Entrevista Com Marilena Chaui

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  • 8/16/2019 Entrevista Com Marilena Chaui

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    Mea philosophia

    13/03/1999

    Mea philosophia - Marilena Chaui e Bento Prado Jr. dialogam sobre a filosofia de Espinosa -BENTO PRADO JR .em bree estar! " disposi#$o dos leitores o noo liro de Marilena Chauisobre Espinosa. % Jornal de &esenhas prop's-me a tarefa de apresent!-lo ao p(bli)o apoiado naia o* da autora.Com a entreista+ )remos+ fi)a )lara a estrutura da obra+ destinada a tr,s p(bli)os diferentes+ e a ne)essidade de sua etens$o. es)obrimos tambm seu lugar na tradi#$odos estudos espinosanos no Brasil+ a partir da obra inaugural de nosso mestre )omum+ io2eieira. ssim )omo podemos islumbrar a singularidade da leitura proposta por Marilena+ no4ue tem de )omum e no 4ue se afasta de empresas )ontempor5neas )omo as de 6illes eleu*e+ntonio 7egri+ Etienne Balibar e leandre Matheron. pr8pria idia de nerura do real es)lare)ida+ mostrando o alo (ltimo do trabalho.lm do mais+ a entreista restitui o pra*er da)onersa#$o+ )ada e* mais raro+ mas 4ue tem a er essen)ialmente )om a filosofia+ desde seu

    nas)imento.:Bento Prado Jr. - ; not8rio 4ue seu liro muito longo. Pergunto+ ent$o+ pela ra*$o dessaetens$o. uando pensei esse liro+ eu o inseri numa srie 4ue inauguraria uma bibliote)a espinosana brasileira e seria )onstituda pela publi)a#$o do liro de io 2eieira?deeria ter sido o primeiro da srie+ o 4ue n$o foi possel@+ seguido do meu e dos de dois)olegas do &io+ ia eA e Mar)os 6lei*er.Como a inten#$o da srie formadora e informadora+

    meu liro se dirige a tr,s p(bli)os diferentes e+ por isso+ etenso. irige-se a um p(bli)o 4uen$o )onhe)e hist8ria da filosofia nem Espinosa+ mas ! ouiu falar dele e poderia ter interesse emler sobre esse )urioso fil8sofo. Para esse p(bli)o foi pre)iso ofere)er muita informa#$o sobrehist8ria da filosofia+ Espinosa e a Europa do s)ulo 1. D! um segundo p(bli)o+ 4ue )onhe)e ahist8ria da filosofia+ mas n$o est! familiari*ado )om Espinosa. Para esse foi ne)ess!rio mostrarsua inser#$o nas tradi#es filos8fi)as udai)as+ )rist$s+ antigas+ medieais e modernas+ de modo4ue fi)asse )laro por onde passa a subers$o espinosana. E o ter)eiro p(bli)o o dosespe)ialistas+ para os 4uais fi)a )lara imediatamente 4ual minha interpreta#$o+ )ontra 4uais e afaor de 4uais eu me )olo)o. Fe tiesse es)rito s8 para esse p(bli)o+ o liro )ertamente seria bemmenor.D! mais duas ra*es para a etens$o do liro. primeira a maneira )omo entendo otrabalho em hist8ria da filosofia+ isto + mostrando 4ue uma filosofia interroga a eperi,n)ia deseu tempo+ )onstituda por essa eperi,n)ia e tambm )onstitutia dela+ de sorte 4ue a hist8rian$o um mero )onteto eterno " obra+ e sim 4ue ela pre)isa emergir da pr8pria obra+es)lare)endo-se nela e a es)lare)endo tambm. hist8ria da Dolanda+ a hist8ria do pensamento udai)o+ a hist8ria da modernidade filos8fi)a parti)ipam da )onstitui#$o da obra de Espinosa eessas informa#es tieram 4ue ser dadas para 4ue fi)asse )laro para o leitor 4ue a rela#$o entreobra e hist8ria interna. segunda ra*$o o estilo de Espinosa. 2rata-se de um autoretremamente )on)iso. Fua obra magna+ a ;ti)a+ tem )em p!ginasG Com e)e#$o do 2ratado2eol8gi)o-Polti)o+ suas demais obras s$o )urtas. Esse la)onismo obriga seu )omentador a

