades e especificidades prontamente traduzveis e compreensveis. Assim, ao

    pensarmos a contribuio que arte pode dar quanto formao para o trabalho, nesse

    incio do sculo XX, com a demanda de industrializao do pas, fcil compreender

    que os estudos de desenho ganhem fora, seja o desenho tcnico, seja o desenho

    artstico aplicado indstria. Esse objetivo respaldado pelo entendimento

    academicista e decorativo que a aristocracia tem da arte, principalmente se lembrarmos

    que o ensino artstico no pas por tradio superior, atravs da Academia de BelasArtes, e tem por finalidade a produo de obras belas para a decorao de residncias e

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    para o registro dos fatos histricos. No mbito do ensino e da aprendizagem a produo

    dessa arte aplicada, por um lado, e acadmica, por outro, exige a prtica, a partir de

    cnones e padres tcnicos especficos, e a busca do virtuosismo na execuo.

    J os argumentos baseados nos valores abstratos, embora ventilem certo ar de

    renovao, terminam por reforar o conservadorismo pois, como colocam os autores,

    por falta de especificidade h uma tendncia de os tomarmos por universais,

    naturalizando-os de modo inconteste como se fossem fatos que no promovem matria

    para discusso. Portanto, as questes trazidas por Dewey de um ensino funcional,

    metodologicamente ligado s necessidades cotidianas do aluno; por Lowenfeld e

    Brittain que, apoiados na psicologia, buscam priorizar atravs da arte o

    desenvolvimento criador do aluno; e por Read, de se pensar uma educao esttica para

    os indivduos; ficam obscurecidas pelo acordo que prope e aceita a premissa do

    desenvolvimento pleno do aluno, sem fornecer maiores subsdios para sua

    concretizao. Na prtica das salas de aula, a arte tomada pelo vis mais conservador e

    apia-se fortemente no ensino do desenho. importante lembrar que o desenho pode

    servir indstria pelo vis do desenho tcnico de mquinas e tambm atravs do

    desenho artstico que serve estamparia, decorao, etc. Cunha (2005, p.124) ressalta

    a nfase dada ao ensino de desenho com aplicaes s artes e industria nos Liceus

    de Artes e Ofcios desde o incio do sculo XX.

    Apresentam-se duas tendncias opostas que tentam um acordo comum. Essa

    quase coexistncia (AMARAL, 1972, p. 20) das tendncias conservadoras e daquelas

    modernistas, nas artes, sob a tutela de polticos liberais, no incio do sculo XX, em

    nosso pas, observvel no hbito scio-cultural do mecenato:

    Oswald de Andrade, referindo-se certa vez s reunies avinhadas da

    Villa Kirial, definiu-as como uma mistura que definia bem a poca. Homensdo futuro, homens do passado, polticos, intelectuais, e pseudo-intelectuais,

    estrangeiros, nativos, artistas, bolsistas da Europa, toda uma fauna sem bssola em

    torno da gota anfitri do senador poeta. Desde o ftil autmato da diplomacia do

    sculo XIX, Sousa Dantas, at uma promissria de gnio, o pianista Sousa Lima

    (AMARAL, op. cit. p. 91)

    Se considerarmos que o perodo proporcionou uma negociao entre os setores

    mais conservadores e aristocrticos da sociedade e seus representantes mais liberais,

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    podemos sugerir que no campo do conhecimento da arte as formas tenham sido

    estabelecidas, por familiaridade e tradio, pela aristocracia. O reflexo desse arranjo

    entre esses dois setores sociais no ensino de arte resultaria no fortalecimento de um

    currculo pragmtico e tcnico, quando da utilizao da arte em sua forma puramente

    esttica, com aulas de desenho de observao, tcnicas de pintura acadmica, etc, em

    algumas instituies de ensino; ou de um currculo orientado para as artes aplicadas, em

    outras, onde se poderia aprender desenho geomtrico, padres para estamparia e

    decorao em geral, marcenaria, bordado, entre outros.

