60 A DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO Resumo: Este artigo discute a necessidade de identificar as principais características da era do conhecimento, assim como de monitorar e orientar as conseqüências das transformações associadas ao novo padrão de acu- mulação em difusão. Aponta-se para a urgência de desenhar novas políticas e instrumentos que minimizem os desafios e potencializem as oportunidades associadas à inserção de países como o Brasil na era do conheci- mento. Palavras-chave: era do conhecimento; políticas de desenvolvimento; Brasil. Abstract: This article addresses the need to identify the main characteristics of the information age, as well as to monitor and guide the new standards for accumulating and disseminating knowledge. It further underscores the urgency of developing new policy tools to manage the challenges and enhance the opportunities associated with Brazil’s entrance into the information age. Key words: information age; development policies; Brazil. HELENA MARIA MARTINS LASTRES SARITA ALBAGLI CRISTINA LEMOS LIZ-REJANE LEGEY SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3): 60-66, 2002 passagem do milênio caracteriza-se pela alta in- tensidade de mudanças de relevante importância e impactos econômicos, políticos e sociais. Em épo- portância de entender as especificidades da atual transi- ção e os novos espaços que podem ser aproveitados, na perspectiva de um projeto de desenvolvimento nacional capaz de articular e mobilizar esforços, bem como supe- rar problemas estruturais – sobretudo as desigualdades sociais e regionais – que representam importante obstá- culos a seu desenvolvimento. NOVA BASE TECNO-PRODUTIVA INTENSIVA EM CONHECIMENTO No novo padrão técnico-econômico nota-se a crescente intensidade e complexidade dos conhecimentos desenvol- vidos e a acelerada incorporação de conhecimentos nos bens e serviços produzidos e comercializados. Destaca-se, sobre- tudo, a maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de conhecimentos codificados e de outros ti- pos de informação. O avanço desse processo ocorre pari- passu com o aumento das possibilidades de privatização e “comodificação” desses conhecimentos e informações. Esse novo padrão de acumulação apresenta soluções para alguns dos problemas relacionados ao referido esgo- cas de transformações tão radicais e abrangentes como essa, caracterizada pela transição de uma era industrial para uma baseada no conhecimento, aumenta-se, em muito, o grau de indefinições e incertezas. Há, portanto, que se fazer esforço redobrado para, em primeiro lugar, identificar e entender esses novos desafios – o que exige o desenvolvimento de um novo quadro conceitual e analítico que permita captar, mensurar e avaliar os elementos que são determinantes de tais mudanças. 1 E, em segundo lugar, é necessário um es- forço para distinguir, entre as características e tendências emergentes, as que são mais duradouras das que são transi- tórias. Ou seja, lidar com a necessidade do que Milton San- tos resumiu como distinguir o modo da moda. O objetivo deste artigo é exatamente o de, sob esta orien- tação, discutir o conjunto de oportunidades e desa- fios que se colocam para países, regiões, setores, institui- ções e indivíduos associados à emergência e difusão de uma era, sociedade ou economia do conhecimento. Em sua última parte o artigo volta-se para a discussão do caso brasileiro, reforçando o argumento sobre a im-
1. SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3): 2002 2002 O AULO EM
ERSPECTIVA 16(3) 60-66, DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO
CONHECIMENTO HELENA MARIA MARTINS LASTRES SARITA ALBAGLI CRISTINA
LEMOS LIZ-REJANE LEGEY Resumo: Este artigo discute a necessidade de
identificar as principais caractersticas da era do conhecimento,
assim como de monitorar e orientar as conseqncias das transformaes
associadas ao novo padro de acu- mulao em difuso. Aponta-se para a
urgncia de desenhar novas polticas e instrumentos que minimizem os
desafios e potencializem as oportunidades associadas insero de
pases como o Brasil na era do conheci- mento. Palavras-chave: era
do conhecimento; polticas de desenvolvimento; Brasil. Abstract:
This article addresses the need to identify the main
characteristics of the information age, as well as to monitor and
guide the new standards for accumulating and disseminating
knowledge. It further underscores the urgency of developing new
policy tools to manage the challenges and enhance the opportunities
associated with Brazils entrance into the information age. Key
words: information age; development policies; Brazil. A passagem do
milnio caracteriza-se pela alta in- portncia de entender as
especificidades da atual transi- tensidade de mudanas de relevante
importncia e o e os novos espaos que podem ser aproveitados, na
impactos econmicos, polticos e sociais. Em po- perspectiva de um
projeto de desenvolvimento nacional cas de transformaes to radicais
e abrangentes como essa, capaz de articular e mobilizar esforos,
bem como supe- caracterizada pela transio de uma era industrial
para uma rar problemas estruturais sobretudo as desigualdades
baseada no conhecimento, aumenta-se, em muito, o grau de sociais e
regionais que representam importante obst- indefinies e incertezas.