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    mergulhar na erudi#$o e na filologia para poder epli)itar o impl)ito. e todo modo+ n$o estouso*inha em etens$o tetual. % )oment!rio de Martial 6uroult " parte primeira da ;ti)a gastaH9I p!ginas para analisar 30 de Espinosa. ia de regra+ os liros sobre Espinosa tendem a serlongos+ por4ue o intrprete pre)isa epli)itar tetos de elegante )on)is$o+ fina ironia e profundidade+ a)eitando um ditado 4ue olta e meia Espinosa men)ionaK Para bom entendedor+

    meia palara basta.Prado Jr. - J! 4ue+ )omo Espinosa+ o), )ome#a in media res+ dispensando uma introdu#$odid!ti)a+ 4uero perguntar-lhe 4uais s$o as etapas de seu liro e 4ual seu alo final. Fobretudo por4ue n$o )onhe)emos a segunda parte ou o desfe)ho do trabalho.

    Chaui - inten#$o do liro dupla. Ergue-se )ontra a tradi#$o interpretatia 4ue de)lara 4uenuma filosofia da iman,n)ia ?isto + da eist,n)ia de uma (ni)a subst5n)ia no unierso@ n$o podehaer seres singulares reais e 4ue tambm de)lara 4ue+ numa filosofia 4ue afirma a ne)essidadeabsoluta das )ausas e leis da realidade e 4ue e)lui a idia de lire-arbtrio+ n$o pode haerliberdade+ uma e* 4ue esta eige a eist,n)ia do )ontingente e do possel+ e da ontade 4ue

    es)olhe.Minha tarefa + primeiro+ mostrar )omo a iman,n)ia de eus " nature*a ou a eist,n)iade uma (ni)a subst5n)ia no unierso a )ondi#$o para haer seres singulares reaisL e+ emseguida+ mostrar )omo se d! a )onstru#$o da )on)ep#$o udai)o-)rist$ da liberdade a partir daimagem da a#$o diina )omo uma a#$o olunt!ria )ontingente e da a#$o humana )omo a#$oolunt!ria )ontingente+ )onstru#$o 4ue produ* uma oposi#$o entre ne)essidade e liberdadeL e+ por fim+ depois de mostrar )omo se d! a oposi#$o imagin!ria entre liberdade e ne)essidade e aarti)ula#$o imagin!ria entre ontade e liberdade+ mostrar )omo Espinosa des)onstr8i esseimagin!rio e )omo somente em sua filosofia ganham sentido as idias de liberdades diina ehumana.% tlos do liro depende do eio " olta do 4ual eamino as teses espinosanas+mostrando 4ue a filosofia de Espinosa reali*a uma subers$o filos8fi)a sem pre)edentes por4ue a elabora#$o rigorosa e sem falhas do 4ue )hamo de ontologia do ne)ess!rio. 2rata-se de umasubers$o+ por4ue a teologia udai)o-)rist$+ a metafsi)a moderna e a ontologia )ontempor5neas$o dimenses e etapas da )onstru#$o do pensamento o)idental hegem'ni)o+ isto + a ontologiado possel+ inteiramente re)usada e )riti)ada por Espinosa.Passo agora " 4uest$o da ar4uiteturado liro.Ele est! estruturado para mostrar )omo )onstruda a ontologia do ne)ess!rio e+ portanto+ )entrado no )on)eito de iman,n)ia e de uni)idade substan)ial. sso feito sob a formade um di!logo )onflituoso de Espinosa )om a tradi#$o filos8fi)a+ 4ue ai sendo demolida.2rabalho )om a idia da obra )omo um pensamento 4ue se reali*a em dois registros simult5neosK)omo )ontradis)urso 4ue demole o institudo e )omo dis)urso 4ue labora um pensamento noo.

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    Prado Jr. - Posso interromp,-la= &e)ordo-me da primeira pergunta 4ue lhe fi* em seu )on)urso para professora titularK apoiado na distin#$o tradi)ional entre marismo+ marologia+marianismo+ perguntei se o), se )onsideraa espinosista+ espinosana ou espinos8loga.

    Chaui - 7esse liro uso o seguinte li)oK espinosano+ espinosana+ espinosista e espinosismo.

