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7/23/2019 Entre Caixa Preta e Cubo Branco: o Vdeo Nos Espaos Das Artes Plsticas. CIFUENTES, Adolfo.
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Entre a caixa preta
e o cubo branco:
Adolfo CifuentesDoutor em Artes pela Escola de Belas-Artes daUniversidade Federal de Minas Gerais.
O vdeo,a imagem-movimento
no contextodas artes plsticas
RESUMO
Este artigo aborda, a partir de alguns eixos provenientes do discurso
da intermidialidade, um segmento da produo artstica contempornea
constitudo pela apropriao da imagem-vdeo a partir das artes plsticas,
em um leque de manifestaes que, j desde a sua denominao composta,
denotam uma zona de intermidialidade hbrida. Videoinstalao, videoes-
cultura, videoperformance s podem ser pensados como zona de limitesmiditicos. No entanto, os contatos e encontros entre mdias no so feitos
s da mistura de tcnicas ou de ferramentas, mas tambm, em grande
parte, do dilogo das tradies de construo do olhar do espectador nos
espaos que as diferentes mdias tm desenvolvido para a apresentao
e fruio das suas imagens. Trata-se ento, neste artigo e na pesquisa da
qual ele faz parte, dos dilogos implcitos nessas manifestaes entre o
cubo branco(a galeria, o museu) e a tipologia arquitetnica da caixa preta:
o modelo do auditrio, caracterstico tanto da sala de cinema quanto da
sala de teatro e de artes performticas em geral.
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Mdia e dispositivo
De fato, "a arte" no o conceito comum que unifica as diferentes artes. Ela
o dispositivo que as torna visveis. Pintura no s o nome de uma arte. o
nome de um dispositivo de exposio, de uma forma de visibilidade da arte.
(RANCIRE, 2004, p. 36)1
As temticas desenvolvidas neste artigo fazem parte de uma pesquisa mais
ampla, ainda em andamento, na qual, sob o ttulo de Caixa preta e cubo
branco: duas tradies do olhar, explora-se um setor da produo artsticacontempornea constitudo pela apropriao da imagem cinemtica2pelos
artistas plsticos, em manifestaes como a videoinstalao, a videoescul-
tura ou a videoperformance. Dar incio a este artigo pelas denominaes de
algumas estratgias de produo tem a vantagem de tornar "reconhecvel"
uma zona aparentemente delimitada e "clara": os cruzamentos hbridos da
imagem em movimento com os vrios campos das artes "plsticas" (pintura,
escultura, arquitetura...). Porm, esse fechamento do campo pelo simples
assinalar de algumas estratgias de produo no indica ainda com exatido
a natureza da nossa abordagem.
O olhar que estamos querendo construir foge dessas denominaes tcni-
cas, para centrar-se naqueles espaos que do visibilidade arte, aos quais
o filsofo Jacques Rancire faz meno na citao do cabealho. Designar
uma arte fazer meno a um certo dispositivo de exposio. Para comear,
poderamos sublinhar um fato significativo a respeito desses dispositivosde visibilidade: embora os tipos de manifestao alvo de nossa pesquisa
sejam constitudos em sua base pela imagem em movimento, raramente
so apresentados na caixa preta3da sala de cinema. Bem ao contrrio, esto
inseridos de maneira natural nos circuitos de produo e difuso prprios
do cubo branco(o museu, a galeria). Interessa-nos ento explorar e definir
aqueles pontos e estratgias de contato, os lugares de trabalho que per-
mitem essa migrao das telas4de um espao para o outro; porque, se o
cubo brancoe a caixa pretarepresentam espaos e dispositivos diferenciadosnas suas maneiras de oferecer ao espectador as imagens que propem,
as manifestaes que estamos abordando constroem pontes onde se faz
possvel o encontro de mltiplas mdias e subespciesde imagens. O alvo
especfico da nossa pesquisa est constitudo ento por essa espcie de
corredores cinzas construdos em meio (e em suspense) entre o cubo
brancoe a caixa preta, assim como pelas lgicas que lhes subjazem.
1Traduo livre feita pelo autor deste artigo:De fait, lart nest pas le concept commun quiunifie les diffrents arts. Cest le dispositif que
les rend visibles. Et peinture nest pas seulementle nom dun art. Cest le nom dun dispositif
dexposition, dune forme de visibilit de lart.
2Empregamos aqui a expresso imagemcinemtica para contornar uma diviso, muito
ambivalente hoje, entre cinema e vdeo:grande parte do que chamamos hoje de cinema hoje digital, incluindo a filmagem, na maioria
dos casos. Em grande parte da produo feitanos grandes estdios sobrevive s um momentode pelcula anloga: a projeo. As cpias finais,
destinadas exibio pblica, continuam aser feitas em pelcula anloga de 35 mm
3No Brasil a expresso caixa preta est fortementeligada cmara fotogrfica e, mais especificamente,
ao livro de Vilm Flusser Filosofia da caixa preta(So Paulo: Hucitec, 1985). claro que no nesse
sentido que empregamos aqui a expresso: elaassinala a sala de projeo do cinema e a tipologia
arquitetnica da sala de auditrio em geral.
4A expresso emprestada de Philippe Dubois,que fala de uma migrao da tela para almda sala de projeo no catlogo da exposio
Movimentos improvveis. Centro Cultural do
Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2003.
