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ENTRE A PRÁTICA E A EXPERIENCIA: O LUGAR DA AÇÃO NOS
PROCESSOS TRANSFORMADORES
A partir do reconhecimento da centralidade da noção de pratica no campo educacional,
esse painel coloca em discussão as relações entre a pratica e a experiência formativa em
diferentes contextos problematizando seus sentidos e os seus limites e possibilidades
ligados a eles. Articula três trabalhos de diferentes pesquisadores e instituições do sul
do Brasil. Professores e pesquisadores da área da educação com fortes interlocuções e
repertório no campo da inclusão social, formação de licenciandos e bacharéis na
educação superior. Serão apresentados e discutidos tres trabalhos oriundos de pesquisas
já desenvolvidas. O primeiros deles versa sobre a formação de licenciados no âmbito do
PIBID e o valor do conceito de experiência em John Dewey e Walter Benjamin para
pensa lo como pratica formativa. O segundo versa sobre a possível transformação da
prática em experiência na formação de trabalhadores sociais em serviço. E o terceiro
discute as práticas de ensino e o valor da experiência na formação de pedagogos. De
modo geral as abordagens partilham a compreensão de que a prática por si só não
garante a experiência em serviço.
Palavras-chave: Prática. Formação. Experiência.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1660ISSN 2177-336X
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EDUCADORES NO CAMPO SOCIAL: UMA PRÁTICA QUE SE CONSTRÓI
PELA EXPERIÊNCIA DE (TRANS)FORMAÇÃO?
Dinora Tereza Zucchetti
Universidade Feevale
Eliana Perez Gonçalves de Moura
Universidade Feevale
RESUMO:
Este trabalho pretende contribuir para o debate dessa mesa coordenada propondo uma
discussão sobre a possibilidade da transformação da prática em experiência no campo
da (trans)formação de trabalhadores sociais. Tendo como locus de analise práticas de
educação não escolar parte-se da identificação da produção "artesanal" de um
conhecimento suficiente, consistente e adequado que, ao permitir aos educadores
superar os desafios impostos pela prática por meio de arranjos locais e situacionais,
mais do que uma formação em serviço, configura a efetiva experiência de
(trans)formação de si e do coletivo dos trabalhadores.
PALAVRAS-CHAVE: Prática; formação; experiência; trabalhadores sociais
INTRODUÇÃO
Atualmente, a educação não escolar vem sendo um lócus de inserção de
educadores leigos e/ou de estagiários de cursos de Licenciaturas, de educadores sociais
e de professores que têm realizado sua formação acadêmica centrada no processo de
aprendizagem escolar. Em geral, esses profissionais se vêem frente aos desafios de uma
área complexa e contraditória que exige conhecimentos pertinentes e a apropriação de
conceitos que extrapolam ou evidenciam as falhas da formação acadêmica oferecida.
Tal constatação provém da investigação desenvolvida1 em duas instituições
reconhecidas pela tradição no atendimento em projetos socioeducativos, voltados às
populações socialmente mais vulnerabilizadas, especialmente, crianças e jovens. Nesta
atividade constatamos que alguns educadores realizam cursos na área de formação de
professores, no Ensino Superior, especialmente, Pedagogia, sendo que outros sequer
concluíram o Ensino Médio, evidenciando que esses educadores, efetivamente, se
formam mais em serviço.
1 “Formação de Educadores em Práticas Sócio Educativas” (CNPq) ocupou-se em compreender como se
constrói o educador a partir das concepções de jovem, trabalho e educação presentes em sua formação
pedagógica em serviço. O empírico desta pesquisa se debruçou-se sobre a descrição de reuniões de
formação pedagógica de grupos de trabalho em duas instituições de uma cidade de região metropolitana
de Porto Alegre/RS.
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Em um dos projetos investigados - que executa política pública governamental -
a preocupação com a formação acadêmica de educadores sociais parece-nos ser menos
um item de qualificação para o trabalho e mais uma inserção precarizada de alunos em
estágio não curricular. São jovens educadores atuando com jovens socialmente
vulnerabilizados, ambos sem direito ao emprego e aos direitos sociais, sem remuneração
adequada. Na outra instituição investigada – de terceiro setor – a formação acadêmica
fica relativizada em detrimento da experiência profissional. São costureiras,
marceneiros, operadores de micro computador realizando atividades docentes.
No enfrentamento da demanda por qualificação, ambos projetos, têm a formação
em serviço como prática preferencial. No entanto, quando voltamos nosso olhar mais
atento sobre o cotidiano dessas práticas observamos algumas características comuns que
merecem detalhamento. No âmbito do presente trabalho, pretendemos fomentar aqui,
em especial, a reflexão em torno da experiência no campo da (trans)formação de
trabalhadores (educadores) sociais. Para tanto, partimos da concepção de prática
pedagógica como as formas pelas quais os/as educadores/as conduzem suas atividades
(desde a seleção de técnicas e procedimentos de ensino até a forma como se relacionam
com os conteúdos e com os/as educandos/as) as quais expressam o conjunto dos
elementos de referência (saberes e fazeres) que dão sentido e significação às suas ações
e que instituem o seu modo (singular) de ser educador/a. A esse modo singular de ser
educador/a chamamos experiência.
A prática dos/as educadores/as e a produção de demandas por formação.
Ambos os grupos de trabalho são coordenados por pedagogas, contam com a
presença das diretoras dos referidos projetos nos grupos de formação e os encontros têm
uma periodicidade mensal. Nas reuniões ditas pedagógicas, de acompanhamento e
avaliação, os educadores expõem suas experiências e têm ressaltada a importância das
trocas entre eles, para o bem do trabalho. Os grupos também se assemelham quanto à
forma dos educadores auto nomearem-se, independente da origem profissional, seja ela
na formação de professores ou não, todos se apresentam como educadores.
Contudo, a forma de referirem-se aos jovens com as quais trabalham difere. São
reconhecidos e nomeados como alunos, aqueles que estão vinculados ao projeto onde a
formação profissional está desenhada na forma de cursos na instituição de terceiro setor,
e são chamados de jovens, os que participam do projeto governamental que se assenta
numa proposta de promoção da cidadania. Neste caso, sem um foco tão marcado na
formação para uma profissão tende-se a operar com um vocabulário que remete menos à
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educação escolar. Sala de aula, conteúdos, cursos são expressões utilizadas pelos
educadores que atuam no terceiro setor.
Nas reuniões, o vínculo dos educadores com os jovens é trabalhado e estimulado
como um recurso para a boa convivência. Dar-se bem com o jovem aparece como um
atributo natural e/ou necessário a ser desenvolvido para que o trabalho flua e para que
os objetivos sejam atingidos. Talvez na base dessa boa convivência esteja, ao menos
discursivamente, uma relação educador/educando pretensamente horizontalizada,
conforme enunciado por J.: “(....) a gente se trata de igual para igual. Eu aprendo com
eles assim como eles aprendem comigo”.
Porém M., ao mesmo tempo em que adere ao discurso positivo do vínculo deixa
subjacente a ideia de que nem sempre se está disponível a essa abertura:
“(...) o que mais influencia o meu trabalho aqui é o vínculo, que aumenta
a cada dia. Eu procuro ser um pouco diferente e não deveria (....) eu
consigo trabalhar através da alegria, do entender, consigo trabalhar
tranquilamente o meu conteúdo. Ter esse vínculo é entrar na sala de aula
e dar um sorriso, dar um bom dia antes de entrar na matéria, mas você
não está sempre sorridente e com essa ideia de estar sempre disposto a
acolher(...)”
Em ambas as experiências investigadas, a formação dos educadores fica restrita
às questões administrativas e à organização sucessiva de eventos – que pouco tem de
continuidade entre si, mas que são trabalhadas como se houvesse interlocução – onde as
trocas em geral se dão pelo relato de experiências/vivências onde, geralmente, o senso
comum naturaliza o fazer pedagógico: o ambiente ensina, o encontro ensina. A pouca
crítica que se faz presente se enuncia no sentido da importância da qualificação: “o
trabalho de forma mais estruturada, mais formalizada, nos remete a uma coisa mais
profissional”, afirma a pedagoga A.
Mas, qual o sentido atribuído aqui, a palavra profissional? Parece-nos que há
dois sentidos: quando as falas remetem à metodologia preferencial na formação do
profissional, sobressaem-se as expressões: palestras, capacitações, oficinas e leituras.
No entanto, a ênfase maior, está no exercício da manualidade - “colocar a mão na
massa” - e não na produção do conhecimento intelectual que reflexiona a prática para a
construção da teoria, numa relação dialógica.