    Espinosano e espinosana se referem ao dis)urso e ao pensamento de Espinosa. Espinosista serefere "s interpreta#es referentes a Espinosa. E espinosismo se refere " suposi#$o de 4ue eistauma doutrina de Espinosa. Espinosista e espinosismo s$o usados em sentido peoratio+Espinosano e espinosana )om sentido afirmatio. li!s+ essa distin#$o em da4uela pergunta 4ueo), me fe*.Constru#$o do EspinosismoK )om isso pretendo mostrar )omo foi produ*ida umaimagem do fil8sofo e de sua obra+ imagem 4ue foi uma interpreta#$o ini)ial de onde proieramtodas as subse4uentes. Pro)uro mostrar 4ue a produ#$o da imagem do espinosismo se ini)ia )omEspinosa ainda io e+ para isso+ eamino as )artas anteriores " es)rita da ;ti)a. %s)orrespondentes holandeses de Espinosa+ ao lerem essas duas primeiras obras numa )hae )rist$+se es)andali*aram+ dando in)io ao esbo#o da figura do fil8sofo )omo fatalista e ateu+ mastambm+ e )ontraditoriamente+ )omo entusiasta ?portanto+ um msti)o@. seguir+ mostro )omo

    essa imagem se )onsolida ap8s a morte de Espinosa+ 4uando publi)ada a ;ti)a. Eamino area#$o dos fil8sofos Neibni*+ DenrA More e Malebran)heN e+ depois+ o teto da4uele 4ue d!origem " tradi#$o interpretatia 4ue ai do s)ulo 1 at nossos dias+ o erbete Espinosa+ doi)ion!rio de Pierre BaAle. esse erbete pro,m as interpreta#es leibni*iana+ da lustra#$o+hegeliana+ Oantiana+ ou sea+ a fortuna )rti)a da obra de Espinosa n$o nas)e da leitura dessa obra+mas da leitura do erbete de BaAle.

    Prado Jr. - Posso interromp,-la mais uma e*= figura do fatalista+ essa epress$o pol,mi)ae insultuosa+ essen)ialmente antiespinosista. Mas+ 4uando iderot es)ree Ja)4ues le ataliste+n$o assume ele o )ontr!rio= lgo )omo a boa fa)e do fatalismo=

    Chaui - Fim. situa#$o do s)ulo 1I )uriosa. obra de Espinosa ai sus)itar um fas)niomuito grande+ pois responde ao materialismo do perodo+ ao mesmo tempo em 4ue em )om o peso de uma tradi#$o interpretatia ! )onstituda. 7$o h! nenhum autor do s)ulo 1I 4ue n$o sedefina )om rela#$o a Espinosa por4ue ele a atra#$o e a repulsa m!imas+ em grande parte produ*idas pelo erbete de BaAle. Esse erbete )ompli)adssimo+ por4ue uma fina pe#a deret8ri)a udi)i!ria na 4ual montado um pro)esso )ontra Espinosa a fim de epli)ar a eist,n)iade uma figura+ at ent$o impens!el+ a do ateu espe)ulatio ?admitia-se a eist,n)ia do ateu pr!ti)o@+ pois n$o pode haer pensamento nem espe)ula#$o filos8fi)a ali onde n$o houer ofundamento erdadeiro e (ltimo+ eus.

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    Chaui - Fim. uase )omo 4uaestiones disputatae...