    Ao observarmos que os argumentos que se legitimam, nos primeiros trinta anos

    do sculo XX, atravs discusso pedaggica no pas, so aqueles que valorizam a

    educao como meio de preparao dos sujeitos para o trabalho, compreendemos o vis

    liberal que ir se firmar na Constituio de 1934. Entretanto no possvel que

    afirmemos que o liberalismo que o texto apresenta caracterize um preconceito contra a

    cultura artstica. Como vemos, ao observarmos o texto da lei, h uma notvel nfase

    dada s artes (BRASIL, 2007, captulo II, artigo 148):

    CAPTULO II

    Da Educao e da Cultura

    Art 148 - Cabe Unio, aos Estados e aos Municpios favorecer e animar odesenvolvimento das cincias, das artes, das letras e da cultura em geral,proteger os

    objetos de interesse histrico e o patrimnio artstico do Pas, bem como prestar

    assistncia ao trabalhador intelectual (grifo nosso).

    S seria possvel considerar um preconceito se aceitssemos de antemo que

    aquelas prticas j iniciadas durante a Bela poca so preconceituosas em relao

    prpria arte. Entretanto, nos parece que a matria de discusso no seja essa, mas sim a

    problematizao dos pressupostos filosficos que sustentam a discusso: qual a

    natureza da arte? Essa pergunta indica que os valores aqui discutidos remetem

    aos lugares da essncia3, ou seja, discute-se o que essencial arte e ao seu

    ensino.

    3Em Argumentao e Retrica lugares so os recursos normalmente usados e aceitos em

    uma estrutura argumentativa justamente por serem de uso comum e (re)conhecido. Perelman

    e Olbrechts-Tyteca colocam que chamaremos de lugares as premissas de ordem geral quepe rmitem fundar va lo re s e hierarquia s (P ERELMAN & OLBRECHT S -TYTECA, 2002, P.95).

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    Ora, quando aceitamos uma essncia possvel a determinado ser ou

    objeto, admitimos, concomitantemente, que o melhor aquele que melhor

    encarna essa essncia e estabelece-se uma obrigao de se tentar chegar a essa

    essncia. Como a essncia implica a aceitao de estruturas e normas que a

    definam, o uso do lugar da essncia tende a ser aceito como o normal e aquilo

    que, em determinado contexto histrico, foi proposto como simples normal

    torna-se normativo, naturalizado e universaliza-se.

    Portanto, dentro da discusso que est sendo empreendida e que busca a

    insero profissional dos sujeitos na sociedade, h uma normalizao de que o

    ensino da arte se preocupe com a execuo tcnica primorosa das artes

    aplicadas. S poderamos nos referir a um preconceito se admitssemos a tese

    de que no essencial arte o exerccio e a aprendizagem da arte aplicada.

    Porm no podemos deixar de observar que ao defender outras essncias que

    expliquem a natureza da arte tambm se gera um preconceito contra essa arte

    de utilidade tcnica. Nos parece mais importante chamar ateno para o fato

    de ocorrer a normalizao do ensino de arte como ensino das artes aplicadas.

    Como apontam, ainda, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002), freqente que o

    normal traslade para o status de norma. Passa-se, naturalmente, daquilo que

    normal quilo que norma. Porm, ao refletirmos, veremos que normal

    aquilo que e norma aquilo que deve ser. Nesse processo aquilo que

    consenso naturaliza-se (torna-se lei natural), escapando discusso.

    O liberalismo, resultante do arranjo entre as camadas conservadoras e

    liberais da sociedade brasileira do perodo, possibilitou o fortalecimento de

    um currculo pragmtico e tcnico, quando da utilizao da arte em sua forma

    puramente esttica, com aulas de desenho de observao, tcnicas de pintura

    acadmica, etc, em algumas instituies de ensino; e de um currculoorientado para as artes aplicadas, nas escolas que buscavam a formao para o

    trabalho, onde se poderia aprender desenho, desenho geomtrico, desenho

    tcnico ou artes manuais, entre outros. No observamos um preconceito, mas

    sim a legitimao de argumentos tecnicistas que tm fundamentao no

    prprio seio dos debates da poca.

    Nesse momento a discusso se divide. Com a fundao da Escolinha de

    Arte do Brasil, em Recife, no ano de 1948, os pressupostos que vinham sendopesquisados no incio do sculo para o ensino de arte desenvolvimento da

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    livre-expresso infantil e da criatividade, atravs de metodologias centradas

    no aluno, como propunha Dewey - continuam a ganhar corpo. Estabelece-se o

    MEA, Movimento das Escolinhas de Arte, que ganha fora em todo o pas. As

    Escolinhas possibilitam o ensino da arte fora da rede oficial de ensino e

    servem como plos formadores de muitos dos professores da rea.

