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Artigo recebido em 18.03.2014 e aceito em 27.05.2014. Revista Política e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014. 57 Escalas de poder e gestão e a implementação de políticas de desenvolvimento regional no estado do Rio Grande do Sul Antônio Paulo Cargnin Geógrafo da Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã do Governo do Estado do Rio Grande do Sul Resumo Este artigo tem como objetivo discutir como se comportam e interagem os atores envolvidos na implementação de políticas públicas destinadas à redução das desigualdades regionais nas diferentes escalas de poder e gestão, tomando como caso empírico algumas ações desenvolvidas no estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, é destacada a atuação dos principais atores em diferentes políticas, sempre levando em consideração os referenciais teóricos que fundamentam as discussões sobre a questão regional no Brasil e também os documentos produzidos acerca dos pressupostos, resultados e repercussões territoriais dessas políticas. O esforço aqui realizado tem como propósito identificar como as escalas de poder e gestão, consideradas estratégicas para a compreensão das repercussões territoriais das políticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construção e implementação dessas mesmas políticas. Palavras-chave: Planejamento Territorial. Desenvolvimento Regional. Políticas Públicas. Rio Grande do Sul. Escalas de poder e gestão. Power and management geographic scales and implementation of regional development policies in the State of Rio Grande do Sul Abstract This article seeks to discuss behavior and interaction among actors involved in implementing public policies targeted at reducing regional inequalities, within the different power and management geographic scales, based on the case of the state of Rio Grande do Sul, in Brazil. Thus, the roles of the main actors were highlighted with regard to complementary aspects of different policies, based on the theoretical framework that underpins regional issues and on document study of assumptions, results and territorial impacts of these policies. Keywords: Territorial Planning. Regional Development. Public Policies. Power and management geographic scales. Rio Grande do Sul. 1 Introdução Este artigo tem como objetivo identificar como se comportam e interagem os atores envolvidos na implementação de políticas públicas destinadas à redução das desigualdades regionais no estado do Rio Grande do Sul. Também pretende realizar uma avaliação geral

Escalas de Poder e Gestao e a Implementacao de Politicas

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Escalas de Poder e Gestao

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  • Artigo recebido em 18.03.2014 e aceito em 27.05.2014.

    Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    Escalas de poder e gesto e a implementao de polticas de desenvolvimento regional no estado do Rio Grande do Sul

    Antnio Paulo Cargnin Gegrafo da Secretaria de Planejamento, Gesto e Participao Cidad do

    Governo do Estado do Rio Grande do Sul

    Resumo Este artigo tem como objetivo discutir como se comportam e interagem os atores envolvidos na implementao de polticas pblicas destinadas reduo das desigualdades regionais nas diferentes escalas de poder e gesto, tomando como caso emprico algumas aes desenvolvidas no estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, destacada a atuao dos principais atores em diferentes polticas, sempre levando em considerao os referenciais tericos que fundamentam as discusses sobre a questo regional no Brasil e tambm os documentos produzidos acerca dos pressupostos, resultados e repercusses territoriais dessas polticas. O esforo aqui realizado tem como propsito identificar como as escalas de poder e gesto, consideradas estratgicas para a compreenso das repercusses territoriais das polticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construo e implementao dessas mesmas polticas. Palavras-chave: Planejamento Territorial. Desenvolvimento Regional. Polticas Pblicas. Rio Grande do Sul. Escalas de poder e gesto.

    Power and management geographic scales and implementation of regional development policies in the State of Rio Grande do Sul

    Abstract

    This article seeks to discuss behavior and interaction among actors involved in implementing public policies targeted at reducing regional inequalities, within the different power and management geographic scales, based on the case of the state of Rio Grande do Sul, in Brazil. Thus, the roles of the main actors were highlighted with regard to complementary aspects of different policies, based on the theoretical framework that underpins regional issues and on document study of assumptions, results and territorial impacts of these policies.

    Keywords: Territorial Planning. Regional Development. Public Policies. Power and management geographic scales. Rio Grande do Sul.

    1 Introduo

    Este artigo tem como objetivo identificar como se comportam e interagem os atores

    envolvidos na implementao de polticas pblicas destinadas reduo das desigualdades

    regionais no estado do Rio Grande do Sul. Tambm pretende realizar uma avaliao geral

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    dos resultados e repercusses das polticas de desenvolvimento regional empreendidas no

    territrio gacho nas diferentes escalas de poder e gesto nas ltimas dcadas.

    O esforo aqui realizado tem como propsito discutir como as escalas de poder e

    gesto, consideradas estratgicas para a compreenso das repercusses territoriais das

    polticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construo e

    implementao de tais polticas. No se trata de compreender todas as dimenses que

    envolvem a questo regional no territrio gacho, mas de construir uma sntese que

    preserve os atributos essenciais da problemtica, tendo em vista as escalas selecionadas,

    conforme prope Racine, Raffestin e Ruffy (1983) e Rckert (2002). Toma-se como base o

    pressuposto de que a anlise do comportamento dos agentes que atuam nas principais

    escalas de poder e gesto de determinado territrio permite observar como eles se articulam

    com vistas promoo do desenvolvimento regional.

    2 A escala global e as polticas territoriais no Rio Grande do Sul

    Embora se trate de um tema de grande complexidade, costuma-se associar, em

    consonncia a uma estratgia mundial de negcios, o fortalecimento das escalas global e

    local ao das grandes empresas multinacionais. Historicamente, essas empresas tiveram

    sua ao facilitada com a emergncia do regime flexvel de acumulao e com a mudana

    do sistema de regras, materializado com o auxlio de um modelo de Estado baseado no

    controle e na regulao (HARVEY, 1993; LIPIETZ, 1994).

    O estabelecimento de relaes globalizadas enfraqueceu a atuao do Estado

    Nacional e, consequentemente, as empresas passaram a negociar sua expanso com

    atores localizados em escalas subnacionais, de maneira mais direta. O global e o local

    foram identificados como escalas priorizadas nesse novo momento da economia mundial

    (SANTOS, 1994; ARAJO, 2007; VAINER, 2007).

    Tais escalas foram lastreadas nos mbitos acadmico e institucional atravs de uma

    nova ortodoxia, consubstanciada na sntese das regies ganhadoras. Propagaram-se, a

    partir dos pases centrais, estudos relacionados ao desenvolvimento dos territrios por meio

    do aproveitamento das vantagens proporcionadas por essas escalas. Termos e conceitos,

    como, por exemplo, desenvolvimento endgeno, competitividade e clusters, foram

    assimilados, tanto pela academia quanto pela esfera estatal dos pases perifricos, de forma

    pouco crtica, devido, especialmente, divulgao deles por reconhecidos organismos

    internacionais (AMIN; FERNNDEZ; VIGIL, 2008).

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    No contexto brasileiro, esse quadro se fez sentir, com maior intensidade, no final da

    dcada de 1990. Nesse perodo, a acelerada onda de privatizaes de empresas estatais

    que operavam em setores estratgicos sem um marco regulatrio definido aguou a disputa

    por investimentos, dando incio denominada guerra fiscal entre estados e municpios. A

    relao da estratgia de atuao dessas escalas com a poltica territorial e com as polticas

    de desenvolvimento regional brasileiras bastante complexa; alguns de seus aspectos

    relevantes merecem ser discutidos com mais profundidade.

