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ELISÂNGELA SILVA DE OLIVEIRA ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS ESCOLARES INICIAIS: o que professoras dizem de si e de sua docência Belém 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS ESCOLARES INICIAIS · apresentações, pela escuta sensível quando nos reunimos para discutir o trabalho, as discussões ricas visando a melhoria do

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ELISÂNGELA SILVA DE OLIVEIRA

ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS ESCOLARES INICIAIS:

o que professoras dizem de si e de sua docência

Belém

2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática

Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

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ELISÂNGELA SILVA DE OLIVEIRA

ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS ESCOLARES INICIAIS:

o que professoras dizem de si e de sua docência

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação em Ciências e

Matemática (PPGECEM) da Rede

Amazônica de Educação em Ciências e

Matemática (REAMEC), como requisito

parcial para obtenção do título de

Doutora em Educação em Ciências e

Matemática.

Orientadora: Profª. Drª. Terezinha Valim

Oliver Gonçalves

Belém

2016

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OLIVEIRA, Elisângela Silva de, 1973 –

Ensino de Ciências nos anos escolares iniciais: o que

professoras dizem de si e de sua docência / Elisângela Silva de

Oliveira – Manaus, 2016.

Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática)

– Universidade Federal do Mato Grosso / Universidade Federal

do Pará / Universidade do Estado do Amazonas, 2016.

Orientadora: Profª. Drª. Terezinha Valim Oliver Gonçalves.

1. Educação em Ciências 2. Formação de professores 3. Anos iniciais do Ensino Fundamental; 4. Pesquisa narrativa.

CDD

NBR/CIP – 12899 AACR2

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Dedico este trabalho de muitos sentidos e significados

compartilhados

Ao meu pai Manoel (in memória) e minha mãe Sebastiana pelo

Amor, apoio e exemplo de retidão e caráter com que me educaram;

Ao Evandro meu grande parceiro e

aos meus filhos queridos: Julie, Leslie, Lucas, Estevan e Eliandro pelo apoio,

e compreensão que me ajudaram a vencer esta etapa;

Às minhas irmãs: Emanuela,

Ellen e Ethel pela força e Apoio prestados em todos

os momentos desta jornada;

A todas as professoras mães, donas de casa, mulheres

guerreiras que têm tríplices jornadas e continuam sonhando e trabalhando

por um mundo melhor para os filhos/filhas desta Pátria.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Professora Terezinha, minha orientadora, pela competência

profissional e seu jeito humano, ético e sensível de ser, pela paciência com que

me acompanhou pela orientação segura, que me ensina, me forma e me

transforma na pessoa que sou.

Aos sujeitos desta pesquisa que aceitaram em participar desta investigação e

me ajudaram a desenvolver sentidos sobre o Ensino de Ciências em escolas

públicas de Boa Vista.

Ao Evandro pelo companheirismo e apoio em todas as horas, principalmente,

nos momentos mais difíceis da caminhada, afastados geograficamente tendo

que conduzir a vida e o trabalho sem perder o ânimo!

Aos meus pais Manoel e Sebastiana pelo carinho, amor, dedicação e apoio

incondicionais desde a infância e durante o mestrado e doutorado para que eu

pudesse chegar até o final deste trabalho.

As minhas filhas queridas Julie e Leslie, pelas vezes incontáveis que me

substituíram como mãe cuidando dos irmãos menores para que eu pudesse

escrever, cursar o doutorado, pelo amor e cuidado comigo, e aos meus filhos

Lucas, Estevan e Eliandro pela compreensão com a minha ausência,

principalmente nos momentos em que meu afastamento se fazia necessário.

Aos colegas do grupo (Tras)formar pelas diversas vezes que ouviram minhas

apresentações, pela escuta sensível quando nos reunimos para discutir o

trabalho, as discussões ricas visando a melhoria do texto.

À Secretaria de Estado da Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas na

pessoa do Professor Coordenador Reinaldo de Souza pelo apoio que meu deu

para a pesquisa desde o mestrado e durante o doutorado.

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À FAPEAM pela bolsa RH Institucional que favoreceu minhas viagens para

Belém e Boa Vista para fazer a pesquisa.

A Deus pela presença amiga comigo e com a minha família nos dando força e

nos fazendo perseverar para a conclusão deste trabalho.

Aos professores que estiveram em minha banca de qualificação Prof. Dr. Dario

Fiorentini, Profa. Dra. Rosália Aragão, Profa. Dra. France Frahia Martins, Prof.

Antônio Carlos pela orientação e colaboração importantíssimas para o meu

trabalho.

Aos colegas Eliza e Christhiam pela leitura atenta e orientadora para a versão

final deste trabalho.

Aos professores e colegas da REAMEC pela partilha de saberes e a troca de

experiências que tanto nos une, reúne em prol da educação em ciências e

matemática na Amazônia Legal e que nos ajudam para a nossa formação

doutoral.

`A Banca examinadora da tese composta pela Profa. Dra. Terezinha Valim Oliver

Gonçalves, Profa. Dra. France Fraiha Martins, Prof. Dr. Iran Abreu Mendes, Prof.

Dr. Tadeu Oliver Gonçalves, Prof. Dr. José Moysés Alves.

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OLIVEIRA, Elisangela Silva de. Ensino de Ciências nos anos escolares iniciais: o que professoras dizem de si e de sua docência. Belém: PPGECEM/REAMEC, 2016, 141 p.

RESUMO

Nesta pesquisa, tenho o objetivo de compreender os sentidos expressos por professoras de anos escolares iniciais do Ensino Fundamental, ao falar de si e do ensino de ciências que realizam. Assumo como método a pesquisa narrativa, que se constituiu uma produção empírica em dois momentos distintos: o primeiro, a partir de múltiplos

olhares sobre o contexto do ensino de ciências com uso de questionário envolvendo o sistema de ensino estadual e municipal de Boa Vista, capital de Roraima. E o segundo, voltado para uma visão da sala de aula, relatada por professoras que falam de si e do ensino de ciências que realizam por meio de entrevistas semiestruturadas, registros de campo e memorial. Da primeira fase participaram sessenta sujeitos. A escolha dos sujeitos orientou-se pela dimensão do lugar, que se configura um dos critérios da pesquisa narrativa, que fornece um olhar do ensino de ciências, a partir do contexto onde se situam os sujeitos. A segunda fase teve como critério o que configura a

pesquisa narrativa: a experiência vivida. Ao considerar que não é a causa, mas o sentido que o sujeito constrói que faz a experiência, elegi como critérios de escolha dos sujeitos: ser professor(a) nos anos iniciais do Ensino Fundamental de escolas públicas e a livre aceitação para participar da pesquisa. Nesta fase, participaram seis sujeitos, com vistas a uma proximidade relacional necessária ao estudo. Organizo o material empírico a partir de recorrências nas falas dos sujeitos, de cujos fluxos emergiram categorias de análise: interpretadas a partir da análise textual discursiva e organizadas em dois eixos temáticos: (1) Sentidos do Ensino de Ciências: entre o protagonismo docente e autonomia subtraída; (2) Linhas e entrelinhas do Ensino de Ciências: saberes docentes em episódios de quem ensina e fala de si. Os resultados evidenciam: i) as condições objetivas do professor que ensina ciências são permeadas por contrariedades denunciadas em seus relatos que apontam uma autonomia subtraída sobre os processos de construção do trabalho pedagógico; ii) o protagonismo docente, na resistência que fazem para implementar um ensino para além das metas quantitativas que são impostas aos professores no contexto escolar; iii) os docentes, ao desenvolverem conteúdos conceituais, evidenciam saberes em suas práticas, que com apoio na literatura, são interpretados em termos de saberes específicos do conteúdo, saberes da experiência, saberes estratégicos e saberes pedagógicos do conteúdo. Defendo a tese de que a construção de sentidos sobre o ensino de ciências expressos por professoras de anos escolares iniciais de escolas públicas de Boa Vista resulta das relações imbricadas entre a vida, a formação e a profissão no espaço das práticas docentes, nas quais se manifestam como contínuas construtoras de saberes da docência. Palavras-Chave: Formação de Professores. Ensino de Ciências. Pesquisa narrativa.

Saberes docentes. Pedagogia do sentido.

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SCIENCE TEACHING IN THE EARLY SCHOOL YEARS : what teachers say

about you and your teaching

ABSTRACT

In this research, I aim to comprehend the senses and meanings expressed by teachers of early Elementary School years upon speaking of themselves and of the teaching of science that they perform. I use as method the narrative research, which is based on an empiric production in two distinct moments: first, from multiple observation on the context of science teaching using questionary concerning the provincial and municipal teaching system in Boa Vista, capital of Roraima. And second, directed to an overview of the classroom, reported by teachers who speak about themselves and the teaching of science they execute through half-based interviews, field registries and memorials. Sixty subjects took part in the first stage. The choice of the subjects was oriented by the dimension of the place, which configures one of the criteria of the narrative research, and provides a helicopter view from the context where the subjects are inserted. The second stage had as criterion what configures the narrative research: the experience lived. Upon considering that it is not the cause but the sense built by the subject that transforms experience, I elected the following criteria for choosing the subjects: be a teacher of the early Elementary School years in public schools and free will to take part in the research. In this stage, six subjects took part in the light of a relational proximity necessary to the study. I organize the empiric material considering recurrent events in the speech of the subjects, from which fluxes emerged the following analysis categories: interpreted from discursive textual analysis and organized under two themed axis: (1) Senses and Meanings of the Teaching of Science: between docent protagonism and subtracted autonomy (2) Lines and in-between lines of Science Teaching: docent knowledge in episodes of who teaches and speaks about themselves. The results point out: i) the objective conditions of the teacher who teaches science are permeated by contrariness denounced in their speech which drives to a subtrected autonomy concerning the construction process of the pedagogic work; ii) the docent protagonism, in the resistance they make to implement a teaching method to go beyond the quantitative goals which are imposed to the teachers in the school context; iii) the docents, as they develop conceptual input materials, they outstand knowledge in their practices, which supported by literature, are interpreted into terms of scientific knowledge, experience knowledge, strategic knowledge and pedagogic knowledge of the input materials. I defend the thesis that the building of sense and meaning on the teaching of science expressed by teachers of the early school years in public schools in Boa Vista derives from an overlaid relation between life, formation and profession in the sphere of the docent practices, in which the teachers manifest themselves as continuous docent knowledge builders. Key-words: Formation of Teachers. Senses and Meanings. Science Teaching. Narrative Research.

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LISTA DE SIGLAS

ATD-Análise Textual Discursiva

CEFORR-Centro de Formação de Roraima

EDUCIMAT- Educação em Ciências e Matemáticas

FMI- Fundo Monetário Internacional

IAB-Instituto Alfa e Beto

MEC-Ministério da Educação e Cultura

PIBID- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

REAMEC-Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

UEA- Universidade do Estado do Amazonas

UFPA-Universidade Federal do Pará

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SUMÁRIO

DO LUGAR DE ONDE FALO: memórias e reflexões sobre meu percurso de

formação e a construção do objeto de pesquisa ............................................. 12

MEU PERCURSO INVESTIGATIVO NESTA PESQUISA NARRATIVA... ....... 23

Dando-me conta do Método ............................................................................ 24

Critérios de escolha dos sujeitos ..................................................................... 31

Superando o estranhamento e construindo aproximações... ........................... 34

Caracterização dos sujeitos da pesquisa ........................................................ 36

A análise textual discursiva ............................................................................. 38

SENTIDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS: entre o protagonismo docente e a

autonomia subtraída ....................................................................................... 42

LINHAS E ENTRELINHAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS: saberes docentes em

episódios de quem ensina e fala de si ........................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................116

REFERÊNCIAS .............................................................................................125

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DO LUGAR DE ONDE FALO: memórias e reflexões sobre meu

percurso de formação e a construção do objeto de pesquisa

Considero que minha viagem rumo aos sentidos construídos sobre o

Ensino de Ciências começa em meu percurso formativo e acadêmico, quando

resolvi me inscrever na seleção do Mestrado em Ensino de Ciências, instigada

pelos resultados de alunos de uma escola de Ensino Médio onde eu trabalhava

como coordenadora pedagógica. Eles me diziam que não conseguiam entender

as aulas de Matemática, Física e Química, que eram as disciplinas com maior

índice de reprovação na escola.

Não me fazia sentido um ensino de ciências em que o aluno não

compreendia o que lhe era ensinado, que lhe causava frustração, na medida em

que o estudante não conseguia prosseguir nos estudos porque reprovava, e

reprovava1 porque não compreendia o que lhe era ensinado.

Elaborei meu projeto de pesquisa para a seleção do mestrado. Estudei

algumas obras que me ajudaram a iniciar meu entendimento sobre o ensino de

ciências. Lembro bem que a lista de livros da seleção recomendava obras como

a de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) Ensino de Ciências: fundamentos

e métodos; Os estudos de Bachelard, (1996) A formação do Espírito Científico,

dentre outros. Meu objeto de pesquisa era a não compreensão de algumas

ciências por parte do aluno, tais como, Física, Química e Matemática. Então,

uma colega da primeira turma de mestrado me recomendou ler Chavelard

(1998).

Ao ler este autor, especialmente ao dizer que os saberes acadêmicos não

podem ser diretamente ensinados aos alunos, comecei a compreender que o

saber da ciência de referência e o saber que se ensina não são idênticos, pois

se produzem transformações em diferentes instâncias (CHAVELLARD, 1991). O

saber acadêmico ou saber sábio ao passar para um saber a ensinar, isto é, o

saber escolar, passa por adaptações ou transformações que o autor chama de

transposição didática.

1 Lembrando que o processo escolar educacional passou de uma reprovação autoritária

e centralizadora para uma aprovação automática, substituindo o sentido atribuídos pela Lei 9394/1996 ao conceito progressão automática.

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A partir daí meu percurso de pesquisadora sobre a formação de

professores de ciências estava começando. Passei na seleção. Meu projeto que

começou com essa inquietação, foi se transformando no diálogo com o meu

orientador e centrou-se no estudo do ensino de ciências nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, que era onde minha formação em Pedagogia podia me dar

condições de trabalhar com professores que ensinam ciências.

A transposição didática que começou sendo o agente mobilizador de

minhas inquietações sobre o ensino de ciências, ficou “de lado”, passou a ser

agora travestida de uma outra maneira, qual seja, me preocupar com a

formação/educação científica do professor que ensina ciências na base do

Ensino Fundamental, porque a formação dos professores egressos do Curso

Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas. eram formados na

perspectiva do estágio com pesquisa (PIMENTA e LIMA, 2001).

Comecei a caminhar na fronteira dos saberes de outras ciências. Passei

a me preocupar em estudar, explicitar, analisar, o trabalho docente com as

Ciências. O caminhar na fronteira me fazia transitar pela Física, pela Matemática,

a Biologia, a Química, juntamente com meus colegas de mestrado. Este caminho

cruzado pela partilha dos estudos epistemológicos, teóricos, metodológicos, me

ajudou a perceber que cada ciência tem um jeito próprio de pensar seu objeto,

tem uma epistemologia, porém o ensino destas ciências constitui um conjunto

de saberes e práticas que não se reduzem a um competente domínio dos

procedimentos, conceituações, modelos e teorias científicos (DELIZOICOV,

ANGOTTI e PERNANBUCO, 2002, p. 32)

Do meu saber de Referência, que são as ciências da Educação no Curso

de Pedagogia, ia transitando como pesquisadora e formadora de formadores

para quem ensina ciências nos anos iniciais, o que requeria que eu buscasse

beber na fonte das outras ciências. Foi um processo muito difícil, “parecia que

tateava no escuro”, tinha dificuldades de entender tanta teoria, mas buscava

fazer relações com o que ensinava. Se eu tinha a impressão de que não havia

estudado nada sobre o ensino das ciências, agora eu tinha certeza. Constatava

isto, mas, ao mesmo tempo, me sentia feliz com meus espantos. Como nada sei!

Eu pensava: – Preciso estudar.

A maneira simplista e ingênua com que aprendi ciências na escola e com

que ensinei certamente, prenhe do senso comum pedagógico (DELIZOICOV,

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ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2002), me fazia sentir a importância daqueles

estudos.

Enquanto estudava sobre o Ensino de Ciências no mestrado, me inscrevi

em concurso público para o cargo de Professor Assistente da Universidade do

Estado do Amazonas e fui aprovada. E agora eu não só pesquisava, mas,

passava a ser também formadora na instituição em que pesquisava. Ao estudar

o projeto de formação da UEA, me dei conta que ela oferecia uma modalidade

de formação que articulava o estágio com pesquisa e isto exigia um trabalho

interdisciplinar por parte dos professores do Curso de diferentes campos das

Ciências Humanas.

A fundamentação teórica embasava um ensino articulado com a prática.

Em todas as disciplinas do Curso de Pedagogia, o estudante deveria ter uma

experiência articuladora com a pesquisa no espaço da escola. Este trabalho se

apoiava nos estudos do professor como pesquisador (STENHOUSE, 1991;

ELLIOTT, 2005; CARR, 1992; KEMIS, 1991) e o professor reflexivo (SCHÖN,

2001, ZEICHNER, 2001), dentre outros.

Minha pesquisa no mestrado teve como sujeitos egressos do Curso

Normal Superior da UEA, que trabalhavam na rede municipal do Município de

Manaus.

A prática do professor na construção do saber escolar é tido por muitos

pesquisadores como um saber de menor status. Então, resolvi fazer uma

pesquisa que tivesse retorno para o professor. Fui percebendo o quanto a

Universidade e a escola são mundos nos quais o conhecimento que uma produz

não chega na outra e quando os pesquisadores chegam na escola, com raras

exceções, há uma depreciação do trabalho do professor da escola.

Convidei meus colegas de mestrado da primeira turma a participarem

comigo da pesquisa-formação (JOSSO, 2004), que eu caracterizava àquela

época como pesquisa-ação (autor; ano), e propus um curso de extensão onde

reunimos, durante cinco encontros de 12 horas cada um, fazendo a abertura dos

encontros com uma palestra ou um filme, ou uma música que tivesse a ver com

o Ensino de Ciências, seguido de roda de conversa, onde eles comentavam a

formação tida sobre o ensino de ciências e o quanto dessa formação conseguiam

colocar em prática no contexto da sala de aula onde estavam trabalhando

naquele momento.

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Eram períodos breves, no sentido de trazer o professor para o diálogo de

maneira prazerosa, em tom de conversa, até o grupo ir alcançando um nível

desejado de estudo. Os encontros eram teórico-práticos. Buscávamos saber o

que os professores egressos do Curso Normal Superior conseguiam sentir que

tinham conseguido compreender e praticar em termos da educação científica

pretendida na formação inicial.

Que sentidos então minha pesquisa produziu? Os resultados

evidenciados pelos professores na pesquisa mostravam que os professores

formados na perspectiva do professor pesquisador reflexivo colocavam em

prática conceitos científicos nos anos iniciais com processos de investigação em

aula, mas isto não lhes garantia uma mudança efetiva na forma como os

professores se sentem em relação ao seu trabalho docente. Eles diziam que não

se sentiam professores pesquisadores, porque a escola possui uma cultura que

vai de encontro com essa postura, mas que nem por isso iriam deixar de lutar

por essa condição de trabalho que permite pensar, refletir junto com os alunos,

mediados pelos processos de pesquisa (OLIVEIRA, 2010).

Cheguei à conclusão de que as condições de trabalho não lhes permitiam

sentirem-se professores pesquisadores, especialmente porque a cultura escolar

predominante exigia uma carga horária em sala de aula muito elevada, pois os

concursos públicos por eles realizados lhes exigiam cumprir 60 (sessenta) horas

de trabalho semanal, para escolas situadas em algumas vicinais do Município de

Manaus. Neste sentido, outros professores manifestaram que o trabalho assim

distribuído impede o professor de organizar o tempo para pensar, planejar

adequadamente as aulas e se perguntavam como pensar em processos

investigativos em aula, sem tempo para pensar sobre a aula. Por esses motivos,

muitos haviam desistido de uma ‘terceira cadeira’ para lecionar (OLIVEIRA,

2010).

A racionalidade técnica foi um conceito muito discutido e combatido de

uma maneira geral, em termos do tecnicismo instaurado e revelado com a

pesquisa. Outro ponto é que estes professores, ao participarem da pesquisa-

formação, tiveram como fazer a interlocução novamente com a Universidade. E

em suas falas ficou clara a insatisfação até ali vivida com a Universidade, no

sentido de que esta forma os professores, mas depois não busca manter um

diálogo com os egressos (OLIVEIRA, 2010). Essa situação cria um

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distanciamento entre escola e universidade, pois constrói-se um fosso quase

intransponível entre a formação inicial e a atuação destes profissionais. No

período, fora a atividade que realizamos, dois anos depois da graduação daquele

grupo de egressos, a Universidade não havia realizado nenhuma atividade de

formação continuada que congregasse aqueles docentes por ela formados.

Após a realização desse projeto, tive a oportunidade de participar da

formação contínua de professores e aqui posso situar as questões mais

significativas de meu percurso formativo e acadêmico, especialmente no que

concerne ao estudo e à pesquisa no/do Ensino de Ciências, pois participei da

liderança de uma turma de professores da educação básica, promovidos pela

Formação do EDUCIMAT, do Instituto de Ciências e Matemáticas da UFPA.

Este projeto que formou uma turma de professores da rede estadual de

ensino do Amazonas, no Município de Itacoatiara, propunha-se a formar

professores que já atuavam no ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Trabalhei com um módulo que discutia e fundamentava o trabalho

pedagógico com pesquisa no/do ensino de ciências. Essa atividade marcou

significativamente meu processo de formação na Educação em Ciências.

Penso que formar-se em um determinado campo de saber não significa

apenas titular-se naquela área. Pesquisar e formar, produzir e criar sentido sobre

o que se está fazendo para melhorar a realidade, fazer chegar à escola o que se

está pesquisando, construir relações de parceria para ser vidraça junto com a

escola, seus professores e alunos nas questões que ela vive e luta diariamente

por uma educação de qualidade, que tenha sentido e significado para quem está

formando e se formando, enquanto forma, é uma tarefa sempre árdua, difícil,

mas que se enche de sentido quando se percebe que há um horizonte comum

em construção!

Estudar a Educação em Ciências e matemática, sob o foco da formação

docente, constituiu-se condição que aguçou minhas reflexões sobre os anos

iniciais da Educação Básica. Isso me permitiu ampliar meu horizonte de

compreensão e dar outros sentidos ao meu fazer docente na universidade, como

formadora de professores (GONÇALVES, 2000).

Após o trabalho desenvolvido no mestrado, continuei estudando e

participando do Grupo de pesquisa em formação de Professores no Ensino de

Ciências da UEA. Em 2010, houve seleção para o doutorado, e a questão da

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formação do professor no sentido de uma educação científica centrada na

formação do professor pesquisador, me instigava a pesquisar a minha própria

prática como formadora de professores que ensinam ciências nos anos iniciais

do Ensino Fundamental.

Foi então que me submeti à seleção do Doutorado em Educação em

Ciências e Matemática da REAMEC. Ao passar na seleção, me sentia renovar

as esperanças da continuação do estudo e da pesquisa no Ensino de Ciências

sobre a formação do professor que ensina ciências nos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Agora, com o foco na formação, fui convidada pelas vias da pesquisa

narrativa a investigar as histórias de formação no ensino de ciências em termos

de saberes. Estudar sobre o sentido do ensino de ciências expressos por

professores dos anos iniciais passou a constituir-se meu objeto de pesquisa.

Ao fazer parte do Grupo de Pesquisa (Trans)formar, liderado pela Profa.

Terezinha Valim Oliver Gonçalves, tive oportunidade de entrar em contato com

a pesquisa narrativa, um método de pesquisa que busca estudar experiências

vividas (CLANDININ e CONNELLY, 2011), compartilhadas ou não pelo

pesquisador. Quando não teve oportunidade de compartilhar, o pesquisador

pode pesquisar o fenômeno educativo, andando por entre as histórias de

professores, por meio dos relatos, a partir do que o professor vai significando,

em termos de sentidos à medida que constrói relações entre as histórias que lhe

são narradas pelos sujeitos investigados e a literatura pertinente.

Identifiquei-me com os pressupostos de investigação da pesquisa

narrativa, da qual fui me aproximando e aprendendo sobre um novo modo de

caminhar por entre as histórias e fazer a investigação sobre o Ensino de

Ciências. Passei a assumi-la em minha pesquisa e a constituir-me pesquisadora

narrativa.

Pretendia realizar com meus alunos uma pesquisa-formação (JOSSO,

2004), pensando e investigando narrativamente, como referem Clandinin e

Connelly (2011) e passei a estudar ambos os enfoques. No entanto, o professor

não é só professor, nem tão pouco só pesquisador, ele é também uma pessoa,

com família, filhos, esposo(a), enfim, tem uma vida em movimento junto com a

pesquisa, e este caminhar dinâmico, próprio da vida, me levou para outras terras

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para acompanhar a família. Fui de mudança para o Estado de Roraima, no meu

segundo ano do doutorado.

A partir desta mudança, meus sujeitos não são mais estudantes em

formação no Curso de Pedagogia, como eu havia previsto, são professoras2 dos

anos iniciais de escolas públicas de Boa Vista. Por entre as histórias de quem

ensina ciências nos anos iniciais recomeço a pesquisa, que não pode mais ser

pesquisa-formação. Agora, preciso administrar essa chegada em terras

desconhecidas.

Eu me sentia, anteriormente, num lugar confortável com o qual tinha

intimidade, que era o Curso de Pedagogia, no estágio com pesquisa, mas essa

não era mais a minha realidade. Precisei criar sentidos para mim mesma e

buscar construir um novo objeto de pesquisa. Vi- me como marujo iniciante em

alto mar, tendo que mudar de rumo sem abandonar a viagem. O pesquisador por

entre as águas flutuantes da pesquisa.

Busquei saber daquele lugar, da sua história dos sentidos de professores

que ensinam ciências nos anos iniciais. Uma viagem linda e perigosa a um só

tempo. Quase perdi meus sujeitos, quase perdi meu mar. No entanto, a bússola

da experiência de quem sabe orientar me ajudou a olhar aquele cenário e

aprender com ele por entre suas histórias e seus saberes, seus sentidos.

Este processo de (auto)conhecimento, de (auto)orientação (JOSSO,

2004), pelo qual passei ao pensar a prática de professores no ensino dos anos

iniciais, me motivou a pesquisar, a ouvir professores, bem como a enxergar,

aprendendo e compartilhando experiências e saberes, nos processos da

formação, buscando compreender os sentidos que professores expressam ao

relatarem como ensinam ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Uma pesquisa é sempre um recorte da realidade, direcionado pelas lentes

do pesquisador que deseja compreender seu objeto orientado por suas questões

de pesquisa. Decorrente disso, meu problema de pesquisa consiste em

compreender que sentidos são expressos por professoras dos anos escolares

iniciais, ao falar de si e do ensino de Ciências que realizam? Guiada por este

2 Assumo daqui em diante o substantivo professora no feminino, visto serem meus sujeitos

somente mulheres, o que revela que o magistério é uma profissão cujos profissionais em sua maioria são mulheres, principalmente nos anos escolares iniciais.

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problema, previ, como objetivo geral da pesquisa, compreender sentidos

expressos por professoras que ensinam Ciências nos anos escolares iniciais.

A fim de responder ao problema, tracei três objetivos específicos: (1)

Pesquisar para compreender o contexto de Ensino de Ciências em escolas

públicas de Boa Vista; (2) Identificar saberes expressos por professoras que

ensinam ciências nos anos escolares iniciais; e (3) Construir relações de

sentidos em relatos de professoras de anos escolares iniciais sobre o ensino de

Ciências.

Durante o percurso, levanto hipóteses, que vão se constituindo teses

provisórias, espécies de apostas que vou amadurecendo durante o percurso

investigativo. Busco então, enxergar o meu objeto de pesquisa que é o ensino

de ciências nos relatos das professoras de anos escolares iniciais em termos de

sentidos.

Começo um processo de escuta sensível (BARBIER, 1957), com esses

dois conceitos. Muitos teóricos da fenomenologia trabalham esses conceitos,

tais como Husserl (1989), Merleau-Ponty (1999), Heidegger (2003;2005)

Vygotsky, dentre outros, mas escolhi Vygotski (1991), para me emprestar seu

modo de compreensão, a fim de interpretar meus sujeitos, e a paisagem que

compreendida narrativamente (CLANDININ e CONNELLY, 2011), inclui as

emoções e sentimentos dos sujeitos e não somente as condições objetivas,

concretas onde o ensino de ciências comparece carregado de sentidos.

Com base em Vygotski (1998), compreendi que o conceito de sentido e

de significado está associado à mediação semiótica realizada pela linguagem

que consiste na interpretação de signos. Os signos compreendidos de forma

mais ampla, são todos os objetos, eventos, posturas e relações que seriam

apropriados pelo sujeito e passariam a contribuir com o seu modo de funcionar.

Então, passei a entender também que o significado é apenas uma das

zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso, e,

portanto, uma zona mais estável, uniforme e exata. Já em contextos diferentes,

a palavra muda facilmente de sentido (VYGOTSKI, 1998).

Fundamentada nestes pressupostos, propus-me a ouvir o que as

professoras relatam sobre si e o ensino de Ciências que realizam. Por entre suas

histórias vou percebendo o que expressam em termos de sentidos sobre o

ensino de ciências.

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A tese que defendo nesta pesquisa é que: a construção de sentidos

sobre o ensino de ciências expressos por professoras de anos escolares iniciais

de escolas públicas de Boa Vista resulta das relações imbricadas entre a vida, a

formação e a profissão no espaço das práticas docentes, nas quais se

manifestam como contínuas construtoras de saberes da docência.

Este olhar sobre os sentidos, construídos num diálogo que envolveu

teóricos de diferentes campos da pesquisa em educação, me possibilitou dar

significado aos textos de campo de modo a compreender e interpretar os relatos

de professoras que ensinam ciências em escolas públicas de Boa Vista.

Para enxergar o que faz sentido às professoras que ensinam ciências nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, a fim de compreender seus saberes,

estudei com base em Larrosa (2002; 2011), o conceito de experiência e o que

poderia ser um saber da experiência. Em Tardiff (2002), Pimenta (1997; 2000),

Tardif e Lessard, Lahaye (1991), fui me aproximando da compreensão dos

saberes docentes de professores, sobre sua profissionalidade. Em Gauthier

(1998), fui amadurecendo a ideia de que o professor possui um repertório de

saberes, que grande parte destes, se constitui de uma sabedoria ou de um saber

de sua jurisprudência, que ele chama de um saber privado.