    Chaui - Fim+ pois ali Espinosa n$o es)onde o tom pol,mi)o+ mas o enfati*a. Essa ,nfase  pre)iosa para o intrprete por4ue lhe permite a)ompanhar o nas)edouro da obra em seu tempo pr8prio+ no embate )om outras.eito isso+ passamos " eposi#$o da obra ! elaborada. Por isso ater)eira parte se intitula Mea Philosophia+ epress$o 4ue Espinosa emprega para referir-se "sua filosofia+ ou melhor+ " prima philosophia+ pois amais emprega o termo metafsi)a. obra magna+ a ;ti)a+ es)rita " maneira dos ge'metras. Ent$o era pre)iso epli)ar ao leitor o4ue ordem geomtri)a no s)ulo 1 e por 4ue a geometria espinosana n$o a )artesiana+ nem ahobbesiana+ nem a matem!ti)a leibni*iana.ssim+ na introdu#$o+ dialogo )om os outros)omentadores da obraL na primeira parte+ Espinosa dialoga sobre teologia polti)a )om seus)ontempor5neosL na segunda+ Espinosa suberte a tradi#$o e o legado )artesianoL na ter)eira+ o pensamento de Espinosa se apresenta nos tetos es)ritos para seus amigos ?o 2ratado daEmenda e )artas@ e em sua obra magna+ a ;ti)a+ )omo ontologia do ne)ess!rio e da liberdadehumana.Meu empenho mostrar 4ue estamos diante de uma subers$o filos8fi)a por4ue emosnas)er e epor-se a ontologia do ne)ess!rio+ de tal maneira 4ue a dimens$o afirmatia da obra deEspinosa tambm a demoli#$o do n()leo do pensamento o)idental udai)o-)rist$o+ 4ual sea+uma ontologia e uma metafsi)a do possel )uo pressuposto uma teologia da trans)end,n)iade um eus pessoal+ dotado de intele)to e de ontade. Com isso fi)a preparado o terreno para4ue se )ompreenda )omo e por 4ue h! seres singulares reais+ por 4ue a a#$o desses seres ne)ess!ria+ )omo ne)ess!ria sua )ausa ?eus@ e por 4ue essa ne)essidade )ausal a )ondi#$ode sua liberdade efetia.

    Prado Jr. - amos oltar " a)usa#$o de fatalismo ou de ne)essitarismo... o), poderia epli)ar aoleitor de 4ue modo Espinosa destr8i a idia de lire-arbtrio sem abrir m$o da de liberdade=

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    Chaui - amos l!. 4uest$o da )onting,n)ia posta de maneira diferente da aristotli)a )om osurgimento do pensamento udai)o-)rist$o+ 4uando apare)e a no#$o de )ria#$o do mundo.Embora mantendo a )on)ep#$o aristotli)a da )onting,n)ia+ o pensamento udai)o-)rist$o ter!4ue deslo)!-la para a pr8pria a#$o de eus+ pois n$o pode )onserar a idia da ne)essidadeeterna da nature*a+ uma e* 4ue o mundo foi )riado e a )ria#$o efeito de uma )ausa

    )ontingente+ isto + a lire ontade de eus+ a 4ual poderia n$o ter )riado o mundo se n$o o4uisesse. Fe a eist,n)ia do mundo fosse ne)ess!ria+ ulgam te8logos e fil8sofos+ estariamani4uiladas a onipot,n)ia e a liberdade diinas. obra de Espinosa a destrui#$o da idia de uma)ausa olunt!ria 4ue age )ontingentemente+ isto + de uma ontade Ndiina ou humanaN )ualiberdade seria proada pela )onting,n)ia de suas a#es+ isto + pelo poder fa*er ou deiar defa*er alguma )oisa. demoli#$o se reali*a em duas etapas. 7a primeira+ Espinosa ofere)e as)ausas 4ue leam a imagina#$o humana a )onstruir essa imagem de um eus )omo pessoatrans)endente+ mera proe#$o de uma imagem do homem )omo lire-arbtrio+ pois tanto essaimagem de eus )omo a do homem s$o ilus8rias. 7a segunda etapa+ o fil8sofo demonstra 4ueeus eus por4ue age ne)essariamente+ segundo as leis ne)ess!rias de sua ess,n)ia e de sua pot,n)ia. tradi#$o sempre afirmou 4ue eus age de a)ordo )om sua ontade onipotente+ )om