H, portanto, que se fazer esforo culos a seu desenvolvimento.
redobrado para, em primeiro lugar, identificar e entender esses
novos desafios o que exige o desenvolvimento de NOVA BASE
TECNO-PRODUTIVA um novo quadro conceitual e analtico que permita
captar, INTENSIVA EM CONHECIMENTO mensurar e avaliar os elementos
que so determinantes de tais mudanas.1 E, em segundo lugar,
necessrio um es- No novo padro tcnico-econmico nota-se a crescente
foro para distinguir, entre as caractersticas e tendncias
intensidade e complexidade dos conhecimentos desenvol- emergentes,
as que so mais duradouras das que so transi- vidos e a acelerada
incorporao de conhecimentos nos bens trias. Ou seja, lidar com a
necessidade do que Milton San- e servios produzidos e
comercializados. Destaca-se, sobre- tos resumiu como distinguir o
modo da moda. tudo, a maior velocidade, confiabilidade e baixo
custo de O objetivo deste artigo exatamente o de, sob esta
transmisso, armazenamento e processamento de enormes orien- tao,
discutir o conjunto de oportunidades e desa- quantidades de
conhecimentos codificados e de outros ti- fios que se colocam para
pases, regies, setores, institui- pos de informao. O avano desse
processo ocorre pari- es e indivduos associados emergncia e difuso
de passu com o aumento das possibilidades de privatizao e uma era,
sociedade ou economia do conhecimento. comodificao desses
conhecimentos e informaes. Em sua ltima parte o artigo volta-se
para a discusso Esse novo padro de acumulao apresenta solues do
caso brasileiro, reforando o argumento sobre a im- para alguns dos
problemas relacionados ao referido esgo- 60
2. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO tamento do
padro anterior, abrindo novas possibilidades autores a qualificar a
nova economia como economia da de retomada do crescimento.
Notadamente, no novo pa- inovao perptua. dro so oferecidas formas
que possibilitam a continui- A capacidade de gerar e absorver
inovaes , portan- dade da produo e do consumo em massa de novos
bens to, vista como elemento-chave da competitividade din- e
servios, minimizando os aspectos relacionados exis- mica e
sustentvel. Incrementar o processo de inovao tncia de espaos de
armazenamento; ao consumo de in- requer o acesso aos conhecimentos
e a capacidade de sumos e materiais e energticos no-renovveis; bem
como apreend-los, acumul-los e us-los. O carter complexo ao
descarte tambm em massa da produo e consu- e dinmico dos novos
conhecimentos requer nfase espe- mo e seus efeitos negativos sobre
o meio ambiente. cial no aprendizado permanente e interativo, como
forma Uma das caractersticas distintivas desse novo padro de
indivduos, empresas e demais instituies tornarem- a tendncia
desmaterializao. Isso , diminuio abso- se aptos a enfrentar novos
desafios e capacitarem-se para luta e relativa da importncia da
parte material usada na pro- uma insero mais positiva no novo
cenrio. duo de bens e servios. Um exemplo so os softwares, que
podem ser desenvolvidos, produzidos, adquiridos, NOVOS FORMATOS
ORGANIZACIONAIS distribudos, consumidos e descartados sem
necessariamente Os formatos organizacionais que estimulam os
proces- envolver a criao de novas formas materiais. sos de
aprendizagem coletiva, cooperao e dinmica As Tecnologias da
Informao e Comunicao (TIC) inovativa assumem importncia ainda mais
fundamental exercem papel central como fatores de dinamismo do novo
para o enfrentamento de novos desafios colocados pela padro,
impulsionando um conjunto de inovaes tcni- difuso da era do
conhecimento. co-cientficas, organizacionais, sociais e
institucionais e Por um lado, ressalta a tendncia maior integrao
gerando novas possibilidades de retorno econmico e so- das
diferentes funes e unidades pesquisa, produo, cial nas mais
