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Entre direitos sociais e dignidade humana: a problemática da habitação na periferia sul de São Paulo. Mary Jane P. Spink Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 4o Congreso Ibero-Latinoamericano de Psicologia Política Psicología y Política: diálogos críticos en contextos de transformación social Valparaíso, 2018

Entre direitos sociais e dignidade humana: a problemática ... · como adquiri ou alugar uma moradia. Boa parte da população financia sua moradia: compra ... destinadas à conservação

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Entredireitossociaisedignidadehumana:aproblemáticadahabitaçãonaperiferiasuldeSãoPaulo.

MaryJaneP.SpinkPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo

4oCongreso Ibero-Latinoamericano dePsicologiaPolíticaPsicología y Política:

diálogoscríticosen contextosdetransformación socialValparaíso,2018

Objetivo

Experiências no projeto viver em áreas de risco mecolocaram em contato com uma diversidade de atores,governamentais e não governamentais que atuam noterritório de M’Boi Mirim, na periferia sul de São Paulo.

O que pretendo fazer nesta conversa com vocês é colocaresses vários atores em movimento para demonstrar comoa fragmentação das políticas públicas gera imobilidade noplano formal e modos de resistência no plano dainformalidade.

Umpontodepartida:habitaçãocomodireito

o DeclaraçãoUniversaldeDireitosHumanos

o Convençõesinternacionais

o Constituiçãonacional

Em10dedezembrode1948foiaprovadapor46naçõescom8abstençõesaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos;odireitoàmoradia,éenunciadonoparágrafo1doartigo25º:

Todapessoatemdireitoaumpadrãodevidacapazdeassegurarasieasuafamíliasaúdeebem-estar,inclusivealimentação,vestuário,habitação,cuidadosmédicoseosserviçossociaisindispensáveis,edireitoàsegurançaemcasodedesemprego,doença,invalidez,viuvez,velhiceououtroscasosdeperdadosmeiosdesubsistênciaforadeseucontrole(NaçõesUnidas,1948,p.1,traduçãolivre).

Em1966,foiaprovadooPactoInternacionaldeDireitosEconômicos,SociaiseCulturaisque,emseuartigo11,parágrafo1,dámaissubstânciaaodireitoàhabitaçãoestabelecendoque

OsEstadosPartesnopresentePactoreconhecemodireitodetodasaspessoasaumníveldevidasuficienteparasieparaassuasfamílias,incluindoalimentação,vestuárioemoradiasuficientes,bemcomoaummelhoramentoconstantedassuascondiçõesdeexistência.

NoBrasil,odireitoàmoradiaégarantidonoartigo6ºdaConstituiçãobrasileiracujaredaçãofoialteradapelaEmendaConstitucionalnº90,de2015.

Sãodireitossociaisaeducação,asaúde,aalimentação,otrabalho,amoradia,otransporte,olazer,asegurança,aprevidênciasocial,aproteçãoàmaternidadeeàinfância,aassistênciaaosdesamparados,naformadestaConstituição(Brasil,1988).

Obviamente,trata-sedeumdireito– garantiaparaosmaispobres:

aquelesqueporquestõesfinanceiras,pormigração;pordesastrescomoterremotosetsunamisnãotemcomoadquirioualugarumamoradia.

Boapartedapopulaçãofinanciasuamoradia:compraumaouváriasparaterumarenda.Nãoéaestaparceladapopulaçãoqueéfocodaslegislaçõesquegarantemodireitoàmoradia

Estrutureiminhafalanosseguintestópicos:

1.SituandoaperiferiasuldomunicípiodeSãoPaulo

2.Identificandooproblemadasmoradiasnesteterritório

3.Diversidadedeatoresqueperformam moradianoterritório

1.SituandoaperiferiasuldeSãoPaulo

MunicípiodeSãoPauloesuas32prefeiturasregionais

PrefeituraregionaldeM’BoiMirim:JardimÂngelaeJardimSãoLuís

M’BoiMirim

A área do Jardim São Luís é de 24,70 Km2 e lá vivem mais de279 mil pessoas. Trata-se uma região mais consolidada queocupa o décimo nono lugar no índice de exclusão domunicípio. Quanto aos demais dados, há no distrito 22%domicílios precários subnormais; 10% das moradias não temacesso a esgoto e o tempo médio de viagem entre domicílioe local de trabalho é de 45 minutos.

