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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL
ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA
CAVALO
CUIABÁ-MT 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte -GPEA
AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL
ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA
CAVALO
CUIABÁ-MT 2018
AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL
ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA
CAVALO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Educação. Área de Concentração:
Educação. Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais,
Política e Educação Popular
Orientador/a: Prof/a. Dr/a. Regina Aparecida da Silva
Coorientador/a: Prof/a. Dr/a. Débora Eriléia Pedrotti
Mansila
CUIABÁ-MT 2018
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Escola Tereza Conceição Arruda e à Comunidade
Quilombola de Mata Cavalo, por seus exemplos de garra, resistência, luta e
esperança. Sou-lhes grata pela acolhida, amorosidade e, principalmente, por me
permitirem aprender em cada gesto e história contada em todos os momentos em que
lá estive. Sem vocês esta caminhada não seria possível. Gratidão!
À meus pais, José Cândido e Ana Maria, por todo amor, carinho e incentivo,
desde a infância, que me permitiram ser quem sou hoje. Por me fazerem sentir que
poderia voar o quanto desejasse e que estariam sempre ali caso precisasse pousar.
Eu precisei, e o amor de vocês me manteve forte. Obrigada!
E as meus três meninos: Alexandre, Luiz e Enzo, que me permitem sentir o
maior amor de todos e me fazem buscar incansavelmente ser uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS
Escrever estas páginas de agradecimento são de especial importância, pois,
materializam minha crença de que a grande razão de se existir é sermos “nós” e que
é impossível viver e ser feliz sozinho. Este caminho percorrido até o encerramento do
mestrado só foi possível com a presença daqueles que foram fé, compreensão,
incentivo, alegria, colo e puxão de orelha, e que farão parte de mim para sempre. Por
isso, é preciso agradecer.
À Deus e aos espíritos benfeitores que se fizeram presentes em todos os
momentos. Sim, eu pude senti-los! Pai, a força vinda de ti é indescritível, gratidão!
À Prefeitura de Vilhena/RO, através da SEMED – Secretaria Municipal de
Educação, por me permitir aperfeiçoar meus estudos, em especial ao Sr. José Carlos
Arrigo e a Srª Irondina Zoche que não mediram esforços, palavras de incentivo e
abraços para que o mestrado fosse possível.
Em nome de Luísa Maria Teixeira, agradeço ao programa de pós-graduação
da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) pela acolhida e apoio.
Aos membros da Banca examinadora Drª. Lucia Shiguemi Izawa Kawahara,
Profª. Drª. Lindalva Maria Novaes Garske e Profª. Drª. Tania Maria Lima, pelo carinho
e valiosas contribuições.
Aos professores e colegas do mestrado pelos diálogos e aprendizagens, em
especial à professora Elizabeth Sá e professor Edson Caetano, que nos permitiram
aprender sem o severo crivo da autoridade desmedida.
Ao GPEA, por reforçarem a certeza da importância do coletivo, do respeito e
da amorosidade durante o caminhar científico. Gratidão a Deus por ter encontrado
vocês nesta jornada terrena. Sintam-se abraçados: Michèle Sato, Michelle Jaber,
Regina Silva, Edilaine Mendes, Elizete Gonçalves, Lúcia Shiguemi, Júlio Resende,
Gisele Dalla-Nora, Ivan Belém, Giselly Gomes, Rosana Manfrinate, Rita Aleixes, Imara
Quadros, Ronaldo Senra, Débora Pedrotti, Carlos Ferreira, Cássia Fabiane, Denize
Amorin, Rafael Martine, Thiago Luiz, Adriany Abreu, Júnia Santana, Aleth da Graça,
Caio Felisberto, Raquel Ramos e Roberta Simione.
Especial agradecimento e admiração à minha orientadora Regina Aparecida da
Silva, por sua sensibilidade e imensa generosidade ao me perceber em todos os
momentos de 2014 até aqui. Gratidão Rê, por todo diálogo que me inspira e fortalece.
À minha co-orientadora Débora Pedrótti, por todo carinho e cuidado, gratidão,
Preta!
À Michelle Jaber, por seu exemplo de força e fé, e por todas as vezes que me
disse, com olhar carinhoso, “vai dar tudo certo”. Sinta-se abraçada!
À Michèle Sato pelas preciosas orientações e grande generosidade, mas,
principalmente, pela amorosidade com que se fez presente em minha vida durante
estes anos. Grata, sempre!
Àqueles que trouxeram os mais sinceros e acolhedores sorrisos à minha vida
de UFMT, gratidão à Déborah Moreira (a melhor companhia pro café e longas
conversas cheias de afeto; a amiga forte com um dos maiores corações que já
conheci), Priscilla Amorim (a pessoa que me mostrou que amizade verdadeira não
precisa de anos para se fazer presente, se faz com respeito e se sente com o
coração), Jucieli Bertoncello (a menina de coração doce que sempre pediu um colo;
mal sabe ela que fui eu quem foi acolhida em muitos momentos), Cristiane Carolina (
minha companheira de pesquisa e de vida, irmãs de crença e de coração, sinto que
ainda temos muito para aprender juntas), Eronaldo Valles ( meu amigo/filho que me
inspira a ser forte e a acreditar que vai dar certo. Aquele que tem em si tamanha
generosidade que me faz desejar muitos ‘Eronaldos’ a este planeta), Herman Oliveira
(companheiro de café, amigo forte, sério e fazedor de piadas, grata por todas as
orientações que tanto contribuíram para meu crescimento) e Jakeline Fachin (aquela
que sentiu comigo todas as vezes que ser mãe e estudante era como se nos
arrancassem um pedaço do peito. Espero que sinta meu abraço mais forte todas as
vezes que este sentimento chegar. Somos fortes!), caminhar com vocês foi um dos
grandes presentes que recebi.
Ao meu irmão Júnior e às minhas irmãs Alexandra, Andréia, Cíntia, Fernanda
e Hallana, por serem meus exemplos de força e determinação. Por vibrarem a cada
etapa cumprida, por cada ligação, colo, mensagem, apoio e olhar afetuoso que a mim
destinaram, gratidão! Eu nada seria sem vocês.
À D. Ifigênia, Rosy e Rosana por serem apoio aos meus meninos quando eu
não pude estar presente, imensa gratidão.
À minha irmã/amiga/companheira Deusodete Aimi pela cumplicidade, por ser
minha inspiração e não me permitir desistir. Por me dar ânimo, café, tapioca e ainda
dividir comigo desde as angústias de mãe ao cobertor no ônibus. E, claro, por me dar
a Flora de presente para alegrar as madrugadas e o caminho até o RU! Gratidão,
amiga!
Aos amigos que de longe se fizeram presentes para que eu nunca me sentisse
só e esmorecesse. Obrigada Liduína Girão, Máximo André, Elaine carvalho, Girlayne
Aguiar e Luciane Dalazem, sintam-se abraçados.
Ao meu amor/companheiro/amigo Raimison Areval, por compreender e aceitar
minhas escolhas, por ser pai e mãe, por enviar as melhores fotos nos momentos que
a saudade apertava, por compartilhar comigo tuas angústias e nos permitir perceber
que termos um ao outro foi nossa melhor escolha, por ser meu apoio e se alegrar
comigo a cada conquista. Amo você!
Toda gratidão do mundo àqueles que abriram mão da minha presença para
que eu pudesse seguir este sonho, meus filhos. Ao lindo e amoroso Alexandre, que
foi o melhor filho e melhor irmão mais velho que se pode ter e, mesmo sentindo
saudade, sempre dizia que estava tudo bem; ao radiante e criativo Luiz Fernando, que
conversava horas comigo durante as tardes e me acalmava o coração ao perceber
que fomos abençoados por tê-lo conosco; ao meu pequeno e amoroso Enzo que foi
forte, me encheu de beijos e cheiros para aguentar as viagens, por me fazer sentir
amada todas as vezes que abria os olhos, sorria e passava os braços em volta do
meu pescoço quando eu chegava cedinho em casa. Gratidão por me permitirem fazer
parte da vida de vocês!
Meus sinceros agradecimentos a todos e todas que, direta ou indiretamente,
colaboraram para que esta pesquisa se realizasse.
RESUMO
A construção desta pesquisa foi tecida junto à Comunidade Quilombola de Mata
Cavalo, localizada no município de Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. Com
o objetivo de compreender qual a importância do currículo no contexto de uma escola
quilombola. Tecemos a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à
educação e ao currículo no quilombo, refletindo sobre a importância da construção
coletiva de saberes desta Comunidade Aprendente, tendo a Educação Ambiental,
como linha fundamental. A metodologia escolhida foi a sociopoética, de Gauthier, que
nos permitiu o envolvimento de grupo pesquisador nas trocas de saberes e sentidos,
unindo CONCEITOS com AFETOS, os CONFETOS, lançando novos olhares sobre
uma escola dentro do quilombo. Com enfoque na educação ambiental, educação
quilombola e no currículo, foi possível compreender os processos de construção
coletiva de um currículo da vida, pensado com e pela comunidade quilombola. Durante
a escrita dos capítulos descreveu-se sobre a história dos quilombos no Brasil, do
quilombo de Mata Cavalo e sua luta pelo direito a educação dentro de seu território,
onde, pode-se perceber que o entrelaçamento da Educação quilombola e da
Educação Ambiental, pelo bordado das Escolas sustentáveis, traz o desenho do EU-
CURRÍCULO (os saberes e fazeres das pessoas) com o OUTRO-GESTÃO (as
relações culturais/ etnografia local) e o emaranhado com o MUNDO-ESPAÇO (a luta
territorial), formando um currículo da vida fenomenológico e, portanto, pós-crítico. Um
currículo que trabalha a questão da cultura, da interculturalidade e identidade, sem
deixar de lado a luta quilombola, que é também territorial e, assim, uma luta ambiental.
A construção do currículo da vida significa considerar toda a interculturalidade
existente no quilombo, materializando sua cultura e seus saberes como uma forma de
lutar e resistir diante de um sistema excludente e cheio de intencionalidade, que ainda
hoje os ignora. Trazendo a elaboração de táticas educativas à serem desenvolvidas
dentro do quilombo; novos projetos, novos sonhos, com a força das mãos e linhas de
sua história.
Palavras-chave: Educação; Educação Ambiental; Comunidade Quilombola;
Currículo.
ABSTRACT
The construction of this research was woven by Community Quilombola de Mata
Cavalo, located in the municipality of Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. In
order to understand the importance of the curriculum in the context of a quilombola
school. We write the writing of this dissertation with the eyes and senses attentive to
the education and the curriculum in the quilombo, reflecting on the importance of the
collective construction of knowledge of this Learning Community, with Environmental
Education as a fundamental line. The methodology chosen was Gauthier's
sociopoetics, which allowed us to involve a research group in the exchange of
knowledge and senses, uniting CONCEPTS with AFFECTS, the CONFETTS, casting
new glances over a school within the quilombo. Focusing on environmental education,
quilombola education and the curriculum, it was possible to understand the processes
of collective construction of a curriculum of life, thought with and by the quilombola
community. During the writing of the chapters was described the history of the
quilombos in Brazil, the quilombo of Mata Cavalo and their fight for the right to
education within his territory, where it can be seen that the interweaving of Quilombola
Education and Environmental Education, through the embroidery of Sustainable
Schools, brings the drawing of the EU-CURRICULUM (the knowledges and doings of
the people) with the OTHER-MANAGEMENT (cultural relations / local ethnography)
and the entanglement with the WORLD-SPACE (the territorial struggle), forming a
curriculum of phenomenological life and, therefore, post-critical. A curriculum that
works on the issue of culture, interculturality and identity, without neglecting the
quilombola struggle, which is also territorial and, thus, an environmental struggle. The
construction of the curriculum of life means considering all the interculturality that exists
in the quilombo, materializing its culture and its knowledge as a way of fighting and
resisting before an excluding and intentional system that still ignores them today.
Bringing the elaboration of educational tactics to be developed within the quilombo;
new projects, new dreams, with the strength of the hands and lines of its history.
Keyword: Education; Environmental education; Quilombola Community; Curriculum.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Figura 1: Mapa de Localização do Município de Nossa Senhora do Livramento/MT.
(p.27)
Figura 2: Mapa dos Conflitos na Comunidade Quilombola Sesmaria Boa Vida Mata
Cavalo. (p.30)
Figura 3: Pressupostos Pedagógicos do Projeto de Escolas Sustentáveis. (p.65)
Figura 4: Diagrama que apresenta a Tríade base do Projeto Escolas Sustentáveis.
(p.67)
Quadro de Figuras 5: Processo Formativo em Escolas Sustentáveis na Comunidade
Quilombola de Mata Cavalo, 2015. (p.69)
Quadro de Figuras 6: Execução do PAEC, Casa da Cultura Quilombola, 2015. (p.71)
Figura 7: Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo. Associação Mata Cavalo de
baixo, Quilombo de Mata Cavalo, 2017. (p.72)
Quadro de Figuras 8: Cartazes contendo os registros da Oficina “Observatório
Territorial Quilombola”, 2016. (p.76)
Quadro de Figuras 9: Processo Formativo: Mapa Cultural, escola e currículo no
Quilombo Mata Cavalo, 2017. (p.77)
Figura 10: Escola Municipal São Benedito, Quilombo de Mata Cavalo, 2005. (p.86)
Figura 11: Escola Rosa Domingas, Quilombo Mata Cavalo. (p.87)
Figura 12: Escola Tereza Conceição Arruda, comunidade Quilombola de Mata
Cavalo, 2016. (p.88)
Figura 13: Currículo da Vida da Escola Tereza Conceição Arruda, Comunidade
Quilombola de Mata Cavalo, 2017. (p.108)
Figura 14: Possibilidades e táticas educativas descritas durante o Processo
Formativo: Mapa Cultural, escola e currículo no Quilombo Mata Cavalo,
2017. (p.110)
Quadro 1 : Roteiro das entrevistas (p. 74)
Quadro 2 : Roteiro utilizado nos grupos de trabalho durante o Processo Formativo:
Mapa Cultural, escola e currículo no Quilombo Mata Cavalo, 2017. (p.78)
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CA Comunidade Aprendente
COM-VIDA Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida
CONAQ Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas
EA Educação Ambiental
ES Escolas Sustentáveis
EJA Educação de jovens e Adultos
EETCA Escola Estadual Tereza Conceição Arruda
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
IC Instituto Caracol
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
ONG Organização não governamental
PAEC Projeto Ambiental Escolar Comunitário
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental
PPP Projeto Político Pedagógico
PrEA Projeto de Educação Ambiental
PCAQ Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola
PTS Prática em Tecnologia Social
PTAQ Prática em técnica Agrícola Quilombola
SECADI Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SEDUC Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso
SEMED Secretaria Municipal de Educação
UFMS universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto
UNIR Universidade Federal de Rondônia
WWF World WideFund for Nature
EETCA Escola Estadual Tereza Conceição Arruda
SUMÁRIO
SUMÁRIO 13
CAPÍTULO I - O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer da escrita
10
1.1 Biografia Ecológica 10
CAPÍTULO II - Moldes, desenhos e inspirações do tecido literário 22
2.1 Marcas da história: Os quilombos no Brasil e o quilombo de Mata Cavalo 22
2.2 Educação e Currículo no Quilombo: o entrelaçar dos saberes 32
2.3 A Educação quilombola e a Educação Ambiental: linhas de engajamento e
luta 44
CAPÍTULO III - Moldando os desenhos com linhas e agulhas 56
3.1 - O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
(GPEA) e a Sociopoética: caminhos metodológicos vivenciados 56
3.2 Moldes e desenhos - Procedimentos da pesquisa 61
3.3 Entrelaçar de linhas e agulhas – os processos formativos 62
ROTEIRO DE ENTREVISTA 74
CAPÍTULO IV – Tramas, Franjas, pontos e cores 81
4.1 A escola na comunidade quilombola de Mata Cavalo: símbolo de resistência
e luta. 82
4.2 No Arremate dos fios e o preparo para novos bordados 95
Considerações sobre a Tessitura do Bordado 113
REFERÊNCIAS 117
10
Inspirada nas experiências de minha infância, envolvida entre linhas,
tecidos, moldes e bordados de quem tem uma mãe que costura e borda; nos
bordados que fiz aos 18 anos para ajudar na renda de minha casa e após
conhecer o tear e a força de Candurinha, no Quilombo de Mata Cavalo, escolhi
escrever esta dissertação como quem tece um bordado; por acreditar que cada
linha do bordado, assim como as escolhas feitas em nosso caminhar, leva um
pouco de nós e daqueles que estiveram conosco nesta construção de
bordar/viver, marcando de forma duradoura nossas memórias no tecido da vida.
Desta maneira, a escolha do poema1 Poemeto do Tecelão ou A canção
tecida, no limiar do primeiro capítulo deste trabalho, se fez porque em seus
versos podemos perceber o ritmo e a sonoridade de um tear. Transcrevendo
nestes versos e pautas os momentos de tecer a escrita; ora em ritmo lento, ora
em compassos acelerados, característicos dos momentos vivenciados por mim
nesta caminhada de pesquisa. Desta forma, todos os capítulos são sinalizados
com poemas que muito significam nesta dissertação, por representarem o
contexto próprio de cada um. Utilizando o fundo de tecido de urdidura manual,
represento a trama da vivência e da escrita desta pesquisa.
CAPÍTULO I - O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer
da escrita
1.1 Biografia Ecológica2
“O senhor ... mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou
desafinam, Verdade maior é que a vida me ensinou. Isso me alegra montão”.
Guimarães Rosa
Iniciar o caminho desta pesquisa representou um grande desafio. Pareceu-
me um percurso desconhecido quase inalcançável e, por vezes, confesso que
1O poema Poemeto do tecelão ou A canção tecida está disponível no link: https://urdidura.wordpress.com/poesias/ 2 É importante esclarecer que, por fazer parte de um grupo pesquisador e também por assumir como metodologia a sociopoética, compreendo que durante todo o processo da pesquisa não caminhei sozinha, fomos um coletivo nesta construção. Desta forma na escrita da dissertação em alguns momentos utilizo a 1ª pessoa do singular (EU) e, quando necessário, utilizo a 1ª pessoa do plural (NÓS).
11
esta caminhada me fez estremecer. Entretanto, percebi que seria neste
movimento de pesquisadora e aprendiz que teria a possibilidade de ir além,
descobrir caminhos, tomar direções nunca antes feitas, me fortalecer como
pessoa, filha, esposa, mãe e educadora. Era o momento de estar no mundo e
com o mundo; de me tornar um ser capaz de me relacionar; de sair de mim; de
projetar-me nos e com os outros; de transcender (BRANDÃO, 1999). E assim,
“neste esforço a que me vou entregando, re-crio e revivo, no texto que escrevo,
a experiência vivida [...]” (FREIRE, 1989, p.9), para entrelaçar minhas vivências
e o desejo da pesquisa que aqui apresento.
Por compreender que,
A linguagem, afinal, é uma instância de investigação que apreende os sentidos, reconstrói os significados e experimenta as vivências do mundo. [...], portanto, é por meio das linguagens aqui expostas que também construímos nossas identidades (SATO et al; 2013, p.23).
Poder escrever e dialogar entrelaçando as linhas de minhas vivências,
como pessoa e educadora, ao mesmo tempo em que me componho
pesquisadora, é uma singular característica do Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental Comunicação e Arte (GPEA) com o qual caminhei durante o mestrado.
Essa oportunidade me possibilitou tanto caminhar como pesquisadora e
educadora, inquieta e solitária, como integrante do grupo pesquisador,
compartilhando da leveza de sonhos e trabalhos que o coletivo proporciona, pois
como nos apresenta Brandão (2005, p.90), “nada enriquece mais o que se
investiga, o que se sabe e compreende e o que se faz, do que a soma de
diferentes contribuições. A integração entre diferentes experiências de vida,
entre diversos modos de sentir e pensar”. Sinto-me privilegiada por experimentar
todas estas possibilidades de saber e ensinar sob o olhar da Educação
Ambiental (EA) que “nos chama para a importância da solidariedade – porque
de todos os modos nós estamos ligados uns aos outros, nós os humanos e os
outros seres vivos”, implicados a “uma alegria para buscar, fazer vibrar nos
diversos modos de nos religarmos aos seres, à vida” (SAUVÉ, 2016, p.294).
Desta forma, por acreditar que não é possível refletir sobre o que é
educação, currículo e educação ambiental, que aqui me propus, sem “refletir
sobre o próprio homem” (FREIRE, 1999, p.27), teço um pouco das vivências que
me trouxeram até aqui e os autores que fortaleceram minhas linhas
epistemológicas.
12
O fio da meada que marca o início de minha história é o exemplo da força
e perseverança de meus pais, um jovem casal, que no ano de 1983, resolve sair
do sul do país para desenhar o próprio caminho nas terras do estado de
Rondônia. Neste estado tivemos a oportunidade de escolher os tecidos e linhas
que gostaríamos de utilizar para criar nossos próprios bordados. Trouxemos
conosco um pouquinho de Terra de Areia, Osório, Riozinho, Cacoal e então
Vilhena, cidade onde vivemos até hoje.
Este exemplo de garra, fé e esperança de meus pais, marcaram
profundamente todas as decisões tomadas durante meu percurso de vida e me
possibilitaram, como educadora, vislumbrar a educação com os mesmos
sentimentos que já estavam bordados em mim. Junto a cinco irmãos mais velhos
para me inspirar e com o sentimento de ter um mundo inteirinho para
experimentar, pude aprender uma imensidão de saberes que foram construídos
através de “cada troca de palavra, cada troca de gesto, cada reciprocidade de
saberes”, dando sentido aos momentos de aprendizagem, antes mesmo de
chegar à escola, aos seis anos (BRANDÃO, 2005, p,86).
Crescer em uma família grande tem a vantagem de que sempre teremos
com quem contar e nos encorajar a seguir. Não é pelo total de pessoas que digo
que minha família é grande, mas pelo imenso amor, perseverança, fé e respeito
com que meus pais teceram nosso lar. E, mesmo sem saber, seria este
aprendizado que trariam as conexões profundas com a metodologia de pesquisa
seguida pelo GPEA, a amorosidade, seriedade e o coletivo.
É também, neste contexto que meu tecido ecológico começa a ganhar
contornos e cores. Vilhena é uma cidade de grande e inspiradora biodiversidade,
recortada por três rios que dão vida a grande parte do Estado. Entre estas águas,
árvores, bichos e gentes, foi que passei grande parte da infância. Nossa casa
não ficava limitada ao espaço recortado pelas cercas de balaústres e, mesmo
sem ainda compreender a dimensão desta relação, fui vivendo/crescendo sob o
teto/céu de “nossa casa comum” (BRANDÃO, 2005, p. 90) onde nós vivemos e
alinhavamos juntos valores e desejos para a vida.
Dentre as primeiras aprendizagens de minha vida posso perceber àquelas
que se fizeram intensamente forte e influenciaram nas escolhas para esta
pesquisa; meu pai, ainda muito jovem, foi professor no interior do Rio Grande do
Sul e sempre contou sobre esta experiência com olhar saudoso e repleto de
13
orgulho, pois, como ele mesmo conta, não ensinava só gramática, gostava de
ensinar e aprender, sobre tudo aquilo que meninos e meninas tivessem desejo
de conhecer. Talvez seja por isso que tanto me inquieto ao pensar a escola como
local restrito ao ensinar e aprender tradicional, onde um professor seja apenas
um “especialista em reprodução, peça de um aparelho ideológico de Estado”
(ALVES, 2011). Cresci com o desejo de ser mais que professora, queria ser
educadora. Educadora como a descrita por Rubem Alves (2011): fundadora de
mundos e mediar esperanças; mas com a amorosidade e respeito trazidos por
Brandão (2005) quando nos diz que todas as pessoas são fontes originais do
saber e trazem consigo conhecimentos, práticas e habilidades diferentes uns dos
outros e que na troca de saberes, estes se complementam, se transformam,
deixando claro que são saberes diferentes, mas não são saberes desiguais.
Esta era a educadora que pretendia me tornar, aquela que acredita que “há vida
na escola e para além dela” (SATO, 2013, p. 5).
Outra aprendizagem que me impulsionou e que me fez transcender todos
os significados das palavras: amor, fé, caridade, responsabilidade, medo e
coragem, foi o nascimento de meus três filhos. Cada um deles marca de forma
tão profunda os tecidos de minha existência que me compõem como alguém que
raramente pensa no singular; permitem-me ver os encantos dos pequenos
pontos e tramas que tecemos nesta travessia chamada vida e que este “encanto
tende a curar tudo” (BARROS, 2016, p.9). É com esse encantamento que sigo
tecendo os sonhos e anseios do caminho.
Desta forma, movida pelo desejo de ser educadora, escolhi cursar
magistério e também pedagogia. E, com essas novas vivências, veio a certeza
de que tinha escolhido as linhas certas: a escola era meu lugar. Ensinar e
aprender trazia ainda mais sentido à minha vida.
Nesta construção de minha identidade profissional, passei no concurso
para professora da rede municipal de ensino de Vilhena. Então, pude participar
de diversos cursos e seminários promovidos pela Secretaria Municipal de
Educação (SEMED) envolvendo a área de Educação Ambiental. No entanto, as
atividades e propostas dialogadas nestes encontros nos remetiam a práticas
pedagógicas pontuais e pouco reflexivas (Semana do meio ambiente, dia da
árvore, coleta seletiva do lixo, dia do índio, dia da consciência negra, etc), que
me instigaram a querem ir além, a realmente me embrenhar no universo da EA.
14
No ano de 2009 fui convidada para assumir a gerência de educação
ambiental na SEMED e também a tutoria da formação continuada dos
professores de 1º ao 5º ano, por meio da formação para tutores do Programa de
Formação Continuada (Pró-letramento), oferecido pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Foram momentos preciosos, pois o bordado profissional
me permitiu estar em contato direto com todas as escolas da rede municipal e,
assim, conhecer o que se desenvolvia sobre EA dentro das 24 escolas da rede.
