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Escalas de Poder e Gestao
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Artigo recebido em 18.03.2014 e aceito em 27.05.2014.
Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.
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Escalas de poder e gesto e a implementao de polticas de desenvolvimento regional no estado do Rio Grande do Sul
Antnio Paulo Cargnin Gegrafo da Secretaria de Planejamento, Gesto e Participao Cidad do
Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo tem como objetivo discutir como se comportam e interagem os atores envolvidos na implementao de polticas pblicas destinadas reduo das desigualdades regionais nas diferentes escalas de poder e gesto, tomando como caso emprico algumas aes desenvolvidas no estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, destacada a atuao dos principais atores em diferentes polticas, sempre levando em considerao os referenciais tericos que fundamentam as discusses sobre a questo regional no Brasil e tambm os documentos produzidos acerca dos pressupostos, resultados e repercusses territoriais dessas polticas. O esforo aqui realizado tem como propsito identificar como as escalas de poder e gesto, consideradas estratgicas para a compreenso das repercusses territoriais das polticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construo e implementao dessas mesmas polticas. Palavras-chave: Planejamento Territorial. Desenvolvimento Regional. Polticas Pblicas. Rio Grande do Sul. Escalas de poder e gesto.
Power and management geographic scales and implementation of regional development policies in the State of Rio Grande do Sul
Abstract
This article seeks to discuss behavior and interaction among actors involved in implementing public policies targeted at reducing regional inequalities, within the different power and management geographic scales, based on the case of the state of Rio Grande do Sul, in Brazil. Thus, the roles of the main actors were highlighted with regard to complementary aspects of different policies, based on the theoretical framework that underpins regional issues and on document study of assumptions, results and territorial impacts of these policies.
Keywords: Territorial Planning. Regional Development. Public Policies. Power and management geographic scales. Rio Grande do Sul.
1 Introduo
Este artigo tem como objetivo identificar como se comportam e interagem os atores
envolvidos na implementao de polticas pblicas destinadas reduo das desigualdades
regionais no estado do Rio Grande do Sul. Tambm pretende realizar uma avaliao geral
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dos resultados e repercusses das polticas de desenvolvimento regional empreendidas no
territrio gacho nas diferentes escalas de poder e gesto nas ltimas dcadas.
O esforo aqui realizado tem como propsito discutir como as escalas de poder e
gesto, consideradas estratgicas para a compreenso das repercusses territoriais das
polticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construo e
implementao de tais polticas. No se trata de compreender todas as dimenses que
envolvem a questo regional no territrio gacho, mas de construir uma sntese que
preserve os atributos essenciais da problemtica, tendo em vista as escalas selecionadas,
conforme prope Racine, Raffestin e Ruffy (1983) e Rckert (2002). Toma-se como base o
pressuposto de que a anlise do comportamento dos agentes que atuam nas principais
escalas de poder e gesto de determinado territrio permite observar como eles se articulam
com vistas promoo do desenvolvimento regional.
2 A escala global e as polticas territoriais no Rio Grande do Sul
Embora se trate de um tema de grande complexidade, costuma-se associar, em
consonncia a uma estratgia mundial de negcios, o fortalecimento das escalas global e
local ao das grandes empresas multinacionais. Historicamente, essas empresas tiveram
sua ao facilitada com a emergncia do regime flexvel de acumulao e com a mudana
do sistema de regras, materializado com o auxlio de um modelo de Estado baseado no
controle e na regulao (HARVEY, 1993; LIPIETZ, 1994).
O estabelecimento de relaes globalizadas enfraqueceu a atuao do Estado
Nacional e, consequentemente, as empresas passaram a negociar sua expanso com
atores localizados em escalas subnacionais, de maneira mais direta. O global e o local
foram identificados como escalas priorizadas nesse novo momento da economia mundial
(SANTOS, 1994; ARAJO, 2007; VAINER, 2007).
Tais escalas foram lastreadas nos mbitos acadmico e institucional atravs de uma
nova ortodoxia, consubstanciada na sntese das regies ganhadoras. Propagaram-se, a
partir dos pases centrais, estudos relacionados ao desenvolvimento dos territrios por meio
do aproveitamento das vantagens proporcionadas por essas escalas. Termos e conceitos,
como, por exemplo, desenvolvimento endgeno, competitividade e clusters, foram
assimilados, tanto pela academia quanto pela esfera estatal dos pases perifricos, de forma
pouco crtica, devido, especialmente, divulgao deles por reconhecidos organismos
internacionais (AMIN; FERNNDEZ; VIGIL, 2008).
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No contexto brasileiro, esse quadro se fez sentir, com maior intensidade, no final da
dcada de 1990. Nesse perodo, a acelerada onda de privatizaes de empresas estatais
que operavam em setores estratgicos sem um marco regulatrio definido aguou a disputa
por investimentos, dando incio denominada guerra fiscal entre estados e municpios. A
relao da estratgia de atuao dessas escalas com a poltica territorial e com as polticas
de desenvolvimento regional brasileiras bastante complexa; alguns de seus aspectos
relevantes merecem ser discutidos com mais profundidade.
Primeiramente, cumpre destacar que, no caso brasileiro, a atuao dessas escalas
foi facilitada pelo arrastado processo de transio do Estado desenvolvimentista para um
novo modelo de base neoliberal, associado com o modelo autoritrio que ento governava o
pas. Essa demora colaborou para que o Brasil fosse submetido a um rpido processo
estratgico de privatizao de empresas em um momento em que o novo paradigma de
Estado no estava preparado para exercer a regulao dessas atividades. A isso, deve-se
agregar a inexistncia de um projeto nacional de desenvolvimento e, por consequncia, a
ausncia de planejamento e polticas territoriais na escala nacional. Esse cenrio facilitou a
expanso indiscriminada de grandes projetos empresariais, que se constituram como
vetores de fragmentao territorial, com grande potencial de transformao dos espaos.
Em um perodo em que no possua capacidade financeira para propor aes de maior vulto
e a agenda monetria monopolizava as aes governamentais, o Estado passou a
concentrar sua atuao no apoio a estratgias de expanso de tais empresas (CARGNIN;
LIMA, 2009).
A ao dos agentes globais facilmente perceptvel no pas como um todo e
tambm nos estados. No territrio gacho, grandes empresas alojaram-se, inicialmente, nos
setores da telecomunicao e energia, atuando em nichos especficos, como nos
segmentos automotivo, de mquinas e equipamentos agrcolas, de produtos alimentares, do
tabaco e, mais recentemente, da celulose e dos laticnios. No cabe, aqui, realizar uma
avaliao de longo prazo da convenincia desse movimento para o Rio Grande do Sul.
Entretanto, importante assinalar que, embora o Estado tenha assumido, em alguns casos,
um papel de protagonista na atrao dessas empresas e a efetivao delas tenha vindo ao
encontro da complementao do parque industrial gacho, quase nada pde ser feito para
influenciar suas localizaes.