Em Shulman (1999) agucei a visão para enxergar alguns saberes

específicos do modo como o professor ensina, que pode se manifestar como um

saber específico da matéria ou um saber pedagógico do conteúdo, ou ainda, um

saber estratégico (SHUMAN, 1986a) que Gonçalves e Gonçalves (1998),

juntamente com Gonçalves (2000; 2005; 2013), me auxiliaram a compreender

como sendo aquele saber que o professor cria na sala de aula no espaço do

imprevisível.

Com Ghedin (2007), Monteiro (2007), Franco (2008; 2012), Geraldi,

Fiorentini, Pereira (1998) fui percebendo na teia de relações imbricadas entre a

profissionalidade docente e a formação que o saber docente forma e transforma

o professor e seus alunos, permitindo-lhe outras possibilidades.

Para construir a minha versão e compreensão dos sentidos do ensino de

ciências, precisei estudar sobre o currículo do Ensino de Ciências e sua história,

concepções e abordagens articuladas com o contexto social, econômico, político

e educacional, com apoio em Delizoicov, Angotti, Pernambuco (2002), Krasilchik

(1987; 2000), Chassot (2004), Carvalho (2013), Moraes (2008), Gonçalves,

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Macedo e Souza (2015), entre outros. Para responder à questão de pesquisa,

organizei o percurso investigativo em duas fases: a primeira, em que contei com

a participação de professores, coordenadores pedagógicos e técnicos dos dois

sistemas de ensino municipal e estadual, por meio de questionário sobre o

ensino de ciências de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, em Boa Vista-

Roraima. A segunda fase foi realizada por meio de entrevistas

semiestruturadas com seis professoras de escolas públicas da rede estadual,

e também foi usado o caderno de campo, memorial e documentos legais das

respectivas secretarias de educação.

Minha opção metodológica foi pela pesquisa qualitativa na modalidade

narrativa (CONNELLY e CLANDININ, 1995); (CLANDININ e CONNELLY,2011).

Vejo nessa metodologia a possibilidade de crescimento pessoal e profissional,

não só para mim, mas para os sujeitos, pois narrar o vivido é sempre um

movimento de refletir sobre os pressupostos de nossas escolhas e isto é

formativo (JOSSO, 2004). Não é um caminho fácil, porque enxergar o passado

com o olhar do presente, vislumbrando um futuro é uma tarefa exigente, por

vezes dolorosa, mas necessária.

O material de análise é formado pelos relatos das professoras, de suas

experiências expressas por meio de conversas e entrevistas semiestruturadas,

que foram gravadas em áudio e transcritas, das quais emergiram as unidades

de sentido que compõem o trabalho, cujo tratamento empírico é feito com base

na análise textual discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007), de cujo processo

emergem as categorias de análise: autonomia subtraída, protagonismo, saberes

docentes.

A partir deste trabalho de compreensão, organizei a pesquisa em quatro

seções: assim delineadas: a primeira seção, intitulada Do lugar de onde falo:

memórias e reflexões sobre meu percurso de formação e a construção do

objeto de pesquisa, é a introdução da pesquisa, pois fala da minha caminhada

profissional e o meu encontro com o objeto de pesquisa. Na segunda seção,

intitulada: Meu percurso investigativo nesta pesquisa narrativa apresento

sobre como fui me dando conta do método, minhas aproximações com os

sujeitos da pesquisa, a caracterização dos sujeitos da pesquisa e a explicitação

do processo da análise textual discursiva que gerou os dois eixos de análise.

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A quarta seção é formada pelo primeiro eixo de análise intitulado: Sentidos

do Ensino de Ciências: entre o protagonismo docente e a autonomia subtraída.

Nesse eixo, apresento, por entre as histórias relatadas sobre o ensino de

ciências de professoras dos anos escolares iniciais, o cenário das condições do

trabalho docente, permeado pelas contradições vividas na prática pedagógica

dessas professoras e manifestadas por elas em situações que revelam sentidos

sobre: conhecimento prévio; continuidade; cidadania; aprendizagem e avaliação

que na constância do vai e vem dos relatos comparecem quando falam de si e

do ensino de ciências que realizam.

No Eixo II intitulado: Linhas e entrelinhas do Ensino de Ciências: episódios

de quem ensinam e falam de si, apresento os sentidos atribuídos pelas

professoras ao ensino de ciências, que significo em termos de saberes docentes,

manifestados ao relatarem como trabalham os conteúdos de corpo humano,

energia, e meio ambientes.

Na última seção: Considerações Finais, apresento, com base em todo o

percurso desenvolvido, “alguns princípios construídos por meio da pesquisa” em

termos (in)conclusivos. Estes princípios emergem tanto dos limites - aquilo que

poderia acontecer, mas, não acontece na formação do professor que ensina

ciências nos anos escolares iniciais, quanto das possibilidades - que são

engendradas pelas professoras e que vai lhes sanando as lacunas da formação

inicial se transformando em ideias, ações, reflexões modus operandis de ensinar

ciências que faz sentido e possui significado transformador na formação

contínua que acontece em ação de parceria e partilha de experiência no contexto

da escola e da sala de aula.

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MEU PERCURSO INVESTIGATIVO NESTA PESQUISA

NARRATIVA...

Para nós, a narrativa é o melhor modo de representar e entender a experiência.

Connelly e Clandinin

Na presente seção, descrevo meu processo de aproximação dos sujeitos

para conhecimento do contexto, critérios adotados, os passos e descompassos

na construção dos textos de campo, a negociação para a entrada em sala de

aula por meio dos relatos das professoras, buscando compreender sentidos

expressos por professoras de anos escolares iniciais ao falarem de si e do ensino

de ciências que realizam.

Baseada no princípio mesmo da pesquisa narrativa, isto é, o caminho

construído não vai em busca de causalidade do objeto, mas da globalidade, ou

do sentido de totalidade (CONNELLY e CLANDININ, 1995) com que se constrói

o objeto. Com retalhos de histórias, construo o presente texto, que em alguns

momentos foram trazidos pelos fios da história vivida, noutros pelo fio do

discurso sobre o vivido.

Ao buscar saber do contexto, dos sujeitos, da trama onde os sujeitos

constroem o ensino de ciências, não fui a busca da causa, mas do sentido global

da história de professores que ensinam ciências nos anos iniciais do Ensino

Fundamental em escolas públicas de Boa Vista-Roraima. Portanto, eu narro a

história, a partir do que eles próprios contam de si. Vou tecendo a metanarrativa

que construo, entrelaçando suas próprias vozes no texto, criando a trama que

narra a vida de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas

públicas em que trabalham.

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Dando-me conta do Método

Considerando que o caminho se faz ao caminhar como diz o poeta

Antônio Machado, iniciei este caminho com muita dificuldade, pois desconhecia

o método e me perguntava: o que é pesquisa narrativa? A primeira resposta

veio dos canadenses Clandinin e Connelly (2011, p 32), que declaram que a

pesquisa narrativa pode ser método e fenômeno. Eles dizem, “vemos o ensino e

o conhecimento do professor como expresso em histórias sociais e individuais e

corporificadas (narrativas como fenômeno), e pensamos narrativamente à

medida que entramos na relação de pesquisa com os professores” (narrativa

como método investigativo).

Assim como Clandinin e Connelly (2011), Gonçalves (2011, p.57) também

me ajudou a compreender que “a pesquisa narrativa trata da reconstituição de

histórias vividas/compartilhadas pelos participantes da pesquisa, por aqueles

que narram suas experiências e por aquele que as interpreta, face às questões

de pesquisa”, isto é, o pesquisador.

Outro aspecto esclarecido por Gonçalves (2000) é que a terminologia

pesquisa narrativa, mais comum na literatura produzida no Brasil, no contexto

espanhol e em outros é chamada investigação narrativa. Assim como a autora,

utilizo o termo pesquisa narrativa, para definir o método investigativo e narrativas

para designar as histórias, os relatos, ou seja, o fenômeno. Compreendo,

portanto, que as histórias de vida são o ponto comum nas pesquisas narrativas,

constituídas pelas experiências dos sujeitos.

A origem do movimento que estuda as histórias de vida no campo da

educação foi investigada por Pineau (2006), um de seus pioneiros. Segundo ele,

esta tendência, cujas práticas diferenciadas, colocam o professor e suas

vivências no centro da pesquisa-formação, emergiu no contexto europeu na

década de 80, fundando-se na década de 90 e alcançando variadas formas de

práticas de investigação nos anos 2000, principalmente na abordagem

autobiográfica.

Esses trabalhos tiveram como pano de fundo uma mudança de caráter

epistemológico no campo da pesquisa em ciências sociais, a meu ver,

extraordinário, pois as pesquisas em uma epistemologia estruturalista, de

natureza quantitativa, em busca de uma “neutralidade” vigente na ciência

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moderna, começava uma mudança paradigmática (KUHN, 2003) em seus

estatutos, inaugurando a era de uma ciência que valoriza os aspectos subjetivos

do homem e de suas organizações.

Entre os primeiros trabalhos na esteira da pesquisa narrativa,

especialmente na abordagem autobiográfica Pineau (2006) destaca: “Produzir

sua vida: autoformação e autobiografia de Pineau e Marie-Michèle (1983), “O

professor é uma pessoa” de Adam Abraham (1984), e a obra organizada por

António Nóvoa e Matthias Finger intitulado “O método (auto)biográfico e a

formação”.

Dentre os pesquisadores europeus, que são referências no campo da

pesquisa formação, principalmente na abordagem autobiográfica, estão: Gaston

Pineau, Pierre Dominicé, Franco Ferrarotti, Christine Josso, Guy de Villers,

Bernadete Courtois e Guy Bonvalot, António Nóvoa e Mattias Finger, Larrosa,

entre outros (PINEAU, 2006).

A base em que se fundamentou a tendência das pesquisas tendo as

histórias de vida como movimento de pesquisa-formação, Josso (2004, p. 21)

relata na introdução de seu livro “Experiências de vida e formação” os trabalhos

do antropólogo Gregory Bateson, dos sociólogos Crozier e Friedberg, em Edgar

Morin, da Filosofia da Ciência, nos estudos psicológicos de Carl Rogers, e no

campo da Educação em Paulo Freire e Bernard Honoré, que prepararam o

terreno para a pesquisa autobiográfica pela “abordagem da formação do ponto

de vista do sujeito aprendente”.

Concomitante a este movimento, os canadenses que citei inicialmente,

Connelly e Clandinin (1995) e Clandinin e Connelly (2011), inspirados nos

estudos de Dewey, especialmente, em sua pesquisa sobre o conceito de

experiência, construíram uma metodologia de pesquisa narrativa. Além dos

estudos de Dewey, os autores basearam-se no conceito de “unidade narrativa”

de Mark Johnson e Alasdair Macintyre que estudavam sobre “as imagens de

professores sobre ensinar”.

Outros autores influenciaram o pensamento de Clandinin e Connelly

sobre como se pesquisa narrativamente, quais sejam, os estudos antropológicos

de Clifford Geertz; e Bateson; os estudos em administração sobre as

“identidades institucionais” de Czarniawska, os trabalhos que conjugam

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psiquiatria, vida e ensino de Robert Coles, e o estudo sobre conhecimento

narrativo e ciências humanas de Polkigorne (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Estes estudos fundamentaram o trabalho dos autores canadenses, que

se tornaria uma, entre as mais importantes referências no campo da pesquisa

narrativa. Uma de suas obras de maior relevo e explicação do método é

“Experiência e história em pesquisa qualitativa”3. Declaro que é com base nestes

autores que oriento metodologicamente minha estratégia investigativa na

pesquisa em formação de professores no ensino de ciências.

Para Connelly e Clandinin (1995, p. 12) o estudo da narrativa

é o estudo da forma que os seres humanos experimentam o mundo e a partir desta ideia geral, defendem a tese de que a educação é a construção e re-construção das histórias pessoais e sociais; tanto os professores e os alunos são contadores de história e também personagens nas demais histórias como nas suas próprias (tradução minha).

A pesquisa narrativa estuda a forma como os seres humanos

experimentam o mundo. Isto quer dizer que, por meio das histórias de vida e

formação dos sujeitos investigados, podemos reconstruir seu percurso formativo

e daí gerar reflexões sobre a experiência docente, analisando relações entre o

vivido e a compreensão do ensino que realiza, como o estudante aprende, dentre

outros focos investigativos. Nesta pesquisa, busco compreender sentidos que os

professores atribuem sobre o ensino de ciências nos anos iniciais do ensino

fundamental, expressos em termos de saberes científicos, saberes pedagógicos

do conteúdo e saberes da experiência.

Sobre uma definição do que seja a pesquisa narrativa, os autores assim

se pronunciam:

Queremos deixar claro que não temos a intenção de definir narrativa, [..] mas tentar prover uma resposta para a pergunta O que fazem os pesquisadores narrativos? [...] Estamos interessados nos termos da investigação e os espaços em que esses termos criam a mesma. Estamos interessados em como esses termos definem e delimitam investigações narrativas - como delimitam os fenômenos, moldam o que passa por evidência e determinam o que tornam os textos de pesquisa narrativa defensáveis (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 84)

3Esta obra foi traduzida para o português pelo Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores ILEEU da Universidade Federal de Uberlândia-MG, que estuda e investiga nesta modalidade de pesquisa e publicou a obra pela EDUFU-editora da referida universidade.

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Para os autores, mais importante do que definir o que é a pesquisa

narrativa, é saber como fazer uma pesquisa narrativa e como defendê-la

satisfatoriamente. Clandinin e Connelly (2011, p.84), reconhecem nos estudos

de Dewey o valor das experiências pessoais e sociais, para compreenderem os

fenômenos sobre os professores e o ensino, e afirmam “discutimos os termos

que optamos por usar em nossas pesquisas que derivam da visão deweyana da

experiência (especificamente: situação, continuidade e interação)”.

Nesta perspectiva, as histórias têm um caráter individual e social, pois

elas estão em interação, em um contexto social. Por conseguinte, estas

experiências têm um continuum, ou seja, uma experiência de agora pode ter

como base uma experiência passada e pode levar a experiências futuras.

Ao justificarem sua posição teórica os autores comentam:

O trabalho de Dewey sobre a experiência é nossa referência criativa para nos lembrar de que, em nosso trabalho, a resposta para a pergunta “por que narrativa?” é: por causa da experiência. [...] Com Dewey, pode-se dizer mais experiencialmente, do que “por causa de sua experiência” quando se responde porque alguém faz o que faz (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 85).

Não é a causa, mas o sentido4 que o sujeito constrói que faz a

experiência. Ao pensar a pesquisa narrativa a partir dos conceitos de Dewey, os

autores assumem como termos que constituem a pesquisa narrativa: “pessoal e

social (interação); passado, presente, futuro (continuidade) combinados à noção

de lugar (situação)”.

A dimensão temporal se constitui de percursos retrospectivos de

memórias relatadas, vividas no passado, e analisadas com olhar do presente,

com vistas a suscitar um pensamento prospectivo, uma visão de futuro, não

importando o lugar em que se encontre o pesquisador ou os sujeitos de

4 O sentido corresponde à forma como os sujeitos significam as relações que são apropriadas nos contextos de interação, nos espaços intersubjetivos (VIGOTSKI, 2007). Significados- estão associados à mediação semiótica realizada pela linguagem-que consiste na interpretação de signos. É nessa mediação que Vigotski (2007) compreende que ocorre a conversão do externo e interno, em movimento permanente que constitui o sujeito, justamente pela atribuição de significados e sentidos aos signos externos entendidos estes signos de maneira ampliada - são todos os objetos, eventos, ações, posturas e relações que seriam apropriados pelo sujeito e passariam a construir o seu modo próprio de funcionar. Esse movimento, essa mediação semiótica-conversão do externo em interno – se dá de acordo com as significações atribuídas às experiências em processo ativo e interativo.

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pesquisa, pois é por meio da memória que podemos fazer uma reescrita do

ontem com o olhar de hoje, podendo vislumbrar o amanhã.

Deste estudo, Clandinin e Connelly (2011) destacam o aspecto

tridimensional da pesquisa narrativa, qual seja, a relação entre presente,

passado e futuro articulada com os aspectos individuais e sociais nos quais os

sujeitos e as organizações interagem, considerando os aspectos introspectivos

e extrospectivos do que está sendo relatado em um determinado lugar ou

sequência de lugares.

A partir desta base teórica ficou clara em minha compreensão o conceito

de pesquisa narrativa em sua tripla dimensão, ou seja, a dimensão

compreendida entre o tempo (passado, presente, e futuro) na relação com a

dimensão das interações do sujeito (pessoal e social) articulado à dimensão

de lugar ou lugares, pois o sujeito está situado em um contexto histórico.

De acordo com Clandinin e Connelly (2011, p. 85-86), o pesquisador

narrativo deve dirigir as questões de pesquisa olhando estas dimensões

simultaneamente, pois elas não acontecem desarticuladas. Além disso, quando

o sujeito relata suas experiências, o olhar do pesquisador não deve focalizar

apenas o evento, pois a dimensão temporal (presente, passado e futuro) possui

aspectos internos ou introspectivos (sentimentos, esperanças, reações estéticas

e disposições morais) e aspectos externos ou extrospectivos (relativas às

condições existenciais, isto é o meio ambiente) de tal modo, que os sujeitos,

pesquisador e pesquisados, atuem na condição de protagonistas.

Mas, uma outra dúvida ecoava dentro de mim: como é a forma de escrita

da pesquisa narrativa? Como fica a teoria? Como desenvolvo teoricamente a

pesquisa narrativa?

A resposta a esta pergunta foi um primeiro impacto sentido por mim em

relação à pesquisa narrativa, o que Clandinin e Connelly (2011) chamam de o

lugar da teoria na pesquisa narrativa.

Estudando diversos trabalhos desenvolvidos nesta modalidade da

pesquisa qualitativa, percebi que o pesquisador narrativo busca fazer um

equilíbrio entre as passagens interpretativas e argumentativas com as narrativas

que se constituem das experiências dos sujeitos, pois,

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não podemos, por exemplo, chamar um texto de pesquisa narrativa, se ele deixar de fora a descrição e a narrativa e usar somente argumentos. Nem podemos chamar um texto de pesquisa narrativa se ele é uma narrativa pura sem descrição e argumento (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 204).

Em outras palavras, o texto que se pode chamar de pesquisa narrativa

precisa trazer a descrição para informar ao leitor de que experiências vividas

trata a pesquisa e em que essas experiências contribuem na compreensão do

objeto em estudo, em cujas histórias ganham forma, sentido e significado, a partir

dos argumentos construídos e interpretados por meio da teoria que empresta

lentes ao pesquisador para compreender o objeto a partir das

histórias/experiências, a fim de poder criar a argumentação acerca do fenômeno

analisado.

Entretanto, a parte teórica não fica compartimentada no texto da

pesquisa, é diluída durante todo o texto, fazendo a tessitura teórica que sustenta

a tridimensionalidade da pesquisa narrativa, o que não acontece de forma linear,

tal como em uma pesquisa formalista5 em que a parte teórica é separada da

parte empírica, e esta, de seus resultados. Assim se referem os autores:

[...] a experiência e a narrativa estão igualmente sob suspeita para o formalista, como estão para o pesquisador inserido na perspectiva da narrativa dominante. A diferença entre ambos é o lugar dado à experiência. Para o pesquisador da narrativa dominante, a experiência é uma marca negra na parede branca que precisa ser limpa; já o formalista vê a experiência como algo a ser ignorado. Para o formalista, não há enfim, nenhuma ação na experiência, mas somente na forma. Segundo ele, a pessoa meramente age de acordo com as hegemonias políticas, culturais, de gênero e estruturais (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 73).

Em se tratando da pesquisa que desenvolvo, por exemplo, pensando

narrativamente, tenho como objeto a formação docente, especificamente, aquela

que prepara professores para ensinar ciências nos anos iniciais do Ensino

5 Pesquisa formalista é o termo usado por Clandinin e Connelly ao se referirem àquelas investigações em que a forma e a estrutura têm preponderância em relação ao conteúdo, no caso à experiência. “Os formalistas dizem que os fatos do caso, a experiência que alguém diz possuir, ou os dados coletados por pesquisadores empiristas têm pouco significado em suas asserções. As pessoas, eles argumentam, nunca podem ver a si mesmas como são, porque são sempre alguma outra coisa; especificamente, elas são o que a ideologia, teoria ou estrutura utilizada na pesquisa afirma (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p.73 ).

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Fundamental. Além dos autores que orientam metodologicamente o trabalho,

fazem parte da arquitetura do texto de pesquisa, os teóricos que discutem sobre

a formação docente, o ensino de ciências nos anos iniciais direcionado pelas

questões de pesquisa, que falam da minha intencionalidade. Por isso, nenhuma

pesquisa é neutra.

Saber que as questões de pesquisa dão norte ao trabalho investigativo é

peculiar a qualquer tipo de pesquisa, seja de natureza quantitativa, seja de

natureza qualitativa, ou em que modalidade for, dentro de um determinado

método. No entanto, o que quero expressar com toda essa argumentação sobre

minha compreensão da pesquisa narrativa é que ela por valorizar a experiência

vivida, deve começar pelas histórias dos sujeitos e não por um corpo teórico no

qual o pesquisador desde o início do texto de pesquisa já enquadra os sujeitos,

apresentando-os formalmente a partir de dados coletados como numa pesquisa

experimental (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Como critérios de validação, no caso da pesquisa narrativa a

verossimilhança é um dos critérios de validade. Enquanto a generalização é

um dos critérios de validação da pesquisa formalista, (termo usado por Clandinin

e Connelly (2011) em relação às pesquisas estruturalistas, dentro do modelo

investigativo de causa e efeito), a verossimilhança diz respeito ao trabalho que

assume tal semelhança com a realidade, que outros sujeitos, ao ler o texto

sintam a realidade brotar de dentro dele, como se estivessem vivendo o fato

ocorrido, chegando a se ver na história contada, argumentada.

Outro critério de legitimidade da pesquisa narrativa é a transferibilidade,

ou seja, uma história não pode ser generalizada para outras pessoas ou grupos

e instituições, mas podem ser transferidos aspectos investigados que fazem com

que o leitor se veja em situações semelhantes, mas não genéricas, pois as

histórias são individuais, têm características peculiares a um determinado

contexto e sujeito. Para Clandinin e Connelly (2011, p. 75),

A contribuição de uma pesquisa narrativa está mais no âmbito de apresentar uma nova perspectiva de sentido e relevância do tópico de pesquisa do que acrescentar um novo constructo teórico sobre o objeto em estudo. [...] muitos estudos narrativos são considerados importantes quando se tornam textos literários para serem lidos pelos outros, não tanto pelo conhecimento que

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abarcam, mas pelo teste vicário, das possibilidades de vida que permitem aos leitores da pesquisa.

Em se tratando de experiências como matéria-prima da pesquisa, os

textos de campo (termo que Clandinin e Connelly usam em vez de “dados”)

podem ser construídos por meio de relatos orais ou escritos, diários de campo,

notas de campo, documentos, memoriais, fotografias, etc. Estes, por sua vez,

serão transformados em textos de pesquisa pelo pesquisador de acordo com a

visão, interpretação, forma narrativa mais apropriada ao seu objeto de pesquisa.

No caso desta pesquisa, utilizei como textos de campo, transcrição de

entrevistas gravadas em áudio, diário de campo, respostas a questionário,

documentos, conversas em encontros informais com os sujeitos, gravadas e

transcritas. A pesquisa narrativa dá voz aos sujeitos, informa o cenário, tece a

trama por meio da análise dos textos de campo, que forma o corpus da pesquisa.

Quanto à escrita da pesquisa narrativa, o pesquisador se posiciona e

assume na primeira pessoa do singular o processo em que se desenvolve a

pesquisa, anunciando de forma clara e precisa os critérios, o cenário ou contexto

da pesquisa, suas intenções, objetivos de pesquisa, contando de forma

argumentativa, descritiva, narrativa sobre o objeto em estudo. Por meio das

histórias, criam-se sentidos e compreensões de mundo, e para isso, faz-se

necessário uma relação de proximidade entre o pesquisador e os sujeitos da

pesquisa. (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Critérios de escolha dos sujeitos

Sendo o próprio pesquisador que sabe o que é mais apropriado ao seu

processo investigativo, de acordo com suas intenções de pesquisa (CLANDININ

e CONNELLY, 2011), defini os critérios para seleção dos sujeitos inicialmente,

buscando saber do lugar onde estavam situados, qual seja, o município de Boa

Vista no Estado de Roraima, em escolas públicas.

A escolha do lugar foi mobilizada por um critério de circunstância, pois,

estando minha família em processo de mudança para o Estado de Roraima, a

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pesquisa passou a ter como lócus, as escolas públicas de Boa Vista, capital de

Roraima, cenário sobre o qual trato no próximo capítulo.

Desenvolver a investigação em um lugar totalmente novo foi um desafio,

para o critério de aproximação com os sujeitos da pesquisa. No entanto, como

quase todo pesquisador quando inicia um processo investigativo, começa

querendo “dar conta do mundo”, resolvi, iniciar a pesquisa buscando saber

daquele lugar em termos da formação docente e do ensino de ciências, com a

participação de professores, coordenadores pedagógicos, gestores e técnicos

das redes municipal e estadual de Boa Vista.

Esta entrada em campo se constituiu em três roteiros: um abordando

questões ligadas à estrutura e funcionamento das escolas públicas de Boa Vista,

capital do Estado de Roraima; o segundo foi referente à formação continuada

dos professores e ao apoio ao trabalho docente e o terceiro, sobre o ensino de

ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, as diretrizes que seguiam,

que conteúdos eram priorizados, a fim de responder ao primeiro objetivo

específico: pesquisar o contexto da formação de professores e as

especificidades do Ensino de Ciências em escolas públicas de Boa Vista.

Então, defini que o meu primeiro momento da pesquisa seria voltado para

um olhar macro do contexto de ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino

Fundamental e que faria esta construção de texto de campo por meio de um

questionário baseado em três roteiros que denominei de roteiro I, II e III . Os

resultados deste estudo não se encontram estanque no texto, mas ao logo dos

dois eixos de análise, considerando o que teve maior relevância sobre os

sentidos do ensino de ciências.

Nesta etapa, participaram da pesquisa respondendo aos roteiros I e II,

três coordenadores da área do Centro de Formação de Roraima (CEFORR),

uma diretora do CEFORR, um Técnico da Secretaria Estadual de Educação e

Cultura do município de Boa Vista, um técnico da Secretaria Municipal de

Educação de Boa Vista.

Respondendo ao roteiro III, participaram onze (11) coordenadores

pedagógicos, pois foram cinco (05) escolas estaduais e seis (06) municipais, que

fazem o total de onze (11) escolas, portanto onze (11) coordenadores

pedagógicos, e em cada escola participaram respondendo sobre o ensino de

ciências os professores do 1º ao 5º ano, fazendo um total de quarenta e nove

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(44) professores. Contando os técnicos das secretarias, os coordenadores

pedagógicos e os professores do 1º ao 5º ano, trabalhei com um total de

sessenta (60) sujeitos nesta primeira etapa da pesquisa.

Considero que estes textos de campo por meio de questionários e

entrevistas são pré-textos que me informam em que realidade institucional está

situado o professor que ensina ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental

em Boa Vista. Esta primeira fase foi realizada como forma de chegar a uma fase

posterior, que é estudar na intimidade dos relatos das práticas das professoras

os sentidos expressos por elas sobre si e o ensino de ciências que realizam.

Sentia-me insegura diante daquele espaço tridimensional que eu não

conseguia conjugar na tríade desejada, por ser “[...] um espaço no qual, como

pesquisadores narrativos não trabalhamos sozinhos, pois envolve a nós e

àqueles com quem trabalhamos” (CLANDININ e CONNELLY, 2011, p. 96). Eu

precisava, portanto, dele me aproximar. Levava na bagagem as minhas histórias

de vida e formação e estava curiosa para compreender àquelas outras histórias,

pois,

Como pesquisadores, vamos para cada novo campo de pesquisa vivendo nossas histórias. Nossos participantes também entram no campo da pesquisa no meio do vivenciar das suas histórias. Suas vidas não começam no dia em que chegamos, nem terminam quando partimos. Suas vidas continuam. Além disso, os espaços nos quais eles vivem e trabalham, suas salas de aula, escolas, comunidades, também estão no meio de uma porção de histórias quando nós pesquisadores chegamos. [...] As histórias que trazemos como pesquisadores também estão marcadas pelas instituições onde trabalhamos, pelas narrativas construídas no contexto social do qual fazemos parte e pela paisagem na qual vivemos (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 100).

Situações como as referidas acima foram sentidas a cada momento da

caminhada investigativa. Até porque, o movimento do pesquisador narrativo, é

do campo, aos textos de campo, e destes, ao texto de pesquisa, e nesse

percurso, o registro é o nosso maior aliado porque a memória pode falhar e

quando esquecemos de anotar, a memória pode ser nosso guia na reconstituição

temporal, interacional e situacional, desde a emoção até a sequência do que se

passou na experiência vivida de si ou do outro, por ele relatada.

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Ao falar da dimensão temporal, Ricoeur (2010), destaca que o tempo só

se torna plausível, por meio da memória, isto é, as narrativas é que dão sentido

ao tempo. Dito de outro modo, o tempo existe porque narramos o que vivemos

e, ao fazer isto, damos sentido ao mundo. Nisto reconhecemos a dimensão

particular do sentido, compreendida por Vigotski (1998) na dimensão do privado,

pois cada pessoa dá sentido de forma diferente para o mesmo evento ou objeto.

Já o significado é da dimensão do público, embora construído em interação com

os outros.

Naquele momento de início do trabalho de construção dos textos de

campo, os questionários me pareceram instrumentos que poderiam ajudar-me a

produzir sentidos sobre a formação docente e o ensino de ciências em Roraima.

Um contexto desconhecido e com o qual precisava criar um elo.

Embora sabendo que o questionário era um instrumento com questões

fechadas, senti que o seu uso ajudaria num primeiro momento a ter uma visão

macro do contexto de ensino de Ciências em Boa Vista a fim de ter um olhar

mais abrangente do contexto em que iria desenvolver a pesquisa.

A partir daí, do contingente de sessenta sujeitos, escolhi seis professoras

para serem as minhas colaboradoras sobre as questões mais específicas da sala

de aula quanto ao ensino de ciências.

Superando o estranhamento e construindo aproximações...

As narrativas se deslocam do passado e surgem

num espaço tridimensional específico, que chamamos campo de pesquisa

Conelly e Clandinin

Gonçalves (2000, 2011), dentre outros autores, defende que cada

pesquisador possui autonomia para criar seu próprio processo, seu caminho, de

acordo com as suas questões de pesquisa e a explicitação dos critérios

construídos/adotados para a construção de seu percurso investigativo.

