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1 ENTRE AS VILAS E A CORTE: O PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO E SEU CONSELHO PRESIDIAL (1825-1831) Raissa Gabrielle Vieira Cirino (UFMA) Resumo: Na esteira de estudos sobre as diferentes dinâmicas políticas regionais e de suas contribuições para a compreensão sobre o processo Independência e a construção do Estado e da nação, iremos analisar a organização da administração da província do Maranhão através da atuação do seu Conselho de Presidência (ou de Governo, ou Administrativo, ou Presidial, como foi denominado no Maranhão). Seguindo as diretrizes do documento que lhe servia de regimento, a Carta de 20 de Outubro de 1823, essa instituição teve importante papel no processo de estruturação das bases do Estado monárquico. Destarte, abordaremos a atuação do Conselho Presidial junto às instâncias municipais para assegurar o cumprimento das ordens advindas da Corte, além de buscar a resolução de necessidades locais. Palavras-chave: Império do Brasil; Conselho Presidial; província do Maranhão; administração municipal. Abstract: According to several studies about political dynamics at imperial provinces and their contributions for comprehension about the Independence process and construction of State and nation, this paper intends to analyze Maranhão administrative organization through the performance of its Presidency Council (called as Government Council, Administrative Council or “Conselho Presidial”). Following instructions from its guide, the edict dated of October, 20, 1823, this regional institution have important role in structure process of local power administration. Therefore, this paper will broach the communication between Conselho Presidial and municipal administration. The consequential deliberations have intended, mainly, affirm the execution of central power’s rules and to look for resolutions for local needs. Keywords: Brazilian Empire; Conselho Presidial; Province of Maranhão; municipal administration.

ENTRE AS VILAS E A CORTE: O PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO … · 2017. 5. 24. · ENTRE AS VILAS E A CORTE: O PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO E SEU CONSELHO PRESIDIAL (1825-1831)

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ENTRE AS VILAS E A CORTE: O PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO

MARANHÃO E SEU CONSELHO PRESIDIAL (1825-1831)

Raissa Gabrielle Vieira Cirino (UFMA)

Resumo:

Na esteira de estudos sobre as diferentes dinâmicas políticas regionais e de suas contribuições

para a compreensão sobre o processo Independência e a construção do Estado e da nação,

iremos analisar a organização da administração da província do Maranhão através da atuação

do seu Conselho de Presidência (ou de Governo, ou Administrativo, ou Presidial, como foi

denominado no Maranhão). Seguindo as diretrizes do documento que lhe servia de regimento, a

Carta de 20 de Outubro de 1823, essa instituição teve importante papel no processo de

estruturação das bases do Estado monárquico. Destarte, abordaremos a atuação do Conselho

Presidial junto às instâncias municipais para assegurar o cumprimento das ordens advindas da

Corte, além de buscar a resolução de necessidades locais.

Palavras-chave: Império do Brasil; Conselho Presidial; província do Maranhão; administração

municipal.

Abstract:

According to several studies about political dynamics at imperial provinces and their

contributions for comprehension about the Independence process and construction of State and

nation, this paper intends to analyze Maranhão administrative organization through the

performance of its Presidency Council (called as Government Council, Administrative Council

or “Conselho Presidial”). Following instructions from its guide, the edict dated of October, 20,

1823, this regional institution have important role in structure process of local power

administration. Therefore, this paper will broach the communication between Conselho

Presidial and municipal administration. The consequential deliberations have intended, mainly,

affirm the execution of central power’s rules and to look for resolutions for local needs.

Keywords: Brazilian Empire; Conselho Presidial; Province of Maranhão; municipal

administration.

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Introdução

O desafio de delinear novos parâmetros para o Estado recém-instituído foi

primeiramente enfrentado pelos deputados da Assembleia Constituinte, em 1823.

Influenciados diretamente pelas experiências e discussões políticas possibilitadas pelas

transformações que ocorriam no mundo Atlântico desde o século XVIII1, esses primeiros

legisladores estabeleceram como base um projeto de monarquia constitucional.

Representações das Juntas de Governo instituídas nas províncias, unidades que

substituíram as capitanias, indicaram a carência de leis que pautassem a ação da

administração que se inaugurava junto com o Estado. Da mesma maneira, os documentos

assinalavam a participação de representantes da elite política regional 2 na condução das

províncias às quais pertenciam, aspecto que não poderia ser desconsiderado na busca de

condições efetivas de governabilidade, de conservação da “ordem” e de manutenção do

território visado para compor o Império.

Assim, a organização do governo das províncias foi considerada temática urgente.

Após algumas discussões e modificações3 , o projeto apresentado pelo deputado Antônio

Carlos de Andrada Machado4 foi o escolhido para embasar a criação do Decreto de 20 de

Outubro de 18235, que deu “nova forma aos governos das províncias, criando para cada uma

delas um Presidente e um Conselho”.