Ao observar os movimentos macrorregionais do desenvolvimento gacho, Bandeira
(2010) afirma que h apenas uma tnue desconcentrao das atividades econmicas rumo
s franjas metropolitanas. Na verdade, essa tendncia no retrata uma desconcentrao
industrial propriamente dita, mas, sim, um relativo processo de desconcentrao-
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concentrada das atividades econmicas, reflexo do complexo jogo das economias e
deseconomias de aglomerao que vem favorecendo as franjas dos principais eixos de
desenvolvimento.
Esse processo tem suscitado um contnuo deslocamento das atividades e do
emprego industrial de Porto Alegre para Caixas do Sul e Lajeado, fortalecendo, ao longo
prazo, os centros urbanos perifricos da Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e
cidades vizinhas, como Erechim, Passo Fundo, Lajeado, Santa Cruz do Sul e a prpria
Caxias do Sul. Todavia, em sentido oposto ao desejado, o movimento de desconcentrao
das atividades econmicas vem sendo alimentado por um severo adensamento das
economias de aglomerao na RMPA e adjacncias, o que tem gerado srios problemas
para a regio1.
Mesmo que esses investimentos tenham sido importantes para a complementao
da estrutura produtiva do Estado, diretamente, pouco colaboraram para a desconcentrao
industrial ou para o desenvolvimento das regies menos desenvolvidas. Ao contrrio, em um
perodo de expanso de grandes investimentos estrangeiros, intensificou-se a ocupao do
eixo industrializado do estado, agravando ainda mais os aspectos de concentrao espacial.
Ainda que o Rio Grande do Sul tivesse pouca margem de deciso sobre o futuro
desses investimentos, que seguem uma lgica mundial, a no-existncia de uma estratgia
de planejamento e ordenamento territorial impediu que se argumentasse, de forma
organizada, em favor de uma possvel melhor localizao para eles. Convm assinalar que,
em muitos casos, esse movimento foi encorajado pelo prprio Estado, atravs de
mecanismos voltados descentralizao industrial.
No se trata de um processo exclusivo do Estado, mas, desde o incio dos anos
1990, com a intensificao da chegada de grandes empresas internacionais, houve um
acentuado processo de centralizao do capital que envolveu praticamente todos os setores
da economia gacha. De acordo com Benetti (2004), no Rio Grande do Sul, o agronegcio
foi atingido de modo especfico: empresas multinacionais adquiriram empresas locais e,
assim, verticalizou-se a produo e setores estratgicos da cadeia produtiva, que vo desde
a produo at a pesquisa gentica, foram controlados. Entre os casos concretos dessa
estratgia, podem ser citadas as cadeias da soja, do leite e de mquinas e implementos.
Para uma melhor ilustrao do que foi exposto nas linhas acima, pode ser tomado
como exemplo o caso das mquinas e implementos agrcolas. Aps um longo perodo no
qual vrias empresas, em sua maioria de capital local, havia-se consolidado por meio da
expanso do cultivo de gros no noroeste do Estado, houve, a partir da dcada de 1980, um
movimento em que grandes empresas globais adquiriram as empresas gachas,
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concentrando a produo local. Tal lgica obedeceu reestruturao do capital global do
segmento e, conquanto mantenha parte de seu parque industrial nas regies de origem,
esse tipo de indstria vem reestruturando-se ou realocando suas fbricas conforme as
necessidades do mercado. Assim, nem mesmo a existncia de polticas de iseno fiscal
tem garantido que as regies detentoras desse ativo consigam manter suas indstrias a
longo prazo (CASTILHOS et al., 2008).
A instalao da fbrica de tratores da John Deere, em 2008, em Montenegro,
localizada a 50 km da capital gacha, e de seu escritrio de negcios da Amrica do Sul, em
Porto Alegre, em 2006, so amostras do comportamento do grande capital, baseado em
uma estratgia de negcio. A empresa, localizada em Horizontina, no noroeste do estado,
que havia adquirido 20% da empresa local Schneider Logemann & Cia. Ltda. (SLC), em
1979, passou a ter o controle total desta ltima no ano de 1999. Apoiada pelas ferramentas
destinadas desconcentrao industrial, a John Deere inaugurou sua nova planta de
tratores localizada na RMPA.
No que tange busca de um desenvolvimento regional mais equilibrado, nenhum
aspecto merece maior destaque que a interferncia da instalao dessas empresas no
planejamento territorial, fato que obriga, dentre outras coisas, o Estado a cumprir os
diversos requisitos de infraestrutura para sua efetivao, conforme foi observado
originalmente por Santos (2006).
Um exemplo dessa estratgia foi a instalao da indstria automotiva no Rio Grande
do Sul, em fins da dcada de 1990, objeto de grande polmica. Isso se deu, em grande
medida, devido ao forte questionamento da validade do esforo empreendido para atra-la. A
concretizao da planta da General Motors (GM) no municpio de Gravata, em 2000, e a
perda da Ford para a Bahia so exemplos concretos da atuao do Estado atravs das
unidades da federao, as quais operam, como j indicado, no sentido de favorecer a
instalao dessas empresas, imersas em um contexto de acirradas disputas de guerra
fiscal.
Em relao General Motors, alguns pontos so de especial interesse. A atrao da
fbrica representou um grande esforo institucional do Estado do Rio Grande do Sul, haja
vista a quantidade de leis e decretos aprovados com a finalidade de viabilizar o
investimento. Um outro aspecto foi a falta de capacidade de direcionar esses
investimentos para fora das reas j industrializadas; na verdade, a deciso sobre a
localizao dessas empresas vinculou-se a uma ampla reorganizao da produo mundial,
associada a uma estratgia de expanso, acirramento da concorrncia das empresas,
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reorganizao produtiva e saturao dos mercados dos pases desenvolvidos (ALMEIDA et
al., 2006).
Um fato ainda mais recente, que ilustra bem a capacidade das empresas globais
pautarem o planejamento territorial do Estado, foi a expanso das papeleiras no Rio Grande
do Sul. Viabilizado, parcialmente, pela crise mundial, o projeto de difuso das papeleiras,
acordado em um Protocolo de Intenes, comprometia o Governo do Estado com
investimentos de grande vulto, todos no sentido de disponibilizar um sistema logstico
favorvel instalao das empresas. No caso das empresas Aracruz e Votorantim, o Estado
devia executar as seguintes obrigaes: complementao do modal rodovirio, envolvendo
obras junto ao entorno das fbricas, acesso s fazendas de produo e aos terminais de
exportao; medidas de suporte tributrio, com a desonerao de ICMS para as empresas
que participassem do investimento; liberao da circulao de veculos de transporte de
grande porte; elaborao e execuo de um plano de qualificao dos trabalhadores da
empresa.
Merecem tambm destaque os investimentos nos segmentos do tabaco realizados
nas regies do Vale do Rio Pardo e do Taquari e, contemporaneamente, no entorno
metropolitano , na indstria de laticnios, no norte e noroeste gachos, e no campo da
produo de energia. Este ltimo tem-se expandido, diversificando as formas de gerao de
energia: termeltrica, na regio da Campanha; hidreltrica, junto Bacia do Rio Uruguai; e
elica, a partir de projetos implantados na rea litornea. Ademais, podem ser citados os
investimentos na indstria naval no municpio de Rio Grande e segmentos relacionados ao
Porto do Rio Grande. O municpio tem recebido expressivos recursos, consolidando-se
como referncia nacional na fabricao de plataformas de petrleo e demais equipamentos.
