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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6222 ESPACIALIDADES, USO E GESTÃO DAS ÁGUAS DO RIACHO DO IPIRANGA NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVES-BA DAIANA DE ANDRADE MATOS 1 ESPEDITO MAIA LIMA 2 ANTONIO PUENTES TORRES³ Resumo: O presente trabalho faz uma análise da produção espacial a partir do uso e gestão das águas do Riacho Ipiranga, localizado na bacia do Rio Una. O uso e gestão das águas do Riacho do Ipiranga é realizado por diferentes grupos: Comunidade ribeirinha, comunidade urbana, Embasa e gestão municipal de Presidente Tancredo Neves, Bahia. À medida que as águas do Riacho do Ipiranga são utilizadas por diferentes grupos, em diferentes localidades e com finalidades diversas, produzem espacialidades distintas. Palavras-chave: Espacialidades; Recursos hidrícos; Gestão ambiental. Abstract: This paper analyzes the spatial production from the use and management of water in the creek Ipiranga , located on the Una River basin. The use and management of Ipiranga Creek waters is carried out by different groups : riverside community , urban community , Embasa and municipal management of Presidente Tancredo Neves, Bahia. As Ipiranga Creek waters are used by different groups at different scales and with diverse, produce different spatiality . Key-words: Spatialities ; Water resources; Environmental management. 1 Introdução Ribeirinhos, comunidade urbana, gestão municipal e Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.(EMBASA) interagem ao mesmo tempo com um rio, o Riacho do Ipiranga. Localizado na região rural município de Presidente Tancredo Neves/ Bahia, o Riacho do Ipiranga é um dos afluentes da bacia do Rio Una, situada na Bacia do Leste (Figura 01). Dentre os mananciais localizados no município, o Riacho do Ipiranga não é o que apresenta maior extensão e vazão. Este percorre cerca 9km até desaguar no Rio Piau e seu território hidrográfico possui, aproximadamente, de 17 km². No entanto, a sua importância está para além das comunidades ribeirinhas, Comunidade do Alto Alegre e Ipiranga, onde nasce o manancial e as águas deste são utilizadas para a lavoura e o consumo doméstico. O Riacho do Ipiranga é também o mantenedor das águas que abastecem o perímetro urbano de Presidente Tancredo Neves e seu distrito, Corte de Pedra. 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail de contato: [email protected] ³ Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia. E-mail de contato: puentes@ufba,br

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ESPACIALIDADES, USO E GESTÃO DAS ÁGUAS DO RIACHO DO IPIRANGA NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE TANCREDO NEVES-BA

DAIANA DE ANDRADE MATOS1

ESPEDITO MAIA LIMA2 ANTONIO PUENTES TORRES³

Resumo: O presente trabalho faz uma análise da produção espacial a partir do uso e gestão das águas do Riacho Ipiranga, localizado na bacia do Rio Una. O uso e gestão das águas do Riacho do Ipiranga é realizado por diferentes grupos: Comunidade ribeirinha, comunidade urbana, Embasa e gestão municipal de Presidente Tancredo Neves, Bahia. À medida que as águas do Riacho do Ipiranga são utilizadas por diferentes grupos, em diferentes localidades e com finalidades diversas, produzem espacialidades distintas. Palavras-chave: Espacialidades; Recursos hidrícos; Gestão ambiental. Abstract: This paper analyzes the spatial production from the use and management of water in the creek Ipiranga , located on the Una River basin. The use and management of Ipiranga Creek waters is carried out by different groups : riverside community , urban community , Embasa and municipal management of Presidente Tancredo Neves, Bahia. As Ipiranga Creek waters are used by different groups at different scales and with diverse, produce different spatiality . Key-words: Spatialities ; Water resources; Environmental management.

1 – Introdução

Ribeirinhos, comunidade urbana, gestão municipal e Empresa Baiana de

Águas e Saneamento S.A.(EMBASA) interagem ao mesmo tempo com um rio, o

Riacho do Ipiranga. Localizado na região rural município de Presidente Tancredo

Neves/ Bahia, o Riacho do Ipiranga é um dos afluentes da bacia do Rio Una, situada

na Bacia do Leste (Figura 01).

Dentre os mananciais localizados no município, o Riacho do Ipiranga não é o

que apresenta maior extensão e vazão. Este percorre cerca 9km até desaguar no

Rio Piau e seu território hidrográfico possui, aproximadamente, de 17 km². No

entanto, a sua importância está para além das comunidades ribeirinhas,

Comunidade do Alto Alegre e Ipiranga, onde nasce o manancial e as águas deste

são utilizadas para a lavoura e o consumo doméstico. O Riacho do Ipiranga é

também o mantenedor das águas que abastecem o perímetro urbano de Presidente

Tancredo Neves e seu distrito, Corte de Pedra.