O Jardim Ângela abarca uma região de 37,40 km2, onde vivemcerca de 250 mil pessoas. Segundo dados do mais recenteMapa da Exclusão/Inclusão Social do Município de São Paulo oJardim Ângela ocupa o quarto lugar entre os distritos com maiorexclusão na capital. Como exemplo do abandono em que vivemseus moradores, há no distrito 32% de domicílios precáriossubnormais; 22% não têm acesso a esgoto e o tempo médio deviagem entre domicílio e local de trabalho é de 56 minutos.

2.Identificandooproblema:

o Adensamento- expansãodoterritório

o Diversidadedeformasdeocupaçãodoterritório

o Característicageológica:mananciais

AlgunsmotivosquetornaramaZonaSuldoMunicípiocomoumadasáreasmaiscriticasnesteprocesso

deadensamentosemplanejamento:

1) umgrandeestoquedeterra;

2) aproximidadeaospolosindustriaismetropolitanos;

3) aexistênciaderededetransportesquepossibilitouoacessodestesdistritosaocentrodeSãoPaulo,

primeiramentepelaestradadeferro,depoispelaconstruçãodamalhaviáriaedoscorredoresdeônibus;

4) afaltadepolíticashabitacionaisnasáreasmaiscentrais;

5) oprocessode“desfavelização”eadesocupaçãodehabitaçõesirregularesdasáreasmaisvalorizadas,sobretudo

nagestãodePauloMaluf(1969-1971)edeJânioQuadros(1986-1988),queliteralmenteexpulsouumgrande

contingentepopulacionalparaestaregião,semquetenhahavidoqualquerplanejamento;

6) oisolamentoadministrativoquetransformouaregiãoemredutodailegalidade.

Diversidadedeformasdeocupaçãodoterritório

Emprimeirolugar,hádiversostiposdeloteamentos(loteos).

Ø ParcelamentoRegular (loteamentosregulares),quandoestádeacordocomalegislaçãofederal,estadualemunicipal:éaprovadopelaPrefeituraeexecutadosegundooprojetoaprovadoeregistradonoCartóriodeImóveis.

Ø ParcelamentoIrregular (loteamentosirregulares)possuioprojetodeparcelamentoaprovado,porémestáemdesacordocomasexigênciastécnicasfísicas,jurídicasouadministrativas.

Ø ParcelamentoClandestino (loteamentoclandestino)éexecutadosemnenhumalicençaeestáemdesacordocomasexigênciasjurídicaseadministrativas,podendotambémnãocumprirasexigênciasfísicasetécnicas.Muitasvezessãofrutodeaçõesdeumloteadorinescrupuloso,masoslotesnãosãoinvadidos– sãocomercializados.

Hátambémocupaçõesirregulares,semqualquerformadeinfraestrutura.Muitasdestasresultamemfavelas,assentamentosprecárioscomorigemnaocupaçãoirregulardeáreaspúblicaseparticulares,deformagradualouorganizada.

LocalizaçãodasbaciashidrográficasGuarapirangaeBillingsnaRegiãoMetropolitanadeSãoPaulo

Fonte:Mananciais:diagnósticoepolíticashabitacionais. Organização:PaulaFreireSantoro,LucianaNicolauFerrara,Marussia Whately.-SãoPaulo:InstitutoSocioambiental,2009

A Bacia da Represa Guarapiranga constitui atualmente osegundo maior manancial do sistema de abastecimentoda Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).Abastece 4 milhões de pessoas residentes na zonasudoeste da capital paulista.

Entretanto, o quadro de degradação ambiental,conforme atestam vários diagnósticos, é preocupante

Portantoficacolocadooproblema:

Diversidadedetiposdeocupaçãocomaltograudeirregularidade

Áreadepreservaçãoambientaledemananciaisimportantesparaabastecimentodeáguaparaacidade

Expansãourbanadesordenada

Faltaumoutroelemento:diversidadedeatoresqueperformam politicaseaçõesnoterritório

Territorialidadesmúltiplas=versõesmúltiplas

• Pesquisar “no lugar” já se consolidou como tradição de pesquisa em várias ciênciassociais, inclusive na psicologia social. Contudo, seja como efeito das tecnologias decomunicação, seja pela maior mobilidade em uma sociedade globalizada, dificilmente aação se dá de forma tão localizada: é necessário problematizar a noção de lugar.