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a partir desse trnsito fenomenolgico que a noo de alicerce miditi-
co proposta por W. Moser na citao do cabealho adquiriria todo o seu
sentido: a arte, enquanto experincia sensorial, precisa de uma mdia para
se materializar, para existir. Ainda mais: a afirmao poderia ser expressa
de uma maneira mais enftica: a arte existe essencialmente como mdia. A
natureza prpria de cada uma das diferentes artes seria ento a de trabalhar
Do alicerce miditico e os seus limites
A arte persegue seus prprios objetivos, apoiando-se no que chamei aqui
de um alicerce miditico indispensvel, que , entretanto, frequentemente
"esquecido" no ato de recepo. (...) O dispositivo das relaes entre as artes,
com suas estratgias e prticas muito variadas, permite ao artista anular a trans-
parncia da mdia, tornar a midialidade da arte opaca e, assim, reconhecida. A
interao concreta entre duas artes, que implica sempre tambm aquela entre
duas mdias, revela-se, portanto, como um caso privilegiado para se pensar a
midialidade em um contexto que j intermiditico. (MOSER, 2006)
A obra de arte feita para ser vista, escutada, lida. Podemos caminhar nela,
como em uma catedral ou uma instalao, podemos compr-la e lev-la
para casa como um quadro, podemos l-la ou ento-la em voz alta como
um poema ou uma cano. A sua natureza sensorial: ela no algo ideal,
mental ou conceitual.5Ela pertence ao universo dos sentidos. Alis, essa
seria uma das caractersticas que a definem: ao contrrio da filosofia, ou
das matemticas, as artes elaboram e do forma a uma mdia, propemespecificamente um material, um objeto sensorial, dirigido sensibilidade.
claro que essa base material-sensorial constitui s um ponto de ancoragem
a partir do qual se espera que a obra realize outras operaes (conceituais,
simblicas, espirituais, transcendentais, etc.) mas necessariamentea partir
dessa natureza do mundo sensvel, da experincia sensorial oferecida aos
rgos receptores prprios da nossa espcie, que a obra pode executar
essas outras funes.
5 claro que mesmo a arte a que se chama deconceitual prope objetos a partir dos quais possvel estabelecer o carter artsticoda proposta.
A OBRADEARTEFEITAPARASERVISTA, ESCUTADA, LIDA(...):AOCONTRRIODAFILOSOFIA, OUDASMATEMTICAS, ASARTESELABORAMEDOFORMAAUMAMDIA, PROPEMESPECIFICAMENTEUMMATERIAL, UMOBJETOSENSORIAL, DIRIGIDOSENSIBILIDADE.
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um material, uma mdia especfica: a linguagem verbal para a literatura, o
som para a msica, a imagem bidimensional para a pintura, o volume (a
tridimensionalidade) para a escultura, o espao associado funo como
campo prprio da arquitetura, a imagem audiovisual em movimento para
o cinema, etc.
Esse encontro inevitvel entre arte e mdia teria vrias consequncias. Uma
delas estaria dada por certa sincronia do desenvolvimento do discurso
esttico e do discurso miditico. Paralelamente ao nascimento da esttica
tal como hoje a conhecemos (Baumgarten cunhou o termo em 1755), a
Alemanha da segunda metade do sculo XVIII foi testemunha tanto da
publicao da Crtica do juzo, por Kant (1790), como do Laocoonte ou
dos limites entre a pintura e a poesia, de Gotthold Ephraim Lessing (1766),
considerada como a obra pioneira do discurso miditico. Essa importante
publicao foi o resultado de uma contenda intelectual: frente s teorias de
Winckelmann,6que propunham a existncia de um s ideal para todas as
artes, Lessing defendeu, no seu clssico Laocoonte...,a natureza das distin-
tas formas de expresso artstica, segundo os meios tcnicos empregados,e definiu ento os objetos respectivos das artes plsticas e da poesia de
acordo com suas caractersticas prprias. Escultura e pintura, como artes
que se expandem no espao, tenderiam sntese, enquanto a poesia,
que se expande no ritmo prprio do tempo e tambm na narratividade
do discurso, tenderia anlise.7Colocam-se ali duas grandes categorias,
segundo a natureza do "material" trabalhado: objetos fsicos, espaciais, ou
objetos "temporais" inapreensveis fisicamente, cujo material se expandeno tempo. Artes, do espao e do objeto (plsticas), por um lado, e artes do
tempo (interpretativas, performticas),por outro. Cada mdia teria ento
uma especificidade prpria, que impe, por sua vez, as suas leis, tipos de
condicionamento e modos de articulao prprios.
Aquela anlise central na nossa pesquisa: historicamente, a imagem fixa
das artes plsticas tem estado ligada a uma ontologia do objeto. A sua ima-
gem toma corpo na matria, fixa-se e permanece graas ao "congelamento"do tempo que ela realiza, desde o ponto de vista da permanncia da prpria
pea (escultura, pintura...) como da "apreenso" do instante que ela efetua.
Essa captura do instante seria paradigmtica na imagem fotogrfica, por
exemplo, mas a estratgia do congelamento e da imobilizao constituti-
va da prpria natureza da imagem fixa, e poderia ser rastreada ao longo da
histria da pintura e da escultura. De outro lado, as artes interpretativas, ou
performticas, esto ligadas ao acontecimento: desenvolvem-se no tempo
6As publicaes de Winckelmann (Reflexessobre a imitao dos gregos na escultura e na
pintura, 1755, Histria da Arte na Antiguidade,1764, e Monumentos antigos inditosexplicados e ilustrados, 1767) constituem elos
igualmente essenciais para uma compreensodo pensamento esttico contemporneo.