    seu intele)to onis)iente ou )om a un#$o de ambos.Espinosa demonstra 4ue essas no#es s$oimagin!rias+ 4ue eus n$o intele)to nem ontade+ 4ue a perfei#$o diina s$o as leis ne)ess!riasda ess,n)ia diina e 4ue a liberdade diina o poder de eus para autodeterminar-se " a#$o+ e amais um ato de es)olha entre posseis. ssim+ ao deslo)ar o lugar da a#$o diina e o mododessa a#$o+ Espinosa desmantela a idia de uma )ausalidade )ontingente. 7o to)ante aos sereshumanos+ a liberdade tambm n$o se lo)ali*a numa ontade lire 4ue delibera e es)olhe entre posseis )ontr!rios. 7uma filosofia da ne)essidade absoluta+ a liberdade humana tambm ser!+)omo a diina+ o poder de autodetermina#$o para agir+ ou o 4ue Espinosa )hama de )ausaade4uada. Fomos lires 4uando a a#$o por n8s reali*ada de)orre da ne)essidade de nossanature*a+ da for#a interna de nosso ser e n$o do poderio de )ausas eternas sobre n8s. Justamente por4ue somos modifi)a#es do ser absoluto+ nossa liberdade )omo a diina. Em suma+ aliberdade humana a for#a interior de nosso )orpo e mente para produ*ir e a)olher a pluralidadesimult5nea de moimentos )orporais+ afetos e idias. liberdade n$o es)olha e simautodetermina#$o ne)ess!ria e ri4ue*a de ida. )onse4u,n)ia imediataK )onting,n)ia signifi)aaus,n)ia de a#$oL a passiidade submissa ao poder de for#as eternas inesperadas eimpreiseis. 7uma palara+ Espinosa demonstra 4ue a arti)ula#$o entre liberdade e)onting,n)ia destr8i a liberdade+ em e* de afirm!-la. E se teimamos em opor ne)essidade eliberdade por4ue fomos a)ostumados pela tradi#$o teol8gi)o-polti)a a identifi)ar ne)essidade)om autoridade ou de)reto+ e liberdade )om desobedi,n)ia.

    Prado Jr. - Eu haia )an)elado uma pergunta a 4ue deo retornar. ; importante 4ue o), situe seutrabalho na tradi#$o dos estudos espinosanos no Brasil+ entre a obra inaugural de io2eieira ea dos pes4uisadores mais re)entes.

    Chaui - 7a origem do meu trabalho est$o os )ursos do professor io no departamento defilosofia da uando resoli fa*er filosofia+estaa bus)ando respostas a 4uestes de nature*a religiosa. Era uma )rist$ perplea. 7o eameestibular+ na proa oral de filosofia+ o professor io me perguntou por 4ue eu 4ueria estudarfilosofia e lhe epli4uei 4ue era por isso. Ele me disse 4ue a filosofia n$o iria dar-me essasrespostas. Passei no estibular e+ no segundo ano da gradua#$o+ segui o )urso 4ue ele ministraa

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    sobre a ;ti)a. (ltima aula foi dedi)ada a uma an!lise da Parte R dessa obra. >uando o professor io terminou a eposi#$o+ eu+ do fundo da )lasse ?e+ o), se lembra+ na4uele tempo+n8s ramos muito )ontidos+ a rela#$o em )lasse era muito )erimoniosa@+ n$o me )ontie ee)lameiK Mas+ professor+ isso 4ue eu pro)urei a ida inteira+ pro)urei algum 4ue me dissesse4ue possel ier sem )ulpa e 4ue a feli)idade possel. oi assim a minha ini)ia#$o a

    Espinosa. mor intele)tual " primeira ista...>uando )ome)ei a estudar Espinosa+ fi4uei 4uase paralisada+ pois n$o )onseguia entender uma (ni)a palara. Era impenetr!el. >uando odepartamento de filosofia de)idiu 4ue eu deeria fa*er meu doutorado na ran#a+ o), e ?Josrthur@ 6iannotti sugeriram 4ue eu trabalhasse sobre um )l!ssi)o e de)idi 4ue seria Espinosa.Minha rela#$o )om Espinosa )oisa antiga+ nas)ida pelo fas)nio por essa filosofia de um eusimanente " nature*a+ por essa ti)a da liberdade e da feli)idade 4ue )olo)a a )ulpa+ o remorso+ ahumildade do lado das paies tristes e da serid$o+ e , na alegria nossa erdadeirasala#$o...>uando )ome)ei meu trabalho+ em 19HI+ pretendia 4ue fosse uma )ontinua#$o da tesedo professor io. oi assim 4ue trabalhei ini)ialmente )om i)tor 6olds)hmidt+ na ran#a.Mas 4uando oltei para o Brasil+ logo depois do -R+ a)hei 4ue pre)isaa pensar a tirania+ aiol,n)ia polti)a+ e por isso meu trabalho se oltou para o 2ratado 2eol8gi)o-Polti)o e para o

    2ratado Polti)o+ de tal maneira 4ue a ;ti)a seria apenas para assegurar o fundamento dasteses desse dois tratados.