Em conjunto, todos esses projetos evidenciam a presena e o papel decisivo dos
grandes players globais para o desenvolvimento econmico do Rio Grande do Sul e, mais
especificamente, para os territrios que so privilegiados por esses capitais. O volume de
investimentos privados, sobretudo na ltima dcada, foi significativamente ampliado, sendo
muito superior aos destinados pelo Estado, sejam eles em nvel federais ou estaduais.
Embora sigam um padro em que o capital tem primazia na negociao com os territrios,
no se deve desconsiderar que esses investimentos, sem se preocuparem diretamente com
o equilbrio territorial, podem contribuir, ainda que de forma tnue, para o desenvolvimento
das unidades da federao e para a desconcentrao das atividades econmicas no Rio
Grande do Sul.
Resumidamente, o Estado, no Rio Grande do Sul, atravs das polticas
desenvolvidas a partir dos anos 1990, tem-se empenhado na atrao desses atores,
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concedendo incentivos fiscais e criando infraestruturas capazes de dar suporte a esses
investimentos2. Entretanto, os resultados desse esforo demonstram, claramente, suas
limitaes na promoo de polticas e sua baixa capacidade de escolher os setores a ser
estimulados nas regies. Por outro lado, evidencia o papel das grandes empresas
estrangeiras como agentes transformadores dos territrios, o que ocorre, muitas vezes, em
desfavor do equilbrio territorial, agravando ainda mais as fraturas existentes entre as
regies pobres e ricas. Ao Estado, nas diferentes esferas, tem restado o papel de controle e
regulao, que, por vezes, exercido em favor do estmulo instalao dessas empresas.
3 A escala nacional e as polticas de desenvolvimento regional
A partir das bases legais definidas pela Constituio de 1988 e com a estabilizao
econmica e o arrefecimento da onda privatista no final dos anos 1990, comearam a
aparecer os primeiros sinais de uma efetiva recuperao do planejamento de mdio e longo
prazo entre as atividades e planos de desenvolvimento elaborados pelo Estado. Assim,
ainda que tenha ficado mais no campo do discurso que no das prticas, o planejamento
territorial foi novamente incorporado escala nacional atravs da ao do Governo Federal,
que passou a dar maior nfase elaborao de estratgias de futuro, integrao territorial e
reduo de desigualdades regionais.
A retomada do planejamento territorial significou, para o pas e para grande nmero
de estados, uma nova oportunidade para dar ateno s fraturas territoriais, acentuadas,
nas ltimas dcadas, pelo longo perodo de abandono dessa temtica e pela ausncia de
polticas pblicas que visassem reduzir as desigualdades regionais. Na rea do
desenvolvimento regional, o Programa das Regies Diferenciadas pode ser considerado
uma das primeiras tentativas de distinguir recortes territoriais com o objetivo de implantar
polticas especficas3. Atravs dele, foram reforados e mesmo criados recortes regionais
voltados ao desenvolvimento de regies pouco dinmicas. Para o Rio Grande do Sul, um
dos resultados foi a institucionalizao das atuais mesorregies da Metade Sul do Rio
Grande do Sul e da Grande Fronteira do Mercosul.
A construo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) organizou,
efetivamente, a ao do Estado, ao estruturar o mtodo de operao para o combate s
desigualdades regionais4. Ela restabeleceu o vis territorial da ao estatal, dando enfoque,
atravs de uma abordagem multiescalar, ao aspecto desigual do desenvolvimento e s
disparidades de renda. A articulao entre os diferentes nveis escalares foi viabilizada
mediante a elaborao de um mapa de elegibilidade, definido a partir de uma tipologia de
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renda que divide o territrio em quatro grupos de microrregies ou municpios: alta renda,
dinmicas, estagnadas e de baixa renda. Junto da PNDR e seguindo suas definies de
reas prioritrias para a ao, foram produzidos instrumentos para a interveno nos
diferentes nveis escalares, quais sejam: planos, programas e fundos de combate s
desigualdades regionais. No Rio Grande do Sul, as intervenes da PNDR restringiram-se
aos instrumentos denominados planos e programas nas escalas macrorregional e regional.
A Regio de Fronteira foi uma das reas selecionadas, tendo sido objeto de um
amplo Plano Estratgico de Desenvolvimento. Esse plano constituiu as bases para a
preparao do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), o qual
viabilizou, ainda que de maneira tmida, projetos nas chamadas cidades gmeas. Esses
projetos, predominantemente, constituram-se em pequenas obras destinadas melhoria da
infraestrutura das cidades de fronteira, em especial nas reas de saneamento, urbanizao,
educao, sade e assistncia social. O PDFF tambm apoiou o desenvolvimento de aes
direcionados aos segmentos produtivos potenciais das regies, articulados com o Programa
de Promoo da Sustentabilidade de Espaos Sub-Regionais (PROMESO)5.
O PROMESO foi, sem dvida, o instrumento da PNDR com aes mais destacadas
no territrio gacho. Ele foi posto em prtica nas Regies Diferenciadas da Metade Sul do
Rio Grande do Sul e na Grande Fronteira do Mercosul a primeira, localizada totalmente
no territrio gacho, e a segunda, abrangendo municpios do noroeste e norte e parte dos
estados de Santa Catarina e Paran. As principais repercusses dele foram a criao do
Frum da Mesorregio da Metade Sul e da Mesorregio Grande Fronteira do Mercosul, as
iniciativas de apoio aos APLs e a capacitao de recursos humanos para a competitividade.
Tambm deve ser ressaltada a fundao da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e
da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) resultados de debates nos fruns
regionais.
No que se refere organizao institucional, o Ministrio da Integrao Nacional (MI)
tem sido o principal brao de ao do Estado na escala nacional das polticas territoriais
dirigidas a regies menos desenvolvidas, detendo a atribuio e desempenhando papel
ativo na promoo de polticas de desenvolvimento regional. A no-regulamentao do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), previsto como instrumento da PNDR
desde sua concepo, conferiu um papel ainda mais decisivo ao MI, porquanto o Rio
Grande do Sul no est sob jurisdio dos fundos constitucionais j existentes, destinados
s reas estagnadas e de baixa renda. Desse modo, ficou a seu cargo a articulao dos
atores para elaborao dos planos e tambm a viabilizao dos projetos priorizados e
discutidos junto s regies.
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Com menor destaque, outros rgos federais e empresas pblicas apresentam
estratgias territorializadas ou influenciam as aes na escala nacional. O Ministrio do
Planejamento Oramento e Gesto (MPOG), por exemplo, centraliza os instrumentos
formais de planejamento, possuindo a funo de atuar no tema atravs da promoo de
polticas multissetoriais. Contudo, o planejamento governamental, elaborado via MPOG, tem
demonstrado dificuldades em construir e executar polticas territoriais com enfoque
multissetorial. O Plano Plurianual federal aparece como um exemplo concreto dessas
dificuldades, pois no tem materializado os avanos da PNDR na elaborao de programas
e aes governamentais.