variadas atividades. Por isso so atualmente administrao, marketing,
etc. de uma mesma organiza- consideradas como as principais
difusoras de progresso o. De outro, destacam-se os novos padres de
coopera- tcnico. Sua importncia no novo padro torna a capa- o e
competio entre os diversos agentes polticos, so- citao na produo e
desenvolvimento das TIC um ele- ciais e, sobretudo, econmicos,
interligados em escala mento estratgico das polticas de diferentes
pases. planetria. Os novos formatos organizacionais com base De
fato, as mudanas introduzidas pelo novo padro na interligao de
empresas produtoras, fornecedoras, de acumulao tm carter bastante
amplo, adotando no- comercializadoras e prestadoras de servios e
delas com vas prticas de produo, comercializao e consumo de outras
instituies, requerem tambm equipamentos e bens e servios, novos
saberes e competncias, novos metodologias operacionais inovadores
e, nesse sentido, so aparatos e instrumentais cientficos e
produtivos. Tudo isso crescentemente dependentes tanto das TIC,
como de in- acompanhado de mudanas significativas nas formas de
formao e conhecimento. organizao, gesto e de atuao de empresas e
demais Esses novos formatos organizacionais que privilegiam
instituies encarregadas de atividades de ensino, pesquisa a interao
e a atuao conjunta dos mais variados agen- e desenvolvimento,
promoo, financiamento, etc. tes como redes, arranjos e sistemas
produtivos e inovativos vm-se consolidando como os mais adequa- A
INOVAO COMO FATOR ESTRATGICO dos para promover o aprendizado
intensivo e a gerao DE SOBREVIVNCIA E COMPETITIVIDADE de
conhecimento e inovaes. Alm disso, tais formatos detm elevado
potencial de ao mesmo tempo mobilizar e Nesse novo contexto, a
inovao entendida em suas proteger as capacitaes e, sobretudo, os
conhecimentos dimenses tecnolgica, organizacional e institucional
tcitos acumulados. assume importncia ainda mais destacada. A
intensi- Assim, considera-se que a competitividade de empresas
ficao dos processos de adoo, difuso de inovaes e outras organizaes
depende crescentemente da amplitude e sua posterior superao,
implica que o tempo neces- das redes em que participam, bem como de
seu uso. Isso srio para lanar e comercializar novos produtos tem-se
que justifica o fato de os novos empreendimentos instalados
reduzido e que os ciclos de vida dos produtos e processos no mundo
inteiro realizarem-se em bloco, sob a forma de esto tambm menores.
Tal percepo tem levado alguns arranjos produtivos, incluindo
particularmente redes de for- 61
3. SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002 necedores e de outros
insumos e servios estratgicos em ramentas que permitem ampliar e
aprofundar outras for- torno dos empreendimentos-ncora. mas mais
pr-ativas de interao entre agentes. A aglomerao de empresas e o
aproveitamento das preciso, sobretudo, realizar esforos
concentrados de sinergias coletivas geradas por suas interaes, e
delas com pesquisa e desenvolvimento (P&D) e criar competncias
o ambiente onde se localizam, vm, de fato, fortalecendo nas
diferentes etapas desde a concepo, desenvolvimen- suas chances de
sobrevivncia e crescimento, constituin- to e produo at a
comercializao de equipamentos e do-se em importante fonte geradora
de vantagens compe- sistemas adequados a tais finalidades. Trata-se
ainda de titivas duradouras. A participao em tais formatos ser
capaz de prover contedos prprios para as novas organizacionais
estratgica para empresas de todos os mdias e redes digitais, bem
como de promover o apren- tamanhos, mas, em especial, empresas de
pequeno porte, dizado e a capacitao de trabalhadores, cidados, em-
ajudando-as a superar barreiras em seu crescimento e a presas e
organizaes para fazerem o melhor uso possvel produzir e
comercializar seus produtos em mercados na- dessas tecnologias.