1 Consideramos como principais acontecimentos que marcaram a emergência de novos valores constitucionais

no Ocidente a Independência dos Estados Unidos (1783) e a Revolução Francesa (1789). 2 Para esse conceito, tomamos como base Miriam Dolhnikoff (2005, p. 78). Segundo essa historiadora, ao

assumir a direção de suas províncias a partir da eleição das Juntas Provisórias em 1820, ao enviar deputados para

as Cortes portuguesas, ao articular a Independência, ao enviar deputados para a Assembleia Constituinte (1823) e

depois para a Assembleia Geral, os grupos provinciais se engajaram no processo de construção da nação e se

constituíram como elite política, já que assumiram tarefas não só em nível provincial, mas também nacional. 3 Para as discussões que marcaram a escolha do projeto que deu nova forma ao governo das províncias, ver

Renata Silva Fernandes (2012). 4 Magistrado e político de São Paulo, foi eleito para as Cortes de Lisboa (1821), para a Assembleia Constituinte

(1823) e para a Assembleia Geral (1838-1841). Finalizou sua carreira política como senador pela província de

Pernambuco, quando faleceu em 1845 (SLEMIAN, 2006, p. 61). 5 Segundo Andrea Slemian (2006, p. 73), a Assembleia Constituinte aprovou seis decretos, que versaram sobre a

vigência da legislação que regia o Brasil até abril de 1821; a revogação do decreto de 16 de fevereiro de 1822,

que criara o Conselho de Procuradores; o estabelecimento da forma como deveria ser observada a promulgação

dos decretos da Assembleia; a proibição aos deputados de exercerem qualquer outro emprego durante sua

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Esse Decreto estabeleceu que as províncias seriam administradas por um presidente,

nomeado pelo Imperador, que repartiria suas atribuições com um Conselho, composto por seis

conselheiros eleitos dentre os políticos do âmbito regional. Segundo Andrada Machado, esse

sistema garantia a separação de poderes e uma melhor organização das instâncias

administrativas, bem aos moldes do modelo liberal vigente no período, que pregava uma

racionalização do funcionamento do governo para atender aos anseios populares (SLEMIAN,

2007).

O presidente era o “executor” e “administrador”, ficando estritamente responsável pelo

governo da província. Também tinha poder de decidir e despachar sozinho sobre alguns

assuntos que não exigiam especificamente a cooperação do seu Conselho. Em sessão, o

presidente deveria ser chamado de “Excelência” e ser tratado com a continência militar,

práticas ritualísticas que denotam tanto o alcance de execução do “delegado do Imperador”

quanto as reminiscências do Antigo Regime e sua mentalidade hierarquizante e distintiva.

Sobre o Conselho, interessante notar que o Decreto de 20 de Outubro não o nomeou de

maneira específica, designando-o apenas por esse título genérico. No Maranhão, o órgão foi

chamado algumas vezes como Conselho Administrativo, Conselho de Governo ou Conselho

de Presidência. Porém, o vocativo recorrente foi o de Conselho Presidial, que interpretamos

como uma possível referência ao seu líder em sessão, o presidente. Esse termo também foi

usado no projeto de Constituição elaborado pela Assembleia Constituinte (LEME, 2006, p.

61).

Além de sua função de apoio ao presidente para tratar de assuntos que requisitassem

“exame e juízo administrativo” 6 , o Conselho tinha poder deliberativo sobre questões

referentes: a) ao desenvolvimento econômico da província, com o incentivo da agricultura,

comércio e indústria, bem como a conservação de uma boa infra-estrutura, com a conservação

e abertura de estradas e pontes; b) à segurança, com a vigilância sobre prisões, casas de

correção e de caridade; c) ao conhecimento sobre a província, com a organização de censos e

deputação (ou de aceitar qualquer outro tipo de gratificação); a revogação do alvará de 30 de março de 1818, que

proibia o funcionamento das Sociedades Secretas e a lei sobre a organização dos governos provinciais. Todos

foram aprovados como Decreto de 20 de Outubro de 1823. 6 Segundo Fernandes (2012, p. 32-33), essa expressão foi sugerida por Andrada Machado para enfatizar que o

órgão tinha somente caráter executivo, e não legislativo.

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estatísticas; d) à “educação da mocidade” e à catequização de indígenas; e) à fiscalização de

possíveis abusos na arrecadação de impostos, das contas das Câmaras Municipais, das receitas

do próprio Conselho e as da presidência; f) às reclamações contra funcionários públicos e ao

trato de conflitos de jurisdição entre autoridades, com a possibilidade de suspensão de

magistrados; g) à proposição de medidas para garantir bons tratos aos escravos e sua gradativa

emancipação; e, h) à determinação de despesas extraordinárias, sendo que o presidente só

poderia executar medidas sobre esse assunto quando obtivesse a aprovação imperial

(BRASIL, Decreto de 20 de Outubro de 1823, art. 24, p. 12-13).