7A snteseproposta por Lessing tem a ver coma condensao da narrativa em um nico e
emblemtico instante (o grupo de esculturasgregas conhecido como o Laocoonte foi o
paradigma (da o nome do livro), mas tambmtoda a pintura histrica da segunda metade do
sculo XVIII e primeira metade do XIX constituembons exemplos dessa sntese,O juramento dos
Horciosde David, por exemplo. Talvez sejatambm importante lembrar que, nesses limites
entre tempo e espao esboados por Lessing paradelimitar os territrios das artes plsticas e da
poesia, poesiaquer dizer ali no s a escrita, mastambm a palavra viva, entoada, interpretada:o
aedo, o bardo, o poeta cantor, no s o texto escrito
a que tendemos s vezes a reduzir o termo.
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muito menos das suas msicas, danas, rituais,
cerimnias e eventos performticos em geral. E
o que sabemos foi inferido da informao que
nos do os objetos materiais preservados (ins-
trumentos musicais por exemplo) ou as artes
plsticas: desenhos, pinturas, representaes
das performances, etc. Porm, alm do aparente
distanciamento entre os dois campos, matria e
temporalidade sempre dialogaram. A msica e
a palavra, por exemplo, feitas ambas de ondassonoras, acharam nos sistemas de escrita um alia-
do para vencer a sua transitoriedade. Os teatros
grego, elisabetano, espanhol do sculo de ouro,
por exemplo, so uma tima mostra disto: as suas
apresentaes aconteceram h vrios sculos,
mas conhecemos descries e escritos das per-
formances e, sobretudo, temos acesso aos textos
das grandes tragdias, comdias e dramas, e tudo
isso permite sua apresentao at hoje.
Porm, ainda que fundamental, a anlise feita por
Lessing destes dois fenmenos (tempo e espao)
no demarca exatamente a zona real na qual se
desenvolve nosso percurso. E isso por vrias ra-
zes. Primeiro porque, no contexto no qual elesublinhou essas diferenas, tratava-se, entre ou-
tras coisas, de definir, no mbito de uma esttica
normativa, um certo tipo de modus operandi, alm
de alguns parmetros de julgamento para atingir
e medir a perfeio formal e conceitual de uma
obra: s na medida em que se reconhecessem
os limites impostos pela natureza do material
especfico a obra de arte poderia atingir a sua
elevao e nobreza.
E, segundo, porque a anlise de Lessing foi feita
bem antes das inovaes tecnolgicas que, na
segunda metade do sculo XIX, permitiram a cap-
tura e a reproduo fsico-mecnica do som (o
fongrafo), do tempo e do movimento (fotografia
e pertencem ao mundo evanescente do gesto,
natureza efmera do evento.
A Vnus de Willendorf, por exemplo, uma das mais
conhecidas esculturas neolticas, tem aproxima-
damente 22.000 anos. Ela um objeto pequeno
de pedra (11 cm de altura); porm, junto a uma
srie tambm relativamente reduzida de escul-
turas de caractersticas similares (representao
da figura feminina, exaltando nela o seu papelde procriao), tem levado a complexas leituras
interpretativas das sociedades pr-histricas e da
sua estrutura social (matriarcado, religies cen-
tradas na figura da deusa me, etc.). Os objetos
permanecem, mesmo com a passagem do tempo.
Os povos e estruturas sociais e religiosas que lhes
deram origem desapareceram h muitos milnios,
mas o objeto existe e testemunha do seu tempo.A partir dele podemos fazer interpretaes dos
homens e culturas que os produziram. Historica-
mente, as artes plsticas esto (estiveram?) ligadas
a essa "ontologia" do objeto. Elas so (foram?)
definidas desde essa caracterstica de produo
de uma imagem que toma corpo e forma em uma
matria, que se fixa e permanece graas ao "con-gelamento" do tempo, tanto a partir do ponto de
vista da durao (permanncia) da prpria pea,
como na "solidificao" do movimento que ela
efetua. Essa lgica da imobilizao clara desde
os primrdios das artes plsticas: nas famosas
obras-primas da arte pr-histrica na caverna de
Altamira, Espanha, por exemplo: o desenho de
vrios animais (incluindo um touro e um cervo)os representam num momento congelado da
sua veloz carreira.
Inversamente, as artes interpretativas ou perfor-
mticas acontecem e se desenvolvem no tempo.
Conhecemos bem a escultura, a pintura e a arqui-
tetura dos egpcios e dos gregos, mas sabemos
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e cinema).8O nascimento e o desenvolvimento do cinema, nas ltimas
dcadas do sculo XIX, marcaram um importante ponto de inflexo nessa
diviso taxativa entre artes "do tempo" e "do espao". Mas, ainda mais que
essas invenes, tudo o que havia por trs delas: a evidncia de uma quebra
epistemolgica gerada pela apario da temporalidade como categoria
iniludvel de anlise no pensamento ocidental (a fenomenologia hegeliana,
a evoluo darwiniana, a anlise econmica marxista, o espao-tempo da
teoria da relatividade, entre outras)9mudou completamente nossos regi-
mes de distribuio, classificao e pensamento dessas duas realidades.
Assim, a matria e o tempo analisados por Lessing foram bem diferentesdaqueles aos quais fazemos referncia agora, tanto nas artes quanto nas
concepes que temos hoje desses fenmenos na fsica e no pensamento
contemporneo em geral.
Alis, a histria das artes plsticas, tudo ao longo do sculo XX reflete clara-
mente essa procura constante pela temporalidade: ela comeou nas ltimas
dcadas do sculo XIX com os esforos dos impressionistas por capturar a
fugacidade do mundo e continuou com a quebra cubista da perspectivafocal renascentista, propondo em seu lugar uma viso mltipla dos objetos
percebidos de vrios pontos de vista (Braque, Gris, Picasso), e continuou
tambm com as pesquisas futuristas na representao do movimento
(Boccioni),10com as esculturas mveis de Calder e com a desestruturao
do objeto material feita por movimentos como Fluxus, Arte Povera, arte
conceitual, situacionismo, etc. Mas tambm com a arte de processos (Land
Art, arte de participao, etc.) e com os mltiplos entrecruzamentos dasartes do objeto com as artes performativas e cnicas em happenings,
performances, etc.