cionais e at internacionais. Arranjos produtivos locais que reunem
empresas desse tipo so especialmente importan- NOVA CENTRALIDADE DO
TRABALHO tes em regies pouco desenvolvidas e de baixo nvel de E DO
APRENDIZADO emprego. H, no entanto, que se cuidar para que nessa
tentativa A transformao da informao e do conhecimento em perptua de
aumentar a competitividade siga-se uma tra- fora produtiva
determinante, de um lado, e a evidncia jetria que reforce a
solidariedade entre agentes e re- de crescente informacionalizao e
desmaterializao das gies, em vez de a destroar. economias, de
outro, indicam tambm modificao subs- tantiva na forma e no contedo
do trabalho, que assume SOCIEDADE DA INFORMAO E carter cada vez
mais informacional, com implicaes ACESSO AO CONHECIMENTO
significativas sobre o perfil do emprego. No entanto, e
contrariamente s teses que indicam que Pases e blocos dedicam-se a
traar estratgias e a o trabalho, ou o trabalho vivo, j no se
constitui em re- promover iniciativas orientadas para enfrentar os
no- curso produtivo fundamental, argumenta-se aqui que, na vos
desafios e alcanar os benefcios que tem a ofere- verdade, ele
investe-se de uma centralidade ascendente na cer a difuso das
Tecnologias da Informao e Comu- dinmica econmica, produtiva e
inovativa. O trabalho nicao (TIC), assim como da prpria sociedade
da cada vez mais intensivo em conhecimentos e informaes. informao.
No entanto, dar acesso a essas novas Nesse contexto, observa-se a
tendncia automao cres- tecnologias e promover seu uso essencial,
mas ainda cente do trabalho menos especializado, com implicaes
insuficiente. Mais grave do que no possuir acesso s significativas
sobre o perfil do emprego e, conseqente- novas tecnologias e s
informaes no dispor de mente, sobre as necessidades de formao e
capacitao. dados suficientes para desenvolver e produzir conheci-
Para acompanhar as rpidas mudanas em curso de mentos, que permitam
dominar novas tecnologias e ge- extrema relevncia a aquisio de
novas capacitaes e rar contedos para novas redes eletrnicas.
conhecimentos, o que significa intensificar a capacidade Fala-se
atualmente em era da ignorncia (como o re- de aprender e interagir.
Para alm de garantias de acesso vs da era do conhecimento),
chamando-se a ateno para ao emprego e viabilizao de novas formas de
consumo, os riscos associados hiperinformao, resultante do alto o
aprendizado continuado torna-se condio fundamental volume de
informao em circulao e ao relativo des- na era do conhecimento para
a insero dos indivduos cuido com a gerao e acumulao de
conhecimentos. no s como trabalhadores e consumidores, mas como
Tais questes requerem uma reflexo cuidadosa com cidados. vista na
definio de estratgias capazes de alavancar o desenvolvimento
econmico, poltico e social. Por exem- NOVO REGIME DE ACUMULAO plo,
o comrcio eletrnico constitui-se em importante fer- DOMINADO PELAS
FINANAS ramenta de compra e venda entre empresas e entre elas e o
consumidor final. Todavia, urge tambm explorar o Talvez o desafio
mais srio a uma insero positiva na potencial dessas novas
tecnologias e sistemas como fer- era do conhecimento refira-se
acelerao da transio 62
4. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO para um
regime de acumulao em que a lgica financei- acentua a importncia da
diferenciao concreta entre os ra orienta as mudanas tcnicas,
econmicas e sociais. Ao lugares. mesmo tempo o setor financeiro no
mundo inteiro aque- O desafio considerar essas duas dimenses do
espa- le que mais amplo e intenso uso vem fazendo das TIC, at o o
virtual e o local como complementares e igual- porque suas
principais transaes envolvem transfernci- mente relevantes no mbito
das novas polticas na era do as no-materiais. conhecimento. O novo
regime emerge e encontra suporte institucional nas maiores e mais
ricas economias. O domnio do capi- GLOBALIZAO: tal financeiro, dos
investidores institucionais, dos novos CONVERGNCIAS E DIVERGNCIAS
mtodos de valorizao do capital, da preferncia por liquidez e do
foco na lucratividade financeira de curto A difuso das tecnologias
da informao propiciou os prazo vm contribuindo para inviabilizar
investimentos de meios tcnicos para que se articulem em tempo real
orga- alto risco, custo e maturao como particularmente aque-
nizaes, indivduos e instncias geograficamente distan- les em
cincia, tecnologia e inovao (CT&I) e em for- tes. O advento e
difuso do novo paradigma tecno-econ- mao e capacitao de recursos
humanos. mico, assim como a correlata acelerao do movimento Ao
mesmo tempo, cresce a tendncia conformao de globalizao, associam-se
centralmente a mudanas de quadros macroeconmicos que desafiam, seno
anu- poltico-institucionais originrias dos pases mais desen- lam, a
possibilidade de implementar polticas nessas e volvidos do mundo.