Como pesquisar a vida e o cotidiano escolar de ambientes em que eu era

como “uma estranha no ninho”? A pesquisa narrativa em todos os casos

estudados necessita de aproximação entre pesquisador e pesquisados. Para

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que o sujeito que pesquisa e os sujeitos que vão participar da pesquisa com suas

histórias abram a intimidade de sua vida, quer profissional, quer pessoal, é

preciso que se estabeleça uma relação de confiança entre ambos. Além disso,

por mais convivência que tenha um pesquisador com os seus sujeitos, toda

entrada em campo é negociada, precisam se estabelecer os critérios, como

chegar nos sujeitos, como ocupar um pouco do seu tempo para relatar suas

histórias e experiências foco da pesquisa.

No decorrer do processo de entrevistas, fiquei sabendo que assim como

eu, a maioria das professoras participantes da pesquisa não eram originárias de

Roraima, pertenciam a outros estados, pois o Estado de Roraima é composto

por migrantes de diferentes regiões do país que, como eu, foram para lá movidas

pela busca de trabalho e melhores condições de vida.

Em se tratando de uma investigação na Amazônia Legal, o Estado de

Roraima, por ser um estado recente na configuração das unidades federativas

do Brasil, posto que deixa de ser território federativo e começa a ser considerado

Estado, apenas em 1991, depois de ser aprovada esta decisão na constituição

de 1988.

Considerando este fato e outro que ainda não se tem pesquisas

envolvendo os saberes de professores em termos do ensino de ciências,

considero além do critério de circunstância, o critério de relevância estudar o

ensino de ciências na intersecção, com os sentidos a partir do que expressam

professoras dos anos escolares iniciais, uma investigação construída com vistas

a fazer sentido para a pesquisadora e para o Estado, ou seja, a produção de um

material teórico sobre a educação em ciências de Roraima,

O segundo momento de produção empírica teve como critério o que

configura a pesquisa narrativa, a experiência (CONNELLY e CLANDININ,

2011). Ao considerar que não é a causa, mas, o sentido que o sujeito constrói

que faz a experiência. Elegi como critérios de escolha dos sujeitos: estar atuando

em uma sala de aula do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, ser professor de

escola pública e a livre aceitação para participar da pesquisa.

Nesta fase, participaram seis professoras, com vistas a uma proximidade

relacional necessária ao estudo. Organizei o material empírico, o corpus de

pesquisa, a partir de aspectos recorrentes expressos nas falas dos sujeitos, de

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cujos fluxos emergiram as seguintes unidades de sentido: Conhecimento prévio;

Continuidade; Interdisciplinaridade; Cidadania; Aprendizagem e Avaliação.

Estas Unidades de sentido foram por mim compreendidas em três

grandes categorias de análise: protagonismo docente; autonomia subtraída e

saberes docentes que deram origem aos dois Eixos de Análise: Sentidos do

Ensino de Ciências: entre o protagonismo docente e a autonomia subtraída e

Linhas e entrelinhas do Ensino de Ciências: saberes docentes em episódios de

quem ensina e fala de si.

A pesquisa está assim configurada considerando a tridimensionalidade da

pesquisa narrativa:

A dimensão temporal da pesquisa estuda o ensino de ciências, seus

sentidos na relação com a dimensão do lugar, onde os sujeitos e suas

memórias, relatos estão situados, e permitem à compreensão de situações que

se desenrolam e tomam como cenários situações do passado, do presente e

perspectivação do futuro. Considero a relação com a dimensão pessoal e

social, de cada sujeito e que se traduz em sentidos diferentes de acordo com

cada uma das professoras e com as experiências pessoais e sociais, que

envolvem os diversos ambientes que interferem nos sentidos construídos por

elas e interpretados por mim sobre o que cada professora expressa em seus

relatos.

Caracterização dos sujeitos da pesquisa

Diana é natural do Ceará. Tem a formação inicial no magistério, em nível

médio, graduação em Pedagogia e especialização em Gestão Escolar. É

professora há 22 anos na rede estadual de ensino de Boa Vista. Leciona para o

3º ano do Ensino Fundamental. Gosta muito de trabalhar em parceria com os

pais dos alunos. Manifesta-se como uma pessoa muito comprometida com o que

faz.

Renata é natural do Rio Grande do Sul, formada em Pedagogia. Possui

especialização em Gestão Escolar. É professora há 14 anos. Trabalha na rede

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estadual e municipal de ensino no município de Boa Vista como professora do

3º ano do Ensino Fundamental. É uma professora que não abre mão de sua

autonomia para planejar, elaborar suas provas, ser ela mesma no processo de

educar. É alegre, entusiasta, e adora o que faz.

Amanda é natural da Paraíba. É formada em Comunicação Social e em

Pedagogia com especialização nas duas áreas. É professora do 3º ano do

Ensino Fundamental, na rede estadual e municipal de ensino no município de

Boa Vista. Exerce a docência há 24 anos. Carrega consigo a marca de um

trabalho feito com o sangue poeta advindo de seu pai e que se reflete no modo

como ensina, sempre trazendo a poesia e a arte para a sala de aula.

Regina é natural de Roraima. Teve sua formação inicial no magistério e,

em seguida, fez graduação em Pedagogia. Fez especialização em Geografia.

Exerce à docência há onze anos. É professora do 5º ano do Ensino

Fundamental. Trabalha na rede estadual de ensino. É dedicada, e admirada

pelas colegas de trabalho pelo seu compromisso com a educação.

Kátia é natural do Ceará. É formada em Pedagogia pela Universidade

Estadual de Roraima. Exerce à docência há 20 anos. É professora do 3º ano do

Ensino Fundamental. Trabalha na rede municipal e estadual de ensino. É muito

dedicada à profissão docente, tem um jeito doce, mas austero ao mesmo tempo.

Ser exigente é uma de suas marcas como professora.

Amanda é natural do Ceará. É formada em Contabilidade, Pedagogia, e

Teologia. Trabalha com alunos do 2º ano do Ensino Fundamental na rede

estadual de ensino no município de Boa Vista. Exerce a docência há 35 anos.

Gosta de sua profissão, aceita os desafios diários que o trabalho docente impõe

com muito dinamismo e confiança em seu potencial e no de seus alunos.

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A análise textual discursiva

Para análise dos textos de campo (material empírico), adotei a Análise

Textual Discursiva (ATD), fundamentada em Moraes e Galiazzi (2006). Para os

autores, o processo de análise leva em consideração o discurso em um limite e

o conteúdo em outro limite. Por meio da linguagem o material empírico passa

por um conjunto de análises que Moraes e Galiazzi caracterizam como processo

hermenêutico de compreensão.

Organizada em três momentos distintos, mas interligados entre si, a ATD,

é um processo resiliente de análise e síntese que o pesquisador desenvolve, a

fim de aprofundar o olhar interpretativo sobre o fenômeno em estudo. A ATD

(MORAES e GALIAZZI, 2004, p. 11-12) se desenvolve a partir de três etapas

procedimentais que são:

I) A desmontagem dos textos ou unitarização que consiste em

examinar os textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido

de atingir unidades constituintes, enunciados referentes aos

fenômenos estudados;

II) Estabelecimento de Relações: processo este denominado de

categorização, que envolve construir unidades de base,

combinando-as e classificando-as, reunindo esses elementos

unitários em sistemas de categorias;

III) Captando o novo emergente é a intensa impregnação nos

materiais da análise desencadeada nos dois focos anteriores que

possibilita a compreensão renovada do todo. O metatexto

resultante desse processo representa o esforço de explicitação que

se configura como um processo auto-organizado.

Os autores propõem como primeira fase o processo de desconstrução

e unitarização dos textos de campo. Nesta primeira etapa, trabalhei com a

desmontagem dos textos. Meu objetivo neste primeiro momento foi a busca de

sentidos. Esta primeira leitura, em busca de unidades de sentido, requer uma

intensa impregnação no corpus de pesquisa, uma verdadeira impregnação do

pesquisador para a emergência do fenômeno investigado (MORAES e

GALIAZZI, 2007).

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Como afirmam Moraes e Galiazzi (2007, p. 13), “Todo texto possibilita

uma multiplicidade de leituras, leituras estas relacionadas com as intenções dos

autores, com os referenciais teóricos dos leitores e com os campos semânticos

em que se inserem”. Neste sentido, orientada por minhas questões de pesquisa,

por sucessivas leituras, impregnei-me do material empírico, com vistas a atribuir

sentidos por meio dos relatos das professoras e do que foi produzido por meio

dos questionários, com vistas aos enunciados sobre meu objeto de investigação:

os sentidos sobre o ensino de ciências.

Nesse movimento de idas e vindas por meio de leituras e releituras, montagem

e desmontagens dos textos de campo em unidades de sentido, passei a fazer

relações entre elas em processo interpretativo por meio da leitura. Considerando

que “um texto pode possuir múltiplos significados” (MORAES e GALIAZZI, 2004),

as minhas leituras se faziam com tudo o que carrego de crenças e valores,

conhecimentos teórico-práticos que trago em minha bagagem pessoal e

profissional, marcada por uma linha teórica crítica, e procurando atender

atentamente as características fenomenológicas da pesquisa, passei à fase de

categorização.

Como as professoras me relatam histórias das quais não compartilhei,

investigo por entre as suas histórias, como dizem Clandinin e Connelly (2011).

Delas emergiram como sentidos do ensino de ciências as seguintes categorias:

Conhecimento prévio; Continuidade; Cidadania; Aprendizagem e Avaliação. No

processo resiliente de idas e vindas para a compreensão do Novo Emergente,

interpretei do seguinte modo meu olhar frente ao fenômeno estudado em dois

eixos de análise.

Intitulo o primeiro eixo de: SENTIDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS: entre

o protagonismo docente e a autonomia subtraída. Neste eixo, narro as histórias

dos sujeitos, que entrelaçam vida, formação e profissão, construindo sentidos

para o ensino de ciências.

No segundo eixo, que intitulo: LINHAS E ENTRELINHAS DO ENSINO DE

CIÊNCIAS: saberes docentes em episódios de quem ensina e fala de si

apresento e analiso episódios em que as professoras relatam o seu cotidiano de

professoras dos anos iniciais, e também como ensinam os conteúdos como

corpo humano, energia e meio ambiente.

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Construindo síntese...

O percurso investigativo construído nesta pesquisa devido aos diversos

ajustes necessários por conta de mudanças de lugar e de sujeitos é analisado

por mim como um fator de maior desafio em fazer a pesquisa na modalidade

narrativa em um lugar desconhecido do ponto de vista das relações de

proximidade entre mim e os sujeitos.

No entanto, considero que o que acontece de melhor neste movimento de

aproximação entre mim e as professoras pesquisadas quanto à metodologia da

pesquisa narrativa, que guiou meu itinerário investigativo é quando consigo

consegui compreender o valor do conte-me, questão muito aconselhada pelos

pesquisadores narrativos experientes, como Gonçalves, Clandinin, Connelly.

Essa lição que pode parecer tão pueril e de se esperar de um pesquisador

experiente, é de grande importância, contar. É uma ação mais fácil do que pedir

ao sujeito que explicite como trabalha os saberes científicos no ensino de

ciências, por exemplo. Este foi um ponto, que gerou uma limitação, mas também,

um aprendizado, pois, exigiu outras formas de produção de textos de campo tais

como, conversa informal na lanchonete da esquina, ou na casa de uma

professora, na cafeteria da cidade, enfim, maneiras de o pesquisador chegar no

sujeito bem diferentes dos lugares convencionais de fazer pesquisa. Foi a partir

daí, que compreendi quem eram aquelas mulheres, porque a escola não era o

melhor lugar para fazer as entrevistas.

Aprendi que a conversa informal, uma mensagem partilhada pela

professora pelo wathsap, um bilhete, ou um memorial que uma delas resolveu

fazer, pela confiança construída, são textos de campo mais ricos, do que um

outro instrumento próprio do modo tradicional de fazer pesquisa. A intimidade ou

proximidade tão necessária à pesquisa narrativa veio depois desses encontros

surgidos dos desencontros de uma pesquisadora narrativa iniciante.

Outro ponto que gostaria de considerar foi o número de sujeitos da

primeira fase de minha pesquisa. Não precisava tudo isso, não é a quantidade,

mas a qualidade que marca a pesquisa de natureza qualitativa. Isso eu já sabia

pelos estudos, mas agi com a sede de abarcar aquele mundo que jamais daria

conta, como um viajante que ao chegar a um lugar pela primeira vez quer saber

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de tudo na porta da cidade, sem antes perceber que precisa conviver para saber,

saber escutar e ter humildade para conversar.

O lado positivo disso tudo é que me permitiu entradas em diversos

contextos para conhecimento do lugar, onde estavam situados os sujeitos. A

partir daí o contato com a história de Boa Vista e do Estado de Roraima foi me

ajudando a compreender um pouco mais dessas mulheres migrantes que

ensinam ciências em escolas públicas em Boa Vista, cuja história de vida, ensino

e formação, estão estreitamente ligadas ao contexto da história do ensino de

ciências em âmbito global que refletem em âmbito local como perceberemos na

seção seguinte na qual apresento o contexto do ensino de ciências em que se

revelam as condições do trabalho docente entre o protagonismo e a autonomia

subtraída em terras roraimenses.

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SENTIDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS: entre o protagonismo

docente e a autonomia subtraída

Mas o lugar da experiência sou eu... É em mim [...] onde se dá a experiência,

onde a experiência tem lugar. Larrosa

Neste eixo transito por entre as histórias relatadas por professoras dos

anos escolares iniciais, compondo o cenário das condições do trabalho docente,

permeado pelas contradições vividas na prática pedagógica em escolas públicas

de Boa Vista que revelam sentidos sobre o ensino de ciências.

Na epígrafe acima, Larrosa (2011, p. 6) afirma que o lugar da experiência

se dá no próprio sujeito, isto é, o lugar da experiência sou eu ou É em mim, onde

se dá a experiência... onde a experiência tem lugar. Isto me ajuda a refletir que,

a experiência é um princípio formativo dos sujeitos da pesquisa e isto se

manifesta dando sentido e significado ao ensino de ciências trabalhado por elas

em suas salas de aula.

Vejo por entre seus relatos o ensino de ciências revelar-se nas histórias

contadas pelas professoras em que a vida, a formação e a profissão, são

conjugadas numa relação imbricada em experiências, sentidos que denunciam

situações que lhes subjugam e outras em que conseguem atuar com maior

margem de autonomia que eu chamo de protagonismo docente.

De acordo com o dicionário Aurélio, protagonista é a pessoa que ocupa o

primeiro lugar em qualquer acontecimento; ator principal e também é quem

promove algo. O protagonismo que vejo, percebo no movimento das professoras

que ensinam ciências em anos escolares iniciais, se baseia no pensamento de

Giroux (1997) o qual entende o professor como um profissional transformador de

si, da realidade onde atua e de seus alunos.

O sentido de sujeito da experiência que percebo nas professoras

pesquisadas tem um caráter interativo entre aquilo que lhe constitui na vida

pessoal e profissional e que reflete na maneira como ensinam ciências

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Quero dizer que os sentidos expressos pelas professoras ao ensino de

ciências são construídos na constituição de si, imbricando a vida pessoal e

profissional que se faz pelas experiências que vai constituindo cada uma dessas

professoras, articulando-se no trabalho docente a vida, a formação e a profissão.

A vida é aqui compreendida como incluindo as experiências pessoais e sociais.

Entendo formação como aquela que se faz em diferentes tempos e

espaços (SOUZA, 2004), em que o eu pessoal e o eu profissional (NÓVOA,

1999) se fundem por meio do trabalho compreendido como categoria de

sociabilidade humana, saindo da sua condição de ser natural, sem, contudo,

perdê-la, mas, alcançando a transformação irreversível de um ser social (LIMA,

2001).

Como ser social estas mulheres professoras, por meio de sua prática

docente, desenvolvem a educação que é práxis social, suas histórias se cruzam

com as do Estado de Roraima6, pelo processo migratório. Elas vêm trazendo na

bagagem suas histórias de vida transcorridas em outras regiões do país,

conjugando na faina de viver o ofício docente e a formação numa (pré)disposição

que não é natural, mas construída na definição pública de uma posição com forte

sentido cultural, numa profissionalidade docente que não pode deixar de se

construir no interior de uma pessoalidade do professor (FREIRE, 1991). Assim,

encontro apoio nas palavras de Nóvoa, ao dizer:

O professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor [...]. Urge por isso (re)encontrar espaços de interacção entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida (NOVOA, 1999, p. 13).

A chegada em Boa Vista se coloca para algumas delas como um signo,

um evento, um momento charneira, como diz Josso (2004), ao se referir a

experiências que demarcam a vida das pessoas. Embora cada uma de nós tenha

na bagagem pessoal e profissional vivido histórias diferentes, no momento da

6 Roraima é um Estado situado geograficamente na tríplice fronteira Brasil-Venezuela-

Guiana Inglesa. Passou a configurar-se como uma unidade federativa do Brasil a partir da Constituição de 1988, mas isto só se efetivou no ano de 1991. Boa Vista é a capital do Estado de Roraima era a fazenda do império tanto para fins de manutenção quanto de demarcação do território nacional em zonas de fronteira. É uma cidade com trezentos mil habitantes com uma paisagem geográfica belíssima, ruas amplas, bem arborizada.

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pesquisa, cada qual com suas peculiaridades estava num lugar comum (Boa

Vista), tratando por meio da pesquisa um objeto comum – o ensino de ciências.

No conjunto de cinco mulheres migrantes e uma filha de migrantes, iniciei

a busca de sentidos sobre o ensino de ciências. Entre as narrativas que falam

de sua chegada aparecem elementos, que eu chamo de crenças, valores,

dispositivos formativos (JOSSO, 2004) que, por meio da reflexão, emergem nas

palavras revelando sentidos da formação, tais como: compromisso,

responsabilidade, parceria com os pais dos alunos, realização pessoal,

gosto pela profissão, entre outras formas que vou significando como

manifestações do protagonismo docente.

Nestes termos se posiciona Diana:

Me formei no magistério pelo Instituto de Educação do Ceará. Minha família não me apoiava a fazer o Magistério. Não ligava para isso. Minha mãe tinha mais 17 filhos. Entre filhos de ferro, vidro e plástico, faço parte dos dez primeiros filhos feitos de ferro que passaram fome feroz. Meu magistério foi maravilhoso e sofrido. Minhas colegas ajudaram-me muito, mas dei meu sangue para me sair bem, pois essa é a melhor forma de agradecimento a quem nos ajuda. Minha farda, sapatos, boina e meia eram emprestados. Meus livros comprados pela mãe de uma colega que ajudou a mim e mais duas outras a quem sou grata e retribuo o bem que a mim foi feito, toda vez que vejo situação parecida. Estudei para provas, li livros nas madrugadas na base da vela porque não podia gastar energia e nem acordar quem estava dormindo. Graças a Deus! Ele me dava força, disposição, vontade, inspiração e alegria para concluir tudo o que fiz antes do Sol nascer. Pois tinha que sair sempre as cinco e quinze de casa para chegar as seis e trinta na minha amada Escola. Ao concluir o Magistério ninguém da minha casa foi na minha formatura, deixei pra lá. Passei uns oito meses em Fortaleza e o meu noivo mandou me buscar para enfrentar a vida em Boa Vista. Chegando a Boa Vista trabalhei na Escola Branca de Neve. Que alegria! Via as portas abertas ao trabalho. Depois fui trabalhar na Escola Macunaíma, hoje Escola Objetivo. Tempo depois consegui ser funcionária do governo, sendo tabela especial. Depois fiz um concurso e passei à professora regente, mas como esse concurso não foi validado me inscrevi em outro concurso e passei para professora efetiva do Estado de Roraima em 1994. Com este trabalho, mandei bastante ajuda para a minha mãezinha até a sua morte. Desde o meu primeiro dia de aula, sou uma professora presente, que trabalha com compromisso de educar. Nesses 21 anos de trabalho como docente na rede estadual. Tenho duas faltas, quatro filhos com três licenças-maternidade e um atestado de um mês por causa de um pós-operatório e milhares de dias de trabalho com alegria, entusiasmo, decepções, frustrações, mas com muitas

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expectativas de coisas novas e de trabalhos em parceria com os pais. (Diana-Professora do 3º ano. Excerto do Memorial).

Para a professora Diana, sua vinda para Boa Vista é um ‘divisor de águas’,

ligado à sua história de vida pessoal e profissional, o que a motivou a deixar sua

terra natal em busca de melhoria de vida por meio do casamento e do trabalho.

Sem dúvida, ir para Boa Vista foi um momento charneira na vida de Diana, pois,

a partir dessa mudança, passa a ter nova vida, tanto no trabalho, quanto em

termos pessoais.

A fala de Diana me remete Josso (2004, p. 57) quando diz que o caminhar

para si trata-se da atividade de um sujeito que empreende uma viagem ao longo

da qual, ela vai explorar o viajante. Diana foi a única entre os sujeitos que

escreveu o seu memorial e apresentou um desenho de uma árvore genealógica

da sua família com seus dezessete irmãos. Ela comentou: Só você para fazer eu

ir atrás da minha história. Escrever sobre minhas origens não é tão fácil!

(Caderno de campo). Concordo com Josso ao afirmar que,

Caminhar para si é compreender o que orientou, fazer o inventário da sua bagagem, recordar os seus sonhos, contar as cicatrizes dos incidentes de percurso, descrever as suas atitudes interiores e os seus comportamentos. Em outras palavras, ir ao encontro de si visa à descoberta e a compreensão de que viagem e viajante são apenas um (JOSSO, 2004, p. 54).

Para Souza (2007, p. 9), o sentido da recordação é pertinente e particular

ao sujeito, o qual se implica com o significado atribuído às experiências e ao

conhecimento de si, narrando aprendizagens experienciais e formativas daquilo

que ficou na sua memória. No caso da professora Michele, sua chegada é

marcada pela infância e sobre isto se manifestou nestes termos:

Nasci no Ceará e vim para Roraima em tenra idade com minha avó que me trouxe para morar com ela. A minha primeira formação foi em Ciências Contábeis. Conclui em 1981. Depois de dez anos na profissão de contabilidade, vi que estava na profissão errada. Eu sempre gostei de ensinar, de dar aula, aí então, eu fui fazer o magistério. Terminei o magistério em 1983, e fui fazer Pedagogia a distância pela Universidade de Brasília. Mas, eu tenho como formação, também, Teologia. São 35 anos de experiência em sala de aula, que eu trabalho nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sempre trabalhei com todas as disciplinas nos anos iniciais, este ano estou trabalhando com história, geografia e ciências (Michele-Professora do 5º ano. Entrevista).

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Para Michele o encontro com a profissão docente encontra no sentido

existencial o ponto de partida. Para ela, ser professora tem a ver com sua

realização pessoal e uma identificação com o ensino, pois como ela afirma:

Eu ganhava muito mais no escritório de Contabilidade. Mas isto não me realizava. Existe uma alegria muito maior que eu sinto quando um aluno chega comigo e diz: professora eu fui seu aluno, obrigada por me ajudar a ser quem eu sou hoje. Isso é a maior recompensa para o meu trabalho (Michele-Professora do 5º ano. Entrevista).

Por entre lembranças antigas e recentes num movimento recursivo

apoiado na memória, as professoras manifestam como cada uma se encontra

na docência e o que lhes constitui a personalidade docente. Sobre sua formação

Kátia se manifesta nos seguintes termos:

Minha trajetória de professora começou no Ceará, ensinando jovens e adultos. Fiz o Magistério no Ceará. Minha mãe já me colocou para trabalhar muito cedo. Ela tinha muitos filhos e não tinha como ir trabalhar. Então, me colocou para assumir em nome dela. Eu comecei a trabalhar como professora com 17 anos de idade. Isso já fez que com que eu tivesse responsabilidade e compromisso. Para mim, formação é tudo o que você recebeu. Mas por mais que eu tenha a formação, tem um pouco da forma como nós somos. A personalidade, o jeito de ser. Você pode estar na profissão de professor e ser compromissado e estar na profissão de vendedor e ser compromissado. Uma parte é da formação e outra é da pessoa. Eu acho que depende também disso. Por mais que a gente não queira, influencia família, formação, o meio em que eu vivo. Tudo isso vai influenciar como eu sou (Kátia. Professora do 3º ano. Entrevista).

Ao relatar sobre si Kátia expressa antes da história do ensino, a história

pessoal, confirmando a imbricação defendida por Nóvoa (1999) sobre a nossa

dualidade pessoa-profissional.

O modo de ser e estar na profissão tem profunda ligação com este

aspecto ontológico do ser humano e com os valores e crenças, trazidos nesta

bagagem entre a formação e o trabalho docente. Ao falar de si Amanda se

pronunciou assim:

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Sou Nordestina, nascida na Paraíba, sou professora há 23 anos. Trago a poesia comigo. Meu pai é poeta. Nós somos nordestinos, criados em contato com a natureza. Desde meu berço lembro que meu pai colocava a gente de frente para os relâmpagos, para observar as árvores. Eu me tornei observadora e com muita leitura porque a gente não está pronto [nunca]. Tenho uma paixão por Paulo Freire, pela construção do conhecimento. Ele fala que o homem é o acabado no inacabado. Mas eu não deixo de ser tradicional. Não tem como não ser tradicional. O aprofundamento da teoria é necessário. Eu sigo Paulo Freire e a Escola Tradicional. (Amanda. Professora do 3º ano. Entrevista).

Amanda migrou do Ceará para Roraima e diz que ser professora é estar

em contínua formação, quando se expressa: Eu me tornei observadora e com

muita leitura porque a gente não está pronto [nunca]. Tenho uma paixão por

Paulo Freire, pela construção do conhecimento. Enfatiza a observação e a leitura

como atributos importantes do seu modo de ser professora. Reconhece em

Freire (1997) a orientação teórica que informa sua prática docente, mas, ao

mesmo tempo, revela que não deixa de ser tradicional, entendendo como

tradicional um ensino com aprofundamento teórico.

Para Freire (1997, p. 55) ensinar exige consciência do inacabamento.[...]

O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Saber-

se inconcluso, para ele, é próprio da espécie humana e esta condição é que

favorece a não exploração sobre o outro, mas ao contrário, permite a

emancipação, tanto de quem ensina quanto de quem aprende, posto que,

quando professor e aluno se reconhecem sujeitos inacabados é na visão de

Freire (1997) a compreensão de um dos princípios da autonomia que gera

predisposição à mudança.

Renata assim como Amanda, também se apresenta adepta da escola

tradicional ao falar de si. Ela se manifesta nos seguintes termos:

Vim do Rio Grande do Sul. Sou uma professora bem tradicional. Eu gosto do tradicional, eu acho que com essa modernidade o tradicionalismo foi muito condenado, mas ele tem muita coisa louvável. A gente costuma dizer que na nossa época se aprendia muito mais. Eu não sou aquela professora de fazer experiência com o aluno, de ir buscar aguinha na beira do rio e trazer para sala. Eu não vou mentir, eu não sou assim. E nem gosto desses livros modernos. Para mim os livros didáticos, meus preferidos são os livros antigos que têm conteúdo. (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista)

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Tanto Renata, quanto Amanda, ressaltam o ensino tradicional como a

tendência de ensinar que adotam em suas aulas de ciências. Embora as duas

sejam adeptas de um modelo de ensino de ciências centrado no conteúdo,

Renata foca mais no produto, isto é nos conceitos, que é um dos aspetos que

marca a tendência pedagógica tradicional. Para Freire (1997, p. 52) ensinar não

é transferir conhecimento. Mas criar as possibilidades para a sua própria

produção ou a sua construção.

A professora Amanda também valoriza o conteúdo, mas como orienta sua

prática docente pelas ideias de Freire (1997), diz que é apaixonada pela

construção do conhecimento e centra o ensino de ciências nos processos.

Vejamos um relato seu sobre uma aula em que fala de energia com alunos do

3º ano do Ensino Fundamental, ela se manifesta do seguinte modo:

Eu gosto de trabalhar com relatos dos anos anteriores vou dar um exemplo concreto. Quando esse bimestre a gente foi trabalhar energia no 4º bimestre, sobre luz, um aluno foi fazer o relato de memória do passado para saber como era uso da energia contado pelos mais idosos. Então eu até me surpreendi com o relato de uma criança. Ele ouviu fazendo uma entrevista aos antigos, uma criança disse que a vó dele que mora no interior, uma senhora idosa, contou como ela fazia. Ela pegava aqueles bichinhos que acendem, os vaga-lumes, ela saia cedo com a filha pegava esses vaga-lumes, pegava um copinho de vidro transparente, fazia uns buraquinhos na tampa e à noite colocava pra iluminar, mas bem interessante assim. Então, dentro desses relatos eles vão vendo a importância do natural para o artificial. Essa uma das maneiras que eu trabalho o ensino de ciências, mas também gosto muito de trabalhar com jogos, poesias, não trabalho centrada só na minha explicação. (Professora Amanda, 3º ano. Entrevista. Grifos meus).

Ao buscar construir a compreensão de como era o uso de energia por

meio das histórias relatadas pelas pessoas mais idosas da família ou da

comunidade em que a criança está inserida, a professora Amanda, que é

tradicional, faz uma aula que avança nos aspectos conceituais, pois envolve

outras pessoas no processo do ensino, que assume caráter investigativo, ao

propor a participação do aluno na busca de informações sobre o conteúdo

(energia) por meio de entrevistas com pessoas mais idosas, que trazem saberes

da experiência e saberes locais, desdobrando o conceito de energia, a partir dos

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resultados construídos por meio dos relatos, acrescidos os conceitos de artificial

e natural.

Freire (1997, p. 52) diz que o professor na sala de aula precisa garantir

este saber, que ensinar não é transmitir conhecimento, mas assumir-se

juntamente com os alunos como um sujeito inquiridor, aberto às indagações dos

alunos, crítico, inquieto diante de suas tarefas de modo que os conteúdos sejam

aprendidos tanto pelo professor como pelo aluno, no sentido de criar na sala de

aula um ambiente de curiosidade. É a problematização do conhecimento que

gera a dúvida, movida pela curiosidade e que impulsiona o movimento de busca

e que pode gerar o desejado princípio dos dias atuais de “aprender a aprender”

(DELORS, 1998).

A importância do conhecimento prévio dos alunos como etapa primeira

de apropriação do modo como o estudante compreende determinado conceito é

o ponto de partida das professoras, inclusive de Amanda, que inclui os familiares

na construção da ideia de como era a energia no contexto da história de vida dos

familiares mais idosos de seus alunos ao fazer uso de relatos no ensino de

ciências ao trabalhar o conceito de energia.