Nessa mesma época conheci o Projeto de Revitalização dos rios Barão do
Melgaço e Pires de Sá, que tem suas nascentes dentro do município de Vilhena
e hoje têm seus percursos marcados pela degradação e invasão humana, com
o risco de secarem. Foi neste momento do caminho, junto a este projeto, que
senti que EA era muito mais que coleta seletiva; era respeitar o direito à vida, era
dialogar sobre nossa responsabilidade como integrantes deste planeta, na
“esperança de que a sociedade desejada seja democraticamente construída,
ambientalmente responsável e socialmente justa” (SATO; GAUTHIER;
PARIGIPE; 2005, p.99). Éramos um grupo de alunos, professores e voluntários
engajados na recuperação das nascentes de dois rios, quase que extintos pela
ação arbitrária do homem em sua gana desenvolvimentista. Mas era preciso
estudar, aprender mais, tão pequena era/sou eu diante de tanto a aprender.
Chegara o momento de organizar bastidores, linhas e agulhas para
redirecionar os caminhos a seguir. Aprender ainda era o que me movia, então,
em 2012, comecei uma especialização em gestão ambiental pelo Instituto
Federal de Rondônia (IFRO) e, nas leituras para a escrita do trabalho final, me
deparo com o nome de Michèle Sato e o blog do GPEA, trazendo uma imensidão
de possibilidades, de novos olhares, prismas e sentimentos sob a luz da EA.
Com imenso desejo de compreender a educação ambiental, que naquele
momento era ainda distante de minhas vivências, e repensar o espaço da escola,
em 2014, fui aluna especial no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no GPEA, me
aproximei das leituras de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Michele Sato
e tantos outros. Ser aluna especial era uma grande conquista, mas também
exigia dedicação, força de vontade e perseverança. Dedicação para encontrar
espaço entre a vida de mãe, esposa, filha e professora, momentos para ler todos
os textos e livros que eram necessários; o tempo encontrado foi entre às 03h e
15
06h da manhã, e foi neste silêncio da madrugada que tanto aprendi. Força de
vontade para deixar a família e viajar toda semana, percorrendo de ônibus 1.426
km, com um total de 24 horas de estrada. Durante todo este ano precisei sair de
Vilhena/RO todas as terças-feiras à noite e viajar 12 horas até chegar em
Cuiabá/MT, estudar pelas manhã nas mesinhas do corredor do Instituto de
Linguagem (IL), às 14:30 participar dos colóquios e de lá seguir para a rodoviária
e voltar para casa, mais 12h até chegar e ir trabalhar. O mundo não parava para
que eu pudesse estudar. Embora, algumas vezes, no banco da rodoviária tenha
pensado: Será que estou fazendo o certo? Vale a pena tudo isso? Não podia
parar, desistir não era uma opção. Valeria a pena, e valeu; eu cresci, nós
crescemos!
Por isso, era preciso ter perseverança, por mim e por aqueles que
sonhavam comigo. E como escreveu Miguel de Cervantes “A perseverança é a
mãe da boa sorte”.
E esta boa sorte, me possibilitou encontrar irmãos/companheiros de
sonho e ideal, pessoas estas que me ensinaram que “o caminho se faz
caminhando” (FREIRE; HORTON, 2003), e que quando se caminha junto, todos
ganham, todos aprendemos. O GPEA é excepcionalmente um grupo que nos
proporciona compreender o significado de coletivo, de respeito e de amor em
sua mais profunda dimensão. Gratidão!
Ao pensar nas dificuldades que enfrentava para continuar estudando, me
questionei, diversas vezes, sobre o quanto a educação ainda é um ponto frágil
em nosso país, será mesmo que o lema governamental: “Educação para todos”
chega aos ‘todos’ que querem estudar? Será mesmo que a educação que hoje
é oferecidas nas escolas permite que ‘todos’ tenham sonhos e/ou expectativas
de continuar estudando? Será mesmo que basta somente ‘querer estudar’?
Infelizmente hoje em nosso país a educação ainda não está ao alcance
de todos, embora seja direito das crianças estarem na escola à partir dos quatro3
anos, dar continuidade a estes estudos é um problema social. A distribuição de
renda de nosso país é extremante injusta, o que faz com os jovens, que deveriam
3 A partir da Lei 12.796/13, fica definido como obrigatório a inserção das crianças com quatro anos de idade na escola. Documento disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm
16
continuar seus estudos, ao terminarem o ensino médio ou antes disto, precisem
optar por procurar emprego para ajudar nas despesas de suas casas.
É preciso então, compreender que, embora muitos adultos voltem as
escolas, “o simples acesso à escola é condição necessária mas não suficiente
para tirar das sombras do esquecimento social milhões de pessoas cuja
existência só é reconhecida nos quadros estatísticos”. (MÈSZÁROS, 2008,
p.11). Temos em nosso país uma organização política e social onde as
instituições de ensino formal, mesmo descritas com o discurso de ‘espaço para
todos’, traz um currículo enraizado nas ideologias capitalistas e excludentes.
Onde, mesmo que se queira estudar, é preciso um esforço para além do querer,
é preciso transpor as barreiras do descaso e da injustiça social em que estamos
inseridos.
Quando nos propomos a escrever sobre currículo e a repensar a
educação é preciso que pensemos em qual o papel da educação na construção
de outro mundo possível, onde se transcenda a histórica de formar sujeitos para
o mercado de trabalho e manter o sistema de produção dirigido por uma pequena
parcela privilegiada Mészáros (2008). Por isso, É importante refletir e buscar uma
educação que potencialize as transformações políticas, econômicas, culturais e
sociais necessárias.
Estas inquietações sobre a educação que temos e aquela que queremos,
ganharam espaço durante os diálogos no grupo de estudo, tema este que me
intrigava, pois, percebia na escola e no currículo restrito que nela estava
presente, um local castrador e incoerente. Era preciso repensar a escola e a
educação.
Durante uma das apresentações dos colóquios, ouvi falar de forma mais
profunda sobre currículo como construção social; como construção do saber;
currículo como identidade e poder; sobre currículo da vida, percebendo, assim,
que seria possível entrelaçar os anseios e sonhos da educadora e mãe com a
militância por uma sociedade mais justa sob o olhar da EA. Nasce aí a inspiração
para a composição do bordado-pesquisa que teve início em 2016, com o
ingresso no mestrado em educação da UFMT.
Como mestranda em educação, começo a tecer as memórias da
experiência de fazer parte de um grupo pesquisador. Com passos pequenos,
mas firmes, iniciei meus caminhos por este sonho. Junto ao GPEA, fui
17
aprendendo a escolher os tecidos, agulhas e linhas necessárias para a
composição desta pesquisa.
Nessa caminhada, conheci o Quilombo de Mata Cavalo4 e as ações
desenvolvidas pelo/com o grupo junto à comunidade, uma aliança que existe
desde 2006. Foi possível, então, sentir a grandeza desta aliança entre
GPEA/Comunidade na construção coletiva de novos saberes, na busca
permanente por visibilidade e força às pessoas guerreiras que lutaram para a
construção e reconstrução de suas histórias, para manterem vivas sua
multiplicidade e cultura, diante de tantos percalços que a comunidade enfrenta.
Durante essa aproximação junto ao Quilombo de Mata Cavalo e ao
estudar sua história, nos deparamos com a parceria de dez anos entre o GPEA
e a comunidade, que resultou na elaboração de projetos de pesquisa5 que
tiveram o quilombo como local de estudos, considerando as percepções sobre
suas lutas, conflitos, saberes, culturas e relação com a natureza (AMORIM,
2017) e que foram de extrema relevância para que esta escrita pudesse ser feita.
Através das leitura deste alinhavar de histórias que compõem o Quilombo de
Mata Cavalo e os processos formativos desenvolvidos nestes dez anos,
pudemos perceber a importância da escola dentro do quilombo e o anseio da
comunidade em rever o currículo formal que chega até a escola. Visto que, os
entrevistados, em vários momentos, ressaltam que sentem vontade de ter mais
“coisas” quilombolas nas atividades vivenciadas na escola e na/com a
comunidade.
Dessa forma, surge o desejo de conhecer, como pesquisadora, a
organização atual do currículo da escola, quais as diretrizes curriculares do
estado de Mato Grosso e se nelas estão especificadas as características da
cultura quilombola, além de compreender como a EA está inserida no contexto
escolar e na vivência da comunidade.
4 O complexo Boa Vida – Mata Cavalo situa-se no município de Nossa Senhora do Livramento, às margens da rodovia que interliga Cuiabá a Poconé, 42km de distância da capital mato-grossense. Mata Cavalo foi reconhecido como quilombo e titulado pela Fundação Cultural Palmares com uma área de 11.722 hectares de ocupação tradicional por famílias descendentes de negros escravizados, ou “remanescentes”, como eles se autodenominam. (Informação retiradas do Laudo pericial histórico-antropológico, escrito por Edir Pina de Barros, 2007). Falaremos mais profundamente sobre o quilombo no próximo capítulo. 5 Falaremos sobre estes projetos e pesquisas no terceiro capítulo desta dissertação.
18
Assim, sob este olhar da Educação Popular e Ambiental, podemos
sonhar, juntos, com um currículo que contemple as múltiplas características que
enriquecem um quilombo. Aliando estas dimensões, com o objetivo de
compreender qual a importância do currículo no contexto de uma escola
quilombola, tecemos a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos
à educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo
sobre a importância da construção coletiva de saberes desta Comunidade
Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental como linha
fundamental na trama escola e comunidade.
Onde pudemos refletir sobre como a educação, a EA e a Educação
Quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado de seus múltiplos
saberes, em seus processos de socialização e como possibilidade da construção
coletiva de um currículo da vida elaborado com e pela comunidade Quilombola,
ligando escola, comunidade e ambiente e sua luta social.
Com essa intenção, propusemos momentos de diálogos, reflexões e
trocas de saberes, interligando escola, comunidade e grupo pesquisador durante
um processo formativo que iremos descrever adiante em nossas escritas. Uma
vez que, o intuito desta pesquisa é compreender os processos de construção
coletiva de um currículo da vida, pensando com e pela comunidade Quilombola.
E que, desejado e construído coletivamente, evidencie os elementos culturais e
os sonhos de um quilombo que resiste e luta para não desaparecer, diante da
rápida ascensão capitalista que tem buscado invisibilizá-los. Pensando um
currículo como “território político” que traga a possibilidade de construção
coletiva de tática educativa de resistência, que auxilie a reflexão sobre “quais os
conhecimentos são considerados válidos” para a Comunidade Quilombola de
Mata Cavalo (SILVA, 2013, p.148).
Trazemos6 como base desta pesquisa, os princípios da Educação
Ambiental Popular, onde se reconhece os diferentes saberes, sem hierarquias;
unindo diálogo, aprendizagem coletiva, política e educação nas reflexões sobre
cultura, ambiente e currículo, na busca por uma sociedade mais justa
6 Por nos assumirmos como grupo pesquisador, onde em alguns momentos fomos ‘nós’, coletivo, e em outros foi preciso ficar sozinho e perceber o olhar do ‘eu’ para a construção desta pesquisa, utilizamos em alguns momentos a primeira pessoa do singular e quando necessário, a primeira pessoa do plural.
19
(MOREIRA, 2017). Pois, partimos do pressuposto de que a escola, enquanto um
espaço de poder, precisa considerar a organização e articulação da prática
pedagógica diante dos conflitos ambientais vivenciados por seus moradores,
exercendo uma educação não neutra e que possa fortalecer a identidade de
resistência da comunidade.
Assim, teço a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à
educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo
sobre a importância da Educação Ambiental como linha fundamental na
construção coletiva de saberes desta Comunidade Aprendente (CA)
(BRANDÃO, 2005). Compreendendo aqui, como CA, um grupo de pessoas que
interagem, trocando e produzindo novos saberes, ou seja, os grupos dos quais
fazemos parte durante nossa vida: família, grupo de amigos, grupo de trabalho,
entre outros. Aprendendo e ensinando nessas inúmeras interações, como em
Brandão (2005, p.87): “Assim é que podemos chamar cada uma destas unidades
de vida e de destino de comunidades aprendentes. Pares, grupos, equipes,
instituições sociais de associação e partilha da vida.”
Nessa escrita, trago como CA todas as pessoas que participaram dos
momentos de interação no Quilombo de Mata Cavalo durante essa pesquisa,
pois, se relacionaram “inter-trocando saberes” (BRANDÃO, 2005): o grupo
pesquisador, seus integrantes, alunos, professores, funcionários da escola e
toda a comunidade quilombola, que participaram do processo formativo sobre
currículo.
Para apresentar o bordado formado durante o caminho desta pesquisa,
escolhemos organizar a dissertação em quatro capítulos. Neste capítulo I,
intitulado O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer da escrita,
trançamos as linhas das vivências da pesquisadora e as inquietudes que a
trouxeram até esta pesquisa, bem como de onde nos posicionamos, como grupo
pesquisador, diante das injustiças sociais que ainda refletem na educação e,
claro, na escola.
No capítulo II, Moldes revistas e inspirações do tecido literário, trazemos
as concepções de currículo e educação ambiental que sustentam e dão forma
ao bordado proposto junto ao GPEA. Apresentamos, também, sobre os
quilombos no Brasil, o quilombo de Mata Cavalo e suas multiplicidades diante de
20
um currículo quilombola. Pois acreditamos que este caminho histórico é que
fortalece e significa os sonhos e resistências deste povo.
Moldando os desenhos com linhas e agulhas, terceiro capítulo, é onde
ilustramos as escolhas metodológicas, esclarecendo sobre as etapas e os
procedimentos utilizados para a realização da pesquisa. Pesquisa está, escrita
sob o sentir da Sociopoética (GAUTHIER), que nos permitirá expor o
posicionamento do grupo pesquisador, alinhavando conceitos com afetos, os
confetos, que ousam conjugar o verbo amar entre ciências e arte (SATO;
SENRA, 2009, p.140).
Capítulo IV, Tramas, franjas, pontos e cores, traz a vivência da
comunidade de Mata Cavalo, a relação GPEA e Comunidade, a Escola Tereza
Conceição Arruda como território de encontro, união e luta. Onde foi possível,
sonhar coletivamente sob o desejo de um currículo da vida que pudesse
arrematar tamanha riqueza cultural desta comunidade. Ressaltamos os
movimentos de luta da comunidade, primeiro por suas terras, depois para ter o
direito a uma escola no quilombo e, principalmente, a luta por um currículo vivo,
pensado e sentido com e pelos/as quilombolas, possibilitando visibilidade e
fortalecimento de sua história.
Em último momento, apresento as Considerações sobre a tessitura do
bordado, sem a intenção de deixar algo concluído ou acabado, mas com a
certeza de que quando aprendemos coletivamente damos sentido ao tecer/viver
e “costuramos um viver juntos” (GAUTHIER, 2005). Um viver que vai construindo
uma história, sem pressa, mas com confiança no futuro, nas conquistas,
seguindo os pontos, laços, fazendo ajustes para se tecer uma sociedade mais
justa, assim como ao fazer um bordado, em que se deve seguir a um risco e
contemplar cada ponto durante o percurso.
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22
Para iniciar este capítulo escolhemos o Poema de Solano Trindade7 que trança
em seus versos o registro da histórias de homens e mulheres negros/as que
foram submetidos a tamanha injustiça trazida pela escravidão. Também, por
descrever com delicadeza a força e riqueza de um povo que resiste, luta e sonha
por sua libertação ainda hoje.
Inspirados pelo tracejo destas palavras escrevemos o capítulo que se
segue, adentrando na história dos quilombos no Brasil e chegando ao Quilombo
de Mata Cavalo. Ao descrevermos a relação entre essa história social e o
quilombo de Mata Cavalo, buscamos, também, a relação entre o quilombo e o
papel da educação neste processo. O que nos instiga na busca para
compreender se o currículo existente hoje na comunidade contém os elementos
socioculturais que fazem parte do processo histórico por ela vivenciado, sendo
de suma importância para esse currículo vivo que que aqui desejamos.
CAPÍTULO II - Moldes, desenhos e inspirações do tecido literário
“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que
a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o
cativeiro é o maior mal que pôde vir aos homens.” Dom Quixote, Parte 2, Capítulo 58.
2.1 Marcas da história: Os quilombos no Brasil e o quilombo de Mata
Cavalo
Para chegarmos aos pontos marcados no “bordado” da história dos
quilombos no Brasil, precisamos conhecer as “linhas” da escravidão que
permearam os séculos XVI a XIX de nosso país.
O Brasil se constitui pela imensa diversidade/diferença dos povos que o
teceram. Desta forma, dentre as linhas escolhidas para as tramas de seu
bordado destaco aqui a vinda dos negros e negras para este continente. Os
negros e negras foram trazidos principalmente da costa ocidental africana.
Sendo capturados meio ao acaso nas centenas de povos tribais que falavam
7 Poema retirado de: SATO, Michèle; et al. Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, Mato Grosso, Brasil. Cuiabá: GPEA-UFMT, 2010. (Caderno Pedagógico).
23
dialetos e línguas não inteligíveis uns aos outros, trazidos e submetidos todos à
escravidão (RIBEIRO, 1995, p.114-115).
Marquese (2006) nos lembra que a escravidão não desapareceu por
completo na Europa ocidental, mesmo depois do declínio do Império Romano,
pois ainda existia, como regime de trabalho, em penínsulas do Mediterrâneo. No
entanto, a “recriação do escravismo” surge após a segunda metade do século
XV, com a utilização maciça de escravos nas atividades agrícolas, segundo
Munanga e Gomes (2016, p.18), “o tráfico negreiro é considerado por sua
amplitude e duração, como uma das maiores tragédias da história da
humanidade”. Entre 1580 e 1620, foi o auge do tráfico de escravos entre África
e Brasil, com o intuito de ter mão de obra suficiente para alavancar a produção
açucareira em nosso país e deixa-lo na posição de maior região abastecedora
do mercado europeu.
Assim, os negros africanos, com a exploração de sua mão de obra,
fizeram deslanchar a produção açucareira no Brasil, pois vieram em grande
número para substituir a mão de obra indígena que não era especializada e
estava desfalcada, por causa das mortes por doenças. Marquese (2006, p. 4-5)
relata esses acontecimentos:
A mão-de-obra empregada na montagem dos engenhos de açúcar no Brasil foi predominantemente indígena. Uma parte dos índios (recrutados em aldeamentos jesuíticos no litoral) trabalhava sob regime de assalariamento, mas a maioria era submetida à escravidão. Os primeiros escravos africanos começaram a ser importados em meados do século XVI; seu emprego nos engenhos brasileiros, contudo, ocorria basicamente nas atividades especializadas. Após 1560, com a ocorrência de várias epidemias no litoral brasileiro (como sarampo e varíola), os escravos índios passaram a morrer em proporções alarmantes, o que exigia reposição constante da força de trabalho nos engenhos. Na década seguinte, em resposta à pressão dos jesuítas, a Coroa portuguesa promulgou leis que coibiam de forma parcial a escravização de índios. Ao mesmo tempo, os portugueses aprimoravam o funcionamento do tráfico negreiro transatlântico, sobretudo após a conquista definitiva de Angola em fins do século XVI.
A força dos escravos negros representou primordial importância nas
plantações de cana-de-açúcar e, também, nas plantações de tabaco e de
algodão, nos engenhos, nas vilas e cidades, nas minas e nas fazendas de gado.
No entanto, para seus senhores, os negros escravos eram considerados apenas
como mercadorias, bem como símbolo de poder e prestígio, como ressalta
SANTOS (2013, p.6): “Nesse contexto, o negro não era visto como ser humano
e sim como um produto econômico cujos interesses iam muito além por parte de
24
seus “donos” uma vez que o lucro era garantido.” Contudo, sua contribuição para
o desenvolvimento do país é pouco reconhecida.
Encontravam-se dispersos na terra nova, junto a outros escravos, seus
iguais na cor e na condição servil, mas diferentes na língua, na identificação tribal
e, frequentemente, hostis pelos referidos conflitos de origem (RIBEIRO, 1995,
p.115). Esta situação a que os negros foram submetidos se apresentava como
uma estratégia para que não se organizassem e, assim, impedi-los de ganhar
força coletivamente para lutar por sua liberdade.
Estes homens e mulheres eram tratados da pior forma possível.
Trabalhavam incessantemente, maltrapilhos, com uma comida de péssima
qualidade, dormiam nas senzalas, acorrentados e eram açoitados
constantemente; além de serem proibidos de viver conforme suas crenças e
cultura. Sua religiosidade foi negada e condenada, trazendo o catolicismo como
única maneira de expressão de fé (SANTOS, 2013).
A vida a que foram submetidos fez com que muitos ficassem doentes,
tentassem suicídio ou se rebelassem contra os maus tratos e a forma desumana
como eram tratados e obrigados a viver. Pois, devido à tamanha crueldade
sofrida, a vida de um adulto só se mantinha ativa para seus senhores pelo
período máximo de 10 anos, depois eram substituídos por seus filhos (SANTOS,
2013, p. 02).
Qualquer deslize era motivo para as mais horríveis punições. Para fugir de todos estes sofrimentos, alguns escravos se suicidavam; outros matavam seus feitores e ainda os que fugiam para os quilombos.
Esta parte da vinda dos negros para o Brasil é marcada então por extrema
injustiça; deixando marcas de violência, submissão e desrespeito, como vemos
em Munanga e Gomes (2016, p.16):
Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos; fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) e investimentos em “máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenho). Foi esse o regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizados que, também por coincidência histórica, é negra.
No século XVIII, considerado o século do ouro, alguns escravos
conseguiram comprar sua liberdade, adquirindo a “carta de alforria”, tornando-
25
se livres destas correntes, mas ainda presos em uma sociedade preconceituosa
e de portas fechadas para eles. Diante deste cenário a resistência e luta dos
negros escravizados surge como um grito de socorro em busca de uma vida
digna. Organizados e corajosos começam a fugir das fazendas e ocupar espaços
para buscar seus direitos, dentre eles, direito à vida.
Estas ações mostram que estes homens e mulheres, mesmo vivendo em
um meio degradante, buscavam com muito esforço não se deixarem esvair de
toda a sua força interior e esquecer sua cultura. Como vemos em Ribeiro (1995,
p.118):
Não tem outra saída, entretanto, uma vez que a condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas quais, entretanto, muitos índios e muitos negros saíram; seja pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito freqüente, ou da fuga, mais freqüente ainda, que era tão temerária porque quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho. Seu destino era morrer de estafa, que era sua morte natural. Uma vez desgastado, podia até ser alforriado por imprestável, para que o senhor não tivesse que alimentar um negro inútil.
Começam, assim, as primeiras resistências e as lutas por condições mais
dignas de vida, pela reconquista aos direitos à própria cultura e aos próprios
costumes e crenças. Surgem, então, os quilombos. Como forma de
sobrevivência e resistência, os negros que conseguiam fugir do açoite dos
jagunços refugiavam-se, junto a outros tantos, em pequenas propriedades que
passaram a ser chamadas de quilombo. Para além de “habitação de negros
fugidos”, o quilombo marca a “reação guerreira a uma situação opressora”
(LEITE, 2000, p.336).
Este movimento de rebeldia e luta transcende o desejo de ter ‘um pedaço
de terra’ e a sua sobrevivência;
Para o negro cativo, inserido brutalmente numa sociedade escravista, a possibilidade de “possuir” um pedaço para plantar e colher seu produto, cultuar seus deuses sem o risco de ser molestado ou simplesmente para “folgar” poderia representar não apenas um meio de atenuar sua sobrevivência, mas uma possibilidade real de construção de uma identidade de um homem “livre”, ou seja, o que estava em jogo era de um lado uma sociedade consolidada na manutenção da exclusão como pressuposto de existência, e de outro, a possibilidade de construção de um espaço construído sob a égide da inclusão como forma de sobrevivência, independente da forma de ocupação ou aquisição do território, seja através de doações a santas, terras compradas pelos fundadores, espaços ocupados em tempos imemoriais ou mesmo cedidos pelo senhor nas relações descritas
26
como as chamadas “brechas camponesas”. (SANTANA, 2005, p. 14-15)
Desta forma, como nos afirma Leite (2000, p. 333) falar dos quilombos e
dos quilombolas no cenário político atual é, portanto, falar de uma luta política e,
consequentemente, uma reflexão científica em processo de construção. Pois
podemos observar a intensa e injusta força do poder público diante destes
grupos, quando Leite (2000, p.334) afirma que “em diferentes partes do Brasil,
sobretudo após a abolição (1888), os negros tem sido desqualificados e os
lugares em que habitam são ignorados”, não levando-se em conta a identidade
e a cultura deste grupo, mantendo assim uma visão estática de quilombo, que
não evidencia “Seu aspecto contemporâneo, organizacional, relacional e
dinâmico, bem como a variabilidade das experiências capazes de serem
amplamente abarcadas pela ressemantização do quilombo na atualidade”
(LEITE, 2000, p. 342), assim como o artigo 688 da Constituição Federal, que ao
dispor sobre os direitos sobre as terras, traz subintendido a cultura como algo
fixo e cristalizado em fase de desaparecimento; restringindo o quilombo a uma
unidade fechada e igualitária, sem considerar em nenhum momento sua
identidade e diversidade (LEITE, 2000).
É preciso, portanto, repensar o significado de quilombo e os sujeitos que
dentro dele estão, ou seja, “mais do que uma realidade inequívoca, o quilombo
deveria ser pensado como um conceito que abarca uma experiência
historicamente situada na formação social brasileira” (LEITE, 2000, p. 342).
Nestas discussões sobre os conceitos de quilombo, principalmente após
a abolição, as lutas tornaram-se ainda mais intensas, pois, além de ser preciso
provar as especificidades, mobilidade e contemporaneidade dos quilombos, é
preciso se discutir sobre patrimônio material e cultural, identidade cultural e
política das minorias de poder. Caminho este, ainda hoje, repleto de conflitos no
cenário brasileiro.
Torna-se necessário compreender que:
Não é a terra, portanto, o elemento exclusivo que identificaria os sujeitos do direito, mas sim sua condição de membro do grupo. A terra, evidentemente, é crucial para a continuidade do grupo, do destino dado ao modo coletivo de vida destas populações, mas não é o elemento
8 Constituição Federal de 1988; Art. 68: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos.
27
que exclusivamente o define. É importante não confundir o pleito por titulação das terras que vêm ocupando ou que perderam em condições arbitrárias e violentas com os critérios de constituição e formação histórica da coletividade. [...] Quer dizer: a terra, base geográfica, está posta como condição de fixação, mas não como condição exclusiva para a existência do grupo. A terra é o que propicia condições de permanência, de continuidade das referências simbólicas importantes à consolidação do imaginário coletivo, e os grupos chegam por vezes a projetar nela sua existência, mas, inclusive, não tem com ela uma dependência exclusiva. (LEITE, 2000, p. 344-345)
Estes conflitos e injustiças também fazem parte do cotidiano da
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, situada no município de Nossa
Senhora do Livramento – MT. (Figura 1)
Figura 1 – Mapa de Localização do Município de Nossa Senhora do Livramento
Fonte: Jaime Duarte Júnior.