• As teorizações de Rogério Haesbaert sobre multiterritorialidades foram importantespara essa reconfiguração da noção de lugar. Haesbaert faz uma distinção importanteentre duas lógicas: a de zonas e a de redes. Muitas ações relacionadas com moradia emM’Boi Mirim ocorrem em territórios-zona, regiões delimitadas para fins administrativosou de tomada de decisões sobre obras de urbanização. Contudo, estavam tambémsituadas em outros locais, como secretarias de governo, organizações nãogovernamentais e Ministério Público (territórios-rede). Eram multiterritoriais, naacepção de Haesbaert.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim do território” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 2016.

Redesheterogêneaslevandoasérioas(des)conexõesmultiterritoriais

vSeosterritóriossãomúltiplos,aspráticasigualmenteserãomúltiplas.

vEssasdiversaspráticasestãoinseridasemredesheterogêneasdeactantes humanosenãohumanos.

vEssaspráticastendemasersetorizadasepoucoconectadascomopodeserintuídoapartirdeumabrevedescriçãodasaçõesdeseteatorescompresençanosdistritosdeM’BoiMirim

3.Atoresqueperformam moradianoterritório

1. Políticaambiental:parapreservaçãodopatrimônioambiental

2. Políticaurbana:zoneamentoeobrasdemelhoriacomfocona

mobilidade

3. Políticahabitacionalparasanarodéficithabitacional

4. Defesacivil– paragerenciaráreasderisco

5. Movimentossociais:emproldodireitoàmoradia

6. MinistérioPúblico:fazercumpriralei

7. Defensoria:fazervalerosdireitos

3.1.Políticaambiental

LegislaçõeseprogramasqueimpactamaBaciadaRepresadeGuarapiranga:

Décadade1970:aprovaçãodeduasleisestaduaisvisandoaproteçãodosmananciais(LeiEstadual898/1975;LeiEstadual1172/1976).

Décadade1990:outraslegislaçõesque,demaneirageral,têmporfocooabastecimentodeáguaparaaregiãometropolitana;

o PolíticaEstadualdeRecursosHídricos(LeiEstadual7663/91)o PolíticaEstadualdeMeioAmbiente(LeiEstadual9509/97);o LeiEstadual9866/1997 deProteçãodosMananciais:quedefinetrêstiposdeáreas:

ü derestriçãoàocupação(preservaçãodematas,decorposd’água,deáreascomdecliveacentuado,etc.);

ü deocupaçãodirigida;ü derecuperaçãoambiental.

2006:LeiEspecíficadaGuarapiranga(Lei12.233),quedeclara a Bacia Hidrográfica do Guarapirangacomo manancial deinteresse regional para oabastecimento público; adotaamesmatipologiadaleideproteçãoeinstituimecanismosdemonitoramentoefiscalização.

As propostas mais ambiciosas do ponto de vista ambiental são a do Programa Mananciaise seu antecessor, o Programa Guarapiranga, que teve início na gestão de Luiza Erundina(1989-1993) na Prefeitura de São Paulo e contou com o apoio do Banco Mundial e comaportes da Prefeitura, do Estado e da SABESP.

OProgramaincorporoucincoSubprogramas:

(1) serviçosdeáguaeesgoto,(2) coletaedisposiçãodelixo,(3) recuperaçãourbana,(4) proteçãoambiental,(5) gestão

através dos quais se desenvolveram duas estratégias: uma relacionada à gestão da Bacia ea outra relativa à melhoria imediata da qualidade de vida das populações residentes emáreas com infraestrutura precária

3.2.Políticaurbana:zoneamento

Art. 6º As zonas do Município têm suas características definidas em função do território no qual se inserem:

I - territórios de transformação:áreas em que se objetiva a promoção do adensamento construtivo, populacional, atividadeseconômicas e serviços públicos, a diversificação de atividades e a qualificação dos espaços públicos deforma a adequar o uso do solo à oferta de transporte público coletivo, compreendendo (ZEU; ZEUP;ZEM; ZEMP);

II - territórios de qualificação:áreas em que se objetiva a manutenção de usos não residenciais existentes, o fomento às atividadesprodutivas, a diversificação de usos ou o adensamento populacional moderado, a depender dasdiferentes localidades que constituem estes territórios, compreendendo (ZOE; ZPI; DEZ; ZEIS; ZM;ZCOR; ZC);

III - territórios de preservação:áreas em que se objetiva a preservação de bairros consolidados de baixa e média densidades, deconjuntos urbanos específicos e territórios destinados à promoção de atividades econômicassustentáveis conjugada com a preservação ambiental, além da preservação cultural: (ZEP; ZEPAM;ZPDS).