Entre os múltiplos sentidos expressos ao falarem de si e do ensino de

ciências que realizam percebi que as professoras em sua totalidade ao relatarem

sobre o ensino de ciências começam a aula tomando como ponto de partida o

que o aluno já sabe. Essa preocupação com o conhecimento prévio é

manifestada por Renata nos seguintes termos:

A primeira coisa que a gente faz é saber o que o aluno sabe. Você lança: hoje nós vamos trabalhar sobre isso, o que vocês acham que é o corpo humano? Aí eles vão colocar a opinião deles e a gente não pode dizer que está errado porque é o conceito deles. Depois vamos ver o que o livro diz, você acham que é isso? Então eu trabalho sempre puxando pelo conhecimento deles, vou para o livro fazendo a relação (Renata, Profa. 3º ano Ensino Fundamental, Entrevista).

Diana também manifesta-se de modo parecido como Renata em relação

ao conhecimento prévio:

Primeiro eu me oriento pelo assunto, depois eu vou buscar saber o que eles sabem, as habilidades que eles precisam adquirir porque os ritmos são diferentes. Eu não trabalho para cumprir conteúdo, eu ensino para ele aprender. Busco os conhecimentos

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que eles já sabem e o que não sabem, cada aluno tem o seu nível. Quando eu trabalho o Ensino de Ciências primeiro eu procuro saber o que eles já sabem sobre determinado assunto aí eu vou fazer meu plano, daí eu trabalho o assunto e vou ver quem assimilou quem não assimilou aí eu replanejo a aula Eu gosto muito de fazer a parte prática. A prática é muito mais emocionante, faz mais sentido. Por exemplo: quando eu trabalho o conteúdo alimentos, eu trago os alimentos, e faço um trabalho prático com eles, Eu faço a aula de modo que eles sintam vontade de provar aquele alimento e também saibam o valor nutricional daquele alimento para eles (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista)

A Professora Diana deixa muito claro o cuidado com o conhecimento que

aluno possui a respeito do que ela vai ensinar nas aulas de ciências. Considera

também o aspecto de retroalimentação da avaliação diagnóstica que faz com os

alunos para poder planejar suas aulas.

Outro ponto digno de reflexão é certo saudosismo do ensino tradicional,

presente mais na fala de Renata que de Amanda, embora defendido por ambas,

que me remete a uma frase de Pozo e Crespo (2009, p. 19) na qual afirmam que

um dos problemas de defender “o retorno ao básico” é que ainda não fomos a

lugar algum do qual tenhamos que voltar.

Neste sentido, Pozo (1997, p. 10) assevera que a ideia de um ensino

tradicional assenta-se em uma imagem de ciência na qual o conhecimento

científico é concebido como o escutar a voz da natureza da maneira adequada

(CLAXTON, 1994). Uma ideia positivista de ciência, a partir da qual, ensinar

ciências seria a aplicação rigorosa do “método científico” que deve começar pela

observação dos fatos, do qual podem ser extraídas as leis e os princípios (POZO;

CRESPO, 2009, p. 20).

Essa forma de compreensão foi superada pelos historiadores e filósofos

da ciência, mas, segundo Pozo e Crespo (2009), ainda não foi superada na

escola, tendo em vista que a sociedade mudou, embora o ensino que nela vai

se desenvolvendo nas práticas docentes, precisa ultrapassar o ensino centrado

nos produtos da ciência ou somente nos conceitos, para centrar-se nos

processos, que criem uma nova cultura educacional, na qual os estudantes

aprendem a construir o conhecimento, ligado ao seu contexto local e global,

partindo das experiências de vida dos estudantes.

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Penso que esta última ideia de mudança da cultura educacional Amanda

já consegue avançar ao propor à turma outras maneiras de ensinar ciências com

base em relatos, em um ensaio de uma pesquisa exploratória com as crianças

na comunidade local sobre o uso de energia em tempos idos. Neste caso

considero a atitude de Amanda um protagonismo docente a partir do uso dos

conhecimentos prévios dos alunos.

Já a professora Regina se manifestou nos seguintes termos:

Meus pais vieram do Maranhão em busca de trabalho. Eu nasci em Boa Vista. Minha formação inicial foi no magistério. Considero muito mais a Pedagogia que o magistério. O que eu aprendi lá, assim... nada da prática. Quando eu fui para a sala de aula era totalmente diferente, era uma realidade diferente. Não foi vendo lá na formação inicial que eu aprendi, eu aprendi mais na prática, na sala de aula mesmo (Regina, professora do 5º ano, Entrevista).

O hiato entre a teoria e a prática é enfatizado na fala da professora Regina

como uma marca de sua formação inicial realizada no magistério. Para ela, a

Pedagogia parece tê-la formado muito mais, no entanto, enfatiza que sua

aprendizagem docente ocorre na sala de aula, ao dizer eu aprendi mais na

prática, na sala de aula mesmo.

Segundo Perez-Gómez (1999) quando a prática é fragmentada da teoria

e vice-versa, este conhecimento do professor é, manifestadamente, insuficiente

e irrelevante para a prática. É aí que o professor coloca em cena seu

conhecimento intuitivo, desenvolvendo seu protagonismo com base em um

trabalho que chama de artístico, por situar-se e desenvolver-se em situações de

imprevisibilidade na sala de aula, que assume o risco, a incerteza e a

complexidade (SCHÖN, 1992; GONÇALVES, 2000).

Uma formação inicial fragilizada pela falta de conhecimento científico que

oriente a prática não como aplicação, mas, como compreensão do sentido de

como o conhecimento pode ser construído no espaço da sala de aula, que vai

sendo significado e tomando sentido pela professora e seus alunos, ao longo de

sua prática docente, é tido por Regina como uma autonomia da qual ela se sente

subtraída de melhores construções e uma postura docente consentânea como

um modelo de professor que ela traz em suas crenças, representações. Queixa-

se de sua formação inicial, ao dizer: O que eu aprendi lá, assim... nada da prática.

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Quando eu fui para a sala de aula era totalmente diferente, era uma realidade

diferente.

Contudo, Regina faz dessa carência formativa um dispositivo catalizador

de novas experiências e aprendizagens da docência. E transforma seu contexto

de sala de aula em um lugar de aprendizado e partilha de saberes, pois aprende

com os alunos e os alunos aprendem com ela, na relação de troca de

experiências com as suas colegas de profissão docente, no próprio lugar em que

trabalha isto é, a formação contínua, ou autoformação (Josso, 2004).

Essa autoformação é, via de regra, distinta da formação continuada

proposta/realizada pelas Secretarias de Educação, quase sempre a contra gosto

dos docentes que não se sentem incluídos nas temáticas tratadas nessas

programações de formação que, de maneira geral, tratam de temas que não

levam em conta problemas/vivências dos professores, mas são pensadas e

elaboradas por especialistas de fora do contexto escolar.

Regina encontra na partilha com seus colegas e alunos a

aprendizagem da docência. Faz parcerias. Revela exercer um princípio da

autonomia compreendido por Freire (1997), quando afirma que não há docência

sem discência. Neste sentido, assim se manifesta:

Aprendi a ser professora com meus alunos e meus colegas. No início, nos dois primeiros anos como professora, eu tive uma colega, que me ajudou muito, muito mesmo, ela me dava atividades e me instruía. Eu acho que eu aprendi mais com ela do que na formação inicial. Eu sempre tive Internet. Mas eu fiz especialização em Metodologia de Geografia. Mas eu adaptei muito do que eu aprendi nessa especialização para ensinar ciências e matemática. Aprendi muito sobre as teorias da aprendizagem, fui aprendendo as teorias de cada pensador, aí eu adaptei, observando melhor os meus alunos. e então, eu fui adaptando o que eu aprendi nessas disciplinas com meus alunos este ano. Isso marcou para mim (Regina. Professora do 5º ano. Entrevista).

Regina revela que quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é

formado, forma-se e forma ao ser formado (FREIRE, 1997, p. 25). Regina lembra

que nos dois primeiros anos de docência, teve uma colega que muito a ajudou,

ao dizer: ela me dava atividades e eu me instruía. Eu acho que eu aprendi mais

com ela do que na formação inicial.

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É neste sentido, referido acima, que as professoras desta pesquisa vão

evidenciando como fazem para exercer seu protagonismo entre a formação e a

profissão, à medida que vão superando e caminhando, criando formas de

construção de novos processos de autoformação no convívio da prática docente,

sempre tensionada pelos desafios que lhes exigem a troca de experiência, o

aprender com o colega e o aluno, na criação de saberes pertinentes aos

desafios da prática docente.

No lugar das lacunas deixadas no processo de formação inicial vai sendo

construído o processo de formação contínua com a troca de experiências na

dialogicidade entre a docência e a discência. Regina revela autoformação,

autonomia e autoria docente, ao manifestar movimento pessoal, social e

profissional de aprendizagens docentes, fazendo adaptações, mudanças no que

aprendeu de uma área do conhecimento, para a outra, ao dizer: eu fui adaptando

o que eu aprendi nessas disciplinas com meus alunos este ano. Isso marcou

para mim. Esse período parece rico de experiências formativas para Regina. A

este respeito, concordo com Dominicé (1989, p 149-150):

Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber activamente ao longo do seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o saber, como se ele fosse trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A noção de experiência mobiliza uma pedagogia interactiva e dialógica.

A professora Regina investe em sua formação, ao longo de sua prática

docente, evidenciando em suas manifestações autoria e protagonismo docente.

Evidencia que as experiências docentes que vive são formativas, de fato, pois

aprende com elas, compartilha com alunos e colegas da escola. E assim constrói

saberes ao longo do seu percurso de vida, como se refere Dominicé, no excerto

acima.

As experiências formativas estão indissociavelmente ligada à "produção

de sentidos" sobre as vivências e sobre as experiências de vida (FINGER, 1989;

BALL e GOODSON, 1989 apud NÓVOA, 1999).

No entanto, apesar de perceber que a professora Regina desenvolve esse

protagonismo, não sou ingênua de pensar que as professoras desta pesquisa

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são heroínas e que conseguem resolver tudo somente com a partilha de

experiências.

A experiência se alimenta das leituras, da teoria em diálogo com a prática,

e tenho clareza que o nível do conhecimento que se apresenta manifesto por

elas com um grau elevado de superação das condições limitantes é proveniente

da formação contínua que buscam na caminhada profissional.

As professoras não tiveram a oportunidade de exercitar a docência

enquanto estavam na formação inicial por meio de programas como o PIBID por

exemplo, que atualmente enriquece a prática e a teoria das licenciaturas.

Algumas delas, exercitaram à docência substituindo a mãe que é o caso

da professora Katia. Mas no geral os professores seguem os modelos de

docentes que tiveram. Onde a transmissão do conhecimento era o foco do

ensino. Atualmente se quer um ensino holístico, que veja o ser humano

integrado, dentro de uma perspectiva transdisciplinar. Não é o caso do ensino

de ciências evidenciado nesta pesquisa, mas é o desejável.

A este respeito, Gonçalves e Gonçalves (2003, p. 111) afirmam que,

Nenhum currículo de formação de professor deveria se dar de modo isolado da realidade social, cultural, ecológica.[...] em nosso entender, todo professor deveria ter a formação ecológica necessária para ser capaz de contribuir, de modo transdisciplinar, com a formação de seu aluno, como cidadão que precisa preservar as relações ambientais, os sistemas naturais e a biodiversidade, até mesmo como modo de garantir a qualidade de vida para a população humana atual e as gerações futuras numa busca de desenvolvimento auto-sustentável.

A formação inicial tem seu papel e não deve ser postergado pela política

de formação do país sob pena de pagarmos um tributo muito alto que já vem

sendo aplicado em algumas regiões que é a terceirização da educação retirando

do professor e da escola a autonomia para pensar e desenvolver a educação

formal de acordo com as necessidades locais, tal como já vem acontecendo no

cenário de Boa Vista/Roraima no sistema municipal de Ensino.

Renata, que gosta de trabalhar com crianças do 3º ano de Ensino

Fundamental, ao narrar sobre sua prática docente, revelou aspectos que não

imaginávamos sobre seu trabalho. Ela é professora da rede municipal e estadual.

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Em relação a sua prática docente no sistema de ensino municipal se manifestou

nos seguintes termos:

Tem dias que eu amo, e noutros eu me pergunto o que eu estou fazendo aqui? A confiança que os alunos depositam na gente, ou, quando eles dizem pra gente: quando eu for grande eu quero ser igual à senhora, porque a senhora sabe tudo. Parece um endeusamento que eles têm com a gente. Essa parte é muito bonita. Essa parte aí, esse retorno, esse carinho é muito bonito da profissão de professor. É por isso que eu gosto mais de trabalhar com os pequenos. Quando eles gostam, eles gostam mesmo. Sempre trabalhei com o 3º ano. Mas, desde que foi implantado o IAB7, não importa se os meninos estão aprendendo ou não, nós estamos sendo cobrados como nunca. Uma vez por semana, a coordenadora passa uma folha para dizermos em que página [do livro] estamos. Se você não está acompanhando [os demais professores], alguma coisa está errada. Não importa se o Joãozinho não sabe conta de somar, você tem que passar a expressão numérica com as quatro operações. Na minha concepção, aluno de 1a a 4a série, tem que sair sabendo ler e escrever e entendendo o que foi ensinado, lendo um texto e sabendo o que aquele texto está dizendo (Renata. Professora

do 3º ano. Entrevista).

Renata manifesta em seu relato um fator que a deixa sem vontade de

realizar o seu trabalho. Ela se refere à presença do Instituto Alfa e Beto (IAB).

Trata-se de um programa adotado pela Secretaria Municipal de Educação de

Boa Vista, que orienta e organiza o ensino e as práticas de ensino nos anos

iniciais do Ensino Fundamental. Este é, na minha análise, um fator endógeno,

que fragiliza a autonomia do professor e de sua criação na sala de aula. Renata

manifesta-se revoltada contra a situação desse material adotado pela Secretaria

Municipal de Educação, que lhe “furta” sua autonomia docente em aula,

impedindo-a, inclusive, de atender o ritmo de aprendizagem das crianças. Não

aceita isto, ao dizer: Não importa se o Joãozinho não sabe conta de somar, você

tem que passar a expressão numérica com as quatro operações (Renata).

Contreras (2002) avalia esta situação como a proletarização do trabalho

docente. É que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma

7Instituto Alfa e Beto. Trata-se de uma organização não governamental, que oferece às Secretarias de

Educação, a venda de material impresso com sequência de aulas prontas para serem seguidas pelos

professores dos anos iniciais, dentre outros materiais e serviços.

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série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido

sobre o próprio trabalho, ou seja, a autonomia (CONTRERAS, 2002, p. 33).

Ao buscar informações sobre o que está disponível no site do Instituto Alfa

e Beto, conhecido pela sigla IAB, ele é assim apresentado: “é uma organização

não governamental, sem fins econômicos, constituída em novembro de 2006

pela família Oliveira e liderado pelos professores João Batista e Mariza”. Em

outra página, ainda no mesmo site, diz que: Para incentivar a equidade no ensino

brasileiro, o IAB criou o prêmio Prefeito Nota 10, que vai dar 200.000 reais a

prefeitos cuja rede de Ensino Fundamental obtiver a melhor avaliação na Prova

Brasil.

A primeira edição do Prêmio aconteceu em 2014. A Organização

Odebrecht e a Gávea Investimentos são parceiras do IAB nessa iniciativa, que

conta com o apoio da Veja.com. A secretaria municipal contratou os serviços do

Instituto Alfa e Beto pelo mesmo período da gestão que assumiu a prefeitura que

vai de 2013 a 2016. De acordo com a fala das professoras entrevistadas que

trabalham na rede municipal,

O IAB presta assessoria aos professores, fornece no pacote de orientação, livro didático ao aluno e ao professor, com um controle severo sobre o planejamento do professor, e a avaliação dos alunos, instrumentos avaliativos são supervisionados por quem coordena, para seguir fielmente aos planos que já vêm elaborados pela equipe pedagógica do IAB (Professora 1-2º ano. Rede municipal. Questionário).

Decorrentes da autonomia que os Municípios têm, de acordo com as

diretrizes vigentes, para organizar o ensino, são permitidas assessorias,

convênios e medidas para o desenvolvimento das escolas. No entanto, o

conceito de desenvolvimento parece estar muito mais ligado às questões

econômicas que tais acordos possibilitam para as agências parceiras do que

mesmo para o desenvolvimento da qualidade humana, ou da formação da

pessoa humana para o que são voltados tais projetos.

A este respeito, Pimenta (2002, p. 19), no prefácio da obra de Contreras

(2002), comenta que o empresariamento da Educação

vem terceirizando muitos trabalhos que são do professor, reduzindo a sua prática pedagógica a de um mero técnico, um

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monitor, o que altera a identidade dos professores em termos dos saberes necessários e do significado destes na formação dos alunos(PIMENTA, 2002, p.19).

Em sua obra, Vida e morte do grande sistema escolar americano Diane

Havitch (2009) faz crítica às reformas educacionais do sistema de ensino

americano orientado pelas políticas de mercado. Ela começa analisando sua

própria trajetória de conselheira, quando endossou algumas dessas reformas,

pensando com o entusiasmo da época, na ideia de que poderiam contribuir para

o sistema público de ensino.

Após analisar o resultado dessas reformas e da intervenção de

organizações não governamentais filantrópicas que funcionam como escolas de

concessão, pois são concessionárias do ensino público americano, por meio de

vauchers que lhes dão o direito de escolarizar os alunos, não consideram a

complexidade do processo educacional. Esta ideia neoliberal que mercadeja a

educação, desconsidera a complexidade do processo educacional, realizado em

sistema de partilha e confiança nas decisões grupais (HAVITCH, 2009).

Para isto eliminam os processos de ações colegiadas que são peculiares

de sistemas democráticos, em que a revisão pública das decisões possa garantir

a legitimidade e a credibilidade dos professores, porém isto não acontece, devido

ao controle exercido sobre eles tendendo a uma proletarização do trabalho do

professor.

Assim como aconteceu nos Estados Unidos, no Brasil o ensino de

ciências tem, desde longas datas, copiado suas reformas. Os acordos

MEC/USAID, da década de 1970, ainda vêm se reproduzindo, em outras versões

mais sofisticadas desses pacotes educacionais importados de modelos de

formação e de educação que não atende ao modelo brasileiro de educação a

ser construído pela coletividade de educadores e a sociedade brasileira.

(CHASSOT, 2004)

Contreras (2002, p. 99), ao citar Schön (1883; 1992), permite reflexão

sobre a formação e a prática docente centradas na racionalidade técnica, que é

o perfil da formação continuada em que o sistema de ensino municipal de Boa

Vista desenvolve os professores submetendo-os a pacotes educacionais

comprados e pensados por outros, por meio de instituições

educacionais/empresas.

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Schön (1992) chama a atenção para isso, ao fazer sua crítica quanto à

prática profissional como professores formados na perspectiva da racionalidade

técnica, considerando que, ao chegar à escola, esperam aplicar as teorias

aprendidas em seu processo de formação, mas que, pensadas por outros em

outros contextos, como soluções técnicas a problemas já formulados, não dão

conta das problemáticas peculiares dos contextos em que estão inseridos. No

entanto, o autor adverte que o que é necessário, ao invés da reprodução, é

problematizar a realidade vivida, os conhecimentos acumulados, a reflexão

sobre eles e as decisões viáveis a serem tomadas para a solução em âmbito

coletivo.

A autonomia de uma perspectiva de formação com base na racionalidade

técnica é ilusória. E junto com ela, ladeia uma outra muito comum dentro de uma

lógica simplista e ingênua: “seria pensar que a autonomia é realizar um trabalho

sem condicionantes, quando na verdade o trabalho docente é irremediavelmente

cheio de condicionantes, muitos deles plenamente justificáveis, dada a natureza

social e pública, da educação” (CONTRERAS, 2002, 89).

Na resposta de Kátia e Renata, que trabalham tanto na rede municipal

quanto na estadual, mesmo sem lhes direcionar qualquer pergunta sobre o IAB,

ao falarem livremente de suas práticas na escola municipal quanto ao ensino de

ciências manifestaram-se assim:

O programa IAB é bom para o professor, mas mata o aluno, porque o aluno que não passa e vai para outra série está frito! Lá, a gente tem o plano anual com os objetivos e aquilo tudo, mas se eu fosse mudar algo ou conversar sobre outra coisa, eles perguntavam: mudar por quê? Eu tinha sempre que dar aquele conteúdo em dois dias, no terceiro tinha uma avaliação daquele conteúdo, aí depois era mais dois dias, outro tipo de conteúdo e no terceiro dia, outra avaliação. Não dava pra eu retornar e perguntar: o aluno aprendeu? O aluno não aprendeu? E aí? Pronto, ficou sem aprender e aí vai levando (Kátia. Porfessora do 3º ano. Entrevista).

Uma prática aligeirada do ensino de ciências, por um lado, “imposta” por

esse sistema, e por outro, uma realidade em que o currículo de ciências se

resume, a uma, ou, no máximo, duas aulas de ciências por semana, atrelada a

um modelo educacional que subtrai a autonomia docente, é manifestamente um

sistema em que a avaliação, antes de servir como um componente didático

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pedagógico do ensino de ciências, revela-se como um campo de luta e

resistência, bem como de superação por alunos, pais e professores dos alunos

que não são bem sucedidos na escola.

Quanto à avaliação, Renata se posiciona nos seguintes termos:

As provas, temos que mostrar. Eu fico possessa! [...] Ela pega o caderno e vai riscando tudo o que eu escrevi como se eu fosse um menino. Eu me sinto humilhada! Aí eu comprei uma briga com uma coordenadora há dois anos! Deixei a prova. Ela mandou me chamar e eu disse: Eu trouxe minha prova pra você xerocar, não trouxe pra você olhar e querer trocar algo. Ela disse que estava querendo me ajudar. Não, não, não! Eu não vou mudar uma vírgula! Eu trabalhei o bimestre todinho nisso, eu dei esse conteúdo e eu sei como eu quero cobrar. Como eu quero ver se o menino aprendeu! Não é esse o objetivo da prova? (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Renata fala de um critério apontado por professores da rede estadual no

quadro acima, quanto à avaliação, que eles definem como o critério da coerência

de o professor fazer a prova com base no que foi desenvolvido em aula. Renata

se pronuncia no âmbito do que Gauthier (1998) chama do campo de sua

jurisprudência, que é só sua, do âmbito da sala de aula, no campo de seu saber

– do saber privado do professor (GAUTHIER, 1998).

Quando esta autonomia do professor tem, de ser autor de sua prática, é

abalada, se ele não tiver clareza do seu campo de atuação e de suas condições

de intelectual8, que domina os processos de construção do seu trabalho, acaba

sendo subtraído pelo sistema, que insiste em reduzi-lo a um mero executor, um

simples técnico (ZEICHNNER, 1998; 1993; 2005; 2008). Sobre esta questão, é

significativo considerar que

As pesquisas recentes têm demonstrado que os professores recém formados (pelas universidades, centros universitários e faculdades isoladas) rendem-se facilmente à cultura da escola, na maioria das vezes abandonando os referenciais da ciência que os formou. Supõe-se que isso seja consequência do fato de que os processos formativos não conseguem ser estruturantes dos processos cognitivos e perceptivos dos docentes (GHEDIN; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2015, p. 23).

8 Na esteira de Gramsci (1968; 1995), Freire (1987; 2007), Giroux (1997), Giroux e Mclaren (1997),

compreende-se que o professor é um intelectual crítico transformador da cultura dominante e não um

serviçal técnico que executa funções práticas operacionais, quase que exclusivamente, como pensam alguns

projetos privatistas da educação no contexto do capitalismo contemporâneo.

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O professor não deve abrir mão de um profissionalismo interativo, isto é,

“os professores, como grupo, devem possuir maior poder de escolha na tomada

de decisões em relação às crianças, pois conhecem melhor, o que

consequentemente, as beneficia” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 11). Logo,

agir isoladamente pode criar uma cultura pior do que a que já está implantada

nas escolas de um modo geral. É importante que situações como estas sejam

denunciadas em organização colegiada pelos professores, a fim de não serem

adotadas, como aconteceu com uma escola pública em Salvador, cujos

professores não aceitaram a implantação do referido programa.

Em matéria divulgada pelo Jornal A tribuna, que teve como manchete

“30% das escolas municipais em Salvador rejeitam o Alfa & Beto”, apresentava

o pensamento da supervisora em relação à visão dos professores sobre o

referido programa:

Segundo Consuelo Almeida, supervisora da coordenação do programa em Salvador “A maior queixa é sobre o trabalho que dá aos professores”, relata sem deixar de explicar que essa pode ser uma forma dos docentes soteropolitanos expressarem uma resistência a uma metodologia estruturada que exige, a princípio, obediência a uma rotina pré-estabelecida (JORNAL A TRIBUNA, DE SALVADOR, 2013).

De fato, o sentimento das professoras participantes desta pesquisa é de

serem usurpadas em seu protagonismo, sua autoria docente, ao serem

obrigadas a seguir um material pré-estruturado, que prevê a rotina de sala de

aula, no dia-a-dia do ano letivo. Ora, é evidente que programas pré-fabricados e

rígidos dessa maneira partem do princípio de que todos os alunos são iguais e,

portanto, todas as turmas o são! Como profissional consciente de seu

protagonismo docente, não é possível a sujeição que esses materiais impõem.

Outro ponto agravante de programas importados de outros países e/ou

estados, organizações não governamentais, entre outras, é que eles não

chegam a custo zero. Nada é custo zero. Mesmo os programas oficiais são

subsidiados com o dinheiro público e os que são provenientes de capital

estrangeiro são contabilizados na dívida com o Fundo Monetário Internacional

(FMI). O que tem isto a ver com o ensino de ciências? Isto tem a ver com a

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educação nacional. Onde está incluída a formação de professores, as escolas e

suas organizações e o currículo escolar, onde se situam todos os acordos de

caráter legal, oficial, real e oculto.

As pesquisas em educação, a meu ver, tem um papel que não pode ser

postergado, qual seja, o de revelar o que acontece não só nas estruturas das

organizações escolares, que sorvem a vida e o ânimo de trabalhadores, os quais

lutam por melhoria de qualidade de vida, por meio do acesso à cultura – a cultura

do mundo ocidental, que até hoje ainda não consegue compreender as culturas

das civilizações que aqui nestas terras do sul das Américas ainda continuam

sofrendo com a imposição do saber colonial – este papel consiste na denúncia.

E o outro papel deve ser o da anunciação, isto é, o anúncio do novo que

nasce nos lugares estreitos, de práticas sonhadoras e carregadas de utopias que

vitalizam crianças, jovens e adultos, velhos, moços, lembrando-lhes a cada dia

que o mundo não está pronto, está por fazer-se e, por isto mesmo há lugar para

cada um criar e inovar na profissão que abraçar.

Entretanto, o que considero mais problemático é que o dinheiro público

seja utilizado para construir currículos que tiram a esperança e a possibilidade

dos alunos de crescer e aprender sobre si e sobre o mundo de uma maneira

alegre, plena de sentido. A professora Renata, ao narrar a história de uma mãe

que foi lhe procurar para pedir ajuda para seu filho que não estava aprendendo,

expressou da seguinte maneira a angústia dessa mãe:

Já falei para a professora do meu filho, Professora Renata. É pra mim que ela está dando aula, é pra mim que ela está ensinando, porque preciso ajudar meu filho a passar. Mas confesso que até eu não sei resolver questões que têm ali. E mesmo assim, meu filho está correndo o risco de ficar reprovado, ou melhor, aprovado sem saber de nada. Eu não sei mais o que fazer professora. Como a senhora pode me ajudar? (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Esta fala retrata o modo como o currículo acontece nas salas de aula,

pois, segundo Renata, o modo como é organizado o ensino não dá espaços para

o professor agir de maneira diferente ao que o sistema impõe, pois, ao se referir

ao modo como trabalha o ensino de ciências e como faz uso somente do livro

didático fornecido pelo programa do Instituto Alfa e Beto, passa a ideia de um

ensino superficial e memorístico:

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O livro de ciências é texto, 20 perguntas, texto, 20 perguntas e só corpo humano e sistema excretor, sistemas, uma tristeza! Eu preferia mil vezes estar morrendo de elaborar minhas atividades, mas pelo menos minha consciência estaria tranquila. Porque eu não posso reprovar metade da minha turma. Porque se mais da metade fica, o erro está em mim. E o que tenho que fazer? Empurrar para a série seguinte! E é como eles estão indo, empurrados! A gente está só reproduzindo. Tudo pronto! Isso é tal, conteúdo tal, página tal! A aula tal, você vai cuidar até a questão tal. (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

O que está por detrás da adoção de programas assim? Em diversas

épocas, a escola esteve condicionada a aceitar pacotes educacionais

desconectados do seu contexto e da vida de seus estudantes. Em relação à rede

estadual, percebe-se pela fala dos professores que o ensino de ciências possui

outra organização que possibilita uma margem de autonomia para o professor.

No Estado [na rede estadual de ensino], vêm os conteúdos, mas você faz o seu planejamento. As coordenadoras do estado são mais tranquilas. No Estado, não, trabalhamos aquilo que a gente adora! água, solo, animais, sistema solar. E aí não é aprofundado. Você vai de 1ª a 4ª série e é praticamente o mesmo conteúdo, só que a cada ano, vai sendo aprofundado um pouquinho mais. Quando eles tiverem de 5ª a 8ª série eles vão aprofundar mais ainda. No município, as coordenadoras pedagógicas ainda estão naquela fase: “supervisora”! Elas ainda não evoluíram para “coordenadora”. E daí é daquele jeito. Tem dia pra ver o caderno. É uma escravidão! 4º e 5º ano é esse sistema do IAB. 3º ano elas estão livres. As coitadas do 1º, 2º e 3º ano têm cronograma do dia delas levarem o caderno pra coordenadora olhar. É uma escravidão! (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Aqui temos dois cenários revelados pela professora Renata. Ela

apresenta o modo como trabalha na rede municipal contrapondo com o modo

que trabalha na rede estadual de ensino. Em um espaço ela manifesta maior

autonomia para inclusive trabalhar “o que adora” ao se referir aos conteúdos

água, solo, animais, sistema solar, e comenta o sentido de continuidade9 no

ensino de ciências ao dizer que estes assuntos serão aprofundados nas

9 O sentido de continuidade do ensino de ciências é compreendido pelas professoras

como o caráter de prosseguimento nos mesmos assuntos de maneira aprofundada no ano/série posterior pela criança que envolverá aspectos mais complexos que não foram visto no ano anterior.