Grosso modo, essas temáticas denotam, por um lado, o papel do Conselho como locus

de resolução de necessidades e de atritos que ocorriam em nível local, pois o presidente e seu

Conselho privativo eram procurados por diferentes indivíduos, através de requerimentos, para

garantir o atendimento de seus direitos. A prerrogativa de participação desses cidadãos nos

“negócios públicos” de suas províncias era fundamentada na “crença coeva de que o

ordenamento geral da sociedade poderia, de fato, ser mediado pelo poder público”

(SLEMIAN, 2006, p. 31), que foi reforçada pela criação de instituições de caráter

representativo como os Conselhos de Presidência.

Por outro lado, o estabelecimento dos Conselhos, a partir da organização da esfera de

poder regional, também pretendia conectar as províncias mais distantes ao governo central

para assegurar sua hegemonia nas localidades do vasto território. As províncias do Norte

deveriam receber atenção específica, pois era evidente seu ressentimento com o pouco acesso

que tinham às decisões políticas, centralizadas nas mãos de um governo distante

(DOLHNIKOFF, 2005, p. 87-88). O Maranhão encontrava-se nesse caso, sendo uma das

principais reclamações o pagamento de impostos. Sobre esse assunto, Mathias Assunção

(2000, p. 63) destacou que “[...] metade - ou, às vezes, três quartos - da renda maranhense

contribuía com as despesas da Corte no Rio de Janeiro”.

Destarte, a comunicação entre o governo central e as províncias foi feita

principalmente por vias institucionais. O presidente recebia portarias das secretarias

ministeriais e apresentava-as ao seu Conselho, que despachava as deliberações necessárias

para as instâncias locais/provinciais. Em seguida, cabia ao Conselho verificar se as diretrizes

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estavam sendo devidamente seguidas e executadas. Esse trâmite ressalta o papel do Conselho

como “inspetor dos negócios públicos”.

À vista da importância dessa perspectiva para a estruturação das bases do Estado

imperial, trataremos sobre os trabalhos do Conselho Presidial do Maranhão junto a algumas

instâncias municipais, certificando-se de suas carências, dúvidas e contribuições que

marcaram a adaptação da administração provincial aos novos padrões do regime político

vigente. Para tanto, enfocaremos o registro das atas e despachos do Conselho Presidial, as

portarias advindas das secretarias ministeriais e os ofícios trocados com a municipalidade.

A fiscalização das receitas municipais

Devido a atrasos na finalização de seu processo eleitoral7, o Conselho Presidial do

Maranhão foi instalado em 7 de julho de 1825.

Sem a presença do presidente nomeado para o período, o vice-presidente Patrício José

de Almeida e Silva assumiu os trabalhos do Conselho e o governo provincial, por ter sido o

conselheiro mais votado 8 . Em meio às preocupações com a manutenção da ordem

estabelecida e com a ameaça de fome propagada pela seca, Almeida e Silva propôs em

Conselho que as Câmaras Municipais remetessem informações sobre seu rendimento, suas

despesas, além de detalhes sobre a qualidade e a quantidade de seus patrimônios. Também foi

requerido que os órgãos municipais informassem sobre suas “precisões públicas”, entendidas

aqui como as necessidades observadas nas vilas9.

Até meados de 1827, as atas apresentam certas dificuldades para a fiscalização das

contas municipais, exigindo que o Conselho Presidial constantemente corroborasse suas

ordens às Câmaras. Com a aprovação do Decreto de 1 de Outubro de 1828, esse quadro se

modificou. Também conhecida como Lei Orgânica dos Municípios, ela reformulou a política

7 Para mais informações sobre o quadro pós-Independência no Maranhão, ver Marcelo Galves (2010). 8 Em falta do vice-presidente, o conselheiro mais votado após este assumiria as sessões. Já em falta do

presidente, do vice, e dos conselheiros, o suplente com maior número de votos assumiria, de acordo com o artigo

18 da Carta. Na ausência de presidente, vice, conselheiros e suplentes, assumiria a presidência o presidente da

Câmara da capital (BRASIL, Carta de 20 de Outubro de 1823, art. 19, p. 12). 9 MARANHÃO, Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 9 de julho de 1825, fl. 2.

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em nível local, diminuindo o poder dos colegiados municipais e submetendo-os ao poder

provincial, exercido até aquele momento pelos Conselhos de Presidência. No caso do

Maranhão, pelo Conselho Presidial.

Em suma, o Decreto de 1 de Outubro demarcou: a organização das eleições para

vereadores e juízes de paz; o envio das atas das eleições dos distritos eleitorais para suas

Câmaras e o pagamento de multas por atraso no envio delas; a obrigação das Câmaras em

reportar ao presidente de província sobre assuntos como o resultado do processo eleitoral e as

prevaricações de vereadores. No mais, a Lei Orgânica é considerada uma confirmação de que

as Câmaras passavam a ser órgãos com encargos meramente administrativos, o que foi

salientado no seguinte artigo:

Art. 89. Em todos os casos em que esta lei manda às Câmaras, que se dirijam

aos presidentes, devem elas, na província, onde estiver a Corte, dirigir-se ao

ministro do império; nela também se dirigirão à Assembleia Geral nos casos

em que nas demais províncias houverem de dirigir-se aos Conselhos Gerais;

e enquanto estes se não instalarem farão suas vezes os da Presidência

(BRASIL, Decreto de 1 de Outubro de 1828, art. 89, grifo nosso).