Comunidade esta, que luta por seu território de cerca de 11.000 hectares
a mais de 100 anos e está organizada em seis associações: Mata Cavalo de
Cima; Ponte da Estiva; Ventura Capim Verde; Mutuca e Mata Cavalo de Baixo,
28
formando o complexo Quilombo Boa Vida Mata Cavalo (SATO et. al., 2008) e
que será nosso lugar de tecer/viver desta dissertação.
O Quilombo de Mata Cavalo tem origem que se difere da forma tradicional
de formação dos quilombos, baseada na ideia de fuga e isolamento, pois, no ano
de 1876, a partir da doação de parte da antiga Sesmaria Boa Vida aos escravos
e ex-escravos, Dona Ana da Silva Tavares, que havia recebido a Sesmaria por
herança na ocasião da morte de seu marido, prescreve em testamento a
liberdade de seus escravos e a doação a eles de partes das terras, hoje, território
habitado pelos quilombolas de Mata Cavalo (MANFRINATE, 2011; BARCELOS,
2011). Desta forma o Quilombo de Mata Cavalo rompe com a visão cristalizada
de formação por fuga e isolamento para dar visibilidade a sua identidade,
ultrapassando o binômio fuga-resistência. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;
2002).
Através do Laudo Pericial Histórico-Antropológico, organizado por Edir
Pina de Barros no ano de 2007, pudemos conhecer com detalhes a composição
do Quilombo de Mata Cavalo em seus diversos aspectos: históricos, políticos e
culturais, sendo grande fonte de pesquisa para esta escrita.
Os grupos, que hoje vivem nas comunidades de quilombo, se constituíram
a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem: as fugas com
ocupação de terras livres e geralmente isoladas, heranças, doações,
recebimento de terras como pagamento por serviços prestados ao Estado, a
permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes
propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema
escravocrata, quanto após a sua extinção. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;
2002, p. 3)
Mata Cavalo foi reconhecido como quilombo e titulado pela Fundação Cultural Palmares com uma área de 11.722 hectares de ocupação tradicional por famílias descendentes de negros escravizados, ou “remanescentes”, como eles se autodenominam. Uma regularização federal transferiu ao INCRA a competência para a demarcação dos territórios quilombolas. [...] Mas o reconhecimento é apenas formal, porque na realidade eles não têm acesso aos recursos naturais dos quais dependem para a sua reprodução sociocultural. (BARROS, 2007, p. 3)
História também descrita através de Barcelos (2011), onde apresenta que,
a terra no Quilombo Mata Cavalo, “constitui-se como catalisadora do sentimento
de pertença de seu território”, cravando nestas terras suas raízes e construindo,
29
Através delas os elementos culturais de suas identidades marcadas pela singularidade do ser negro e quilombola. Os costumes, a religiosidade, a vida comunitária, as tradições e o esforço na manutenção de suas identidades produzem uma territorialidade única, edificando-a enquanto espaço vital, real e simbólico, simultaneamente. Para além do significado do sentimento de pertença, a questão essencial na história dos remanescentes do Mata Cavalo consiste no fato da existência dessa comunidade em função da terra. (BARCELOS, 2011, p. 1-2)
Assim, ao redimensionar o conceito de formação dos quilombos, traz-se
a possibilidade de que seus integrantes sintam-se pertencer a um grupo, a uma
terra; designando um legado, uma herança cultural e material, construindo sua
identidade étnica e sua territorialidade. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;
2002). Entretanto, mesmo com o reconhecimento do direito à terra, ainda hoje,
os quilombolas enfrentam grandes e contínuas batalhas para que sejam
reconhecidos como os donos legítimos. Como nos mostra Manfrinate (2011, p.
17) grande parte da comunidade, no passado, já havia sido expulsa pelos
fazendeiros e se espalhado pela periferia de Cuiabá e Várzea Grande, durante
a década de 90.
Cercados por um “cenário de luta, após longos e cansativos momentos de
resistência dos moradores contra os fazendeiros”, a história dos quilombolas de
Mata Cavalo traz em seus registros uma grande mobilização política de
resistência que marca historicamente a comunidade no ano de 1994,
“Mobilização em favor dos direitos de trabalhadores negros rurais do complexo
Mata Cavalo em relação ao acesso à terra” (Sato et al, 2010, p.15) e, no ano de
1996, o fortalecimento deste movimento com a criação da Associação Quilombo
Mata Cavalo, dando ânimo para que aos poucos os descendentes e herdeiros
do quilombo retornassem à comunidade para encampar uma luta mais forte pela
posse das terras.
Uma das formas de fortalecer a luta do quilombo de Mata Cavalo foi a
aliança estabelecida entre Comunidade e UFMT/GPEA. Parceria que possibilitou
o mapeamento dos conflitos socioambientais existentes no Estado do Mato
Grosso (JABER-SILVA, 2012), e com maior enfoque local através do
mapeamento dos conflitos, construído coletivamente por meio do processo
formativo9 realizado junto comunidade quilombola nos anos de 2015 e 2016, que
9 Este processo formativo é abordado de forma mais detalhada no capítulo III desta dissertação.
30
deu origem a dissertação10 de mestrado de Déborah Luíza Moreira, intitulada:
Território, luta e educação: dimensões pulsantes nos enfrentamentos dos
conflitos socioambientais mapeados no Quilombo de Mata Cavalo. Este
processos junto à comunidade tem auxiliado a Comunidade Quilombola de Mata
Cavalo a sair da invisibilidade.
Figura 2 – Mapa dos Conflitos na Comunidade Quilombola Sesmaria Boa Vida Mata Cavalo
Fonte: Imagem correspondente aos resultados obtidos no mapeamento dos conflitos na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo durante a pesquisa intitulada: Território, luta e
10 Dissertação disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html
31
educação: dimensões pulsantes nos enfrentamentos dos conflitos socioambientais mapeados no Quilombo de Mata Cavalo, escrita por Déborah Luíza Moreira no ano de 2016. Arte: Cristiane Almeida.
Este povo exprime em sua identidade quilombola força na busca de
visibilidade e reconhecimento de sua história, cultura e valores. Pois,
Os quilombos contemporâneos, a exemplo de Mata-Cavalo, mesmo tendo origens diferentes das do século XVIII, e estando economicamente empobrecidos, conservam o mesmo espírito de luta. Organizados em associações e pautados na lei, implementam ações sociais na esperança de conquistar um dia a liberdade imparcial, o respeito, o reconhecimento, enfim a dignidade humana (CASTILHO, 2008, p.67).
E, quando falamos da luta dos quilombolas pela terra, cabe ressaltar que
a terra pela qual lutam traz, em si, uma gama de sentidos e sentimentos, não é
apenas um pedaço de chão, mas engloba o direito à vida, à sobrevivência, à
família e aos próprios costumes e crenças. A EA vem ao encontro dessa busca
por uma vida mais plena, equilibrada e justa, enquanto pessoas dotadas de
valores e forças próprias. Vemos que a luta das comunidades quilombolas vai
além da questão fundiária, conforme Castilho (2008, p.89), essas lutas
“recrudescem, assumindo uma conotação mais ampla, compreendendo
aspectos étnicos, históricos, antropológicos e culturais”. Visto que a EA que aqui
consideramos é uma educação que repense a realidade brasileira numa
perspectiva política e social, que seja “compreendida em seu nível mais
poderoso de transformação: aquela que se revela em uma disputa de posições
e proposições sobre o destino das sociedades, dos territórios e das
desterritorializações” e que, portanto, faça parte da “luta” em prol de uma
sociedade que “seja democraticamente construída, ambientalmente responsável
e socialmente justa” (SATO; CARVALHO, 2005, p. 97).
Desta forma, foi junto a esta Comunidade, que luta a mais de um século
por visibilidade e por seus direitos que tecemos as escritas dessa dissertação.
Ao conhecer a história de Mata cavalo e seu sonho de transformação e
fortalecimento da comunidade, observamos que a luta pela construção e
permanência da escola no quilombo está intensamente ligada às táticas de
resistência por eles constituídas.
Diante dessa perspectiva, é necessário refletir sobre a educação na
formação histórica de nossa sociedade e também, a educação que se faz no
32
quilombo e o que precisa ser repensado. Essas reflexões farão parte do próximo
subtítulo desses estudos.
2.2 Educação e Currículo no Quilombo: o entrelaçar dos saberes
Partimos do pressuposto de que para se pensar o currículo é necessário
que se reflita a respeito da educação, do sistema de ensino existente em nosso
país e sobre as diretrizes curriculares instituídas atualmente.
Dessa forma, quando pensamos sobre os conceitos de educação e sua
íntima relação com a formação humana em sociedade é preciso nos questionar
que, se temos um sistema escolar que foi organizado e pensado por um sistema
político dominante, é possível acreditar na Educação? (BRANDÃO, 1999, p. 98).
Podemos refletir sobre: que tipo de educação é essa, pensada para a formação
de uma sociedade capitalista e opressora; qual educação considera-se prioritária
no desenvolvimento histórico, social e, principalmente, quem são os sujeitos
envolvidos nesse processo.
Quando Brandão (1999) escreve sobre os conceitos de ‘educações’ nos
permite refletir a respeito do que se esconde por tras dos tipos de educação em
cada sociedade, ressaltando, então, que a educação pode ser um instrumento
que potencialize a opressão das classes privilegiadas sobre as demais classes
e, atualmente, nosso sistema educacional legitima esse ensino elitista e
desigual, influenciado por interesses políticos e econômicos, distante do sistema
educacional descrito em nossas leis.
Brandão traz a ideia de que as mudanças sociais se constroem e se
fortalecem através da interação entre os saberes científicos e outras esferas de
conhecimento, no processo de aprender e ensinar, levando em consideração
que todas as pessoas que estão envolvidas são fontes originais de saber
(BRANDÃO, 2005, p.88). Pois, assim, a educação alcança um sentido popular
e político, conforme Paulo Freire (2003, p. 10) que nos diz:
Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem que responder às marcas e aos valores desta sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. [...] A possibilidade humana de existir – forma crescida do ser -, mais do que viver, faz do homem um ser eminentemente relacional. Estando nele, pode também sair dele, Projetar-se. Discernir. Conhecer.
33
A educação em que acreditamos deve transcender aquela que prioriza a
prática pedagógica dura e instrumentalista. Almejando uma educação popular
em que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua produção ou a sua construção" (FREIRE, 1996, p. 22). Compreendendo
que os momentos de aprendizagem ultrapassam os saberes dos muros das
escolas, desconstruindo a afirmação que o único espaço de conhecimento e
aprendizagem é a escola e os únicos capacitados para repassá-los são os
‘mestres’ que estudaram para este fim. Cabe, então, ressaltar que se faz
necessário repensar quem são os sujeitos de direito dessa educação a ser
construída, onde aprendemos, com quem aprendemos e que saberes são esses
que fazem parte da aprendizagem humana.
Esses questionamentos sobre que tipo de educação temos, que tipo de
educação queremos e precisamos e a forma de fazê-la acontecer e possibilitar
aos sujeitos, que dela fazem parte, a transformação em indivíduos autônomos e
capazes de enfrentar as demandas sociais da atualidade, são uma preocupação
da sociedade como um todo. E a Educação Quilombola também traz estes
anseios, visto que, segundo Martins e Nishijima (2010, p.64):
É necessário que o processo educativo seja capaz de conferir sentido aos conteúdos, à aprendizagem, ao conhecimento, a fim de que os educandos possam manter-se dentro de suas comunidades, valorizando suas origens históricas e culturais, para que desta forma viabilize-se a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e plural.
Repensando o contexto educacional de nosso país, percebe-se que o
grande desafio é “desenvolver uma postura ética” que não hierarquize nenhum
grupo social por suas tantas diferenças (GOMES, 2007, p. 30) e, desta maneira,
a Educação Quilombola e a EA se entrelaçam e trazem o desejo de mudança
desta postura assumida ainda hoje, sonhando que todos aqueles que fazem
parte de nossa sociedade percebam o mundo e se percebam como sujeitos
políticos e históricos que participam desse processo de transformação, visto que:
A educação ambiental se consagra enquanto um processo libertador, especialmente em uma comunidade quilombola, implementando um modelo educacional próprio, valorizando e resgatando sua própria história e identidade, com enfoque especial às questões ambientais, educativas e culturais (MARTINS & NISHIJIMA, 2010, p. 63).
Considerando que o significado da aprendizagem nesse contexto seria a
ideia de respeito ao outro (ao individual) e de vivência no coletivo, Brandão
34
(1985, p.74) acrescenta que "aprendemos uns com os outros", somos um
coletivo em troca de saberes e, portanto, em consonância com estes princípios
da educação popular que todos os momentos desta escrita foram tecidos.
Compreendendo, assim, o conceito de aprendizagem como transformação
social, onde o ‘fazer educação’ precisa ser um processo dialético de ensinar-e-
aprender, buscando se distanciar de uma educação dominante e centralizadora.
Ainda nesta perspectiva, quando reflete-se sobre a importância da
construção de saberes de forma coletiva, Brandão (2005) nos aponta que a
razão de ser da educação não é apenas a ação de capacitar de forma
instrumental produtores humanos, nem se trata de transferir conhecimento,
afinal:
Nós aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de interagir com uma cultura e em uma sociedade. (BRANDÃO, 2005, p.86)
Deve-se pensar, então, a educação, a EA e a Educação quilombola como
linhas que se juntam e se complementam no bordado dos múltiplos saberes que
se constituem em um processo de socialização e aprendizagem na construção
de novos saberes.
Compreendemos aqui, educação como processo e, portanto, uma relação
profunda com a aprendizagem. Quando neste processo se incorpora ao mundo
da vida, pois, ao projetar para dentro da escola os elementos da cultura às
dinâmicas de ensinar e aprender, entrelaçando fazendo façam parte das
vivências escolares, trazendo sentido à construção coletiva de saberes.
É preciso que nos questionemos como o currículo opera no espaço da
escola. Se a educação requer processo e há pelo menos dois elementos
envolvidos: cultura e currículo, ou seja, dinâmicas da vida e construções
escolares de conteúdos como aprendizagem, repensar o currículo é considerar
que neste espaço escolar operam importantes relações entre os dois mundo,
escolar e não escolar.
Há saberes que se constituem fora da escola e dentro da escola, fora são
as dinâmicas da vida, e dentro, a construção do saber Acadêmico.
Para além da história quilombola, é preciso compreender a relação entre
essa história e o quilombo de Mata cavalo e também uma relação entre o
35
quilombo e esse currículo Vivo. Currículo este que precisa considerar a
importância dos elementos socioculturais que fazem parte do processo histórico
que a comunidade vivenciou e que marcam sua história.
Geralmente, quando se fala em educação, aprendizagem, ensinar e
aprender, a escola é definida como o local onde estes processos acontecem.
Porém, sabiamente Brandão nos diz que:
A escola é o lugar social da educação, esta é uma ideia correta, mas não inteiramente. A educação que vivemos na escola, como estudantes, como professores, como as ‘coisas’ ao mesmo tempo, é uma fração importante de nosso aprendizado, mas não a única (BRANDÃO, 2005, p.85).
Desta forma, nesta dissertação consideramos de extrema importância,
todos os momentos de trocas de saberes que possam reinventar a concepção e
a prática educativa, valorizando todos os contextos de aprendizagem, seja no
individual ou no coletivo, como forma de consolidar o legítimo e significativo
aprendizado, pois, somos “a interação entre todas as coisas, entre todos os
planos, entre o tudo do todo que somos, [...] uma mesma teia da vida, fração de
uma mesma tessitura do universo” (BRANDÃO, 2005, p. 19).
Nesta perspectiva, a escola e a educação, formal ou não, assume um
papel fundamental como componente de resistência e de luta na busca por uma
transformação justa em nossa sociedade. Afinal, por sermos sujeitos de direito,
a educação precisa consolidar seu papel nos direitos humanos e sua força de
ação política no referencial ético-político (ARROYO, 2007, p. 7). Por esta razão,
é imprescindível que se compreenda a intencionalidade existente nas
concepções de currículo e a sua importância social.
Quando iniciamos a pesquisa sobre currículo encontramos as escritas de
Sacristán (2013), que organiza reflexões sobre os saberes e as incertezas deste
conceito amplamente debatido, e nos apresentava que:
Em sua origem, o currículo significava o território demarcado e regrado do conhecimento correspondente aos conteúdos que professores e centros de educação deveriam cobrir; ou seja, o plano de estudos proposto é imposto pela escola aos professores (para que o ensinassem) e aos estudantes (para que o aprendessem). [...] é uma seleção organizada dos conteúdos a aprender, os quais, por sua vez, regularão a prática que se desenvolve durante a escolaridade. [...] é uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios isolados das ações (SACRISTÀN, 2013, p.17).
Este autor acrescenta ainda que o sistema de ensino, e neste contexto se
encaixa os professores e alunos, passa a seguir as orientações de um controle
36
externo que estrutura e estabelece ordem sequenciada ao processo de
aprendizagem (SACRISTÁN, 2013, p.18). Este posicionamento sobre currículo
no entanto, dentro de uma perspectiva de estruturas fixas e hegemônica não nos
é mais suficiente. Desta forma, utilizamos em nossa escrita a perspectiva de um
currículo pós-crítico, que possa transpor estas barreiras que delimita os saberes
e seus espaços. Por acreditar na perspectiva de que todos os conhecimentos
são valorosos e fazem parte e um processo de aprendizagem humana e social,
nos embasamos no currículo descrito por Kawahara (2015, p. 174), que
compreenda e respeite os cenários da vida cotidiana também como espaços
educativos e portanto como “um legítimo currículo Vivo e vivido nas comunidades
tradicionais”.
Ao analisarmos a história do currículo em nosso contexto social, vemos
que, na década de 20, o currículo surge nos Estado Unidos como ferramenta de
intensificação e massificação da escolarização, sendo considerado “um
processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e
rigorosamente especificados e medidos” e inspirados na teoria administrativa
científica de Taylor, os estudantes deveriam “ser processados como um produto
fabril” (SILVA, 2013, p. 12). Pode-se perceber que, ao longo da história, as
teorias do currículo trouxeram consigo sua intencionalidade política e social
organizadas em ‘modos de fazer’, onde o currículo deveria cumprir exatamente,
como “as coisas deveriam ser” (SILVA, 2013, p. 13) e mesmo que as diferentes
teorias curriculares recorram a discussões sobre a “natureza humana, sobre a
natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, da cultura e
da sociedade”, a forma como cada uma delas se organiza e delimita ‘o que
ensinar’, ‘quanto ensinar’ e ‘para quem ensinar’ é que marcam a dimensão do
currículo.
Desta maneira, Silva (2013, p. 16) nos diz que “as teorias do currículo, na
medida em que buscam dizer o que o currículo deve ser, não podem deixar de
estar envolvidas em questões de poder”, pois, delimitar o que se deve conhecer,
selecionando e privilegiando determinados conhecimentos e definir “dentre as
múltiplas possibilidades” um ideal de identidade e subjetividade é fortemente
uma questão de poder. Por isso,
As teorias do currículo não estão, neste sentido, situadas num campo “puramente epistemológico”, de competição entre “puras” teorias. [...] estão ativamente envolvidas na atividade de garantir o consenso, de
37
obter hegemonia. [...] situadas num campo epistemológico social (SILVA, 2013, p.16).
Compreendendo que “as teorias do currículo estão no centro de um
território contestado” (SILVA, 2013, p.16) é preciso repensar que, para além de
‘o que ensinar’, que se restringe, frequentemente, a questões técnicas e de
organização curricular, é necessário refletir o ‘porquê’, a intencionalidade contida
ao se escolher determinado conhecimento ao invés de outro, por que privilegiar
certo tipo de identidade ou subjetividade e não outro, desconstruindo a ênfase
dada aos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e aprendizagem e
lançando um olhar para os conceitos de ideologia e poder contidos no currículo
e que nos permitem ver a educação sob uma nova perspectiva (SILVA, 2013,
p.17).
Desta maneira, Tomaz Tadeu da Silva (2013, p. 147), nos apresenta que:
[...] torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdo. [...] o currículo pode ser todas estas coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre para pensa-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de outras formas, para vê-lo de perspectivas que não se restringem àquelas que nos foram legadas pelas estreitas categorias da tradição. (SILVA, 2013, p. 147)
Portanto, é impossível conceber currículo em seu sentido limitado e
castrador, baseado em métodos, técnicas e avaliações, contidos de intensa
ideologia das classes dominantes quando nos posicionamos como grupo que
prima por uma educação libertadora (FREIRE, 2000), uma educação que nos
permita uma postura de auto-reflexão e de reflexão sobre seu tempo e seu
espaço. De forma que a auto-reflexão nos leve ao aprofundamento consequente
de nossa tomada de consciência, resultando na nossa inserção na história, não
mais como espectadores/as, mas como autores/as. Compreendendo que:
[...] o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. [...] além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade (SILVA, 2013, p. 15)
Diante desta concepção que nos fortalece como educadores ambientais
populares, faz-se importante registrar as discussões em relação a Base Nacional
38
Comum Curricular (BNCC)11 para o ensino médio, divulgada pelo Ministério da
Educação (MEC), no último dia 3 de abril. A proposta da BNCC, apresentada
como um instrumento de orientação dos currículos a serem desenvolvidos pelos
sistemas de ensino estaduais e municipais do país, vem imposta por uma medida
provisória, no contexto da Lei da reforma do ‘novo’ ensino médio (Lei
13.415/2017), sem debate com a sociedade e sem a participação dos
estudantes.
Esta ação, mais uma vez, demonstra quanta intencionalidade é disposta
no campo educacional, mais precisamente na organização curricular que
‘deveria’ ampliar e fortalecer os processos de aprendizagem de nossos jovens
estudantes. Atualmente, o ensino médio se divide em 13 disciplinas obrigatórias,
que foram consideradas um excesso pelos organizadores da BNCC,
expressando a necessidade de uma formação por áreas de conhecimento e
interdisciplinar. Porém, para Eduardo Mortimer, apud, Grabowski, 2018,
[…] para a idade em que estão os alunos do ensino médio, essa interdisciplinaridade tem que ter por base uma sólida visão das disciplinas que compõem o currículo e, portanto, não se pode abrir mão da formação atual, que é disciplinar para esse campo de atuação dos professores. O ensino médio é justamente o momento em que as disciplinas se configuram em toda a sua plenitude.
Outro ponto que se destaca é a não obrigatoriedade de oferta nas escolas
dos cinco itinerários (linguagens e suas tecnologias; matemática e suas
tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais
aplicadas e formação técnica e profissional (Grabowski, 2018). Desta forma, a
problemática da falta de professores em áreas específicas, como física e
química, por exemplo, deixa de ser uma questão séria a ser resolvida e passar
a ser substituída por outro componente que estejam disponíveis na escola.
Fragilizando e negando a possibilidade dos estudantes pobres de escolas
públicas de cursarem certas áreas, especialmente a de ciências naturais. De
acordo com a última edição da BNCC, fica estabelecido que apenas os
componentes curriculares de português e matemática são obrigatórios. Ou seja,
a reforma do ensino médio e a BNCC passa a oferecer menos para quem mais
precisa: os jovens pobres das escolas públicas.
11 Texto completo da BNCC disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf
39
É importante considerar que as reformas educacionais no Brasil
ocorreram mediante as crises nacionais e internacionais do sistema capitalista.
Diante disso, a educação, em muitos momentos, foi relegada a segundo plano
pelos administradores políticos. Democratizar o ensino, torná-lo acessível à
classe menos favorecida economicamente e, sobretudo, priorizar a qualidade do
mesmo, por questão ideológica, nunca fez parte dos planos governamentais,
visto que “a educação sempre esteve a serviço de um modelo econômico de
natureza concentradora de rendas e socialmente excludente” (PIANA, 2009, p.
67).
Ainda de acordo com Piana (2009, p. 72) no Brasil, “as políticas sociais
públicas sempre foram sinônimo de assistência, filantropia ou benesse. O Estado
intervém nas questões sociais por meio de medidas parcelares, com o objetivo
em primeiro lugar, de manter a ordem social”.
Seguindo nesta conexão, podemos perceber que a nova estrutura
implantada na BNCC, é um retrocesso que desconsidera os
etnoconhecimentos12 e para além deles, priva e/ou restringe nossos estudantes
das escolas públicas o acesso aos conhecimentos científicos produzidos pela
humanidade. Marcando uma tentativa de desmonte da educação e da escola
pública brasileira. Deixando claro que tipo de educação básica estão dispostos
a ofertar, seja na educação básica ou superior, e na infantil e fundamental
também, perfeitamente alinhada a um projeto de país subordinado. Fracionando
diferentes tipos de ensino para diferentes classes sociais.
Portanto, reduzir a formação da juventude brasileira à matemática e ao português, como consta na BNCC para o ensino médio, é evidenciar o desconhecimento sobre quem são nossos jovens e o que eles necessitam, aliado ao desprezo que sentem por eles, sem máscaras, condenando-as à uma educação medíocre, que agride o direito a aprender tudo, as liberdades individuais e coletivas, bem como condená-los a terem a pior formação e percepção da realidade que estão inseridos. (GRABOWSKI, 2018)
Ao refletirmos sobre esta situação, e, por acreditarmos no processo de
ensinar e aprender no sentido mais amplo destes conceitos, onde o currículo
“não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder”, poder
este, que passa a se descentralizar e transformar-se, rejeitando as conotações
12 Etnoconhecimento são os saberes, tradições (cultura) passados de geração a geração nas comunidades tradicionais, aprendidos com a vida cotidiana e a interação direta com o meio que os cerca e seus fenômenos naturais (NASCIMENTO, 2013).