A pergunta pela materialidade e a espacialidade, prprias do campo das
artes plsticas qual fazemos referncia, estaria ento, necessariamente,
inserida em outros contextos. Um deles, por exemplo, seria o rpido e
promissor desenvolvimento dos meios digitais e o acelerado impacto das
novas tecnologias na vida cotidiana. Fala-se muito hoje da maneira como avirtualidade e a experincia imaterial da imagem eletrnica estariam "rou-
bando" cada vez mais espao materialidade, e substituindo-a (e isso no
s no campo das artes) a ponto de poder chegar a suprimi-la ou torn-la
obsoleta. O triunfo definitivo da virtualidade na experincia universal da
rede. Tudo viraria e-arte todos iramos nos tornar e-artistas nessa utopia
da comunicabilidade miditica global. Esse cenrio , com certeza, um dos
mundos possveis, mas est longe de ser o nico. No mesmo momento em
8Uma aproximao gnese dessas relaesintermiditicas do vdeo, apropriado pelos artistas
plsticos, poderia comear ento pelos esforosdaqueles pioneiros que, como Muybridge, Mareyou Anschtz, criaram, ao longo da segunda
metade do sculo XIX, engenhosos mecanismospara capturar imagens sequenciais. J no umaimagem s, um congelamento (o momento de
sntese, para seguir a linguagem de Lessing), masa procura por reproduzir um contnuo temporal.
9Ver Foucault (1966), abrangente estudo daapario dessa temporalidade na primeira metade
do sculo XIX, basicamente em trs reas deconhecimento: linguagem (Bopp), economia
(Ricardo, Marx) e cincias naturais (Darwin).
10 claro que se trata aqui de uma relaomuito sucinta dos movimentos, escolas e
artistas. Mencionamos Umberto Boccioni (1882-1916) porque foi ao mesmo tempo o maior dos
tericos daquela vontade de capturar a sucessodinmica do movimento. Do mesmo modo,
estamos conscientes de no ter mencionado,nesta breve sntese das tentativas de materializarplasticamente a temporalidade, uma obrato central como Nu descendo a escada, de
Duchamp. Apesar de suas evidentes relaes como cubismo e o futurismo, essa pea de difcil
classificao nas rotulaes prprias dessasvanguardas: ela est mais diretamente relacionada
cronofotografiade tienne Jules Marey.
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corredores cinza que surgem nos dilogos entre
as tipologias da caixa preta e do cubo branco.
No estado atual da pesquisa definimos alguns
eixos bsicos ao redor dos quais essas manifesta-
es circulam, quebram, conjugam e reconstroem
os condicionamentos das duas tradies do olhar
prprias daqueles espaos paradigmticos do
cubo branco e da caixa preta nos seus desen-
volvimentos histricos. Eles sero enumerados
e explorados de forma bastante sucinta nesta
ltima seo do texto.
Materializao
Se o registro do movimento liberou a imagem
das artes plsticas da sua imobilidade e conge-lamento, por outro lado deu origem a um tipo
de imagem na qual as noes de materialidadee
presena fsica desaparecem: as suas estratgias
de produo esto, por definio, inseridas no
estatuto ontolgico dos meios tcnicos; so ima-
gens essencialmente miditicas e imateriais: a sua
presena est desprovida de peso e de matria.
claro que a contraposio e a pergunta sobre a
relao imagem/realidadefazem parte do estatuto
da imagem em geral: ela no objeto, mas a sua
representao. Nesse sentido, a imagem cinema-
togrfica representaria s um degrau a mais so-
bre a noo do nexo entre "realidade" e imagem.
Um desenho ou uma pintura de algumas frutas
no so considerados mais "reais" do que uma
fotografia pelo fato de serem produzidas mo
e artesanalmente. Bem ao contrrio, as imagens
fotogrficas e cinemticas tm reclamado para si,
desde a sua apario, um estatuto ontolgico bem
maior, que se faz evidente nos usos da fotografia e
do cinema como ferramentas auxiliares de vrias
que essas direes ganham adeptos, importncia
e visibilidade, tambm outros desenvolvimentos
evidenciam uma direo, e uma reao at, na via
contrria: os dilogos com os espaos prprios
da instalao contempornea, as apropriaes
de lugares especficos nas intervenes in situ,
a contnua experimentao, pela escultura e a
pintura contemporneas, com todo tipo de ma-
teriais e materialidades, etc. O prprio uso do
vdeo no contexto da galeria, como veremos maisadiante, refletiria claramente esses cruzamentos:
a imagem imaterial do vdeo materializada e
espacializada, o espao padronizado da caixa
preta da sala de cinema desconstrudo e rein-
ventado, etc.