Assim, a “formação” implementada incorpora um sentido ligado ao plano
mecânico, sem nenhuma reflexão, e a intervenção do educador passa pelas imagens de
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suas experiências de trabalho, o que também reproduz a precarização dessas
intervenções.
Nesse sentido, a diretora M. expressa sua preocupação com a “mesmice” das
práticas ao afirmar que: “fica difícil exigir do nosso aluno qualificação se a gente não
se qualifica, se a gente não busca melhoria”. No entanto, parece que a propalada
qualificação não ultrapassa a experiência do doméstico.
Contudo, para os educadores, as estratégias pedagógicas parecem constituir o
eixo estruturante de sua experiência. Temos observado que as estratégias pedagógicas
adotadas são desde atividades que, a primeira vista, engajam e envolvem os jovens
como assembléias (para tratar de algum assunto polêmico, ou de interesse) até as
viagens (de lazer, de novas experiências, etc.). No entanto, é surpreendente o quanto
essas atividades fundamentam-se e fomentam a lógica da produtividade, estabelecendo
metas, atribuindo prazos, numa lógica às avessas ao objetivo proposto.
Também observamos que, de forma explicita, o lugar dos jovens na discussão
dos educadores tem pouco destaque. Pouco se fala deles e quando são citados,
normalmente, é para tratar de algum “caso” no sentido de problema: a evasão da escola,
o desaparecimento do grupo, questões familiares, etc., reduzindo o educador a um mero
escutador, um contador de histórias onde os jovens e seus familiares são sempre
concebidos como sujeitos de falta.
Evidencia-se, nas falas dos educadores, que o jovem é um sujeito rústico,
conforme o comentário de J.: “aí eles começam a se tocar, (...) tem esse negócio dos
apelidos, (...) eles querem incomodar”. Esta compreensão parece contribuir para
produzir o educador como alguém que deve interditar os ímpetos dos jovens em favor
da sua civilidade, numa relação que é, por vezes, autoritária e nem sempre respeitosa.
Configura-se, assim, uma relação repleta de frustração por parte dos educadores porque
os jovens produzem outros sentidos para a experiência de estar participando nos espaços
socioeducativos. Conforme alguns estudos já demonstraram, nos projetos
socioeducativos, o trabalho e/ou a formação para o mundo do trabalho não constituem,
em si, uma centralidade, mas, sim, a própria experiência de estar aí (ZUCCHETTI,
2003).
Cria-se, deste modo, um abismo entre os sentidos da experiência que são
produzidos pelos/as educadores/as e as vivências dos/as jovens nesses mesmos espaços.
O abismo torna-se ainda maior quando constatamos que, no cotidiano, estas práticas se
materializam baseadas num caráter mecânico, desprovido de um necessário
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acompanhamento reflexivo. Isto contribui para intensificar a ideia de que o/a educador/a
do campo social, quando sem formação acadêmica, desenvolve uma prática de segunda
linha. Por outro lado, quando existe a formação acadêmica, geralmente, ela é
descontextualizada da experiência da educação social.
A formação de educadores para as práticas de educação não escolar
Nas duas últimas décadas, as práticas de educação não escolar passaram a atrair
jovens educadores que, recém-saídos das universidades se viram compelidos a trabalhar
no campo social por falta de alternativa mais atraente. Sendo, em geral, atividades de
tempo parcial, muitos educadores acabam considerando uma vantagem trabalharem sob
tais condições posto que conseguem coadunar trabalho com estudos e/ou outras
atividades remuneradas.
Ainda que desenvolvido em condições desfavoráveis - porque sem garantias
legais, às vezes, até na modalidade de estágio voluntário - para esses educadores,
trabalhar no âmbito das práticas de educação não escolar, representa permanecerem
vinculados ao universo de referência para o qual receberam, ou estão recebendo,
formação acadêmica: a educação.
De acordo com Sá (2000), independentemente de a prática educativa ocorrer no
espaço escolar ou não escolar, esta não chega a bom termo sem a ação docente que lhe é
intrínseca. Para o referido autor, a prática educativa refere-se a "uma postura
intencionalizada que possui suas nuances em função das especificidades das naturezas
dos locus de formação humana, porém, a atividade docente é basilar" (SÁ, 2000, p.179).
Contudo, ao inserirem-se nos espaços de educação não escolar, frequentemente,
esses jovens educadores constatam a impossibilidade de aplicação do conhecimento que
receberam em sua formação acadêmica. Muitos ainda tentam utilizar algumas
referências formativas, adaptando-as ao contexto. A posse de um diploma universitário
não parece ser suficiente para subsidiar sua prática educativa, porque, em geral, esses
educadores demandam um conhecimento que consideram imprescindível e que,
segundo eles, não receberam no processo de formação acadêmica de sua profissão
original.
Mais cedo ou mais tarde, esses profissionais acabam concluindo que sua
formação acadêmica não os preparou para uma ação docente no espaço não escolar. É
nesse momento que - geralmente, por meio de estratégias coletivas - os educadores se
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engajam em processos de discussão e reflexão de seu fazer que acabam assumindo
características de uma formação em serviço. No que se refere ao grupo que
investigamos, todos introduziram e incorporaram a sua rotina semanal e/ou mensal
atividades de reuniões de discussão; grupo de estudos; seminários teóricos, etc, para
além das reuniões institucionais mencionadas.
Nesse sentido, podemos supor que a instauração espontânea de práticas desse
tipo que visam criar um espaço coletivo de discussão e troca de experiências em torno
de problemas/dificuldades comum a todos, configura uma explícita vontade de
formação. Uma vontade de formação que enfrenta os obstáculos do ofício com
tenacidade e persistência para construir um saber adequado e compatível as "nuances"
da prática, capaz de subsidiar teórica e metodologicamente seu fazer. Estas estratégias
evidenciam a produção "artesanal" de um conhecimento suficiente, consistente e
adequado às especificidades desse locus: a educação não escolar. A essa produção
"artesanal" de um conhecimento que nasce colado ao fazer, que permite aos educadores
superar os desafios impostos pela prática, por meio de arranjos locais e situacionais, de
mais do que uma formação em serviço, configura a efetiva experiência de
(trans)formação.
Contudo, convém não desconsiderar que esse esforço para produção artesanal de
conhecimento não escapa da cooptação das forças e interesses do capital que se
beneficiam desse fenômeno. Reconhecemos que, por um lado, essas iniciativas são fruto
da paixão criativa e do compromisso desses educadores; mas, por outro, também são
expressões de um processo de maquinação social que, na esteira das atuais tendências
de precarização do trabalho, propositalmente, colocam sobre os próprios educadores a
responsabilidade de suprir suas defasagens formativas. Ou seja, como estes educadores
não encontram respaldo teórico e metodológico para sua prática pedagógica, através dos
conhecimentos tradicionais que estão sendo oferecidos nos cursos de graduação; diante
das peculiaridades das práticas de educação não escolar, ao lançarem mão da formação
em serviço ao mesmo tempo que constroem ações alternativas às dificuldades
encontradas, também operam sobre si uma ação de diferenciar-se, isso é (trans)formar-
se.
Contudo, preocupa-nos supor que essas "iniciativas" fazem parte de um
maquinismo social; um processo social que conduz esses sujeitos inserirem-se em um
campo de trabalho - o terceiro setor tanto quanto o estado - que, sequer, reconhece ou
admite sua condição de trabalhadores precarizados. É muito comum que estes
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educadores dediquem uma grande parte de sua carga horária semanal, além das horas
trabalhadas diretamente nos projetos, aos encontros de discussão e grupos de estudo
com seus pares. Ora, estamos falando de horas de trabalho não remuneradas.
Evidentemente, não desconhecemos que os educadores constroem um
conhecimento sólido que passa a subsidiar suas práticas e balizar seu campo de
problematização e intervenção o que possibilita essa prática vir a transformar-se em
experiência posto que, desse modo, os educadores atribuem sentido àquilo que realizam
porque se trata de um saber construído no coletivo e que possui, portanto, a legitimação
e autorização de outros educadores. Este é um dos pontos positivos do fenômeno, mas,
não podemos perder de vista a outra face que se oculta sob as engrenagens e
mecanismos de funcionamento do capital.