40
racionalistas e cartesianas que sobre ele decaem e enfatizar, mas que possa,
assim, seu cumprir seu papel formativo (SILVA, 2013, p.148-149). Diante disso,
ao considerar a escola como um aparelho propulsor de ideologia, contribuindo,
principalmente, para a reprodução da sociedade capitalista, de forma
discriminatória, onde, “inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão
e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a
comandar e a controlar” (SILVA, 2013, p.32) é preciso refletir sobre
problemáticas que envolvam a educação escolar e para além dela, abrangendo
as questões curriculares, a relação escola/comunidade e a função social da
escola.
Assim, consideramos nesta pesquisa que:
A proposta curricular deve ultrapassar as relações do tempo e do espaço, possibilitando uma comunicação em rede, um diálogo que se abre na perspectiva de romper com fronteiras do conhecimento. Desafia as amarras acadêmicas e propõe uma nova abertura capaz de trazer uma dimensão mais ampla. Pode ser que o caminho traçado não seja fácil, mas sempre consideraremos os resultados significativos. (PASSOS; SATO, 2002, p.7)
Outro ponto trazido por Moreira e Candau (2007, p. 21) e, que precisa ser
considerado, é que as discussões sobre currículo e conhecimento escolar têm
dado espaço para reflexões a respeito de currículo e cultura, trazendo assim, “a
preponderância da esfera cultural na organização de nossa vida social, bem
como na teoria social contemporânea”. Acrescentando ainda, que
É também inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos, que se manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade, frequentemente, acarreta confrontos e conflitos, tonando cada vez mais agudos os desafios a serem enfrentados [...] No entanto, essa mesma pluralidade, pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades de atuação pedagógica (MOREIRA; CANDAU,2007, p. 22).
Neste contexto, um dos grandes desafios que envolvem a educação
escolar, segundo Candau (2013, p. 50-51) é promover uma educação
intercultural, que possa “repensar a escola” sem dissociá-la das problemáticas
sociais e políticas, oferecendo “espaços e tempos de ensino-aprendizagem
significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais”
(CANDAU, 2013, p.13). Pois, é preciso, se considerar a complexa diversidade
cultural que compõe, historicamente, a formação de nossa sociedade,
“decorrentes de diferenças relativas a raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura,
41
religião, classe social, idade, necessidades especiais ou a outras dinâmicas
sociais” (CANDAU, 2013, p. 7) e, que ganham evidência em todos os espaço
sociais.
Quando tecemos sobre currículo e sua forte ligação com as questões dos
direitos humanos, trazemos o conceito de Interculturalismo em educação
apresentado por Candau (2013, p.7) que
Envolve a natureza da resposta que se dá nos ambientes e arranjos educacionais, ou seja, nas teorias, nas práticas e nas políticas [...] envolve ainda, um posicionamento claro a favor da luta contra a opressão e a discriminação a que certos grupos minoritários têm, historicamente, sido submetidos por grupos mais poderosos e privilegiados.
Nesse sentido, o interculturalismo apresentado por Candau (2012) nos
mostra que embora os direitos humanos tenham surgido como um marco da
modernidade, hoje eles precisam se adaptar a questões muito mais plurais,
rompendo com a ideia de igualdade como negação das diferenças. Assim, para
além das formas de enfrentamento da diversidade a autora sugere que o ideal
seria a articulação entre igualdade e diferença, por meio de uma perspectiva
intercultural.
Interculturalismo em educação envolve, necessariamente, além de
estudos e pesquisas, ações politicamente comprometidas (MOREIRA;
CANDAU, 2013, p.7). Por esta razão, junto à comunidade quilombola de Mata
Cavalo buscou-se refletir sobre a importância da escola dentro do quilombo,
respeitando a interculturalidade deste povo e sua estreita relação com o
currículo.
Partimos do pressuposto de que o ensinar e aprender não está ligado
somente ao espaço escolar e, desta forma, traremos o currículo como aporte
que fortaleça os saberes de uma comunidade, dando visibilidade a esta cultura
e mantendo vivo sua história. Pois, como nos apresenta Barcelos (2011, p. 56):
[...] a valorização da cultura negra não oferece somente uma espécie de proteção contra os preconceitos raciais, ela cria condições ideais que permitem aos negros identificarem a si próprios como dotados de história, de vida, de autonomia social e política, resgatando sua dignidade ética e também estética, perceptível na busca da valorização do próprio corpo.
Portanto, trazemos aqui o currículo como uma “construção cultural, [...]
tendo em vista as relações significativas que envolvem poder, identidade,
conhecimento, resistência e conflito” (CASTILHO, 2008, p.187). Afinal, é
42
necessário que dentro de um quilombo, possa se repensar coletivamente as
estruturas escolares e curriculares, que vem historicamente marcados pela
negação dos direitos mais elementares destes sujeitos (ARROYO, 2007, p. 9).
Castilho (2008, p. 188) apresenta que o currículo é repleto de
intencionalidades, assim como, também está repleto de “silenciamentos,
negações e exclusões” que podemos visualizar pelo contexto histórico, a intensa
dificuldade de inserção e permanência dos/das negros/negras no contexto
escolar. Esta autora ainda acrescenta que, o negro/negra
Como escravizado foi proibido por lei; como liberto pela Lei do Ventre Livre ou, como alforriado, também não lhe foi permitido o acesso pleno à escolarização. Contemporaneamente, é-lhe permitido o acesso, mas nem sempre lhe são oferecidas condições de permanência. Poucos conseguem chegar ao nível superior de ensino. As estatísticas mostram que, em 2000, apenas 6,2% de pretos e 39,1% de pardos ingressaram no ensino superior, enquanto os brancos somaram 53,8%. Percebe-se que, para os pretos, a exclusão escolar é ainda mais cruel. (CASTILHO, 2008, p.188)
A formação histórica do sistema educacional e curricular de nossos país
apresenta claramente as divisões de classes e a intensa discriminação que
negros/negras foram obrigados a vivenciar e que, ainda hoje, precisam superar.
Na década de 20 o ensino em nosso país começou a expandir, assim como o
desenvolvimento do pensamento curricular brasileiro, tendo como base para o
pensamento intelectual e político brasileiros,
As teorias racistas, que se desenvolveram na Europa no século XIX. Dentre essas teorias, podem se destacar os preceitos absorvidos no positivismo de Comte e no darwinismo social. Baseado nos princípios da evolução da espécie e da seleção natural, os darwinistas acreditavam numa “raça pura, mais forte e sábia” - a branca européia - que eliminaria as “raças mais fracas e menos sábia” - a negra e outras não européias -, desenvolvendo, portanto, a eugenia. (CASTILHO, 2008, p.190)
Na década seguinte o compromisso do currículo brasileiro passou a ser a
preparação de mão de obra, produzindo profissionais que pudessem atender as
indústrias. Os anos 30 marcam também a ampliação do ensino primário, porém
grande parte da população, “especialmente as crianças das massas populares,
engrossada pelos negros, não conseguiu ingressar nela. E outros tantos que
ingressavam, não conseguiam nela permanecer” (CASTILHO, 2008, p.191).
Desta forma, é possível perceber que, além da dificuldade para ingresso e
permanência nos espaços escolares, os currículos tradicionais deste período
eram “monoculturais, racial e culturalmente cegos” (CASTILHO, 2008, p.191),
43
deixando de considerar as questões sociais e políticas, privilegiando aqueles
“estudantes de grupos socialmente mais favorecidos” e consequentemente
manter as intensas desigualdades existentes em nossa sociedade (MOREIRA;
TADEU, 2011, p.8).
Desta maneira, nesta pesquisa propomos analisar e compreender o
currículo como construção social, pois,
Os estudos culturais permitem-nos conceder o currículo como um campo de luta em torno da significação da identidade. [...] podemos ver o conhecimento e o currículo como campos culturais, como campos sujeitos à disputa e à interpretação, nos quais os diferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia” (SILVA, 2013, p.134)
Desta forma, o intuito desta pesquisa é compreender como a educação,
a EA e a Educação Quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado
de seus múltiplos saberes, em seus processos de socialização e com a
possibilidade da construção coletiva de um currículo da vida elaborado com e
pela comunidade Quilombola, de maneira que proporcione reflexões sobre a
importância das multiplicidades existentes neste contexto, ligando escola,
comunidade e ambiente. Pois, partimos da conjetura de que a escola, enquanto
um espaço de poder, como conquista, precisa considerar a organização e
articulação da prática pedagógica diante dos conflitos ambientais vivenciados
por seus moradores, exercendo uma educação não neutra e que possa fortalecer
a identidade de resistência desta comunidade.
Desta maneira, quando escrevemos aqui sobre currículo, tomaremos
como base a currículo pós-crítico, trazido por Kawahara (2015) entrelaçado com
o currículo fenomenológico apresentado por Passos e Sato (2002), na tentativa
de romper com a estrutura curricular cartesiana imposta pelos documentos
oficiais do Estado.
Assim, teço a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à
educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo
sobre a importância da construção coletiva de saberes desta Comunidade
Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental como linha
fundamental na trama escola e comunidade.
Nesta perspectiva, a educação ambiental assume um papel
essencialmente político, de reflexão sobre a formação histórica e social do
quilombo e como linha fundamental para o enfrentamento das dificuldades
44
vivenciadas pela comunidade nos dias atuais e na busca pelo fortalecimento e
visibilidade deste povo através da construção coletiva de um currículo da vida.
Uma EA popular, com “forte comprometimento com a dimensão cultural e de
inclusão nas questões sociais” (MARTINS & NISHIJIMA, 2010, p. 63).
2.3 A Educação quilombola e a Educação Ambiental: linhas de
engajamento e luta
Quando tratamos de educação, não nos referimos somente às escolas,
mas estamos atentos aos processos educativos que ocorrem fora dela. “Aliam-
se, assim, a educação escolarizada e a educação popular – o currículo da escola
e o currículo da vida” (SENRA; SATO; OLIVEIRA, 2009).
Desta maneira, a Educação Quilombola não se efetiva sem reconhecer a
importância da realidade histórica e política que envolveu o surgimento dos
quilombos na história do nosso país. Pois essa realidade histórica e dos sujeitos
que nele vivem, compreende seus processos culturais, suas socializações e as
relações vivenciadas por eles.
Assim, os sistemas de ensino, as escolas, os docentes, os processos de
formação inicial e continuada de professores da Educação Básica e Superior, ao
implementarem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola, deverão incluir em seus currículos, além dos aspectos legais
e normativos que regem a organização escolar brasileira, a conceituação
de quilombo; a articulação entre quilombos, terra e território; os avanços e os
limites do direito dos quilombolas na legislação brasileira; a memória; a
oralidade; o trabalho e a cultura (BRASIL, 2011, p. 29).
Além de seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais, o estado do Mato
Grosso segue também as Orientações Curriculares Estaduais das Diversidades
Educacionais, que para esta escrita, utilizou-se as específicas para a Educação
Ambiental (EA), Orientações Curriculares para Educação das Relações
Etnicorraciais e Orientações Curriculares para a Educação Escolar Quilombola
que serviram de referência para a compreensão da organização da política
curricular da educação básica em Mato Grosso, pois:
Em seu conjunto, as Orientações Curriculares [...] têm o intuito de contribuir com a redução das desigualdades educacionais, de forma a dar garantias das especificidades de aprendizagens e metodologias
45
considerando a realidade e necessidade do povo mato-grossense (MATO GROSSO, 2012, p.13)
A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), através da Lei
9.795/99, dispõe sobre a introdução da EA no ensino formal, compreendendo
que a EA como um processo coletivo constrói valores sociais, conhecimento,
habilidades e atitudes que devem estar presentes em todos os níveis e
modalidades de ensino em caráter formal e não formal. Embora estas questões
ambientais sejam mencionadas na Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
em seu artigo 32, e sejam reforçadas pela em grande parte das Diretrizes
Curriculares a EA continuou a ser aplicada apenas dando ênfase ao seu aspecto
biológico e ecológico, mesmo contradizendo o que rege os princípios básicos da
Educação Ambiental, conforme o art. 4º e 5º da PNEA:
Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. Art. 5o São objetivos fundamentais da educação ambiental: I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; II - a garantia de democratização das informações ambientais; III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia; VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade (BRASIL, 1999, p. 01).
46
Por não serem cumpridos os princípios, acima citados, limita-se a sua
abordagem e abrangência, desconsiderando as questões sociais que também
fazem parte da Educação Ambiental.
Porém, no Mato Grosso, a Educação Ambiental ganha um novo enfoque,
no ano de 2004, através do Projeto de Educação Ambiental (PrEA) que orienta
para a construção de Sociedades Sustentáveis e serve de subsídio teórico às
escolas para a construção de Projetos Ambientais Escolares e Comunitários
(PAEC)13 (MATO GROSSO, 2012, p. 57), incentivando a emancipação das
unidades escolares, “viabilizando uma organização social cada vez mais justa e
democrática” e provocando a reflexão sobre a “práxis educativa no contexto da
Educação Ambiental”.
O PAEC traz como proposta integrar escola e comunidade, expandindo o
conceito que interliga claramente a relação escola-comunidade, possibilitando
espaços de diálogo e reflexão diante das vivências de cada comunidade.
Esses foram os primeiros passos para se lançarem novos olhares sobre
a EA, onde foi visto que muito ainda precisa ser feito para se aliar aspectos
sociais e ambientais. Ressalta-se que a Educação Ambiental não pode ser
restrita a uma “concepção naturalista, conservacionista” e “resolucionista”
(MATO GROSSO, 2012, p. 58), nem pode ser trabalhada de forma isolada da
comunidade, pois transpassa esses aspectos “rompendo a linha segregadora
que torna o currículo da escola alheio ao currículo da vida. Por isso conta com a
formação de professores, estudantes e membros da comunidade em processos
de coletivos educadores ambientais” (PEDROTTI; SATO, 2008, p.15).
Então, com esse novo posicionamento, o Estado do Mato Grosso
percebeu que era necessário a implementação de práticas pedagógicas
significativas, pelas escolas, trazendo a dimensão ambiental na perspectiva da
sustentabilidade. Portanto, com a elaboração do Plano Estadual de Educação,
para o período de 2008-2017, incluiu a Educação Ambiental como um dos temas
de relevância na área educacional (MATO GROSSO, 2012, p. 59). Organizando,
após isso, as Orientações Curriculares para a Educação Ambiental, embasadas,
principalmente, no Tratado da Educação para Sociedades Sustentáveis e
13 Os PAEC surgem do Projeto de Educação Ambiental (PrEA) e fazem parte do Plano Estadual de Educação da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Disponível em: http://www.seduc.mt.gov.br/.
47
Responsabilidade Global14 e na Carta da Terra, que é um código de ética do
planeta que traz princípios necessários para uma sociedade global, justa
sustentável e pacífica.
As Orientações Curriculares para Educação das Relações Etnicorraciais
trazem um esforço coletivo para garantir que estas questões, previstas na Lei
10.639/03, que orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e
Africana, e na Lei 11.645/08, que alteram a LDB, sejam incluídas nas políticas
educacionais do Estado. Buscando, assim:
[...] responder às lacunas e distorções no currículo escolar no que se refere à abordagem da educação das relações etnicorraciais. Historicamente, as escolas centraram seus currículos num padrão eurocêntrico, privilegiando, dessa forma, a cultura de origem branca. Sendo muitos elementos da história e cultura Afro-brasileira e Indígena silenciados ou abordados de forma equivocada e estereotipada (MATO GROSSO, 2012, p.76).
Em nosso país, a discriminação étnico-cultural e, também, racial está
presente em diferentes contextos da sociedade e a escola não está isenta
dessas relações e influências. O Estado do Mato Grosso aparece como um dos
precursores das discussões etnicorraciais, propondo políticas educacionais que
trazem como pano de fundo a diversidade de nossa formação histórica, por meio
da organização dessas Orientações Curriculares, em consonância com a
Resolução nº 1, que instituiu as Diretrizes Nacionais para as orientações de
aplicação da Lei 10.639/03:
§1º - A educação das Relações Etnicorraciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos [e cidadãs] quanto à pluralidade etnicorracial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos [e todas], respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira (BRASIL, 2004, p.11).
14No ano de 1992, paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), aconteceu o Fórum Global das ONGs. Este Fórum resultou no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que apresenta um caráter crítico e emancipatório da educação ambiental, reconhecendo-a como importante tática de transformação social. Considerando a EA como um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida, buscando valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica na busca por sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre
si relação de interdependência e diversidade. O tratado está disponível no link: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/trat_ea.pdf
48
Adentrando às Orientações Curriculares para Educação Escolar
Quilombola vê-se que a educação é uma tática de resistência na busca de
garantir os direitos sociais negados às comunidades negras quilombolas. Para
tanto, faz-se uma retrospectiva sobre a formação histórica dos quilombos no
Brasil e no Estado do Mato Grosso, ressaltando que é no ambiente escolar onde
se fortalece a relação escola/comunidade, com intuito de valorizar “a identidade
quilombola, que possibilite ao aluno (a) conhecer suas origens, pois o
reconhecimento/visibilidade da história dos quilombos diz respeito à história e
identidade do povo brasileiro” (MATO GROSSO, 2012, p.143). Lembrando que
esse fortalecimento se faz na construção coletiva do Projeto Político Pedagógico
(PPP) e na organização do currículo.
Cabe destacar, que os principais aspectos dessas Orientações
Curriculares são os referenciais para Ciências e Saberes Quilombolas, que
incluem as disciplinas: Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola (PCAQ) que
ensinam e contextualizam o artesanato quilombola, Prática em Técnica Agrícola
Quilombola (PTAQ) que traz a agricultura , o cultivo da terra e o reconhecimento
das ervas nativas da região e Prática em Tecnologia Social (PTS) que propõe o
desenvolvimento de técnicas para resolver problemas sociais com baixo custo,
que pretendem potencializar a aprendizagem a partir dos conhecimentos
manipulados nas comunidades junto às abordagens das outras áreas de
conhecimento (Linguagem, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e
Matemática), proporcionando discussões em torno da realidade social e cultural
das comunidades quilombolas (MATO GROSSO, 2012, p. 159).
Dessa forma, a Educação Quilombola tem como principal objetivo mediar
“o saber escolar com os saberes local, advindo da ancestralidade que formou a
cultura do segmento negro na África e no Brasil”. Possibilitando que o currículo
contemple os conhecimentos e saberes quilombolas, “tratando sua própria
história, formas de luta e resistência como fonte de afirmação da identidade
quilombola e nacional”. (MATO GROSSO, 2010, p.9). Tem a premissa de
considerar os quilombolas em suas diversas maneiras de se constituírem,
construindo, assim, sua identidade e também um currículo vivenciado durante
todos os momentos de aprendizagem; um currículo da Vida; um currículo
Quilombola.
49
Neste contexto, Candau (2013, p.16) aponta que a “escola sempre teve
dificuldade de lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e
neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a
padronização”. O desafio para a escola é abrir espaço para a diversidade, então
traremos para os momentos de aprendizagens a base pedagógica de Paulo
Freire: Libertadora e humanista que nos diz: “A educação das massas se faz,
assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que desvestida
da roupagem aliena e alienante, seja uma força de mudança e de libertação.
(FREIRE, 2000, p. 44).
É preciso que se considere cada grupo, cada Comunidade Aprendente e
o território a que pertencem e, por isso, a importância de se “respeitar e
compreender os cenários da vida cotidiana como espaço educativo e, portanto,
como um legítimo currículo vivo e vivido nas comunidade tradicionais”
(KAWAHARA, 2015, p. 174). Para que se possa, assim, repensar um currículo
que traga visibilidade a uma comunidade que historicamente precisou se
invisibilizar para não morrer e uma Educação Ambiental possa vir a ser um
caminho de encontros por meio do qual toda a educação que praticamos possa
ser não apenas reformulada, mas verdadeiramente transformada (BRANDÃO,
1999, p. 13).
Ao se repensar a educação escolar quilombola é imprescindível adentrar
pelos caminhos históricos e políticos da formação destas comunidades, para que
se consiga adequar as bases legais, à realidade escolar:
Os sistemas de ensino, as escolas, os docentes, os processos de formação inicial e continuada de professores da Educação Básica e Superior, ao implementarem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, deverão incluir em seus currículos, além dos aspectos legais e normativos que regem a organização escolar brasileira, a conceituação de quilombo; a articulação entre quilombos, terra e território; os avanços e os limites do direito dos quilombolas na legislação brasileira; a memória; a oralidade; o trabalho e a cultura (BRASIL, 2011, p. 29).
Visto que, no cenário de luta pela garantia dos direitos civis do povo
quilombola, iniciou-se também o almejar de uma educação escolar quilombola
como política educacional, que faça com que esse assunto não fique mais
escondido e possa ser visto à luz de uma nova perspectiva, onde as crianças
quilombolas realmente consigam frequentar a escola, ter escolas dignas e
estruturadas, com professores capacitados.
50
Essa problemática foi denunciada pelo movimento negro, pela
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (CONAQ) e setores da sociedade que exigem a educação pública
e de qualidade para todos (BRASIL, 2011). E foi esclarecida a situação real da
infância e adolescência brasileira, conforme o relatório Unicef (BRASIL, 2003, p.
15):
31,5% das crianças quilombolas de sete anos nunca frequentaram bancos escolares; as unidades educacionais estão longe das residências e as condições de estrutura são precárias, geralmente as construções são de palha ou de pau a pique; poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. O acesso à escola para estas crianças é difícil, os meios de transporte são insuficientes e inadequados e o currículo escolar está longe da realidade destes meninos e meninas. Raramente os alunos quilombolas vêem sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos. Os professores não são capacitados adequadamente, o seu número é insuficiente para atender a demanda e, em muitos casos, em um único espaço há apenas uma professora ministrando aulas para diferentes turmas.
Com esse movimento de luta e esclarecimento, a realidade começa a ser
vista pelo Estado e passa a fazer parte da agenda das lutas dos movimentos e
das conquistas das políticas públicas e dos programas federais, ainda que de
forma lenta. Mostrando, assim, a necessidade de uma educação escolar
específica para a população quilombola, que priorize a sua cultura, seus
costumes, suas necessidades e traga isso para dentro da sala de aula.
No que diz respeito às políticas educacionais, tem-se, de concreto, o
artigo 26‐A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
introduzido pela Lei nº 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do estudo da
História da África e da Cultura afro-brasileira e africana e do ensino das relações
étnico-raciais, instituindo o estudo das comunidades remanescentes de
quilombos e das experiências negras constituintes da cultura brasileira. Pelo
Parecer CNE/CP nº 03/2004 todo sistema de ensino precisará providenciar
“Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como os
remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais”
(BRASIL, 2003, p.9).
A inclusão da Educação Escolar Quilombola como modalidade da
Educação Básica, foi discutida em 2001 dentro da diversidade no campo da
política educacional, na Conferência Nacional de Educação (CONAE), ocorrida
51
em Brasília, contudo só vem resultar em norma em 2010, por meio do Parecer
CNE/CEB 07/2010 e na Resolução CNE/CEB 04/2010 que instituem as
Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica. A CONAE (2010) definiu
que a educação quilombola é da responsabilidade do governo federal, estadual
e municipal e estes devem:
a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação quilombola, com a participação do movimento negro quilombola, assegurando o direito à preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de seu território tradicional. b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a geografia local. c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico racial do grupo. d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos conselhos referentes à educação, nos três entes federados. e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas. f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização plena das culturas das comunidades quilombolas, a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades quilombolas (BRASIL, 2011, p. 9).
Ou seja, a regulamentação da Educação Escolar Quilombola nos
sistemas de ensino deverá seguir orientações curriculares gerais da educação
básica, além de garantir a especificidade das vivências, realidades e histórias
das comunidades quilombolas do país, ser consolidada em nível nacional
(BRASIL, 2011) e, ainda, ser inserida a realidade histórica e cultural quilombola
nas questões curriculares das escolas da educação básica pública e privada de
todo país, visto que fazem parte da história da sociedade brasileira.
Com esse intuito, o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a educação escolar quilombola, começou, em 2011, pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE), através da Câmara de Educação Básica
(CEB). Diretrizes, estas, que têm a finalidade de “orientar os sistemas de ensino
para que eles possam colocar em prática a educação escolar quilombola
mantendo um diálogo com a realidade sociocultural e política das comunidades
e do movimento quilombola” (BRASIL, 2011, p.05).
52
O processo de construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Quilombola teve seguimento de forma democrática, no
segundo semestre de 2011, em que foram realizados diversos seminários
nacionais e em várias regiões do país, como: Maranhão, Bahia e Brasília, com o
objetivo de que estas diretrizes fossem de encontro aos anseios e necessidades
das comunidades quilombolas. E, assim, foi possível:
Construir juntamente com as comunidades quilombolas os alicerces necessários para elaboração das Diretrizes, principalmente na área da gestão pública no que se refere às necessidades da Educação Quilombola, como os processos de avaliação escolar, a alimentação, o transporte, a edificação do prédio escolar, condições de trabalho do professor, formas de ensinar e aprender, o processo didático-pedagógico e o financiamento (BRASIL, 2011).
Esse trabalho de engajamento e construção coletiva também tinha como
objetivo fazer com que as escolas quilombolas se envolvessem e fossem além
de mero coadjuvantes desse processo e assumissem o papel principal no
tocante à construção de um projeto pedagógico específico, levando em conta a
singularidade cultural de cada comunidade:
A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural (BRASIL, 2011, p.21).
Segundo Larchert; Oliveira (2013, p. 50), com a criação da Secretária de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) no
Ministério da Educação, esta passa a assumir, no âmbito do Estado brasileiro, o
debate sobre a educação quilombola. Assim, com vistas a melhorar as condições
de ensino, a SECADI empreitou recursos diferenciados para a educação
quilombola, criou cursos de formação para professores, produziu material
didático e disponibilizou para os municípios verbas para o transporte escolar dos
alunos, além de recursos diferenciados para a alimentação escolar.
Essas ações que fazem parte das políticas públicas e seus programas
aproximam o Estado das comunidades quilombolas e ocupam o lugar
fundamental no processo de reconhecimento e inserção das comunidades nas
redes sociais, econômicas, educacionais e culturais locais (opcit). Embora os
textos das políticas públicas expressem a necessidade de uma educação
53
condizente com a realidade quilombola, na prática, ainda é difícil visualizar tais
mudanças.