    Primeiramente, cumpre destacar que, no caso brasileiro, a atuao dessas escalas

    foi facilitada pelo arrastado processo de transio do Estado desenvolvimentista para um

    novo modelo de base neoliberal, associado com o modelo autoritrio que ento governava o

    pas. Essa demora colaborou para que o Brasil fosse submetido a um rpido processo

    estratgico de privatizao de empresas em um momento em que o novo paradigma de

    Estado no estava preparado para exercer a regulao dessas atividades. A isso, deve-se

    agregar a inexistncia de um projeto nacional de desenvolvimento e, por consequncia, a

    ausncia de planejamento e polticas territoriais na escala nacional. Esse cenrio facilitou a

    expanso indiscriminada de grandes projetos empresariais, que se constituram como

    vetores de fragmentao territorial, com grande potencial de transformao dos espaos.

    Em um perodo em que no possua capacidade financeira para propor aes de maior vulto

    e a agenda monetria monopolizava as aes governamentais, o Estado passou a

    concentrar sua atuao no apoio a estratgias de expanso de tais empresas (CARGNIN;

    LIMA, 2009).

    A ao dos agentes globais facilmente perceptvel no pas como um todo e

    tambm nos estados. No territrio gacho, grandes empresas alojaram-se, inicialmente, nos

    setores da telecomunicao e energia, atuando em nichos especficos, como nos

    segmentos automotivo, de mquinas e equipamentos agrcolas, de produtos alimentares, do

    tabaco e, mais recentemente, da celulose e dos laticnios. No cabe, aqui, realizar uma

    avaliao de longo prazo da convenincia desse movimento para o Rio Grande do Sul.

    Entretanto, importante assinalar que, embora o Estado tenha assumido, em alguns casos,

    um papel de protagonista na atrao dessas empresas e a efetivao delas tenha vindo ao

    encontro da complementao do parque industrial gacho, quase nada pde ser feito para

    influenciar suas localizaes.

    Ao observar os movimentos macrorregionais do desenvolvimento gacho, Bandeira

    (2010) afirma que h apenas uma tnue desconcentrao das atividades econmicas rumo

    s franjas metropolitanas. Na verdade, essa tendncia no retrata uma desconcentrao

    industrial propriamente dita, mas, sim, um relativo processo de desconcentrao-

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    concentrada das atividades econmicas, reflexo do complexo jogo das economias e

    deseconomias de aglomerao que vem favorecendo as franjas dos principais eixos de

    desenvolvimento.

    Esse processo tem suscitado um contnuo deslocamento das atividades e do

    emprego industrial de Porto Alegre para Caixas do Sul e Lajeado, fortalecendo, ao longo

    prazo, os centros urbanos perifricos da Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e

    cidades vizinhas, como Erechim, Passo Fundo, Lajeado, Santa Cruz do Sul e a prpria

    Caxias do Sul. Todavia, em sentido oposto ao desejado, o movimento de desconcentrao

    das atividades econmicas vem sendo alimentado por um severo adensamento das

    economias de aglomerao na RMPA e adjacncias, o que tem gerado srios problemas

    para a regio1.

    Mesmo que esses investimentos tenham sido importantes para a complementao

    da estrutura produtiva do Estado, diretamente, pouco colaboraram para a desconcentrao

    industrial ou para o desenvolvimento das regies menos desenvolvidas. Ao contrrio, em um

    perodo de expanso de grandes investimentos estrangeiros, intensificou-se a ocupao do

    eixo industrializado do estado, agravando ainda mais os aspectos de concentrao espacial.

    Ainda que o Rio Grande do Sul tivesse pouca margem de deciso sobre o futuro

    desses investimentos, que seguem uma lgica mundial, a no-existncia de uma estratgia

    de planejamento e ordenamento territorial impediu que se argumentasse, de forma

    organizada, em favor de uma possvel melhor localizao para eles. Convm assinalar que,

    em muitos casos, esse movimento foi encorajado pelo prprio Estado, atravs de

    mecanismos voltados descentralizao industrial.

    No se trata de um processo exclusivo do Estado, mas, desde o incio dos anos

    1990, com a intensificao da chegada de grandes empresas internacionais, houve um

    acentuado processo de centralizao do capital que envolveu praticamente todos os setores

    da economia gacha. De acordo com Benetti (2004), no Rio Grande do Sul, o agronegcio

    foi atingido de modo especfico: empresas multinacionais adquiriram empresas locais e,

    assim, verticalizou-se a produo e setores estratgicos da cadeia produtiva, que vo desde

    a produo at a pesquisa gentica, foram controlados. Entre os casos concretos dessa

    estratgia, podem ser citadas as cadeias da soja, do leite e de mquinas e implementos.

    Para uma melhor ilustrao do que foi exposto nas linhas acima, pode ser tomado

    como exemplo o caso das mquinas e implementos agrcolas. Aps um longo perodo no

    qual vrias empresas, em sua maioria de capital local, havia-se consolidado por meio da

    expanso do cultivo de gros no noroeste do Estado, houve, a partir da dcada de 1980, um

    movimento em que grandes empresas globais adquiriram as empresas gachas,

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    concentrando a produo local. Tal lgica obedeceu reestruturao do capital global do

    segmento e, conquanto mantenha parte de seu parque industrial nas regies de origem,

    esse tipo de indstria vem reestruturando-se ou realocando suas fbricas conforme as

    necessidades do mercado. Assim, nem mesmo a existncia de polticas de iseno fiscal

    tem garantido que as regies detentoras desse ativo consigam manter suas indstrias a

    longo prazo (CASTILHOS et al., 2008).

    A instalao da fbrica de tratores da John Deere, em 2008, em Montenegro,

    localizada a 50 km da capital gacha, e de seu escritrio de negcios da Amrica do Sul, em

    Porto Alegre, em 2006, so amostras do comportamento do grande capital, baseado em

    uma estratgia de negcio. A empresa, localizada em Horizontina, no noroeste do estado,

    que havia adquirido 20% da empresa local Schneider Logemann & Cia. Ltda. (SLC), em

    1979, passou a ter o controle total desta ltima no ano de 1999. Apoiada pelas ferramentas

    destinadas desconcentrao industrial, a John Deere inaugurou sua nova planta de

    tratores localizada na RMPA.

    No que tange busca de um desenvolvimento regional mais equilibrado, nenhum

    aspecto merece maior destaque que a interferncia da instalao dessas empresas no

    planejamento territorial, fato que obriga, dentre outras coisas, o Estado a cumprir os

    diversos requisitos de infraestrutura para sua efetivao, conforme foi observado

    originalmente por Santos (2006).

    Um exemplo dessa estratgia foi a instalao da indstria automotiva no Rio Grande

    do Sul, em fins da dcada de 1990, objeto de grande polmica. Isso se deu, em grande

    medida, devido ao forte questionamento da validade do esforo empreendido para atra-la. A

    concretizao da planta da General Motors (GM) no municpio de Gravata, em 2000, e a

    perda da Ford para a Bahia so exemplos concretos da atuao do Estado atravs das

    unidades da federao, as quais operam, como j indicado, no sentido de favorecer a

    instalao dessas empresas, imersas em um contexto de acirradas disputas de guerra

    fiscal.

    Em relao General Motors, alguns pontos so de especial interesse. A atrao da

    fbrica representou um grande esforo institucional do Estado do Rio Grande do Sul, haja

    vista a quantidade de leis e decretos aprovados com a finalidade de viabilizar o

    investimento. Um outro aspecto foi a falta de capacidade de direcionar esses

    investimentos para fora das reas j industrializadas; na verdade, a deciso sobre a

    localizao dessas empresas vinculou-se a uma ampla reorganizao da produo mundial,

    associada a uma estratgia de expanso, acirramento da concorrncia das empresas,

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    reorganizao produtiva e saturao dos mercados dos pases desenvolvidos (ALMEIDA et

    al., 2006).