    Prado Jr. - un)ionaa )omo um idia reguladora...

    Chaui - Fim. Eu estaa tentando+ por meio de Espinosa+ pensar o Brasil. Com ingenuidade dene8fita+ imaginaa 4ue essa rela#$o poderia ser imediata. Mas a guinada foi muito importante para mim+ por4ue+ ao ler o Espinosa dos tratados polti)os apoiados na ontologia+ pude per)eber4ue a pr8pria ontologia espinosana foi elaborada )omo embate efetio )om uma tradi#$o poderosssima+ a da teologia polti)a.

    Prado Jr. - Entre par,nteses+ tale* n$o sea apenas uma )onting,n)ia da situa#$o brasileira+ pois+se n$o me engano+ a leitura de Espinosa nos anos H0+ n$o s8 no Brasil+ redes)obriu essadimens$o polti)a...

    Chaui - 7$o bem assim. % 4ue se fa*ia+ sobretudo por )ausa de lthusser+ era a remiss$o deMar a Espinosa+ mas nun)a inteiramente epli)itada e es)lare)ida. 7os anos H0+ h! os trabalhosde 6uroult e eleu*eK o primeiro n$o se interessou pela 4uest$o polti)a e o segundoempenhou-se em anteer 7iet*s)he em Espinosa. ; nos anos 0+ )om os liros de leandreMatheron e ntonio 7egri 4ue se ini)ia realmente uma leitura da obra polti)a de Espinosa e umainterpreta#$o polti)a da pr8pria ;ti)a. >uando fi* o meu ing,nuo doutoramento+ essas obrastambm estaam em prepara#$o. Mas o), tem toda ra*$o em di*er 4ue os anos H0 estimularamuma leitura polti)a de Espinosa+ uma leitura de es4uerda.

    Prado Jr. - ; isso 4ue estou di*endo. 7$o s8 a )ir)unst5n)ia de ditadura no Brasil+ algo mais planet!rio.

    Chaui - Con)ordo. Mas ainda )onsidero 4ue o melhor trabalho para uma ini)ia#$o ao pensamento de Espinosa o do professor io+ 4ue re)omendo )omo leitura obrigat8ria paratodos os 4ue ,m estudando Espinosa )omigo. >uanto " minha traet8ria+ fui )aminhando e me

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    distan)iando+ n$o do 4ue ele di*+ mas de suas preo)upa#es.Fobre a noa noa gera#$o NiaeA+ Mar)os 6lei*er e uer di*er+ o), est! tentando retirar a filosofia de Espinosa da roupa pronta 4ue lhe foi )olo)ada por pensadores fiis a tradi#es )om os 4uais ele rompia. 4ui+ )reio+aparentemente h! semelhan#as )om os trabalhos de Matheron e eleu*e+ 4ue tambm )aminham para afirmar 4ue n$o h! a)osmismo+ pantesmo e todas essas )oisas 4ue eram )onsideradas oudefeitos ou 4ualidades de Espinosa.lm disso+ todos eles tambm insistem na dimens$o polti)ade Espinosa.

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    Chaui - 7$o eatamente+ pois a idia de nerura afirma a iman,n)ia+ re)usando a trans)end,n)iae a emana#$o. %ra+ essas duas idias s$o insepar!eis da no#$o de graus de realidade ou dehierar4uia dos seres+ graus e hierar4uia )riti)ados e re)usados por Espinosa. i*er 4ue Espinosan$o a)osmista n$o di*er 4ue sua filosofia manteria a idia da nature*a )omo )osmos+ e simmostrar 4ue o )on)eito de ordem ne)ess!ria da nature*a se refere " atiidade real de produ#$o

    de todos os seres pela )ausalidade imanente dos atributos da subst5n)ia e de seus modosinfinitos+ 4ue essa atiidade )onstitui a estrutura da realidade e 4ue esta infinita. Eatamente por4ue a realidade infinita e auto-ordenada 4ue n$o se pode falar nem em a)osmismo nem em)osmos.inda )om rela#$o " re)usa do a)osmismo+ tambm n$o possel a)eitar o 4ue di* 7egri+ 4ue )onsidera 4ue a eolu#$o polti)a de Espinosa teria sido tal 4ue os infinitos atributosinfinitos+ 4ue )onstituem a subst5n)ia absolutamente infinita e )uo papel essen)ial naontologia da ;ti)a+ iriam perdendo fun#$o+ assim )omo os modos infinitos+ 4ue tambm iriam perdendo sentido+ restando+ ao fim e ao )abo+ uma filosofia materialista fundada apenas nasa#es dos modos finitos+ isto + dos )orpos e dos espritos finitos...