Mudanas que induziram ao progres- outras reas. A instabilidade e
vulnerabilidade macroeco- sivo movimento de liberalizao e
desregulao dos mer- nmicas resultantes de dficits externos elevados
e al- cados mundiais e, sobretudo, a desregulao dos sistemas tas
taxas de juros representam importantes polticas im- financeiros e
dos mercados de capitais. Isto tudo suposta- plcitas que minam o
investimento em capital real e mente associado s crescentes
exigncias de maior intelectual de longo prazo. competitividade
tanto em nvel nacional, quanto interna- cional por parte de pases e
empresas. Como uma decor- NOVA DIMENSO DO ESPAO rncia, abrir,
estabilizar, desregular e privatizar tornaram- se as palavras de
ordem no mbito da maior parte das Com a acelerao da globalizao, o
espao geogrfico polticas macroeconmicas implementadas desde ento.
tambm conquistou novos contornos, caractersticas e defi- No
entanto, ao contrrio de se caminhar em direo nies. As novas
tecnologias e sistemas modificam a antiga ao apregoado mundo sem
fronteiras, global e homog- trajetria da evoluo territorial e
introduzem novas lgicas. neo, com a acelerao da globalizao, na
verdade, as- Juntamente com o avano da desmaterializao da siste-se
ao aprofundamento das diferenas entre dife- economia, o
desenvolvimento de novas formas de paga- rentes pases e regies do
planeta, em detrimento dos mento, a conformao de comunidades
virtuais ativas, o pases que se situam na periferia do sistema de
poder desenvolvimento de novos sistemas informatizados em global.
As anlises sobre o atual processo de globa- todos os campos de
atividade sade, educao, segu- lizao geralmente no incluem duas
grandes regies rana, entre outros e da expanso de redes que operam
do planeta, que juntas comportam mais de sessenta pa- em tempo
real, assiste-se ao alargamento da importncia ses, a frica e a
Amrica Latina. O comrcio mundial do espao informacional. dessas
regies vem apresentando uma tendncia decres- As tecnologias da
informao e comunicao vm re- cente, representando, em 1996, apenas
6% do global. volucionando as relaes espao-temporais, assim como
Estima-se, tambm, que empresas multinacionais par- a acelerao da
globalizao torna mais sensveis as ticipem em dois teros das trocas
comerciais, com 40% especificidades e vantagens comparativas
nacionais, re- do comrcio mundial que realizado internamente aos
gionais e locais. As diferenas entre os territrios consti- grupos
multinacionais. Outros indicadores mostram-nos, tuem elemento bsico
no movimento de constante atuali- por exemplo, que cerca de 80% de
toda a produo mun- zao dos termos que regem a diviso internacional
do dial ainda so consumidos nos pases em que so pro- trabalho e a
expanso dos mercados em escala global. duzidos; e que a poupana
domstica financia 95% da Desse modo, h uma revalorizao da dimenso
espa- formao de capital. Ressalta ainda como distoro tal- cial e,
particularmente do espao local, medida que se vez mais flagrante a
constatao de aumento nas bar- 63
5. SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002 reiras mobilidade de
pessoas, e especificamente tra- de equipamentos, tecnologias e
contedos, quando muito balhadores. se dedicando manufatura de
produtos com base em tec- As desigualdades nas condies de proviso,
acesso e nologias j maduras, projetados nos pases centrais. uso de
novas tecnologias, sistemas e contedos podem at gerar novas e mais
complexas disparidades entre indiv- NOVO PAPEL DO ESTADO duos,
empresas e organizaes, regies, pases e blocos. ANTE A GLOBALIZAO Na
sociedade e economia do conhecimento, mais srio que a diviso
digital, entre os que possuem ou no acesso s Com a acelerao da
globalizao, os Estados-Naes novas tecnologias, a diviso do
aprendizado, pois isso so desafiados em sua soberania como locus de
hegemonia, pode contribuir para ampliar a polarizao existente na
diante da projeo de novos atores no cenrio mundial distribuio de
poder, riqueza e conhecimento, expandin- blocos regionais,
organismos multilaterais e, particular- do as disparidades entre e
at mesmo dentro de pases, mente, os grandes grupos financeiros e
multinacionais. regies e sociedades. fundamental, sobretudo, promo-
A pretensa necessidade de retrao do Estado no en- ver a capacidade
de aprender e de gerar, absorver e acu- contra, porm,
correspondncia alguma nos pases cen- mular novos conhecimentos.