    Um fato ainda mais recente, que ilustra bem a capacidade das empresas globais

    pautarem o planejamento territorial do Estado, foi a expanso das papeleiras no Rio Grande

    do Sul. Viabilizado, parcialmente, pela crise mundial, o projeto de difuso das papeleiras,

    acordado em um Protocolo de Intenes, comprometia o Governo do Estado com

    investimentos de grande vulto, todos no sentido de disponibilizar um sistema logstico

    favorvel instalao das empresas. No caso das empresas Aracruz e Votorantim, o Estado

    devia executar as seguintes obrigaes: complementao do modal rodovirio, envolvendo

    obras junto ao entorno das fbricas, acesso s fazendas de produo e aos terminais de

    exportao; medidas de suporte tributrio, com a desonerao de ICMS para as empresas

    que participassem do investimento; liberao da circulao de veculos de transporte de

    grande porte; elaborao e execuo de um plano de qualificao dos trabalhadores da

    empresa.

    Merecem tambm destaque os investimentos nos segmentos do tabaco realizados

    nas regies do Vale do Rio Pardo e do Taquari e, contemporaneamente, no entorno

    metropolitano , na indstria de laticnios, no norte e noroeste gachos, e no campo da

    produo de energia. Este ltimo tem-se expandido, diversificando as formas de gerao de

    energia: termeltrica, na regio da Campanha; hidreltrica, junto Bacia do Rio Uruguai; e

    elica, a partir de projetos implantados na rea litornea. Ademais, podem ser citados os

    investimentos na indstria naval no municpio de Rio Grande e segmentos relacionados ao

    Porto do Rio Grande. O municpio tem recebido expressivos recursos, consolidando-se

    como referncia nacional na fabricao de plataformas de petrleo e demais equipamentos.

    Em conjunto, todos esses projetos evidenciam a presena e o papel decisivo dos

    grandes players globais para o desenvolvimento econmico do Rio Grande do Sul e, mais

    especificamente, para os territrios que so privilegiados por esses capitais. O volume de

    investimentos privados, sobretudo na ltima dcada, foi significativamente ampliado, sendo

    muito superior aos destinados pelo Estado, sejam eles em nvel federais ou estaduais.

    Embora sigam um padro em que o capital tem primazia na negociao com os territrios,

    no se deve desconsiderar que esses investimentos, sem se preocuparem diretamente com

    o equilbrio territorial, podem contribuir, ainda que de forma tnue, para o desenvolvimento

    das unidades da federao e para a desconcentrao das atividades econmicas no Rio

    Grande do Sul.

    Resumidamente, o Estado, no Rio Grande do Sul, atravs das polticas

    desenvolvidas a partir dos anos 1990, tem-se empenhado na atrao desses atores,

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    concedendo incentivos fiscais e criando infraestruturas capazes de dar suporte a esses

    investimentos2. Entretanto, os resultados desse esforo demonstram, claramente, suas

    limitaes na promoo de polticas e sua baixa capacidade de escolher os setores a ser

    estimulados nas regies. Por outro lado, evidencia o papel das grandes empresas

    estrangeiras como agentes transformadores dos territrios, o que ocorre, muitas vezes, em

    desfavor do equilbrio territorial, agravando ainda mais as fraturas existentes entre as

    regies pobres e ricas. Ao Estado, nas diferentes esferas, tem restado o papel de controle e

    regulao, que, por vezes, exercido em favor do estmulo instalao dessas empresas.

    3 A escala nacional e as polticas de desenvolvimento regional

    A partir das bases legais definidas pela Constituio de 1988 e com a estabilizao

    econmica e o arrefecimento da onda privatista no final dos anos 1990, comearam a

    aparecer os primeiros sinais de uma efetiva recuperao do planejamento de mdio e longo

    prazo entre as atividades e planos de desenvolvimento elaborados pelo Estado. Assim,

    ainda que tenha ficado mais no campo do discurso que no das prticas, o planejamento

    territorial foi novamente incorporado escala nacional atravs da ao do Governo Federal,

    que passou a dar maior nfase elaborao de estratgias de futuro, integrao territorial e

    reduo de desigualdades regionais.

    A retomada do planejamento territorial significou, para o pas e para grande nmero

    de estados, uma nova oportunidade para dar ateno s fraturas territoriais, acentuadas,

    nas ltimas dcadas, pelo longo perodo de abandono dessa temtica e pela ausncia de

    polticas pblicas que visassem reduzir as desigualdades regionais. Na rea do

    desenvolvimento regional, o Programa das Regies Diferenciadas pode ser considerado

    uma das primeiras tentativas de distinguir recortes territoriais com o objetivo de implantar

    polticas especficas3. Atravs dele, foram reforados e mesmo criados recortes regionais

    voltados ao desenvolvimento de regies pouco dinmicas. Para o Rio Grande do Sul, um

    dos resultados foi a institucionalizao das atuais mesorregies da Metade Sul do Rio

    Grande do Sul e da Grande Fronteira do Mercosul.

    A construo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) organizou,

    efetivamente, a ao do Estado, ao estruturar o mtodo de operao para o combate s

    desigualdades regionais4. Ela restabeleceu o vis territorial da ao estatal, dando enfoque,

    atravs de uma abordagem multiescalar, ao aspecto desigual do desenvolvimento e s

    disparidades de renda. A articulao entre os diferentes nveis escalares foi viabilizada

    mediante a elaborao de um mapa de elegibilidade, definido a partir de uma tipologia de

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    renda que divide o territrio em quatro grupos de microrregies ou municpios: alta renda,

    dinmicas, estagnadas e de baixa renda. Junto da PNDR e seguindo suas definies de

    reas prioritrias para a ao, foram produzidos instrumentos para a interveno nos

    diferentes nveis escalares, quais sejam: planos, programas e fundos de combate s

    desigualdades regionais. No Rio Grande do Sul, as intervenes da PNDR restringiram-se

    aos instrumentos denominados planos e programas nas escalas macrorregional e regional.

    A Regio de Fronteira foi uma das reas selecionadas, tendo sido objeto de um

    amplo Plano Estratgico de Desenvolvimento. Esse plano constituiu as bases para a

    preparao do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), o qual

    viabilizou, ainda que de maneira tmida, projetos nas chamadas cidades gmeas. Esses

    projetos, predominantemente, constituram-se em pequenas obras destinadas melhoria da

    infraestrutura das cidades de fronteira, em especial nas reas de saneamento, urbanizao,

    educao, sade e assistncia social. O PDFF tambm apoiou o desenvolvimento de aes

    direcionados aos segmentos produtivos potenciais das regies, articulados com o Programa

    de Promoo da Sustentabilidade de Espaos Sub-Regionais (PROMESO)5.

    O PROMESO foi, sem dvida, o instrumento da PNDR com aes mais destacadas

    no territrio gacho. Ele foi posto em prtica nas Regies Diferenciadas da Metade Sul do

    Rio Grande do Sul e na Grande Fronteira do Mercosul a primeira, localizada totalmente

    no territrio gacho, e a segunda, abrangendo municpios do noroeste e norte e parte dos

    estados de Santa Catarina e Paran. As principais repercusses dele foram a criao do

    Frum da Mesorregio da Metade Sul e da Mesorregio Grande Fronteira do Mercosul, as

    iniciativas de apoio aos APLs e a capacitao de recursos humanos para a competitividade.

    Tambm deve ser ressaltada a fundao da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e

    da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) resultados de debates nos fruns

    regionais.