Os Conselhos Gerais, órgãos provinciais criados pela Constituição de 1824, ficaram

responsáveis pela fiscalização das contas das Câmaras. Porém, enquanto aqueles não fossem

instalados, os potentados locais estavam sob a jurisdição dos Conselhos de Presidência.

Imbuídos desse poder, e liderados pelo presidente de província Cândido José de Araujo Viana

a partir de 1829, o Conselho Presidial passou a exercer forte pressão sobre as Câmaras

Municipais e suas receitas.

A fiscalização sobre os recursos das Câmaras era assunto muito delicado por

possibilitar o apontamento de possíveis desleixos ou prevaricações dos funcionários

municipais. Vários desses casos foram analisados pelo conselheiro Manoel Gomes da Silva

Belfort.

Em 6 de junho de 1829, por exemplo, Belfort apontou que, na receita da Câmara da

vila do Paço, fora registrada uma entrada de 2 mil-réis em “cobre” falso, ou seja, uma moeda

falsificada que, segundo os registros do Conselho Presidial, tinha aumentado sua circulação

na província desde o ano anterior. O Conselho, então, deliberou que esse dinheiro deveria

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retornar aos cofres públicos10, uma vez que a propagação de uma moeda falsa por instâncias

do governo era ato a ser evitado, instrução explicitada em uma portaria da Secretaria de

Estado dos Negócios do Império de 182811.

Em seguida, analisando a receita da Câmara de São Luís, Belfort solicitou o retorno da

documentação ao órgão, com a exigência de explicações sobre a diferença de saldo que

aparecia no auto de exame das contas feito pelo ouvidor geral em 1827 e o saldo da conta

daquele ano feito pelo tesoureiro municipal. Ademais, faltavam documentos que

comprovassem os gastos da mesma Câmara12.

Outras vezes, a desorganização e a falta de comprometimento dos funcionários eram

usadas como justificativa para postergar a entrega das contas. A Câmara de Icatu, por

exemplo, comunicou no final de maio de 1829 a impossibilidade de prestar contas no devido

prazo devido o “desarranjo” de seus livros de registros13. No entanto, Belfort não aceitou essa

justificativa e ordenou que as contas fossem enviadas14. Ao que parece, o peso de autoridade

do Conselho foi determinante, pois em meados de setembro as receitas de Icatu foram

analisadas pelo conselheiro. Belfort constatou certa desorganização na documentação,

assinalada pela falta de registros das contas dos anos anteriores. Como no caso da Câmara de

São Luís, o conselheiro propôs que os documentos de Icatu retornassem à sua Câmara

Municipal, mas, dessa vez, eles deveriam ser remetidos posteriormente ao Conselho Geral,

que seria instalado na província em dezembro daquele ano15.

Deste modo, a fiscalização das receitas financeiras das Câmaras Municipais era um

tipo de mecanismo para manter esses órgãos sob a jurisdição da esfera regional. Nesse

sentido, a Lei Orgânica dos Municípios foi de extrema importância, pois a normatização

desses antigos potentados locais era ponto nevrálgico para garantir a construção de um Estado

nacional viável em acordo com os ideais dos “novos tempos” (DOLHNIKOFF, 2008, p. 64).

10 Id., ibid., Sessão de 6 de junho de 1829, fl. 78. 11 BRASIL, Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Ofícios e avisos ao presidente de

província do Maranhão (1828). Secretaria do Governo. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do

Maranhão. 12 MARANHÃO, Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 8 de julho de 1829, fl. 88v. 13 Id., ibid., Sessão de 30 de maio de 1829, fl. 77. 14 Id., ibid., Sessão de 10 de junho de 1829, fl. 79v. 15 Id., ibid., Sessão de 16 de setembro de 1829, fl. 91.

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“A educação da mocidade”

Desde 1825, a educação pública foi assunto apreciado no Conselho Presidial. A

preocupação com essa área relacionava-se à necessidade de ensinar aos cidadãos o

comportamento no novo regime político que estava para ser implantado: a monarquia

constitucional. A educação era vista como forma de “civilizar”, “dar luzes” a um povo que

antes só conhecia a “escuridão da ignorância” preconizada pelo Absolutismo, e agora iria ser

enquadrado aos ditames de um Estado moderno (SALES, 2005, p. 15).

Era por meio da observação e apontamento de várias autoridades municipais, como as

Câmaras Municipais, o ouvidor geral e os mestres de ensino que o Conselho Presidial

deliberava as devidas medidas para implementar o ensino público nas diversas povoações

enquanto não se tinha legislação específica sobre a área.

Em 1825, os conselheiros ordenaram que a Câmara Municipal de Alcântara obrigasse

os frades carmelitas de sua vila a servirem como mestres de Primeiras letras, uma das

principais cadeiras de ensino básico. Ainda ordenaram a compra de mil exemplares, em

português, das Odes de Diniz e Jacinto Freire de Andrade, além de exemplares da Vida de

Dom João de Castro para serem distribuídos nas vilas16.