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séries/anos posteriores. Quanto a sua autonomia para o planejamento no

sistema de ensino municipal Renata se expressa nos seguintes termos:

Agora o planejamento é anual. Eu disse para a minha coordenadora que eu não sei por que vamos lá, porque chega lá, já está pronto, só entregam pra gente! Aí mandam a gente ir lá, só pra dizer que fomos lá fazer o planejamento, porque tá prontinho, prontinho que a gente não pode mudar uma letra! (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Renata aponta para pelo menos três pontos a considerar em sua fala ao

se reportar à maneira como se sente subtraída em sua autonomia em sua prática

docente no sistema municipal de ensino. Ela comenta no excerto acima sobre o

planejamento do qual efetivamente não participa, não vê sentido nesse encontro

denominado de planejamento pela escola, pois é só um momento para receber

um material pré-fabricado, de cuja elaboração não participou, com o qual se

sente apenas na obrigação de cumprir o que foi pensado por outros. Outro ponto

se refere ao desejo de poder assumir sua autoria na elaboração de suas

atividades com os alunos, e finalmente, à responsabilidade que se impõem ao

“empurrar os alunos” para a série/ano seguinte.

Sobre este último ponto, o Ministério da Educação lançou em 2012 o

documento intitulado “Elementos conceituais e metodológicos para definição dos

direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de Alfabetização do 1º, 2º

e 3º ciclos do Ensino Fundamental”. Objetivando a progressão da aprendizagem

no Ciclo de Alfabetização, este documento apresenta Objetivos de

Aprendizagem organizados em torno de Eixos Estruturantes, concebidos para

garantir os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento que compõem cada

Área de Conhecimento e o Componente Curricular Língua Portuguesa.

Em uma de suas falas acima, Renata dizia que os alunos devem conhecer

o básico e que irão aprofundar nas outras séries o conteúdo estudado em uma

anterior. Mas isto não quer dizer que a criança deverá ter acesso apenas a um

conteúdo pouco aprofundado. Com vista a orientar o professor sobre essa

elaboração, o MEC disponibilizou em seu site a estrutura e os fundamentos de

cada eixo, seguindo a seguinte classificação quanto à atividade e seu

aprofundamento. Assim diz o documento:

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Para cada Objetivo de Aprendizagem, nesta proposta, o professor encontrará uma escala contínua de desenvolvimento I/A/C a ele relacionado. I (Introduzir) = mobilizar as crianças para que iniciem, formalmente, a relação com os conhecimentos referentes aos objetivos a ele associados. A (Ampliar) = mobilizar as crianças para expandir esta relação. C (Consolidar) = mobilizar as crianças para sistematizar conhecimentos no processo de aprendizagem. O Ciclo da Alfabetização pressupõe [...] Na área de Ciências da Natureza, o objetivo é ampliar a curiosidade das crianças, incentivá-las a levantar hipóteses e a construir conhecimentos sobre os fenômenos biológicos, físicos e químicos, sobre os seres vivos e sobre a relação entre o homem e a natureza e entre o homem e as tecnologias. É

importante organizar os tempos e os espaços da escola para favorecer o contato das crianças com a natureza e com as tecnologias, possibilitando, assim, a observação, a experimentação, o debate e a ampliação de conhecimentos científicos (BRASIL, 2012, p. 22-23. Grifos meus).

Sobre esta questão tanto da continuidade quanto do aprofundamento, e

indícios de uma interdisciplinaridade no ensino de ciências, Amanda se

expressou assim:

Dentro da realidade do Ensino fundamental I, a gente trabalha a interdisciplinaridade porque não tem como, por exemplo, durante a semana de ciências, eu gosto de trabalhar com literatura, aí eu escolho uma obra literária e dentro deste livro estamos trabalhando com conteúdos das várias áreas a partir de um tema dentro da sala de aula. Trabalho com base no que foi levantado no ano anterior, embora haja uma repetição de conteúdo a cada ano a gente se aprofunda mais (Amanda. Professora do 3º ano. Entrevista).

Amanda comenta como trabalha de maneira interdisciplinar durante a

semana de ciências. Ela que tem o sangue poeta do pai, gosta de trabalhar com

literatura e a partir de uma obra literária faz o elo com o ensino de ciências e

outras áreas como se expressa: deste livro estamos trabalhando com conteúdos

das várias áreas a partir de um tema dentro da sala de aula.

Percebo indícios de uma postura interdisciplinar frente ao saber específico

que a professora procura desenvolver a partir de uma temática fazendo relações

entre os saberes de várias áreas. A meu ver, esse esforço comum nos anos

escolares iniciais vai na direção do que Japiassu ( 1976, p.32) chama de:

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[...] a característica central da Interdisciplinaridade consiste no fato de que ela incorpora os resultados de várias disciplinas, tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais a fim de fazê-los integrar, depois de havê-los comparado e julgado.

Ressalto que a professora Amanda não chega neste estágio de

compreensão da Interdisplinaridade segundo Japiassu (1976) nos esclarece,

mas não posso deixar de prestar atenção a esse interesse salutar de colocar

vários saberes em diálogo nas aulas de ciências, principalmente no contexto de

uma semana de ciências.

A professora fala do sentido de continuidade do Ensino de Ciências ao

dizer: Trabalho com base no que foi levantado no ano anterior, embora haja uma

repetição de conteúdo a cada ano a gente se aprofunda mais. Em minha

experiência de professora dos anos iniciais recordo que esta é uma prá-

ocupação de caráter coletivo e individual.

Sempre que voltávamos das férias, nos reuníamos as profesosras com a

coordenação da pedagoga da escola e formávamos pequenos grupos para

decidir como iríamos montar o conteúdo programático daquele ano letivo e cada

uma ia dizendo onde parou em cada disciplina para que a outra pudesse dar

continuidade do ponto em paramos.

Esse planejamento em conjunto, pensar as atividades de culminância de

cada bimestre para a socialização dos trabalhos dos alunos de 1ª a 4ª série, hoje

1 ao 5º ano, era um movimento prazeroso, cheio de sentido para o meu grupo

de professoras.

Quando vejo as professoras comentando esta preocupação vejo que isso

tanto no Amazonas quanto em Roraima continua fazendo sentido no ensino dos

anos escolares iniciais. Este movimento de planejar em conjunto, decidir em

conjunto é sinônimo de protagonismo de autonomia docente.

Tanto em relação aos conteúdos como em relação à avaliação, as

professoras da rede estadual se manifestaram com uma margem muito maior de

autonomia, tanto em relação ao que ensinar quanto a como avaliar. Neste

sentido, esta professora se manifesta do seguinte modo:

A gente reúne e organiza por série, e elabora o que vai ser ensinado também baseado no livro didático, fazendo uma adaptação entre o livro escolhido e a proposta da Secretaria

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Estadual de Educação. Mas o nosso plano de ensino, a gente mesmo que elabora (Regina. Professora d 5º ano. Entrevista).

Embora o documento que trata dos direitos à aprendizagem seja um

avanço no sentido de esclarecer sobre como o professor pode trabalhar com

vistas à formação do aluno como um sujeito crítico, reflexivo e responsavelmente

engajado com os problemas sociais no qual está condicionada a sociedade,

percebo que o significado do ensino para a criança, preparando-a para a

autonomia não está presente no currículo das escolas, ainda fazem parte apenas

do currículo oficial.

Mas faz parte do currículo real nos espaços daquelas professoras que

lutam pela garantia destes direitos, a começar pelo seu próprio direito de elaborar

uma prova. Penso que a autonomia, antes de ser desenvolvida com e pela

criança, precisa ser construída, vivida pelo docente, desde o espaço de criação

da aula até a finalização do seu trabalho que serve tanto como ponto de partida

como de chegada, para retroalimentar o processo de ensino, que é a avaliação

(VASCONCELLOS, 2005). Para o autor,

a avaliação deve passar a ser referência para a própria criança, no sentido de superação das dificuldades que venha encontrando... Assim sendo, compreendemos que a principal finalidade da avaliação no processo escolar é ajudar a garantir a construção do conhecimento, a aprendizagem por parte dos alunos. (VASCONCELLOS, 2004, p. 46).

Este programa adotado no início de 2012 é responsável por muitas das

respostas conflitantes dos professores sobre avaliação escolar. Não se percebe

uma clareza por parte dos professores sobre o que avaliam, ou que critérios

orientam a avaliação do ensino de ciências. Por ser um programa em que os

professores recebem “tudo pronto”, posto que já vem tudo esquematizado com

uma forte supervisão sobre o trabalho do professor, não permite que o professor

tenha visão do processo. Logo, como ele vai saber dizer sobre o que não

pensou?

Na etapa inicial da pesquisa não tinha noção clara de um tecnicismo tão

acirrado, pois a sala de aula é que fala do que acontece num currículo e eu ainda

não tinha adentrado este espaço. Somente depois que elegi as seis professoras

para a segunda fase da pesquisa, a partir de seus relatos é que pude perceber

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o quanto uma delas se incomodava com sua autonomia subtraída, por não

poder sequer planejar o ensino como gostaria de fazer e de poder elaborar seus

próprios instrumentos de avaliação. Pensei como isto é visto pelos

coordenadores pedagógicos, pelos professores que responderam ao

questionário? Eu fui buscar novamente observar o que manifestavam por meio

do questionário.

Qual o sentido disso para os professores e coordenadores? Na visão

destes profissionais, quando fiz esta pergunta, a resposta foi o que a Proposta

Curricular Municipal toma como objetivo que orienta o ensino de ciências, qual

seja,

O ensino visa desenvolver habilidades individuais do aluno, o pensamento lógico e a criticidade, baseados no conhecer, fazer e criar, além de preparar os alunos para a construção e elaboração de seu próprio conhecimento, promovendo situações para aplicá-los com autonomia e de maneira criativa (Professores coordenadores-Questionário- resposta com base no documento da-PCM – Proposta Curricular Municipal, 2008).

Há contradição expressa entre o que diz o documento que orienta o que

vai ser priorizado e como os conteúdos serão trabalhados no contexto da sala

de aula com as crianças. Ao se referir ao objetivo para o ensino de ciências, o

que consta na Proposta Curricular é trabalhar em prol da criticidade, construção

do próprio conhecimento etc, e, na contramão, a fala dos professores expressa,

reiteradamente, sua autonomia subtraída. Como fomentar para os alunos, algo

que tem sido motivo de lutas dos próprios professores, ou seja, uma luta pelo

protagonismo docente de sua própria rotina de trabalho, podendo pensar nos

respectivos alunos e no que seria melhor fazer para que aprendessem este ou

aquele assunto?

O sentido dado ao ensino de ciências ainda precisa de maior

compreensão quanto à sua importância no currículo dos anos iniciais do Ensino

Fundamental. A carga horária segue o que orienta a legislação, isto é, duas aulas

semanais, que correspondem a 80 horas durante o ano letivo. Sendo a prioridade

do currículo dos anos iniciais o letramento, que é a aprendizagem da língua

materna e o ensino da matemática, que também requer o aprendizado da

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linguagem matemática, o ensino de ciências ainda não possui maiores

expressões na carga horária escolar.

Na rede estadual, em que os professores manifestaram uma organização

mais detalhada dos conteúdos, entre os quais, o meio ambiente comparece do

1º ao 5º ano, e os demais conteúdos água, higiene, recursos naturais,

eletricidade e Ciência, Tecnologia e Sociedade, são distribuídos ao longo dos

anos iniciais. Esta análise sobre os conteúdos e sua sequenciação, retomo mais

adiante no capítulo sobre saberes docentes.

Nas escolas municipais, o conteúdo meio ambiente é priorizado nos três

primeiros anos e no 4º e 5º ano é priorizado ser humano, alimentação, saúde e

recursos tecnológicos. Embora as duas redes trabalhem o conteúdo meio

ambiente, nota-se que as duas redes ainda não apresentam maiores

preocupações com temáticas sobre o contexto amazônico. As aulas de ciências

das escolas municipais parecem não trabalhar com mais presença que na rede

estadual, que apresenta um leque maior de tratamento do conteúdo, inclusive

participando da Agenda 21.10

Nas escolas municipais esta temática é trabalhada quando aparece no

livro didático. Porém, o significado que este componente curricular recebe no

currículo dos anos iniciais na rede estadual parece estar mais claro e com mais

acesso. Porém, quanto a ser trabalhado em espaço não formal nenhuma das

redes apontou algum trabalho sobre o ensino de ciências nestes espaços;

quanto à formação continuada voltada ao ensino de ciências, este também não

era foco das duas redes, até aquele momento.

Apesar deste estado de terceirização da educação no sistema de ensino

municipal, onde uma empresa externa decide o que o professor deve trabalhar

no ensino de ciências e como deve ser desenvolvida a aula, com datas

formalmente cobradas e anotadas no livro pela editora, como foi possível

perceber no livro do aluno, ao examinar o material de 4º e 5º ano do Ensino

Fundamental. Penso que o sentido de maior protagonismo apresentado pelas

professoras da rede municipal é a resistência e o enfrentamento como o de

10A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades

sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e

eficiência econômica (ano).

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Renata ao modo como o ensino é organizado e fiscalizado. Na rede estadual as

professoras de um modo geral possuem uma margem muito maior de autonomia.

A escola pública é uma espaço onde o professor tem autonomia inclusive

para ver resultados. Tal como se manifesta Kátia: Eu sou uma pessoa

compromissada com a minha profissão. Eu sempre quis ver resultados e nem

sempre a gente tem apoio de gestão, da família (Kátia, professora do 3º ano.

Entrevista). Penso que a escola pública tem condições de fazer um excelente

trabalho. O professor da escola pública goza de autonomia maior do que em

qualquer outro lugar, seja em nível da Educação Básica ou Superior, falo isto

com base em minha experiência docente e no que leio de pesquisas em

educação que defendem a escola pública como o espaço da possibilidade de

transformação (SAVIANI, 2009).

É evidente que quando o espaço público começa a trabalhar dentro da

dinâmica do capital, ao ponto de o professor não ter direito de fazer seu

planejamento, esse espaço de autonomia passa a se transformar num espaço

de alienação e proletarização do trabalho docente.

Construindo síntese...

Neste eixo analisei sentidos do Ensino de Ciências expressos por

professoras de escolas públicas de Boa Vista com base em duas categorias o

protagonismo docente e a autonomia subtraída.

Tomo como ponto inicial de análise o modo como cada professora ao falar

de si, expressa o que lhe marca na profissão desde o momento de chegada à

Boa Vista, trazendo por meio da memória o que lhe constitui a docência. Elas

trazem a vida pessoal e a profissional articuladas com os sonhos de vida quando

falam da família, da influência da mãe, do pai, do noivo, que aparecem no enredo

desta trama de vida, formação e profissão no ensino de ciências.

Um ponto que destaco nesta análise é o modo como cada uma trabalha,

enfrenta suas dificuldades com o ensino de ciências na sala de aula, é muito

presente a troca de experiências, o aprendizado da docência com os discentes,

e o modo ao falar de si deixa-me perceber o que valorizam ao ensinar ciências.

Entre o que elas valorizam apresentam o respeito ao conhecimento prévio

do estudante, o sentido de continuidade que dão ao ensino de ciências nos anos

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escolares iniciais, ao entendem que a criança vai aprofundando os conteúdos

nas séries/anos subsequentes.

As professoras ao narrar como chegam à Boa Vista, mostram como os

valores trazidos na bagagem pessoal vão alicerçando os valores profissionais e

isto vai dando sentido ao ensino de ciências, que se manifestam em forma de

compromisso com a aprendizagem do aluno., o planejamento das aulas ser um

momento respeitado pela instituição, valorizando a autonomia do

professor.Outro sentido que está presente no ensino de ciências diz respeito a

avaliação, com o aspecto que ela assume no processo do ensino, tanto no que

se refere a liberdade de o professor elaborar seus instrumentos de avaliação

quanto sobre decidir o que vai ser avaliado ao considerar o que foi trabalhado

com o estudante e isto seja valorizado na escola. Fato este que na rede

municipal é subtraído do professor e do estudante.

E neste processo de dizer de si as professoras que trabalham no sistema

municipal de ensino reclamam a falta de autoria, o sistema ficalizador da

coordenação pedagógica que está mais preocupada com a quantificação do que

a qualidade do ensino. O ensino de ciência é memorístico, desconectado da vida.

.

No sistema estadual de ensino as professoras têm autonomia para

trabalhar do jeito como querem. Digo em termos das condições de liberdade para

planejar, promover as aulas de ciências respeitando o ritmo dos alunos, ouvindo

suas necessidades e podendo trabalhar com elas. Têm o direito a fazer do

espaço de sala de aula um lugar do ensino transmissão ou do ensino

experiência. Não experiência no sentido de um ensino experimental, mas no

sentido como entende Larrosa um ensino em que aluno e professor

compartilham da aula com a sua experiência, ponto que trataremos com maior

aprofundamento na próxima seção.

Dentre as condições do trabalho docente ficou constatado nas falas das

professoras o quanto a terceirização do sistema de ensino municipal subtrai a

autonomia e autoria das professoras.

Então este eixo mostra dois aspectos importantes sobre os sentidos

apresentados pelas professoras: de um lado o esforço e a resistência daquelas

que trabalham no sistema de ensino municipal no sentido de exercer sua

autonomia, o enfrentamento às condições impostas pelo tecnicismo que avilta a

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autoria docente e de outro deixa perceber o protagonismo que elas têm para

vencer essas dificuldades e não só estas, mas a busca de formação no próprio

campo de trabalho, na partilha de saberes, de experiências, no diálogo que é

visível que elas têm umas com as outras, a fim de superar as dificuldades ao

desenvolverem um ensino de ciências que faça sentido para elas e para os

estudantes.

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LINHAS E ENTRELINHAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS: saberes

docentes em episódios de quem ensina e fala de si

Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos.

LARROSA

Em busca de sentidos sobre o ensino de ciências me apoio nas

palavras, e por meio delas ouço, vejo, sinto, significo o que me comunicam as

professoras que ensinam ciências em escolas públicas de Boa Vista, nos anos

iniciais do Ensino Fundamental. Nas linhas e entrelinhas de suas histórias sobre

o ensino de ciências, parafraseando Larrosa (2002, p. 20) vou nomeando o que

sentem como a significar em termos de saberes o que lhes acontece. Este não

é um trabalho fácil, mas vou emprestando lentes e deixando-me tocar pelo que

as toca, a fim de compreender heuristicamente os sentidos sobre o ensino de

ciências em termos de saberes. Faço-me mais aprendiz do que já sou neste

processo de significação, a fim de ser-lhes fiel aos sentidos manifestados por

elas.

Neste processo de interpretação, apresento, com base na literatura, o que

vou compreendendo em termos de saberes docentes de um modo geral, depois

vou comentando, analisando, por entre as histórias sobre conteúdos como:

corpo humano, energia, meio ambiente, como as professoras ensinam ciências

e, neste processo de contar sobre como ensinam, vou identificando saberes que

emergem de seus relatos.

Um elemento importante que caracteriza a formação de professores na

contemporaneidade é o conceito de saber. Esse conceito aparece como

elemento fundante no processo formativo do professor. Ele revela uma

preocupação de caráter mais epistemológico e ontológico, pois desvenda uma

particular preocupação com os conteúdos e métodos do processo formativo

(GHEDIN, 2007).

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Isso significa dizer que os saberes da experiência que o professor

constrói em sala de aula são constitutivos de sua profissionalidade e somam-se

aos saberes teóricos adquiridos na formação inicial e no processo de formação

continuada (PIMENTA, 2000), no seu desenvolvimento profissional.

Esse saber, formado pelos saberes que vem da própria prática, portanto,

da experiência de estar sendo professor, são elaborados à medida que o

professor constrói sua profissionalidade e são compreendidos, como discuto a

seguir, como uma epistemologia da prática11.

Concordando com a autora, o conceito de saber, no tratamento que

estou dando, é sinônimo de conhecimento12, é sinônimo de experiência

sistematizada e refletida, portanto é um conhecimento reelaborado a partir da

prática e na prática de formar-se continuamente. Associado e aliado ao conceito

de saber, atrela-se o conceito de profissionalidade, quer dizer, o professor

precisa saber para ser profissional. Esse, de certo modo, é um dos conceitos

que está posto como ação no processo de formação de professores.

O professor necessita do saber e este saber é sinônimo de um conjunto

de conteúdos e métodos que o professor mobiliza para tornar-se um profissional

da educação. Mais do que isso, ele também é um profissional do ensino, quer

dizer, o professor é aquele sujeito que detém um conjunto de saberes que lhe

possibilitam atuar profissionalmente na área do ensino, em especial neste

trabalho, ao ensino de ciências.

Não é qualquer um que serve e pode ser professor. Ser professor não é

um trabalho de “vocacionados”. O que os torna profissionais do ensino é um

processo formativo adequado, pensado intencionalmente de uma determinada

forma e ação que permite intervir pedagógica, científica e politicamente na

organização da sociedade, considerando os limites históricos sociais e políticos,

também da sua própria atuação.

11Para um aprofundamento dessa questão e sua origem na episteme proposta por Aristóteles, ver Monteiro (2012). 12 A estrutura do saber decorre da elaboração do conhecimento produzido como parte estruturante da ontologia do ser, portanto ao saber-fazer acopla-se um saber-ser. Segundo Zubiri (2011, p. XXXVI), “o saber se dá pela apreensão de algo prévio (grifo do autor), além do apreensor. [...] saber é dar-se conta das coisas. Esse dar-se conta do ato intelectivo é um estar ‘com’ a coisa e ‘na’ coisa, ao mesmo tempo em que ela queda na intelecção. Inteligir algo é apreender intelectivamente este algo na unidade estrutural do ato de apreensão”.

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O conceito de saber é um conceito fundamental para caracterizar a

formação do professor como um sujeito profissional, embora haja também um

conjunto de problemas postos nesse próprio conceito de saber e de

profissionalidade, porque a tendência é ligar a profissionalidade exclusivamente

a uma prática, portanto, a uma ação prática sem considerar quais são os

fundamentos que a instrumentalizam, que inspiram e que direcionam a prática.

Só sabemos para onde ir ou para onde vamos quando temos consciência das

ideias e das teorias que fundamentam as ações (GHEDIN, 2007).

O professor, para tornar-se um profissional há que aprender a dominar

um conjunto de saberes que se constituem de práticas e de experiências da

própria atuação profissional que possibilitam e condicionam suas decisões no

desdobramento do processo de ensino.

No meu entendimento, para um processo adequado de formação

humana como profissional da educação e do ensino de ciências deve-se levar

em conta a relação com o conhecimento13 e esta relação com o conhecimento

está atrelada a outros conceitos constitutivos do trabalho docente e que não

serão objetos de análise em minha abordagem14.

O sentido que atribuo ao conceito de experiência tem como base a

compreensão de Larrosa (2002, p. 20) “a experiência é o que nos passa, o que

nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que

toca”. Como identificar por entre as histórias das professoras saberes ou o saber

da experiência?

Alguns teóricos dizem que a experiência não é a vivência, mas o que eu

faço com o que eu vivo é que se transforma em experiência (FRANCO, 2012).

Josso (2004) fala da experiência formativa, ao se referir a experiências vividas

que, de alguma forma, marcam a pessoa e passam a incorporar-se aos seus

saberes de modo tão significativo que passam a fazer parte de suas atitudes e

ações no cotidiano de vida e trabalho. Uma experiência pode ser tão expressiva

que represente “um divisor de águas” na vida da pessoa, o que Josso denomina

de experiência charneira.

13 O aprofundamento para a questão “Da relação com o saber” pode ser visto em Charlot (2000; 2001). 14Não compõem objeto de análise dessa abordagem a literatura e as pesquisas sobre formação de professores desenvolvidas a partir dos conceitos de “competências”, “professor reflexivo” e “necessidades formativas”, a não ser pelo intercruzamento de uma epistemologia sistêmica.

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Considerando-se os saberes da experiência, (FRANCO, 2012), não se

pode reduzir a estudos de métodos e técnicas – como receitas – no sentido de,

com isso, sanar os problemas encontrados no processo de ensino e de

aprendizagem. Superar essa ideia faz-se necessário, com o objetivo de ampliar

as práticas relacionadas à formação docente, incorporando questões como

pesquisa sobre a própria prática docente, a reflexão sobre esta prática e o

desenvolvimento de pesquisas. Nesse caso, os saberes da experiência estão

intimamente relacionados com os processos reflexivos sobre as vivências

dos professores. Na lógica das práticas, o componente existencial, emocional,

afetivo é de fundamental importância para desracionalizar o excesso de teorias

estéreis e desconectadas que têm fundamentado os processos formativos

docentes.

Segundo Franco (2008), é fundamental focar em dois elementos: primeiro

uma análise que se paute na mediação entre discursos e práticas articulados

sob a forma de saberes pedagógicos (prática do saber); segundo, uma análise

que se organize mediante a mediação entre prática, teoria e reflexão coletiva,

expressa sob forma de saberes docentes e pedagógicos (saber da prática), ou

seja, a vivência refletida constitui-se em conteúdo da experiência e essa em

saber produzido no contexto da escola, na condição de desenvolvimento

profissional contínuo como componente da identidade docente.

Dessa forma, cabe destacar que a prática do saber e o saber da prática

acabam sendo fundamentais para estabelecer as mediações que articulem as

lógicas da prática com as lógicas da formação na exata medida com as lógicas

das pesquisas sobre formação de professores (FRANCO, 2012). Neste sentido,

os conhecimentos que emergem desse processo articulam-se às dimensões da

formação num caminho que produz reflexões sobre a prática educativa que se

converte em identidade e desenvolvimento profissional docente que se tornam

essenciais aos professores na condição de formação contínua no contexto da

escola. Obviamente que isso não goza de tranquilidade nas análises que os

pesquisadores fazem sobre a comunicação entre as duas lógicas, porém, isso

exerce um papel fundamental à pesquisa sobre formação docente e à construção

de sua identidade.

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Existe uma ideia geral de que experiência é sinônimo de tempo de serviço,

ou está ligado à ideia de informação sobre algo. Neste sentido, a professora

Michele se manifesta:

São 35 anos de experiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesses 35 anos de profissão sempre procurei todo ano aprender alguma coisa. Sempre procurei melhorar as minhas metodologias. Eu corro em busca de tudo. De curso em Ciências e em Matemática, trabalhando com feiras de ciências (Michele, Professora do 5º ano, Entrevista). Grifos

meus.

Como vimos, existe uma ideia que considera a experiência como sinônimo

de tempo. Michele parece indicar em seu relato que não é o tempo apenas que

conta em sua experiência, mas a postura de tentar aprender algo novo a cada

ano, quando diz que: Nesses 35 anos de profissão sempre procurei todo ano

aprender alguma coisa. Outra ideia de experiência muito presente é a que se

toma a experiência como sinônimo de informação. Segundo essa concepção de

experiência, seria experiente quem tem acesso a uma quantidade significativa

de informação ou possui um excelente acervo, entre outros artefatos provedores

da informação.

Não estar inteirado das coisas, ou não obter informação sobre tudo o que

está ao nosso redor pode parecer para o senso comum um sujeito atrasado,

desatualizado, o que, segundo Larrosa (2002), não é bem assim. Em parte, fica

subentendido no relato da professora Michele essa busca por tudo, como uma

busca por informações, que lhe atualizem e lhe auxiliem em sua prática docente,

quando ela se manifesta assim: Eu corro em busca de tudo. De curso em

Ciências e em Matemática, trabalhando com feiras de ciências.(Michele)

O sentido que adoto de experiência para análise do material construído

por meio dos relatos das professoras, baseia-se na ideia de experiência como

entende Larossa (2002, p.20) a experiência é aquilo que nos toca. E nos alerta

para não confundirmos a experiência com a informação. Muito menos com a

opinião, pois estes dois signos: informação e opinião são contrários à

experiência.

Segundo Larrosa (2002) uma pessoa que esteja o tempo todo em

constante busca pela informação não se permite construir a experiência, porque

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não se permite tocar por nada. Sua busca pela última notícia do momento

baseia-se na ideia de que é necessário saber opinar sobre as coisas e para saber

opinar tem-se que estar bem informado. Isto criou o signo sociedade do

conhecimento (HEARGREAVES, 2002) ou a sociedade da informação, tão

preponderante no discurso atual.

Larrosa (2002, p. 21) comenta com apoio em Benjamin (1986) “que o

periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da

experiência”. E acrescenta a esta ideia do autor dizendo que, “tudo o que se

passa está organizado para que nada nos aconteça”. Ou seja, a informação não

é experiência nem a opinião é experiência. Essa busca intermitente por

informação impede-nos a possibilidade da experiência. Isto é, “o periodismo

nada mais é que a aliança perversa entre a informação e a opinião. [...] Quer

dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da

opinião, é um sujeito incapaz de experiência” (LARROSA, 2002, p.22)

O estudo de Larrosa (2002) é profundo no sentido de nos fazer pensar o

que de experiência eu tenho realmente? O que de fato me toca? O que toca

meus sujeitos, que não seja o projeto de informação e manipulação do

mecanismo de informação/opinião, seja em nível individual ou socialmente

falando ao qual nos assujeitamos quando não fazemos do processo de dar

sentido e significado ao mundo e ao que nos acontece um momento de

superação e de aprendizado, de conhecimento de si?

Outro ponto a considerar na compreensão de experiência de Larrosa

(2002) é que,

[...] a experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera.

Deste modo como permitir que algo nos toque? O que vejo, escuto, sinto

por entre as histórias das professoras que seja de fato uma experiência, ou um

saber da experiência? Antes de trazer as falas dos sujeitos que possam nos

apontar algo no sentido do que Larrosa (2002) nos esclarece como experiência,

é importante compreendermos o que antecedente à experiência que nos permita

ser tocados por algo que nos conduza à experiência.

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Larrosa (2002) afirma que,

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, 24).

Ao inteirar-me desse conceito na proporção em que Larrosa (2002) ajuda-

me a refletir sobre as condições para realizarmos nossa experiência, isto é, nos

deixar tocar por algo, pensei na escola, (inclusive a academia) nos sujeitos desta

pesquisa, que são professoras dos anos escolares iniciais, lembrei que o

cotidiano escolar também é condicionado por esse tempo da ligeireza que

atemoriza professores e alunos no conjunto das metas educacionais a alcançar.

São tantas metas que quase não se tem tempo de fazer o trabalho principal que

cabe à escola, ensinar o aluno a pensar, a refletir sobre si, a vida, o mundo, no

contexto da sala e fora dela.

Qual deve ser então o sujeito da experiência para Larrosa? Para o autor

[...] o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos (LARROSA, 2002, p. 5).

Ao fixar meu pensamento no que Larrosa (2002) constrói sobre a ideia de

experiência, comecei a lembrar dos momentos em que observei as professoras

tocadas, afetadas com um jeito de ensinar ciências, ao compartilhar experiências

com outras colegas, e ficava me perguntando, que saberes essas professoras

desenvolvem que eu poderia chamar de saberes da experiência?