Na comunidade quilombola de Mata Cavalo, nota-se que há um descaso
por parte do governo e a luta é contínua, para que os “direitos ao território, à
educação, à saúde, à moradia digna, a saneamento básico sejam efetivados”
(MOREIRA, 2017, p.107). Essas lutas, por políticas públicas e direitos,
pressionam o Estado para reconhecê-los, no entanto, percebe-se uma
dubiedade nas ações do poder público, visto que, ao mesmo tempo, serve para
garantir os direitos, visibilidade e direitos políticos e continua impondo restrições
políticas burocráticas, emperrando os processos de titulação.
Outra aspecto relevante, no que diz respeito à efetivação das ações de
valorização e reconhecimento dessas comunidades nas diversas esferas
políticas, é o despreparo dos órgãos públicos municipais e estaduais para a
implantação e implementação das políticas federais. Faz-se importante frisar que
existe uma lacuna entre o que propõe as políticas públicas atuais e a situação
real das comunidades quilombolas. Pois, ainda vivem uma situação de
insegurança quanto aos direitos, isto é, uma situação na qual não têm certeza
de que tais direitos serão efetivados (ARRUTI, 2008, p, 21).
É de suma importância, portanto, que gestores públicos conheçam e
reconheçam essas políticas e assumam atitudes responsáveis e
compromissadas com sua implantação ou implementação, criando táticas para
agilizar o acesso dos quilombolas a essas políticas, conforme Larchert; Oliveira
(2013, p. 51).
Embora ainda sofrendo os resquícios da escravidão, como o racismo e o
preconceito, o povo quilombola resiste e luta para manter viva a sua identidade,
a sua cultura e se fazer, assim, protagonista da própria história:
Neste sentido, a educação escolarizada no quilombo que parte da realidade local para pensar a prática educativa é um ato de radicalidade importantíssimo para superação da situação de opressão vivenciada pelos/as quilombolas (MOREIRA, 2017, p. 107).
Sob essa perspectiva, a cultura quilombola potencializa a elaboração e
criação dos conteúdos educacionais escolares, sendo referência para a
compreensão da realidade vivenciada pela comunidade. “Em Mata Cavalo a
escola tem múltiplos significados, é o local de formação dos/as moradores/as,
de articulação e organização política, de convivência, de trocas e
54
compartilhamento” (MOREIRA, 2017, p. 107). Por isto, a importância de
construirmos um currículo que potencialize as reflexões a respeito dessa
realidade e que transpasse a organização escolar impregnada do formalismo e
da lógica da dominação da sociedade capitalista, visto que “este formalismo
impera sobre a organização e domina a cultura escolar: a introjeção de normas
rígidas, estereotipadas e uniformizastes, que aprisionam o sujeito nas malhas de
uma estrutura fechada” (BURNHAM, 1992). É sob esta ótica que escrevemos,
com o desejo de construirmos coletivamente táticas educacionais que
potencializem a força e a luta quilombola, unindo escola e comunidade para
repensar a escola como espaço de poder.
55
56
Para adentrar o terceiro capítulo desta dissertação escolhemos o poema
“Bordando a vida”15, de Ana Flor Lácio, por nos trazer o labor do poeta ao bordar
suas escritas, repleto de cuidado e emoção, escolhendo cada tecido, cada fio e
cada sentimento que o impulsionam a bordar. Neste sentido, inspirados em seus
versos, vislumbramos os momentos vivenciados durante a caminhada da
dissertação, que, com o sentir da sociopoética, nos permitiu escolher bastidores,
linhas e agulhas necessário a cada momento, tecendo “fio a fio” os desenhos
que se formam nesta pesquisa.
CAPÍTULO III - Moldando os desenhos com linhas e agulhas
“Nós aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os
sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de interagir
com uma cultura e em uma sociedade.” (Brandão, 2005, p.85)
3.1 - O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
(GPEA) e a Sociopoética: caminhos metodológicos vivenciados
Começamos a tessitura deste capítulo apresentando o Grupo pesquisador
em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) e as linhas e tramas que
o constituem. O GPEA traz consigo 20 anos vividos de forma coletiva, dialógica
e esperançosa, deixando marcado nos tecidos da memória a importância de ser
um grupo-pesquisador que une pesquisa científica, militância e amor, pois,
quando pensado e sentido pela pesquisadora fundadora Michèle Sato, este
grupo se propunha a transcender o Eu/Pesquisador (solitário) para ser tecido
como Nós/pesquisadores, “era o sonho de uma troca. Você leva e traz. Você
ensina e aprende. Os outros aprendem e ensinam. [...] E assim, quem sabe, nós
aprendemos juntos” (BRANDÃO, 2013, p. 37).
Com este intuito, por estar neste grupo-pesquisador dialógico e
esperançoso, é que optou-se pelo trançado das bases filosóficas da sociopoética
15 Poema disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/poesias/4033313
57
com a educação popular ambiental e o currículo, pois, esta metodologia nos
possibilita compreender que em um grupo-pesquisador16:
[...] cada participante da pesquisa está ativo em todas as etapas dessa pesquisa (produção dos dados, leituras analíticas e transversais desses dados, socialização...), e pode interferir no devir da pesquisa. Isso garante a chamada de formas variadas de racionalidade e a possibilidade de que outras fontes de conhecimento, não racionais e sim emocionais, intuitiva, sensíveis, imaginativas e motrizes, entrem em jogo; (GAUTHIER, 2009, p. 119)
A sociopoética abre uma nova perspectiva teórico-metodológica no
campo da educação popular, propondo momentos coletivos de produção do
conhecimento em que todos os participantes se constituem como co-
pesquisadores, valorizando “as categorias e os conceitos produzidos pelas
culturas dominadas e de resistência” (GAUTHIER; FLEURI; GRANDO, 2001,
p.7). Desta maneira, ainda nas escritas de Gauthier; Fleuri; Grando (2001), nos
aproximamos desta metodologia considerando o corpo como fonte de
conhecimento para além da imaginação, da intuição e da razão, mas como
intenso potencial cognitivo das sensações, emoções e da gestualidade, onde
cada integrante deste coletivo se utilize de sua criatividade artística nos
processos de conhecer, aprender e pesquisar. Assim, como podemos refletir
durante este processo frente as dimensões espiritual, humana e política da
construção dos saberes.
Assim, junto a sociopoética, a EA, que utilizamos como linha de nossos
bordados, busca romper com a estrutura rígida da modernidade de conceituar
algo como verdade universal e deixar as brechas livres e autônomas para criar
e recriar a EA em liberdade (SATO, 2013, p.13). Educação Ambiental esta, com
compromisso social, humano e ético, interligada aos movimentos sociais que
resistem aos modelos hegemônicos do sistema capitalista imposto em nosso
país.
Faz-se importante destacar aqui que esta pesquisa está alicerçada nos
princípios da Educação Ambiental Popular, que:
16 [...] o hífen é importante, porque não se trata de um grupo de pesquisa, mas de um ser coletivo, que se institui no início da pesquisa como grupo-sujeito do seu devir. [...] que ele age na pesquisa como se fosse um único pensador, percorrido de caminhos diversos, às vezes contrários, que se encontram, tecem juntos ou divergem... (GAUTHIER, 2012, p. 78).
58
[...] por sua vez, valoriza a identidade social do grupo, reconhece os diferentes saberes sem hierarquias, e une política e educação progressista no diálogo sobre cultura e ambiente na busca por justiça ambiental, almejando contribuir para o fortalecimento das táticas de resistência, entendidas por nós como organização coletiva para enfrentar as adversidades que enfraquecem os territórios. (MOREIRA, 2017, p. 31)
Desta maneira, não seremos neutros, pois, como nos esclarece Paulo
Freire, (1996, p. 86) “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os
outros de forma neutra” e partiremos do princípio de todos os envolvidos podem
contribuir com seus saberes de forma a refletir e construir novos saberes.
Trazemos para nossas escritas esta EA sentida por um grupo pesquisador
que carrega em suas lutas cotidianas a esperança de que a sociedade desejada
seja democraticamente construída, ambientalmente responsável e socialmente
justa (SATO; CARVALHO, 2005, p. 97), engajada nos movimentos sociais em
busca de uma forma de educação justa e libertadora (FREIRE, 2000), podendo
re-criar coletivamente “outras maneiras de se relacionar com o mundo, mais
solidárias e justas socioambientalmente, inclusive na maneira de se relacionar
com os sujeitos de pesquisa e a produção da própria pesquisa” (MARQUES;
GENTINI, 2009, p. 370).
Considerando que a EA popular é um campo epistemológico e político,
seria preciso escolher uma metodologia que respeitasse os diferentes saberes
dos sujeitos envolvidos durante todo o processo e proporcionar momentos de
fecundos diálogos sobre os temas escolhidos, desta forma, a sociopoética como
abordagem metodológica, nos possibilita considerar todos os sentidos nos
caminhos que percorremos e, além disso,
Há uma complementaridade do método sociopoético com a Educação Ambiental em diversas situações, tais como, a maneira coletiva de apropriação da pesquisa, a ciência e o diálogo com a sociedade e o corpo todo como fonte de conhecimento. Além disso, problematiza valores instituídos e instituintes em todos os envolvidos com a pesquisa (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 371).
Neste sentido político, a metodologia que nos embasa traz sentido ao
nosso caminhar junto à comunidade quilombola de Mata Cavalo, por nos permitir
sentir com o corpo todo suas marcas históricas, suas lutas, seus desafios, suas
conquistas e seus sonhos.
A sociopoética possui “um devir revolucionário” que traz os sujeitos como
“ator construtor de sua própria existência” (Marques; Gentini, 2009, p. 369), nos
59
permitindo refletir sobre a relação de pesquisador e pesquisado que assumimos
nesta pesquisa junto à comunidade quilombola de Mata Cavalo, onde somos
todos detentores de diversos e diferentes saberes e será na troca destes saberes
que poderemos criar outros quantos desejarmos.
Pensando, como grupo-pesquisador, os processos formativos e os
momentos de diálogo, dedicados durantes entrevistas e nos momentos de
descontração, nos inspiramos no sentido de coletividade e cooperação
instituídos pela sociopoética, proporcionando uma nova maneira de
experimentar a pesquisa qualitativa, lançando um novo olhar para nós mesmos
e para àqueles que participaram desta troca de sentidos e saberes, onde
construímos juntos os mais valorosos afetos.17 Foi possível traçar linhas de
ousadia e insegurança em que o pesquisador se distancia de seu papel de ‘dono’
dos saberes e discursos, para compor uma pesquisa com o coletivo, resultando
na construção dos “confetos – conceito e afeto - emergidos e criados pelo grupo-
pesquisador” (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 369).
Vislumbrando assim, nos momentos de diálogo entre a epistemologia e
as vivências populares a importância da educação e de um currículo vivo como
táticas de luta e resistência desta comunidade em busca de seus direitos e
sonhos.
Por estabelecer diálogos entre os aspectos de educação, currículo e
natureza nas relações de educação ambiental que se fazem presentes neste
território, elegemos este percurso metodológico que nos possibilitou perceber os
sentimentos existentes nos quilombolas e nas quilombolas diante do espaço
escolar e sua importância dentro do quilombo.
A sociopoética nos apresentou uma maneira de experimentar a pesquisa
em um enfoque coletivo, buscando ir além da racionalidade em todas as suas
etapas, dando evidência as múltiplas vozes daqueles que se propuseram
vivenciar a pesquisa.
No tecer dos CONFETOS ousamos conjugar o verbo amar entre ciências
e arte, sem temer as possíveis críticas que daí possam advir.
(SATO; SENRA, 2009, p.140).
17Importante esclarecer que os afetos aqui descritos“não significam somente abraços e carinhos, mas afecção, o afetar-se frente a uma experiência. [...]que possibilitam a emersão de desejos, conflitos, contradições e dificuldades (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 372).
60
Com este olhar, foi possível tecer/viver a pesquisa com mais leveza e
sentido; por permitir a inventividade, o protagonismo, a criação e a troca de
saberes que a sociopoética possibilita, conhecendo com o corpo inteiro; e ao
conhecer, valorizar as tradições do grupo que fazemos parte, dialogando teórico
e epistemologicamente.
Gauthier (1999, p.53) explicita ainda que a Sociopoética:
[...] é uma teoria e prática da pesquisa e da aprendizagem que aponta para uma teoria do social. Ela transgride a divisão instituída entre poesia e ciência, entre arte e construção do conhecimento. Ela não considera as pessoas envolvidas na pesquisa como possuidoras de saberes congelados, nem de ilusões fixadas, ela busca entender, o mundo criador, tanto do saber quanto das ilusões.
Assim, por sermos um grupo-pesquisador que compreende as relações e
saberes de forma horizontal e rizomática (MOREIRA, 2017), a sociopoética é a
metodologia que nos possibilitou ser pesquisadores-participantes, sermos partes
de uma Comunidade Aprendente, entrelaçando GPEA e Comunidade
Quilombola.
Desta forma, levando em consideração que durante os processos
formativos temos a possibilidade de conhecer a nossa própria realidade e
podemos participar de produção de conhecimento, tomando posse dele,
aprendendo, e assim, tecer a história deste coletivo que aqui apresentamos,
bordaremos com prioridade ao diálogo e o compartilhamento dos saberes e
afetos dos envolvidos em todas as atividades desenvolvidas junto à comunidade
de Mata Cavalo.
Assim, temos a oportunidade de “reescrever a história através da sua
história”, onde, “afinal pesquisadores-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo
trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes” e transformar
estes momentos formativos em “um instrumento a mais de reconquista popular”
(BRANDÃO, 2006, p. 11).
E, como instrumento político de reconquista popular, entendemos que
quando trabalhamos em comunidades, como a de Mata Cavalo, é necessário se
respeitar toda multiplicidade construída historicamente por seu povo, pois, “sem
essa forma de tradução recíproca dos saberes, populares e acadêmicos, os
esforços mútuos ficariam fracos e decepcionantes” (BRANDÃO, 2006, p. 11). E
não nos permitiria estar ligados uns aos outros o suficiente para que refletir
criticamente sobre a forma de estar e atuar diante dos conflitos existentes neste
61
território. Afinal, o sujeito tende a ser mais, por se reconhecer no mundo e lutar
pelo que se quer (FREIRE, 2005). Justificamos ainda nossa escolha
metodológica trilhada sob os saberes de Paulo Freire quando Marques e Gentini
(2009, p. 375) nos explicitam que:
Na medida em que a sociopoética é utilizada principalmente com povos e culturas de resistência, a teoria de Paulo Freire também se faz referência, pela aprendizagem entre saber popular e acadêmico, através do grupo-pesquisador. Até porque, a pesquisa costuma ter como seus sujeitos os participantes dos conflitos e das resistências contra a opressão característica do sistema capitalista.
Assim, através da sociopoética, tivemos a possibilidade de uma construção
coletiva de aprendizagens sentidas, desejadas, significativas e históricas. Nos
trazendo através da ciência “as energias que são impressas nos corpos das
pessoas, nos seus afetos, nas suas crenças e nos seus saberes” (SATO;
GAUTHIER e PARAGIPE, 2005, p.102).
Fortalecidos pela certeza de que a educação é um ato de amor, e, por
isso, um ato de coragem, não abdicamos dos momentos de debate e reflexão da
realidade, primando por momentos de discussão criadora (FREIRE, 1996).
Assim, descrevemos no próximo tópico, com mais detalhes, os procedimentos
da pesquisa que nos fizeram refletir sobre os conceitos que aqui nos propomos
estudar.
3.2 Moldes e desenhos - Procedimentos da pesquisa
É neste momento que o grupo-pesquisador vai a campo para sentir a
textura dos tecidos, vislumbrar as cores das linhas, separar as agulhas e riscar
os traços do desenho de bordado que desejou. É momento também, do eu-
pesquisador viver a experiência da pesquisa.
Entrelaçando natureza e educação, conceitos pulsantes na comunidade
com quem dialogamos, procuramos conduzir os momentos de troca de saberes,
científicos e populares, para que pudéssemos refletir sobre a realidade do
quilombo. Sendo possível vivenciar histórias, sentidos e sonhos, buscando “a
aliança entre o prazer acadêmico e a paixão da militância” (SATO; SENRA, 2009,
p. 142).
Nestes encontros, onde a interculturalidade da comunidade de Mata
Cavalo e seus saberes se entrelaçaram aos saberes dos pesquisadores-
62
aprendizes do GPEA, partilhamos conhecimentos em distintas perspectivas, seja
ela científica, pedagógica, artística, poética ou de luta e resistência.
Utilizamos para as tramas deste bordado a pesquisa de campo,
entrevistas semiestruturadas, processos formativos, oficinas e a observação
participante.
Cientes de que, ao nos envolvermos nestes procedimentos de pesquisa
seria importante que todos pudessem se sentir sujeitos falantes a tomar
consciência de sua realidade, de seus sonhos, e conflitos, tendo a possibilidade
de transformar a realidade em que vivem, caso achassem necessário.
Para isso, nos orientamos pelas seguintes etapas da sociopoética,
trazidas por Petit e Soares (2002 apud Marques; Gentini, 2009, p. 376-377):
1) a negociação do tema gerador e a produção de dados que ocorre por meio de oficinas, o que implica na limitação do número de pessoas envolvidas (geralmente um grupo de 10 a 20 pessoas); 2) a análise dos dados pelos facilitadores; 3) a contra-análise - os facilitadores da pesquisa elaboram suas análises sistematizadas e confrontam esses achados com as visões dos co-pesquisadores; 4) a socialização da pesquisa, cuja forma de realização é decidida junto com os co-pesquisadores.
Foram realizadas entrevistas com pessoas da comunidade, professores,
alunos e pesquisadores do GPEA. Não foram levados em consideração apenas
as respostas dadas pelos entrevistados, pois, assim como propõe a
sociopoética, é valioso dar importância ao percurso e os diversos saberes
compartilhados durante a pesquisa; de forma que as expressões, sentimentos e
comportamentos dos entrevistados foram considerados ao avaliar as respostas.
Adiante, trazemos a relação GPEA / Comunidade Quilombola e os
processos formativos realizados nos anos de 2015, 2016 e 2017 e que nos
possibilitaram refletir sobre os objetivos pensados para esta pesquisa.
3.3 Entrelaçar de linhas e agulhas – os processos formativos
Embora as vivências entre comunidade de Mata Cavalo e o GPEA tragam
registros anteriores, destacaremos aqui as atividades desenvolvidas nos anos
de 2015, 2016 e 2017, para que possamos compreender como as tramas deste
bordado coletivo se constituíram e fortaleceram as discussões sobre educação
e currículo que buscamos refletir nesta dissertação.
63
Em 2015, o GPEA através de parceria com a organização não
governamental (ONG) Instituto Caracol (IC), garantiu financiamento da
Organização não governamental World Wide Found For Nature (WWF) para
realização do projeto: Escolas Sustentáveis no Quilombo de Mata Cavalo. GPEA
e Comunidade participaram do processo formativo realizado na Escola Estadual
Tereza Conceição de Arruda. Este processo, está alicerçado sobre as bases
conceituais de Escolas sustentáveis descritas nos documentos oficiais18 tendo
como objetivo conhecer a realidade escolar e tornar essa escola em um espaço
educador sustentável, que resultou na construção do Projeto Ambiental Escolar
Comunitário (PAEC) da Casa da Cultura Quilombola (Figura 03).
Trajber e Sato (2010), nos apresentam que o princípio fundamental da
política para ES é, que as escolas de educação básica brasileira se transformem
em “incubadoras de mudanças”, onde deverão encontrar possíveis soluções
para as dificuldades encontradas em suas comunidades escolares. Esta
proposta ousada, que surge da inter-relação da Coordenação Geral de
Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC) com as universidades
federais de Ouro Preto (UFOP), de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Mato
Grosso (UFMT), busca, à partir de espaços educadores sustentáveis, incentivar
a investigação, pesquisa, descoberta, autonomia, sonhos e possibilidades,
assim como o pensamento crítico e inovador. Propondo autonomia das
instituições para decidir com sua comunidade o melhor caminho em busca da
sustentabilidade (GROHE, 2014).
Neste sentido o projeto reconhece a escola como um “espaço educador
sustentável” (TRAJBER; SATO, 2010) em três dimensões conectadas: o espaço,
o currículo e a gestão. Como linha fundamental desta proposta, o espaço da
escola precisa ser repensado de forma articulada com o currículo, seguindo as
premissas da sustentabilidade socioambiental, de maneira que possibilite e
acenda uma nova cultura na comunidade escolar.
Estas autoras nos alertam que, ao falarmos de ES, estamos aproximando
“estudantes, membros da comunidade, professores, funcionários e gestores em
18 Informações disponíveis no caderno orientador sobre o Projeto de Escolas sustentáveis. Disponível em: http://www.seduc.go.gov.br/documentos/nucleomeioambiente/material2013/caderno.pdf
64
diálogos constantes voltados à melhoria da qualidade de vida” (TRAJBER;
SATO, 2010, p. 72).
As ES trazem em suas táticas o desenvolvimento de processos
educativos permanentes e continuados, propondo a sensibilização individual e
coletiva para a construção de conhecimentos, valores, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a construção de uma sociedade de direitos,
ambientalmente justa e sustentável (BRASIL, 2013).
Uma escola sustentável precisa também, ser uma escola inclusiva, que
tenha como base o respeito aos direitos humanos e a qualidade de vida,
valorizando nossas multiplicidades. Desta forma, para ser sustentável, portanto,
a escola também precisa:
• Promover a saúde das pessoas e do ambiente. • Cultivar a diversidade biológica, social, cultural, etnorracial, de gênero. • Respeitar os direitos humanos, em especial de crianças e adolescentes. • Ser segura e permitir acessibilidade e mobilidade para todos. • Favorecer o exercício de participação e o compartilhamento de responsabilidades. • Promover uma educação integral (BRASIL, 2013, p.10).
Ao descrevermos este processo formativo diante de nosso
posicionamento como grupo pesquisador, com bases na educação ambiental
popular , as especificações sobre os conceitos de ES e nosso pensar científico
se entrelaçam e tomam formas19 “caracolianas, por acreditar na escola como
uma espiral de possibilidades e descobertas e por apresentar uma proposta de
aprendizagem circular, que não se fecha e permanece inacabada na
incompletude de avançar e recuar; de ensinar e aprender” (TRAJBER; SATO,
2010, p. 72)
Importante ressaltar que uma escola sustentável parte do pressuposto de
que “o território é o espaço que constrói as identidades, ou seja, um currículo
cultural do sujeito, da comunidade escolar e também da sociedade brasileira”
(TRAJBER; SATO, 2010, p. 73). Diante desta colocação, uma das ações trazidas
pelo projeto, é a constituição das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de
19 Neste contexto a palavra ‘forma’ não é utilizada como sinônimo de: aparência, configuração, conformação, disposição, modelo, modo ou molde a ser fixado e seguido, mas no intuito de fazer alusão aos esboços de um desenho construído coletivamente nos momentos de diálogo e aprendizagem proposto nos processos formativos. Informações sobre a palavra ‘forma’ foram retiradas do dicionário disponível em: https://www.dicio.com.br/forma/.
65
Vida (COM-VIDA)20 nas escolas, instigando o protagonismo juvenil e a
possibilidade de diálogos contínuos e permanentes junto à comunidade escolar
sobre questões culturais e ambientais vivenciadas.
Nesse sentido, as ações propostas para serem refletidas na busca por
uma escola sustentável, alinham-se na perspectiva de estimular o conhecimento,
o compromisso e a participação efetiva de professores, gestores, estudantes,
seus familiares e comunidades, de forma coletiva e dialógica, onde seja possível
seguir os seguintes pressupostos pedagógicos (Figura 3):
Figura 3 – Pressupostos pedagógicos do Projeto de Escolas Sustentáveis
Fonte: Imagem retirada do caderno: Vamos cuidar do Brasil com escolas sustentáveis:
educando-nos para pensar e agir em tempos de mudanças socioambientais globais, 2013.
Estas três pedagogias que trazem a perspectiva, principalmente de
fortalecimento da Com-Vida, constituem referência das escolas sustentáveis e
são esclarecidas por Trajber e Sato (2010, p.73) :
20 A “Com-Vida é um espaço de diálogos que ajuda a escola a projetar e a implementar ações que envolvem toda a comunidade escolar, visando a um futuro sustentável. Isso tem reflexos na diminuição do desperdício de água, energia, materiais e alimentos, nas compras conscientes, na destinação adequada de resíduos, entre outras práticas voltadas ao bem-estar pessoal, coletivo e ambiental, é uma nova forma de organização na escola e uma das ações estruturantes para cuidar do Brasil. Sua proposta é consolidar, na comunidade escolar, um espaço permanente para realizar ações voltadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida.” (BRASIL, 2012, p.12)
66
[...] por meio de suas três pedagogias, as escolas sustentáveis querem envolver escola e comunidade em pequenos projetos ambientais escolares comunitários, considerando o sujeito [estudante] percebido no mundo, suas relações no mosaico social da escola e seu entorno [comunidade] e no desenvolvimento de atividades, projetos e planos que se entrelacem com o local [bairro, município educador sustentável], promovendo diálogos entre os conhecimentos científicos, culturais e saberes locais.
Assim, o processo formativo desenvolvido na Comunidade Quilombola de
Mata Cavalo se inspirou nos princípios acima apresentados, das Escolas
Sustentáveis, refletindo junto à Comunidade sobre as três dimensões que
sustentam este projeto: espaço, currículo e gestão (TRAJBER; SATO, 2010, p.
71) (Figura 4). No sentido de acrescentar significado aos projetos desenvolvidos,
valorizando a história local, de forma a promover aprendizagens significativas
através de um currículo fenomenológico, que seja pensado e desejado
pelos/pelas quilombolas, aliando saberes populares e científicos na construção
de novos conhecimentos.
67
Figura 4 – Diagrama que apresenta a tríade base do Projeto Escolas Sustentáveis
A conexão destas dimensões foi imprescindível para que a proposta de
Escolas Sustentáveis se concretizasse, assim como, o envolvimento da
comunidade do entorno acrescentou significado as etapas desenvolvidas,
agregou a valorização da história local e do conhecimento popular,
proporcionando espaços de troca de saberes significativos à aprendizagem do
coletivo. Outro conceito que fez parte deste momento é o Espaço Educador
Sustentável:
Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em referências concretas de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que mantêm uma relação equilibrada com o meio ambiente; compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. (TRAJBER; SATO, 2010, p.71).