H aes federais que se preocupam com a territorialidade das aes
governamentais, mas, ao mesmo tempo, possuem enfoques setoriais, e, por tal razo, no
foram considerados como formuladores de polticas de desenvolvimento regional no mbito
desta pesquisa. Dentre estas, encontra-se o programa Territrio Rurais, conduzido pelo
Ministrio do Desenvolvimento Agrrio mais tarde, seu escopo foi ampliado, passando a
ser denominado de Territrios da Cidadania.
Vale frisar, ainda, a atuao do BNDES, da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuria (EMBRAPA) e da PETROBRAS. O BNDES se destaca por ser um banco
pblico que financia projetos de acordo com as estratgias de desenvolvimento regional,
como o Programa de Reconverso Produtiva da Metade Sul do Rio Grande do Sul
(RECONVERSUL); j a EMBRAPA, por apresentar uma estratgia nacional que apoia
localmente projetos inovadores no desenvolvimento agropecurio. O trabalho da
PETROBRAS no setor estratgico de energia lhe confere grande importncia. Aes como a
construo e manuteno de refinarias de petrleo, incentivo e apoio produo de
biodiesel e a realizao de investimentos na construo de plataformas de petrleo tm
grande capacidade de dinamizar a economia local. Esse tipo de ao pode ser observada
na indstria naval implantada no municpio de Rio Grande, embora seus efeitos no sejam
ainda notados nas regies vizinhas.
Entre os atores no-governamentais que apresentam estratgia para o territrio
nacional, esto alguns integrantes do Sistema S6, formado por instituies vinculadas ao
interesse de categorias profissionais, em sua maioria de direito privado. Distingue-se, do
conjunto, o Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o qual,
embora mantenha uma estratgia nacional, desenvolve suas aes em interface com a
escala local, na medida em que trata da capacitao de trabalhadores e do desenvolvimento
de projetos vinculados aos Arranjos Produtivos Locais (APLs) de cada regio.
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O MI tem-se encarregado de alimentar o debate sobre o desenvolvimento nas
regies atravs da realizao sistemtica de seminrios, reunies tcnicas e formaes,
assim como de impulsionar o envolvimento de rgos e instituies governamentais que
possuem estrutura territorializada. Boa parte dessas iniciativas vem sendo realizada desde o
processo de elaborao do Plano Estratgico da Regio de Fronteira e dos Planos de Ao
para as Regies Diferenciadas. Merece meno o Curso de Gesto Estratgica de
Desenvolvimento Regional e Local, realizado em maro de 2009, no municpio de Santa
Maria. O evento foi promovido pelo MI, em parceria com os Fruns das Mesorregies da
Metade Sul e Grande Fronteira do Mercosul, o Governo do Estado, os Conselhos Regionais
de Desenvolvimento (COREDEs)7 e governos municipais, com apoio tcnico do Instituto
Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econmico e Social (ILPES).
Esse modelo de atuao conjunta dos governos federal, estadual e municipal no
tem sido a forma predominante de construo e implementao de polticas na escala
nacional. A dificuldade de estabelecer um dilogo entre os governos federal e estadual tem
levado o MI a operar com os prprios agentes regionais, principalmente com universidades
regionais, prefeituras e movimentos sociais. A mobilizao regional para aes mais
abrangentes e desenvolvimento de projetos viabilizada pelos Fruns das Mesorregies
Diferenciadas, que tm nos COREDEs sua base de organizao e, por consequncia, uma
relevante participao das universidades comunitrias.
No PROMESO, a execuo dos projetos tem-se tornado exequvel pela ao dos
municpios, predominantemente. Tambm aparecem como responsveis pela efetuao de
projetos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA) e, em limitados casos,
o Governo do Estado. No caso da Mesorregio da Grande Fronteira do Mercosul, cujas
aes envolvem municpios dos trs estados sulinos, significativa a participao de
fundaes e organizaes no-governamentais de Santa Catarina e Paran.
4 A escala estadual: o protagonismo do Estado do Rio Grande do Sul e dos atores regionais
A escala estadual foi aqui entendida, prioritariamente, como a atuao do Estado do
Rio Grande do Sul em diferentes recortes regionais atravs de seus poderes, constitudos
no intuito de promover o desenvolvimento mais equilibrado entre as regies. Ela
corresponde tambm ao das organizaes de atores que possuem uma estratgia
organizada para todas as regies do estado e tm exercido algum protagonismo na
construo de um projeto de desenvolvimento ou mesmo liderado o processo de articulao
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de iniciativas regionais, funcionando, assim, como um filtro entre as demandas da sociedade
e as polticas governamentais.
Considerando essa abrangncia, o interesse pela questo regional no Rio Grande do
Sul foi retomado com alguma premncia em comparao aos demais estados brasileiros. A
existncia de pores do territrio que se inseriram de forma marginal no processo de
desenvolvimento do estado foi, certamente, um fator preponderante para que se desse uma
maior ateno ao assunto e para que o poder pblico mantivesse uma postura mais
propositiva em relao s desigualdades regionais.
Mas no s isso. O ambiente nacional, marcado por estabilidade poltica e
econmica, colaborou para o retorno de temas e preocupaes relacionados ao
planejamento, o que propiciou, igualmente, a retomada das discusses sobre o problema da
fragmentao territorial. No Rio Grande do Sul, como indicado acima, o movimento em
direo elaborao de polticas de desenvolvimento regional e instituio de mecanismos
de participao popular ocorreu de forma antecipada, sendo influenciado, em grande
medida, por dois motivos principais: a emergncia da questo da Metade Sul e a
instaurao de governos mais engajados na democratizao do Estado.
O primeiro deles teve como elemento propulsor o surgimento de uma ao poltica
de cunho regional, iniciada em meados da dcada de 1980, em favor da emancipao da
Metade Sul do estado como unidade federativa. Isso gerou uma reao do Governo do
Estado, que, associado ao Governo Federal, foi obrigado a propor iniciativas concretas para
evitar o fortalecimento de tal ideia8. De certo modo, a formalizao do recorte da Metade Sul
exemplifica a contradio da posio do Estado nas escalas nacional e estadual, que, em
uma clara tentativa de sustentar seu poder sobre o territrio, no sentido proposto por
Raffestin (1993), e desenvolver suas polticas generalizantes, passa a valorizar a questo
regional. Alm disso, o empobrecimento da regio e a formulao de um consistente
discurso acadmico e poltico favorvel emancipao fez com que o Estado formulasse e
mantivesse um discurso nesse sentido apesar de no haver um consenso sobre sua real
necessidade ou se a demanda representava o que as comunidades locais efetivamente
desejavam.
Depois dessa primeira movimentao, foram idealizados outros recortes territoriais,
tambm eles objeto de polticas pblicas. Esse o caso do Plano de Desenvolvimento
Sustentvel da Bacia do Rio Uruguai, de 1997(9), e do grupo de COREDEs com Produto
Interno Bruto (PIB) abaixo da mdia do estado. Os novos recortes tiveram em comum o fato
de a maior parte deles surgir como reao falta de prioridade dada a regies que no
conseguiam se inserir, adequadamente, no processo de desenvolvimento mais amplo. Os
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exemplos citados acima foram tratados de modo prioritrio nas polticas pblicas,
transformando-se, respectivamente, em regio diferenciada do MI, denominada Grande
Fronteira do Mercosul, e no Grupo de Trabalho para as Regies Menos Dinmicas.