Amanda trouxe um episódio vivido por ela em um dos encontros de

professores que participou; isso durante o tempo em que fez parte do corpo

docente de outra escola na qual já trabalhou e que me pareceu uma experiência

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que lhe fez muito sentido para a sua prática docente. Ela se manifestou nestes

termos:

Eu aprendi muito com relatos de experiências. A reunião não era só com a pedagoga não. Trabalhei na escola São José onde fazíamos assim: alguém ia lá pra frente da área de ciências do Ensino Fundamental II, como aquela professora fez um experimento em ensino de ciências que deu certo? Eu pegava aquilo e refletia como fazer do meu jeito. Aqueles relatos me ajudaram pra eu saber caminhar individualmente, porque a gente tem que ser pesquisador. (Amanda, professora do 3º ano, Caderno de campo).

Se compreendermos como Larrosa (2002) que a experiência é algo que

nos toca, posso afirmar que Amanda vivenciou, pelo relato de uma colega, algo

que a tocou no sentido de se permitir experimentar com seus alunos uma

maneira de ensinar ciências. Amanda comenta sobre isto assim: Eu pegava

aquilo e refletia como fazer do meu jeito. Aqueles relatos me ajudaram pra eu

saber caminhar individualmente, porque a gente tem que ser pesquisador.

Aprofundando mais ainda o modo de entender o conceito de experiência,

vou percebendo que ela tem a ver com se permitir experimentar, provar, pois, ao

se identificar como pesquisadora, ela assume a posição de busca pela pesquisa,

que é ao mesmo tempo a posição de risco, inerente a quem se permite

experimentar algo. Recorro novamente a Larrosa, ao dizer:

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia, e secundariamente a idéia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião (LARROSA, 2002, p.6).

Como se vê no conceito construído por Larrosa (2002) a experiência é

marcada pelo risco, a travessia, o arriscar-se por alguma coisa. Pois, segundo

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ele: “É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe

acontece, a quem nada lhe sucede a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o

afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre”.

Um professor que não se permite viver os momentos da docência, não

sente o sabor do risco, mas aquele que se importa com o que vive, e faz de sua

prática uma experiência de arriscar-se pelo aluno, pela sua autonomia, pela

autonomia do aluno, este professor desenvolve saberes da experiência.

Desenvolve um saber do que lhe toca e o afeta em seu trabalho docente. Isto

me faz lembrar de uma história contada por Diana, ao iniciar seu trabalho com a

turma de estudantes do 3º ano. Diana se manifestou nestes termos:

Eu havia assumido a turma do 3º ano e percebi que não conseguia chegar em um aluno da sala. Ele era sempre muito arredio quando tentava me aproximar dele. Busquei saber dele pela colega que foi sua professora no ano passado e ela contou-me que aquele aluno estava sofrendo muito com a separação dos pais e desde o ano passado ele não participava de nada em sala, estava caindo muito no seu rendimento e quanto à afetividade quase não se manifestava por nada que ela fizesse. Então, fiquei pensando como poderia incluir aquele aluno em minhas aulas. Convidei todos os alunos para participarem de uma peça teatral, e quando fui entregar o papel de cada personagem, ele me disse que não tinha boa memória e que eu nem tentasse que ele não conseguiria fazer a fala daquele personagem. Foi então que me veio uma ideia, e lhe comentei: Poxa que pena! Eu o entendo, também sofro disso às vezes. Hoje por exemplo eu fiz cocadas e separei algumas para trazer para vocês, mas esqueci. Então ele me olhou e disse assim: Eu adoro cocada! A senhora vai trazer amanhã novamente? Ah eu trago sim. Mas você me lembra de trazer. Então no outro dia esse aluno chegou comigo na porta da escola e foi gritando ao meu encontro, e me perguntou: professora a senhora trouxe a cocada? Respondi que sim, Ele ficou muito feliz. Depois eu perguntei-lhe: como você lembrou? Ele me respondeu que havia recuperado a memória, e que aceitaria o papel para participar da peça teatral, da história. E a partir daquele dia mudou seu jeito de ser (Diana, Professora do 3º ano, Diário de campo).

Neste sentido, considera-se um saber da experiência aquele em que nos

sentimos afetados por algo. No caso de Diana ela contou um episódio que lhe

aconteceu quando tentava fazer com que um de seus alunos participasse de sua

aula, por meio de uma peça teatral. Reconquistar a confiança e participação do

aluno às suas aulas era o que ela desejara alcançar. Como diz Larrosa (2002, p.

20) “É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe

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acontece, a quem nada lhe sucede a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o

afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre”.

Diana ao convidar à turma para participar de uma peça teatral percebe

que um de seus alunos se retrai, e diz que não tem boa memória, que não vai

conseguir decorar a fala do personagem não vai participar porque não consegue

lembrar das coisas, e portanto, não vai participar da peça, e a deixa tocada.

A professora vai até onde o aluno se encontra (em estado de

esquecimento, de fuga) sai do papel de professora que ‘sabe de tudo’ e ‘não se

esquece de nada’, se mostra igual à criança e diz: Poxa que pena! Eu o entendo,

também sofro disso às vezes. E acrescenta: Hoje por exemplo eu fiz cocadas e

separei algumas para trazer para vocês, mas esqueci.Com essa estratégia a

professora Diana conquista a criança para ajudá-la lembrar, aproxima-se do

aluno e ele dela é uma docência que tem espaço para o afeto.

A professora se afeta com o aluno e ao perceber isso ele também se deixa

afetar, conduzir por ela. Este é um saber docente que se forma enquanto se está

formando a criança, aí vejo tanto o saber da experiência segundo Larrosa, pois

ela pára, se permite ouvir, saber sobre o aluno, se importa com ele, exerce uma

afetividade que lhe subtrai daquela situação, e usa de um saber estratégico

segundo entende Shulman (1999), Gonçalves e Gonçalves (2003) que dizem ser

a capacidade de o professor pensar alternativas, estratégias no espaço

imprevisível da sala de aula. Ao interpretar o pensamento de Shulman (1986) os

autores afirmam que,

O conhecimento estratégico se manifesta em situações práticas de aula, em que afloram princípios contraditórios em que o professor tem que tomar uma decisão, ali, durante sua ação docente. Nós diríamos que este conhecimento “não é ensinado”, mas é aprendido na prática profissional (GONÇALVES & GONÇALVES, 2003, p. 113).

Como dizem os autores o conhecimento estratégico é diariamente testado

na prática docente, porque são inúmeras situações que acontecem diariamente

na sala de aula em que o professor é desafiado a encontrar estratégias para

fazer com que o estudante se interesse, se inquiete, aprenda determinados

conceitos.

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Este tipo de conhecimento não é ensinado, penso que o que poderia ser

feito, falo como professora de estágio na licenciatura em computação é que este

tipo de conhecimento poderia ser investigado no processo formativo durante o

estágio, ou em situações em que os futuros professores podem fazer da sala de

aula e da observação que fazem da docência estudos de caso de situações

semelhantes.

Concordo com Gonçalves e Gonçalves (2003) que este é um tipo de

conhecimento que se aprende na prática de ser professor e aprofundando a

questão os autores esclarecem:

Parece-nos que para que este tipo de conhecimento se construa e se efetive, devem concorrer certas características humano-afetivas (FREIRE, 1997), como a sensibilidade para a percepção de problemas no aluno que “vive distraído” apenas de “corpo presente”...O que leva esse aluno a não se entrosar? A não conseguir se concentrar na hora da prova? Seria a ‘reflexão na ação”, colocada por Schön (1992) e esperada de todo professor, quando se depara, em seu trabalho docente, com situações de dúvida, de conflito ou incerteza (GONÇALVES e GONÇALVES, 2003, p. 113).

Entendo com base nestes esclarecimentos teóricos que o saber

estratégico precisa andar lado a lado com o saber da experiência, pois o

professor que não se deixar tocar pelas manifestações dos alunos, que não se

afeta com o desinteresse de alguns, que disposição terá para pensar m

estratégias. Daí porque os autores tragam Freire e Schön para afirmar que as

condições necessárias desse conhecimento pelo professor requerem,

afetividade, humanidade, e ainda a reflexão na ação.

Durante a pesquisa, os relatos sobre o ensino de ciências me fizeram

perceber que as experiências das professoras, ou melhor, dizendo, que os

saberes da experiência manifestados pelas professoras diziam respeito ao modo

como faziam para enfrentar as lacunas da formação inicial, ou aquelas outras

dificuldades que se apresentam no contexto da sala de aula, mesmo depois de

muitos anos de docência. Sobre isto Diana se expressa:

Eu sou uma pessoa muito dedicada, Eu vejo que é preciso ser uma professora de ciências que chame muita atenção. Estou fazendo o máximo para ter um bom rendimento com aquela turma, porque é uma decepção para mim, ver meus alunos

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passando de série sem saber de quase nada, porque têm dificuldade de aprender. Por isso, quando vejo que meu jeito de dar aula não está chegando nos alunos me ponho a assistir as aulas das minhas colegas. Eu aprendo muito com a Regina, Com ela aprendi a fazer produção de texto com meus alunos por meio do teatro (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista).

Diana revela um anseio que seus alunos aprendam e isto para ela é a

questão mais importante, de seu trabalho. Quando não consegue êxito, busca

as colegas para aprender na partilha de experiências um modo melhor de

ensinar ciências. Ela manifesta atitude de busca constante, de humildade

profissional, ao buscar conhecer modos de colegas agirem na profissão. Ela

também atribui como sentido à prática docente no ensino de ciências que o

professor precisa ser um sujeito dinâmico e que saiba chamar a atenção dos

alunos. Assim se expressa Diana:

Para mim o bom professor é aquele que tem compromisso com o trabalho, abraça a causa e consegue se sentir confortável naquele ambiente como um todo, porque não é fácil trabalhar com 23 pessoas, gostar de 23 pessoas, que discordam ou concordam contigo. E fora que eles são muito críticos. Quem pensa que não, se engana! O manejo é ter muita dinâmica (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista).

Até aqui apontei algumas situações vividas por Diana e Amanda as quais

percebo tomadas de um desejo de melhoria, de mudança ao querer sair de um

estado que as incomoda sobre o modo como ensinam ciências, o que as faz

mobilizarem-se para melhorar sua prática, uma mudança de dentro para fora. No

caso de Diana quando não consegue resolver determinados problemas em sala,

busca assistir as aulas com as colegas para melhorar sua prática.

O saber da experiência com base no que se conjecturou até aqui é o saber

que nos toca, fazendo-nos mudar nosso modo de ser, dar sentido a si mesmo,

ao mundo e às pessoas, ou seja, o saber da experiência é um saber que se

diferencia dos outros saberes pelo modo como nos transforma. Sobre esta

questão afirma Heidegger (1987, p. 143):

[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer,

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“fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo.

De acordo com o autor, a experiência é algo que faz o sujeito sentir-se

tombado por ela, que o apodera e o transforma, e, ao detalhar sobre o que

significa o verbo fazer, a experiência é uma ação que o sujeito sofre ao

experimentá-la. Portanto, não se trata de um sujeito, como diz Larrosa (2002) ao

interpretar Heidegger (1987), não é algo pelo qual o sujeito passa e deixa-o

incólume, de pé, sem estar tocado, afetado, não. É uma experiência que lhe

causa transformações.

Então, um saber da experiência é um saber marcado pelas contingências,

pelos condicionantes sociais, no qual se constitui o sujeito professor, e, neste

processo, ao se formar, se transforma. Esta é, na compreensão de Larossa

(2002), um elemento importantíssimo da experiência, é o que toca o sujeito, por

ele se forma e se transforma. Daí o sujeito da experiência ser um sujeito aberto.

As histórias sobre o ensino de ciências contadas pelas professoras dos

anos iniciais revelam algumas situações narradas nas quais saberes da

experiência são manifestos. “O saber de experiência se dá na relação entre o

conhecimento e a vida humana” (LARROSA, 2002, p.19-20).

Para compreender com as lentes de Larrosa (2002) o que é o saber da

experiência, é preciso entender que a ideia de conhecimento não corresponde à

ciência e à tecnologia, um conhecimento com fim utilitário e a ideia de vida, não

se refere como a entendemos na sociedade moderna ligada à manutenção da

vida biológica pelas vias do consumismo. Assim se refere o autor:

Durante séculos, o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos, como uma aprendizagem no e pelo padecer, no e por aquilo que nos acontece. Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece (LARROSA, 2002, p. 8).

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Então, para analisar um saber da experiência, o ponto de partida é o

sentido que ele tem para o sujeito da experiência, neste caso, aqui me interessa

saber o que faz sentido para as professoras em termos do saber da experiência

sobre o ensino de ciências.

Desse modo, Larrosa (2002, p. 8) aponta algumas características do

saber da experiência:

(i) é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Isto é, se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência.

(ii) trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria existência, de sua própria finitude;

(iii) O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo).

(iv) o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria.

(v) A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha, então, sua qualidade existencial, isto é, sua relação com a existência, com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto. A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida.

(vi) A segunda nota sobre o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento. [...] Se o experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do experimento produz acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz diferença, heterogeneidade e pluralidade.

Tomando como base as características de experiência, descritas por

Larrosa, o que emerge por entre as histórias das professoras que as toca e lhes

faz sentido tem a ver com as seguintes situações que são valorizadas em sua

prática docente e pelas quais se deixam modificar no próprio ato de exercer a

docência. Entre elas destaco o aprender com o outro, a partilha de saberes e a

afetividade no ensino de ciências

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O aprender com o outro é algo que para elas faz sentido. Não saber de

algo ou algum conteúdo, ver um aluno sem conseguir aprender são situações

que fazem com que se mobilizem para garantir uma maior compreensão por

parte dos estudantes ou sobre o que lhes afeta. Tal como vimos na postura de

Diana para incluir um aluno em suas aulas, fazê-lo voltar a ter mais autonomia e

interação com ela e com a turma.

A afetividade como ponto importante na aprendizagem do ensino de

ciências é apresentada em várias falas como um valor que garante a

aprendizagem. Este é considerado pela maioria das professoras como um valor

quando ensinam ciências. Assim se manifesta Regina:

Eu procuro ter uma boa relação interpessoal com meus alunos. Não distante, procuro ser bem próxima deles. E isso até melhora na aprendizagem deles tanto em Matemática como em Ciências. Estar próxima deles favorece que eles se abram comigo, que digam sem medo quando não entendem e isso é marcante pra mim. Eu gosto disso (Regina. Professora do 5º ano. Entrevista).

A professora considera como um valor que agrega em sua prática docente

a afetividade na aprendizagem do aluno. Isto facilita a interação que se

estabelece entre professor e aluno. O afeto é, portanto, um valor considerado no

saber experiencial delas, seja em relação aos alunos seja em relação aos pais,

como se manifesta Diana, nos seguintes termos:

Se tem algo que me afeta é a presença dos pais. Eu aprendo com a reclamação das mães e isto ajuda na minha formação. Mas este ano me senti abandonada pelos pais, porque nenhum veio ajudar, nem assistir as aulas, ou vir para as reuniões e isto faz cair a minha produção (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista).

A fala de Diana sobre o afeto e a consideração que espera receber dos

pais deixa-me perceber que em anos anteriores eles se faziam muito presentes

até ao ponto de participarem assistindo as aulas com seus filhos. Ao pedir para

explicitar melhor seu sentimento em relação a isso. Ela comentou o seguinte:

Sempre contei com a participação dos pais, eles tinham disponibilidade em estar conosco [na escola] e seus filhos sempre que podiam, não era sempre. Mas conseguia fazê-los vir de vez em quando à escola, assistir um pouco da aula e depois

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iam embora. Sei que a vida não está fácil pra ninguém e eles têm se ausentado de casa, mas este ano não consigo contar com a presença dos pais nem nas reuniões bimestrais. Isto interfere muito em meu trabalho (Diana. Professora do 3º ano. Caderno de Campo).

Diana vive uma fase de travessia com esta nova turma em que os pais

não comparecem como talvez comparecessem os pais dos alunos do ano

anterior. Esse sofrimento que faz com que Diana se sinta afetada como diz, e o

fato de sentir dificuldades para que seus alunos aprendam tem feito com que a

professora busque com as colegas novos jeitos de ensinar. Seu saber

experiencial está sendo posto à prova, especialmente com os pais com quem

dizia contar com a presença na escola de maneira efetiva.

Outro ponto que marca o saber experiencial das professoras são as

buscas pelo saber que não sabem. As lacunas deixadas pela formação inicial

são transformadas nos espaços de formação contínua que fazem na troca de

experiências, onde cada uma delas se permite vivenciar algumas experiências

vividas por outras a fim de aprender na docência como ensinar ciências.

De acordo com Nóvoa (1997), o saber da experiência abre o professor

para outros saberes, um deles é o saber pedagógico e o saber científico. Como

enfatiza Nóvoa (1997, p. 13),

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência

Uma das frases mais comentadas por Regina, Amanda, Renata, Diana,

Michele e Kátia foi: o que eu não sei, eu busco! Essa postura aberta marca o

sujeito da experiência porque ele se deixa tangenciar no sentido de sua

transformação por uma ética do compromisso com o trabalho docente e consigo

mesmo.

Neste sentido, a professora Kátia assim se manifesta em relação ao valor

que tem para ela o conhecimento:

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O conhecimento é necessário porque o professor deve estar o tempo todo pesquisando, procurando meios para resolver os problemas que acontecem na sala de aula. Quando eu digo problemas não é de indisciplina. Se um aluno não está aprendendo, por exemplo, eu procuro saber como eu posso intervir? Como vou resolver essa questão, aí entra o conhecimento (Kátia. Professora do 3º ano. Entrevista).

Isso se vincula à epistemologia da prática profissional, que consiste no

estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu

espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas. De

acordo com o autor, a essa ideia associa-se a noção de “saber” com um sentido

amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou

aptidões) e as atitudes. É aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-

fazer e saber-ser.

Segundo Tardif (2002), os saberes profissionais são temporais, plurais e

heterogêneos, personalizados e situados. Os saberes profissionais dos

professores são temporais porque são adquiridos através dos tempos e depende

da história de vida, dos primeiros anos de prática, experiências (edificação do

saber) e porque ocorre dentro de uma carreira. Os saberes profissionais são

plurais e heterogêneos em três sentidos: provém de diversas fontes, são

variados (ecléticos e sincréticos) e heterogêneos porque possuem objetivos

internos da ação em relação aos saberes mobilizados.

.E muitas vezes a gente não vê os resultados porque com o tempo que eu comecei a perceber que as crianças são diferentes, e temos que estar respeitando isso. Eu tenho que estar observando neles, o que tem de melhor, as habilidades de cada um. Às vezes, aquilo que eu quero que ele responda- o resultado que eu quero naquela criança- eu tenho que ver de forma em que ele está oferecendo. E de que forma ele está me mostrando esse resultado, porque às vezes, não é nem aquele que eu estou querendo e prevendo que está acontecendo naquele objetivo aquele resultado. Isso eu já aprendi com o tempo (Kátia. Professora do 3º ano. Entrevista)

A fala da professora Kátia ´mostra um valor importante que o ensino de

ciências tem quando ela deseja que seus alunos tenham resultados. Eu

compreendo a manifestação da professora como uma fala comprometida com o

aprendizado da criança, ao dizer: ...muitas vezes a gente não vê os resultados

porque com o tempo que eu comecei a perceber que as crianças são diferentes,

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e temos que estar respeitando isso. Eu tenho que estar observando neles, o que

tem de melhor, as habilidades de cada um.

O resultado que leva em conta o tempo, o modo como o estudante

responde à maneira como o professor ensina é um valor formativo importante

para o ensino de ciências. Saber enxergar as habilidades de cada criança, e o

tempo em que cada uma de acordo com o seu ritmo começa a apresentar os

seus resultados, revela no dizer de Tardiff e Raymond (2002) que o tempo é

formador.

Nem sempre o que é resultado para o professor é para a criança e ela

mostra outros resultados que o professor se surpreende, como é o caso da

professora Kátia na citação acima. O tempo é um elemento que contribui para o

amadurecimento do professor no aprendizado da docência. Por issoTardiff

afirma que o saber profissional docente é temporal (2002).

Os saberes profissionais, segundo o autor, são personalizados e situados,

e não podem ser reduzidos ao estudo da cognição ou do pensamento dos

professores. São fortemente personalizados, são saberes apropriados,

incorporados e subjetivados, difícil de dissociar das pessoas, de sua experiência

e situação de trabalho e que envolvem a interação humana. E são situados

porque são utilizados e construídos em função de uma situação de trabalho

particular.

Tardif e Lessard (2005) afirmam que o objeto do trabalho do docente são

seres humanos e, por conseguinte, os saberes dos professores carregam as

marcas do ser humano. Segundo os autores, em primeiro lugar os seres

humanos têm a particularidade de existir como indivíduos. Mesmo que

pertençam a grupos, a coletividades, eles existem primeiro por si mesmos como

indivíduos.

A aquisição da sensibilidade relativa às diferenças entre os alunos

constitui uma das principais características do trabalho docente e essa

sensibilidade exige do professor um investimento contínuo e a longo prazo,

assim como a disposição de estar constantemente revisando o repertório de

saberes adquiridos por meio da experiência.

A segunda consequência decorrente do objeto humano do trabalho

docente reside no fato de o saber profissional comportar sempre um componente

ético e emocional.

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Esse saber plural indentificado por Tardiff como ético-emocional Kátia

manifesta em seu modo de se ver e ver os professores dos anos iniciais. Ela se

expressa nos seguintes termos:

Existe um movimento que nós professoras dos anos iniciais temos, eu digo isso porque percebo muito isso na minha realidade do ensino de 1º ao 5º ano, quando estamos reunidos, ou nos encontramos em algum lugar, estamos sempre antenadas com o que se passa na sala de aula, estamos sempre aprendendo sobre o que nos acontece e que não temos soluções na hora, então buscamos com as colegas, tipo, você já teve um aluno assim? Como você trabalhou isso? Então, eu vejo que estamos o temo todo aprendendo, buscando numa constante troca de experiências com nossas colegas. As vezes eu penso até que isso acaba nos adoecendo, porque volta e meia a gente volta naquele assunto, e não desconectamos do que nos acontece em sala de aula (Kátia. Professora do 3º ano. Caderno de Campo).

Os problemas epistemológicos dos modelos universitários de formação,

e possibilidades promissoras é campo de trabalho para os pesquisadores

universitários. Para o autor, os cursos de formação para o magistério são

globalmente idealizados segundo um modelo aplicacionista do conhecimento,

que também é ideológico e epistemológico, é um modelo institucionalizado por

meio de todo o sistema de práticas e carreira universitária.

Este modelo comporta uma série de problemas, o qual foi idealizado

segundo uma lógica disciplinar, e que se apresenta monodisciplinar

(fragmentado e especializado), regido por questões de conhecimento e não de

ação, estando o conhecer e o fazer dissociados (TARDIF, 2000).

Do ponto de vista epistemológico, baseia-se na relação sujeito/objeto, em

que o sujeito se posiciona diante do objeto para extrair e filtrar informações, das

quais emite proposições mais ou menos válidas, trata os alunos como espíritos

virgens e não considera as crenças e representações a respeito do

conhecimento que os alunos já possuem.

Tarfiff (2000) defende que uma tarefa de caráter urgente que já é tempo

de os professores universitários da educação começar, também, a realizar

pesquisas e reflexões críticas sobre suas próprias práticas de ensino. A não

problematização da própria relação com os saberes adquire, com o passar do

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tempo, a opacidade de um véu que turva a nossa visão e restringe a capacidade

de reação.

Segundo Tradiff (2000) essa ilusão faz com que exista um abismo enorme

entre as “teorias professadas” e as “teorias praticadas”. Elaboram-se teorias do

ensino e da aprendizagem que só são boas para os outros (alunos e

professores), mas se são boas para os outros e não para os professores

universitários, talvez, isso seja a prova de que essas teorias não valem nada do

ponto de vista da ação profissional, a começar pela nossa.

Para compreender isso, parte-se do princípio de que o trabalho não

representa somente produzir algo, mas um instrumento transformador do próprio

indivíduo e sua identidade. O “saber trabalhar”, ou dominar progressivamente os

saberes necessários à realização de um trabalho, está diretamente ligado ao

tempo; para o professor, a formação teórica complementa-se à prática, à

experiência, que permite a construção do saber trabalhar, uma vez que as

situações do trabalho, as aptidões, atitudes específicas somente são adquiridas

depois do contato repetido com essas mesmas situações, o que se mostra

incompatível com a ideia da racionalidade técnica, haja vista os saberes serem

construídos de forma progressiva (TARDIF e LESSARD, 2005).

A este respeito Regina expressa como o tempo e o estudo com os alunos

foi modificando seu modo de ser e compreender o aluno e seu processo de

aprendizagem. Ela se expressa assim:

Na minha época na faculdade, eu lembro bem que o aluno era como uma folha de papel em branco e que a gente ia preenchendo. E com o tempo eu fui vendo que não é nada disso, o aluno tem uma riqueza infinita (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Para os autores, os saberes profissionais dos professores são de

natureza social, mobilizados e empregados na prática cotidiana; surgem dela e

servem para resolver os problemas dos professores, dando sentido às situações

do trabalho. Entende-se, aqui, o saber como sendo as atitudes, conhecimentos

e habilidades do docente, ou o saber, saber-ser e saber-fazer (DELORS, ANO).

Em seu discurso, muitos professores destacam os saberes vindos da

experiência como primeira fonte de competência do saber-fazer, referindo-se

ainda a questões subjetivas, como entusiasmo, amor aos alunos, e também

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saberes que são partilhados com seus alunos, como pertencentes ao mesmo

grupo social, e com os colegas. Muitos autores tentam classificar e ordenar

esses saberes, mas essa é uma tarefa complexa.

Tardiff; Lessard; Lahaye (1991) propõem uma classificação e um modelo

de análise baseado na origem social, ou seja, o saber profissional, nesse sentido,

provém de várias fontes: da história de vida do indivíduo, da sociedade, da

instituição escolar e dos lugares de sua formação. Nesse contexto, destaca dois

pontos-chave: (1) a trajetória pré-profissional do professor, isto é, sua história de

vida, mobilizadas especialmente no início da carreira e, (2) a trajetória

profissional, socializada com seus pares, com o ambiente escolar e lugares de

trabalho. Para os autores, o que se observa é que há mais continuidade do que

ruptura entre o conhecimento profissional do professor e as experiências pré-

profissionais, aquelas que unem as experiências escolares anteriores com as

experiências familiares.

A análise da carreira envolve dois pontos principais: o institucional,

referente à carreira em si como uma realidade coletiva, onde os atores seguem

normas relativas à sua ocupação, e a representação subjetiva que se observa

entre os atores ao dar sentido à vida profissional ((TARDIFF; LESSARD;

LAHAYE, 1991).

A carreira, associada à história de vida, socialização, revela o caráter

subjetivo e experiencial do saber do professor, que fundamenta a sua prática.

Ainda referente à carreira, sugere-se que nas fases iniciais são construídos os

saberes profissionais. Esse período ocorre em três etapas, sendo que a primeira

envolve um doutrinamento dos professores acerca das regras e normas a serem

seguidas na escola; a segunda etapa corresponde à iniciação no sistema de

normas da escola, passadas de maneira informal pelos colegas, e a terceira

etapa ocorre durante a descoberta real dos alunos, como sujeitos que muitas

vezes não querem aprender, mostram-se desmotivados (TARDIFF; LESSARD;

LAHAYE, 1991).

Tardiff defende que, após a fase inicial, entra-se num período de

estabilização e consolidação, quando o professor passa a investir em sua

profissão e adquire mais reconhecimento por parte de seus colegas. Nesse

processo, ocorre um “choque da realidade”, (TARDIFF, 2000) certo

distanciamento do conhecimento acadêmico, valorizando a prática e os

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ensinamentos de seus pares e, diante disso, reajustes de suas percepções

anteriores.

Portanto, a relação entre os saberes profissionais e a carreira está ligada

ao tempo; o conceito de rotinização insere-se aqui, ao associar os saberes ao

tempo e ao trabalho. Diz respeito a modelos simplificados de ação que

estruturam os atos de uma forma estável e repetitiva, permitindo que se evite a

perda de tempo e se concentre nas ações. Nesse processo, os saberes

adquiridos na história de vida e no trabalho são as bases da rotina, assim como

as relações com a comunidade intra e extra escolar, com a família, representam

referências coletivas para os saberes profissionais sobre a prática (TARDIF e

RAYMOND, 2000).

O tempo, nesse caso, representa um dado subjetivo que contribui para

modelar a identidade do trabalhador. Considera-se também que os fundamentos

do saber ensinar não se reduzem ao cognitivo, pois eles são existenciais (ligados

às emoções, linguagem, relações com o outro e consigo mesmo), sociais (já que

os saberes vêm de fontes sociais diversas) e pragmáticos (os saberes ligados

ao trabalho e ao trabalhador, de natureza interativa).

Nesse contexto, vale retomar as observações de Pimenta (1997), que tem

como objetivo central a sistematização dos pressupostos teórico-metodológicos

sobre as práticas e a construção da identidade docente como caminhos para

repensar a formação inicial e contínua de professores. Para Pimenta (1999;

1997), a construção do conceito de identidade docente articula-se aos saberes

da docência, nos seus três desdobramentos: a experiência, o conhecimento

advindo das teorias científicas e o pedagógico, elaborado no contexto das

ciências da educação.

Pimenta (1999) atrela os saberes apontados ao papel crucial de mediação

nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, e para a superação do

fracasso e das desigualdades escolares e sociais. Mas para ocupar este papel

é necessário repensar, na formação inicial em termos das contradições

presentes na prática social de educar, e na formação contínua a superação da

realização de cursos de suplência e/ou atualização dos conteúdos de ensino.

Nesse contexto, Pimenta (1999) ressignifica os processos formativos a partir da

reconsideração dos saberes necessários à docência, colocando a prática

pedagógica e docente escolar como objeto de análise.

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Ao apontar que os saberes docentes devem estar articulados ao que se

almeja quando se ensina me lembra de uma fala da professora de Diana quando

aborda sobre o que ela pretende quando ensina. Ela se manifesta nestes termos:

A atitude que eu mais me empenho para que meus alunos desenvolvam é a cidadania. E isso a gente faz em tudo quanto está trabalhando. Quando estou ensinando não quero que meu aluno aprenda somente o assunto quero que ele faça relação do que ensino com a vida dele, com a vida dos outros, com a sociedade. Eu me preocupo com tudo isso quando eu ensino ciências (Diana. Professora 3º ano. Entrevista).