Em 1826, o Conselho solicitou que o ouvidor geral da comarca informasse com a

maior brevidade sobre o estado de saúde do mestre de Filosofia de São Luís, indicando se ele

tinha condições de continuar a reger a disciplina ou entregaria seu cargo. Nesse caso, seria

aberto novo concurso para prover a cadeira17.

A fim de determinar providências gerais e efetivas sobre a educação, o Imperador

solicitou que os presidentes de província levantassem informações sobre as necessidades

escolares de cada povoação e a distribuição de cadeiras de ensino de Primeiras letras,

16 Id., ibid., Sessão de 17 de setembro de 1825, fl. 5. 17 Id., ibid., Sessão de 5 de julho de 1826, fl. 12v.

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Gramática latina, Retórica, Lógica, Geometria e Línguas estrangeiras, além de indicar os

mestres encarregados dessas18.

Liderados pelo presidente Pedro José da Costa Barros, o Conselho ordenou que as

edilidades remetessem os dados sobre o ensino que ocorria em seus distritos. Após a análise

desse levantamento, foi deliberada a criação de cadeiras de ensino em várias vilas e

organizado um concurso para a escolha dos seus mestres19.

A partir das informações remetidas à Corte, a Assembleia Geral estabeleceu os

Decretos de 15 de Outubro e de 15 de Novembro, ambos de 1827. Essas são consideradas

regulamentações basilares para a educação pública durante o Império. Além de trazer

orientações e algumas novidades para o período, essas leis incumbiram os presidentes de

província, em seus Conselhos, a determinar: a criação de cadeiras de ensino, de escolas mistas

e de aulas exclusivas para meninas nas vilas mais populosas; a regulamentação dos salários e

a padronização dos concursos dos mestres e das mestras, bem como a instituição de escolas

em edifícios públicos.

A delegação de novos poderes para decidir sobre a área educacional veio em bom

momento, pois algumas dificuldades de fiscalização apareciam ocasionalmente. Em agosto de

1827, por exemplo, o Conselho repreendeu o professor de Retórica da capital, que havia

concedido três meses de férias aos seus alunos, ao invés de dois20.

A partir de 1828, observando as informações atestadas pelas Câmaras Municipais e

pelos mestres, e em consonância com as diretrizes dos Decretos de 15 de Outubro e 15 de

Novembro de 1827, concursos públicos passaram a ser abertos anualmente até o fim do

Primeiro Reinado.

As discussões que pautavam a escolha das cadeiras de ensino que deveriam ser

instituídas também chamam a atenção. A mais comum era a de Primeiras letras, que abrangia

conteúdos que atualmente são dados no ensino fundamental. No entanto, havia evidente

distinção a partir do gênero dos alunos. Para os meninos eram ensinadas noções básicas de

18 BRASIL, Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Ofícios e avisos ao presidente de

província do Maranhão (1825). Secretaria do Governo. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do

Maranhão. 19 MARANHÃO, Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 5 de julho de 1826, fl. 12v. 20 Id., ibid., Sessão de 30 de agosto de 1827, fl. 49v.

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leitura, escrita, as quatro operações de cálculo e princípios gerais de geometria prática. A

inclusão das meninas no ensino básico pode ser considerada como um avanço para o período.

Porém, na prática, reforçava a visão da época sobre o papel que elas deveriam ter na

sociedade. Era-lhes permitido aprender apenas a ler e escrever. Ao invés de tomar

conhecimento sobre noções aritméticas, elas estudavam “prendas úteis” que as auxiliariam a

lidar com o cotidiano doméstico, como costura, bordado e trato na cozinha (MARTINS,

2001).

Aulas referentes ao âmbito das Humanidades eram constantemente instituídas,

havendo algumas preferências. Cadeiras de Retórica, Latim e Filosofia eram as mais

solicitadas pelas Câmaras Municipais, caso que não ocorria com a de Grego. Essa informação

é corroborada ao observarmos, por exemplo, a proposta que foi discutida em 1826, quando o

Conselho Presidial cogitou substituir a cadeira de Grego, oficializada pela Carta Régia de 1º

de Agosto de 1799, por uma de Geografia e outra de Francês. Embora alguns conselheiros

tenham declarado que tal medida extrapolava o poder da instituição provincial21, Thiago

Carlos de La Rocca foi nomeado para reger aquelas cadeiras alguns dias depois22.

Por esse caso também podemos constatar as predileções sobre as aulas de línguas

estrangeiras. O francês se sobressaía, mas a Câmara de São Luís também se preocupou em

solicitar a criação de uma cadeira de Língua inglesa 23 pela importância das relações

comerciais que a província tinha com a nação britânica24.