O segundo motivo foi a eleio de governantes mais comprometidos com os
movimentos sociais na Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Eles instalaram prticas de
participao popular no fazer poltico, mesclando democracia representativa e
participativa10. Essa tendncia estendeu-se para o Governo do Estado com a eleio do
governador Alceu de Deus Collares, no ano de 1990, cujo mandato foi de 1991 a 1995. Em
sua gesto, a experincia dos Conselhos Populares foi ampliada para o Estado, sendo
criados, assim, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CRDs), renomeados,
posteriormente, de COREDEs. Com a fundao dos COREDEs, inaugurou-se a prtica da
participao da sociedade no planejamento governamental, inicialmente por meio de
demandas encaminhadas ao sistema de planejamento e, logo depois, de forma mais
sistemtica, ao Plano Plurianual e ao Oramento do Estado. Em que pesem as crticas
sua hegemonizao por alguns atores, a criao dessa institucionalidade representou uma
das iniciativas mais inovadoras no campo da organizao dos agentes regionais,
constituindo-se em um importante ativo.
Os COREDEs possuam um funcionamento autnomo, caracterstica que possibilitou
a esse frum realizar a mediao da ao do Estado com as demandas regionais, uma vez
que, pela sua estrutura, podiam contemplar todos os segmentos da sociedade civil
organizada. Porm, a falta de representatividade de muitos desses segmentos na
composio dos Conselhos Regionais levou o Estado, em alguns momentos, a buscar
novas alternativas para uma participao mais ampla. Isso ocorreu especialmente no
perodo de 1999 a 2002, quando os COREDEs passaram a ser tratados como mais um ator
regional nos debates do Oramento Participativo. No perodo, uma estrutura estatal paralela,
representada na figura dos coordenadores regionais do Oramento Participativo, mobilizava
diretamente os agentes envolvidos no processo de elaborao do Oramento. De certo
modo, essa situao, resultado de um momento singular em que se objetivava incluir novos
atores no processo oramentrio, tornou-se, em menor grau, prtica poltica dos governos
seguintes. Embora continuem como frum de discusso privilegiado da questo regional e
canal oficial de participao no planejamento governamental, os COREDEs tm sido
tratados, pelo Governo do Estado, como um ator especfico, no como um frum que rene
um conjunto extenso de atores, sendo, por vezes, mobilizados por fora da estrutura dos
conselhos. Com isso, eles passam a ser um ator responsvel por filtrar as demandas da
sociedade civil.
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O fato exposto demonstra, em certa medida, a falta de capacidade de algumas
regies para mobilizar diferentes agentes da sociedade. No cabe, aqui, avaliar o sucesso
dos COREDEs, no entanto importante sublinhar que existem vrios tipos e graus de
organizao e de participao nas 28 regies que atualmente os compem. De forma geral,
pode-se afirmar que naquelas em que h um maior dilogo e juno com a sociedade civil,
existe mais clareza na formulao de estratgias regionais, bem como das prioridades para
o desenvolvimento e efetivao delas sem contar que isso faz com que elas se
mantenham durante os sucessivos encaminhamentos aos instrumentos de planejamento do
Estado, como se pode verificar no histrico da apresentao de prioridades do Plano
Plurianual.
Um fator que interfere diretamente nesse aspecto a forma como a estrutura dos
conselhos regionais foi construda no estado e em suas respectivas regies. O movimento
de criao dos COREDEs foi desencadeado pelo governo estadual, tendo como principais
parceiros as universidades, notadamente a densa rede de universidades comunitrias
existentes no estado. Isso beneficiou, tanto na organizao e articulao dos agentes
quanto no suporte para o planejamento e organizao das demandas regionais, os
interesses das regies que possuam universidades mais atuantes.
V-se que as universidades tiveram um papel destacado desde o incio do processo
de participao, o que explica a influncia delas no funcionamento dos COREDEs e nas
escolhas por eles realizadas. Um exemplo concreto da capacidade de articulao dessas
instituies o Programa dos Polos Tecnolgicos, um dos mais tradicionais do estado,
estruturado com base na rede de universidades e, no por acaso, priorizado na maioria das
edies da Consulta Popular em vrias regies. Sem desconsiderar as vantagens que a
ao dessas instituies tem trazido para o desenvolvimento das regies, sendo, muitas
vezes, promotoras do debate em torno de questes mais amplas, convm assinalar que
essa posio quase hegemnica traduzida na aprovao de projetos pode ter preterido
a participao de agentes regionais que no possuam a mesma capacidade de articulao
e oportunidade de atuao. Para entender esse ponto, interessante recuperar,
rapidamente, a proposta de Gramsci (2004) para explicar o papel decisivo exercido pela
classe intelectual na construo de uma hegemonia. Como mostra o autor, essa classe, por
ser mais preparada, tende a influenciar bastante nas decises e, assim, a reproduzir um
modo de pensar dominante em uma determinada regio.
Concernente capacidade de propor estratgias de desenvolvimento para as
regies, apesar de que o Estado sempre tenha se preocupado com o acompanhamento das
atividades desenvolvidas pelos conselhos regionais, estimulando-os a organizar seus planos
Revista Poltica e Planejamento Regional (PPR), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-80, jan./jun. 2014.
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estratgicos de desenvolvimento desde sua implantao, a maior parte dos planos
elaborados, pelo menos at o ano de 2009, reunia apenas um conjunto de intenes sem
nenhuma priorizao. Somente em 2010, para atender uma histrica reivindicao dos
conselhos regionais, o Governo do Estado lanou o Planejamento Regional Integrado, cujo
objetivo era elaborar 28 planos estratgicos de desenvolvimento com metodologia unificada.
O processo contou com uma capacitao da CEPAL/ILPES, promovida pelo MI em conjunto
com o Governo do Estado e COREDEs. Como resultado, foram produzidos um diagnstico
da realidade de cada regio, propostas estratgias para seu desenvolvimento e uma
carteira, por ordem de importncia, de projetos prioritrios. Essas propostas esto sendo
consideradas no processo de construo do Plano Plurianual 2012-2015 e nos novos
instrumentos de participao desenhados a partir de 2011.
No se pode deixar de apontar, para alm dos pontos positivos da inter-relao, que
o Estado tem contribudo tambm para que os COREDEs se afastem de um de seus papis
mais importantes, a saber: a discusso sobre as estratgias de desenvolvimento. Por um
lado, o grande avano que representou a participao no Oramento Estadual levou as
regies a concentrarem seus esforos na repartio dos recursos provenientes dos
mecanismos de participao popular. Por outro, a excessiva preocupao com a repartio
dos recursos do Oramento fez com que os conselhos pusessem em segundo plano os
debates relacionados ao futuro das regies. Do ponto de vista da questo regional, o olhar
simultneo para questes de curto (repartio) e longo prazo (futuro) fundamental para
que sejam feitas escolhas que influenciem positivamente o desenvolvimento das regies
da a importncia de se ressaltar os problemas advindos da relao dos COREDEs com a
instituio Estado.