Seguindo esta base o Processo Formativo na Comunidade Quilombola de
Mata Cavalo foi desenvolvido de agosto a novembro de 2015, com total de 90
Fo
nte
: C
GE
A/M
EC
68
horas de atividades coletivas, possibilitando a ligação entre o ensino, a pesquisa
e a extensão. No decorrer da formação foram trabalhados os temas:
Sustentabilidade Planetária e Escolas Sustentáveis; Mapeamento Social:
Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais; Projeto Político Pedagógico e
Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na
Escola (COM-VIDA), experiências de Escolas Sustentáveis em MT e Projetos
Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC).
Estes momentos foram marcados por um rico processo de diálogo, de
trocas e de construção de saberes, onde tivemos o privilégio de refletir sobre
diferentes modos de vida dos seres humanos e seus impactos sobre o ambiente;
nossa relação com os ecossistemas; a importância do engajamento/militância
para elaborar e fortalecer táticas de resistência frente ao nossos sistema
capitalista e opressor e a necessidade de um currículo que considere os saberes
e fazeres da população (EU-CURRÍCULO), com a problematização das
questões socioambientais por meio da cartografia local (OUTRO-GESTÃO),
partindo da história da comunidade para a semeadura de esperanças que
germine na forma de alternativas possíveis para transformação (MUNDO-
ESPAÇO). Destes momentos de aprendizagem, surgiram a necessidade da
formação da COM-VIDA e a realização do PAEC em Mata Cavalo.
69
Quadro de Figuras 5 - Processo Formativo em Escolas Sustentáveis na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, 2015.
Fotos: Arquivo do GPEA, 2015.
O PAEC, neste contexto, se apresenta como um espaço de discussão,
um fórum, que permitiu discutir a possibilidade de um currículo fenomenológico
de Mata cavalo. Surge com uma proposta de reflexão coletiva que,
ultrapassando os muros da escola, deseja trazer os elementos do mundo da vida
para a construção deste currículo; um currículo da vida, um currículo vivo na
escola que consiga incorporar os elementos vivos desta comunidade e, fazer
com que os elementos desse currículo tradicional consigam dialogar os
conhecimentos da cultura humana com os elementos da cultura de Mata Cavalo.
Primeiro de maneira não exatamente pontual, mas de elementos
concretos que são os projetos ambientais que trabalham nas dimensões da
sustentabilidade da escola, currículo, gestão e espaço físico, mas, ultrapassando
esse tripé consiga dialogar sobre os conhecimentos elementares que podem ser
direcionados para cada uma das disciplinas do currículo tradicional. Encontrando
nos elementos de Mata Cavalo os seus pontos de conexão com esse
conhecimento este saber acadêmico. O PAEC foi o meio do caminho, o espaço
70
de discussão que interliga educação ambiental e currículo quilombola ou
educação quilombola.
Diferente de outras propostas governamentais, as Escolas Sustentáveis
propõem uma nova maneira de caminhar, deixando de lado o conceito de modelo
pronto e acabado, imposto de forma hierárquica e descontextualizada. Esta
proposta representa um caminho possível para construção de uma nova escola,
que dialogue com os saberes de dentro e fora das dimensões espaciais
escolares, partindo da realidade da comunidade que está envolvida e que
possibilite assim dar sentido e significado aos momentos de aprendizagem.
Neste contexto se propõe unir forças coletivas, escola e comunidade, para
romper o isolamento da escola que muitas vezes promove “um saber
descontextualizado do cotidiano da comunidade escolar. [...] A intencionalidade
é a de oportunizar espaços de participação democrática na busca da construção
coletiva.” (MANSILLA; SATO, 2009, P.314).
Seguindo esta base o Processo Formativo na Comunidade Quilombola de
Mata Cavalo foi desenvolvido de agosto a novembro de 2015, com total de 90
horas de atividades coletivas, possibilitando a ligação entre o ensino, a pesquisa
e a extensão. No decorrer da formação foram trabalhados os temas:
Sustentabilidade Planetária e Escolas Sustentáveis; Mapeamento Social:
Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais; Projeto Político Pedagógico e
Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na
Escola (COM-VIDA)21, experiências de Escolas Sustentáveis em MT e Projetos
Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC).
Estes momentos de aprendizagem coletiva trouxeram à tona um desejo
antigo da comunidade em ter um local que representa-se e valoriza-se a riqueza
de sua cultura. Este desejo se materializou através do PAEC, na construção de
um espaço educador sustentável que recebeu o nome de Casa da Cultura
Quilombola de Mata Cavalo.
21 Forma de organização na escola, que tem a ideia de criar conselhos de meio ambiente e círculos de aprendizagem e cultura nas escolas que debatam e gerenciem ideias e ações voltadas ao meio ambiente.
71
Quadro de figuras 6 - Execução do PAEC, Casa da Cultura Quilombola, 2015.
Nesta perspectiva, para que o PAEC tenha significado para a
comunidade, é de suma importância que ele represente um desejo coletivo, que
traga consigo seus saberes e sonhos. Pois como afirma Souza Santos (1994, p
287):
Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que se reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas não são apropriáveis por aqueles a quem se destinam.
Em função da falta de regulação fundiária e dos violentos despejos com
destruição de moradias, grande parte das/os quilombolas atualmente vivem em
Casas de palha ou de madeira, o que faz com que muitos jovens
desconheçam as técnicas de construção usadas pelos seus ancestrais. Assim,
a escolha do PAEC foi a construção de uma Casa da Cultura Quilombola (Figura
7) que possibilitou um reconhecimento de aspectos da cultura ancestral da
Comunidade, sendo construída aos moldes das primeiras casas erguidas no
início da formação do quilombo. A casa foi feita de barrote (pau a pique), com
chão batido utilizando o cupim, cobertura de telhado verde de grama e um
pequeno sistema de captação de água por uma cisterna. O interior desta casa
contém artefatos tradicionais, artesanatos produzidos pela comunidade,
72
fotografias e registros que mostram a identidade, a luta, os saberes e as
tradições deste povo, sendo hoje a Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo.
Figura 7 – Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo. Associação Mata Cavalo de Baixo,
Quilombo de Mata Cavalo, 2017.
Fonte: Acervo do GPEA-UFMT.
Nota: Créditos da imagem de Cristiane C. A. Soares (2017).
A construção coletiva da Casa da Cultura Quilombola traz o registro desta
intensa e significativa caminhada, onde estudantes, educadoras/es, gestores,
funcionárias/os da escola, moradoras/es da comunidade e pesquisadoras/es do
GPEA dialogam e entrelaçam saberes acadêmico e populares, suas vivências e
seus sonhos, sem deixar de considerar a realidade local e a cultura quilombola
(Figura 05). Portanto:
É neste cenário que o processo educativo configura-se como prioridade do projeto civilizatório. Uma educação capaz de promover a democracia à proteção ambiental e à justiça social e que, essencialmente, seja substantivada pela dimensão ambiental em sua complexidade política para ousar a transformação desejada (SATO, 2004, p. 12).
Assim, esta Comunidade Aprendente, que se constituiu durante o
processo formativo, idealizou e fez acontecer o sonho coletivo de um Projeto
Ambiental Escolar Comunitário: a Casa da Cultura Quilombola. Todos envolvidos
em momentos de diálogo, de comunhão, de solidariedade e de valorização dos
saberes quilombolas. Foram muitas mãos e sentimentos reunidos em
muxirum/mutirão pela materialização deste sonho coletivo.
73
Pudemos perceber que a construção coletiva do PAEC, como uma
decisão refletida e sonhada coletivamente, que resignifica o poder da
aprendizagem, e o pertencimento registrado em cada elemento utilizado na
fundação da casa. Erguida seguindo os modelos das casas que seus
antepassados construíam, uniram a cultura e os saberes populares do quilombo,
caracterizado neste espaço com o chão batido de cupim e paredes de adobe,
aos saberes científicos trazidos durante os processos formativos, com a
instalação de um telhado verde que equilibra a sensação térmica e faz a coleta
da água da chuva através de uma cisterna. A Casa da Cultura Quilombola de
Mata Cavalo, edificada a muitas mãos, materializa o sonho de um lugar para dar
visibilidade a história da comunidade. Pois, como nos diz Pontilhado22:
“A casa é cultura viva, foi feita pela comunidade, pelas mãos
da comunidade!”
(Ponto Pontilhado, 2016, Professora do quilombo)23
Registramos com esta narrativa a importância desta aprendizagem
construída sobe bases da educação popular, onde a construção coletiva de
saberes nos momentos de reflexão sobre a realidade e anseios da comunidade
se fizeram presentes como tática de visibilização e resistência da cultura
quilombola.
Para dar continuidade aos caminhos desta pesquisa, em 2016 foram
realizadas entrevistas com membros do GPEA e da Comunidade de Mata
Cavalo, que participaram do Processo Formativo em Escolas sustentáveis, onde
propusemos a reflexão/avaliação sobre os momentos vivenciados em 2015, com
22 Em cumprimento às exigências da Plataforma Brasil, Cabe aqui ressaltar, que como recomendação do Comitê de ética, os nomes de nossos co-pesquisadores serão mantidos em sigilo. Por isso, escolhemos nomeá-los com nomes dos pontos utilizados para bordar. Desta forma, teremos como contribuição de extrema importância em nossa pesquisa a fala do “Ponto Caseado”, “Ponto Candurinha”, “Ponto Margarida”, “Ponto Cheio”, “Nó Francês” e outros. Em todas as transcrições, os textos contêm as características originais das narrativas. 23 Faz-se importante ressaltar que a escolha da imagem de bordados de flores para identificar nossos co-pesquisadores foi feita por simbolizar a colheita das flores feitas durante a caminhada científica. Cada aprendizado, cada troca foi simbolizada aqui como uma flor colhida neste percurso significativo do tecer/viver.
74
intuito de olhar as fragilidades e fortalezas encontradas durante o caminho, além
de servir para o planejamento para os processos formativos que se seguiram.
Para este momento foi utilizado um roteiro de entrevistas
semiestruturadas (Quadro 1), onde, através das narrativas dos sujeitos da
pesquisa, foi possível registrar suas percepções sobre a EA, o processo
formativo em Escolas Sustentáveis e a relação Comunidade/GPEA; as
percepção sobre a casa da cultura e também as percepções sobre o currículo.
Participaram, destas conversas, servidores da escola, estudantes, membros da
comunidade e Integrantes do GPEA. O critério usado para escolha dos
colaboradores da pesquisa foi terem participado do processo formativo em
Escolas Sustentáveis no ano de 2015.
Os momentos de entrevista aconteceram de maneira individualizada, na
sala do grupo de pesquisa na UFMT, nas residências das/os membros da
comunidade, e na escola do quilombo.
Quadro 01 – Roteiro das Entrevistas
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1- Dados de Identificação:
Nome | Idade | Local de nascimento | Local de Moradia | Tempo de Residência
na Comunidade | Tempo de trabalho na escola (Servidores) | Tempo que
estuda na escola (estudante) | Relação com a escola (comunidade –
integrantes do GPEA) |
2 - Percepção da Educação Ambiental e o processo Formativo em Escolas
Sustentáveis (servidores da escola/ estudantes/ membros da comunidade –
Integrantes do GPEA)
O que é Educação Ambiental para você?
Como foi o Processo Formativo em Educação Ambiental desenvolvido em
2015?
Quais conteúdos/ temas foram trabalhados?
A escola se envolveu? A comunidade se envolveu?
As discussões durante as formações fizeram diferença no que você
entende por educação ambiental?
75
3 - Percepção sobre o currículo (servidores da escola/ estudantes/ membros da
comunidade –GPEA)
A educação ambiental faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se
sim, como é abordada?
A cultura quilombola faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se
sim, como é abordado?
Como podemos trabalhar essas temáticas na escola: Educação
Ambiental? Cultura Quilombola?
Como seria um currículo dos sonhos/ideal para a escola quilombola?
Fonte: Produção da autora - 2017
Foram entrevistados 12 (doze) pessoas, das quais, três são estudantes
do ensino médio, três professoras, três moradores/as da comunidade e três
pesquisadores do GPEA.
Após essa etapa, no ano de 2016, o GPEA, em parceria com o Instituto
Caracol24, deu continuidade ao processo formativo em Escolas Sustentáveis no
Quilombo de Mata Cavalo com o Processo Formativo: Educação Ambiental na
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo. Contextualizados sob as ricas
dimensões da educação ambiental, este processo formativo foi elaborado com
respeito aos saberes diferentes, ao diálogo e construção coletiva de novos
saberes, onde os membros da comunidade quilombola também propuseram
temas e oficinas a serem compartilhados com os pesquisadores do GPEA.
Foram realizados três encontros deste novo momento formativo. O
primeiro deles foi a oficina “Observatório Territorial Quilombola”, que aconteceu
no dia 19/01/2016 na Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda, e a partir
dele, foram propostos, novos momentos de diálogo sobre as etapas seguintes.
24 Parceiro de militância junto ao GPEA, o Instituto Caracol, também designado como ICaracol, é uma associação civil, com caráter socioambientalista, sem fins lucrativos, essencialmente democrática, sem vinculação política ou partidária, nem distinção de credo, raça, etnia, classe, orientação sexual e gênero. Informações disponíveis em: http://www.icaracol.org.br/ .
76
Quadro de figuras 8- Cartazes contendo os registros da Oficina “Observatório Territorial
Quilombola”, 2016.
Fonte: Arquivo do GPEA.
Créditos da foto: Cristiane Almeida Soares, 2016.
Como sequência das etapas formativas foram escolhidos como temáticas:
escola, currículo e cultura quilombola, fazendo um mapeamento dos pontos
históricos e manifestações culturais mais significativas em Mata Cavalo, bem
como a melhor contextualização do currículo quilombola dentro e fora do
ambiente escolar.
Este último momento do processo formativo foi dividido entre duas
oficinas. Sendo a primeira para o Mapeamento Cultural do Quilombo de Mata
Cavalo e a Segunda sobre as Vivências Quilombolas e o Currículo.
77
Reuniram-se, na Escola Tereza Conceição Arruda, cerca de 80 pessoas
das seis associações que compõem o quilombo de Mata Cavalo, além dos
membros do GPEA. Durante esta etapa do processo formativo a comunidade
pode sinalizar onde encontramos os pontos históricos de seu território; quais as
manifestações culturais que consideram importantes; quem são as pessoas de
referência e quais as datas festivas importantes no calendário quilombola; além,
de refletir sobre a importância destes ‘bens culturais’ em sua história e cultura e,
assim, refletirem sobre a importância da escola e do currículo no fortalecimento
e valorização destes pontos elencados, e, desta forma, planejarem
coletivamente táticas educacionais para construir, para além de uma currículo
escolar, um currículo da vida. (Quadro de figuras 9)
Quadro de figuras 9- Processo formativo: Mapa Cultural, Escola e Currículo no quilombo Mata
Cavalo”, 2017.
Fonte: Arquivos do GPEA – Créditos da foto: Carolina Barros, 2017.
É importante destacar que as atividades do processo formativo sobre o
currículo formal, o currículo quilombola e o currículo da vida trouxe grande
contribuição para o bordado que aqui tecemos, pois, através das reflexões
78
compartilhadas durante este momentos foi possível esboçar a compreensão
sobre a qual a importância do currículo dentro desta gama de multiplicidades que
formam a comunidade de Mata Cavalo.
Durante o processo formativo os/as participantes foram divididos em
quatro grupos, cada grupo teve representantes da comunidade, dos/as
estudantes, das professoras e um/a pesquisador/a do GPEA como facilitador das
discussões utilizando o seguinte roteiro (Quadro 2):
Quadro 2 – Roteiro utilizado nos grupos de trabalho do Processo Formativo: Mapa Cultural,
Escola e Currículo no Quilombo Mata Cavalo, 2017.
PROCESSO FORMATIVO: MAPA CULTURAL, ESCOLA E
CURRÍCULO NO QUILOMBO MATA CAVALO
Dia 16/03/2017 – das 8:00h às 17:00h
Oficina 2 - As Vivências Quilombolas e o Currículo
Roteiro para os Grupos de trabalho
O que deseja uma escola do Quilombo?
Os Pontos Históricos, as Manifestações Culturais e a história das pessoas
de referência para comunidade que foram debatidos de manhã fazem
parte do currículo da escola? Vocês acham importante que a cultura
quilombola esteja presente nas ações da escola?
O que você faz para contribuir com um currículo quilombola?
O que podemos fazer, que táticas educativas podemos propor, para
fortalecer e dar visibilidade para Mata Cavalo?
Ressaltamos que esta pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil e
devidamente autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato
79
Grosso (UFMT) e través do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, o uso
das fotos e trechos das entrevistas foram autorizadas pelos participantes.
Assim, no próximo capítulo, apresentamos os resultados encontrados
durante este caminhar investigativo a respeito da escola dentro da comunidade
quilombola de Mata Cavalo, a relação deste espaço frente aos enfrentamentos
dos conflitos socioambientais vivenciados na comunidade, com destaque para o
currículo formal que hoje chega ao quilombo e o currículo para além da escola.
Trataremos, também, das considerações acerca desta pesquisa e os principais
aspectos a serem ressaltados neste caminhar pesquisador, frente as reflexões
sobre a educação, EA e o currículo dentro do quilombo.
80
81
O poeta José Carlos Limeira, escolhido para este capítulo, propõe em
seus versos manter viva as tradições preservadas pelos descendentes dos
antigos escravos, e segundo Silva25 (2018, p.01), “a poética limeiriana reconstrói
perfis identitários”, buscando por visibilidade a todos aqueles, homens e
mulheres negros/as que estiveram silenciados e fora da história oficial de nosso
país. Dentre suas escritas, escolhemos o poema “Meu sonho não faz silêncio”26,
que nos remete às lutas e as injustiças a que o povo de Mata Cavalo foi e é
submetido até hoje, embora tragam em sua história, marcas do descaso e
preconceito, os quilombolas se mantêm fortes, resistem, sonham. Sonho
quilombola de conquista e liberdade que não faz silêncio, que teimoso, desperto
e certo, mais que vivo, é a própria vida!
Assim, neste último capítulo, por meio da sociopoética nossa investigação
deixa de ser conduzida por pesquisadores isolados e passa a ser tecida por uma
rede de pesquisadores, que trabalham de forma colaborativa. “Além da
racionalidade científica, esta metodologia acolhe e nos permite trançar com
sentimentos a subjetividade e a afetividade na construção do saber” (RESENDE;
SATO, 2015, p. 79).
Trazemos as tramas, franjas, pontos e cores da história sobre o sonho da
escola no quilombo e, neste contexto, registrar a luta de um povo que resiste às
constantes violações de seus direitos para continuar vivendo onde seus
antepassados viveram.
CAPÍTULO IV – Tramas, Franjas, pontos e cores
"A educação sozinha não transforma a sociedade, Sem ela tampouco a sociedade muda."
Paulo Freire
25 Texto sobre a poética limeriana disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/28-critica-de-autores-masculinos/296-a-resistencia-dos-quilombos-na-poesia-de-jose-carlos-limeira-critica 26 Poema disponível em: http://tamboresfalantes.blogspot.com.br/2016/03/a-memoria-vida-e-obra-do-poeta-baiano.html
82
4.1 A escola na comunidade quilombola de Mata Cavalo: símbolo de
resistência e luta.
Ao conhecer a história do povo quilombola de Mata Cavalo encontramos,
dentre uma de suas principais táticas de luta, a busca por fortalecer e legitimar
seu território por meio da educação, na tentativa de romper com as restrições e
imenso descaso com que sempre foram tratados. Neste ponto, a escola dentro
da comunidade quilombola de Mata Cavalo é símbolo de resistência e luta; mais
do que paredes, livros e cadeiras, é local vivo da memória dos homens e
mulheres negros/as que enfrentaram a pressão imposta por uma sociedade
injusta e discriminatória, galgando por seus direitos e mudando sua história.
Encontramos registros nas escritas de Moreira (2017) de que esta busca,
por acesso à educação no quilombo, urge desde o ano de 1925, quando o Sr.
Antônio Mulato, pessoa de referência e o morador mais antigo do quilombo,
reivindica junto às autoridades de Nossa Senhora de Livramento, uma
professora para ensinar às 60 crianças que faziam parte do quilombo e do seu
entorno (CASTILHO, 2008; SENRA, 2009; MOREIRA 2017).
Embora, aparentemente, esta solicitação tenha sido atendida, o acesso
era restrito a somente 20 crianças brancas, escolhidas pela professora, o que
marca fortemente a presença do racismo imposto como estratégia para
enfraquecer e desarticular os quilombolas. Como registrado na fala do Sr.
Antônio Mulato em entrevista à Senra (2009), a educação escolar só era de
‘direito’ para “os filhos dos brancos, porque, ela (professora) falou que filho de
negro não podia estudar”. Com isto, os filhos dos quilombolas eram obrigados a
sair de seu território para poder estudar, mantendo distante o sonho de uma
escola para os meninos e meninas negros/as do quilombo.
Junto a este movimento de luta, na década de 30, segundo Barcelos
(2011), com a política brasileira da Marcha para o Oeste, a área do quilombo
passou a ser valorizada devido a sua favorável localização e pela descoberta de
ouro na região. Esta situação intensifica as investidas dos fazendeiros, de forma
violenta, contra os negros e negras do quilombo, marcando o início do processo
de dissolução da formação inicial de Mata Cavalo. Ampliou-se neste momento a
luta por educação e por sobrevivência.
83
Muitos quilombolas se viram forçados a sair e buscar melhores condições
de vida nas cidades próximas, mas aqueles que resistiram e se mantiveram nas
terras da Sesmaria, deixam registrada a força que tem um povo que se une e
sonha junto. Como podemos perceber na fala desta nossa co-pesquisadora:
“Muitos foram embora, era difícil ficar, faltava tudo... e tinha
o medo pela nossa vida, né? Mas meu pai era valente, enfrentava
mesmo, tinha medo não. Ele não deixava eu ir junto quando ia
falar com os fazendeiros, eu olhava de longe, mas
acompanhava. Era difícil, vote... Mas ele ensinava a gente a ser
forte!”
(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)
São estes exemplos/saberes, constituídos durante os processos de
resistência dos quilombolas que, para nós, são primordiais de serem contados,
sentidos e vividos dentro do contexto escolar. Estes são os etnoconhecimentos
que representam parte da multiplicidade desta comunidade e que, não são
encontrados nos textos científicos organizados dentro do currículo formal.
O sonho de trazer o ensino escolar para o quilombo não esmoreceu, se
manteve firme como a força deste povo, e a comunidade, na década de 1950,
tem sua primeira professora quilombola: Tereza Conceição de Arruda, filha de
Antônio Mulato. As aulas para as crianças eram ministradas no quintal de sua
casa chegando a ter cerca de 40 crianças frequentando. Embora Dona Tereza
tenha conseguido ter sua atividade remunerada pela prefeitura, não obteve
reconhecimento do Estado, marcando mais uma tentativa de fragilizar a luta
quilombola pela educação (MANFRINATE, 2011; MOREIRA, 2017; SOARES;
2018).
Quando o Estado se posiciona e não reconhece como legítimo o processo
de ensinar e aprender dentro do quilombo, obrigando D. Tereza a lecionar na
cidade, mais uma vez explicita sua ideologia excludente.
O que deveria ser um passo para fragilizar a comunidade quilombola,
serviu para que estes homens e mulheres vislumbrassem a educação como
grande potencial transgressor e revolucionário nesta luta. Compreendendo a
84
natureza política do processo educativo e o potencial de conscientização por
meio da vivência coletiva (FREIRE, 1987, MOREIRA, 2017).
Segundo Barros (2007), as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pelo
retorno de alguns membros de Mata Cavalo, representando um momento de
rearticulação e fortalecimento da comunidade. Porém, em 1980, os conflitos
entre os fazendeiros e os quilombolas se intensificam, desta forma, “a
permanência das famílias quilombolas na sesmaria Boa Vida, somente foi
possível, porque algumas pessoas compraram as terras em que moravam”
(SATO et al, 2010, p.14).
Com este movimento de desarticulação dentro do quilombo, muitos
moradores
Migraram para os grandes centros, especialmente, Várzea Grande e Cuiabá. Os que permaneceram sofreram intensamente com as opressões, violências físicas e verbais, ameaças de morte e constantes despejos promovidos pelos fazendeiros que tinham o apoio irrestrito do Estado (SATO, et al, 2010, p. 14).
No ano de 1996 uma grande mobilização política em prol dos direitos dos
trabalhadores negros rurais envolve a comunidade de Mata Cavalo em relação
ao acesso à terra. Neste mesmo ano é instituída a Associação de moradores de
Mata Cavalo e a construção coletiva Escola Municipal São Benedito.
Em meio a este cenário de intensa luta, estes três acontecimentos
marcam fortemente a histórico do quilombo e trazem força para a busca de seus
direitos e sonhos (CASTILHO, 2008; SATO et al, 2010; Barcelos, 2011).
Levantada pelas mãos dos moradores, a Escola Municipal São Benedito
funcionava com duas professoras, filha e neta de D. Tereza. Inicialmente eram
atendidas crianças em idade correspondente a educação infantil e os anos
iniciais do ensino fundamental, somente em 2006 foi possível oferecer na escola
a Educação de Jovens e Adultos (EJA) (CASTILHO, 2008; Barcelos, 2011,
MOREIRA, 2016). (Figura 10)
Toda manutenção e cuidado com a escola era de responsabilidade das
professoras, ficando a cargo da prefeitura somente o salário. “Exerciam,
portanto, as funções de professoras, administradoras, merendeiras e faxineiras,
e seus familiares eram os construtores, zeladores e responsáveis pela
manutenção física da casa-escola” (CASTILHO, 2008, p. 170).
85
Figura 10 - Escola Municipal São Benedito, Quilombo Mata Cavalo, 2005.
Fonte: Acervo GPEA, 2007.
Materializa-se, através da força coletiva, o sonho da escola dentro da
comunidade. Neste contexto de intensa investida por parte dos fazendeiros em
conjunto com o descaso do poder público, compreendemos que a luta por
educação no quilombo é também, uma luta contra a “história política de
dominação cultural” (ARROYO, 2012, p.112).
86
Figura 10- Escola São Benedito, Associação Mata Cavalo de baixo, Quilombo de Mata Cavalo,
2005.