    No que se refere organizao institucional, o Ministrio da Integrao Nacional (MI)

    tem sido o principal brao de ao do Estado na escala nacional das polticas territoriais

    dirigidas a regies menos desenvolvidas, detendo a atribuio e desempenhando papel

    ativo na promoo de polticas de desenvolvimento regional. A no-regulamentao do

    Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), previsto como instrumento da PNDR

    desde sua concepo, conferiu um papel ainda mais decisivo ao MI, porquanto o Rio

    Grande do Sul no est sob jurisdio dos fundos constitucionais j existentes, destinados

    s reas estagnadas e de baixa renda. Desse modo, ficou a seu cargo a articulao dos

    atores para elaborao dos planos e tambm a viabilizao dos projetos priorizados e

    discutidos junto s regies.

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    Com menor destaque, outros rgos federais e empresas pblicas apresentam

    estratgias territorializadas ou influenciam as aes na escala nacional. O Ministrio do

    Planejamento Oramento e Gesto (MPOG), por exemplo, centraliza os instrumentos

    formais de planejamento, possuindo a funo de atuar no tema atravs da promoo de

    polticas multissetoriais. Contudo, o planejamento governamental, elaborado via MPOG, tem

    demonstrado dificuldades em construir e executar polticas territoriais com enfoque

    multissetorial. O Plano Plurianual federal aparece como um exemplo concreto dessas

    dificuldades, pois no tem materializado os avanos da PNDR na elaborao de programas

    e aes governamentais.

    H aes federais que se preocupam com a territorialidade das aes

    governamentais, mas, ao mesmo tempo, possuem enfoques setoriais, e, por tal razo, no

    foram considerados como formuladores de polticas de desenvolvimento regional no mbito

    desta pesquisa. Dentre estas, encontra-se o programa Territrio Rurais, conduzido pelo

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio mais tarde, seu escopo foi ampliado, passando a

    ser denominado de Territrios da Cidadania.

    Vale frisar, ainda, a atuao do BNDES, da Empresa Brasileira de Pesquisa

    Agropecuria (EMBRAPA) e da PETROBRAS. O BNDES se destaca por ser um banco

    pblico que financia projetos de acordo com as estratgias de desenvolvimento regional,

    como o Programa de Reconverso Produtiva da Metade Sul do Rio Grande do Sul

    (RECONVERSUL); j a EMBRAPA, por apresentar uma estratgia nacional que apoia

    localmente projetos inovadores no desenvolvimento agropecurio. O trabalho da

    PETROBRAS no setor estratgico de energia lhe confere grande importncia. Aes como a

    construo e manuteno de refinarias de petrleo, incentivo e apoio produo de

    biodiesel e a realizao de investimentos na construo de plataformas de petrleo tm

    grande capacidade de dinamizar a economia local. Esse tipo de ao pode ser observada

    na indstria naval implantada no municpio de Rio Grande, embora seus efeitos no sejam

    ainda notados nas regies vizinhas.

    Entre os atores no-governamentais que apresentam estratgia para o territrio

    nacional, esto alguns integrantes do Sistema S6, formado por instituies vinculadas ao

    interesse de categorias profissionais, em sua maioria de direito privado. Distingue-se, do

    conjunto, o Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o qual,

    embora mantenha uma estratgia nacional, desenvolve suas aes em interface com a

    escala local, na medida em que trata da capacitao de trabalhadores e do desenvolvimento

    de projetos vinculados aos Arranjos Produtivos Locais (APLs) de cada regio.

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    O MI tem-se encarregado de alimentar o debate sobre o desenvolvimento nas

    regies atravs da realizao sistemtica de seminrios, reunies tcnicas e formaes,

    assim como de impulsionar o envolvimento de rgos e instituies governamentais que

    possuem estrutura territorializada. Boa parte dessas iniciativas vem sendo realizada desde o

    processo de elaborao do Plano Estratgico da Regio de Fronteira e dos Planos de Ao

    para as Regies Diferenciadas. Merece meno o Curso de Gesto Estratgica de

    Desenvolvimento Regional e Local, realizado em maro de 2009, no municpio de Santa

    Maria. O evento foi promovido pelo MI, em parceria com os Fruns das Mesorregies da

    Metade Sul e Grande Fronteira do Mercosul, o Governo do Estado, os Conselhos Regionais

    de Desenvolvimento (COREDEs)7 e governos municipais, com apoio tcnico do Instituto

    Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econmico e Social (ILPES).

    Esse modelo de atuao conjunta dos governos federal, estadual e municipal no

    tem sido a forma predominante de construo e implementao de polticas na escala

    nacional. A dificuldade de estabelecer um dilogo entre os governos federal e estadual tem

    levado o MI a operar com os prprios agentes regionais, principalmente com universidades

    regionais, prefeituras e movimentos sociais. A mobilizao regional para aes mais

    abrangentes e desenvolvimento de projetos viabilizada pelos Fruns das Mesorregies

    Diferenciadas, que tm nos COREDEs sua base de organizao e, por consequncia, uma

    relevante participao das universidades comunitrias.

    No PROMESO, a execuo dos projetos tem-se tornado exequvel pela ao dos

    municpios, predominantemente. Tambm aparecem como responsveis pela efetuao de

    projetos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA) e, em limitados casos,

    o Governo do Estado. No caso da Mesorregio da Grande Fronteira do Mercosul, cujas

    aes envolvem municpios dos trs estados sulinos, significativa a participao de

    fundaes e organizaes no-governamentais de Santa Catarina e Paran.

    4 A escala estadual: o protagonismo do Estado do Rio Grande do Sul e dos atores regionais

    A escala estadual foi aqui entendida, prioritariamente, como a atuao do Estado do

    Rio Grande do Sul em diferentes recortes regionais atravs de seus poderes, constitudos

    no intuito de promover o desenvolvimento mais equilibrado entre as regies. Ela

    corresponde tambm ao das organizaes de atores que possuem uma estratgia

    organizada para todas as regies do estado e tm exercido algum protagonismo na

    construo de um projeto de desenvolvimento ou mesmo liderado o processo de articulao

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    de iniciativas regionais, funcionando, assim, como um filtro entre as demandas da sociedade

    e as polticas governamentais.

    Considerando essa abrangncia, o interesse pela questo regional no Rio Grande do

    Sul foi retomado com alguma premncia em comparao aos demais estados brasileiros. A

    existncia de pores do territrio que se inseriram de forma marginal no processo de

    desenvolvimento do estado foi, certamente, um fator preponderante para que se desse uma

    maior ateno ao assunto e para que o poder pblico mantivesse uma postura mais

    propositiva em relao s desigualdades regionais.

    Mas no s isso. O ambiente nacional, marcado por estabilidade poltica e

    econmica, colaborou para o retorno de temas e preocupaes relacionados ao

    planejamento, o que propiciou, igualmente, a retomada das discusses sobre o problema da

    fragmentao territorial. No Rio Grande do Sul, como indicado acima, o movimento em

    direo elaborao de polticas de desenvolvimento regional e instituio de mecanismos

    de participao popular ocorreu de forma antecipada, sendo influenciado, em grande

    medida, por dois motivos principais: a emergncia da questo da Metade Sul e a

    instaurao de governos mais engajados na democratizao do Estado.

    O primeiro deles teve como elemento propulsor o surgimento de uma ao poltica

    de cunho regional, iniciada em meados da dcada de 1980, em favor da emancipao da

    Metade Sul do estado como unidade federativa. Isso gerou uma reao do Governo do

    Estado, que, associado ao Governo Federal, foi obrigado a propor iniciativas concretas para

    evitar o fortalecimento de tal ideia8. De certo modo, a formalizao do recorte da Metade Sul

    exemplifica a contradio da posio do Estado nas escalas nacional e estadual, que, em

    uma clara tentativa de sustentar seu poder sobre o territrio, no sentido proposto por

    Raffestin (1993), e desenvolver suas polticas generalizantes, passa a valorizar a questo

    regional. Alm disso, o empobrecimento da regio e a formulao de um consistente

    discurso acadmico e poltico favorvel emancipao fez com que o Estado formulasse e

    mantivesse um discurso nesse sentido apesar de no haver um consenso sobre sua real

    necessidade ou se a demanda representava o que as comunidades locais efetivamente

    desejavam.