Em referncia formulao de planos e polticas, a principal interface de atuao do
Estado do Rio Grande do Sul na questo regional tem sido representada pela Secretaria da
Coordenao e Planejamento (SCP), atualmente denominada Secretaria do Planejamento,
Gesto e Participao Cidad (SEPLAG). A partir de 1995, as aes do governo estadual
relativas ao desenvolvimento regional passaram a ser centralizadas nessa secretaria,
inicialmente no Departamento de Desenvolvimento Regional e Urbano (DDRU), que
funcionou at o ano de 2002. Tal departamento ficou responsvel pelo acompanhamento
dos COREDEs, realizando um trabalho continuo de fomento de sua estruturao,
organizao da personalidade jurdica para recebimento dos recursos previstos por decreto
e estmulo elaborao de planos regionais de desenvolvimento. Atravs da SCP, foram
propostas a Poltica de Desenvolvimento Regional de 1998 e a Consulta Popular11, seu
principal instrumento.
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Em 2004, aps uma frustrada tentativa de criao do Gabinete de Combate s
Desigualdades Regionais, com status de Secretaria de Estado, o papel de formulao de
polticas destinadas reduo das desigualdades regionais retornou SCP, onde se
mantm at os dias atuais12. Tambm tiveram atuao nessa rea a Secretaria do
Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (SEDAI), a Secretaria Extraordinria de
Relaes Institucionais (SRI) e o Gabinete da Vice-Governadoria. A primeira passou a
denominar-se, em 2011, Secretaria do Desenvolvimento e Promoo do Investimento
(SDPI) e, a segunda, depois de sua extino, teve parte de suas funes incorporada
SEPLAG, no Departamento de Participao Cidad (DEPARCI).
A SEDAI foi a responsvel, de 1991 a 1994, pela gestao e implantao do
programa que instituiu os COREDEs, pela coordenao do Fundo Operao Empresa
(FUNDOPEM) e, posteriormente, do Programa de Harmonizao do Desenvolvimento
Industrial do Rio Grande do Sul (INTEGRAR/RS)13, papel que ainda desempenha, mas com
a denominao de SDPI. A SRI, fundada em 2003, ocupou-se das relaes de cunho
executivo com as regies, tendo entre suas principais obrigaes a operacionalizao da
Consulta Popular, bem como o repasse de recursos para a ajuda de custo e, mais
recentemente, para os planos estratgicos de desenvolvimento dos COREDEs.
De forma independente, a Assembleia Legislativa do Estado tem desempenhado um
importante papel no curso da priorizao da questo regional na agenda poltica, ora
reforando a ao do Poder Executivo, ora propondo debates ou encontros sobre o tema.
Em relao atuao dela, devem ser citados dois exemplos relevantes. O primeiro foi sua
participao ativa na gestao do recorte territorial e dos programas para a Metade Sul.
Nessa ocasio, ela agiu de forma a legitimar, politicamente, o recorte, criando a Comisso
Especial para o Desenvolvimento da Metade Sul, atravs da qual foram promovidas
reunies em alguns municpios e, ao mesmo tempo, levantadas demandas e estratgias
favorveis ao desenvolvimento da regio. O segundo foi a instituio do Frum Democrtico
de Desenvolvimento Regional, em 1999. Ele foi estabelecido aps um intenso debate
pblico que tinha como meta rechaar a legitimidade da Consulta Popular, implementada no
ano de 1998, e implantar o Oramento Participativo. Alijados do processo devido figura
dos coordenadores do Oramento Participativo, os Conselhos Regionais de
Desenvolvimento aliaram-se Assembleia Legislativa, Federao das Associaes de
Municpios (FAMURS) e Unio de Vereadores do Rio Grande do Sul (UVERGS) e
fundaram o Frum Democrtico de Desenvolvimento. Em 2008, depois de uma
reformulao, o Frum passou a ser chamado de Frum Democrtico de Desenvolvimento
Regional e teve ampliada a sua representao, contando, a partir de ento, com
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representantes da Assembleia Legislativa, dos COREDESs, de universidades, da sociedade
civil organizada e de instncias federativas. Entre suas atividades mais recentes para a
promoo do desenvolvimento regional, est o projeto Sociedade Convergente,
responsvel, desde 2007, por um amplo conjunto de reunies e discusses sobre o tema.
Esse projeto j teve como resultado uma publicao com proposies para reas
selecionadas.
Os demais atores, especialmente os vinculados iniciativa privada, apresentam, de
acordo com as regies, envolvimentos distintos. Pela amplitude adquirida, mesmo que em
um perodo recente, deve ser mencionada a Agenda 2020, frum desenvolvido a partir de
uma iniciativa empresarial desde 2006. Ele sustentado pela Agncia de Desenvolvimento
Polo RS e tem, insistentemente, ocupado espao na mdia gacha. A Agenda 2020
apresenta forte contedo reformista e, tendo como propsito tornar o Estado o melhor lugar
para se viver e trabalhar at 2020, defende ideias para o setor pblico baseadas em
conceitos como diminuio do Estado, meritocracia e ajuste fiscal. Possui um conjunto de
propostas elaboradas por voluntrios e, por isso, oriundas de vrios trabalhos, muitos
deles produzidos pelo prprio Poder Executivo. Com respeito ao desenvolvimento regional,
a Agenda tem propagado propostas produzidas pelo prprio Governo do Estado,
fundamentadas nas concepes de agenda mnima e governana regional.
Considerando os atores da escala estadual nas polticas de desenvolvimento
regional, pode-se postular que, no territrio do estado do Rio Grande do Sul, a ao deles
vem sendo construda de forma interdependente: o Estado, com o papel preponderante de
propor a poltica regional, e as regies, organizadas principalmente atravs do frum dos
COREDES, como agentes cada vez mais atuantes no processo. Duas interpretaes
tericas so bem apropriadas para o entendimento desse processo. A primeira, apoiada em
Raffestin (1993), refere-se ao comportamento do Estado e das regies na produo de
polticas de desenvolvimento regional. Para o autor, o poder estatal intenta empreender
polticas generalizantes, mas pressionado pelas regies, que representam seu
contraponto, ou seja, a diversidade. A segunda, inspirada em Gramsci (1975), compreende
a atuao dos atores como parte de uma construo hegemnica de um determinado
perodo histrico. Para o pensador italiano, essa construo implica a subordinao de
algumas classes e resultado de um jogo complexo de atores numa disputa pelo poder, na
qual, de um lado, est a sociedade poltica e, do outro, a sociedade civil: enquanto esta
busca obter mais acesso s decises, aquela procura consolidar seu poder atravs do
Estado. De certo modo, a luta dos atores regionais para influenciar as decises nas
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instncias governamentais de planejamento e oramento est relacionada a uma busca por
uma efetiva participao nas deliberaes e tambm por mais poder poltico.