Art.18. ZonasdePreservaçãoeDesenvolvimentoSustentável(ZPDS)destinadasàconservaçãodapaisagemeàimplantaçãodeatividadeseconômicascompatíveiscomamanutençãoerecuperaçãodosserviçosambientaisporelasprestados,emespecialosrelacionadosàscadeiasprodutivasdaagricultura,daextraçãomineraledoturismocomdensidadesdemográficaeconstrutivabaixas;

Art. 19. Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM)destinadas à preservação e proteção do patrimônio ambiental: (1) áreas remanescentes de MataAtlântica e outras formações de vegetação nativa arborização de relevância ambiental, (2) alto índicede permeabilidade e existência de nascentes.

Art. 20. As Zonas Especiais de Preservação (ZEP)destinadas a parques estaduais considerados unidades de conservação, parques naturais municipaisexistentes e outras Unidades de Proteção Integral definidas pela legislação federal (Sistema Nacionalde Unidades de Conservação da Natureza) existentes e que vierem a ser criadas no Município, tendopor objetivo a preservação dos ecossistemas e permitindo apenas a pesquisa, o ecoturismo e aeducação ambiental.

3.3.Políticashabitacionais

Odéficithabitacionalécalculadocomoasomadequatrocomponentes:

(a) domicíliosprecários;conceitoqueincluilocaisconstruídossemfinsresidenciaisqueservemcomomoradia,taiscomobarracas,viadutos,prédiosemconstrução,carrosetc.

(b) coabitaçãofamiliar;famíliasconviventesquetêmintençãodeconstituirdomicílioexclusivosomadoàsequevivememdomicílioslocalizadosemcômodos– excetooscedidosporempregador

(c)ônusexcessivocomaluguelurbano;correspondeaonúmerodefamíliasurbanas,comrendafamiliardeatétrêssalários-mínimos,quemoramemcasaouapartamentoequedespendemmaisde30%desuarendacomaluguel.

(d)adensamentoexcessivodedomicíliosalugados.

Fonte:DéficithabitacionalnoBrasil2015/FundaçãoJoãoPinheiro,DiretoriadeEstatísticaeInformações.– BeloHorizonte:FJP,2018

Em 2015, o déficit habitacional nacional estimado correspondia a 6.355.743 milhões dedomicílios, dos quais 5,572.700 milhões, ou 85,7%, estão localizados nas áreas urbanas.

São Paulo, único estado cuja necessidade de novas unidades habitacionais ultrapassa um milhãode moradias: em 2015: 1.337.037

Grande parte desse déficit está localizado na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP): Em2015: 639.839

No entanto, há na RMSP 595.691 domicílios vagos!!!!

O déficit habitacional no Brasil está mais concentrado na faixa de renda de até três salários-mínimos. Em 2013, o déficit nessa faixa de renda corresponde a 83,4% do déficit habitacionalurbano do país.

Em uma perspectiva crítica, o déficit habitacional tem de ser analisado à luz dosprogramas sociais de habitação existentes desde a década de 1960, com a criação doBanco Nacional de Habitação (BNH).

Atualmente, há convivência de diferentes esferas governamentais:

Ø Programas federais como o “Minha Casa Minha Vida”, instituído pela Lei10.257/2001;

Ø Programas estaduais, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional(CDHU);

Ø Programas municipais, como a Companhia Metropolitana de Habitação deSão Paulo (Cohab-SP) e a Superintendência de Habitação Popular daSecretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HABI/Sehab).

Esses programas usam critérios distintos de inclusão, entre os quais, para a populaçãode segmentos mais pobres, as perversas listas de espera.

3.4.PolíticaNacionaldeProteçãoeDefesaCivil

O Brasil é um país privilegiado do ponto de vista de desastres associados aterremotos, furacões, tsunamis, mas não fica livre de desastres associados às chuvastorrenciais.

A estruturação da politica de defesa civil segue a rota dos grandes desastres, cominício em 1942, como defesa de possíveis ataques aéreos durante a guerra eprogressiva sistematização na década de 1960 quando ocorreram grandes inundaçõesem várias partes do país.

A política propriamente dita segue um ritmo lento e é só a partir de 1993 que começaa ser delineado um sistema nacional integrado de defesa civil.

E apenas em 2012 é aprovada a Lei 12.608 que rege o atual sistema de defesa civil

Mas vários estados da federação, como Rio, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulotem sistemas estaduais de defesa civil. O de São Paulo, data de 1976.