Na criação de estratégias de formação, a experiência pela dimensão do coletivo
O grupo investigado operacionaliza sua formação por meio de diversos recursos
desde os tradicionais grupos de estudo, passando por oficinas, seminários, conferências,
até o uso de técnicas de filmagem de depoimentos e posterior discussão. Todos
constituem ferramentas que privilegiam a dimensão coletiva da prática demonstrando a
intencionalidade do grupo em construir uma forma específica e singular de inserção à
esfera do trabalho; apontando uma oportunidade de ali gestar-se um movimento
semelhante aos protagonizados pelos educadores do Ceará e de São Paulo que se
mobilizaram em torno da proposição do PL 5346/09. Nesse sentido, cabe lembrar que,
em cada período histórico se desenvolveu uma forma de inclusão à esfera do trabalho
por meio de grupos, redes sociais ou espaços de pertencimento, que garantiam o
reconhecimento social do conhecimento e dos serviços a serem prestados por seus
membros. (FRANZOI, 2006, p.30)
Esses movimentos seguem uma trajetória que, geralmente, resultam num
processo de institucionalização fundando uma nova categoria profissional, uma nova
profissão. Entretanto, enquanto isto, imersos na crescente precarização do trabalho que
se instala, os educadores pesquisados buscam formas de atribuir significado social para
sua atividade. Diante das inúmeras e, muitas vezes, devastadoras dificuldades ali
colocadas, em geral, recorrem a velhos modelos explicativos para seus fracassos, os
quais na maioria das vezes é um modelo individualista. O diálogo abaixo demonstra
esta forma de leitura:
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Educador A: - Por exemplo, tem uma formação e tudo e depois chega na
realidade... Que nem, por exemplo, não sei se entra em debate, mas aconteceu
isso na realidade onde eu trabalho, né, as professoras as vezes super formadas
e chega lá e em 2 ou 3 meses tá tomando remédio pros nervos, de não
aguentar por causa da agitação[...]
Educador B - É porque pra trabalhar num lugar desses não basta ter
formação, tem que gostar e querer.
Este vem sendo o modo dominante de significar a prática: personaliza-se,
individualiza-se a experiência coletiva, acreditando que tudo se resume em falta de
“vocação”. No entanto, as contingências que envolvem o trabalho desses educadores
demonstram que um “fracasso” é muito mais do que dificuldade pessoal.
Outro modo é comparar-se sua prática com o trabalho escolar, considerando o
trabalho desenvolvido no campo social muitíssimo mais desafiador (o que é), porque
não possui “prescrições”, porque, simplesmente, nenhuma prescrição consegue
antecipar esse fazer.
Educador C: -Exatamente. Eu já me deparei também com muita gente que
chega lá, acha que é uma coisa, quando se dá conta daquilo ali, não quer
mais, né. É bem diferente de uma escola, que vem o planejamento pronto, tu só
administra as tuas aulas, mas tu ganha né, até o final do ano tudo o quanto tu
vai ter que dar de conteúdo, e lá não, lá tu tem que fazer.
Por outro lado, também emergem nas falas dos educadores aspectos singulares e
complexos da prática.
Educador D: - A realidade presente no local. Que as vezes a pessoa tá de fora
e acha assim ah mas que bonito ali tu trabalhando, mas quando vai pra dentro
da unidade se depara com coisas que, as vezes, não estava preparado... Eu
acho que tem que ter um preparo assim, um convívio mais presente[...] Não sei
se eu teria as palavras certas pra falar, mas no meu ver é assim, né. Mais
experiências assim antes[...].
Com efeito, trata-se de um contexto de trabalho que acolhe uma ampla
diversidade de aspectos o que, por um lado, é positivo. Mas, por outro, essas
vicissitudes são responsáveis por escamotear a precarização do trabalho. Talvez, seja
por conta desse contexto que os educadores, por vezes, desejem sua profissionalização,
conforme demonstra o comentário abaixo:
Educador E: Tem professor de história dando informática, tem professor de
educação física dando dança, então cada um deles tá lá fazendo a sua função,
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mas desempenha outras funções, né, que é a pedagógica. Então, nenhum de
nós tem uma formação exata, né, de educador.
Como forma de aplacar as contingências que advêm da diversidade de áreas de
formação, os educadores se articulam para realizarem sua formação em serviço de
forma coletiva. Conforme excertos abaixo:
Educador F: É, no início ela tinha pensado em criar esse espaço dentro das
próprias oficinas, de pegar a oficina de dança e ter um momento para se
debater assuntos do cotidiano das crianças, só que daí ela viu que isso era
impossível, que não tinha como dá a formação de dança e ainda trabalhar com
as questões voltadas para o social. Então a oficina da [educadora G] veio para
ser um elo de ligação entre todas as oficinas. Então eu acho que, nesse caso
aqui, nos objetivos de formação poderia ser isso também: esse elo que juntasse
todas essa formações que nós temos com um objetivo mais comum, mais
voltado pra prática social.
Nesse movimento, buscam construir pontos de contato entre a diversidade
teórica e técnica que emerge da pluralidade formativa, forjando convergências tácitas a
fim de reunirem-se em torno de uma identidade necessária ao exercício de uma prática
que se forja na precariedade da própria formação.
Educadora H: [...] pensar o nosso trabalho, poder estar num espaço pensando
a forma como a gente tá fazendo a partir do que a gente tem de formação
dentro desse espaço que não exige essa formação, pode ser diversificada,
haver a formação da educação física ou do teatro... Eu acho que é essa
reflexão sim, e aonde que há um ponto em comum aí. [...] esse ponto que
muitas vezes fica meio disperso e que não se sabe, né, um vai por um caminho,
outro vai pelo outro[...] e devem seguir um caminho parecido.
Este percurso pode resultar num esforço criativo e constitutivo do sentido do
trabalho para esses educadores na medida em que se torna o palco para que ocorram os
embates, as confrontações e negociações dos macetes do ofício. Com efeito, se na
dimensão formal existe uma grande diversidade formativa, ela acaba por se constituir
condição necessária para que, na dimensão da “gestão da atividade”, ocorra um uso de
si por si mesmo que parece estar represado num oceano de palavras não autorizadas.
Caberia indagar se seria esta a autorização que os educadores buscam quando
demandam uma suposta formação específica e até mesmo a profissionalização? Talvez
uma sistematização que apontasse e, rapidamente, localizasse pontos em comum
naquilo que efetivam em suas práticas. Ao mesmo tempo, devemos acoplar a esta
indagação, uma importante consideração que se refere a aspectos objetivos de cada
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contexto, porque as experiências são bastante diversas. Por exemplo: uma organização
não governamental impõe uma prática que resulta de políticas públicas de governo e
uma experiência de uma entidade do terceiro setor que define com certa autonomia o
que vai fazer. Ou seja, trata-se de circunstâncias bastante diferentes, nas quais, embora
existam pontos em comum, impõe-se a necessidade de localizar-se claramente onde
estão as convergências. A distância que separa divergências e convergências configura o
espaço de uma prática que se oferece como oportunidade para a experimentação.
REFERÊNCIAS:
COSTA, Marisa C. Vorraber. Trabalho Docente e Profissionalismo. Porto Alegre,
Sulina. 1995.
FRANZOI, Naira Lisboa. Entre a Formação e o Trabalho: trajetórias e
identidadesprofissionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
SÁ, Ricardo Antunes de. Pedagogia: identidade e formação. O trabalho pedagógico nos
processos educativos não-escolares. Educar, Curitiba, N 16, pp. 171-180, 2000.
ZUCCHETTI, Dinora T. Jovens: a educação, o trabalho e o cuidado como éticas de ser
e estar no mundo. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2003.
ZUCCHETTI, Dinora T.; MENESES, Magali M.; MOURA, Eliana. Experiências
Sociais: o que é possível ver de onde estamos? Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 9,
p. 37-46, 2010.
ZUCCHETTI, Dinora T.; MOURA, Eliana. Práticas socioeducativas e formação de
educadores: novos desafios no campo social. Ensaio (Fundação Cesgranrio. Impresso),
v. 18, p. 9-28, 2010 a.
ZUCCHETTI, Dinora T.; MOURA, Eliana. Educação além da escola: acolhida a outros
saberes. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso), v. 40, p. 338, 2010
b.
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12
PENSAR O PIBID (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE
INICIAÇÃO À DOCÊNCIA): DA PRÁTICA À EXPERIÊNCIA
Cleber Gibbon Ratto
Programa de Pós-Graduação em Educação – UNILASALLE
Pesquisador do CNPq. Bolsista de Produtividade
Fabiane Franciscone
Programa de Pós-Graduação em Educação – UNILASALLE
RESUMO
Este trabalho está na fronteira da filosofia da educação com o campo da didática e das
práticas de ensino. São colocadas em discussão as potencialidades do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) como prática de formação que
pode, ou não, caminhar na direção da experiência formativa. Para examinar tais
conceitos e demarcar o problema a ser discutido no painel, são tomadas noções de
experiência a partir de duas tradições distintas, mas confluentes, a saber: o pensamento
pragmatista de John Dewey e a noção crítica de experiência em Walter Benjamin. Com
o exame conceitual se levantam os limites e possibilidades culturais da experiência
formativa na atualidade, às quais o PIBID pode e deve fazer frente, dados seus
objetivos.