    Depois dessa primeira movimentao, foram idealizados outros recortes territoriais,

    tambm eles objeto de polticas pblicas. Esse o caso do Plano de Desenvolvimento

    Sustentvel da Bacia do Rio Uruguai, de 1997(9), e do grupo de COREDEs com Produto

    Interno Bruto (PIB) abaixo da mdia do estado. Os novos recortes tiveram em comum o fato

    de a maior parte deles surgir como reao falta de prioridade dada a regies que no

    conseguiam se inserir, adequadamente, no processo de desenvolvimento mais amplo. Os

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    exemplos citados acima foram tratados de modo prioritrio nas polticas pblicas,

    transformando-se, respectivamente, em regio diferenciada do MI, denominada Grande

    Fronteira do Mercosul, e no Grupo de Trabalho para as Regies Menos Dinmicas.

    O segundo motivo foi a eleio de governantes mais comprometidos com os

    movimentos sociais na Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Eles instalaram prticas de

    participao popular no fazer poltico, mesclando democracia representativa e

    participativa10. Essa tendncia estendeu-se para o Governo do Estado com a eleio do

    governador Alceu de Deus Collares, no ano de 1990, cujo mandato foi de 1991 a 1995. Em

    sua gesto, a experincia dos Conselhos Populares foi ampliada para o Estado, sendo

    criados, assim, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CRDs), renomeados,

    posteriormente, de COREDEs. Com a fundao dos COREDEs, inaugurou-se a prtica da

    participao da sociedade no planejamento governamental, inicialmente por meio de

    demandas encaminhadas ao sistema de planejamento e, logo depois, de forma mais

    sistemtica, ao Plano Plurianual e ao Oramento do Estado. Em que pesem as crticas

    sua hegemonizao por alguns atores, a criao dessa institucionalidade representou uma

    das iniciativas mais inovadoras no campo da organizao dos agentes regionais,

    constituindo-se em um importante ativo.

    Os COREDEs possuam um funcionamento autnomo, caracterstica que possibilitou

    a esse frum realizar a mediao da ao do Estado com as demandas regionais, uma vez

    que, pela sua estrutura, podiam contemplar todos os segmentos da sociedade civil

    organizada. Porm, a falta de representatividade de muitos desses segmentos na

    composio dos Conselhos Regionais levou o Estado, em alguns momentos, a buscar

    novas alternativas para uma participao mais ampla. Isso ocorreu especialmente no

    perodo de 1999 a 2002, quando os COREDEs passaram a ser tratados como mais um ator

    regional nos debates do Oramento Participativo. No perodo, uma estrutura estatal paralela,

    representada na figura dos coordenadores regionais do Oramento Participativo, mobilizava

    diretamente os agentes envolvidos no processo de elaborao do Oramento. De certo

    modo, essa situao, resultado de um momento singular em que se objetivava incluir novos

    atores no processo oramentrio, tornou-se, em menor grau, prtica poltica dos governos

    seguintes. Embora continuem como frum de discusso privilegiado da questo regional e

    canal oficial de participao no planejamento governamental, os COREDEs tm sido

    tratados, pelo Governo do Estado, como um ator especfico, no como um frum que rene

    um conjunto extenso de atores, sendo, por vezes, mobilizados por fora da estrutura dos

    conselhos. Com isso, eles passam a ser um ator responsvel por filtrar as demandas da

    sociedade civil.

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    O fato exposto demonstra, em certa medida, a falta de capacidade de algumas

    regies para mobilizar diferentes agentes da sociedade. No cabe, aqui, avaliar o sucesso

    dos COREDEs, no entanto importante sublinhar que existem vrios tipos e graus de

    organizao e de participao nas 28 regies que atualmente os compem. De forma geral,

    pode-se afirmar que naquelas em que h um maior dilogo e juno com a sociedade civil,

    existe mais clareza na formulao de estratgias regionais, bem como das prioridades para

    o desenvolvimento e efetivao delas sem contar que isso faz com que elas se

    mantenham durante os sucessivos encaminhamentos aos instrumentos de planejamento do

    Estado, como se pode verificar no histrico da apresentao de prioridades do Plano

    Plurianual.

    Um fator que interfere diretamente nesse aspecto a forma como a estrutura dos

    conselhos regionais foi construda no estado e em suas respectivas regies. O movimento

    de criao dos COREDEs foi desencadeado pelo governo estadual, tendo como principais

    parceiros as universidades, notadamente a densa rede de universidades comunitrias

    existentes no estado. Isso beneficiou, tanto na organizao e articulao dos agentes

    quanto no suporte para o planejamento e organizao das demandas regionais, os

    interesses das regies que possuam universidades mais atuantes.

    V-se que as universidades tiveram um papel destacado desde o incio do processo

    de participao, o que explica a influncia delas no funcionamento dos COREDEs e nas

    escolhas por eles realizadas. Um exemplo concreto da capacidade de articulao dessas

    instituies o Programa dos Polos Tecnolgicos, um dos mais tradicionais do estado,

    estruturado com base na rede de universidades e, no por acaso, priorizado na maioria das

    edies da Consulta Popular em vrias regies. Sem desconsiderar as vantagens que a

    ao dessas instituies tem trazido para o desenvolvimento das regies, sendo, muitas

    vezes, promotoras do debate em torno de questes mais amplas, convm assinalar que

    essa posio quase hegemnica traduzida na aprovao de projetos pode ter preterido

    a participao de agentes regionais que no possuam a mesma capacidade de articulao

    e oportunidade de atuao. Para entender esse ponto, interessante recuperar,

    rapidamente, a proposta de Gramsci (2004) para explicar o papel decisivo exercido pela

    classe intelectual na construo de uma hegemonia. Como mostra o autor, essa classe, por

    ser mais preparada, tende a influenciar bastante nas decises e, assim, a reproduzir um

    modo de pensar dominante em uma determinada regio.

    Concernente capacidade de propor estratgias de desenvolvimento para as

    regies, apesar de que o Estado sempre tenha se preocupado com o acompanhamento das

    atividades desenvolvidas pelos conselhos regionais, estimulando-os a organizar seus planos

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    estratgicos de desenvolvimento desde sua implantao, a maior parte dos planos

    elaborados, pelo menos at o ano de 2009, reunia apenas um conjunto de intenes sem

    nenhuma priorizao. Somente em 2010, para atender uma histrica reivindicao dos

    conselhos regionais, o Governo do Estado lanou o Planejamento Regional Integrado, cujo

    objetivo era elaborar 28 planos estratgicos de desenvolvimento com metodologia unificada.

    O processo contou com uma capacitao da CEPAL/ILPES, promovida pelo MI em conjunto

    com o Governo do Estado e COREDEs. Como resultado, foram produzidos um diagnstico

    da realidade de cada regio, propostas estratgias para seu desenvolvimento e uma

    carteira, por ordem de importncia, de projetos prioritrios. Essas propostas esto sendo

    consideradas no processo de construo do Plano Plurianual 2012-2015 e nos novos

    instrumentos de participao desenhados a partir de 2011.