Gestão urbana:aquestão dagestão dosriscos na perspectiva dalegislaçãoData Legislação Deslizamentos e Inundações-Brasil

1942 Decreto-Lei nº 4.624: Cria o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea, sob a supervisão do Ministério da Aeronáutica,

1960 Lei nº 3.742,: Dispõe sobre o auxílio federal em casos de prejuízos causados por fatores naturais. 1966 Rio de Janeiro – 100 mortes1967 Decreto-Lei nº 200: Criação do Ministério do Interior com competência para assistir as populações atingidas por calamidade pública. Caraguatatuba – 120 mortes

Serra das Arararas – 1700 mortes1969 Decreto-Lei nº 950: Institui no Ministério do Interior o Fundo Especial para Calamidades Públicas – FUNCAP

1970 Decreto nº 67.347, de 05.10.1970 (Legislação Federal): Estabelece diretrizes e normas de ação para a defesa permanente contra as calamidades públicas

1985 Vitória – 93 mortes1988 • Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988;

• Decreto nº 97.274, de 16.12.1988: Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e dá outras providências.Petrópolis, RJ, 171 mortes

1989 Salvador, 67 mortes

1993 Decreto nº 895: Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC, e dá outras providências. 1994 Resolução CONDEC nº 002, 12.12.1994: Aprova a Política Nacional de Defesa Civil.1995 Salvador, 58 mortes1996 Rio de Janeiro, 59 mortes

2005 Decreto nº 5.376, de 17.02.2005: Atualiza a estrutura, organização e diretrizes para o funcionamento do Sistema Nacional de Defesa Civil ; Cria o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – CENAD.

2010 Março de 2010: 1° Conferência Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária, organizada pelo Ministério da Integração Nacional em BSB. Relatório disponível no site da Defesa Civil

2011 Implantação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) Região Serrana, RJ - + 900 mortes

2012 Lei 12.608 - Política Nacional de Proteção e Defesa Civil2014 Lei 12.983 – Dispõe sobre a trannsferência de recursos

Gestão de riscos: A legislação atual

A Lei 12.608/12 trata os desastres de forma ampla e organizada, abrangendo:• a identificação e a análise de riscos;• as medidas estruturais e não estruturais para mitigação e/ou solução de problemas;• os sistemas de contingência;• a capacitação e o treinamento dos agentes de proteção e defesa civil;• e, a obrigação da informação pública.

Ela institui a Política, o Sistema e o Conselho Nacionais de Proteção e Defesa Civil e autoriza acriação de sistema de informações e monitoramento de desastres;

Determina também:• a atuação articulada entre União, Estados e Municípios,• um modelo de funcionamento sistêmico,• a prioridade de ações preventivas,• adota a bacia hidrográfica como unidade de análise,• exige o planejamento com base em pesquisas e estudos• e enfatiza a participação da sociedade civil.

ApolíticadedefesacivilimpactaoterritóriodeM’BoiMirimporcausadaimposiçãodagestãodedesastresporpartedomunicípioqueimplicanolevantamentodeáreasderisco.

NocasodeM’BoiMirim,em2010Foramanalisadas50áreasconsideradascomoassentamentosprecários,apedidodaPrefeituraMunicipaldeSãoPaulo.

Olevantamentofoifeitocombase:

Sobrevoodehelicópteroparareconhecimentodasáreaspré-definidasTrabalhodecampoparadelimitaçãodossetoresderisco

Dasáreasmapeadas,R1=14R2=48R3=52R4=21

Risco(R)éaprobabilidade(P)deocorrênciadeumacidenteassociadoaumdeterminadoperigoouameaça(A),quepoderesultaremconsequências(C),danosasàspessoasoubens,emfunçãodavulnerabilidade(V)domeioexpostoaoperigoequepodeterseusefeitosreduzidospelograudegerenciamento(G)colocadoempráticapelopoderpúblicoe/oupelacomunidade.

Análisebaseadaemaspectosgeológico-geotécnicos(declividade,tipodeterrenoetc.)eoníveldeintervençãonosetorquegeramprobabilidadedeprocessosdedeslizamentosesolapamentos

R1:riscobaixo(14setores):baixaprobabilidade

R2:riscomédio(48setores):médiapotencialidade.

R3:riscoalto(52setores):altapotencialidade

R4:riscomuitoalto(21setores):muitoaltapotencialidade

FavelaErundina,2014

FavelaErundina2016

3.5.MovimentosSociais

Os movimentos sobre moradia têm longa história no Brasil, como relata Maria da Glória Gohn no livroHistória dos movimentos e lutas sociais.