PALAVRAS-CHAVE: formação; experiência; prática; PIBID
Este texto se dá ao leitor na forma de um ensaio teórico, decorrente das reflexões
desenvolvidas por nós no âmbito do PIBID. É um estudo que se produz na intersecção
da filosofia da educação com a didática e as práticas de ensino, especialmente no campo
da formação de professores. O desafio de pensar o PIBID entre a prática e a
experiência requer uma breve contextualização situando-o no conjunto das ações que
visam aproximar a Universidade e a Educação Básica, dando sentido à experiência de
formação docente como formação humana, que atinge e ultrapassa o treinamento
técnico.
De modo especial, na circunstância em que o PIBID esteve sob risco de
apagamento, frente aos desafios pelos quais passa o país, este trabalho soma-se aos
esforços de consolidação e reconhecimento do Programa como uma estratégia
fundamental ao enfrentamento da crise das licenciaturas e da própria profissão docente.
Nosso argumento se constrói em torno da ideia de que não basta estar na prática
para formar-se professor. É necessário trabalhar na construção de espaços de prática que
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possibilitem a “experiência”, sob pena da prática se ver esvaziada de sentido, tanto
quanto uma formação meramente teórico-técnica.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, executado
no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
tem por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o
aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de
qualidade da educação básica pública brasileira (BRASIL, DECRETO n. 7.219, 2010).
O PIBID tem por objetivos, basicamente:
I) incentivar a formação de professores para a educação básica, apoiando
os estudantes que optam pela carreira docente e valorizar o magistério, contribuindo
para a elevação da qualidade da escola pública;
II) elevar a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de
professores nos cursos de licenciatura das instituições de educação superior;
III) inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação,
promovendo a integração entre educação superior e educação básica;
IV) proporcionar aos futuros professores participação em
experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e
interdisciplinar e que busquem a superação de problemas identificados no processo de
ensino-aprendizagem, levando em consideração o desempenho da escola em
avaliações nacionais, como Provinha Brasil, Prova Brasil, SAEB, ENEM, entre outras;
V) incentivar escolas públicas de educação básica, tornando-as protagonistas
nos processos formativos dos estudantes das licenciaturas, mobilizando seus
professores como co-formadores dos futuros docentes. (BRASIL, Portaria n. 72/2010)
Antes disso, entretanto, no seu lançamento em 2007, a prioridade de
atendimento eram as áreas de Física, Química, Biologia e Matemática para o ensino
médio, levando em conta a carência de professores nessas áreas. A partir dos resultados
dos resultados positivos, as políticas de valorização do magistério e o crescimento da
demanda, “a partir de 2009, o programa passou a atender a toda a Educação Básica,
incluindo educação de jovens e adultos, indígenas, campo e quilombolas.” (SEB,
CAPES, 2012, p.29)
Em 2009, o programa toma força, com o Decreto 6755/2009, que institui a
Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, com
o objetivo de fomentar e organizar, em regime de colaboração entre a União, os
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Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação dos profissionais do magistério
para as redes públicas da educação básica, tanto inicial como continuada.
Tal perspectiva vem atrelada a um entendimento da área, de que
A formação de professores deve: a) assumir uma forte
componente prática, centrada na aprendizagem dos alunos e no
estudo de casos concretos; b) passar para „dentro‟ da profissão,
isto é, basear-se na aquisição de uma cultura profissional,
concedendo aos professores mais experientes um papel central
na formação dos mais jovens; c) dedicar uma atenção especial
às dimensões pessoais, trabalhando a capacidade de relação e
de comunicação que define o tato pedagógico; d) valorizar o
trabalho em equipe e o exercício coletivo da profissão; e) estar
marcada por um princípio de responsabilidade social,
favorecendo a comunicação pública e a participação dos
professores no espaço público da educação (NÓVOA, 2010,
s/p)
Vale ressaltar que é também nesta década que tomam força os movimentos de
construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para diferentes áreas de formação na
Educação Superior, com notável importância dada às práticas profissionais ao longo da
formação universitária com o propósito de fomentar a indissociabilidade teoria-prática e
o compromisso social da Universidade com as demandas sociais do país.
Entretanto, formar na/pela prática não pode reduzir-se à inserção progressiva dos
estudantes – e dos professores em formação especialmente – no campo de atuação
profissional. É mais do que isso! Trata-se de constituir nas e com as práticas um campo
de efetiva aprendizagem e diálogo, de modo que “estar na prática” implique ser tocado
por ela, implicar-se, ressignificá-la, viver efetivamente uma “experiência”.
Só nesse caso, a prática se torna a base da construção teórica, dando sentido ao
aprofundamento de seus pressupostos. Do mesmo modo, a teoria também se afasta das
metanarrativas generalistas e homogeneizadoras, permitindo uma efetiva imbricação
teoria-prática-vida. “Antes, [a teoria] se constitui em construtos que podem orientar a
compreensão da prática, num processo intermediado por interpretações subjetivas e
culturais, que ressignifiquem a teoria para contextos específicos.” (CUNHA, 2011,
p.100-101)
Mas o que é viver uma experiência? Eis a questão. Numa tentativa de
compreender os saberes da experiência, Larrosa Bondía aponta:
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo
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o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin,
em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza
o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada
vez mais rara.” (LARROSA BONDÍA, 2002, p.21)
Assim, podemos afirmar que prática não garante experiência, apesar de ser uma
condição importante para ela. A experiência requer condições de abertura sensível ao
que está sendo vivido, de modo que nossos esquemas convencionais de compreensão e
sensibilidade sejam abalados e venhamos a nos transformar. Viver uma experiência
implica expor-se ao não-sabido, tolerar a incerteza da experimentação, a boa angústia de
um ensaio, um esboço, um rascunho... e tudo isso não como “obra incompleta ou
defeituosa”, mas como reconhecimento mesmo da processualidade da vida e da
interminável (trans)formação humana.
Na tradição fenomenológica que aqui nos inspira
“[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos
alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando
falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós
a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos
alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer
uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios
pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim
transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso
do tempo. (HEIDEGGER, 1987, p. 143)
A experiência é uma vivência/prática dotada de sentido, e por isso mesmo
(trans)formadora. A vivência por si só é comum, mas a experiência é, para cada um, sua
singular maneira de dar sentido ao que foi vivido, e nisso consiste a produção de
saberes. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se da subjetivação, do
modo de tornar-se alguém-para-si e alguém-para-os-outros.
Diferentemente das pretensões de neutralidade tão dominantes na racionalidade
técnico-científica, os saberes da experiência somente têm sentido no modo como
configuram uma existência, um caráter, uma sensibilidade, ou em última análise, uma
forma singular de estar no mundo, ao mesmo tempo ética (um modo de agir), estética
(um estilo) e política (um modo de estar na cidade).
Com isso, afirmamos que estar na escola (estar na prática) não basta, é preciso
estar na vida (estar na experiência!), para que a vida volte a habitar a escola e se torne
efetivamente espaço/tempo de aprendizagem para todos (professores, alunos,
estagiários, etc.) Estar na vida (estar na experiência!) significa criar um modo próprio
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1674ISSN 2177-336X
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de conectar-se sensivelmente com os acontecimentos e dar sentido ao que acontece
cotidianamente.
É nesta perspectiva que passaremos a discutir, ainda que de modo sumário,
elementos encontrados na noção de experiência em Walter Benjamin e John Dewey, de
modo a provocar um qualificado debate no contexto deste painel.
Ainda que oriundos de tradições distintas, o primeiro ligado à escola crítica do
pensamento alemão e o segundo um pragmatista norte-americano, suas ideias relativas
às condições necessárias para a experiência convergem em elementos que aqui
queremos destacar. A saber: a necessidade de um esforço por continuidade e sentido,
condições de uma experiência efetivamente formadora. Continuidade e sentido
parecem, justamente, antíteses das condições hodiernas. Vivemos num tempo marcado
pela dispersão (SIBILIA, 2012), pela excitação (TÜRCKE, 2010) e pela liquidez
(BAUMAN, 2001).
Notas sobre a experiência em John Dewey
O conceito de experiência é elemento fundante da concepção de educação em
Dewey. Para ele, a própria educação se define como “processo de reconstrução e
reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e
com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras
(DEWEY, 1978, p. 17).