Dois espaos e os seus
corredores comunicantes
Como dito no incio deste artigo, mais do que o
alicerce miditico em si, o nosso norte est cons-
titudo pelos dispositivos de visibilidade que cada
mdia levaria implcita: a msica est unida ao
concerto, ao festival; o filme sala de cinema(ou pelo menos a certas exigncias espaciais:
escurido, frontalidade da tela, etc.). A diferen-
te natureza ontolgica dos materiais impe as
suas condies: no pode ser a mesma coisa
apresentar um objeto que tem uma durao e
apresentar outro que, feito de pedra ou ferro,
"foge" temporalidade e define a sua natureza
na permanncia. Analisemos ento os modos
como essas contraposies bsicas entre tem-
po e matria, evento e lugar, se articulariam nos
dois espaos de visibilidade aqui enfocados. Mas
vamos analis-los, paralela e especificamente, a
partir daqueles pontos de fuga intermedirios
que constituem o alvo da nossa pesquisa: aqueles
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nea de objeto real e objeto virtual, interagindo de
maneira to inesperada e direta: o smbolo mesmo
da contemplao contempla infinitamente a sua
prpria imagem. Curiosamente, referirmo-nos aqui
"imagem em movimento" ou "audiovisual", como
se faz normalmente para designar a imagem cine-
mtica, seria contraditrio em uma obra na qual os
elementos mais surpreendentes so precisamente
a quietude e o silncio, sem excluir, porm, uma
dose de humor e de sentido do absurdo.
A obra toda de June Paik feita de uma estranha
restituio da materialidade imagem-vdeo.
Ela nos lembra o tempo todo que um aparelho
de televiso , ao mesmo tempo, uma imagem
miditica e um objeto tridimensional, e explora
na videoescultura um campo rico de criao no
qual esse aparelho assumido como algo que vaimuito alm do seu uso tradicional como veculo
da imagem. Como objeto fsico ele se acumula
em aglomeraes e pacotes, caticos ou seriados,
que formam massas, compem figuras, ocupam
e geram espaos.
Do mesmo modo, Tony Oursler, outro importante
videoartista contemporneo, utiliza projees
de imagem-vdeo de rostos (Figura 2) que falam
e gesticulam, sobre figuras antropomorfas tri-
dimensionais e estticas, gerando peas de um
efeito dramtico, inesperado e inquietante, em
grande parte devido ao estranho encontro entre
a imobilidade dos objetos fsicos e o dinamismo
e a imaterialidade da imagem-movimento.
Mas tambm muitos outros tipos de materialida-
de aparecem em outras obras e artistas: a tela re-
ceptora que permite a condensao da imagem
projetada, por exemplo, vira frequentemente um
elemento carregado de uma materialidade que
no s fsica, mas tambm simblica ou narrati-
va: gua, fumaa, superfcies movimentadas pelo
cincias. Gneros como o documentrio cinema-
togrfico, ou a fotografia jornalstica, tm a sua
definio na noo mesma da representao da
"realidade" que eles pressupem. Mas no vamos,
no contexto deste artigo, abordar as implicaes
dessas noes de realidade, imagem e represen-
tao: isso nos levaria bem alm da nossa anlise.
Queremos somente assinalar, por ora, a frequncia
de mltiplos procedimentos que, desde a imagem
vdeo apropriada no contexto das artes plsticas,pem em relevo essa contraposio entre real e
representado, entre imagem e realidade, entre
objeto material e objeto mediado.
Dos muitos exemplos que poderiam nos ajudar
a ilustrar esse eixo, selecionamos uma das obras
mais clssicas de quem considerado o pai do uso
Figura 1: Nam June Paik, TV
Buddha (1974). Aparelho
de TV, escultura empedra de Buda, cmara
de circuito interno.
do vdeo no contexto das artes plsticas. Trata-se
da obra TV Buddha(1974) do videoartista coreano
Nam June Paik (Figura 1). A obra apresenta uma
imagem de Buda, esculpida em pedra, "assistindo"
projeo da sua prpria imagem na tela de umaparelho de televiso. Mesmo hoje, mais de 30
anos depois da sua produo, imersos como esta-
mos num contexto no qual as cmaras de circuito
interno se tornaram quase onipresentes, a obra
continua a nos surpreender, no s pela simplici-
dade e fora do seu circuito de filmagem e apre-
sentao, mas tambm por essa presena simult-
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vento, etc. fazem parte dos repertrios usados
nesse tipo de manifestao.
Espacializao
Se, de um lado, o cinema constituiria um ponto
de encontro entre a imagem espacial das artes
plsticas e a imagem ligada transitoriedade
temporal das artes performticas, so tambmvrios os elementos que o afastam da natureza
material, espacial e fsica das artes plsticas. Por
um lado, a especialidade do cinema relativa:
como em um quadro, a imagem projetada na tela
tem uma altura e um comprimento, mas essas
dimenses no so parte constitutiva da obra,
nem definem as suas caractersticas tcnicas ou
fsicas. No perguntamos na locadora de vdeo
pela largura de um filme, nenhuma obra cine-
matogrfica inclui na sua informao tcnica o
seu peso ou a sua altura, como o caso para uma
escultura ou uma pintura. Ele possui, sim, algumas
caractersticas espaciais, mas no sentido do aspect
ratio, o qual expressa as relaes entre largura e
comprimento: existem formatos mais alongadosou mais quadrados. No caso do cinema de 35
mm, por exemplo, ele mais alongado do que o
formato da TV ou da pelcula de 16 mm. Do mes-
mo modo, o som constitui um elemento espacial
muito importante do cinema: o fato de ser mo-
nofnico ou estreo, ou a qualidade e disposio
dos equipamentos tcnicos do som numa sala de
cinema tm, obviamente, uma grande incidncia
na construo espacial da sua percepo.
Mas essas caractersticas espaciais presentes j
no cinema no chegam a tornar-se os rasgos que
o definem, nem passaram a ser o prprio lugar
de trabalho. Na videoinstalao, ao contrrio, j
desde a sua denominao, evidencia-se a sua
natureza espacial; de fato, at poderamos deno-
min-la mais exatamente de vdeo espacializado.
Ela talvez o mais recorrente de todos os usos do
vdeo no contexto do cubo branco, ao ponto de
muitas das manifestaes do vdeo apresentadas
na sala do museu serem chamadas comumente
pelo nome genrico de videoinstalaes.