    Do outro lado, as escolas oficiais tendem a um vis cada vez mais

    liberal, fomentadas pela crena de que a educao equacionar os problemas

    de ordem econmica e social. Isso resulta em um ensino que busca cada vez

    mais a qualificao para o trabalho atravs de estratgias padronizadas que se

    pautam no fazer tcnico e virtuoso das artes.

    Com a instaurao da Ditadura Militar o ensino de arte ganha novo rumo.

    Ainda que consideremos que o novo regime incrementou a pedagogia tecnicista, o

    projeto para a cultura, alm disso, ficou atrelado necessidade especfica de se formar

    mentalidades adequadas s propostas poltico-econmicas.

    Ana Mae coloca que, a partir da a prtica de arte nas escolas pblicas

    primrias foi dominada em geral pela sugesto de tema e por desenhos alusivos a

    comemoraes cvicas, religiosas e outras festas (2007). possvel entender esse

    movimento se pensarmos que entre as questes educacionais impostas pela ditadura,

    est a proposta de formar uma mentalidade de unidade nacional que se utiliza no

    apenas da disciplina de Educao Moral e Cvica, mas que, segundo sua concepo

    oficial, fruto de anlises da Escola Superior de Guerra, embasada na Doutrina de

    Poder Nacional e de Segurana Nacional e apresentada pelo Decreto n 68.065, de 14

    de janeiro de 1971, colocada como

    preocupao geral da escola, merecendo o cuidado dos professores

    em geral e, especialmente daqueles cujas reas de ensino tenham com ela conexocomo: Religio, Filosofia, Portugus e Literatura, Geografia, Msica, Educao

    Fsica e Desportos, Artes Plsticas, Artes Industriais, Teatro Escolar, Recreao e

    Jornalismo (Lobo Neto in MAGALDI, ALVES & GONDRA (orgs), 2003,

    p. 551).

    A arte foi utilizada como meio de fortalecimento e enriquecimento de valores

    determinados, sobretudo, pela Educao Moral e Cvica e se houve resistncia na forma

    de professores que continuavam sua trajetria fora da instituio escolar, nas Escolinhas

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    de Arte, nos Centros Culturais, nos Museus, etc., houve, igualmente, uma perseguio

    poltica que impedia a troca de experincias e uma ao poltica que impedia o acesso s

    pesquisas e discusses que vinham sendo empreendidas fora do pas.

    O debate ficou paralisado, o que no impeditivo para que ocorra a validao de

    determinadas teses, ainda que impostas coercitivamente atravs de uma ditadura

    normativa. Em funo disso, ao longo desses anos, os discursos e prticas tecnicistas

    vo ganhando fora pelo prprio exerccio.

    Porm necessrio ressaltarmos que apenas com a Lei de Diretrizes e Bases de

    1971, Lei 5.692/71, que a arte aparecer como obrigatria nos currculos escolares,

    ainda que seja colocada como atividade pedaggica e no como disciplina (BRASIL,

    2006). A lei estabelece a licenciatura curta para professores que lecionam arte nos

    quatro primeiros anos do ensino fundamental e a licenciatura plena para aqueles que

    lecionam a partir do quinto ano. Essa exigncia abre uma brecha para que aqueles

    sujeitos formados pelas Escolinhas de Arte, paulatinamente, adentrem, de novo, as

    escolas. Seja porque a demanda por professores especialistas aumentou, seja porque o

    Governo Federal regulamentou os cursos de Licenciatura curta em 1973, abrindo mais

    um campo de trabalho ligado ao universo escolar. Portanto, alguns anos antes da

    transio do regime militar ao democrtico, a discusso sobre os fundamentos do ensino

    artstico nas escolas comea a ganhar corpo.

    Ao final do perodo militar a necessidade de se restabelecer processo

    democrtico reinaugura o debate pblico.