    Prado Jr. - %s modos finitos de produ#$o=

    Chaui - Fim+ os modos finitos de produ#$o. idia 4ue sustenta essa interpreta#$o a de 4ue o pensamento polti)o de Espinosa+ em sua parti)ularidade )on)reta+ n$o ne)essitaria dos )on)eitosmetafsi)os de atributo e de modo infinito+ os 4uais seriam estgios da influ,n)ia neoplat'ni)arenas)entista sobre o oem fil8sofo+ abandonados por ele " medida 4ue se tornaria materialista.Com isso+ )onsidera-se uma parte ponder!el da ontologia espinosana des)art!el e residual.ndependentemente do 4ue se en)ontra de fato es)rito na ;ti)a+ pare)e 4ue h! a4ui umes4ue)imento grae+ isto + a afirma#$o feita pelo 2ratado Polti)o de 4ue essa obra est!fundada na mea philosophia+ portanto+ na ontologia da ;ti)a.Ent$o+ o fato de 4ue hoe osintrpretes unanimemente )on)ordem em reeitar o r8tulo de a)osmismo n$o signifi)a 4ueesteamos di*endo o mesmo+ por4ue alguns re)uperam a no#$o de )osmos e outros a demolem ")usta do abandono de )on)eitos-)hae da ontologia+ e eu me re)uso a fa*er isso.

    Prado Jr. - alemos agora do ttulo de seu liro+ s 7eruras do &eal. Eu tenho a impress$o de4ue o ttulo 4uer sublinhar a ,nfase no )h$o ontol8gi)o do pensamento. % 4ue pode signifi)ar anerura do real= met!fora 4ue me pare)e mais eidente a nerura de uma folha+ a estruturade uma !rore. nerura do real pare)e+ portanto+ indi)ar uma esp)ie de antiOantismo+ isto +algo )ontra a suposi#$o de 4ue eista um sueito )ognitio ordenador+ de um lado+ e umarealidade informe+ de outro+ uma poeira de dados 4ue estruturada pelo ato de )onhe)imento. euma )erta maneira+ o real se pe a si mesmo+ ele se auto-estruturaL ou sea+ a nerura do real 4uer di*er 4ue o pr8prio real organi*a-se+ estrutura-se+ distribui-se em singularidades regulares.Pergunto-meK n$o h! a um e)o de Merleau-PontA=

    Chaui - refer,n)ia merleau-pontAiana do ttulo proposital+ por4ue Merleau-PontA tambmfala em nerura da folha e por4ue+ no )orrer do liro+ me alho de uma epress$o dele+insepar!el da idia de neruraK % ser de indiis$o. subst5n)ia espinosana ?eus ou anature*a@ a a#$o imanente de um ser 4ue se autodetermina e de autodiferen)ia sem se separarde si mesmo. E+ de fato+ nerura do real pretende assinalar+ desde o )ome#o+ 4ue estamos numafilosofia 4ue n$o trabalha )om a )is$o sueito-obeto+ n$o )onsidera+ " maneira )artesiana+ 4ue a)ons)i,n)ia sea um prin)pio da filosofia+ e n$o admite+ " maneira Oantiana+ 4ue o real seria a

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    multipli)idade bruta a ser organi*ada e ordenada )omo fen'meno pelo sueito do )onhe)imento. 7erura do real e iman,n)ia signifi)am a realidade auto-ordenada e auto-estruturada por um prin)pio inteligel 4ue sua pr8pria a#$o e sua pr8pria eist,n)ia. Essa inteligibilidade plenado real afirmada pela primeira defini#$o da ;ti)a+ a da )ausa de si.

    Bento Prado Jr. professor da