Segundo ele, o que caracteriza uma experiência como “educativa” é justamente
sua capacidade de ampliar as relações estabelecidas entre elementos ambientais, de
modo a desafiar a inteligência prática. Trata-se de um elogio da complexidade como
condição de ampliação das próprias capacidades do pensamento. Assim, para ele, nem
toda experiência seria necessariamente educativa, exceto pelo fato de que ela fez sentido
ao aprendente no contexto de sua existência historicamente concebida. “A crença de que
toda autêntica educação se efetua mediante a experiência não significa que todas as
experiências são verdadeiras ou igualmente educativas. A experiência e a educação não
podem ser diretamente equiparadas uma a outra”. (DEWEY, 1958, p.22)
O que torna autêntica uma experiência, é justamente a possibilidade de ela estar
integrada à totalidade de uma vida, e não isolada como vivência dispersa e
descontextualizada. “Com freqüência, entretanto, a experiência que se tem é incompleta.
Em contraste com tal experiência, temos uma experiência quando o material
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experienciado segue seu curso até sua realização. Então, e só então, ela é integrada e
delimitada, dentro da corrente geral da experiência, de outras experiências”. (DEWEY,
1980, p. 89)
Assim, pode-se pensar que as características da cultura contemporânea são
desfavoráveis à experiência, no sentido que Dewey lhe atribui. Da crítica reiterada ao
idealismo racionalista que nos teria roubado o corpo e a abertura sensível, parece que
migramos para uma sociedade que vive sob a égide da excitação constante. Uma cultura
que opera justamente por “choques”, condição aparentemente necessária para valorar
uma determinada vivência. “Quanto mais excitante, mais vivo me sinto”.
Entretanto, como aponta Türcke (2010), essa parece ser uma maquinaria muito
bem articulada pelo capitalismo contemporâneo no sentido de produzir a urgência pelo
consumo compulsivo, agora não apenas de produtos, mas das sensações que eles [e sua
publicidade] nos prometem entregar. Teríamos sucumbido a um empirismo utilitário e
de mercado?
É nesta direção que a concepção de Dewey acerca da experiência parece reservar
alguma potência para o agenciamento de nossas práticas educativas na atualidade.
Dewey tenta romper com o dualismo entre empirismo e
racionalismo, e rebate este conceito de experiência, que se
refere ao conhecimento acumulado ao longo do tempo. A
experiência não se limita ao ato no presente, mas também
remonta ao que foi aprendido no passado e se reporta ao futuro
para se aprimorar a inteligência quando existe algum problema.
O ser humano sofre a experiência e reage ao mesmo tempo. É
um ser vivo que está em seu ambiente, sente a repercussão,
reage com a lógica e busca conseguir os meios para se adaptar.
O ponto central para Dewey não é o sujeito nem o objeto, nem
a natureza ou o espírito, mas as relações entre eles: a
experiência significa integração. As ideias e os fatos não
existem fora da experiência. (SANTOS, 2013, p.5)
Agora passaremos a algumas ilações acerca do pensamento de Walter Benjamin,
sobretudo no recorte que optamos por fazer em torno da sua concepção de experiência
como forma de qualificação da vivência moderna [e contemporânea] do flanêur.
Notas sobre a experiência em Walter Benjamin
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Para Walter Benjamin a noção de experiência também é central, especialmente
no que diz respeito ao exame de seu empobrecimento por força das condições de
modernização e tecnicização da cultura.
Ao longo de sua obra, o filósofo alemão Walter Benjamin deu
origem a uma sofisticada teoria da experiência, dialogando, por
um lado, com a teoria do conhecimento – especialmente a
kantiana – e, por outro, com os problemas da ética e da
verdade. Em seus primeiros escritos, considerou a experiência
como um saber mascarado, opressor. Em seguida, após seus
estudos da Crítica da razão pura, entendeu que o conceito
kantiano de experiência era insuficiente para estruturar as
diversas qualidades de experiência. Na década de 30, tempo de
suas obras mais famosas, Benjamin concebeu ainda a
experiência como o conhecimento tradicional, passado de
geração em geração, e que vinha definhando com a
modernidade. Por fim, em 1943, em um ensaio sobre
Baudelaire, Walter Benjamin trouxe a experiência mais ao
campo da sensibilidade... (LIMA e BAPTISTA, 2013, p.451)
Tomaremos de modo mais preciso a noção de experiência derivada do ensaio
sobre Charles Baudelaire, onde Benjamin situa o problema da experiência ante as
circunstâncias culturais da modernização. Ele vê em Baudelaire a expressão mais cara
dessa tensão entre a perda da “aura” da arte pelo advento da modernidade e a
necessidade de construir uma nova lírica, que nos garanta o valor de uma experiência
cultural frente à decadência técnico-científica da modernidade. Referindo-se a
Baudelaire ele diz, claramente, “ele determinou o preço que é preciso pagar para
adquirir a sensação do moderno: a desintegração da aura na vivência do choque”
(Benjamin, 1994, p. 145).
Para Benjamin, os “choques” são a característica mais marcante da
modernidade, que expõe o indivíduo a uma sucessão infindável de vivências excitantes
sob a promessa da “novidade”. Segundo ele, “quanto maior é a participação do fator do
choque em cada uma das impressões, tanto mais constante deve ser a presença do
consciente no interesse em proteger contra os estímulos; quanto maior for o êxito com
que ele operar, tanto menos essas impressões serão incorporadas à experiência, e tanto
mais corresponderão ao conceito de vivência” (Benjamin, 1994, p. 111)
Numa cultura de choques, onde só restaria ao homem marchar pela cidade
moderna em meio a vivências dispersas e excitantes, sem compromisso com a tradição,
as vivências e não as experiências seriam predominantes. Trata-se do modelo de um
“homem [excessivamente] consciente”, que na tentativa de proteger-se da violência de
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tamanha excitação [pelas constantes novidades], acaba desprovido de força para a
atividade narrativa que requer, antes de tudo, imaginação e memória.
Daí deriva, no pensamento de Benjamin, o diagnóstico de uma miséria da
experiência na modernidade, contrastante com um excesso de vivências sensoriais
traumáticas, das quais precisaríamos nos defender hipertrofiando a consciência e, em
consequência, vendo empobrecida a produção de sentidos. Sua descrição do mundo
moderno implica o reconhecimento de um excesso de vivências despidas de “aura”
(insignificantes, portanto) obturando os canais da experiência e da narrativa.
Entretanto, Benjamin vê justo em Baudelaire uma potência de enfrentamento das
condições hodiernas. “Dito de outro modo: a ética que Benjamin encontra em
Baudelaire (uma ética para a modernidade) consiste na coragem de assumir a „queda da
auréola‟ do poeta e criar, a partir do material que há disponível, uma poesia que esteja a
altura de ser chamada de lírica”. (LIMA e BAPTISTA, 2013, p.480)
Isso envolve uma aposta num novo lirismo (uma nova ética e uma nova
estética), um modo de enfrentamento das condições traumáticas do contemporâneo, de
modo a garantir alguma possibilidade de sentido e transmissão cultural: alguma razão
para continuar vivendo, mesmo que perdidas as ancoragens da tradição.
Nesse sentido, a imagem do flanêur, estudada por Benjamin, emerge como
possibilidade de uma outra relação com a cidade moderna repleta de armadilhas, e quiçá
nos inspire a uma outra forma de relação com a cidade contemporânea.
Ao errar entre as galerias e bulevares, ao passear pelos
mercados, o flanêur é o ser que vê o mundo de uma maneira
particular, sem a pretensão de explicar, mas com a intenção de
mostrar, levando a vida para cada lugar que vê. Sua paixão é a
exterioridade, na rua encontra o seu refúgio, desvincula-se da
esfera privada, buscando sua identificação com a sociedade na
qual convive. Ocorre, porém, que essa identificação resulta em
grande parte complicada pela natureza complexa da sociedade
moderna. Nas ruas das metrópoles, o flanêur constata que o
homem moderno é vitimado pelas agressões das mercadorias e
anulado pela multidão, estando condenado a vagar pela cidade
como um embriagado em estado de abandono. É essa angústia
que o flanêur representou no século XIX. (MASSAGLI,
2008, p.56)
Uma possibilidade e um risco, simultaneamente. O flanêur vive na tensão entre a
vivência excitante da multidão e a necessidade de fazer de seu “flanar” uma experiência
significativa, digna de ser enunciada.
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Essa é a psicologia do flanêur, que encontra seu
correspondente, hoje, em uma forma de percepção representada
pela experiência pós-moderna do indivíduo que, seja no
shopping, seja encapsulado em seu carro, ou defronte a uma
tela de TV ou computador, depara-se com a velocidade e a
fragmentação dos fenômenos num nível que Margareth Morse
em seu artigo Ontology of Distraction, chama de semificção,
semelhante à „experiência da multidão‟, que o flanêur urbano
vivenciava nas ruas, avenidas, nas passagens, nos palácios de
cristal de fins do séc. XIX e início do séc. XX. (MASSAGLI,
2008, p.64)
Notemos que aqui, a essa altura da exploração das ideias de Benjamin, nos
encontramos com um elemento comum à preocupação já apontada em Dewey: as
condições de sentido e continuidade.