Ø Durante a fase do populismo brasileiro (1945-1964) predominaram as Sociedades Amigos de Bairro;

Ø Entre 1960 e 1961, surgiram movimentos pela casa própria, reivindicação que existia desde os anos1930, que se aguçou quando os aluguéis foram congelados pelo governo, levando à diminuição decasas para alugar.

Ø Na década de 1970, multiplicam-se os loteamentos clandestinos, gerando vários problemas.

Ø Em 1982 foi criada a Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam) e, em 1983,emergiu o Movimento de Luta pela Moradia das Associações Comunitárias da Zona Sul.

GOHN, M. G. História dos movimentos e lutas sociais. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2012

Ø Após a década de 1980, o movimento pela moradia popular fragmentou-se em váriasorganizações e novas formas de ação, como a ocupação de prédios em áreas centrais,esvaziando, de certa forma, a luta em bairros periféricos.

Ø Na década de 1990, surgiu o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que temcomo público preferencial pessoas que não têm onde morar ou moram em condiçõesprecárias.

Contudo, o movimento não trata apenas da construção de casas para quem delas precisa,pois a participação no movimento, como organização coletiva, traz consigo outrasconquistas, como o aprendizado de como organizar-se coletivamente e de como lutar porseus direitos

Movimentossociaispormoradias:porqueocupamos?

Quem participa ou apoia os movimentossobre moradia não utiliza a expressão“invasão”. Consideram que se trata de umprocesso de ocupação, pois, como afirmaGuilherme Boulos, trata-se de:“Transformar uma área vazia, que só servepara a especulação e lucro de empresários,em moradia digna para quem precisa”.

Justifica essa postura pelo textoconstitucional que, nos artigos 5 e 170,rege que toda propriedade tem quecumprir uma função social: tem que teruso: para moradia, para produção ou outrouso que traga benefícios para a sociedade.

Em novembro de 2014, a Prefeitura regularizou o terreno em que está localizadaa ocupação, alterando um decreto anterior, que a considerava área de utilidadepública. Com o novo Decreto 55.662/2014, a área passou a ser consideradaZona Especial de Interesse Social (ZEIS) do tipo 4, destinada à construção demoradias.

Por meio deste Decreto, a Nova Palestina terá 300 mil metros quadradosdestinados à construção de unidades habitacionais e os 700 mil metros serãodestinados à construção de um parque.

Serão construídas cerca de 3.500 unidades habitacionais pelo Programa MinhaCasa Minha Vida - Entidades, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social(FDS). É, portanto, um bom exemplo de pressão exercida pelos movimentos paramoradia sobre o governo e de uma leitura cuidadosa da legislação pertinente,como o Plano Diretor mais atual.

A administração das ocupações do MTST são marcadas pela autogestão coletiva de formadescentralizada, cujas equipes mantém a disciplina no território. São divididas em:

o organização, apoio de auto-defesa, coordenação, comunicação, negociação,setor de trilha, trabalho comunitário, resistência urbana, etc.

Cada um exerce sua função para o bom andamento do convívio, incluindo os mutirões, ecada tarefa conta ponto em relação à moradia que se apresenta no horizonte dos semteto.

Contudo, perambulando por instituições diversas nessa região, me deparo com falas queme colocam diante de versões múltiplas sobre essas formas de ocupação do solo.

o Há versões que contrapõem o suor gasto para comprar um terreno em um loteamentoou uma moradia já construída e a facilidade que os ocupantes têm de acesso às listasdos programas habitacionais, por fazerem parte de um movimento organizado.

o Há outras falas que têm por foco a complexa história fundiária, onde primamargumentos sobre direitos de posse e legalidade.

o E ainda outras versões que provém de uma consciência, quiçá tardia, sobre direito aomeio ambiente.

Em uma visita à Unidade Básica de Saúde do Caiçara, conversávamos descontraidamentesobre a região e eu explicava os objetivos da pesquisa sobre moradias em áreas de risco.Sem que tocássemos no assunto das ocupações, ouvimos o seguinte relato:

Interlocutor1:Menina!Eutava conversandocomamigomeu,tinhaumamigomeuqueestavainternadolánoM’Boieestavaconversandocomduaspessoas...opovotávivendodeinvasão!Tava conversandocomduaspessoaslánopontoetinhaumhomemlámeoferecendoterreno,dizendoqueeletava comtrêslotesláeseeuquisesseeupodiapegardois...Eudisse:Eu???Vounada...MaryJane:É...Interlocutor1:Aíeledisse,eupegueitrês,agenteficaláumtempoeaívocêvende,fazdinheiro...Óh!Ôpovooportunista...MaryJane:Exatamente;agentefalaespeculaçãoimobiliáriapensandosónapartechiquedacidade,né?Interlocutor1:Sim...Nãoénão!!MaryJane:Temumaespeculaçãoimobiliáriaferradaaqui,né?V- Aqui,ó,nessegrandeaqui,noPalestina,euconheçogentequetemcasa,ecasaboaetemtrês,quatroloteslácercado,paraesperarcanalizar,paravender!!!Nãoéumabsurdoumnegóciodesse?MJ- Éumabsurdo...eéumafaltadecontroletotalabsurdo,euachoquenãotemondemorar,temodireitodemorar,né?Todas- Sim!MJ- Nãotenhodúvida,mas...quemjátemondemorar...N- Neguinhotemcarro,casa...evailotea lá...vocêperguntaassim:ondevocêvai?Eeles:vônainvasão,vouvermeulote...MJ- Vouvermeulote...O- É,vocêacha?Dessejeitotáfácil,né?MJ- É...ÉO- Aí...aindaquercobrardospolíticos,queospolíticosroubam,eoexemplodequemrouba?MJ- Eoexemploaquiembaixoné?Vocêtemtodaarazão...V- Nãoporqueocaraláfazqueeuvoufazer...nãoé?O- Olhaeuficodanadadavidacomoqueeuouçoporaí...opovoinvadindoterreno...

3.6Fóruns,DefensoriaPúblicaeMinistérioPúblico

Na história de ocupação dos mananciais na região sul de São Paulo, a luta porpolíticas públicas que ao mesmo tempo garantam o meio ambiente preservado, oabastecimento de água em quantidade e qualidade e o reconhecimento dodireito à moradia para as populações que vivem precariamente aglutinou atoressociais e promoveu a formação e o fortalecimento de fóruns e organizações quese manifestam e exercem o controle sobre a política pública desenvolvida tantono município como no Estado.

Um exemplo desses fóruns é o Fórum em Defesa da Vida que se reúnemensalmente na sede da Sociedade Santos Mártires, Jardim Ângela.

O Fórum em Defesa da Vida teve início em 1996, época em que o Jardim Ângela era considerada a regiãomais violenta do mundo. Nas palavras do Padre Jaime Crowe:

“Composto por integrantes de diferentes igrejas cristãs, escolas públicas e privadas, associações demoradores, movimentos sociais, entidades e organizações do campo social no território e autoridadespúblicas, o objetivo norteador deste Fórum sempre foi promover ações fundamentadas nos princípios dacultura de paz e que tivessem como horizonte a superação das injustiças sociais e das violências nocotidiano para moradores e comunidades da região”.

(...)

“O Fórum em Defesa da Vida possibilita o encontro entre população local e pessoas ligadas aos governoslocais, secretarias, promotores públicos, etc. Aqui fazemos diagnósticos e discutimos sobre as causas econsequências da violência na vida das pessoas. Buscamos entender como a violência é produzida nocotidiano. Além disso, consideramos que o Fórum é um espaço privilegiado para lutarmos por políticaspúblicas, por dignidade humana e por melhorias para as condições de vida dos moradores e das famíliasdo Jardim Ângela e proximidades”.

Pe. Jaime Crowe; Léa Maria; Celina Simões & Roberth M. Tavanti. FÓRUM EM DEFESA DA VIDA 20 anos de resistência pela vidados/as jovens que vivem nas periferias da zona sul de São Paulo. ESTAÇÃO DE PESQUISA URBANA M’BOI SÉRIE DOCUMENTOS DETRABALHO WORKING PAPERS, No 09, AGOSTO/2016.

MinistérioPúblico

“No caso dos mananciais, em particular, um ator destaca-se nesse processo: o Ministério Público. Emparalelo à crise da qualidade da água que ocorreu nos anos 80, se intensificou a ação do MinistérioPúblico na fiscalização da não aplicação das leis de parcelamento do solo e das leis ambientais por partedo poder público municipal, estadual e dos loteadores.

Nessas ações, o Ministério Público organizou informações e direcionou as ações dos governos municipaisem área de mananciais, muitas vezes pautando onde seriam as intervenções, o perímetro de intervenção,a necessidade de manutenção da população afetada.

Além disso, na tentativa de combater a expansão da irregularidade e buscar minimizar a degradaçãoambiental, algumas das ações civis promovidas pelo Ministério Público foram resolvidas por meio de umacordo entre os envolvidos na ação”.