A preocupação com a atitude cidadã é um dos sentidos expressos por

Diana quando ensina ciências, ela manifesta isto ao dizer que se preocupa com

as relações que seu aluno faz com a vida. Esta postura de pré-ocupação com

Diana se manifesta ao ensinar ciências também é expressa por Regina nestes

Termos:

Quando ensino ciências primeiro eu trago o conteúdo para a realidade deles qual a importância daquilo, para que serve, em que aquilo tem a ver com ele, com a vida dele, eu pergunto você acha que isso é importante? Em que?, Qual a consequência disso ? Eu busco sempre o lado prático do que eu ensino pra eles refletirem que tudo tem um sentido, uma forma de uso e de consequência do uso, pra mim isso é formar para a cidadania. Depois eu vou dar o conceito. Aí depois eu vou fazer uma atividade com eles. Não aquela atividade de repetir o que eu passei, eu passo uma atividade que é pra eles fazerem dentro da realidade deles, como usar aquilo na realidade deles, como? Para que serve? Faço eles pensarem (Regina. Professora do 5º ano. Entrevista).

Na ressignificação dos processos formativos, Pimenta (1999) trabalha o

conceito de construção da identidade docente. Ela aborda a identidade

profissional como algo mutável, histórica e que se constrói a partir da significação

social da profissão; da revisão constante dos significados sociais desta, como

também, do confronto entre as teorias e as práticas dos professores e as novas

teorias, as histórias de vida, representações, as redes de relações que se

estabelecem entre os pares, sindicatos, escolas. Assim, mobilizar estes saberes

da experiência é, pois, o primeiro passo que se propõe mediar o processo de

construção de identidade dos futuros professores.

Pimenta (1999; 1997) caracteriza os três saberes da docência que devem

ser mobilizados para atingir aquela finalidade apontada: (1) a experiência:

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correspondem aos saberes adquiridos antes mesmo do curso de formação

inicial, são aquelas representações sobre o professor construídas como aluno,

através de suas próprias experiências com professores “bons”, significativos,

que sabiam ensinar e também atrelado a esses modelos estão as

representações e estereótipos que circulam socialmente sobre o professor e seu

trabalho. (2) o conhecimento: são os conhecimentos específicos que o

professor possui na sua área de atuação, mas que precisam ser questionados

por eles como conhecimento para a produção da vida material, social e

existencial da humanidade. (3) saberes pedagógicos: são aqueles do “saber

ensinar”, relacionados à pedagogia e à didática.

Esses saberes já se destacaram historicamente como temas do

relacionamento professor-aluno, como objetos da psicopedagogia, como e mais

comumente, técnicas de ensinar. No entanto, trata-se de reinventar estes

saberes pedagógicos a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real,

ou seja, deixar de partir de diferentes saberes constituídos e começarem a tomar

a prática dos formados como o ponto de partida e também de chegada.

Operar com esses saberes pedagógicos por essa perspectiva implica na

superação da tradicional fragmentação dos saberes da docência, Em termos

práticos, essa superação será possível na medida em que, a formação inicial se

dê em relação à prática dos formados, como referência para formação e reflexão,

para que o futuro professor construa seu saber-fazer a partir do fazer. E, tanto

neste nível quanto na formação continuada, a reflexão não deve partir do que se

vai fazer, nem do que se deve fazer, mas sobre o que se fez15 (SCHÖN, 2000).

Pimenta (1999) alerta para não se cair na ilusão da prática, isto é, de que

o saber, só serve se instrumentaliza a prática, pois tomada desta forma reduz-

se este objeto de análise em sua perspectiva histórica, social, política. Há que

se conferir estatuto epistemológico à prática, no entendimento da dependência

da teoria em relação à prática, pois esta lhe é anterior. A construção da teoria a

partir da prática docente pode ser feita através do registro sistemático das

15 Schön (2000) discute isso no segundo capítulo da obra. Inclusive Pimenta (2012) sustenta que esse é um ponto em todos os críticos de Schön concordam, pois nessa parte de sua abordagem ele parte mais de uma perspectiva realista do que idealista da reflexão, essa tem como referência a realidade e o fazer concreto sobre o qual se age e opera a reflexão-na-ação.

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experiências que, analisadas e refletidas contribuirão tanto à elaboração teórica,

quanto ao revigoramento e o engendrar de novas práticas.

Na formação inicial, esse processo poderá acontecer por meio de

pesquisas sobre a atividade docente escolar, trabalhando a pesquisa como

princípio formativo na docência. Assim, ao conhecer diretamente e/ou através de

estudos as realidades escolares e os sistemas onde o ensino ocorre, os

graduandos começarão a olhar, ver e analisar as escolas existentes com olhos

não mais de alunos, mas de futuros professores.

No desenho de novas perspectivas, à formação e às pesquisas sobre

formação Pimenta (1999; 2012) atrela o desenvolvimento e a formação da

identidade aos saberes e estes aos processos reflexivos que se constituem na

ação docente. “Refletir na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação: uma

proposta metodológica para uma identidade necessária de professor” e aponta

o professor reflexivo, baseado em Schön (2000), como uma nova tendência na

pesquisa sobre formação de professores. Essa perspectiva entende o professor

como um intelectual em processo contínuo de formação e autoformação, na qual

os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas

experiências práticas, cotidianamente.

Nessa perspectiva de formação, três processos são considerados: (1)

produzir a vida do professor, seu desenvolvimento pessoal; (2) produzir a

profissão docente, seu desenvolvimento profissional; e (3) produzir a escola,

promovendo através de uma atuação refletida o desenvolvimento

organizacional. Esse viés formativo implica em posições político-educacionais

que apostam nos professores como autores da própria prática, com consciência

e sensibilidade social, desse modo, rejeitando a visão de abordagens de

reformas educativas de cima para baixo.

Infelizmente esse cenário idealizado por Pimenta enfrenta sérios

problemas na realidade do Sistema de Ensino Municipal de Boa Vista, pois muito

do que seria o trabalho de pensar, refletir, analisar, executar é feito por outros

que pensam para os professores executarem.

Penso que o estudos sobre os saberes docentes precisa ser feito

conjuntamente com os professores no contexto da escola. A reflexão na ação

como propõe Shön (2000). Infelizmente no caso desta pesquisa, o grupo focal

não foi possível ser realizado devido a dois longos períodos de greve que

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dispersou as professoras participantes. Contudo, as reflexões quando de nossas

conversas infirmais eram ricas de reflexão sobre a prática sobre si na relação

com a formação e a profissão voltada para o ensino de ciências.

Por todos estes pressupostos apresentados sinteticamente, justifico

minha escolha por tais referenciais teórico-metodológicos para apostar e envidar

esforços para aprofundar estudos sobre essa tendência e seus eventuais

produtos, pois entendo que é uma tendência de formação de professores que se

configura como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal-

profissional dos professores e das instituições escolares.

Alves (2007) estuda as teorias e as tradições que compõem o campo dos

saberes da docência. O autor destaca que os estudos sobre os saberes dos

professores, em âmbito internacional, compõem um amplo e diversificado campo

que vem se constituindo há várias décadas.

De acordo com Borges (2003), os estudos dos saberes dos professores

desdobram-se nas seguintes perspectivas: pesquisas sobre o comportamento

do professor, a cognição do professor, o pensamento do professor, pesquisas

compreensivas, interpretativas e interacionistas e pesquisas que se orientam

pela sociologia do trabalho e das profissões.

Para Borges (2003), as pesquisas compreensivas, interpretativas e

interacionistas são constituídas a partir da abordagem da fenomenologia, do

enfoque etnográfico e do interacionismo. Procuram investigar e evidenciar

pensamentos, ações e interações dos sujeitos, mas o fazem a partir da tomada

do contexto em que o sujeito está inserido, por meio de lentes históricas e

sociais.

Já as pesquisas que se orientam pelas contribuições da sociologia do

trabalho e das profissões detêm-se em pesquisar que o saber é aprendido pela

experiência, no trabalho e no decorrer de um longo processo que é a

socialização profissional (ALVES, 2007).

Os estudos sobre os saberes dos professores foram e estão sendo objeto

de apreciações de vários autores brasileiros que são por uns abraçados

rapidamente e por outros refutados sem muita análise. Nessa questão

destacam-se as pesquisas de Arce (2001), Freitas (2002), Duarte (2003),

Libâneo (2012) e Pimenta (2012), nas quais é possível perceber que não há

consenso entre eles e que o dissenso se manifesta, pelo menos, em três

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dimensões: a epistemológica, a política e a profissional, a respeito das quais o

autor faz as considerações a seguir.

Alves (2007) assume que os estudos que se orientam pela epistemologia

da prática e seus correlatos fundam-se na filosofia pragmática deweyana e no

ideário da pós-modernidade, sendo portadores de todas as suas limitações.

Embora os estudos de Schön (2000) legitime-se na linha da prática-reflexiva a

partir das pesquisas de Dewey16, o conceito de reflexividade, segundo Libâneo

(2002), “[...] é justamente esse atributo de indivíduos e grupos humanos de

pensarem sobre si próprios”. Com base nisso, Alves (2007) mostra que a

reflexividade não tem somente um sentido e não pode ser ligada mecanicamente

à perspectiva pós-moderna, como defendem alguns autores. Mas neste caso,

preferimos ficar com o sentido de reflexão proposto por Dewey que a

compreende como um pensamento intencional elaborado pelo sujeito.

Por outro lado, os saberes docentes relacionam-se à dimensão

econômica-política, isto é, o surgimento dos estudos sobre os saberes dos

professores e as proposições dele advindas são expressão do neoliberalismo e

convergem para o processo mais amplo de reestruturação produtiva no

capitalismo. O neoliberalismo corresponde a um conjunto de receitas

econômicas e programas políticos propostos a partir dos anos de 1970 do século

passado.

Alves (2007), no que concerne à dimensão profissional, assume que as

teorias do saber docente podem contribuir para o desenvolvimento da

profissionalidade do professor e para o avanço das condições de oferecimento

da educação escolar. O professor-reflexivo, o professor pesquisador, a

epistemologia da prática, o processo de constituição dos saberes etc... são

temáticas que não podem ser pensadas em abstrato.

Logo, a crítica à racionalidade técnica e ao sentido do processo formativo

presentes em muitos cursos de formação profissional passou a ser questionada,

bem como foram colocadas em pauta s condições concretas de exercício

profissional. Isso representou o entendimento de que a formação inicial e

contínua precisava avançar em vários aspectos ligados à questão pedagógica,

mas também em aspectos referentes à dimensão política e epistemológica.

16 Para aprofundamentos e compreensão dessa perspectiva ver Dewey (2010 –

publicado em inglês originariamente em 1938; 1979 – publicado em inglês em 1933)

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Neste bojo temático está a discussão sobre a noção de profissionalismo no

ensino, que é bastante acirrada.

Franco (2008) discute essa questão, analisando duas lógicas: a lógica das

práticas e a lógica da formação, mediadas pelos saberes pedagógicos. Relata

que a concepção tecnicista influenciou no estágio, visto nas propostas de

formação docente predominantes em nosso país, como o momento da prática,

e sendo utilizado para que o sujeito aprenda a reproduzir um fazer considerado

necessário. É essa prática responsável pelo choque que tem o futuro professor

nos primeiros confrontos com as atividades docentes. Entretanto, é exatamente

essa situação que a autora define como espaço da possibilidade, e apresenta

dois caminhos pelos quais se pode optar: a construção de um fazer significativo

ou a negação dessa possibilidade, optando por abandonar suas expectativas.

Para Lisina (2006), é necessário superar as distancias entre a lógica das

práticas e a lógica da formação. Ambas têm que caminhar juntas, objetivando o

encontro do sujeito com o seu fazer, num processo de ação reflexiva, ou seja,

na construção da possibilidade da práxis.

Para Franco (2012), os saberes pedagógicos são mediadores e devem

ser observados e explorados no processo de formação de professores. A autora

destaca que os saberes pedagógicos só são possíveis em um sujeito que vai

gradativamente assumindo uma posição política frente ao compromisso de ser

professor, engajando-se criticamente em suas circunstâncias, cercando e

acercando-se de sua realidade existencial, transformando-a em direção às suas

intencionalidades.

Dessa forma, as instituições de formação de professores precisam se

transformar em seus tempos, em seus processos formativos, construindo um

novo espaço, onde a aprendizagem cooperativa seja fomentada, articulando vida

e formação, sujeito e coletividade, intencionalidades e práticas.

Ou seja, os processos formativos docentes têm que incorporar a

dimensão experiencial, unindo teoria e prática, inserindo o ensino

contextualizado no espaço escolar, tanto para o docente, quanto para o discente.

“Acredito que a prática docente é o critério de verdade que nos revela como

determinado espaço/tempo social está concretizando seu processo educativo”

Page 100: ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS ESCOLARES INICIAIS · apresentações, pela escuta sensível quando nos reunimos para discutir o trabalho, as discussões ricas visando a melhoria do

(FRANCO, 2012, p. 215) e isso estrutura processos de protagonismo nas

mudanças, quando os sujeitos assim o desejam.

Percebo esta relação da vida, da teoria com a prática nos relatos de

Michele, que adora participar das Feiras de Ciências que é promovida pela

Universidade Estadual de Roarima (UERR), gosta de fazer projetos com seus

alunos e desenvolver desde o início do ano letivo para ir formando nas crianças

diz ela um estudo sério, continuado é o que eu proponho para os meninos

quando a gente começa a fazer o projeto no mês de fevereiro, eu gosto de ir

formando as crianças para a pesquisa (Michele. Caderno de campo).

Nas aulas de ciências de Michele comenta como faz para articular a teoria

e a prática em suas aulas articulando ciências com história, geografia e

matemática, assim se expressa:

Nós sabemos que pra trabalhar ciências, história e geografia em Roraima é muito bom, porque é um campo muito expressivo. Inclusive, quando nós fizemos uma viagem com o grupo pra ilha de Maracau, nós pudemos observar todas essas áreas geográfica, ciências e histórica também, porque vem o estudo das plantas, dos animais, do meio ambiente, enfim. E quanto à Matemática podemos trabalhar nos anos iniciais vendo a quantidade de animais existentes na região, assim como a quantidade de animal extinto, existente na nossa fauna e também podemos trabalhar a densidade dos rios, nossos igarapés, porque você sabe, que a interdisciplinaridade, ciências, historia, matemática e geografia nas séries iniciais podemos trabalhar juntos e até português, porque nos dão esse acervo de biodiversidade ao nosso redor e o sistema nos dá essa possibilidade de trabalharmos a interdisciplinaridade dentro da sala de aula e fora dela com esse trabalho por exemplo que realizamos observando a nossa fauna e a nossa flora na Ilha de Maracau (Michele. Professora 3º ano. Entrevista).

Aqui a integração de saberes em uma aula é apresentada pela professora

Michele como uma forma de trabalho interdisciplinar ao enfatizar que em uma

viagem com um grupo para Ilha de Maracau, permitiu explorar o ambiente a partir

do olhar da geografia, das ciências, da história, da matemática, integrando

saberes no ensino de ciências.

Neste sentido, só será possível fazer o exercício fundamental da

pedagogia, qual seja – criar articulações cada vez mais profundas entre a teoria

e a realidade, ou seja, fazer dialogar a lógica das práticas com a lógica da

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formação. Essa é a grande tarefa que os cursos de formação devem enfrentar

(FRANCO, 2008).

Compreendendo que a lógica da prática e a lógica da formação dialogam

por meio da vivência transformada em experiência mediada pela reflexão e pela

pedagogia (FRANCO, 2008). O que mais se pode dizer a respeito da

configuração dos saberes docentes?

O estudo de Borges (2001) considera que as pesquisas sobre o ensino,

os professores e seus saberes, colocam em evidência tanto a diversidade das

correntes de pesquisas como os contextos teórico-metodológicos nos quais

foram produzidas. Para demonstrar essa tese, o autor analisa três sínteses

produzidas por Lee Shulman (1986a; 1986b), por Daniel Martin (1992) e por

Gauthier (1998).

A pesquisa de Shulman (1986a; 1986b) identificou cinco programas de

pesquisa sobre o ensino e sobre a docência: as pesquisas processo-produto

analisam os efeitos das ações dos docentes sobre a aprendizagem dos alunos

durante o ensino; o programa Academic learning time que se baseia

fundamentalmente no modelo de aprendizagem no qual o tempo aparece como

elemento central na relação entre ensino e aprendizagem; o programa sobre a

cognição dos alunos centra-se sobre os conhecimentos destes, tendo em

conta a intervenção dos docentes; o Classroom ecology é oriundo da

antropologia, da sociologia e da linguística, ancora-se em uma metodologia mais

qualitativa que quantitativa; o programa sobre a cognição dos professores

focaliza os conhecimentos dos docentes em detrimento do seu fazer.

A pesquisa de Martin (1992) analisa a pluralidade metodológica das

pesquisas sobre os professores e seus saberes e propõe um reagrupamento dos

estudos segundo a natureza dos saberes docentes. O autor identifica quatro

abordagens teórico-metodológicas distintas: uma psico-cognitiva, que enfatiza

a estruturação mental dos saberes e sua aplicação no contexto concreto da sala

de aula. O interesse dos pesquisadores é pela rede de estruturas de

conhecimentos, das rotinas e das ações vividas em sala de aula, que se

complexificam com o tempo, a partir das experiências passadas, num processo

de construção e reconstrução das estruturas mentais. Os saberes são

identificados a partir das imagens que os professores têm da própria prática;

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subjetiva-interpretativa, que focaliza as dimensões fenomenológica e

interacionista dos saberes docentes.

Esses trabalhos, num sentido mais amplo, vão se apoiar na

etnometodologia, com entrevistas estruturadas e observação participante;

curricular, que investiga como o conhecimento ligado ao ensino, aos conteúdos

disciplinares, ao currículo, repercute na ação docente, mas também como os

professores operam com esses conhecimentos em classe; a profissional, na

qual os professores são produtores de saberes e que existe um saber que

emerge da prática profissional (MARTIN, 1992).

Pelas interações, os professores produzem e tentam produzir saberes

que lhes permitem dominar e compreender a sua prática. Segundo Martin (1992),

outros estudos apontam que existem saberes que nascem da e na prática

(corrente da prática reflexiva), mesmo emanando de contextualizações e

proposições teóricas diferentes, foram agrupados junto à abordagem profissional

(trabalhos de Schön, Calderhead; Houston e Cliff, Grimment; Gore e Zeichner).

Nessa mesma linha, Martin acrescenta a pesquisa-ação (Stenhouse e

Elliot), que não muito longe das ideias encontradas em Schön, afirmam que o

docente desenvolve seu saber através da investigação sistemática da sua

própria prática, e ainda, a corrente do professor pesquisador, como decorrente

da fusão entre a pesquisa-ação e a prática reflexiva.

A síntese proposta por Gauthier et. al (1998) descreve as pesquisas

conhecidas como knowledge base (base de conhecimentos). Os autores

analisam as pesquisas sobre o ensino que buscam identificar e/ou definir um

repertório de conhecimento dos docentes. Consiste em um estudo que procura

não somente identificar o corpus das pesquisas realizadas nas salas de aula,

mas os conhecimentos, relativos aos saberes dos professores, extraídos dessas

pesquisas.

Segundo Gauthier et. al (1998), são três os paradigmas das pesquisas

sobre o ensino: (1) o enfoque processo-produto, no qual o professor é visto

apenas como um gestor de comportamentos que deve organizar os processos

de ensino, tendo em vista a aprendizagem dos alunos; os contextos, as

interações e outros saberes não são considerados, bem como os aspectos

subjetivos da relação professor e aluno; (2) enfoque cognitivista, com foco no

pensamento e na construção dos esquemas de pensamento, buscam evidenciar

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as chamadas “ciências da cognição” que tem como preocupação o

processamento da informação e os processos de construção do conhecimento

dentro de um complexo processo de aprendizagem, além de trabalhar com o

conceito de “metacognição”, que envolve o conhecimento e o controle das

estratégias cognitivas; (3) enfoque interacionista-subjetivista, que reúne o

interacionismo simbólico, a etnometodologia, a etnografia escolar, a

sociolinguística e o enfoque ecológico.

Os autores consideram os trabalhos que têm referência na

fenomenologia, com ênfase no indivíduo, na análise das experiências individuais

e do conhecimento adquirido pelo indivíduo por meio das suas experiências em

relação com outros sujeitos. No que concerne aos saberes, o foco repousa nas

representações que os professores têm dos seus saberes e nas interações que

eles estabelecem em classe, sendo o ensino concebido como uma forma de

interação simbólica.

Borges (2001) evidencia pontos de conflito na realização das pesquisas

que buscam caracterizar tipologias das pesquisas e seus processos de

formação, problematizando a questão: (1) dificuldade para aqueles que se

propõem a realizar sínteses para lidar com a diversidade conceitual

metodológica; (2) mistura de enfoques que têm origem em bases

epistemológicas diferentes (cognitivo e subjetivo-interpretativo); (3) diversidade

empírica dos objetos de pesquisa (representações, crenças, comportamentos);

(4) o grau de abstração desses estudos constitui um discurso dos e entre os

pesquisadores, cada vez mais distantes das realidades das escolas; (5) utilidade

das sínteses para o desenvolvimento da pesquisa, embora possuam limitações,

têm um papel importante para o desenvolvimento do campo educacional, por

outro lado, ao servirem de guia geram problemas relacionados aos critérios

utilizados para considerar um estudo válido ou não.

A repercussão dessas tipologias em países como o Brasil, em que

estudos como os processos-produto sobre o comportamento eficaz do professor

dentre outros, por vezes, foram utilizados pelos pesquisadores e políticos

educacionais brasileiros, sobrepondo-se aos reais desafios da prática concreta

dos professores nas escolas.

A transposição de objetos de conhecimentos produzidos em

determinados contextos a outros é sempre problemático. Por essa razão, há que

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se agir sistematicamente nessa conjuntura, isso porque, no Brasil, a relação

saber docente e conhecimento escolar são produzidos por diferentes formas de

organização cultural da escola e dos currículos que as engendram (BORGES,

2001).

Nesse sentido, a pesquisa de Monteiro (2011) discute as possibilidades

teóricas na interface saber docente e conhecimento escolar como foco de

pesquisa das relações dos professores com os saberes que ensinam que

especificam a ação educativa e contribuem para o desenvolvimento de uma

epistemologia da prática.

Nesse caso, o que está em questão são os conteúdos ensinados,

portanto, a questão insere-se num debate sobre os currículos escolares, seus

saberes, conhecimentos, cultura e poder no contexto da escola. Assim, o

conhecimento do professor transpõe-se em conteúdo de instrução, como nos

revela a pesquisa Shulmam (1986a; 1986b).

Percebe-se aí, a relação bem presente do paradigma da racionalidade

técnica, alvo de críticas bem situadas pela simplificação que faz a este processo:

(1) em negar a subjetividade do professor como agente do processo educativo;

(2) em ignorar que a atividade docente lida com conhecimentos somente

adquiridos por meio da prática; (3) em ignorar que o currículo é terreno de criação

simbólica e cultural; (4) em ignorar o questionamento sobre o conhecimento

científico nas últimas décadas.

É neste contexto que Monteiro (2011) situa o saber docente que focaliza

as relações dos professores com os saberes mediados por saberes práticos,

fundamentais para a identidade profissional docente. De acordo com a autora, o

saber docente é construído a partir de críticas à racionalidade técnica,

configurando-se como saber constituído no e para o ofício da atividade

docente/profissão. Este saber docente é, por vezes, plural, estratégico e,

desvalorizado. Isto porque é oriundo: (1) de saberes da formação profissional

(concepções, arcabouço ideológico, e algumas formas de saber-fazer/ técnicas);

(2) dos saberes das disciplinas (difundidos e selecionados pelas instituições

universitárias); (3) dos saberes do currículo (selecionados para serem ensinados

nas escolas); (4) dos saberes da experiência (constituídos no exercício da prática

cotidiana da profissão).

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O foco nos saberes da experiência nos leva a enfatizar uma cultura

docente em ação, a qual se utiliza para enriquecer o potencial de análise dos

processos vividos pelos professores no contexto do ensino. Nesse ínterim

destacam-se as contribuições de Perrenoud (2002), no sentido de priorizar o

conceito de saber da experiência ou da prática, oferecendo um instrumental

conceitual para dar conta da complexidade do saber docente. Além disso, a

contribuição de Shulman (1986a), com seu missing paradigm, distinguindo três

categorias de conhecimento de conteúdos que se desenvolvem na “mente” do

professor: (1) o conhecimento da matéria do conteúdo; (2) o conhecimento

pedagógico dos conteúdos; (3) o conhecimento curricular.

Da organização de como estes conhecimentos podem ser ou estar

organizados para o professor emergem três categorias: (1) conhecimento

proposicional, relativo à investigação didática; (2) conhecimento de casos,

relativo ao conhecimento de eventos específicos; (3) conhecimento estratégico,

relativo a posicionamentos diante de situações dilemáticas ou contraditórias.

Segundo Monteiro (2011), as adequações que geram o conhecimento

escolar, seu contexto de produção e recepção estão diretamente relacionadas

com as necessidades e constrangimentos da prática profissional dos

professores. Para se compreender mais profundamente essa questão, faz-se

necessário estudos e pesquisas com a articulação das duas vertentes

analisadas aqui e que levem a um reconhecimento do conceito de conhecimento

escolar

Após as discussões teóricas até aqui realizadas, assumo, nesta tese duas

correntes de pensamento, em que vou sedimentar minha análise sobre os

sentidos atribuídos pelas professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental

ao ensino de ciências. Faço análise com base no que foi apresentado, mas

trazendo novas compreensões sobre as situações em que os saberes se

manifestam na prática relatada de professoras em escolas públicas de Boa Vista,

com base em Shulman (1998).

Para Shulman (1998), o que legitima a profissionalidade docente é

conhecimento do conteúdo e o conhecimento da matéria como objeto de ensino.

O autor requisita com o seu programa que os professores tenham um corpo de

conhecimentos diverso para transformar esse conhecimento em um significativo

assimilável para os alunos.

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Para Shulman (1998), são requeridos sete tipos de saberes ou

conhecimento para os alunos, são eles: os saberes do conteúdo, pedagógico

geral, curricular, dos alunos, dos contextos educativos, fins e valores educativos

e saberes didáticos do conteúdo.

É com base nos dois tipos de saberes primeiros quais sejam, o saber do

conteúdo e o saber pedagógico em geral que o professor pode criar um saber

que pode dar conta de ensinar de forma específica a sua matéria (Bolívar, 2005)

e que Shulman (1998) vai chamar de saber pedagógico do conteúdo.

Então o que seria o conhecimento pedagógico do conteúdo? Para

Shulman é pensar um ensino que leve em conta concepções, valores, crenças

do que significa ensinar uma determinada matéria em um determinado nível ou

contexto.

Neste caso, ensinar ciências segundo a ideia do saber pedagógico do

conteúdo como entende Shulman (1998), implicaria um conhecimento que passa

pela compreensão do próprio conteúdo ou conceito, mas também, que seja

pensado em termos de: i) que relação faço desse conteúdo com os alunos? ii)

para quem eu ensino? iii) em que contexto eu ensino? iv) Currículo para que?

Como?

Segundo o autor, um professor que possui o saber pedagógico do

conteúdo complementa com seu conhecimento o livro didático, pois sabe que no

livro não está expresso o que é necessário para o aluno entender e muitas vezes,

o professor busca outros meios recursos que facilitem o ensino por meio do

saber pedagógico do conteúdo. Em relação a esta questão Regina e Renata se

posicionam nos seguintes termos:

Eu não sigo muito o livro não! Eu pesquiso mais na Internet. E a maioria das vezes, é muito complicada a maneira de falar dos livros didáticos, prefiro é buscar pesquisando mesmo para encontrar um maneira melhor de ensinar (Regina. Professora do

5º ano. Entrevista).

Como expressa Regina, os livros são mais apoio mesmo da professora e

o que facilita a sua prática no ensino de ciências quanto à parte conceitual e

procedimental é a busca que faz pela Internet. Nesta mesma direção, Renata se

manifesta do seguinte modo:

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Eu não gosto dos livros modernos de ciências, eles são mais cheios de experimentos e quase não aprofundam o conteúdo propriamente dito. Por isso eu uso os mais antigos, esses são os meus preferidos (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

No entanto, para Shulman (1998), não basta que o professor tenha um

conhecimento didático do conteúdo ou um saber pedagógico do conteúdo para

que ele tenha um repertório de múltiplas representações que auxiliem na

compreensão dos conteúdos pelo aluno. O saber pedagógico do conteúdo

caracteriza-se pelos modos de pensar que facilitam a criação destas

transformações.

Por exemplo, organizar o currículo de ciências de modo narrativo é uma

forma de priorizar e favorecer a compreensão do aluno pelo modo como o

professor trabalha por meio de histórias, metáforas, os conteúdos que deseja

que o aluno aprenda, seja em termos conceituais, procedimentais ou atitudinais.

Nestes termos, Diana conta como conseguiu produzir um trabalho que auxiliou

na construção de uma postura que gostaria que seus alunos desenvolvessem e

sabia que isso requeria dela uma forma poderosa de convencê-los a serem

sujeitos do processo.

Um dia, fiz a seguinte estratégia para fazer meus alunos participarem da aula: Estou sempre preocupada em desenvolver estratégias em que eu possa fazer de meus alunos o centro do ensino. Os meninos têm o hábito de falar: vamos professora, passa logo que a gente quer copiar. Aí eu disse: Hoje ninguém vai copiar nada! Coloquei umas perguntas legais no quadro. Só para eu me localizar, sobre capitanias hereditárias e contei a história pra eles. Eles perguntaram: onde foi que a senhora tirou isso aí? Eu disse: essa historinha eu aprendi no 3º ano, na minha escola, quando era bem pequenininha. Eles disseram: e a senhora lembra? Pois é, quem aprende nunca esquece. Aí eu perguntei o que eles entenderam. Não tinha nenhuma pergunta feita, só tinham palavras soltas. E eles: como é que a gente vai escrever com tudo isso solto na lousa? Não dá pra entender. Eu disse: isso se chama rascunho, são as partes principais do texto. Isso vai cair tudo na prova. Preguei no caderno em forma de um questionário e mandei eles resolverem e foi muito melhor do que eu estar me esgotando no quadro me matando de escrever. Eu disse: agora vocês vão contar a sua história hereditária e vocês vão contar essa mesma história para alguém que mora com vocês e é pra desenharem a reação de quem vocês forem entrevistar. E não é que deu certo? Os pais vieram me dar os parabéns porque os filhos fizeram eles lembrar de coisas que nem os pais mais lembravam (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista).

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Diana coloca em prática seu saber pedagógico com vistas a desenvolver

a autonomia dos alunos. Para isto, ela cria formas de fazer com que os alunos

participem ativamente das aulas e incluam os pais nas atividades da escola, ao

mesmo tempo em que estimula atitude investigativa nos alunos.

A este respeito Bolívar (2005) ao estudar o trabalho de Shulman (1998)

afirma que o conhecimento pedagógico do conteúdo atende a componentes

muito diversos, e podem ser sinônimos de conhecimento e crenças dos

professores. Então, podem ser entendidos como construções didáticas do

professor, ou ainda, configurações didáticas (BOLÍVAR, 2005).