Fonte: Acervo GPEA, 2007. Foto tirada da foto antiga apresentada pela comunidade.
Em 2002, com auxílio financeiro de uma Organização Não-
Governamental (ONG), foi construída a segunda escola do quilombo, a escola
Rosa Domingas, nas terras onde se localiza a comunidade Mutuca. (Figura 11)
O Ministério Público Estadual de Mato Grosso, no ano de 2007, recebeu
denúncias contra o funcionamento da Escola São Benedito, descrevendo as
precariedades de sua estrutura física, o que originou um decreto de interdição e
o fechamento da escola (BARCELOS, 2011; MOREIRA, 2017).
Mais uma vez a morosidade e o descaso do poder público traz
consequências aos quilombolas de Mata Cavalo. Nesta situação, o poder
público, representado pela Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso
(SEDUC), assumiu o compromisso de construir uma nova escola com estrutura
de alvenaria na comunidade de Mata Cavalo de Baixo. Enquanto a escola
prometida não ficara pronta, os/as estudantes da Escola São Benedito foram
direcionados a frequentar a Escola Rosa Domingos.
87
Figura 11- Escola Rosa Domingas, Associação Mutuca, Quilombola de Mata Cavalo.
Fonte: Acervo GPEA, 2008.
Castilho (2008, p. 174) nos esclarece que a escola Rosa Domingas,
“localiza-se na região do Mutuca, é de alvenaria, oferece boa infraestrutura: tem
quatro salas de aula, banheiro e cozinha”. No entanto, devido a
desentendimentos entre as lideranças das associações “nunca funcionou com
número expressivo de alunos, pois não é legitimada pela maioria dos moradores
do quilombo” (op. Cit.).
Após cinco anos, em 2012, o Estado entrega para a comunidade a nova
escola, que recebeu o nome da primeira professora do quilombo, falecida um
ano antes, Tereza Conceição Arruda, grande liderança junto à comunidade na
luta pela educação para os quilombolas e na permanência destes nas terras de
Mata Cavalo.
A construção da nova escola marca, na história quilombola, mais uma
conquista e passa a ser um novo território de resistência, sonhos e possibilidades
para esta comunidade.
88
Figura 12- Escola Tereza Conceição Arruda, Quilombo de Mata Cavalo, 2016.
Fonte: Acervo GPEA, 2013.
Assim, a escola Tereza conceição Arruda além de marcar historicamente
a luta quilombola, é espaço político e de fortalecimento da comunidade. Como
nos descreve a co-pesquisadora Ponto Candurinha:
“Tudo que a gente faz; se reúne, faz formação, é na escola. Ela
é muito importante, é conquista nossa,” (Ponto Candurinha, 2016, moradora do quilombo)
Pudemos perceber durante os diálogos com a
comunidade que, embora o quilombo de Mata Cavalo seja um coletivo de seis
comunidades, as marcas deixadas pelas violências sofridas, o racismo e o
descaso trazem consigo desentendimentos entre algumas lideranças e podem
enfraquecer a luta de todos pela melhoria das condições de vida do quilombo.
Neste sentido, percebemos que a escola também se apresenta como um espaço
articulador para unir seus moradores e fortalecer a resistência contra as
investidas dos grandes fazendeiros e do poder público. Pois, durante o processo
89
formativo, onde estiveram presentes representantes de quase todas as
associações, compreendemos que, quando discorrem sobre os direitos e os
sonhos que desejam para o quilombo, não há dissociação entre um grupo e
outro. Passam a ser ‘o quilombo de Mata Cavalo”. Estes pontos podem ser
percebidos nas falas de duas de nossas co-pesquisadoras:
“É um pouco complicado às vezes de reunir todas as
comunidades. Porque tem aqueles que não se dão muito, mas
eu não ligo para isto não, eu converso, eu chamo. Porque eu
entendo que a escola não é só de Mata Cavalo de Baixo, ela é
uma conquista nossa. Aqui dentro precisa ser lugar de lutar por
todos nós. Eu falo isso para os meus alunos. É importante que
os jovens também percebam isso” (Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)
“Eu quase nem venho nesta escola, também as vezes não
chamam ... mas hoje foi diferente, foi bom. Eu vou me
aproximar, também tenho coisas pra ensinar” (Ponto Atrás, 2016, moradora do quilombo)
Nesta última narrativa, registrada durante um momento descontraído do
processo formativo, pudemos perceber o quanto a educação popular, em seu
sentido de troca de saberes, permite que aqueles que participam dos momentos
de diálogo possam refletir sobre seus papéis diante da realidade que vivem e
sua importância no fortalecimento de busca por seus direitos.
Elencamos outro ponto deste bordado que traz a escola como importante
símbolo de resistência e luta; a importância do sentimento de pertencimento ao
quilombo. Conforme descreve Castilho (2008), os quilombolas de Mata Cavalo
sempre sofreram discriminação junto à população de Nossa Senhora do
Livramento, seja nas ruas, nas escolas, nos órgãos públicos, com a polícia e até
em lojas. Tratados de forma depreciativa e preconceituosa na tentativa de tornar
sua luta ilegítima. Dentre os relatos destacamos o que nos diz a Ponto
Margarida, professora do quilombo:
90
“Eu admito, eu tinha vergonha de falar que era de Mata
Cavalo... quando me perguntavam eu desconversava, falava
outra coisa. Mas a gente sofria muito, eu mesmo entrei numa
loja em Livramento uma vez e a mulher me olhando tão
desconfiada e de cara feia que eu voltei pra trás e nunca mais
voltei. Hoje não, aqui na escola a gente conversa sobre a nossa
história, fala da importância das lutas que nossos antepassados
lutaram... Agora a gente fala em orgulho e estamos tentando
que os jovens também se sintam bem aqui”. (Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)
Percebemos que, para além de espaço para aprenderem os
conhecimentos científicos, a escola dentro do quilombo traz sentido de
pertencimento, podendo ser local de valorização das histórias vivenciadas pelo
negros e negras desta terra e impulsionar a escrita de novas histórias e novos
sonhos.
É nos espaços das escolas de Mata Cavalo, durante todos estes anos,
que os quilombolas se mobilizaram, onde aconteceram formações políticas,
festas e rezas, de maneira que ao se apropriarem deste território, os quilombolas
se fortalecem e resistem para enfrentar as dificuldades impostas por nosso
contexto social de extrema injustiça. Em torno do espaço escolar
institucionalizado, outras educações foram construídas por meio de histórias e
elementos legítimos deste grupo, fomentando a aprendizagem, a participação
coletiva e o sentido crítico da escola (SENRA, 2009).
Desta forma, sob o prisma sociopoético, adentramos à comunidade de
Mata Cavalo e a Escola Tereza Conceição Arruda, no intuito de compreender
como a Educação Ambiental se apresenta neste contexto; quem são os
personagens que formam este bordado quilombola; como as diretrizes
curriculares de Mato Grosso se organizam para atender este grupo; quais os
elementos são considerados primordiais na constituição do currículo que se
deseja.
Destacamos aqui que
[...] qualquer mudança ou desenho curricular deve romper com um sistema meramente individual, exigindo que o diálogo se estabeleça para a construção de qualquer proposta educativa. É uma ruptura da estrutura “eu-mundo”, para uma complexidade do “eu-outr@- mundo”. Muito mais do que isso, traçar um currículo em educação ambiental
91
(EA), portanto, é entregar-se à liberdade, reinventando a vida. (Passos; Sato, 2002, p. 2).
Desta maneira, o que se desenha como currículo na tessitura desta
dissertação foi constituído de forma coletiva durante os processos formativos na
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, no aprender e ensinar de forma
reflexiva, onde construímos caminhos, caminhando (KAWAHARA, 2015, p.42).
Atualmente, a unidade Escolar atende cerca de 250 estudantes, divididos
entre educação infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e EJA, vinculada
a SEDUC. Sendo a única instituição de ensino escolarizado do quilombo de Mata
Cavalo.
Diferentemente dos registros encontrados sobre o total desamparo à
escola durante os períodos das casas-escolas e do funcionamento da Escola
São Benedito (CASTILHO, 2008), no tocante ao espaço físico e às políticas
públicas, nesse novo contexto, a escola do quilombo apresenta mudança
significativas e que valem ser ressaltadas.
Duas professoras que iniciaram as aulas no quilombo, entrevistadas por
Castilho (2008), descreveram, como grande problema para a aprendizagem, o
desconforto dos estudantes em relação à falta de sentido do currículo em seu
aspecto conteudista. Relatam ainda, que a solução ou caminho que
encontravam para amenizar este distanciamento, era de respeitar e acolher a
realidade local para contextualizar os conteúdos. Estas professoras criticam de
maneira incisiva o fato de que os livros já vinham pré-formatados da região
sudeste sem levar em consideração a realidade do quilombo.
Desta forma, além da mudança estrutural, as questões pedagógicas que
tanto afligiam as professoras tiveram alguns avanços.
Atualmente, as diretrizes curriculares do Estado do Mato Grosso, em
particular, as Orientações Curriculares das Diversidades Educacionais, trazem
três capítulos que tocam especificamente nas questões sobre as quais nos
debruçamos nesta dissertação. São eles: orientações curriculares para
educação das relações etnicorraciais; orientações curriculares para a educação
ambiental e, a principal delas, orientações curriculares para educação escolar
quilombola. O que possibilita que as escolas quilombolas, como a Escola
Estadual Tereza Conceição Arruda, discutam sobre suas multiplicidades dentro
do contexto escolar.
92
As práticas quilombolas, que já apresentamos anteriormente, são um
grande passo para manter presente, nas atividades educativas, toda a
diversidade e riqueza histórica do quilombo. Embora os relatos de alguns
entrevistados na escola nos digam que estas práticas precisariam ser revistas e
fortalecidas, pois, ainda são praticadas pontualmente em momentos específicos
do ano letivo como por exemplo, no dia 20 de novembro (Dia da Consciência
Negra) ou quando a escola e a comunidade se preparam para a Festa da
comunidade no final no ano letivo.
“Acho que a gente trabalha até bem com a educação
ambiental e com a cultura africana nas Práticas Quilombolas,
mas penso que é pouco... fica tudo muito pouquinho, não
tem tanto material para a gente pesquisar e acaba ficando
quase sempre nos preparativos para a feira quilombola em
novembro. Eu sinto falta das coisas de raiz africana aqui na
escola, como por exemplo falar do candomblé, aqui é difícil
falar disso, eu pratico e queria que todos pudessem conhecer
também”. (Ponto Pena, 2016, professora do quilombo)
Outro ponto elencado pelas professoras e que, durante um levantamento
avaliativo das práticas pedagógicas, foi possível perceber, é que os
planejamentos têm sido construídos de forma fragmentada, descontextualizados
da realidade dos alunos e da comunidade, o que traz ainda mais sentido para as
discussões que levantamos durante a escrita: Qual educação queremos? Qual
a importância do currículo dentro de uma comunidade quilombola? Quem são
estes sujeitos de direito que fazem parte do quilombo de Mata Cavalo? Qual
currículo se deseja e que considere as multiplicidades desta comunidade?
Desta forma, durante as entrevistas com as professoras da escola e na
leitura do Projeto Político Pedagógico (PPP) pôde-se perceber que muitas
dificuldades ainda estão presentes no cotidiano da escola, para além das
questões pedagógicas.
A luta pela posse definitiva das terras do quilombo tem sido o principal
obstáculo à implementação de políticas públicas destinadas às comunidades
remanescentes de quilombos e é motivo de perpetuação dos históricos conflitos
93
pela posse e uso da terra (PPP, 2015, p.19). O acesso à escola ainda é difícil,
os meios de transporte são insuficientes e muitas vezes inadequados, o que traz
como consequência uma grande quantidade de jovens e adultos analfabetos na
comunidade.
Pensando nestes aspectos apresentado até aqui, quando iniciamos a
tessitura desta dissertação, nos propusemos a pensar em qual EA nos apoiamos
e, diante dela, repensar o contexto da escola. Não somente a escola como
espaço físico, mas a importância política deste local; repensando quem são os
sujeitos que dão vida a ela; como os processos de aprendizagem acontecem e,
claro, qual currículo faz parte deste contexto. Pois como nos apresenta Senra:
[...] faz sentido falar de uma educação ambiental em uma comunidade quilombola, para que ela seja a ponte e/ou o alicerce para este diálogo de saberes e para a valorização de uma educação que seja própria de Mata Cavalo, ou seja, uma Educação Quilombola. Portanto, um currículo que, para além de conteúdo, inscreve-se na espiral de significações do local, de saberes. (SENRA, 2009, p.112).
Por acreditar na escola como um local repleto de possibilidades e
descobertas, trazemos o desejo de que, ao dialogarmos, as aprendizagens
permitem vivenciar o ensinar e aprender sem amarras, sem conceitos definidos
e acabados. Compreendemos que uma escola sustentável considera que o
território é o espaço que constrói as identidades, ou seja, um currículo cultural
do sujeito, da comunidade escolar (TRAJBER; SATO, 2010, p.72). Por isso,
almejamos junto aos quilombolas de Mata Cavalo, refletir táticas educativas que
possibilitem uma aprendizagem significativa por meio de um currículo dialógico
e fenomenológico, com conteúdo social e político, diferentemente dos contextos
escolares tradicionais. Fazendo assim o entrelaçar da Educação Ambiental e da
Educação Quilombola, de maneira que possibilite a todos os atores da
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo conhecerem-se, conhecerem o outro
e conhecerem o mundo que nos envolve.
Desta maneira, torna-se indissociável os conceitos de Educação e
Educação Ambiental, pois, segundo Trajber e Sato (2010), a educação ambiental
cumpre papel importante quando consideram processos de transformação
socioambientais capazes de ressignificar tempos e espaços escolares, tornando-
se necessário “reinventar a educação escolar”, oferecer espaços e tempos de
ensino e aprendizagem significativos, que desafiem as inquietudes de crianças
e jovens nos contextos sociopolíticos e culturais atuais (CANDAU, 2013, p.13).
94
Nesta perspectiva, nos momentos do processo formativo, foi possível
dialogar junto à comunidade sobre o que se entende e acredita sobre o conceito
de ambiente, sobre educação ambiental e como esta aprendizagem acontece
dentro do ambiente escolar. E, mais profundamente, refletir sobre este currículo
que chega à escola sem considerar as especificidades desta comunidade repleta
de cultura e de saberes; repleta de vida.
Esse diálogo com a comunidade permitiu a visualização da possibilidade
de uma construção coletiva do currículo que se deseja. Afinal, o currículo é uma
construção cultural, um modo de organizar práticas educativas, tendo em vista
relações significativas que envolvem poder, identidade, conhecimento,
resistência e conflito (CASTILHO, 2005, p.187). Contudo, sem a pretensão de
finalizar as dificuldades de construção de um currículo que realmente identifique
o povo quilombola, buscou-se potencializar sua percepção de identidade e
pertencimento a este território, sem deixar, em nenhum momento, o olhar crítico
e político nestes processos formativos e o reconhecimento deste território
“evidenciando seu aspecto contemporâneo, organizacional, relacional e
dinâmico [...] Ou seja, [...] o quilombo pensado como um conceito que abarca
uma experiência historicamente situada na formação social brasileira” (LEITE,
2000, p. 342).
E, para além, isto significa também repensar o próprio grupo e a sua
dinâmica - as lutas internas, seus conflitos - como uma parte viva e pulsante da
experiência de ser e estar no mundo (LEITE, 2000) onde trocamos saberes e
produzimos novas aprendizagens sob a perspectiva de promover táticas de
resistência no enfrentamento às injustiças ambientais que historicamente
sofrem. Afinal, Mata Cavalo é um espaço compartilhado de saberes e, se
lançarmos um olhar meramente ecológico jamais responderia aos seus desafios,
assim como a compreensão antropológica seria igualmente limitada. Águas,
terras, animais, lutas, matas, danças, abrigo ou desabrigo, aconchego e
proteção são palavras que compõem o mosaico da territorialidade de Mata
Cavalo, carrega em si a identidade, o pertencimento e a forma de ser e estar no
mundo dessa gente.
Assim, o trabalho é mais fecundo quando, em uma Comunidade
Aprendente, todos têm algo a ouvir e algo a dizer (BRANDÃO, 2005). E, sob esta
perspectiva, compreende-se que a Educação Ambiental deve ser uma força a
95
mais de luta política, que transpasse à superficialidade, marcada por
sentimentos profundos e atitudes fortes de busca por uma sociedade mais justa:
A EA deve ser historicamente acumulada e densamente transgressora, para que a velha racionalidade se encontre com a paixão nos seus desejos de renovação e se configurar como uma luta política, compreendida em seu nível mais poderoso de transformação: aquela que se revela em uma disputa de posições e proposições sobre o destino das sociedades. (SATO, 2004, p.14)
Sob este viés que compreende que o papel da educação ambiental não é
apenas proporcionar alicerce político pedagógico, mas ressignificar o existir
(Sato, 2009), transcrevemos os momentos formativos, com a percepção que foi
possível refletir e buscar uma educação que, vivenciada dentro do quilombo de
Mata Cavalo, seja construída sob as bases freireanas, que estabelecem uma
relação dialógica onde todos aprendem e ensinam.
Ao percebermos coletivamente a interculturalidade com a qual o quilombo
de Mata Cavalo se compõe, foi possível vislumbrar que, alheios ao âmbito
escolar, há muitos elementos e, que eles escapam, transcendem e ocorrem a
todo instante. Elementos da vida, que pertencem ao processo histórico de
aprendizagem popular, assim como os elementos do saber científico, que
corresponde a todo o acúmulo de conhecimento da qual a escola é portadora.
Por compreendermos a existência e importância destes elementos, populares e
científicos, que pulsam a todo instante no cotidiano da escola e em seu entorno
é que foi possível vislumbrar a organização de um currículo fenomenológico que
representasse o povo de Mata Cavalo.
Em nosso próximo ponto de escrita traremos as percepções registradas
durante todo o caminho investigativo, que nos levaram as reflexões sobre a
educação e o currículo sob o olhar da educação ambiental popular no quilombo
corroboradas pelas falas de nossos co-pesquisadores.
4.2 No Arremate dos fios e o preparo para novos bordados
Ao construir os capítulos anteriores desta dissertação me posicionei, ora
como pesquisadora solitária, ora como grupo pesquisador, amparada pelas
bases filosóficas da sociopoética. Porém, para este momento de escrita, utilizarei
da primeira pessoa do singular para transcrever minhas percepções e resultados
deste caminho investigativo.
96
Durante o percurso desta dissertação foi preciso me desapegar de
conceitos sobre as questões curriculares, até então, tidos como certos ao meu
pensar em currículo. Naquele momento, este conceito se restringia a
distribuições de disciplinas, organizações e métodos mantidos cuidadosamente
fechados em uma estrutura fixa que uma grade curricular traz para dentro da
escola.
Talvez, por este motivo, eu carregava o sentimento de uma escola
incompleta e limitante.
Embora trouxesse comigo o desejo de uma escola e, claro, uma educação
libertadora, minha formação como pedagoga não me permitia, ainda,
compreender a dimensão política destes dois conceitos: escola e currículo.
Foi necessário um mergulho intenso entre os momentos solitários de
leitura e os momentos coletivos de diálogo com o grupo pesquisador para
perceber que o currículo estava muito além de disciplinas organizadas e
limitadas dentro dos PCNs ou das diretrizes.
Foi preciso um “movimento de superação das amarras da modernidade
(estruturalismo, colonialismo, positivismo, marxismo, etc)” (KAWAHARA, 2015,
p. 172), e pensar coletivamente sobre uma nova dimensão de currículo para uma
escola dentro de um quilombo, uma nova maneira de bordar sentidos aos
espaços de aprendizagem dentro desta comunidade intercultural, como
possibilidades de superação do cenário curricular tradicional e hegemônico.
Neste sentido, ao conhecer a história dos quilombos no Brasil e, em
especial, o quilombo de Mata Cavalo, pude compreender a dimensão que a
educação alcança como tática de luta, representatividade e resistência dentro
deste território.
Ao trançar nesta pesquisa, educação, educação quilombola e currículo
sob o viés da educação ambiental, encontramos um espaço privilegiado para
repensar possibilidades de renovar nossa forma de compreender o meio em que
vivemos e a importância do coletivo para que seja possível superar as
imposições sociais que nos restringem.
Sob o olhar da educação popular e ambiental, pudemos sonhar, juntos,
com um currículo que contemple as múltiplas características que compõem o
quilombo. Aliando estas dimensões, compreendemos que a educação, a EA e a
97
Educação quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado de seus
múltiplos saberes, sendo possível a construção coletiva de um currículo da vida
elaborado com e pela comunidade quilombola.
Estas possibilidades se tornaram concretas quando, fortalecidos pela
compreensão da educação popular ambiental, pudemos refletir sobre o que
significava educação, educação quilombola e currículo junto aos membros da
comunidade durante os processos formativos. Trago a fala de alguns de nossos
co-pesquisadores para corroborar com esta percepção:
“Eu penso que educação é tudo, é aquilo que a gente aprende
na escola, mas é também tudo aquilo que a gente aprende
com nossos pais, nossos avós... eles sabem muita coisa, tem
muita história [...] eu penso que se é uma escola quilombola,
tem que ter coisas quilombolas dentro da escola”.
(Ponto Alinhavo, 2016, aluno do quilombo)
“Se a gente pensa em educação do jeito que a gente tá
conversando aqui, tem educação em todos os lugares, né?
Tem educação no quilombo todo”.
(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)
Através destas narrativas nos foi possível perceber também, que ao se
olharem sob a ótica da educação ambiental popular e se perceberem como
agente produtores de saberes, as multiplicidades existentes no quilombo
emergem, ligando escola, comunidade e ambiente à sua luta social.
98
Como nos expressa Ponto Cheio nesta narrativa:
“Eu vejo estes momentos de formação como muito
importante, é muito conhecimento sendo adquirido aqui. O
ponto forte que eu vejo é quando a gente houve a fala dos
professores do GPEA, a gente aprende por demais. A gente tem
conhecimento, mas eles trazem outros que sozinho a gente
não consegue”.
(Ponto Cheio, 2016, professora do quilombo)
Compreendemos que as trocas de saberes que acontecem durante os
processos formativos fortalecem as reflexões sobre os elementos culturais
existentes no quilombo e os elementos científico de responsabilidade da escola,
alertando para a importância da ligação entre eles na busca por um currículo
vivo. Desta forma foi possível perceber que, com a junção do GPEA com a
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, formando uma Comunidade
aprendente em seu sentido mais profundo, todos fomos professores e
aprendizes.
Afinal, como linha fundamental para que esta pesquisa se realizasse o
primeiro princípio da sociopoética que apresenta “a instituição – negociada entre
os parceiros - de um grupo-pesquisador, onde o conhecimento é produzido
coletiva e cooperativamente” (PETIT; GAUTHIER, 2005, p. 3) nos fez coletivo
para refletir sobre a realidade vivida pela comunidade e compreender a
importância da troca de saberes e a importância da relação que existe desde o
ano 2006 de respeito, confiabilidade, afeto e companheirismo entre GPEA e
comunidade quilombola, nos possibilitando sentir como grupo-pesquisador e,
assim, legitimar os desejos expostos na construção do currículo da vida.
Esta relação pode ser percebida durante as conversas com as pessoas
da comunidade e membros do GPEA sobre esta relação (GPEA/Quilombo de
Mata Cavalo) ao ouvirmos as seguintes palavras:
99
“Vote, é bom por demais! Regina, Michele, Déborah ... Se não
fosse eles com a gente, tudo as coisas paravam. Eles estão
sempre aqui, não deixa a gente sozinho”.
(Ponto Candurinha, 2016, moradora do quilombo)
Ou ainda, quando Nó Francês acrescenta que:
“A relação Gpea/Comunidade é muito especial. Antes de falar
desta relação eu fico imaginando lá no local onde eu trabalho
como seria quando um grupo de fora viesse pra fazer formação
e depois fosse embora. Fico imaginando como seria a reunião
de professores depois que o grupo fosse embora. Em geral, não
se tem uma boa aceitação[...] dito isso, eu vejo uma relação
muito especial, imagino que poucos grupos de pesquisa do
Brasil conseguiram uma relação tão sincera, tão transparente,
tão transformadora. Foram tantas pesquisas diferentes; com os
diferentes grupos políticos que existem alí dentro e então acho
que tem surtido muito efeito. O Gpea aprende muito com o
Quilombo; tem benefícios com o quilombo, por que realiza
suas pesquisas, mas entrega muito, muito mesmo... entrega
boas formações, entrega bons projetos, entrega bons diálogos,
entrega solidariedade. Eu acho que é uma relação muito
interessante.”
(Ponto Nó Francês, 2016, Membro do GPEA)
Esta aliança, de troca de saberes, trouxe grande contribuição para os
processos formativos e ações desenvolvidas coletivamente no Quilombo, pois,
além do cuidado com múltiplas e heterogêneas referências, observamos as
ligações entre conceitos e afetos, onde se tornou possível, como grupo-
pesquisador ir além da mera adição/junção de ideias individuais na construção
de novos pensamentos, mas sim, ser capaz de gerar “conceitos e confetos
100
polifônicos, abertos, contribuindo para a vida cognitiva e solicitando a discussão
crítica na vida social” (SATO; GAUTHIER; PARIGIPE; 2005, p.110).
Utilizo da fala do Ponto Sianinha para demonstrar este apontamento:
“Esta relação do grupo com a comunidade do quilombo nos
permite mais que pesquisar, nos permite sentir a comunidade,
nos permite ser grupo-pesquisador, ser comunidade
aprendente!”
(Ponto Sianinha, 2016, Membro do GPEA)
E, diante da fala do Ponto Sianinha, percebemos que a solidez e
amorosidade que alicerça a relação Grupo-pesquisador e Comunidade
Quilombola, faz total diferença para que os processos formativos possam de fato
ser dialógicos, reflexivos e propulsores de possíveis transformações.