Em 1829, a mesma Câmara indicou a necessidade da reabertura da Aula de Comércio

da capital. Criada sob o contexto das reformas pombalina pelo Decreto de 30 de Setembro de

1755, e instituídas em 1759, a aula de Comércio visava a formação de negociantes versados

nas técnicas contábeis do período. O incentivo a um curso específico de especialização para

os “homens de negócio” inseria-se no projeto mais amplo de equiparar Portugal às demais

nações européias, via formalização da prática mercantil (TELES; SANTOS, 2013, p. 1-14).

21 Id., ibid., Sessão de 5 de agosto de 1826, fl. 15. 22 Id., ibid., Sessão de 12 de agosto de 1826, fl. 16 23 Id., ibid., Sessão de 20 de junho de 1829, fl. 81. 24 Firmas britânicas exerciam importante papel no comércio no Maranhão. As transações dessas associações

influenciavam diretamente nos preços do algodão e na queda das receitas de exportação. Para saber mais sobre a

pressão exercida pelos ingleses na economia do Maranhão, ver Mathias Assunção (2000).

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Os conhecimentos difundidos pela Aula de Comércio também tiveram relativa

importância no processo de capacitação de funcionários públicos das burocracias portuguesa e

brasileira. A exigência do licenciamento nessa aula como pré-requisito para a inserção em

empregos públicos ou privados relacionados à área contábil foi um critério determinado ainda

no período pombalino. Com a independência do Brasil, passou-se a exigir dos funcionários

fluência no idioma nacional e competência nas áreas de cálculo mercantil, de contabilidade e

de partidas dobradas25. Além disso, era imprescindível ter uma boa caligrafia, aspecto que

contribuiria com a boa disposição e compreensão dos registros (LOPES, 2012, p. 34).

A Aula de Comércio do Maranhão foi instituída em 1811, mas ficou suspensa a partir

de 1820 pela falta de alunos. Segundo consta, essa interrupção foi motivada pela incapacidade

de seu mestre, ou lente, Francisco Justino da Cunha. Após o pedido feito pela Câmara de São

Luís, a aula voltou a funcionar em 1831, em acordo com o Decreto de 2 Agosto desse ano,

sob o comando do lente Estevão Rafael de Carvalho (CABRAL, 2012).

Medidas de “suma utilidade” para a província

Medidas referentes ao âmbito socioeconômico eram constantemente apreciadas, em

especial para a capital e seus arredores. A boa conservação dos caminhos, formados por

pontes e estradas, era essencial para manter a interlocução com a municipalidade, bem como o

abastecimento de alimentos na capital, São Luís, que por vezes sofria ameaças. Em 1825, por

exemplo, a fome assolava a província devido à esterilidade da terra. Reunidos em sessão

extraordinária, o Conselho Presidial discutiu, junto com os “lavradores mais abastados”,

medidas paliativas para essa situação crítica. Em vista das representações recebidas dos

comandantes gerais das vilas de Caxias, Itapecuru-mirim, Parnaíba e São Bernardo, e uma da

Câmara de São Luís, decidiu-se proibir a saída de qualquer cereal da província, inclusive o

25 Antigo sistema-padrão contábil, cujas origens remontam ao norte da Itália, quando em 1494, o frei Luca

Paccioli consagrou-se ao escrever um tratado sobre Contabilidade, no qual apresentava esse método. Consiste no

registro das transições financeiras de uma empresa, nas quais cada entrada de débito corresponde a um crédito de

mesmo valor. Para mais informações sobre as partidas dobradas, ver Sônia Maria de Araújo (2010).

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arroz, com exceção daquele que já estivesse embarcado. A importação estava liberada, sendo

os navios nacionais e estrangeiros autorizados a trazer, especialmente, arroz e milho26.

Pelo clima da região e pela proeminência das atividades agrícolas, a estiagem pode ser

considerada um entrave atípico. As ações de saqueadores ao longo das estradas eram

impedimentos mais comuns ao bom andamento da vida socioeconômica da província e de sua

capital. Em 1827, o conselheiro Felipe Antônio de Sá expôs que os constantes roubos de gado

no interior provincial poderiam prejudicar o comércio de carne verde (fresca) em São Luís.

Por isso, Sá requereu medidas para evitar “tão grande mal”. O Conselho Presidial, então,

solicitou que o governador das armas comunicasse aos comandantes gerais da vila a execução

de portaria anterior sobre esse tipo de roubo27.

Para manterem-se informados sobre a conservação dos caminhos da província, as

Câmaras Municipais eram constantemente arguidas ou tomavam a iniciativa de informar ao

Conselho Presidial sobre o assunto. Em 1827, as Câmaras de Guimarães e de Alcântara foram

ordenadas a consertar e limpar as pontes e estradas de seus distritos, sendo obrigadas a

informar, posteriormente, sobre o cumprimento dessas ordens.28

Em 1829, a Câmara Municipal de São Luís foi repreendida pelo Conselho Presidial,

pois foi observado o péssimo estado das estradas do termo, especialmente a chamada

“Caminho Grande”, que estava arruinada em lugares bem próximos à cidade. Assim, o

Conselho resolveu que o colegiado deveria providenciar o conserto dessas estradas com a

maior brevidade29.