trais. Apesar de o espao e condies diferenciarem-se do Por um lado,
a globalizao vem provocando, portan- passado, os governos dos pases
desenvolvidos vm man- to, a polarizao crescente entre blocos,
pases, regies e tendo sua legitimidade e capacidade de intervir
pro-ati- grupos sociais. Por outro, tende-se a incorporar, nesse
pro- vamente. Observa-se, na verdade, a implementao de cesso, aos
mercados dos que se situam em posio mais ampla gama de instrumentos
cada vez mais complexos (e estratgica no cenrio mundial, seja por
seu poderio pol- muitas vezes ainda invisveis) como forma de
contraba- tico-econmico-militar, seja no caso de alguns pases em
lanar os efeitos do grau elevado de exposio das eco- que a
periferia menos desenvolvida porque adota nor- nomias ao novo
ambiente externo. mas trabalhistas, ambientais, tributrias, entre
outras, con- Desse modo, embora a globalizao implique maior
sideradas como mais flexveis ou competitivas, e, condicionamento
externo das polticas econmicas nacio- portanto, mais atrativas para
os grandes capitais inter- nais e, portanto, menor grau de
liberdade dos governos nacionalizados. nacionais em particular em
face da acelerada globaliza- o financeira ocorrida no ltimo quartel
do sculo XX , NOVAS HIERARQUIAS GEOPOLTICAS agora, mais do que
nunca, impe-se a necessidade de no- vas estratgias e polticas. A
reorganizao espacial da atividade econmica Em vez de perderem
sentido, na verdade, as polticas direciona a uma clara
re-hierarquizao de seus centros nacionais passam a ter seu alcance,
desenho, objetivos e decisrios. Observa-se a tendncia ao reforo do
denomi- instrumentos reformulados, visando ao atendimento de nado
policentrismo econmico tripolar (pases da Europa novos requisitos
da era do conhecimento. Sobretudo no Ocidental, Japo e EUA), e,
sobretudo, da posio caso de economias em desenvolvimento, polticas
nacio- hegemnica dos EUA. Estabelecem-se igualmente novas nais de
promoo da capacitao e do desenvolvimento hierarquias geopolticas,
com base em novos diferenciais econmico e social so condio
indispensvel a inser- socioespaciais, e que refletem
fundamentalmente as desi- o menos subordinada no cenrio
internacional. guais disponibilidades de informaes e conhecimentos
estratgicos e estabelecem claras linhas divisrias entre SISTEMAS
INOVATIVOS LOCAIS os que esto capacitados a promover ou a
participar ati- VERSUS TECNO-GLOBALISMO vamente em uma dinmica
ininterrupta de inovao e aprendizado, e os que tendem a ser
deslocados e subordi- Contrariamente viso sobre pretensa
internaciona- nados. lizao dos esforos e resultados do
desenvolvimento preciso superar a nova diviso internacional do tra-
cientfico e tecnolgico, observa-se uma concentrao balho, em que
pases e regies desenvolvidos tendem a nitidamente nacional de tais
atividades, com articula- especializar-se na criao e comercializao
de projetos, es sendo efetuadas quase exclusivamente entre os
produtos e contedos, enquanto pases e regies menos pases e empresas
tecnologicamente mais avanados. Ou desenvolvidos restringem seu
papel ao de consumidores seja, a gerao e difuso de conhecimentos e
de inova- 64
6. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO es
representa exatamente um dos casos de no-glo- forma integrada as
questes polticas, econmicas, balizao, contrariamente ao que se
denomina de ambientais, cientfico-tecnolgicas e sociais em uma es-
tecno-globalismo. tratgia mais ampla de desenvolvimento nacional e
das Se os progressos no campo das tecnologias da infor- diferentes
regies ricas em biodiversidade. mao e comunicao abrem novas
possibilidades de codificao e difuso de informaes e conhecimentos