A experiência formadora, pensada por esses autores no âmago da Modernidade e
já na passagem ao que poderíamos chamar de cultura contemporânea, não será garantida
pela vontade sedentária de um ideal racionalista, nem pelo simples vagar de um
empirismo utilitário. A possibilidade de uma experiência autêntica, como Dewey
pretendia, parece depender de condições de possiblidade que talvez nos caiba favorecer,
como educadores e formadores de outros professores. Nem se fixar na imobilidade de
um racionalismo desencarnado, nem se jogar, apenas, no turbilhão do
“sensacionalismo” (líquido, disperso e demasiadamente excitante) da
contemporaneidade.
Palavras finais
Talvez muito do nosso trabalho, nessa condição de artífices de uma passagem da
prática (vivência) à experiência, se dê exatamente na experimentação de uma
temperança, de uma boa medida, que não nos aliene o corpo vivo dos encontros, mas
que também não nos prive do exercício rigoroso do pensamento.
A inserção cotidiana dos estudantes na paisagem de vida e trabalho dos
professores, por meio do PIBID, parece constituir, efetivamente, uma rica oportunidade
de “flanar” pelas escolas, experimentando seus tempos, espaços e encontros. Entretanto,
a conquista da experiência não é automática ou espontânea. Trata-se da produção de
uma ética e uma estética própria, capaz de extrair da vivência seu potencial
(trans)formador.
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Para isso precisamos, certamente, fazer algum esforço na contramão da
desenfreada aceleração e competitividade dos nossos dias, que nos dessensibilizam e
embrutecem, inclusive na educação.
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou
nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é
quase impossível nos tempos que correm: requer parar para
pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para
sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender
a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (LARROSA
BONDÍA, 2002, p.24)
É nesta perspectiva que queremos trazer ao debate e reiterar o sentido e o valor
da experiência como condição dos processos (trans)formadores no contemporâneo,
também no âmbito do PIBID. Provocando-nos a pensar no valor das práticas como
possibilidade de formação, mas mais do que isso, no valor existencial da experiência, da
abertura sensível ao outro, ao desconhecido, ao insólito, e também à palavra partilhada
que apazigua, organiza, dá sentido à vivência e permite a narrativa de nossas vidas.
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TÜRCKE, Christoph. A sociedade excitada: filosofia da sensação. Campinas, SP:
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1681ISSN 2177-336X
23
FORMAÇÃO INICIAL DOS JOVENS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA: UMA
REFLEXÃO A PARTIR DO CONCEITO DE EXPERIÊNCIA
Miriam Pires Corrêa de Lacerda, PUCRS.
Andréia Mendes dos Santos, PUCRS
Resumo
O artigo se ancora em pesquisa realizada em um Curso de Pedagogia, no interior do
estado do Rio Grande do Sul, cujo objetivo foi investigar a contribuição das atividades
de prática de ensino para a formação dos jovens estudantes. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, exploratória, realizada através de questionário e grupo focal, com 38
graduandos. No texto, discute-se a contribuição dessas atividades para a formação
inicial dos estudantes de Pedagogia. Parte-se da emergência de uma nova configuração
cultural na qual o processo de construção de si passa a ser mediado pela coexistência de
distintas instâncias produtoras de valores e referências culturais. Considerando que a
construção da professoralidade não acontece de forma homogênea, mas envolve tempos,
espaços, experiências e investimentos tanto individuais quanto sociais – e que, à
semelhança de um mosaico, comporta arranjos diferenciados –, acreditamos que esta
investigação poderá contribuir para a qualidade dos Cursos de Licenciatura em
Pedagogia em suas múltiplas possibilidades. E, em especial, para a formação inicial de
professores, bem como para a produção de conhecimento sobre essa formação a partir
da escuta aos licenciandos no que diz respeito aos processos de sua inserção
profissional.
Palavras-chaves: experiência, jovens estudantes, práticas de ensino.
A título de iniciação
O presente artigo é um recorte da pesquisa “A Formação Inicial de Jovens
Estudantes de Pedagogia”. Esta permite conhecer, a partir do olhar do estudante, como
os jovens acadêmicosi da Licenciatura em Pedagogia vivenciam as práticas no espaço
escolar, durante o seu percurso formativo, e compreender como tais experiências
atravessam a constituição de si. E representa, também, uma rica oportunidade para
refletir sobre a formação inicial. Nessa lógica, interessa-nos, pensar como os
investimentos diretamente imbricados na forma como vêm a professoralidadeii e as
referências teórico-práticas e metodológicas vivenciadas no curso operam na
constituição de professores para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Tomar como ponto de inflexão a maneira como os jovens vivenciam os
processos formativos requer, preliminarmente, que façamos algumas considerações
acerca das juventudes, uma categoria ainda em processo de construção. A história da
juventude traz as marcas dos modos como ela vem sendo pensada e construída
socialmente. Mais do que em qualquer tempo, a diversidade das experiências e de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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oportunidades, as redes de relacionamento, as práticas sociais dos contextos nos quais
vivem os jovens, entre tantas outras variáveis, “criam as condições de possibilidade, nas
quais se tecem as distintas juventudes que transitam no cenário contemporâneo”
(LACERDA, 2009, p. 60).
Feixa (1999) refere que se operou uma transformação nas discussões que
envolvem a juventude, o que resultou em um deslocamento de antigas problemáticas
para novos enfoques, tendo a identidade, a vida cotidiana e os atores ganhado destaque.
Essa ideia é também corroborada por Reguillo (2000), ao ressaltar a importância dos
dados socioculturais nas análises que fazemos acerca das juventudes. A autora chama a
atenção de que há de se ter cuidado com descrições dos jovens que desconsideram o
contínuo movimento da vida em sociedade e acabam apresentando julgamentos
descontextualizados, tanto do ponto de vista espacial quanto temporal.
A análise da juventude contemporânea precisa ter simultaneamente presente,
tanto os processos ligados à globalização da cultura quanto os referentes à produção e à
circulação de localidades. Nesse contexto, alinhando-se a Pais (2011, p. 20), é possível
afirmar que as juventudes passam a ser pensadas não apenas como uma categoria social
em si, mas como “fase própria do percurso de vida, um tempo de individualização de
biografia, caracterizado pela incerteza e pela adaptação permanente a condições
contextuais em mutação”.
É interessante observar como processos globais se desdobram em
acontecimentos locais, especialmente no que tange às novas exigências educacionais
decorrentes da “intensificação do capitalismo industrial e das demandas de formação do
trabalhador, o que levou à expansão das Instituições de Educação Superior” (SILVA,
2014, p. 60) e à chegada a esse nível de ensino de um novo contingente de estudantes,
outrora excluídos desse padrão educacional.
O estudo que sedia a discussão deste artigo privilegia a análise qualitativa do
fenômeno da formação, sob o ponto de vista dos estudantes. Após a imersão no campo,
observando-se a especificidade desse grupo de acadêmicos que está inscrito em um
mercado de trabalho que pouco dialoga com a escola (indústria moveleira e têxtil),
entendemos que se fazia interessante conhecer como esses estudantes conciliam as
exigências da licenciatura em Pedagogia com a sua realidade cotidiana de trabalho e de
estudo. Pensando-se na perspectiva do tempo de ocupação desses estudantes (entre
trabalho e graduação), optou-se pela utilização de questionários.
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Escolher a temática das vivências oportunizadas pela imersão dos jovens
estudantes do curso de Pedagogia, no cotidiano escolar e discutir as possibilidades
formativas de futuros docentes para a educação infantil e anos iniciais abre novas
possibilidades no campo educativo. Experiência aqui pensada desde o sentido singular
que cada estudante atribui ao que lhe passa, ao que lhe deixa marcas, no percurso
formativo que vivencia.
Antes de iniciar a discussão sobre o conceito de experiência, esclarecemos a
nossa ideia de formação. Para tanto, pedimos emprestadas as palavras de Larrosa (2002,
p.135) quando sugere pensá-la como algo potencialmente capaz de se insurgir ao
prescrito, ao modelo normativo: “Um devir plural e criativo sem padrão e sem projeto.
Sem uma ideia prescritiva de seu itinerário e sem uma ideia normativa, autoritária e
excludente de seu resultado, disso que os clássicos chamavam humanidade ou chegar a
ser plenamente humano”.