Outro elemento que dificulta a superao das caractersticas relativas ao
subdesenvolvimento a complicada tarefa de se formar lideranas capazes de operar a
favor de uma verdadeira transformao nas regies. Nesse aspecto, a classe intelectual
ganha em importncia por sua capacidade de realizar o debate, utilizando-se de elaboradas
anlises do mundo acadmico para construir uma viso hegemnica. O acesso desigual
formao acadmica em uma sociedade com grandes diferenas de renda, bem como o
lento e complexo processo de formar lideranas vinculadas a diferentes movimentos sociais
conduzem a uma tendncia natural de dominao dos estratos hegemnicos (GRAMSCI,
2004).
5 A escala regional ou sub-regional e sua articulao para o desenvolvimento regional
A escala regional ou sub-regional compreende mltiplos atores que atuam nas
polticas de desenvolvimento regional na malha territorial concreta, ou seja, no espao
vivido, onde se realizam, efetivamente, as prticas sociais. Como j foi observado, no se
trata do local, muitas vezes confundido com a abrangncia municipal, mas, sim, de um
nvel intermedirio de articulao entre essa esfera e a que est logo acima, a escala
estadual.
Embora se relacionem com os demais atores do processo, os agentes dessa escala
no transitam com a mesma desenvoltura entre as diferentes escalas e, normalmente,
delegam sua participao a algum que os represente. Assim, cada regio possui atores e
redes de associao de densidades distintas, os quais, atravs das relaes de poder,
constroem sua hegemonia e definem seus representantes. Isso no significa que esses
agentes tenham sua atuao restrita exclusivamente s regies, pois tambm se articulam
com a sociedade, a cultura e a economia todas elas permeadas pelas diferentes escalas.
Mas o ponto que aqui deve ser marcado que a atuao da regio no mbito das polticas
regionais no definida somente pela articulao direta dos seus atores ou pela densidade
de suas relaes de rede, mas tambm pelo protagonismo de quem se legitima como
representante dela.
A escala regional pode ser considerada a mais significativa do ponto de vista da
atuao dos atores; contudo, a populao pouco se envolve na discusso da questo
regional de forma direta. Existe, de modo geral, uma tendncia natural de atuao mais
incisiva em questes cotidianas, relacionadas aos problemas dos municpios e das cidades,
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especialmente no caso dos centros de maior porte. Desse modo, a mobilizao macia para
questes que extrapolam esse espectro fica restrita a temas nos quais as pessoas
vislumbram um interesse imediato, normalmente financeiro. Isso fica ainda mais evidente
quando se trata da construo de polticas de desenvolvimento de longo prazo, com maior
abrangncia territorial. So exemplos disso a preponderncia da participao direta em
assuntos mais concretos, como no caso da Consulta Popular, e, diversamente, a forma
como a sociedade tem-se envolvido na elaborao de planos estratgicos regionais.
Alm disso, a estrutura das esferas de poder do Estado brasileiro influencia o
processo. H, entre os governos estaduais e municipais, uma lacuna poltico-administrativa
que tem dificultado a propagao de uma cultura alicerada na construo de estratgias
regionais e de projetos que envolvam solues para fora dos limites municipais. Assim, no
debate cotidiano, predominam as questes que so objeto de reivindicao direta
representao local, ao municpio e a seus poderes constitudos, como as que se referem
sade, educao, segurana e emprego.
importante sublinhar tambm que a democratizao do Estado um processo
recente e ainda no atingiu nveis de descentralizao que permitam um maior envolvimento
da populao, o que beneficia os atores mais estruturados e que possuem interesse ou
algum acmulo sobre o tema. Frisar esse aspecto no significa refutar os avanos do
processo em curso, nem tampouco dizer que essa busca tenha de ser promovida fora da
institucionalidade existente, especialmente no que tange aos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento. Apesar de ter seu funcionamento autnomo, o frum propiciado pelos
COREDEs um frum pblico, criado pelo Estado, cujo papel de acompanhamento e
promoo da incluso dos atores excludos vem sendo deixado de lado. Isso pode ser
ilustrado com o fato de o Estado, desde 1998, no realizar um acompanhamento mais
sistemtico das atividades rotineiras dos conselhos. A ao estatal recente tem visado mais
ampliao do pblico que participa das votaes do oramento e elaborao de listas de
demandas para alimentar outros instrumentos de planejamento; j o estmulo organizao,
participao e construo de estratgias regionais ligadas prpria realidade das regies
vem sendo posto em segundo plano.
No obstante esse quadro, tanto o interesse despertado pelo tema quanto a resposta
dada mobilizao podem ser ponderados. Em um pas em que questes relacionadas s
necessidades bsicas da populao, como a pobreza, a fome, as deficincias na habitao
e no saneamento, dentre outras, ainda no foram resolvidas de modo satisfatrio,
compreensvel que a temtica do desenvolvimento regional fique relegada a um papel
secundrio, especialmente por parte dos atores sociais excludos. Nesse sentido, os
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avanos j obtidos devem ser valorizados, e a caminhada para a democratizao dos
processos de descentralizao, embora lenta, precisa ser continuamente alimentada pelo
interesse pblico atravs do Estado.
Pode-se afirmar, considerando todos esses pontos, que a atuao da escala regional
nas polticas destinadas ao combate das desigualdades regionais no Rio Grande do Sul
tem-se concretizado de acordo com a capacidade e o interesse do Governo do Estado em
promover a questo regional e com o protagonismo dos atores que foram legitimados para
representar as regies. No caso do Estado, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento e
as Associaes de Municpios, por estarem organizados e atuarem tambm na escala
estadual, estabeleceram-se como os principais atores, filtrando as demandas regionais e,
em seguida, encaminhando-as para as demais escalas. No que se refere aos COREDEs,
vale mencionar que eles esto organizados tambm em nvel municipal, atravs dos
Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDEs), responsveis pela organizao das
demandas dos municpios.
Outros atores tm participado do debate sobre as polticas de desenvolvimento
regional, diferenciando-se de acordo com a regio, como as universidades, as entidades
representativas de classe, os sindicatos e as associaes cooperativas. Os governos
municipais tambm vm desempenhando um importante papel na poltica regional, e atuam
nela de duas maneiras: os municpios no contemplados pela estratgia do mercado
tendem a dirigir-se aos governos Estadual e Federal na busca de polticas para reverter o
processo de excluso; j aqueles que conseguem vantagens competitivas relacionam-se, de
forma direta ou com a mediao do Governo Estadual, com empresas globais, podendo
obter grandes benefcios para seu territrio. Concernente ao ltimo caso, vale citar a
instalao da Nestl, em 2008, em Palmeiras das Misses. A escolha desse municpio para
um investimento inicial de R$ 30 milhes foi pautada, em grande parte, nas vantagens
competitivas de uma bacia leiteira consolidada; no entanto, a articulao dos prefeitos da
regio, negociando com o Governo do Estado o retorno fiscal que seria gerado pela
produo de leite entregue empresa, foi tambm fundamental para a deciso.
As universidades comunitrias e regionais, mesmo desempenhando funes que
extrapolam a escala regional, influenciam decisivamente nas decises tomadas nesse
mbito. Elas, desde sua origem, esto articuladas com os COREDEs e contribuem
fortemente para a promoo de projetos direcionados ao desenvolvimento e inovao,
bem como propem capacitaes para a populao local. Tambm apresenta um papel
importante a atuao do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE), o qual adota uma estratgia territorializada para atuar em favor do
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desenvolvimento. Atravs de sua estrutura regionalizada, o SEBRAE coopera para a
elaborao de parcerias locais, para o incentivo das potencialidades das regies e auxilia no
Apoio de Arranjos Produtivos Locais (APLs). A maior parte de sua ao feita pela sua
prpria rede, mas tem tambm operado nos fruns regionais, na medida em que seus
projetos so destacados como de interesse para as regies.