Na maioria dos casos, as medidas eram bem pragmáticas e atentas às necessidades

mais urgentes. No entanto, também encontramos registros de propostas que podem ser

consideradas, no mínimo, singulares. Em 1829, por exemplo, a edilidade de São Luís,

comunicou a intenção de disseminar a criação de camelos na província, argumentando ser de

proposta “suma utilidade” para a província. Para tanto, planejava mandar vir da África cinco

ou seis casais desses animais30. Aparentemente, os conselheiros e o presidente Araujo Viana

26 MARANHÃO, Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 19 de agosto de 1825, fl. 4-4v 27 Id., ibid., Sessão de 8 de agosto de 1828, fl. 42-42v. 28 Id., Livro de Ordens, Despachos nº36 e 37 de 22 de agosto de 1827,fl. 7v. 29 Id., Ibid., Despacho nº 13 de 14 de maio de 1829, fl. 18v. 30 Id., Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 8 de julho de 1829, fl. 87.

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não se opuseram à proposta, apenas respondendo que a matéria seria considerada assim que a

Câmara apresentasse sua receita e despesa anual31. Apesar dessa resposta, nada mais foi

registrado sobre o assunto nas atas do Conselho.

Novos aliados locais: os juízes de paz

O projeto de ordenamento jurídico do Estado prosseguiu ao longo do Primeiro

Reinado (1822-1831), inspirando-se, em tese, nos modelos liberais da França e da Inglaterra

(DOLHNIKOFF, 2011). Visando uma melhor ingerência na administração da Justiça e o

incentivo a uma maior mobilização popular no processo eleitoral – por conseguinte,

interferência dos cidadãos nos “negócios públicos” de seu interesse –, foi promulgada a Lei de

15 de Outubro de 1827, criando um juiz de paz eletivo para cada freguesia ou paróquia.

O juizado de paz pode ser considerado uma importante novidade para o período, tanto

pelo peso de suas atribuições quanto por sua representação eletiva. Em 1827, as funções do

juiz de paz eram relacionadas, basicamente, ao policiamento das vilas, à imposição da

disciplina social local e à prescrição de multas por infrações às regulamentações ou posturas

municipais32. Essas atribuições minaram os poderes das Câmaras Municipais que, até então,

exerciam funções administrativas, judiciárias e legislativas, tendo grande influência no

cotidiano das vilas.

Além de ser uma magistratura leiga33, o juiz de paz era escolhido diretamente pelos

votantes passivos ou eleitores de paróquia34, grupo que, na interpretação de Ivan de Andrade

Vellasco (2011, p. 288-291), representava “a figura do homem comum capaz de se contrapor

ao predomínio do poder dos proprietários”. Também sobre essa distinção no processo eleitoral

do juizado de paz, Adriana Pereira Campos (2011, p. 260) comenta que a possibilidade de

31 Id., Livro de Ordens, Despacho nº 108 de 11 de julho de 1829, fl. 42v. 32 Essas funções estão descritas na Lei de 15 de Outubro de 1827. Posteriormente, os Decretos de 1º de Outubro

de 1828, de 6 de Junho de 1831 e os Códigos Criminal (1831) e o do Processo (1832) delegaram mais funções ao

juizado de paz. 33 O candidato não precisava ter formação em Direito para concorrer ao cargo. 34 Os eleitores de paróquia também escolhiam os eleitores ativos e os vereadores das Câmaras Municipais.

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voto desses eleitores de paróquia inverteu o processo de gestão dos colegiados municipais,

pois entregava àqueles a eleição do órgão de controle, e não ao Estado.

Nessa perspectiva, percebemos que o juizado de paz contribuiu com o

enfraquecimento do poder das Câmaras Municipais e o fortalecimento da esfera de poder

regional. No Maranhão, esse processo tomou corpo, principalmente, após as eleições de 1829,

quando os juízes de paz foram se estabelecendo nas freguesias. Todavia, a novidade desse

cargo ainda surtia dúvidas. Os conselheiros e o presidente de província Araujo Viana tiveram

que esclarecer as incertezas e as hesitações expostas por alguns magistrados.

Em 7 de maio de 1830, por exemplo, foi analisado o ofício enviado pelo juiz de paz

suplente da freguesia de Santo Antônio de Almas, que expunha dois casos de violência: um

senhor havia pressionado um ferro de marcar gado na testa de seu escravo; outro escravizado,

do mesmo proprietário, havia cometido um homicídio. Por se tratar de casos que envolviam

um bem privado (escravos), o juiz de paz questionou como deveria proceder. O Conselho

respondeu que, no primeiro caso, o juiz deveria ouvir as testemunhas oculares, inspecionar o

ferimento e arguir o proprietário sobre o ocorrido para certificar-se da verdade. Quanto ao

segundo, era necessário fazer um corpo de delito e remetê-lo ao juiz criminal do distrito35.