Acerca do conceito de experiência
Gadamer, em Verdade e Método (1997), ao propor a reflexão a respeito da
hermenêutica filosófica articula o seu pensamento com o conceito de experiência,
advertindo para a importância de alargar o entendimento do termo. Isso porque tomá-la
exclusivamente na perspectiva de seus resultados gerou um empobrecimento do
verdadeiro processo da experiência. Pelas mãos desse autor, foi possível apreender o
quanto tal concepção alienou os apelos da historicidade, contribuindo para que as
chamadas Ciências do Espírito também fossem atingidas por tal ponto de vista. Na
oportunidade, o que se constatava era uma glorificação da neutralidade e da
objetividade.
O que Gadamer (1997) nos incita a pensar vai de encontro a essa percepção de
experiência que se funda e se sustenta no experimento. Como distinção importante entre
experiência e experimento, pode-se referir o fato de que a primeira escapa a nossa
possibilidade de planejamento e controle. Sobre esse aspecto, importa destacar que, ao
oportunizar inserções no campo empírico – no chão da escola –, não temos
possibilidade de afirmar com segurança que tais vivências irão se constituir em
experiências para todos os nossos acadêmicos e que, como tal, serão passíveis de operar
transformações.
Em um tempo no qual a ciência se pautava pelos pressupostos da regularidade,
controle e verificabilidade, um dos efeitos dessa concepção para as demais ciências foi a
busca pela objetividade. Acreditou-se que isso seria alcançado. E, nesse sentido, não
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existiria lugar para a historicidade da experiência. No entanto, ao esbarrar na
singularidade de cada um, essa possibilidade de generalização tornou-se muito mais
difícil, visto que o que se armazena da experiência é apenas o seu rastro.
Gadamer (1997) destaca o fato de que, mesmo que vivenciem juntas um mesmo
acontecimento, duas pessoas não têm dele uma mesma experiência. Larrosa (2010, p.3)
corrobora esse entendimento chamando a atenção para a necessidade de limpar a
palavra experiência de todos os matizes empiristas e empiricistas que a tenham
contaminado nos últimos séculos. Isso se a quisermos tomar em sua possibilidade de
formação e transformação da subjetividade.
Quando se considera a experiência na perspectiva de seu resultado, passa-se por
cima do seu verdadeiro processo. “A experiência somente se dá na maneira atual das
observações individuais. Não se pode concebê-la numa generalidade precedente”
(GADAMER, 1997, p. 519). A refutação das falsas universalizações e a destipificação
do típicoiii
é o cerne da experiência na perspectiva referida em Gadamer (1997). Há uma
impossibilidade de fazermos uma experiência que gere universalidades: a verdade da
experiência contém sempre a referência a novas experiências. Ao propor a
reconsideração do conceito de experiência pela via da hermenêutica filosófica, o autor
nos confronta com a finitude de nossas experiências e, desde esse ponto de vista, o que
está em questão é a experiência que a consciência vive.
Dado o escopo deste texto, escolhemos três tópicos para orientar as reflexões sobre as
implicações da experiência na formação dos jovens acadêmicos. São eles: a negatividade da
experiência, o discernimento e a abertura para o outro.
A experiência altera radicalmente a realidade e o saber que, até então, tínhamos
sobre ela. Ao nos transpassar, modifica o olhar que tínhamos sobre um objeto: somos
levados a olhá-lo sob ângulos e matizes até então inexistentes para nós. E isso nos
possibilita saber diferentemente a respeito desse mesmo objeto. Tal interpelação, pelo
estranhamento que provoca, cria as condições de possibilidade para acolhermos novos
jeitos de ser, de fazer, de pensar... Assim, desloca nosso pensamento, faz-nos pensar
sobre o nosso próprio pensar e nos permite mudar o nosso jeito de pensar e de nos
pensarmos. Aqui está uma implicação importante para a formação docente.
Essa prerrogativa da negatividade da experiência que autoriza negar o já sabido
nos permite reconhecer o fato de que o que sabemos tem limites. Por isso, a verdadeira
experiência nos confronta com a nossa finitude. Sob esse aspecto, a experiência pode
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ser pensada como dolorosa. Trata-se agora de reconhecer que existem condições de
possibilidade para que contingências de nossas vidas façam determinados arranjos.
A ideia do homem experimentado, na verdadeira acepção da palavra, remete
àquele que, justamente por reconhecer a sua limitação temporal, torna-se um
experimentador e, nessa medida, o que lhe acontece pode vir a converter-se em
experiência.
O discernimento, assim, é o que nos dá a capacidade de compreender o que
se passa, é a tomada de consciência daquele algo que nos passa e para o qual
ainda não temos palavras. O discernimento é, ao mesmo tempo, um quase-
saber e um além-saber, é um pressentimento, é a faculdade que temos de
conhecer pela negação: nos aproximamos do que é pelo exercício de discernir
o que não é (PEREIRA, LACERDA, 2010, p.381).
Neste artigo, estamos pensando a formação dos jovens estudantes do curso de
Pedagogia enquanto possibilidade de constituição de si. Formação esta que, distinta do
[en]formar, precisa contemplar vivências potencialmente capazes de romper com o
imediato, de desestabilizar certezas, percepções naturalizadas na escola e da escola.
Assim concebida, a formação pode ser pensada como experiência que implica
deixar-se atravessar-se pelo inédito. E, nessa ótica, torna-se plausível pensar que as
vivências de prática do curso de Pedagogia reafirmam a potência de o aprender/ensinar
vir a transformar-se em ato criativo que convoca os sujeitos envolvidos nesse processo a
outras formas de adesão à vida. Nessa perspectiva, o deixar-se atravessar por
experiências de aprendizagem, seja na condição de aprendente ou de ensinante (lugares
sempre provisórios e em movimento), é também inventar e inventar-se.
A artesania de um trabalho: o percurso metodológico
O estudo que se apresenta tem abordagem qualitativa do tipo exploratória e
corresponde à análise parcial das informações coletadas entre os estudantes de uma das
cinco Instituições de Educação Superior do Rio Grande do Sul que oferecem cursos de
Pedagogia na modalidade presencial e que participam do projeto de pesquisa “A
Formação Inicial de Jovens Estudantes de Pedagogia”. Esta, financiada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Através de grupos focais e de questionário
respondido por acadêmicos do curso de Pedagogia de uma instituição comunitária
localizada no interior do Estado, objetivou-se conhecer como os acadêmicos da
licenciatura em Pedagogia vivenciam as práticas no (e do) espaço escolar, durante o seu
percurso acadêmico.
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A prerrogativa, além da voluntariedade, de o aluno já ter cursado as disciplinas
de Prática de Ensino e Estágio Curricular Supervisionado, estando regularmente
matriculado na disciplina de Seminário Integrado (trabalho de conclusão de curso), ou
sua equivalente, foi considerada como critério de inclusão do sujeito no estudo. Essa
investigação atende ao rigor da ética na pesquisa, com autorização da instituição e
consentimento dos estudantes. As informações qualitativas seguem a análise de
conteúdo de Bardin, (2009) num processo dinâmico de constante confronto entre teoria
e conteúdo que emerge a partir das estratégias selecionadas para essa pesquisa, o que
origina novas concepções e, consequentemente, novos focos de interesse.
O olhar das pesquisadoras sobre os achados
Nossa pesquisa foi composta por 38 jovens que se dispuseram a participar do
estudo, o que corresponde a 41% dos estudantes matriculados neste Curso. Destes,
97,4% são mulheres e encontram-se na faixa etária entre 18 e 20 anos, 56,7%. Ainda em
relação a idade, 21,7% possuem entre 21 e 24 anos e, 21,6% têm entre 25 e 29 anos. No
que tange à etnia, 13,5% se autodeclararam pardos e 84,2%, brancos. Com relação à
renda mensal, 55,2% situam-se na faixa de até um salário mínimo mensal.
Tais achados apontam para uma maior dificuldade de pessoas que pertencem a
minorias étnico-raciais ingressarem na educação superior e para uma mudança no perfil
dos acadêmicos que optam pelo curso de Pedagogia: são mais jovens. Observamos que,
apesar de serem universitários, com uma rotina de estudos que deveria ser permanente,
mais de 10% informaram dispor de menos tempo para realizar leituras e para estudar
(2,6% declararam que não estudavam diariamente e 7,8% ocupavam menos de uma hora
por dia estudando). Além destes, outros 57,8% afirmaram manter uma média de até
cinco horas diárias dedicadas ao estudo, considerando a jornada de trabalho. Entre os
acadêmicos, 36 exercem atividades remuneradas e, destes, 77,1% consideram o trabalho
uma necessidade e 69,4% veem no trabalho fonte de auto realização.