DESAFIOS PARA O BRASIL os conhecimentos tcitos, que so enraizados
em indiv- duos, instituies e ambientes locais, logo difceis (seno
Para lidar com as profundas mudanas vividas na tran- impossveis) de
serem transferidos , permanecem de gran- sio do milnio, colocam-se
novas exigncias quanto ao de importncia estratgica na era do
conhecimento. papel dos distintos agentes econmicos, governamentais
Longe, portanto, de significar um mundo integrado e sem e da
sociedade em geral, bem como apresentam-se novas fronteiras, no
qual o conhecimento flui livremente, a nova demandas para polticas
e instrumentos de regulao, tanto ordem mundial exige nveis de
qualificao e capacitao pblicos, como privados. locais ainda mais
elevados do que no passado. premente a formulao de novas estratgias
e alter- nativas de desenvolvimento, em nveis mundial, nacional A
URGNCIA DE UM e local, para trabalhar com os desafios sugeridos,
exigin- DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL do novos modelos e instrumentos
institucionais, norma- tivos e reguladores que sejam capazes de
solucionar ques- A passagem de um padro tcnico-econmico intensi-
tes que se apresentam diante da emergncia da era do vo em recursos
naturais para o atual, com base na utiliza- conhecimento e do padro
de acumulao dominado pe- o crescente de conhecimento e informao,
impediu uma las finanas. Deve-se considerar tambm as mudanas
acelerao da crise, mas no reduziu as presses sobre o associadas aos
novos mecanismos de governana em n- meio ambiente. A
sustentabilidade dos modelos de desen- vel mundial, que incluem as
condies estabelecidas pela volvimento coloca-se hoje como um dos
mais srios de- Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e outras insti-
safios da humanidade, o que requer novas orientaes para tuies e
agncias internacionais. esforos de crescimento econmico e de avano
do co- O Brasil dispe de importantes potencialidades para
nhecimento cientfico-tecnolgico, subordinando-as a prin-
capitalizar em seu favor, sobretudo por meio da correta cpios de
incluso, eqidade e coeso social, de susten- identificao e
aproveitamento de novos espaos que se tabilidade ambiental e de
carter tico. abrem nesse perodo de transformaes. Para tanto, deve A
proteo do capital natural, por sua vez, adquire nova ser capaz de
articular e mobilizar foras em torno de um relevncia estratgica, no
apenas por sua importncia para projeto nacional, bem como superar
seus problemas es- o equilbrio ecolgico planetrio, mas tambm como
ma- truturais sobretudo as desigualdades sociais e regionais
tria-prima para as tecnologias avanadas. Este o caso que
representam um pesado obstculo a seu desenvol- da biodiversidade,
que apresenta amplo potencial para vimento. pases ricos nesses
recursos. No caso do Brasil, primeiro Acima de tudo, recomenda-se a
definio e implemen- pas em megadiversidade em nvel mundial, ela
pode vir tao de novo projeto de desenvolvimento que reforce a
tornar-se uma vantagem comparativa do pas no mbito mutuamente a
articulao entre poltica macroeconmica da geopoltica global,
considerando sua ampla disponibi- e poltica de desenvolvimento
social, produtivo e, parti- lidade de recursos biogenticos, a
tradio de sua cincia cularmente, de cincia, tecnologia e inovao,
para uma na rea biolgica, alm do acervo de conhecimentos tra-
insero mais competitiva e autnoma, que assegure a dicionais
acumulados pelas populaes locais e pertinen- coexistncia entre o
avano do processo de globalizao tes para o acesso e as aplicaes
dessa biodiversidade. e a construo de bases produtivas modernas e
dinmicas No entanto, a importncia ecolgica e econmica das e