O auxílio era uma via de mão dupla, pois os juízes de paz tornaram-se aliados locais

essenciais para o Conselho Presidial. Em 10 de maio de 1830, o presidente de província

apontou que, a despeito das ordens expedidas pela instituição para a organização de censo e

estatística para a província, poucos relatórios populacionais haviam sido enviados por

párocos, capitães-mores e juízes de paz. Por isso, procuraram o principal encarregado de

administrar essa importante tarefa, o segundo-tenente engenheiro José Joaquim Rodrigues

Lopes, que se justificou alegando que não poderia, por enquanto, viajar para cobrar e

fiscalizar a produção dos relatórios junto àquelas autoridades locais devido à falta de

instrumentos necessários, que foram solicitados à Secretaria de Estado dos Negócios da

Guerra36.

35 MARANHÃO, Conselho Presidial. Livro de Atas. Sessão de 7 de maio de 1830, fl. 96. 36 Id., ibid., Sessão de 10 de maio de 1830, fl. 96-96v.

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Carências locais eram constantemente apontadas pelos juízes de paz com o intuito de

aprimorar a segurança e a vigilância sobre seus distritos. O juiz de Mearim apontou a

necessidade de providenciar algum edifício para abrigar a cadeia do local, ao que o Conselho

respondeu que iria notificar à Câmara Municipal para dar as devidas ações37. Esse tipo de

observação era muito comum, e possivelmente atendia a uma solicitação do poder central,

feita em 1828, para que o governo provincial apresentasse informações sobre as cadeias

públicas da sua província, detalhando se necessitavam de reformas, se eram bem arejadas e se

tinham espaço suficiente para os presos38.

Além de observar a situação dos estabelecimentos carcerários, os juízes de paz tinham

que estar atentos à movimentação em seus distritos, evitando a entrada e permanência de

indivíduos mal vistos pela “moral pública” – como “mendigos”, “vadios”, “bêbados” e

“meretrizes” – e desfazer “ajuntamentos” ou reuniões “suspeitas”. Entre esses, podemos

apontar as reuniões de “povo e tropa” que passaram a ocorrer nas praças de várias vilas do

Maranhão após a divulgação da notícia da abdicação de D. Pedro I (1831). Como o

movimento que ocorreu em São Luís, conhecido como Setembrada39, essas manifestações nas

praças exigiam a expulsão de portugueses das vilas e dos cargos públicos judiciais e militares,

evidenciando a insatisfação com a retomada de privilégios que os estrangeiros haviam

conseguido no pós-Independência, aspecto corriqueiro em várias cidades nos primeiros anos

do Império.

Considerações finais

Conquanto estudos sobre as instituições do Império ainda sejam dispersos, eles vêm

chamando a atenção, pois “novos olhares” sobre sua documentação estão apresentando

detalhes sobre o estabelecimento das bases do Estado imperial e seu impacto na vida cotidiana

das vilas e cidades.

37 Id., ibid., Sessão de 21 de maio de 1830, fl. 97v 38 BRASIL, Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. Ofícios e avisos ao presidente de

província do Maranhão (1828). Secretaria do Governo. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do

Maranhão. 39 Movimento que ocorreu em 13 de setembro de 1831.

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A atuação dessas instituições também evidencia a importância do Poder Executivo

para esse momento de reestruturação da administração municipal/provincial, demonstrando

que os novos preceitos do liberalismo em voga no Oitocentos conviveram diretamente com

reminiscências do Antigo Regime. Dessa mistura, houve a formatação de um regime

monárquico-constitucional com referenciais externos (principalmente advindos do liberalismo

inglês e francês), mas que se adaptou às particularidades do contexto brasileiro

(DOLHNIKOFF, 2011, p. 3)

No Maranhão, o Conselho Presidial foi locus de articulação e de representação dos

interesses das elites locais/regionais com o distante governo central. Tais negociações

denotam que o processo de instituição do Estado imperial foi gradativo, moroso e nem sempre

cadenciado com as diretrizes da Corte, uma vez que a elite local e os agentes da

municipalidade impunham velada resistência aos novos ditames em prol de seus interesses.

Juízes de paz, Câmaras Municipais, ouvidores gerais, comandantes militares e mestres de

ensino são apenas alguns exemplos de instâncias e autoridades que estavam sob a jurisdição

do Conselho Presidial, que arbitrava suas ações a partir das portarias ministeriais endereçadas

ao chefe do governo regional (presidente ou vice).

No mais, nossa pesquisa sobre a província do Maranhão durante o Primeiro Reinado

prossegue com o intuito de esmiuçar os esforços de sua elite para integrar-se ao Império do

Brasil. Observamos que esse processo ocorreu pari passu à estruturação burocrática de seu

governo regional, esfera de poder que teve relevância no período pela participação de seus

atores e por seu papel de interlocução com o poder central. Gradativamente, os estudiosos

vêm salientando o protagonismo das dinâmicas políticas regionais, desenvolvendo profícuas

análises que auxiliam na compreensão sobre as estratégias de consolidação de um poder

central que se esforçava para ser reconhecido como legítimo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Documentos

a) Manuscritos

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