Compreendido deste modo, o saber pedagógico do conteúdo seria então,

“construções pedagógicas, resultantes da sabedoria da prática docente,

normalmente com uma estrutura narrativa referidas a tópicos específicos”

(BOLÍVAR, 2005, p. 9).

Portanto, não seria uma subcategoria do conhecimento da matéria, nem

uma forma genérica de conhecimento, mas uma coleção de “construções

didáticas” específicas para cada tópico, podendo ser examinada em cada

componente que a configura, tais como, crenças sobre ensino-aprendizagem,

conhecimentos e crenças didáticas, conhecimento do contexto, recursos, metas

e objetivos. Todos estes componentes podem estar presentes em sua totalidade

ou em parte em uma explicação do professor sobre determinado conceito ou

conteúdo, a fim de que o aluno aprenda.

Ao ouvir o relato de Renata sobre como ensina corpo humano, ela se

manifestou nestes termos:

A primeira coisa que a gente faz é saber o que o aluno sabe. Você lança: hoje nós vamos trabalhar sobre isso, o que vocês acham que é o corpo humano? Aí eles vão colocar a opinião deles e a gente não pode dizer que está errado porque é o conceito deles. Depois vamos ver o que o livro diz, vocês acham que é isso? Então eu trabalho sempre puxando pelo conhecimento deles, vou para o livro fazendo a relação. E o que é o corpo humano? É essa máquina maravilhosa que só um ser perfeito como Deus para criar, porque nós dormimos e nem sabemos o que está acontecendo com o nosso corpo. Ás vezes, estamos com um problema interno e nem sabemos que estamos com isso, aí o corpo reage te dando uma febre, uma dor de cabeça, uma tontura para você perceber que algo está acontecendo. O que eu acho mais importante é ele se identificar e reconhecer, por exemplo, quando eu estou falando de locomoção, eles estavam preocupados porque não estavam

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entendendo o que eram as articulações. Para que eles entendessem, eu ia mostrando, [fazia os movimentos] dobrarmos o joelho, fazer isso aqui, aquilo ali. O mais importante é isso daí, que não precisa ser muito profundo. O importante pra mim é você saber o básico (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).

Nesta forma de se manifestar sobre como ensina o conteúdo “corpo

humano”, Renata deixa-me perceber o saber específico do conteúdo que está

orientando sua compreensão de corpo humano, como máquina, uma ideia que

ainda é predominante, ligada a uma concepção mecanicista de ciência, isto é a

ideia que reduz o corpo a partes, engrenagens e mecanismos.

Quando vai fazer a apresentação do conceito para os alunos, demonstra

que valorizar o conhecimento prévio do aluno já se tornou senso comum no fazer

pedagógico ou, como diria Gauthier, tornou-se um saber da tradição das

professoras, isto é, começar a aula pelo que os alunos já sabem.

Outro aspecto presente no exemplo da aula de Renata é a narrativa. Ela

vai compondo uma história e vai localizando os conceitos de corpo humano, de

locomoção e articulações, fazendo gestos, criando um enredo para a aula, que

facilite a compreensão do aluno.

Uma crença presente em seu relato é a de que o ensino de 1º ao 5º ano

só precisa do básico. Sobre esta questão do aprofundar ou não aprofundar os

conteúdos de ciências com os estudantes dos anos iniciais do Ensino

Fundamental, o Ministério de Educação e Cultura (MEC) criou um documento

que fala dos três objetivos que devem ser assegurados aos alunos do Ensino

Fundamental I, a fim de que se complete o ciclo da alfabetização que vai do 1º

ao 3º ano do Ensino Fundamental. Neste documento, de caráter orientador, são

apresentados os conteúdos e o que se espera que o aluno aprenda em termos

dos conteúdos dispostos no currículo de cada escola, o qual passará pelas três

fases de iniciar a criança em um conteúdo, desenvolver e consolidar (BRASIL,

2013).

Sobre o corpo humano, Diana manifesta-se dizendo que: ensinar sobre o

corpo humano é levar a criança a conhecer seu corpo, como funciona, ensinar a

desenhar, a conhecer. Eu gosto muito de fazer montagem com eles.

Ao analisar como Renata e Diana ensinam o corpo humano, percebo um

conhecimento pedagógico do conteúdo impregnado da ciência moderna que

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ainda preside as academias e as escolas de um modo geral. Não vejo somente

o sujeito professor, mas a história do ensino de ciências, como este vem sendo

praticado durante anos de uma maneira fragmentada, pois,

[...] o ser humano cabe, no ensino, apenas aos pedaços. Nas séries iniciais ele entra dividido em cabeça, tronco e membros. Mais adiante o lugar do corpo humano é o lugar dos sistemas, em que cabe apenas um sistema de por vez: o digestivo, o circulatório, o reprodutor, o respiratório... No ensino médio o corpo humano se “espreme” nas células e se estudam as funções celulares e moleculares, que já não são exclusivas do corpo humano, mas universais para os seres vivos. Parece que ao avançarmos na escolaridade também avançamos na fragmentação desse corpo (TRIVELATO, 2005, 122).

A ideia fragmentada de corpo humano, que até os dias atuais perdura nas

escolas, e também está presente nos livros didáticos mais antigos, preferidos de

Renata, é reflexo de um longo movimento, em cuja trajetória, os avanços da

ciência foram sendo paulatinamente construídos e com muita dificuldade de se

fazer compreendido em uma visão integradora, holística.

Renata também toma como ponto balizador para o saber pedagógico do

conteúdo o conhecimento prévio dos alunos. Esse conhecimento prévio que se

manifesta sob o nome de senso comum é que pode se tornar a matéria prima

para o conhecimento científico. Tocada por essa prática baseada no

conhecimento primeiro do aluno, a professora Diana se manifesta nos seguintes

termos:

Primeiro eu me oriento pelo assunto, aí eu vou buscar saber as habilidades que eles precisam adquirir porque os ritmos são diferentes. As matérias que a gente dá, ele já viu com outros professores. Quando eu trabalho com o ensino de ciências, eu procuro saber o que eles já sabem sobre determinado assunto aí eu vou fazer meu plano. A partir daí eu trabalho com eles o assunto e vejo quem assimilou e quem não assimilou e aí eu replanejo a aula (Diana. Professora do 3º ano. Entrevista).

Tanto Diana, quanto Renata veem no conhecimento prévio uma forma de

aproximar o estudante do saber específico do conteúdo. Outro conceito

trabalhado pelas professoras e em cujos relatos percebo tanto o saber específico

do conteúdo quanto o saber pedagógico do conteúdo é o conceito de meio

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ambiente que ladeia com o conteúdo de cidadania. A professora se expressa

nestes termos:

Eu tenho mostrado aos alunos que o meio ambiente nele envolve-se tudo. O meio ambiente envolve os animais, envolve o ser humano em si, envolve a natureza de um modo geral. Esse foi um projeto que foi trabalhado o ano todo, como é que a gente trabalha? Em nossa própria sala de aula. Ali é o nosso ambiente. Ali que eu tenho que verificar, como? Através das falhas e dos acertos, mostrando aos alunos que poderemos tratar bem o meio ambiente a partir do momento em que nós nos conscientizarmos de que nós precisamos mudar para que o nosso mundo não sofra mais do que está sofrendo. Por exemplo, aqui é um estado muito quente [a professora está se referindo ao Estado de Roraima], então, se nós não preservarmos mais as nossas matas, as nossas plantas, cada dia vai aumentar mais o calor. Partindo da nossa sala de aula, para a comunidade, para o Estado, para trabalhar toda a parte da nossa região. Então, nós começamos a trabalhar o meio ambiente dentro da sala de aula, porque o estado eles já veem. Então, a escola é uma extensão da casa. Então, a gente começa mesmo a trabalhar o meio ambiente dentro da sala de aula levando para a escola e demais espaços, desdobrando em outros assuntos relacionados. (Amanda. Professora do 2º ano. Entrevista)

Amanda vai construindo o seu percurso explicativo com o aluno criando

possibilidades de aprender o conceito de meio ambiente ligado ao seu cotidiano,

de modo integrado a ele. Ao criar em seu ensino teórico/prático a compreensão

entre a família, a escola e o Estado como sentido de espaço geográfico,

sociedade como espaços que interagem na construção e vivência onde o

conceito de meio ambiente aparece, é importante destacar que a representação

de meio ambiente que revela tem a ver com a concepção de Reigota (1998)

“revela um lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais

estão em relações dinâmicas em interação e implicam em processos de criação

cultural, tecnológica, histórica e social”.

Amanda tem uma visão integrada de meio ambiente, ao entendê-lo como

envolvendo o aluno, a escola, o Estado a região. Em seu saber pedagógico do

conteúdo também existe a crença de que a escola é uma extensão da casa do

aluno. Essa crença permeia o modo como trabalha o conceito, a sala de aula

como um espaço de onde parte e vai expandido para a escola e demais espaços,

desdobrando em outros assuntos relacionados, até chegar à relação com o

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estado, referindo-se às características climáticas do lugar e à necessidade de

cuidar do ambiente, das matas e das plantas, para não aumentar ainda mais a

temperatura do lugar. O saber pedagógico do conteúdo expresso pela

professora indica compreensão da integração do homem consigo mesmo e com

os outros elementos bióticos e abióticos do meio. Ela manifesta clareza de sua

compreensão holística do ambiente, ao dizer o meio ambiente nele envolve-se

tudo. O meio ambiente envolve os animais, envolve o ser humano em si, envolve

a natureza de um modo geral.

O professor precisa fazer representações de amplo espectro que possam

auxiliar no entendimento dos alunos, tais como, atividades, questões, exemplos

e analogias (McDIARMID et al, 1989, p.194)

Outro conceito que comparece no contexto do ensino de ciências em aula,

que trago para o corpo desta análise é o conceito de “projeção da luz”. Michele

assim se expressa ao contar como trabalha este conteúdo vinculado ao conceito

“energia” na sala de aula:

Em ciências, teve uma coisa que chamou muito a atenção das crianças, foi quando eu estava dando projeção da luz. Como é que projetava a luz? Nós fizemos uma experiência na sala de aula. Eu levei uma lanterna, uma caixa, fiz um furo na caixa e mostrei que a luz se projetava em linha reta. De forma alguma ela mudava. Mas é preciso dois furos na caixa, um na frente e outro atrás. Quando eu projetei a luz, ela foi reta. Em seguida, fiz um furo ao lado, a luz não ultrapassou a caixa. Não foi para a parede, por quê? Porque a luz só se propaga em linha reta. E isso eles acharam muito interessante, gostaram muito! (Michele.

3º ano. Entrevista)

Sobre isso, Amanda se manifestou nos seguintes termos:

Como é que as crianças precisam entender a questão da energia? É pelo experimento. Vou trabalhar com eles como é que a luz se propaga. Como é que a gente vai fazer? pegar uma caixa de sapato, uma almofada, aí fazemos furos na caixa para a criança ver os focos de luz (Amanda. Professora do 3º ano. Entrevista).

No caso do professor dos anos iniciais, que é um professor de formação

geral, ele precisa saber fazer a transformação do conteúdo específico de uma

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determinada área do conhecimento das ciências naturais, por exemplo, para o

nível em que o aluno se encontra.

Neste sentido, concordo com Gonçalves e Gonçalves (2003), quando

dizem que o professor dos anos iniciais não apresentará o conteúdo como um

professor que tenha formação específica em ciências apresentaria, mas elas têm

consciência sobre a noção que precisam ter compreensão do saber específico

para ensinar, embora pareçam se ater a um aspecto físico, como a propriedade

de propagação da luz, espera-se, nessa fase, um tratamento integrado do

conhecimento, de modo a criar condições de os estudantes formarem ideias

transdisciplinares. As múltiplas relações podem passar pela energia dos

alimentos para a vida, das águas, do vento, sua necessidade para realização de

trabalho, de estudo, de atividade física, etc.

Contudo, para o professor chegar ao nível do saber pedagógico do

conteúdo é preciso, como dizem Shulman, Grossman e Wilson (1989, p. 32):

A habilidade para transformar o conhecimento da Matéria requer algo mais do que conhecimento substantivo e sintático de uma disciplina; requer ao mesmo tempo conhecimento dos alunos e da aprendizagem, do currículo e do contexto, dos fins e objetivos, de pedagogia. Também requer um conhecimento do conteúdo especificamente pedagógico. A partir destes diferentes tipos de conhecimento e capacidades dos professores transformam seu conhecimento da matéria em representações instrutivas.

Um processo que se fez de leituras e releituras sobre as histórias

contadas e o que diz a literatura, é um processo que permite uma multiplicidade

de interpretações. Neste caminhar, fui percebendo que os saberes científicos e

pedagógicos do conteúdo são manifestos concomitantemente e tomam o saber

da experiência como campo de construção que emerge das práticas docentes,

mais especificamente, nas práticas pedagógicas.

Construindo sínteses...

Nesta seção apresento uma compreensão de sentidos em termos de

saberes docentes. Com base no que vejo, sinto, ouço, e leio por entre as

histórias contadas pelas professoras participantes da pesquisa, vejo o eixo

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analiso em termos de saberes docentes o que as professoras manifestam

quando falam de si e do ensino de ciências que realizam. Penso que o saber da

experiência é entre os saberes docentes que constroem o que mais se apresenta

em suas práticas. Outro saber que elas deixam perceber por meio dos relatos é

o saber estratégico, que diz respeito a capacidade de criar estratégias para

favorecer o ensino de modo que o aluno se envolva no processo e queira

aprender. O saber pedagógico do conteúdo e o saber específico do conteúdo

também comparecem em seus relatos sobre o ensino de ciências em cada uma

das aulas, aqui apresentadas, mas não num nível de aprofundamento desejado,

pois as professoras tiveram fragilidades em relação ao conhecimento científico

em sua formação inicial.

No entanto é importante destacar que elas não se limitam à aprendizagem

da docência apenas no âmbito da formação inicial, considero que as professoras

se manifestam como contínuas construtoras de saberes, justamente pelo esforço

contínuo que fazem de na prática e por meio da prática com a teoria que buscam

em cursos, estudando em sua autoformação, superar as lacunas quanto ao

ensino de ciências.

Construindo sínteses...

Nesta seção apresento minha compreensão sobre o que as professoras

expressam em termos se saberes sobre o ensino de ciências. Faço esta

significação a partir dos sentidos que elas expressam ao falarem de si, de sua

relação com os alunos, de suas aulas, dentro do movimento que fazem para que

as crianças compreendam conteúdos como: corpo humano, energia e meio

ambiente.

Por entre as histórias contadas pelas professoras nas linhas e entre linhas

dos episódios que relatam em forma de causos, de situações em que vão dando

sentido para o ensino de ciências e a compreensão dos estudantes para esta

aproximação com a ciência, percebo que elas constroem saberes.

Encontro situações ricas de interpretação que julgo não dar conta de

explorar na medida em que gostaria, mas a leitura que faço e que significo em

termos de saberes é carregada das minhas crenças, meus valores, meu modo

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de enxergar o mundo, mediada pela literatura fértil em cujas lentes emprestadas

pelos teóricos que dialogam comigo neste eixo temático, me permitem enxergar

saberes que elas criam em situações singulares de alunos também singulares

nas práticas pedagógicas que realizam.

Entre estes saberes elas manifestam a construção do saber da

experiência, o saber estratégico, o saber específico do conteúdo e o saber

pedagógico do conteúdo no ensino de ciências. Nestes últimos, percebo maiores

fragilidades devido às limitações da formação inicial em relação aos conceitos

que não foram trabalhados sobre o ensino de ciências.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

...qualquer que haja escrito uma narração sabe que ela, como a vida,

é um desdobramento contínuo[…] há muito o que fazer na tarefa

de transmitir a ideia que uma narração está sempre inacabada, de que as histórias

serão re-contadas uma e outra vez. E de que as vidas serão revividas de formas novas

Connelly e Clandinin

Quando ouço, leio, sinto o que as professoras expressam em termos de

sentidos sobre o ensino de Ciências por entre suas histórias, suas experiências

nos anos escolares iniciais, suas manifestações ajudam-me a pensar o que

ainda não sei pensar, suas leituras ajudam-me a formar ou a transformar meu

próprio pensamento, a pensar por mim mesma com minhas próprias ideias, no

esforço de encontrar o que é meu a partir do que os outros que construíram este

trabalho comigo me oferecem.

Esta história do ensino de ciências poderia ser contada de muitos outros

modos, como dizem Connelly e Clandinin qualquer que haja escrito uma

narração sabe que ela, como a vida, é um desdobramento contínuo, contudo,

sabendo da beleza que é a multiplicidades de sentidos que um texto narrativo

possa oferecer, aqui vou apresentando como me sinto e o que compreendo

deste processo de investigação sobre sentidos do ensino de ciências

Minhas impressões e compreensões do percurso desenvolvido em

termos de significações

A relação que percebo entre a experiência como matéria prima desta

análise, como expediente formativo e como a articulação experiência e formação

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ou transformação me afeta neste trabalho, auxilia-me a pensar de modo novo a

minha própria prática quanto ao ensino de ciências.

Considerando que sou professora tanto no ensino superior como em anos

escolares iniciais na rede estadual de ensino no município de Itacoatiara minha

terra natal, local onde me encontro domiciliada, me permite dizer que com esta

pesquisa, a pesquisadora e a professora que existem em mim, se transformam

com este trabalho, não sou mais a mesma depois desse processo.

Aprendi estudando com os teóricos que dialogam comigo neste trabalho,

com as professoras, com as situações analisadas, que os sentidos nos servem

como termômetros que nos dizem o quanto a vida pessoal e profissional em

articulação com a formação de nós mesmos como pessoa e profissional vale a

pensa ou não.

Os estudos sobre a experiência com iniciei esta pesquisa me valeram de

um lado para saber trabalhar com a pesquisa narrativa e por meio dela me tornar

mais humana e cuidadosa com o meu trabalho, com meus colegas, com o ensino

de um modo geral, com o ensino de ciências em particular e a formação voltada

para o ensino de ciências. E isto me faz perguntar muitas vezes, como chegar a

ser o que se é.

Compreendi com os estudos sobre a experiência que “sabemos muitas

coisas, mas se não mudamos com o que sabemos”17 não houve experiência.

Quando sei de algo que o fato de saber não me modifica, não me afeta, então

este saber, ou a relação que tenho com este conhecimento não é experiência

posto que não resulta na formação ou na trans-formação do que sou.

Mostrar uma experiência é mostrar uma inquietude, e a experiência

marcada nesta pesquisa me inquietou a compreender que sentidos são

expressos por professoras dos anos escolares iniciais, ao falar de si e do ensino

de Ciências que realizam?

Aqui falo como escutei, como senti, como me emocionei com o ensino de

ciências narrado por seis professoras dos anos escolares iniciais em escolas

públicas de Boa Vista. Falo da experiência de pesquisa que faço nesta

formação/educação em ciências como alguém que se abre ao que o outro tem a

dizer e como me inquieto com o que ouço, vejo, sinto por entre suas histórias.

17 Larrosa (2011, p.13)

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Entre os sentidos expressos, vejo o ensino de Ciências como fazendo

uma travessia que horas tem um misto de dois tipos de saberes qual seja, o

saber transmissão (ensino como produto) e o saber experiência (ensino como

processo) Os estudos sobre a experiência me fizeram criar essa interpretação

do ensino de ciências.

Quando as professoras falam de suas aulas de ciências que trabalham o

conteúdo de ciências fechado nele mesmo, em cujo processo cognitivo apenas

a cópia e a memorização estão presentes, nesse momento vai sendo manifesto

um saber transmissão. Que nós conhecemos como dentro de uma tendência

pedagógica tradicional, tecnicista. Como é expresso nos relatos o modo com

Instituto Alfa e Beto direciona o sistema municipal de ensino de Boa Vista.

Mas quando as professoras constroem o conhecimento neste ensino de

ciências, problematizando a partir da experiência dos alunos de acordo com o

nível em que se encontram, levando em conta o conhecimento que trazem, sua

cultura, seus extrapolamentos em outros níveis da vida, aí vai se manifestando

no ensino de ciências um saber experiência que forma e transforma.

Como dizem os estudos que tratam sobre a experiência, não é que o

professor vai colocar o seu saber contra o saber do aluno, mas colocar uma

experiência junto da outra experiência tal como o esquecimento da professora

com o esquecimento do aluno, no caso das “cocadas esquecidas” pela

professora.

Manter a inquietação do aluno pela aula, pelo que aprende, fazer das

dificuldades do aluno narrada por ele próprio para saber o que lhe incomoda que

lhe impede de participar da aula, vai transformando o que seria ´um problema de

sala de aula em problema de pesquisa em conjunta pela professora e o aluno na

busca de soluções conjuntas.

Este é um processo de ensinar ciências em que as experiências do aluno

tomam parte neste ensino desde o que já conhecem como as explorações que

podem ser feitas em sala de aula ou fora dela para o aprendizado de ciências.

Na rede estadual de ensino o ensino de Ciências se expressa nos relatos

das professoras de modo muito mais livre com uma margem muito maior de

autonomia, que permite às professoras um saber experiência.

Um outro sentido identificado por entre as histórias das professoras foi a

transformação dos limites em possibilidades, que eu chamo de protagonismo

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docente. Nesta esteira as professoras que trabalham na rede estadual e também

na rede municipal expressam a resistência quanto à coordenação pedagógica

fiscalizadora, a avaliação imposta pelos modelos do Instituto Alfa e Beto presente

no Sistema Municipal de Ensino e às formas de coerção do trabalho docente,

deste a falta de autonomia para desenvolver o planejamento e a aula dos

estudantes da rede municipal.

Em contrapartida o ensino de ciências encontra sentido segundo o que as

professoras expressam quando:

têm um sentido de continuidade, para ir aprofundando nos anos

escolares subsequentes o ensino de ciências;

criam saberes pertinentes aos desafios da prática docente;

quando respeita o nível dos alunos e não precisam avançar para

outro conteúdo sem que o aluno tenha aprendido;

quando é respeitado o conhecimento prévio;

tem sentido o ensino de ciências com afetividade;

quando a avaliação do ensino de ciências é entendida como

sentido pedagógico e melhoria da aprendizagem e do ensino e não

como quantificação, classificação excludente;

Quanto ao contexto do ensino de ciências perceb-se que existe um

enfrentamento a situações de autonomia subtraída e ao mesmo tempo um

protagonismo docente por parte das professoras que se manifesta pela

resistência e o enfrentamento das situações adversas superação do que lhes

constrange no ambiente de trabalho cerceador.

Limites da formação expressas pelas professoras quanto ao ensino

de Ciências

Quanto a formação inicial das professoras sobre o ensino de ciências, ao

ouvir seus relatos ficaram evidenciadas muitas lacunas quanto a teoria e a

prática seja para quem teve sua experiência inicial no magistério como para

quem teve sua experiência inicial no Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia.

A formação inicial se apresenta muito fragilizada quanto ao conhecimento

específico do conteúdo do ensino de Ciências. Contudo, o esforço que as

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professoras fazem para vencer as limitações da formação inicial são

importantíssimas para o ensino que fazem com as crianças dos anos escolares

iniciais.

Neste processo de escuta também foi possível perceber como significam

elementos de sua prática que dão sentido para o ensino de ciências nos anos

iniciais do Ensino Fundamental: apontadas pelas professoras: o conteúdo corpo

humano ainda é compreendido com uma visão mecanicista de ciências. Mas a

sequenciação do conteúdo demonstra um saber pedagógico do conteúdo que é

resultado do saber da experiência do professor. Pois eles se formam em relação

de complementaridade.

A ideia fragmentada do corpo humano, que até hoje perdura nas escolas,

é reflexo de um longo movimento, em cuja trajetória os avanços da ciência foram

sendo paulatinamente construídos e com muita dificuldade de se fazer entendido

em uma visão integradora. Somente no século XX, com o desenvolvimento da

bioquímica, passaram a quebrar com a visão mecanicista, que ainda não chega

nas escolas, nos livros como um todo, porque daí decorre um processo de

rupturas paradigmáticas.

O conteúdo meio ambiente, na rede estadual inclui o contexto amazônico

no ensino de ciências, e o ambiente é compreendido incluindo o homem. No

entanto, na rede municipal este é um conteúdo que não comparece nas aulas de

ciências, a não ser que este conste no livro didático.

Em relação ao ensino de ciências há a necessidade uma visão

transdisciplinar nessa fase de escolaridade, buscando a discussão do fenômeno

como um todo, a fim de que a teia de relações que compreende a vida, o ser

humano, a vida em sociedade seja explorada com o aluno ao estudar um

conteúdo de ciências.

Diante dos exemplos e de causos relatados pelas professoras signifco em

termos de saberes docentes o saber da experiência, o saber estratégico e o

saber do conteúdo específico e do conteúdo pedagógico comparecem com

maiores limitações em virtude das lacunas deixadas na formação inicial. No

entanto, as professoras revelam sua autonomia ao buscar o saber do que

sentem dificuldades no ensino de ciências.

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Princípios de Auto-formação expressos por professoras ao falarem

de si e do ensino de ciências que realizam

Um ponto importante que considero em termos tanto reais que já

acontecem na realidade das histórias de vida e formação estudadas nesta

investigação diz respeito a princípios autoformativos adotados pelas professoras

participantes da pesquisa.

i) O compromisso com a profissão docente

O primeiro princípio que significo tomando como base suas experiências

docentes é o compromisso com a profissão docente que elas expressam pelo

modo como enfrentam as dificuldades e vão em busca de amenizar as lacunas

da formação inicial. É importante ressaltar que uma formação por melhor que

seja sempre vai deixar lacunas porque o próprio ser humano está em contínuo

crescimento o que requer uma busca constante de aperfeiçoamento e de

formação. E isto as professoras deixaram evidenciar por meio da maneira com

que resolvem as limitações encontradas na prática docente.

Responsabilidade com o ensino

Outro princípio autoformativo é a responsabilidade com o ensino. Durante os

diversos episódios que foram narrados nesta pesquisa, as professoras

manifestam um zelo com o ensino de ciências. Mesmo quando o ensino é

conteudista, centrado no modelo ensino como produto, que dá somente centrado

no conteúdo, mesmo assim as professoras revelam a responsabilidade com o o

ensino do estudante e para isso estão sempre buscando alternativas para

melhorar a prática.

A realização Pessoal- gosto pelo que fazem

A realização pessoal, ou entendido como o gosto pelo que fazem também é um

princípio que considero importante na auto-formação. O conhecimento de si, de

suas limitações anima as professoras a buscarem atualizações constantes, a

estrem em busca de melhoria pessoal e profissional.

Protagonismo Docente

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Considero que o protagonismo docente é um princípio que s professoras tomam

como elemento formativo e desencadeador de mudanças em sua prática. A não

aceitação das condições castradoras que as professoras enfrentam seja quando

isto se reflita na relação com os pais dos alunos, que elas querem contar com a

parceria na escola, seja quando querem assegurar seu modo de trabalhar sendo

respeitada sua subjetividade, no modo de planejar, avaliar o ensino de ciências,

bem como na maneira como só desenvolvem as aulas, as professoras tomam

como princípio o protagonismo docente em suas ações.

A dialogicidade entre saberes

Este princípio auto-formativo é percebido nas expressões das professoras no

esforço que fazem em adaptar os cursos desenvolvidos em outras áreas do

saber como é o caso da professora Regina que fez uma especialização em

Geografia e adapta metodologias ao ensino de ciências, a utilização das teorias

da aprendizagem voltadas para o melhoria do aprendizado da criança no ensino

de ciências é um empenho importante de ser considerado.

Sentidos que dão base para os princípios autoformativo das

professoras

Vejo três sentidos que dão base para a autoformação das professoras: o

sentido transformador, o sentido existencial, o sentido do inacabamento

presentes em suas posturas expressos ao ensinar ciências.

Enxergo estas seis professoras como mulheres reais em contexto real de

ensino que reconhecem seus limites, suas fragilidades, mas, mesmo assim

continuam acreditando no que fazem e não desistem da luta pela condição de

trabalho melhor para elas e seus alunos. Esse sentido transformador é

constituidor de sua auto-formação.

O sentido existencial também é tomado como balizador de suas ações,

reflexões, e considero que a relação da vida com a formação e a profissão é que

permite a construção contínua de saberes. Digo isto porque o trâmite entre o

sentido de ensinar também está vinculado ao sentido do existir, daquilo que

constitui cada uma na sua pessoalidade e reflete no modo como ensinam.

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O outro sentido que dá base para a autofomação é o sentimento de

inacabamento que expressam na maneira como buscam a prender, o que não

sabem, quando pesquisam na Internet, em sites, blogs, textos, filmes, aulas,

experimentos de ciências, a fim de criar aulas mais interessantes e atraentes aos

alunos.

Os limites da pesquisa e o que ela instiga a continuar pesquisando

Um pesquisa quando chega ao final instiga no pesquisador duas

questões: uma é o que eu aprendi com esta, pesquisa, que lição eu tiro do que

foi desenvolvido? A outra é o que eu não consegui desenvolver e que me

insquieta a continuar pesquisando?

A primeira resposta digo da seguinte forma:

Esta pesquisa me deixa como lição principal que os sentidos e

siginificados sobre o ensino de ciências me mostraram muito do que eu posso

fazer para melhorar e criar abrindo novas possibilidades sobre o ensino de

ciências.

Como? O ensino que fazemos, ou que não fazemos porque

desconhecemos, por que não tivemos uma boa formação precisa ser renovado,

reinventado e os saberes são criados por nós a cada momento que a prática

docente, a sala de aula nos desafia com situações que exigem enfrentamento e

busca na solução de problemas.

Outra lição que eu aprendi com esta pesquisa, que a maneira de

pesquisar saberes é aquela em que as professoras possam dizer mais de si,

como estava previsto por meio de um grupo focal e que não consegui realizar

por contas das consecutivas greves e viagens das professoras á sua terra natal.

Atualmente me sinto desafiada a tomar outras posturas frente ao estágio

que é a disciplina que trabalho em minha universidade. O que eu faço com isso

que essa pesquisa me permite fazer, que lição ela me oportuniza? é aquela em

que eu possa levar a minha turma de estágio supervisionado a entrar em contato

coma escola o mais cedo possível no início da formação docente, e oportunizar

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a formação de grupos de estudos entre professores e licenciandos alunos para

refletirmos em conjuntos sobre os saberes docentes.

Desvendar junto com o professor sobre os saberes docentes que possui

foi algo que não consegui fazer por conta das circunstâncias do cenário da

educação em dois anos consecutivos de muita crise política na rede estadual.

Mas é algo que me instiga a continuar buscando, a fim de que não só a a

pesquisadora aprenda com a experiência mas os professores também possam

tirar maior proveito das pesquisa conjugando investigação com formação.

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