SANTORO,P.F.;FERRARA,N.;WHATELY,M.Mananciais:diagnósticoepolíticashabitacionais.SãoPaulo:InstitutoSocioambiental,2009.

CONSTITUIÇÃODAREPÚBLICAFEDERATIVADOBRASILDE1988CAPÍTULOIV

DASFUNÇÕESESSENCIAISÀJUSTIÇA(RedaçãodadapelaEmendaConstitucionalnº80,de2014)

SEÇÃOIDOMINISTÉRIOPÚBLICO

Art.127.OMinistérioPúblicoéinstituiçãopermanente,essencialàfunçãojurisdicionaldoEstado,incumbindo-lheadefesadaordemjurídica,doregimedemocráticoedosinteressessociaiseindividuaisindisponíveis”.

Defensoria:fazervalerosdireitos

A Defensoria Pública é um órgão encarregado de prestar assistência jurídicagratuita àqueles que não têm condições de pagar por ela.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, criada em janeiro de 2006, vemsendo um importante ator na região de M’Boi Mirim, sendo acionado pelosmovimentos por moradia, na luta pela permanência, pelos direitos à moradiae direito à cidade

Colocandoosatoresemtensão

É quando as ocupações são desordenadas que nos deparamos com esses váriosatores em conflito. E, nesses casos, emerge mais uma figura ambígua: o crimeorganizado

Uma das primeiras interlocutoras quando começamos a pesquisar e estar presentenesse território é uma importante e respeitada liderança e atua em várias frentes,entre elas a defesa do meio ambiente.

No momento ela e seu grupo (ela me contou que conta com o apoio de 72 mulheresdo bairro onde mora, o Jardim Vera Cruz) lutam pela implantação de um parque,previsto desde 2012 e referendado por decreto em 2015

VeraCruz

Masaáreafoiinvadidaeestásendoloteada

Asárvoresestãosendocortadas– éumcrimeambiental- pioradoporseráreadepreservação.QuemdeveriafiscalizaréoNúcleodeGestãoDescentralizadaSUL1,situadonaPrefeituraRegionaldeM’BoiMirim.OsNúcleosfazempartedoDepartamentodeGestãoDescentralizada(DGD) daSecretariadoVerdeedeveriamdesenvolveratividadesrelativasàfiscalização,educaçãoambiental,implantação,manutençãoegestãodosParqueseoutroscomponentesdosistemadeáreasverdes.

MasesteNúcleofoidesativadoenãoháfiscalizaçãoporpartedetécnicos,políciaambientaleprefeituraregional.

Coincidentemente,ocortedeárvoreseaaberturaderuasnoloteamentoclandestinovemsendofeitocommáquinasdaPrefeituraRegional– ninguémmencionanomes,masésabidoquehádoisvereadores queatuamnestaregiãoqueestãoenvolvidosnessasações.

Comosenãobastasse,oslotesvendidos(lembrem-sequesetratadeáreapública)foramtomadosporpessoasligadasaocrimeorganizado.

Lentamente,nossaamigaativistaecolaboradoresconseguiramreunirdocumentos efotosealcançaramaatençãodeumpromotordoMinistérioPúblico.Parecequeaquestãoseráresolvida:comremoçãodemoradoresquejáconstruíramsuasmoradiasprecáriasepunições.

Fotoaérea30/12/2015

Áreadelimitadaemvermelhosemaatualocupação

Fotoaérea05/12/2017

Adevastaçãoéterríveleperde-seocontroledainvasão.

O que pretendia fazer nesta conversa com vocês era colocar alguns dosatores que atuam em M’Boi Mirim em tensão para demonstrar como afragmentação das políticas públicas gera imobilidade no plano formal emodos de resistência no plano da informalidade.

Espero ter conseguido

VIVEREMÁREASDERISCOREFLEXÕESSOBREVULNERABILIDADESSÓCIOAMBIENTAIS

Introdução

Capítulo1:GerenciamentoderiscosambientaisemáreasurbanasnoBrasil

Capítulo2:Daprobabilidadeàvivênciadorisco:a“desconfiguração”dascasasnaFavelaErundina.

Capítulo3:M’BoiMirimvistadooutroladodaponte

Capítulo4:OndeestáWaldo?Oesconde-escondedoscórregosnaregiãodemananciais

Capítulo5:Oinquestionáveldireitoàmoradia:aurgênciadapreservaçãodosmananciais

Capítulo6.Versõesemtensão:ocasodasremoçõesnoJardimCapela.

Paraencerrar

Referênciasbibliográficas