    No se pode deixar de apontar, para alm dos pontos positivos da inter-relao, que

    o Estado tem contribudo tambm para que os COREDEs se afastem de um de seus papis

    mais importantes, a saber: a discusso sobre as estratgias de desenvolvimento. Por um

    lado, o grande avano que representou a participao no Oramento Estadual levou as

    regies a concentrarem seus esforos na repartio dos recursos provenientes dos

    mecanismos de participao popular. Por outro, a excessiva preocupao com a repartio

    dos recursos do Oramento fez com que os conselhos pusessem em segundo plano os

    debates relacionados ao futuro das regies. Do ponto de vista da questo regional, o olhar

    simultneo para questes de curto (repartio) e longo prazo (futuro) fundamental para

    que sejam feitas escolhas que influenciem positivamente o desenvolvimento das regies

    da a importncia de se ressaltar os problemas advindos da relao dos COREDEs com a

    instituio Estado.

    Em referncia formulao de planos e polticas, a principal interface de atuao do

    Estado do Rio Grande do Sul na questo regional tem sido representada pela Secretaria da

    Coordenao e Planejamento (SCP), atualmente denominada Secretaria do Planejamento,

    Gesto e Participao Cidad (SEPLAG). A partir de 1995, as aes do governo estadual

    relativas ao desenvolvimento regional passaram a ser centralizadas nessa secretaria,

    inicialmente no Departamento de Desenvolvimento Regional e Urbano (DDRU), que

    funcionou at o ano de 2002. Tal departamento ficou responsvel pelo acompanhamento

    dos COREDEs, realizando um trabalho continuo de fomento de sua estruturao,

    organizao da personalidade jurdica para recebimento dos recursos previstos por decreto

    e estmulo elaborao de planos regionais de desenvolvimento. Atravs da SCP, foram

    propostas a Poltica de Desenvolvimento Regional de 1998 e a Consulta Popular11, seu

    principal instrumento.

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    Em 2004, aps uma frustrada tentativa de criao do Gabinete de Combate s

    Desigualdades Regionais, com status de Secretaria de Estado, o papel de formulao de

    polticas destinadas reduo das desigualdades regionais retornou SCP, onde se

    mantm at os dias atuais12. Tambm tiveram atuao nessa rea a Secretaria do

    Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (SEDAI), a Secretaria Extraordinria de

    Relaes Institucionais (SRI) e o Gabinete da Vice-Governadoria. A primeira passou a

    denominar-se, em 2011, Secretaria do Desenvolvimento e Promoo do Investimento

    (SDPI) e, a segunda, depois de sua extino, teve parte de suas funes incorporada

    SEPLAG, no Departamento de Participao Cidad (DEPARCI).

    A SEDAI foi a responsvel, de 1991 a 1994, pela gestao e implantao do

    programa que instituiu os COREDEs, pela coordenao do Fundo Operao Empresa

    (FUNDOPEM) e, posteriormente, do Programa de Harmonizao do Desenvolvimento

    Industrial do Rio Grande do Sul (INTEGRAR/RS)13, papel que ainda desempenha, mas com

    a denominao de SDPI. A SRI, fundada em 2003, ocupou-se das relaes de cunho

    executivo com as regies, tendo entre suas principais obrigaes a operacionalizao da

    Consulta Popular, bem como o repasse de recursos para a ajuda de custo e, mais

    recentemente, para os planos estratgicos de desenvolvimento dos COREDEs.

    De forma independente, a Assembleia Legislativa do Estado tem desempenhado um

    importante papel no curso da priorizao da questo regional na agenda poltica, ora

    reforando a ao do Poder Executivo, ora propondo debates ou encontros sobre o tema.

    Em relao atuao dela, devem ser citados dois exemplos relevantes. O primeiro foi sua

    participao ativa na gestao do recorte territorial e dos programas para a Metade Sul.

    Nessa ocasio, ela agiu de forma a legitimar, politicamente, o recorte, criando a Comisso

    Especial para o Desenvolvimento da Metade Sul, atravs da qual foram promovidas

    reunies em alguns municpios e, ao mesmo tempo, levantadas demandas e estratgias

    favorveis ao desenvolvimento da regio. O segundo foi a instituio do Frum Democrtico

    de Desenvolvimento Regional, em 1999. Ele foi estabelecido aps um intenso debate

    pblico que tinha como meta rechaar a legitimidade da Consulta Popular, implementada no

    ano de 1998, e implantar o Oramento Participativo. Alijados do processo devido figura

    dos coordenadores do Oramento Participativo, os Conselhos Regionais de

    Desenvolvimento aliaram-se Assembleia Legislativa, Federao das Associaes de

    Municpios (FAMURS) e Unio de Vereadores do Rio Grande do Sul (UVERGS) e

    fundaram o Frum Democrtico de Desenvolvimento. Em 2008, depois de uma

    reformulao, o Frum passou a ser chamado de Frum Democrtico de Desenvolvimento

    Regional e teve ampliada a sua representao, contando, a partir de ento, com

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    representantes da Assembleia Legislativa, dos COREDESs, de universidades, da sociedade

    civil organizada e de instncias federativas. Entre suas atividades mais recentes para a

    promoo do desenvolvimento regional, est o projeto Sociedade Convergente,

    responsvel, desde 2007, por um amplo conjunto de reunies e discusses sobre o tema.

    Esse projeto j teve como resultado uma publicao com proposies para reas

    selecionadas.

    Os demais atores, especialmente os vinculados iniciativa privada, apresentam, de

    acordo com as regies, envolvimentos distintos. Pela amplitude adquirida, mesmo que em

    um perodo recente, deve ser mencionada a Agenda 2020, frum desenvolvido a partir de

    uma iniciativa empresarial desde 2006. Ele sustentado pela Agncia de Desenvolvimento

    Polo RS e tem, insistentemente, ocupado espao na mdia gacha. A Agenda 2020

    apresenta forte contedo reformista e, tendo como propsito tornar o Estado o melhor lugar

    para se viver e trabalhar at 2020, defende ideias para o setor pblico baseadas em

    conceitos como diminuio do Estado, meritocracia e ajuste fiscal. Possui um conjunto de

    propostas elaboradas por voluntrios e, por isso, oriundas de vrios trabalhos, muitos

    deles produzidos pelo prprio Poder Executivo. Com respeito ao desenvolvimento regional,

    a Agenda tem propagado propostas produzidas pelo prprio Governo do Estado,

    fundamentadas nas concepes de agenda mnima e governana regional.

    Considerando os atores da escala estadual nas polticas de desenvolvimento

    regional, pode-se postular que, no territrio do estado do Rio Grande do Sul, a ao deles

    vem sendo construda de forma interdependente: o Estado, com o papel preponderante de

    propor a poltica regional, e as regies, organizadas principalmente atravs do frum dos

    COREDES, como agentes cada vez mais atuantes no processo. Duas interpretaes

    tericas so bem apropriadas para o entendimento desse processo. A primeira, apoiada em

    Raffestin (1993), refere-se ao comportamento do Estado e das regies na produo de

    polticas de desenvolvimento regional. Para o autor, o poder estatal intenta empreender

    polticas generalizantes, mas pressionado pelas regies, que representam seu

    contraponto, ou seja, a diversidade. A segunda, inspirada em Gramsci (1975), compreende

    a atuao dos atores como parte de uma construo hegemnica de um determinado

    perodo histrico. Para o pensador italiano, essa construo implica a subordinao de

    algumas classes e resultado de um jogo complexo de atores numa disputa pelo poder, na

    qual, de um lado, est a sociedade poltica e, do outro, a sociedade civil: enquanto esta

    busca obter mais acesso s decises, aquela procura consolidar seu poder atravs do

    Estado. De certo modo, a luta dos atores regionais para influenciar as decises nas

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    instncias governamentais de planejamento e oramento est relacionada a uma busca por

    uma efetiva participao nas deliberaes e tambm por mais poder poltico.