fortalecimento do capital social. reservas biogenticas existentes
no pas s faro da Aponta-se, particularmente, para a necessidade de
es- biodiversidade uma questo de fato estratgica para ns, tabelecer
instrumentos financeiros que reduzam o impac- caso o pas
capacite-se a destacar-se nessa rea, tratando- to negativo de
polticas macroeconmicas, em particular, a no como nus, mas como
oportunidade. Para isso, no das altas taxas de juros, para permitir
(em vez de anular) entanto, o Estado brasileiro traz como desafio
tratar de a implementao dessas polticas. Indica-se, portanto, ur-
65
7. SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002 gente implementao de uma
estratgia de transio em LEGEY, L-R. A dinmica e o ambiente de
comrcio eletrnico. In: PEREIRA, M.F. e PINHEIRO, L.V. (orgs.). O
sonho de Otlet: direo a uma articulao benigna entre poltica
macroeco- aventura em tecnologia de informao e comunicao. Rio de
nmica e construo de uma rota de desenvolvimento sus- Janeiro,
IBICT, 2000. tentado. LEGEY, L-R e ALBAGLI, S. Construindo a
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NOTAS LEMOS, C. Inovao na era do conhecimento. In: LASTRES, H.M.M.
e ALBAGLI, S. (orgs.). Informao e globalizao na era do co- Uma
verso preliminar deste trabalho foi apresentada na Reunio Re-
nhecimento. Rio de Janeiro, Campus, 1999. Reproduzido em Re- gional
Sudeste Rio de Janeiro e Minas Gerais da Conferncia Na- vista
Parcerias Estratgicas. Braslia, Centro de Estudos Estra- cional de
Cincia, Tecnologia e Inovao, Rio de Janeiro, 16 e 17 de tgicos,
n.8, p.157-79, maio 2000. agosto de 2001. ________ . Redes para
inovao estudo de caso de rede regional 1. Um dos exemplos de
destaque refere-se suposta invisibilidade de no Brasil. Dissertao
de Mestrado. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, novas formas de pagamento
pelo uso de servios de acesso Internet 1996. denominados gratuitos.
Para detalhes, ver, entre outros, Lastres e SANTOS, M. Por uma
outra globalizao: do pensamento nico Albagli, 1999. conscincia
universal. Rio de Janeiro, Record, 2001. ________ . Metamorfose do
espao habitado. So Paulo, Hucitec, 1991. TAVARES, M.C e FIORI, J.L.
Desajuste global e modernizao con- REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
servadora. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993. ALBAGLI, S.
Geopoltica da biodiversidade. Braslia, Edies Ibama, 1998. HELENA
MARIA MARTINS LASTRES: Economista, Professora e Pesqui- ________ .
Globalizao e espacialidade: o novo papel do local. sadora do Grupo
de Inovao do Instituto de Economia da UFRJ In: CASSIOLATO, J.E. e
LASTRES, H.M.M. (eds.). Globalizao ([email protected]). e inovao
localizada: experincias de sistemas locais no Mercosul. Braslia,
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Programa de Ps-Gradua- CASSIOLATO, J.E. e LASTRES, H.M.M.
Globalizao e inovao o em Cincia da Informao da UFRJ/ECO MCT/IBICT
localizada: experincias de sistemas locais no Mercosul. Braslia,
([email protected]). IBICT, 1999. FURTADO, C. O capitalismo
global. So Paulo, Paz e Terra, 1998. CRISTINA LEMOS: Economista,
Pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT) e do
Instituto de Economia da UFRJ LASTRES, H.M.M. Cincia e tecnologia
na era do conhecimento: um ([email protected]). bvio papel?
Parcerias Estratgicas. Centro de Gesto Estrat- gica, n.9, out.
2000. LIZ-REJANE LEGEY: Economista, Pesquisadora do MCT, Professora
do LASTRES, H.M.M. e ALBAGLI, S. Informao e globalizao na era
Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da UFRJ/ECO do
conhecimento. Rio de Janeiro, Campus, 1999. MCT/IBICT
([email protected]). 66