Dos muitos exemplos que poderiam ser apresen-
tados para ilustrar esta espacializao da imagem
vdeo, prpria destes tipos de manifestaes, sele-
cionamos a obra The House, da artista finlandesa
Eija-Liisa Ahtila (Figura 3). Nela a centralidade do
olhar dirigido para frente, prprio da Caixa Preta,
Figura 2: Tony Oursler. Imagem fixada obra Keep Going, 1995. WilliamsCollege Museum of Art, MA, EUA.
quebrado e disseminado em trs telas que vo
mostrando pontos de vista diferentes do mes-
mo evento, narrado simultaneamente em trs
projees espalhadas no espao arquitetnico
da galeria.
A temporalidade como fragmento (a durao)
Geralmente ao final de um filme aparece a palavra
FIM. A pea de teatro, o concerto, ligados tambm
ideia de uma temporalidade na qual a obra acon-
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Senta-te e caminha (percurso e imobilidade)
Para entender melhor a diferena dos dois es-
paos, preciso apenas lembrar a diferena de
atitudes que temos no momento de ingressar emcada uma das duas tipologias arquitetnicas: a
primeira reao de quem ingressa na caixa preta
procurar uma cadeira e sentar, enquanto que o
cubo branco feito basicamente do percurso que
de antemo sabemos que vamos realizar. Parece
paradoxal, mas, na verdade, faz muito sentido: s
imagens em movimento corresponderia um olhofixo, sentado na sua cadeira; s imagens fixas,
imveis, um olho que caminha, se movimenta e
faz um percurso.
Se o espectador da caixa preta tem de se deslocar
por acaso (levantar para ir ao banheiro ou sim-
plesmente para mudar de cadeira), esse ato ser
percebido por ele e por seus vizinhos como umato fora da srie, que no teria de acontecer mas
que, se acontece, sentido como interrupo da
sequncia normal de desenvolvimento do evento
e at como rudo e elemento perturbador. Da
mesma maneira, sentar em uma cadeira pode
ser parte do percurso museogrfico e, de fato,
quando a coleo e o museu so grandes, eles
novamente, os atores, danarinos ou msicos so
aplaudidos. O ritual demarca claramente o final
da apresentao e o momento de ir embora. O es-
pectador do cubo branco, pelo contrrio, no tem
uma hora marcada de ingresso, nem est sujeito a
uma temporalidade previamente demarcada.Inserida em um universo oposto s narrativas do
cinema e do vdeo, a apresentao da imagem
em movimento tem que desenvolver estratgias
e realizar adequaes que lhe permitam adaptar
a natureza de um espao que no est ligado a
essa demarcao do limite temporal no qual a
obra acontece. E se verdade que muitas vezesa presena do vdeo na sala de exposies re-
pete o esquema da sala de cinema, construindo
pequenas caixas pretas nas quais se pode sentar
e assistir a fitas de vdeo, no sentido temporal e
narrativo da obra que tem incio e final, tambm
verdade que muitas dessas obras quebram essa
temporalidade e essa ideia de uma durao espe-
cfica. A obra constitui-se muito mais pela expe-rincia visual, sonora e espacial de uma imagem
que no narra uma histria e que no exige do
espectador um tempo especfico, nem um estado
de ateno temporalmente demarcado. De fato
o loop, fita contnua que acaba e recomea inin-
terruptamente, talvez a maneira mais comum
de trabalhar a duraonesse tipo de obra.
PARECEPARADOXAL, MAS, NAVERDADE, FAZMUITOSENTIDO: SIMAGENSEMMOVIMENTOCORRESPONDERIAUMOLHOFIXO, SENTADONASUACADEIRA; SIMAGENSFIXAS, IMVEIS,
UMOLHOQUECAMINHA, SEMOVIMENTAEFAZUMPERCURSO.
tece, empregam vrias estratgias para marcar os
momentos limites do comeo e do final: fazem-se
chamadas, abrem-se cortinas, apagam-se luzes,
desligam-se celulares, etc. Da mesma maneira, ao
final as cortinas se fecham, as luzes se acendem
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esto acondicionados com cadeiras ao longo do percurso. Mas sentar, aqui,
tambm um ato excepcional, uma pausa. No se vai ao museu para sentar
e ficar quieto. As imagens no desfilam na frente do espectador, ele quem
tem de desfilar em frente s imagens, fazer um percurso para enxerg-las. A
espacializao da imagem em movimento proposta acima como uma das
caractersticas das obras que empregam o vdeo no contexto da galeria,
faz com que o percurso, e muitas vezes at a prpria interao do visitante
com os dispositivos de produo e projeo da imagem (cmaras de circuito
interno, projetores, etc.) seja uma parte integral da proposta.
Invisibilidade e visibilidade (do circuito de apresentao)
A invisibilidade do circuito de apresentao prprio da caixa preta quase
um paradigma inviolvel: quando tomamos conscincia da tela (quando
h rugas ou manchas, por exemplo), isso seria percebido como um fator
indesejvel de distrao. Da mesma forma, o projetor escondido por trs,
ao fundo da sala, junto pessoa encarregada pela projeo, devendo todosficarem invisveis e serem esquecidos. O mesmo acontece com o sistema
eltrico ou com os elementos tcnicos do som e, em geral, com toda a
armao que constitui os bastidores da sala.