Dos que trabalham, 86,4% informaram ter uma jornada diária de seis a dez
horas. O que significa que possuem múltiplas jornadas, mesmo os que trabalham seis
horas, corroborando com estudos (PAIS, 2001; IPEA, 2013) que mostram que os jovens
têm trabalhos precarizados com altas jornadas e baixos salários. Entre os respondentes,
60,5% afirmaram que acessam diariamente as redes sociais, o que pode ser
compreendido na lógica de que estão conectados à internet com acesso mais rápido ao
que se passa no mundo. Entretanto, excluídas as leituras obrigatórias, o que se observa é
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que não leem muito, pois 10,5% disseram não ler nenhum livro, enquanto 42,1%
declararam ler de um a três livros durante um ano.
O perfil acima apresentado confirma a chegada de um novo contingente de
alunos à educação superior, com outras características, muitos deles pertencentes a
segmentos sociais que, por longo tempo, viram negada a sua possibilidade de ascender a
esse nível de ensino. Isso exige que não só reconheçamos a sua diversidade como
busquemos novas estratégias para alcançar os resultados desejados.
Interessa destacar que, dos 38 respondentes, 78,9% têm entre seus projetos
prioritários para o futuro continuar os estudos e fazer uma especialização, mestrado ou
doutorado. Isso torna plausível a ideia de que a formação docente é um processo que
não se esgota na graduação, mas, tal como vimos argumentando, trata-se de um
processo de abertura para o novo, que contempla um permanente deslocamento em
direção a outros modos de ser professor que não se conhecia até então.
O que se observou, a partir da contribuição dos jovens, é que a instituição já vem
realizando esforços para superar algumas dificuldades encontradas, especialmente no
que tange a criar espaços para que, desde o primeiro semestre, os alunos tenham
oportunidade de integrar-se no projeto de curso. Sendo que este viabiliza um currículo
integrado, no qual as vivências das práticas de ensino são potencialmente capazes de se
converter em acontecimentos que se formam e transformam ao longo do percurso
acadêmico.
Uma dessas estratégias é a implantação de práticas integradas que ocorrem
“desde o início do curso e [cujos] resultados são objeto de socialização em seminários,
encontros ou mesas-redondas abertos aos participantes” (Projeto do Curso, 2012,
p.115iv
). E que oportunizam, ainda, a convivência e a articulação entre os jovens
acadêmicos dos variados níveis do curso. Tal relação prevê, entre as práticas de ensino
obrigatórias, uma vivência construída a partir de múltiplos pensares, na medida em que
congrega, em um mesmo grupo, acadêmicos do primeiro ao oitavo semestre. Portanto,
em distintas etapas do processo formativo. Tal proposta, pelas interações que
oportuniza, pela abertura à alteridade que possibilita, confronta os membros do grupo
com o desafio de deslocar suas já conhecidas formas de perceber, interpretar e expressar
o que se passa e o que lhes passa.
Aos acadêmicos, que se encontram em formação, a questão do discernimento
bem pode ser pensada a partir da coletividade e da diversidade da própria composição
do grupo. É possível considerar que, na medida em que os estudantes expõem suas
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vivências e discutem, transformam (e qualificam) seus saberes. Dessa forma, as práticas
pedagógicas vivenciadas e as múltiplas realidades que podem se manifestar nesses
espaços de atuação supervisionada se multiplicam, uma vez que cada estudante pode
apresentar ali a sua vivência. A partir disso, pode-se subsidiar a construção (e o
amadurecimento) da capacidade do discernimento do futuro professor.
Na escuta feita aos estudantes, ouvimos relatos em relação aos espaços de
práticas e estágios supervisionados, muitas vezes desestimuladores. Como docentes, não
podemos, de antemão, saber se o que propomos obedecerá ao curso desejado. As
práticas de ensino são pensadas como vivências oportunizadas aos alunos. No curso de
tais situações, alguns deles poderão ser atravessados por experiências de aprendizagem
isso significa que “o conteúdo [...] entra em jogo e se desenvolve em possibilidades de
sentido e de ressonância cada vez mais novas e ampliadas pelo outro receptor
(GADAMER, 1997, p. 669).
Cabe lembrar aqui a importância de uma constante atitude de abertura, ao outro,
à singularidade e à alteridade. Essas são as condições e a possibilidade para que a
interação mediada pela linguagem aconteça sob um horizonte dialógico e, portanto,
submetido à discussão. É relevante também que o professor que participa da formação
de outros docentes tenha clareza de que as palavras que profere, os exemplos que
fornece, as atividades que propõe, os textos que encaminha para leitura, não se fecham
em si mesmos. Mas podem possibilitar outras e novas perspectivas para todos que
compartilham a docência. Se tal acontece, docentes em formação e professor são
atravessados pelo fazer da experiência ao possibilitarem o caminho a um saber outro,
tanto do objeto quanto de si mesmo: o sujeito se abre e se mantém aberto a novas
experiências.
Para Dar Asas ao Nosso Pensamento
Nosso artigo também teve como propósito permitir uma ponderação acerca das
propostas didáticas que sustentam os percursos formativos dos acadêmicos do curso de
Pedagogia, de modo a suscitar o debate qualificado a respeito de ações envolvidas nessa
formação. As reflexões aqui apresentadas sugerem o reconhecimento da importância de
um currículo integrado que não apenas invista na integração entre a teoria e a prática
para a formação profissional, mas que avance na perspectiva de “uma educação voltada
para uma expressiva capacidade de autonomia e de discernimento, reforçando a
responsabilidade pessoal na realização do destino coletivo” (PEREIRA; LACERDA,
2010, p. 387).
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Pautadas pelos depoimentos de estudantes de uma Instituição de Ensino Superior
que adota práticas de ensino integradas como estratégia para dialogar entre a teoria e as
práticas de ensino em sua totalidade, o que se observa é a relevância das vivências em
docência para a construção do sentido da experiência de ser professor. O que poderá
contribuir para pensar sobre o próprio pensar, sobre o jeito de pensar e sobre a maneira
de nos pensarmos.
Apesar de se tratar de um recorte do estudo, pois tomamos em análise apenas
uma das Instituições, as informações colhidas revelam que, para os estudantes, ao
discutirem na coletividade suas vivências em docência – positivas ou não –, favorecem
o amadurecimento do discernimento e da alteridade. É preciso refletir que, para o jovem
em formação, falta-lhe a experiência em docência e, ao alargar o (re)conhecimento das
vivências (suas e dos colegas), pode transformar-se. Pode revisitar o planejamento, a
prática e a teoria, reconstruindo e ressignificando o saber.
A formação dos jovens estudantes de Pedagogia convoca-nos a ações
comprometidas com o devir humano, com a crença de que educar é apostar na
possibilidade de alguém ser diferente do que vem sendo até então. Essa perspectiva está,
visceralmente, envolvida e atravessada pelo compromisso ético dos formadores. Se
assim acreditamos, é possível pensar a formação como experiência que implica deixar-
se tocar pelo outro, atravessar-se pelo novo, pela diferença, constituindo outras formas
de transitar por territórios subjetivos singulares.
REFERÊNCIAS
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http://www.uemg.br/openjournal/index.php/educacaoemfoco/article/viewFile/528/346.
Capturado em 01/03/2016.
i Importa referir que, ao utilizarmos a expressão jovens acadêmicos do curso de Pedagogia, estamos nos
referindo a sujeitos que, por ocasião do nosso estudo, tinham entre 19 e 29 anos e estavam matriculados
no Curso de Pedagogia. No Brasil, de acordo com a Lei 12852/2013, são considerados jovens, sujeitos
que possuem entre 15 e 29 anos. ii Alinhadas a Pereira (2013, p.35) pensamos que “a professoralidade não é uma identidade que um sujeito
constrói, ou assume, ou incorpora, mas, de outro modo, é uma diferença que o sujeito produz de si. Vir a
ser professor é vir a ser algo que não se vinha sendo, é diferir de si mesmo. E, no caso de ser uma
diferença, não é uma recorrência a um mesmo modelo ou padrão. Por isso, a professoralidade não é, a
meu ver, uma identidade, e sim uma diferença produzida no sujeito. E como diferença não pode ser um
estado estável a que chegaria o sujeito. A professoralidade é um estado em risco de desequilíbrio
permanente. Se fosse um estado estável, estagnado, redundaria numa identidade e o fluxo seria
prejudicado. ” iiiExpressão usada pelo Professor Marcos Villela Pereira durante o Seminário “O conceito de experiência
na formação de professores” oferecido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul no segundo semestre de 2014.
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iv
Para preservar o Anonimato da Instituição onde foi realizada a pesquisa, deixamos de anexar, nas
Referências, os dados referentes ao Projeto Pedagógico do Curso.
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