    O ensino da arte ser alimentado pela perspectiva de educadores que questionam

    o espontanesmo e a falta de diretividade de um lado, e a forte diretividade proposta

    pelas atividades e exerccios modelares por outro lado, que caracterizaram os ltimos

    anos. A partir da dcada de 1980 passou-se a falar em cultura visual, leitura e

    contextualizao da imagem e cultura de massas. As propostas oriundas dosprofessores, conectadas com os acontecimentos do universo artstico profissional,

    apontam questes sobre o significado da arte contempornea, da cultura ps-moderna,

    da globalizao, do conceito de imagem e de linguagem, para a compreenso da arte

    como sistema cultural e simblico, cuja produo j no est circunscrita ao sujeito

    individual e artista, mas apresenta-se como comunal, fruto de um coletivo carregado de

    significados e valores.

    Esses argumentos vo de encontro com os tradicionais pressupostos que vinhamfundamentando a arte escolar de tradio aristocrtica. Assim podemos observar que

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    aqueles valores concretos que haviam subsidiado o ensino de arte, at ento,

    legitimando-o, passam a ser refutados por outros valores, igualmente concretos e, por

    isso, passveis de discusso.

    3. Sobre a adeso a algumas verdades e sua legitimao...

    Em meio ao debate, em 1996, a Nova LDB 9.394/96 (BRASIL, 2006.),

    finalmente estabelece a arte como disciplina obrigatria.

    Com a nova lei, chegaram os parmetros curriculares, PCN. No PCN dedicado

    arte as novas questes trazidas pelos professores esto contempladas. Legitima-se um

    novo entendimento sobre a arte que no mais aquela compreenso de arte como fazer

    virtuoso e esmerado, mas fundamentalmente a arte como linguagem, o que est

    claramente colocado como objetivo para a disciplina:

    Objetivos Gerais da Arte para o Ensino Fundamental:

    1. Expressar e saber comunicar-se em artes, mantendo uma atitude debusca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepo, a imaginao, aemoo, a sensibilidade e a reflexo ao realizar e fruir produesartsticas (SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL, 1997, pg53).

    Boa parte do texto dedicada reflexo metodolgica, com base na metodologia

    triangular, e preocupao com os modos de fazer arte nas salas de aula, conservando

    um sabor de que atravs do fazer bem e eficientemente se atingiro bons resultados, o

    que nos remete, apesar dos avanos, aos j conhecidos argumentos eficientistas do

    pensamento liberal.

    Mantm-se a preocupao em definir um conceito que d conta de especificar a

    natureza da arte. Continuou-se a pensar a partir de uma essncia que defina o objeto,

    presumindo que tal possa ser aplicada genericamente. Assim, se h um objeto definido a

    priori a discusso metodolgica se mantm como centro da questo educacional, visto

    que o objeto do ensino, em si, no est em pauta, pois sua essncia j foi determinada.

    Portanto, atualmente, as discusses continuam a pensar e pesquisar prticas e modelos

    para o ensino artstico e no a filosofia que possa sustentar esse exerccio.

    Se possvel identificar uma valorizao da rea nos ltimos anos, e at um

    modismo como colocamos inicialmente, inclusive atravs de seu fortalecimento

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    legislativo, os argumentos em prol da cultura, de modo geral, continuam a subordinar a

    arte a um objetivo de formao identitria o que a contextualizao, re-leitura,

    aproximao com a cultura local e demais culturas, seno um modo de formao de

    identidades?- passvel dos mesmos riscos de arbitrariedade que moveram outros

    perodos da educao.

    A anlise dos debates e argumentos utilizados e legitimados para o ensino de

    arte ao longo do sculo XX aos dias de hoje, parecem indicar que h uma tradio em se

    valorizar essa disciplina em nossas escolas. Isso est de acordo com a influncia da

    aristocracia na consolidao de nosso sistema educacional. No parece ter havido

    momento de preconceito frontal ou de rechao do ensino da arte. O que possvel

    identificar como comum a todos os perodos analisados que a discusso nunca deixou

    de recorrer a argumentos fundamentados em lugares da essncia o que a mantm

    polarizada num formato maniquesta e excludente ou artes aplicadas, ou desenho, ou

    livre-expresso, ou aprimoramento tcnico, ou linguagem, ou representao do belo,

    etc...

    Desse modo, possvel que aquilo que alguns autores tm identificado como

    preconceito para com a arte no seja mais do que a falta de um acordo comum sobre

    os pressupostos dessa disciplina. necessrio que esses sejam discutidos para que

    possamos debater alm do entendimento essencialista que predetermina a razo

    filosfica e limita o debate a questes de prtica educativa e de sugesto de modelos

    eficientes para o fazer em sala de aula.

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