Por isso o primeiro princípio da sociopoética, ‘ser grupo-pesquisador’ foi
de fundamental importância e, talvez por isso, seja apresentado por Petit e
Gauthier (2005, p.3) como a “alma da sociopoética”, aquele que une e fortalece
todos os demais princípios, e porque sem ele não poderíamos nos compreender
como tecedores desta metodologia, pois negaríamos as diversidades contidas
neste grupo e atenderíamos a lógica dominadora estabelecida entre pesquisador
e pesquisado que as demais metodologias científicas se propunham. Ser grupo-
pesquisador nos possibilitou ensinar e aprender, onde “todo grupo pode
constituir-se num grupo-sujeito, autor e ator da pesquisa, do conhecimento, da
sua vida” (op. Cit).
Ainda sob a perspectiva de grupo-pesquisador trazida pela sociopoética,
durante os processos formativos compreendemos que “os/as pesquisadores/as
acadêmicos/as são somente facilitadores, catalisadores, mediadores,
interceptores, no processo de pesquisa”, onde o grupo deve “tomar o poder” no
processo de pesquisa (PETIT ; GAUTHIER, 2005, p.4), por que pretendíamos
compreender como estes sujeitos de direito entendiam a comunidade quilombola
e quais seus desejos e sonhos para este território. Pois,
O saber adquirido na Universidade pelos/as facilitadores/as, muitas vezes, facilita a leitura dos dados produzidos pelo grupo-pesquisador,
101
no sentido de perceber as estruturas implícitas do pensamento do mesmo. Mas na nossa prática de pesquisadores, verificamos que as pessoas envolvidas no tema da pesquisa são portadoras de conhecimentos de todo tipo (intelectual, sensível, emocional, intuitivo, teórico, prático, gestual…), tanto quanto nós pesquisadores. Como nós, estão mergulhadas no caos, firmando assim a complexidade da vida. A objetividade científica constitui-se quando se encontram, no mesmo fundo caótico, estruturas diferentes, formas de complexidade divergentes. A organização de linguagens, de códigos de compreensão e comunicação a partir de dentro da experiência das energias da vida, torna possível o saber, o conhecimento. (PETIT; GAUTHIER, 2005, p.4)
Pensando na interculturalidade do quilombo, a sociopoética nos
possibilitou “interrogar as energias que são impressas nos corpos das pessoas,
nos seus afetos, nas suas crenças e nos seus saberes” e quando dialogamos e
refletimos sobre a importância da escola para os moradores da comunidade, os
relatos e lembranças trouxeram à tona a luta quilombola de mais de 100 anos; a
dolorosa lembrança de quem sofreu para conseguir sobreviver à escravidão e, a
luta atual para resistir as investidas para a expropriação de suas terras, pelo
Estado, além do sonho de fortalecer a comunidade para que os mais jovens
permaneçam.
Nesta troca, onde os mais velhos teceram as histórias de formação e
resistência do quilombo, durante as rodas de conversa foi possível que jovens e
crianças alimentassem sonhos de manter viva sua cultura. A importância desta
troca de saberes entre as gerações que compõem o quilombo, se faz presente
na narrativa de uma de suas professoras:
“Estes processos formativos são muito bons, movimentam a
comunidade. O que eu acho que foi a parte mais importante
das oficinas foi o momento em que os mais velhos explicavam
para os mais novos as coisas da história da comunidade. Porque
se eles não contam, nossos jovens vão perdendo esta história, a
gente que é adulto às vezes perde, imagina eles que nem
passaram pelo que a gente passou. Eu fiquei emocionada de ver
os jovens ouvindo os velhos, parados ouvindo e depois
perguntando.... foi bonito de ver ”.
(Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)
102
Estas percepções de trocas de saberes nos permite como grupo
pesquisador fazer uma ciência que possibilita sentir as “marcas do passado,
mesmo quando são tão intimas ou tão presentes em toda atividade, que as
pessoas não as percebem mais”, sem as quais “é impossível entender as
experiências de vida das pessoas, seus saberes e não-saberes” (PETIT;
GAUTHIER, 2005, p.4), transcendendo os limites do pesquisador acadêmico.
Durante os momentos da pesquisa, pudemos dialogar sobre as
experiências da “vida popular” e seus elementos culturais, e com o auxílio dos
facilitadores refletir sobre as intensas relações de poder e resistência existentes
dentro do quilombo hoje.
Refletir coletivamente estes percalços que os quilombolas enfrentam,
como: a luta pela terra, os problemas com a distribuição da água, as dificuldades
para acessar as políticas públicas de moradia e saúde, transporte escolar, etc,
contribui para “favorecer a participação das culturas de resistência” (PETIT;
GAUTHIER, 2005, p. 5). Pois, ao fazem os registros destes conflitos a
comunidade se posiciona na busca de táticas de resistência diante destas
investidas. Desta forma, pensar sobre a educação e o currículo que os
represente passa a ser um símbolo de resistência, no que tange a busca por
uma educação reflexiva e crítica.
A riqueza do estar junto, dialogar e refletir sobre as vivências deste grupo
de homens e mulheres que resistem dentro do quilombo de Mata Cavalo é poder
sentir que mesmo diante de tantas dificuldades, algumas delas até internas,
quando convidamos para o processo formativo do mapeamento cultural e
currículo, estiveram conosco quase 80 pessoas, representantes e lideranças de
5 das 6 associações que se dividem o complexo quilombola.
Sob esta perspectiva, como grupo-pesquisador que mergulha nas escritas
de Paulo Freire em busca de uma educação popular, ética, política e
transformadora em todos os sentidos, utilizamos da sociopoética por nos permitir
uma “ciência sensível” que traz como energia vital “o sensível, o emocional, o
intuitivo” como modos de sentir e conhecer o mundo, lutando “contra a imposição
cultural e em favor da colaboração, da cooperação” (PETIT; GAUTHIER, 2005,
p. 5).
Neste sentido, pensar um currículo junto à comunidade quilombola é
pensar um currículo intencionalmente político, um currículo como fonte de poder,
103
que possa transpor as estratégias de dominação e controle de nosso sistema
educacional hierárquico e seletista. Pois, como nos apresenta Ponto Haste:
“Quando a gente fala de currículo, geralmente pensa nas
disciplinas: matemática, ciências... Mas se a gente pensar que a
gente aprende não só com as disciplinas, para ser um currículo
de verdade tem que ter as coisas quilombolas. Falar da história
do quilombo, mostrar sua luta, trazer de volta as danças e os
costumes que tão se perdendo”.
(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)
Embora, hoje a escola tenha documentos estaduais que direcionam e
orientam as práticas pedagógicas para uma escola quilombola, é importante
ressaltar que estas escolhas metodológicas não foram construídas com e pela
comunidade, desconsiderando assim os saberes populares desta comunidade
intercultural. Pois, como nos apresenta Petit e Gauthier (2005, p. 7):
[...] as culturas de resistência, por exemplo, negras e indígenas, valorizam o sentido espiritual da vida, portanto dos saberes e das aprendizagens incluídos nas nossas práticas, interligadas com a Mãe-Terra, as plantas, as energias espirituais, os antepassados. Numa visão intercultural, é importante não ignorar esses valores, que não são somente características dos povos que foram colonizados pelas potências européias, mas que possuem um sentido universal na nossa interrogação da condição humana e na nossa luta cotidiana para firmar nosso desejo autogestionário.
Desta maneira compreendemos que a comunidade quilombola já percebe
a importância de fortalecer a educação dentro do quilombo com a possibilidade
da construção coletiva de um currículo que evidencie seus elementos culturais e
fortaleça sua luta por legitimar seu território. Podemos verificar estes
apontamentos nas narrativas que vamos transcrever abaixo:
104
“É bonito de ver tudo este povo dentro da escola, conversando
sobre nossas coisas... a escola é nossa, conquistamos este
território e agora tem usar da educação pra manter o que é
nosso. Deixa a gente feliz quando a história, as pessoas mais
velhas e nossos costumes são trazidos como importantes nestas
conversas”.
(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)
“Para ser nosso currículo, um currículo quilombola de verdade
temos que fazer mais atividades na escola, trazer a comunidade,
ensinar os costumes”.
(Ponto Alinhavo, 2016, estudante do quilombo)
“Acho que a gente pode escrever tudo que a gente trouxe
como importante nas discussões hoje de manhã sobre a nossa
cultura pra dentro do currículo. Fazer mais coisas do que só a
feira final de ano”.
(Ponto Caseado, 2016, professora do quilombo)
Amparados pela teoria curricular pós crítica (Silva, 2013; Kawahara, 2015)
percebemos a possibilidade de que as aprendizagens transpassam os muros da
escola, levando em consideração os elementos da vida social e locais em que
eles circulam, formando assim novos espaços educativos.
Por isso pensar em um currículo, em sua amplitude de conceito, junto à
comunidade quilombola, é movimento de luta e resistência, é ser rebelde dentro
de um sistema que nos quer calados.
Portanto, sob o olhar da educação popular, é ter a possibilidade de fazer
valer todos os “Nós” que fazem parte da sociedade e para além disso, uma tática
de resistência que possa desatar os “nós” desta educação ainda marcada pelo
exclusão e privilégios.
105
Nesta perspectiva fenomenológica do currículo faz-se importante
trazemos dois aspectos que são fundamentais para a discussão da Educação
Ambiental pós crítica:
Primeiramente, a inclusão do saber das comunidades tradicionais como conhecimento legítimo, sem fazer distinção hierarquizadora da cultura popular e erudita, recuperando a relação dialética do eu-outro-mundo e não apenas do eu-outro, restaurando a importância da relação da natureza-cultura, do saber e fazer com o meio em que se vive. Segundo, a possibilidade do reinventar curricular, extrapolando os muros escolares, considerando os espaços educativos do cotidiano, valorizando e trazendo a discussão curricular criativa e amorosa para o âmbito da educação ambiental não escolar (KAWAHARA, 2015, p.180)
Mato grosso tem hoje como documento de grande valia as orientações
curriculares que trazem três de seus capítulos que vale ressaltar, EA, relações
étnicorraciais e educação quilombola, o que é uma grande conquista. As
pessoas que estiveram à frente da escrita desses documentos marcam avanço
na luta por a sociedade mais justa. Dos anos 20 até a escrita desses documentos
as instituições de ensino em sua grande maioria segregou, excluiu e escolheu
aqueles que teriam direito a educação. Foi preciso muito luta para chegar nesta
conquista, não podemos negar. É relevante no processo onde se busca
legitimação de políticas públicas para o quilombo, mas ainda não o suficiente
para representar a multiplicidade destas comunidades. É preciso ir adiante,
buscar, para além destas amarras institucionais, um currículo da vida construído
com e pela comunidade quilombola e dar vida ao sonho de educação almejado
por Seu Antônio Mulato. O que legitima todos apontamentos levantados durante
o processo formativo acima transcrito.
Um currículo da vida dentro do quilombo é sinônimo de poder e é sinônimo
de coragem. É acreditar que quando dizemos “aqui estamos nós” temos força
para seguir e buscar mudanças, transformações. Como nos narra Ponto
Caseado:
“Antes a gente lutava com a força, agora a gente vai lutar é
com o conhecimento”.
(Ponto Caseado, 2016, professora do quilombo)
106
A escola mantém viva a esperança e a luta dos mais velhos e alimenta os
sonhos dos jovens que estão crescendo junto à comunidade. Como podemos
perceber nas seguintes narrativas:
“Os tempos já foram mais difíceis, tenho fé que logo a gente
tem ainda mais possibilidade aqui dentro, trabalho, a água ...
Mas conquistamos tanta coisa, igual a escola mesmo, tá aí para
todo mundo ver ... continuamos na luta”.
(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)
“Agora que a gente tem estudado, tem visto a importância da
gente conhecer as coisas pra lutar pelos nossos direitos. Antes
eu pensava em estudar e ir embora, buscar melhoria. Agora eu
quero estudar, quero fazer mestrado, mas é pra aprender mais
e vir fazer diferença aqui na comunidade. [...] Isso também tem
mudado na visão dos jovens, a gente fala pra eles da
importância deles estudarem e cuidarem do nosso lugar”.
(Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)
“Sabe que ter o GPEA com a gente aqui na escola além de todo
conhecimento que a gente aprende, eles nos mostram outras
possibilidades, eles fazem os jovens perceberem que podem ir
pra universidade. Mostram que a universidade também é
nossa”.
(Ponto Cheio, 2016, professora do quilombo)
Desta forma, ao pensarmos o quilombo como uma organização política
(LEITE, 2000, p. 338), é preciso também pensar que a organização de um
currículo também precisa ser política, e se organizar ponderando as diversidades
que englobam esta gente que luta e busca forças para se manter e resistir dentro
do quilombo. Por isso, nos baseamos nos princípios da educação popular, que
atribui liberdade aos povos e às histórias contadas por eles, valorizando seus
107
saberes e conferindo autonomia em multiplicá-los, para além do espaço
escolares (BRANDÃO, 1984).
Assim, como construção coletiva deste currículo que se sonha para o
quilombo de Mata Cavalo, durante o processo formativo “Mapeamento Cultural
e Currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, foram elencados e
apresentados para o coletivo elementos importantes da vivência quilombola que
são imprescindíveis para compor um currículo vivo, um currículo que entrelace
os saberes populares e científicos de uma viva escola quilombola.
Estes elementos foram organizados pela pesquisadora com a
preocupação de não fugir dos anseios dos membros quilombolas e organizados
em forma de espiral com o intuito de demonstrar que nenhum destes elementos
se faz sozinho durante os processos educativos, mas, são linhas que se cruzam
e se complementam no desejo de dar forma a um currículo de vivo e vivido dentro
do quilombo de Mata Cavalo. (Figura 13)
Figura 13 - Currículo da Vida da Escola Tereza Conceição Arruda, Comunidade Quilombola de
Mata Cavalo.
108
Fonte: Informações levantadas durante o processo formativo “Mapeamento Cultural e currículo
na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”. Organizado pela autora, 2017. Arte: Cristiane
Almeida Soares.
É importante ressaltar que esta organização dos conceitos selecionados
pelos quilombolas como importante para compor o currículo, como elementos
sociais e científicos, não são palavras estáticas e definidas, são linhas da
vivência quilombola que podem ser redefinidas sempre que acharem importante.
Esta imagem que aqui se constitui como Currículo da vida é, para nós
pesquisadores, o maior exemplo da concretização do que buscamos de
109
educação popular ambiental. Foi possível refletir sobre a realidade do quilombo
e aprender de maneira dialógica, compreendendo que:
A educação popular não é uma atividade pedagógica para, mas um trabalho coletivo em si mesmo, ou seja, é o momento em que a vivência do saber compartilhado cria a experiência do poder compartilhado [...] a educação popular é um fim em si mesma. É uma prática de pensar a prática e é uma das situações variadamente estruturadas de produção de um conhecimento coletivo popular, mesmo que ninguém saia alfabetizado dela (BRANDÃO,1984, p. 50-51).
Além dos conhecimentos elencados pela comunidade para compor o
currículo da vida, também chamado pelos quilombolas de ‘currículo quilombola,
a comunidade decidiu elencar possibilidades de atividades para serem
desenvolvidas (Figura 14), que aqui chamamos de táticas27 educativas, para que
estes conhecimentos pudessem se fazer presente dentro do espaço da escola.
Ressaltamos que ao elencarem estas táticas foi possível perceber que os
quilombolas não pensaram só em professores e alunos para realizarem os
processos educativos, conseguiram compreender que para que este currículo
seja realmente vivo, todos os personagens desta comunidade precisam estar
presentes, no processo de ensinar e aprender. Podemos perceber isso quando
transcrevemos a narrativa de Ponto Haste e também ao explicar a escolha
detalhada de cada uma das táticas logo abaixo.
“Tem tanta gente que sabe tanta coisa nas comunidades aqui
dentro do quilombo, vamos pensar em muitas atividades,
vamos ver quem vai nos ensinar sobre as o siriri... Vai ser uma
riqueza só isto tudo aqui na escola”.
(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)
27 Em nossa pesquisa não utilizamos o conceito de estratégia, definida por Certeau (1998, p. 98) como “o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (empresa, exército, cidade, instituição científica) pode se isolar”. Optamos pelo conceito de tática descrita pelo mesmo autor, onde “a tática, é a arte do fraco que de dentro do campo de visão do inimigo se aproveita das fendas, das brechas e dos espaços que se encontram no seio das estratégias dominantes para prever saídas” (CERTEAU, 1998, p. 100). Nesta perspectiva de busca e luta por formas coletivas de ações de enfrentamento diante das adversidades sociais vivenciados pela Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, as táticas, acrescentam grande relevância, possibilitando a organização, união, mobilização e participação do coletivo para elencar elementos/ações de resistência dentro de sua realidade e que permitam a permanência deste grupo em seu território e a construção de um currículo que os represente.
110
Figura 14 – Possibilidades e táticas educativas, descritas durante as oficinas do processo
formativo “Mapeamento Cultural e Currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, 2017.
Fonte: Produzido pela autora, 2017. Informações levantadas pela pesquisa em entrevistas e
oficinas.
Cada uma das táticas educativas elencadas surge durante as reflexões
sobre o contexto histórico do quilombo de Mata cavalo e o currículo da vida,
assim, traz consigo um universo de sentimentos e intencionalidades que
descreveremos seguindo nossas percepções.
O quilombo tem hoje um grupo de dança Afro denominado ‘Hop
Quilombola’, que significa Esperança. Segundo SOARES (2018, p. 151), este
grupo tem “características específicas próprias de uma concepção gerida por
esta associação, que difere das demais que praticam a Dança Afro”. O Hop
Quilombola, formado por alunos da Escola Tereza Conceição Arruda e pela
professora Lucilene Pinho, busca nas raízes africanas a inspiração para a
escolha de suas músicas, coreografias e vestimentas. Os quilombolas
apresentam o grupo de dança afro como um de seus importantes elementos
culturais e por isso trouxeram como uma de suas táticas o seu fortalecimento.
Esta escolha fez surgir o desejo da volta da dança do Siriri no quilombo,
sendo apontado como uma das táticas a ser planejada. Importante fazer
referência a fala do Ponto Rococó:
111
“O meu sonho é ter um grupo de dança de siriri com as
crianças, quem sabe desta vez dá certo... eu até já pensei no
projeto”.
(Ponto Rococó, 2016, professora do quilombo)
Em resposta a esta expressão da professora uma moradora da
associação Mutuca se pronunciou dizendo que sabe dançar o Siriri e que se
fosse convidada poderia ajudar a ensinar as crianças.
Durante os diálogos o desejo de fortalecer a história do quilombo se fez
presente em todos os grupos de trabalho, por isso a escolha de reviver as danças
que não estão mais presentes na comunidade como o Siriri e também a
Capoeira; proporcionar momentos de Contação de História e Rodas de conversa
entre os moradores mais antigos e os alunos da escola e Conhecer o cultivo e
tratamento utilizando os chás e à partir disso confeccionar um livros como
resultado desta pesquisa para servir de acervo da comunidade.
Outros pontos que foram adicionados à lista, é o Fortalecimento da Feira
Cultural Quilombola que acontece no mês de novembro e o Entrelaçar das
disciplinas do currículo formal com os demais conhecimentos quilombolas.
Estas táticas representam o desejo de que os elementos que foram
bordados como imprescindíveis no currículo da vida se façam presentes, deem
vida e visibilidade as ações do quilombo.
E assim compreender que “os currículos organizam conhecimentos,
culturas, valores, artes a que todo ser humano tem direito. (ARROYO, 2007, p.
9). Um currículo da vida está repleto de todo sentimento, poder e sonhos de uma
comunidade que o sonhou. Este currículo da vida aqui apresentado é o
“Currículo da Vida da Comunidade de ata Cavalo”.
112
113
A escolha da Oração da causa negra28, escrita por Dom Pedro
Casaldáliga, não foi ao acaso. Neste momento que nossas escritas começam a
finalizar, pensamos especialmente em nossos companheiros do quilombo Mata
Cavalo, que compartilharam conosco esta caminhada. Vislumbramos suas
histórias, suas lutas, suas conquistas e seus sonhos. Tomamos emprestados os
versos desta oração para registrar nosso pedido a Deus para que conceda,
mesmo diante de todas as injustiças que ainda sofrem, “a perseverante lucidez
de seus ancestrais e a teimosa resistência de seus lutadores e mártires, para
conquistarem plenamente seus direitos como pessoas e como Povo”.
Considerações sobre a Tessitura do Bordado
A gente tem que lutar para tornar possível o que ainda não é possível. Isso faz parte da tarefa histórica de Redesenhar e
reconstruir o mundo. Paulo Freire
Escrevo assim as linhas que correspondem ao arremate deste
bordado/pesquisa, não com a intenção de expor conclusões fixas e acabadas,
mas com o intuito de compartilhar, com quem mais assim desejar, nossas
percepções sobre este caminhar investigativo realizado com a união GPEA /
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.
Me permito relembrar todos os momentos vividos durante este percurso e
percebo que nossa escolha metodológica foi de primordial importância para que
estas reflexões pudessem emergir e chegássemos até aqui. Pesquisar junto ao
GPEA me permitiu ser autônoma e pesquisadora solitária quando foi preciso,
mas, acolheu, acompanhou e me fortaleceu epistemologicamente nos instantes
que a caminhada se fez árdua. Este grupo, que carrega em suas lutas cotidianas
a esperança de que a sociedade desejada seja democraticamente construída,
ambientalmente responsável e socialmente justa (SATO; CARVALHO, 2005, p.
97), me permitiu utilizar da sociopoética em seu significado mais profundo.
28 Poema escrito pelo poeta e bispo espanhol Dom Pedro Casaldáliga, In: Orações da Caminhada. Campinas: Verus (2005:97). Disponível em: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=268546
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Mais do que buscar resultados e coletar dados, o grupo pesquisador
possibilitou o sentir com o corpo todo, ao adentrar a comunidade quilombola e
perceber seus anseios, angústias, sonhos e lutas, expressos em cada momento
formativo, cada conversa, cada sorriso ou troca de olhares marejados. O sentir
sociopoético e fenomenológico me permitiu conhecer um povo, que embora
sofra imensas injustiças sociais, encontra, no coletivo, forças para resistir e lutar.
Assim, me permitiu ainda, compreender a importância do escola dentro de uma
comunidade tradicional, que enfrenta constantes lutas para manter viva sua
história e seu território.
Com o objetivo de compreender qual a importância do currículo no
contexto de uma escola quilombola, tecemos a escrita desta dissertação com os
olhos e sentidos atentos à educação e ao currículo na Comunidade Quilombola
de Mata Cavalo, refletindo sobre a importância da construção coletiva de saberes
desta Comunidade Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental
como linha fundamental na trama escola e comunidade.
Ao conhecer a história do povo quilombola de Mata Cavalo encontramos,
dentre uma de suas principais táticas de luta, a busca por fortalecer e legitimar
seu território por meio da educação, na tentativa de romper com as restrições e
imenso descaso com que sempre foram tratados.
Dentro da comunidade quilombola de Mata Cavalo, a escola é símbolo de
resistência e luta. Mais do que paredes, livros e cadeiras, é local vivo da memória
dos homens e mulheres negros/as que enfrentaram a pressão imposta por uma
sociedade injusta e discriminatória, galgando por seus direitos e mudando sua
história.
Diante desta perspectiva de educação, com seus sujeitos e suas relações
e a contribuição para a reflexão sobre os momentos de aprendizagem e os
saberes populares, pode-se então acreditar em uma aprendizagem que viva de
“maneira persistente em incontáveis relações face-a-face, pessoa-a-pessoa,
grupo-a-grupo, rede-a-rede e vida-a-vida” (BRANDÃO, 2005, p.23), aliando os
conhecimentos científicos aos saberes populares.
Nesta perspectiva, a educação ambiental assume um papel
essencialmente político, de reflexão sobre a formação histórica e social do
quilombo. Agindo como linha fundamental para o enfrentamento das dificuldades
115
vivenciadas pela comunidade nos dias atuais e na busca pelo fortalecimento e
visibilidade deste povo, através da construção coletiva de um currículo da vida.
Cabe aqui ressaltar que foi possível, ao analisar cada linha e cada ponto
da tessitura desta escrita, compreender o poder que a educação e o currículo
representam em uma comunidade como a de Mata Cavalo, pois, possibilita que
todos os membros deste grupo reflitam sobre seu papel diante das
transformações sociais que almejam.
Elencar, junto aos quilombolas de Mata Cavalo, os elementos que fazem
parte de sua cultura, de sua história e de sua vivência para compor o currículo
que eles desejam dentro da escola Tereza Conceição Arruda, traz, também, o
sentimento de uma educação com força de mudança e libertação. Momento em
que se pôde escolher de forma coletiva tudo que os representa na construção
de um currículo vivo.
Vejo a grandeza da Educação Ambiental Popular quando digo que
compreendo este grupo como Comunidade Aprendente, onde trocamos saberes,
dialogamos, sentimos uns aos outros. Não cabe dentro deste grupo-
pesquisador, superioridade ao ensinar. Trançamos coletivamente um bordado
onde aprendemos juntos.
A construção deste currículo da vida significa considerar toda a
interculturalidade existente no quilombo, materializando sua cultura e seus
saberes como uma forma de lutar e resistir diante de um sistema excludente e
cheio de intencionalidade, que ainda hoje os ignora.
Ao desenhar o currículo da vida, abre-se um leque de possibilidade para
novas ações a serem desenvolvidas dentro do quilombo; novos projetos, novos
sonhos, com a força das mãos e linhas de sua história.
Assim, pudemos perceber, durante a trajetória aqui descrita, que o
entrelaçamento da Educação Quilombola e da Educação Ambiental pelo
bordado das Escolas Sustentáveis, traz o desenho do EU-CURRÍCULO (os
saberes e fazeres das pessoas) com o OUTRO-GESTÃO (as relações culturais/
etnografia local) e o emaranhado com o MUNDO-ESPAÇO (a luta territorial),
formando um currículo da vida fenomenológico e, portanto, pós-crítico. Um
currículo que trabalha a questão da cultura, da interculturalidade e identidade,
sem deixar de lado a luta quilombola, que é também territorial e, assim, uma luta
ambiental.
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A certeza que temos, ao traçar os últimos pontos deste bordado/pesquisa,
é a de que precisamos nos envolver na busca constante e infinita por manter
viva a história do povo quilombola, para manter os conhecimentos aprendidos
neste percurso, pulsando em nós e engajando outros. Incentivando, assim, o agir
de todos por uma sociedade mais justa.
29
29 Imagem disponível em: http://ludmilasaharovsky.com/2016/02/bordar-bordar.html
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