Figura 1 Escalas de poder e gesto atores mais representativos que atuam nas
polticas de desenvolvimento regional
Fonte: O autor
6 Consideraes finais
A questo regional tem-se mostrado um tema recorrente entre as preocupaes
relacionadas ao desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul, especialmente quando o
objetivo formular polticas para diminuir a distncia que separa as regies mais ricas das
mais pobres. A implementao dessas polticas permeada pela atuao de vrios atores,
organizados atravs das escalas global, nacional, estadual e regional ou sub-regional.
A escala global influencia diretamente o comportamento das demais escalas,
sobretudo da regional. Ao optar pela localizao em um territrio especfico, seguindo uma
estratgia de mercado, uma grande empresa gera oportunidades de investimentos para todo
o seu entorno. Por outro lado, desafia constantemente o Estado para que este exera seu
papel de controlador e regulador, a fim de que seja evitado o agravamento das
desigualdades entre as regies vizinhas.
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As escalas nacional e estadual so as que tm apresentado maior protagonismo na
questo regional, uma vez que tm promovido a retomada dessa discusso. Alm disso,
atravs delas que o Estado prope as polticas de desenvolvimento regional. Outros atores
desempenham papel relevante nessas escalas, especialmente os que possuem alguma
estratgia de ao territorial e que atuam junto aos fruns de desenvolvimento. Contudo, os
agentes que hegemonizam os fruns de desenvolvimento regional so os que recebem
maior destaque. No Rio Grande do Sul, esse papel vem sendo desempenhado pelos
Conselhos Regionais de Desenvolvimento, com atuao marcante das universidades em
especial, as comunitrias e das prefeituras municipais.
A escala regional, embora seja onde efetivamente as polticas se concretizam, ainda
parece um pouco distante de uma ao mais organizada na questo regional, isto porque o
debate sobre problemas de maior amplitude no tm sensibilizado a maioria dos atores
locais. Dentre os fatores que contribuem para esse quadro, encontra-se o fato de a escala
regional no se relacionar hierarquicamente com as demais escalas atravs da estrutura
formal do Estado. Ademais, fica evidente que h dificuldade em mobilizar os atores
representativos e a populao em geral para debates a respeito de problemas mais
abrangentes.
O tema tambm influenciado pelo modo como o Estado tem construdo seu
discurso regional e a prioridade que vem sendo conferida a essa questo. A ao do Estado
est organizada a partir de uma lgica generalizante e, por isso, normalmente no d uma
ateno prioritria s desigualdades existentes entre as regies. Por outro lado, as polticas
se viabilizam atravs de uma estrutura administrativa setorial e, nesse sentido, no so
raros os exemplos em que, no processo de formulao de polticas, os gestores tangenciem
a questo regional.
Em referncia atuao dos atores nas diferentes escalas, observa-se que os
embates so muito mais evidentes na escala estadual. Isso se deve, acima de tudo, ao fato
de que nessa escala os atores dividem o mesmo espao e representam, muitas vezes,
foras contraditrias em luta para alcanar a hegemonia.
Com base nas diferentes perspectivas analisadas, permitido afirmar que as
repercusses das polticas de desenvolvimento regional so proporcionais evoluo do
debate acerca da prpria questo regional. Em que pese o fato de que muitas das aes
tenham, comprovadamente, tido repercusses concretas sobre o territrio, o maior acmulo
encontra-se na densidade que o debate do tema proporciona rede de atores. A
disponibilidade do Estado em cultivar esse capital, por meio de relaes de poder mais
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simtricas com os atores regionais, uma das condies para que os resultados obtidos
sejam cada vez mais efetivos.
Notas
1. A espacializao dos investimentos privados, apresentada na primeira edio do Atlas Socioeconmico do Estado do Rio Grande do Sul, publicada no ano de 1998, mostra essa concentrao. 2. O principal instrumento utilizado o Fundo Operao Empresa (FUNDOPEM), criado no ano de1972, com o objetivo de prestar apoio financeiro s empresas industriais relacionadas ao desenvolvimento do estado. 3. O Programa foi elaborado a partir de estudos desenvolvidos em meados da dcada de 1990 pela Secretaria Especial de Polticas Regionais (SEPRE), vinculada ao Ministrio do Planejamento e Oramento. 4. A Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional foi instituda em 22/02/2007, pelo Decreto Presidencial n 6.047 5. Neste artigo so considerados os dados at 2011 e, por isso, no foram includas as informaes do Plano Plurianual (PPA) 2012-2015. Convm assinalar que a elaborao do PPA 2012-2015, baseado em programas temticos, significou uma importante alterao nos instrumentos utilizados para a implementao da PNDR e o fim desses programas. 6. A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 149, instituiu uma contribuio de interesse das categorias profissionais ou econmicas que deve ser repassada a essas entidades, em sua maioria, privadas. 7. Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) foram criados pelo Governo do
Estado do RS pela Lei 10.283 de 17 de outubro de 1994; constituem-se em um frum permanente e autnomo de discusso e deciso a respeito de polticas e aes que visam o desenvolvimento regional.
8. A afirmao poltica do recorte da Metade Sul foi favorecida pela eleio de Fernando
Henrique Cardoso presidncia da Repblica, uma vez que a regio havia sido objeto de aprofundado estudo em sua tese de doutoramento.
9. A instituio da Mesorregio Grande Fronteira do MERCOSUL est associada
elaborao do Plano de Desenvolvimento Sustentvel da rea da Bacia do Rio Uruguai, em 1997, fruto da mobilizao dos atores locais.
10. A prtica da participao no municpio de Porto Alegre inicia-se com a eleio de Alceu de Deus Collares (Partido Democrtico Trabalhista PDT) para o mandato de 1986 a 1988. Em seu governo, so instalados os Conselhos Populares, cujo projeto se origina com a aproximao do municpio e o movimento comunitrio (Rckert, 2001, p. 358). posteriormente, os governos conduzidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) introduzem a prtica do Oramento Participativo, que perdura at os dias atuais.
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11. A Consulta Popular um mecanismo, criado pela Poltica de Desenvolvimento Regional de 1998, no qual, em um determinado dia do processo oramentrio do Estado, todo e qualquer cidado, portando o ttulo de eleitor, pode ir a urna escolher prioridades que julgue mais importantes para o desenvolvimento de seu municpio, regio e estado, conforme, claro, regras definidas. 12. O Gabinete de Combate s Desigualdades Regionais foi institudo pelo Decreto n 42.101, de 1 de janeiro de 2003, e extinto, em 2004, pelo Decreto n 43.281, de 03 de agosto. 13. Em 2003, a criao do INTEGRAR/RS passou a oferecer um incentivo ao FUNDOPEM/RS, objetivando a desconcentrao industrial.
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