J o vdeo apresentado no contexto do cubo branco frequentemente ressalta
e celebra, e exagera at, a presena dessas estruturas; torna-as evidentes ou
seleciona segmentos especficos para integr-los ao circuito constitutivo da
obra. O videoartista colombiano Jos Alejandro Restrepo, por exemplo, nasua obra Quiasma(Figura 4), utiliza um sistema de cabos eltricos exagera-
damente grossos para uns aparelhos de TV to pequenos que fica evidente
que no se precisa desse tipo de cabo de trabalho pesado que circunda e
atravessa o espao da sala, comunicando os quatro aparelhos colocados
diretamente no cho. A multiplicidade das linhas que eles traam cobra uma
relevncia inusitada. O carter forte e macio dos cabos confere a eles uma
fora quase escultural. como se a ausncia de matria da imagem cine-
mtica tivesse de ser restituda por outras materialidades. O artista recorre
ento a esses elementos que, normalmente escondidos ou esquecidos na
sala de projeo, so aqui sublinhados e ressaltados.
Da mesma maneira, nas videoesculturas de Tony Oursler (Figura 2) o circuito
projetor-tela ressaltado e evidenciado a ponto de o projetor de vdeo
tornar-se quase uma parte integrante da obra. No temos nela a separao
entre "projetor" e "imagem projetada a que estamos acostumados na sala
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de cinema: o circuito projetor/tela/ imagem exibido como uma totalidade.
Nesse sentido cabe destacar que, na primeira apresentao da pea antes
mencionada de June Paik, TV Buddha, em 1974, a cmara do circuito interno
no era visvel. Foi s nas verses posteriores que ela se tornou finalmente
um elemento presente e constitutivo da obra.Figura 3: Imagem fixa da obra The House(A Casa).
Eija-Liisa Ahtila. Instalao para trsprojees com som. 14 minutos. 2002.
Figura 4. Detalhe da obra Quiasmade
Jos Alejandro Restrepo. 1995. Bogot,Colmbia, Saln Nacional de Artistas.
Construo do olhar
O espectador no preexiste obra. Ele criado por e com
ela. O conceito de leitor in fabula, de Humberto Eco, pode seremprestado e expandido aqui. Porm, ao fazer aluso a essa
figura do leitor, e a essa obra particular de Eco, no estamos
querendo discutir as teorias da recepo ou aspectos relacio-
nados com as noes de autoriaou autor, em contraposio
s de leitor ou receptor. Pedimos emprestada a figura aqui
para nos referir a uma atividade especfica em que a ideia do
receptor est claramente na prpria definio do evento: aexposio museogrfica. De uma maneira ainda mais espec-
fica, aludimos quele ato crucial da montagem, construo
desse ato de oferecer para um espectador uma srie de objetos
e imagens para a sua fruio, informao, etc. A montagem e
setores importantes da museografia e da curadoria so feitos
dessa construo do olhar, desse pensar na movimentao do
visitante no espao da sala e em sua relao, tanto visual como
fsica e conceitual, com as imagens: a altura, a luz, a maneira dedistribuir espacialmente as peas, o roteiro que est por trs da
curadoria e da montagem, etc., tudo isso tem relao com essa
construo do olhar do espectador e at com a sua movimen-
tao, percurso, etc. Mas no necessrio ser musegrafo ou
curador para sab-lo: qualquer artista plstico que tenha feito
pelo menos uma exposio experimenta essa apreenso e essa
magia da construo do olhar de um espectador em fbula, que(na nossa cabea) vai daqui para l (ou no vai), que se abaixa,
se inclina ou empina para enxergar melhor... constri para si um
percurso, uma experincia do olhar, esperando certos tipos de
uso e deslocamento, tipos de experincia motriz, uma certa experincia
do olhar, de circular e de construir tipos de sentido.
Um exemplo paradigmtico dessa construo do olhar nas artes plsticas
seria a obra Etant donn, de Marcel Duchamp (Museu de Filadlfia, EUA).
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das caractersticas do cinema mantida at hoje: a
sua natureza como evento coletivo e pblico.
Mas espectadorvem de espetculo, e Georges M-
lis mgico vindo da cena e do entretenimento
e um dos pioneiros da explorao comercial do
cinema deu outro passo definitivo na construo
desse espao e dessa experincia prprios do
cinema. Ao acrescentar as projees de cinema
como complemento das suas apresentaes de
magia no antigo teatro de Robert-Houdin, Mlis
integrava ao cinema a herana daquele modelo
de auditrio desenvolvido pelas artes cnicas no
Ocidente desde o mundo grego: um espectador
sentado na cadeira, imvel, silencioso, dirige seu
olhar para uma zona central e frontal (o palco),
onde so apresentados os acontecimentos pro-
postos para uma coletividade de pessoas.
Mas, por outro lado, essa padronizao do modelo
do auditrio como espao de fruio da imagem
em movimento fez com que a experincia espa-
cial e fsico-material se tornasse relativamente
invisvel. Ir ao cinema e assistir TV tornaram-se
experincias fortemente reguladas: muitas salas
pertencem a cadeias multinacionais que repetemem nvel global os mesmos padres arquitetni-
cos, estilos de cadeira, uniformes para os empre-
gados e sorrisos para o cliente nas lanchonetes
da entrada. A experincia virou entretenimento
associado ao fast food, pipoca e ao refrigerante.
Os filmes tambm esto padronizados: na durao
mdia universal das narrativas, nas gramticase desenvolvimento dos conflitos, na construo
dos personagens, nos efeitos especiais digitais. E
nos espaos da TV essa estandardizao ainda
maior: nos formatos (programa concurso, telejor-
nal, telenovela, reality show), nos arqutipos dos
personagens (o bom e o mau...), nas pautas publi-
citrias, nas linguagens narrativas e audiovisuais,
Ela pode ser espreitada s atravs de um ponto
nico e fixo: o buraco de uma porta que impede o
acesso do espectador ao quarto onde se encontra
a armao que d suporte fsico imagem (tridi-
mensional) que constitui a obra. Mas a obra no
s essa imagem que enxergamos atravs do
buraquinho. Ela tambm esse buraquinho em
si e, sobretudo, o dispositivo global: a imagem e
a maneira de enxerg-la.