    Outro elemento que dificulta a superao das caractersticas relativas ao

    subdesenvolvimento a complicada tarefa de se formar lideranas capazes de operar a

    favor de uma verdadeira transformao nas regies. Nesse aspecto, a classe intelectual

    ganha em importncia por sua capacidade de realizar o debate, utilizando-se de elaboradas

    anlises do mundo acadmico para construir uma viso hegemnica. O acesso desigual

    formao acadmica em uma sociedade com grandes diferenas de renda, bem como o

    lento e complexo processo de formar lideranas vinculadas a diferentes movimentos sociais

    conduzem a uma tendncia natural de dominao dos estratos hegemnicos (GRAMSCI,

    2004).

    5 A escala regional ou sub-regional e sua articulao para o desenvolvimento regional

    A escala regional ou sub-regional compreende mltiplos atores que atuam nas

    polticas de desenvolvimento regional na malha territorial concreta, ou seja, no espao

    vivido, onde se realizam, efetivamente, as prticas sociais. Como j foi observado, no se

    trata do local, muitas vezes confundido com a abrangncia municipal, mas, sim, de um

    nvel intermedirio de articulao entre essa esfera e a que est logo acima, a escala

    estadual.

    Embora se relacionem com os demais atores do processo, os agentes dessa escala

    no transitam com a mesma desenvoltura entre as diferentes escalas e, normalmente,

    delegam sua participao a algum que os represente. Assim, cada regio possui atores e

    redes de associao de densidades distintas, os quais, atravs das relaes de poder,

    constroem sua hegemonia e definem seus representantes. Isso no significa que esses

    agentes tenham sua atuao restrita exclusivamente s regies, pois tambm se articulam

    com a sociedade, a cultura e a economia todas elas permeadas pelas diferentes escalas.

    Mas o ponto que aqui deve ser marcado que a atuao da regio no mbito das polticas

    regionais no definida somente pela articulao direta dos seus atores ou pela densidade

    de suas relaes de rede, mas tambm pelo protagonismo de quem se legitima como

    representante dela.

    A escala regional pode ser considerada a mais significativa do ponto de vista da

    atuao dos atores; contudo, a populao pouco se envolve na discusso da questo

    regional de forma direta. Existe, de modo geral, uma tendncia natural de atuao mais

    incisiva em questes cotidianas, relacionadas aos problemas dos municpios e das cidades,

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    especialmente no caso dos centros de maior porte. Desse modo, a mobilizao macia para

    questes que extrapolam esse espectro fica restrita a temas nos quais as pessoas

    vislumbram um interesse imediato, normalmente financeiro. Isso fica ainda mais evidente

    quando se trata da construo de polticas de desenvolvimento de longo prazo, com maior

    abrangncia territorial. So exemplos disso a preponderncia da participao direta em

    assuntos mais concretos, como no caso da Consulta Popular, e, diversamente, a forma

    como a sociedade tem-se envolvido na elaborao de planos estratgicos regionais.

    Alm disso, a estrutura das esferas de poder do Estado brasileiro influencia o

    processo. H, entre os governos estaduais e municipais, uma lacuna poltico-administrativa

    que tem dificultado a propagao de uma cultura alicerada na construo de estratgias

    regionais e de projetos que envolvam solues para fora dos limites municipais. Assim, no

    debate cotidiano, predominam as questes que so objeto de reivindicao direta

    representao local, ao municpio e a seus poderes constitudos, como as que se referem

    sade, educao, segurana e emprego.

    importante sublinhar tambm que a democratizao do Estado um processo

    recente e ainda no atingiu nveis de descentralizao que permitam um maior envolvimento

    da populao, o que beneficia os atores mais estruturados e que possuem interesse ou

    algum acmulo sobre o tema. Frisar esse aspecto no significa refutar os avanos do

    processo em curso, nem tampouco dizer que essa busca tenha de ser promovida fora da

    institucionalidade existente, especialmente no que tange aos Conselhos Regionais de

    Desenvolvimento. Apesar de ter seu funcionamento autnomo, o frum propiciado pelos

    COREDEs um frum pblico, criado pelo Estado, cujo papel de acompanhamento e

    promoo da incluso dos atores excludos vem sendo deixado de lado. Isso pode ser

    ilustrado com o fato de o Estado, desde 1998, no realizar um acompanhamento mais

    sistemtico das atividades rotineiras dos conselhos. A ao estatal recente tem visado mais

    ampliao do pblico que participa das votaes do oramento e elaborao de listas de

    demandas para alimentar outros instrumentos de planejamento; j o estmulo organizao,

    participao e construo de estratgias regionais ligadas prpria realidade das regies

    vem sendo posto em segundo plano.

    No obstante esse quadro, tanto o interesse despertado pelo tema quanto a resposta

    dada mobilizao podem ser ponderados. Em um pas em que questes relacionadas s

    necessidades bsicas da populao, como a pobreza, a fome, as deficincias na habitao

    e no saneamento, dentre outras, ainda no foram resolvidas de modo satisfatrio,

    compreensvel que a temtica do desenvolvimento regional fique relegada a um papel

    secundrio, especialmente por parte dos atores sociais excludos. Nesse sentido, os

  • Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.

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    avanos j obtidos devem ser valorizados, e a caminhada para a democratizao dos

    processos de descentralizao, embora lenta, precisa ser continuamente alimentada pelo

    interesse pblico atravs do Estado.

    Pode-se afirmar, considerando todos esses pontos, que a atuao da escala regional

    nas polticas destinadas ao combate das desigualdades regionais no Rio Grande do Sul

    tem-se concretizado de acordo com a capacidade e o interesse do Governo do Estado em

    promover a questo regional e com o protagonismo dos atores que foram legitimados para

    representar as regies. No caso do Estado, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento e

    as Associaes de Municpios, por estarem organizados e atuarem tambm na escala

    estadual, estabeleceram-se como os principais atores, filtrando as demandas regionais e,

    em seguida, encaminhando-as para as demais escalas. No que se refere aos COREDEs,

    vale mencionar que eles esto organizados tambm em nvel municipal, atravs dos

    Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDEs), responsveis pela organizao das

    demandas dos municpios.

    Outros atores tm participado do debate sobre as polticas de desenvolvimento

    regional, diferenciando-se de acordo com a regio, como as universidades, as entidades

    representativas de classe, os sindicatos e as associaes cooperativas. Os governos

    municipais tambm vm desempenhando um importante papel na poltica regional, e atuam

    nela de duas maneiras: os municpios no contemplados pela estratgia do mercado

    tendem a dirigir-se aos governos Estadual e Federal na busca de polticas para reverter o

    processo de excluso; j aqueles que conseguem vantagens competitivas relacionam-se, de

    forma direta ou com a mediao do Governo Estadual, com empresas globais, podendo

    obter grandes benefcios para seu territrio. Concernente ao ltimo caso, vale citar a

    instalao da Nestl, em 2008, em Palmeiras das Misses. A escolha desse municpio para

    um investimento inicial de R$ 30 milhes foi pautada, em grande parte, nas vantagens

    competitivas de uma bacia leiteira consolidada; no entanto, a articulao dos prefeitos da

    regio, negociando com o Governo do Estado o retorno fiscal que seria gerado pela

    produo de leite entregue empresa, foi tambm fundamental para a deciso.