E precisamente essa construo do olhar o que
est estandardizado escala global na caixa preta.
A cadeira, a sala, os filmes, tudo tem sido regula-
rizado em nome da indstria. Assistir ao cinema
um ritual do qual, contudo, j no nos damos
conta. A estandardizao universal, imposta pela
indstria do entretenimento, faz com que os ml-
tiplos elementos que constituem a experincia doolhar do espectador se tornem "naturais", quer
dizer, invisveis. Mas, na verdade, eles so produto
de vrias decantaes e escolhas culturais, sociais
e histricas.
Alm do desenvolvimento dos aparelhos ptico-
mecnicos, que permitiram a evoluo da imagem
em movimento, os pioneiros do cinema enfrenta-ram outro problema: a sua apresentao. Em 1894,
Edison abriu em Nova York a primeira Kinetoscope
Parlor, tentativa pioneira de criao de um espao
prprio para a imagem cinemtica, mas no foi
essa estratgia, de dispositivos de visualizao
individuais, a que ganhou a batalha pelo desen-
volvimento futuro de um espao e de estratgiasde apresentao prprias para a imagem em mo-
vimento. Seria o Cinmatographe, desenvolvido
pelos irmos Lumire do outro lado do Atlntico,
o dispositivo que, ao permitir a projeo das ima-
gens numa tela, daria lugar possibilidade da
sua fruio coletiva. Essa primeira experincia,
acontecida na Frana em 1895, inaugurou uma
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O dispositivo como obra ( guisa de concluso)
No estado atual da pesquisa, a tese de trabalho poderia ser ento resumidado seguinte modo: muitas das obras que empregam o vdeo no contexto
museogrfico estabelecem com os elementos enumerados (espacializao,
materializao, percurso, durao, circuito de apresentao, construo do
olhar) diferentes tipos de negociao, que constituem em grande parte
a prpria proposta. Porm, esses elementos no tm a ver aqui s com o
problema da exposio, mas com a prpria natureza da obra. No se trata
mais aqui de fazer uma obra que logo depois exposta, mas de um tipo
etc. E ainda mais: a regularizao est tambm no prprio dispositivo que
temos em nossas casas para a TV: o mvel no qual est instalada, o lugar
cannico em frente poltrona ou mesa de jantar, a altura na qual ela sesitua; o prprio aparelho, estandardizado em suas dimenses, marcas, tipos
de tela, etc.
Assim, enquanto esses padres e modelos estandardizam a experincia
do olhar no que aqui chamamos de caixa preta, as apropriaes do vdeo
feitas pelos artistas plsticos no interior do cubo branco exploram outras
possibilidades para essa experincia. As narraes e gramticas do cinema
comercial no so as nicas possibilidades da linguagem cinematogrfica; a
TV como entretenimento de massa no tampouco o nico caminho para
o vdeo. Ao longo do desenvolvimento e explorao das gramticas da
imagem em movimento, muitos artistas plsticos, animadores, cineastas e
videoartistas tm explorado esses outros usos e apropriaes possveis da
imagem em movimento, alm das narrativas prprias do cinema comercial.
Assim, enquanto uma grande porcentagem de produes da imagem cine-
mtica tende a estar condicionada pela natureza do cinema e da TV comoindstrias do entretenimento, e pela tradio mesma das estratgias de exi-
bio impostas pela caixa preta, essas manifestaes e exploraes do vdeo
desde as artes plsticas tm desenvolvido de maneira constante a procura
de outras linguagens e a pergunta sobre as estratgias de apresentao,
promovendo dilogos com o espao menos regulado, comercialmente, da
sala do museu e da galeria de arte.
NOSETRATAMAISAQUIDEFAZERUMAOBRAQUELOGODEPOISEXPOSTA, MASDEUMTIPODEMANIFESTAONAQUALASCONDIESDEEXIBIO, OPRPRIODISPOSITIVODE
APRESENTAOSOPENSADOSCOMOELEMENTOSCONSTITUTIVOSDELA.
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de manifestao na qual as condies de exibio, o prprio dispositivo de
apresentao so pensados como elementos constitutivos dela.
E isso em grande parte devido prpria natureza hbrida do seu estatuto.
Elas constituem zonas de negociao constante: entre a imagem fixa e
material das artes plsticas e a imagem transitria, ligada temporalidade,
prpria tanto das artes performticas como da imagem cinemtica. E se cada
um desses grandes ramos das artes desenvolveu no seu percurso histrico
dispositivos bsicos de apresentao (a galeria, o auditrio), a prpria obra
tem que reconstruir, segundo as necessidades e caractersticas especficas, os
seus corredores cinzas, aquelas zonas nas quais os dilogos intermiditicos
e as reconfiguraes do espao-tempo se tornam possveis.
REFERNCIAS
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cinema: os 100 dias que construram o cinema, 1995. Numro spcial,hors srie dirige par Thierry Jousse, Patrice Roelle et Serge Toubiana,
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ber die Grenzen der Malerei und Poesie. Traduo do alemo ao espanhol:
Enrique Palau. Editorial Iberia, S.A. (Laocoonte odos limites entre a pinturae a poesia)
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Fale/UFMG, n. 14, p. 40-63, jul.-dez. 2006.
Movimentos improvveis. O efeito cinema na arte contempornea.
(Catlogo da exposio de mesmo nome exibida no Centro Cultural do
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Vrios autores.
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