    As universidades comunitrias e regionais, mesmo desempenhando funes que

    extrapolam a escala regional, influenciam decisivamente nas decises tomadas nesse

    mbito. Elas, desde sua origem, esto articuladas com os COREDEs e contribuem

    fortemente para a promoo de projetos direcionados ao desenvolvimento e inovao,

    bem como propem capacitaes para a populao local. Tambm apresenta um papel

    importante a atuao do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    (SEBRAE), o qual adota uma estratgia territorializada para atuar em favor do

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    desenvolvimento. Atravs de sua estrutura regionalizada, o SEBRAE coopera para a

    elaborao de parcerias locais, para o incentivo das potencialidades das regies e auxilia no

    Apoio de Arranjos Produtivos Locais (APLs). A maior parte de sua ao feita pela sua

    prpria rede, mas tem tambm operado nos fruns regionais, na medida em que seus

    projetos so destacados como de interesse para as regies.

    Figura 1 Escalas de poder e gesto atores mais representativos que atuam nas

    polticas de desenvolvimento regional

    Fonte: O autor

    6 Consideraes finais

    A questo regional tem-se mostrado um tema recorrente entre as preocupaes

    relacionadas ao desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul, especialmente quando o

    objetivo formular polticas para diminuir a distncia que separa as regies mais ricas das

    mais pobres. A implementao dessas polticas permeada pela atuao de vrios atores,

    organizados atravs das escalas global, nacional, estadual e regional ou sub-regional.

    A escala global influencia diretamente o comportamento das demais escalas,

    sobretudo da regional. Ao optar pela localizao em um territrio especfico, seguindo uma

    estratgia de mercado, uma grande empresa gera oportunidades de investimentos para todo

    o seu entorno. Por outro lado, desafia constantemente o Estado para que este exera seu

    papel de controlador e regulador, a fim de que seja evitado o agravamento das

    desigualdades entre as regies vizinhas.

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    As escalas nacional e estadual so as que tm apresentado maior protagonismo na

    questo regional, uma vez que tm promovido a retomada dessa discusso. Alm disso,

    atravs delas que o Estado prope as polticas de desenvolvimento regional. Outros atores

    desempenham papel relevante nessas escalas, especialmente os que possuem alguma

    estratgia de ao territorial e que atuam junto aos fruns de desenvolvimento. Contudo, os

    agentes que hegemonizam os fruns de desenvolvimento regional so os que recebem

    maior destaque. No Rio Grande do Sul, esse papel vem sendo desempenhado pelos

    Conselhos Regionais de Desenvolvimento, com atuao marcante das universidades em

    especial, as comunitrias e das prefeituras municipais.

    A escala regional, embora seja onde efetivamente as polticas se concretizam, ainda

    parece um pouco distante de uma ao mais organizada na questo regional, isto porque o

    debate sobre problemas de maior amplitude no tm sensibilizado a maioria dos atores

    locais. Dentre os fatores que contribuem para esse quadro, encontra-se o fato de a escala

    regional no se relacionar hierarquicamente com as demais escalas atravs da estrutura

    formal do Estado. Ademais, fica evidente que h dificuldade em mobilizar os atores

    representativos e a populao em geral para debates a respeito de problemas mais

    abrangentes.

    O tema tambm influenciado pelo modo como o Estado tem construdo seu

    discurso regional e a prioridade que vem sendo conferida a essa questo. A ao do Estado

    est organizada a partir de uma lgica generalizante e, por isso, normalmente no d uma

    ateno prioritria s desigualdades existentes entre as regies. Por outro lado, as polticas

    se viabilizam atravs de uma estrutura administrativa setorial e, nesse sentido, no so

    raros os exemplos em que, no processo de formulao de polticas, os gestores tangenciem

    a questo regional.

    Em referncia atuao dos atores nas diferentes escalas, observa-se que os

    embates so muito mais evidentes na escala estadual. Isso se deve, acima de tudo, ao fato

    de que nessa escala os atores dividem o mesmo espao e representam, muitas vezes,

    foras contraditrias em luta para alcanar a hegemonia.

    Com base nas diferentes perspectivas analisadas, permitido afirmar que as

    repercusses das polticas de desenvolvimento regional so proporcionais evoluo do

    debate acerca da prpria questo regional. Em que pese o fato de que muitas das aes

    tenham, comprovadamente, tido repercusses concretas sobre o territrio, o maior acmulo

    encontra-se na densidade que o debate do tema proporciona rede de atores. A

    disponibilidade do Estado em cultivar esse capital, por meio de relaes de poder mais

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    simtricas com os atores regionais, uma das condies para que os resultados obtidos

    sejam cada vez mais efetivos.

    Notas

    1. A espacializao dos investimentos privados, apresentada na primeira edio do Atlas Socioeconmico do Estado do Rio Grande do Sul, publicada no ano de 1998, mostra essa concentrao. 2. O principal instrumento utilizado o Fundo Operao Empresa (FUNDOPEM), criado no ano de1972, com o objetivo de prestar apoio financeiro s empresas industriais relacionadas ao desenvolvimento do estado. 3. O Programa foi elaborado a partir de estudos desenvolvidos em meados da dcada de 1990 pela Secretaria Especial de Polticas Regionais (SEPRE), vinculada ao Ministrio do Planejamento e Oramento. 4. A Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional foi instituda em 22/02/2007, pelo Decreto Presidencial n 6.047 5. Neste artigo so considerados os dados at 2011 e, por isso, no foram includas as informaes do Plano Plurianual (PPA) 2012-2015. Convm assinalar que a elaborao do PPA 2012-2015, baseado em programas temticos, significou uma importante alterao nos instrumentos utilizados para a implementao da PNDR e o fim desses programas. 6. A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 149, instituiu uma contribuio de interesse das categorias profissionais ou econmicas que deve ser repassada a essas entidades, em sua maioria, privadas. 7. Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) foram criados pelo Governo do

    Estado do RS pela Lei 10.283 de 17 de outubro de 1994; constituem-se em um frum permanente e autnomo de discusso e deciso a respeito de polticas e aes que visam o desenvolvimento regional.

    8. A afirmao poltica do recorte da Metade Sul foi favorecida pela eleio de Fernando

    Henrique Cardoso presidncia da Repblica, uma vez que a regio havia sido objeto de aprofundado estudo em sua tese de doutoramento.

    9. A instituio da Mesorregio Grande Fronteira do MERCOSUL est associada

    elaborao do Plano de Desenvolvimento Sustentvel da rea da Bacia do Rio Uruguai, em 1997, fruto da mobilizao dos atores locais.

    10. A prtica da participao no municpio de Porto Alegre inicia-se com a eleio de Alceu de Deus Collares (Partido Democrtico Trabalhista PDT) para o mandato de 1986 a 1988. Em seu governo, so instalados os Conselhos Populares, cujo projeto se origina com a aproximao do municpio e o movimento comunitrio (Rckert, 2001, p. 358). posteriormente, os governos conduzidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) introduzem a prtica do Oramento Participativo, que perdura at os dias atuais.

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    11. A Consulta Popular um mecanismo, criado pela Poltica de Desenvolvimento Regional de 1998, no qual, em um determinado dia do processo oramentrio do Estado, todo e qualquer cidado, portando o ttulo de eleitor, pode ir a urna escolher prioridades que julgue mais importantes para o desenvolvimento de seu municpio, regio e estado, conforme, claro, regras definidas. 12. O Gabinete de Combate s Desigualdades Regionais foi institudo pelo Decreto n 42.101, de 1 de janeiro de 2003, e extinto, em 2004, pelo Decreto n 43.281, de 03 de agosto. 13. Em 2003, a criao do INTEGRAR/RS passou a oferecer um incentivo ao FUNDOPEM/RS, objetivando a desconcentrao industrial.

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