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia. E-mail de

contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

E-mail de contato: [email protected] ³ Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia. E-mail de contato: puentes@ufba,br

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Figura 01: Município de Presidente Tancredo Neves, Bahia, e comunidades usuárias das águas do riacho do Ipiranga, Bahia. Fonte: Matos, 2015.

Além destes grupos fazerem uso das águas do riacho, nesse território

hidrográfico, tem-se a atuação da concessionária que capta água bruta, trata e

distribuiu para as comunidades urbanas do município, bem como da gestão

municipal, que possui duas outorgas para abastecimento humano e se configura

como um dos entes federados da gestão compartilhada do meio ambiente.

Portanto, o uso e gestão das águas do Riacho do Ipiranga são realizados por

diferentes grupos e com finalidades diversas e, à medida que estes utilizam, se

apropriam e se relacionam com o manancial, produzem espacialidades distintas.

O presente trabalho faz uma análise da produção espacial a partir do uso e

gestão das águas do Riacho Ipiranga. Nesta, integram-se aspectos ambientais,

sociais e econômicos relacionados com os múltiplos interesses e usos das águas do

manancial. Nesse processo, analisam-se as relações de uso, identidade, afetividade

e pertencimento com o rio e as relações sociedade/natureza.

Os procedimentos utilizados para a elaboração do trabalho valeram de

metodologias diferenciadas. Para tanto, a pesquisa foi do tipo exploratória, tendo em

vista que esta melhor se adequou as necessidades da proposta, de modo que

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proporcionou maior familiaridade com o tema de estudo, uma vez que utilizou-se de

levantamentos bibliográficos e entrevistas de campo.

2 - Espacialidades, uso e gestão das águas do riacho do Ipiranga.

Segundo Santos (1994), o espaço é dotado de um sistema de ações e

objetos. O sistema de ações define a lógica e a racionalidade, ou seja, a vida social

que o anima; já o sistema de objetos, por sua vez, é aquele que define a

materialidade territorial.

Para Carlos (2005), o espaço geográfico não é apenas um palco da atividade

humana, mas, sobretudo, um produto concreto das relações sociais nele

estabelecidas. Para tanto, a análise das relações sociais se torna imprescindível

para a compreensão da construção do espaço:

Assim, as relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os modos do uso, nas condições mais banais e acidentais, na vida cotidiana. Revela-se como espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido pelo indivíduo por meio do corpo, pois é com todos os sentidos que o habitante usa o espaço, cria/percebe os referenciais, sente os odores dos lugares, dando-lhes sentido. Isso significa que o uso do espaço envolve o indivíduo e seus sentidos, seu corpo; é por ele que marca sua presença, é por ele que constrói e se apropria do espaço e do mundo do plano no lugar, no modo como usa o espaço e emprega o tempo na vida cotidiana. (CARLOS, 2001. p.35)

O espaço é entendido também como um produto das inter-relações que

ocorrem em diferentes escalas e o configura como esfera de possibilidades e de

existências múltiplas, por meio das quais diversas dinâmicas anteriores ao período

mais recente, trajetórias coexistem. Massey e Keynes (2004) argumenta que deve-

se sempre atribuir ao espaço a característica de Devir, já que este nunca está

finalizado, nem cristalizado, mas em constante dinâmica de construção.

Pensando nesse sentido, compreende-se que a medida que as águas do

Riacho do Ipiranga são utilizadas por diferentes grupos, em diferentes localidades,

com finalidades diversas e de forma constante, produzem espacialidades distintas.

Como afirma Santos (2007a, p.54):

A paisagem nada tem de fixo, de imóvel. Cada vez que a sociedade passa por um processo de mudança, a economia, as relações sociais e políticas também mudam, em ritmos e intensidades variados. A mesma coisa acontece em relação ao espaço e à paisagem que se transforma para se adaptar às novas necessidades da sociedade.

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Partindo deste pressuposto, buscou-se analisar as diferentes produções

espaciais resultantes das diferentes relações que os diferentes grupos de usuários

das águas do Riacho do Ipiranga estabelecem com este. A seguir, serão analisadas

as interações entre Comunidade Ribeirinha, comunidade urbana, Embasa e gestão

municipal e o Riacho do Ipiranga estabelecem com este.

2.1 O rio e os ribeirinhos

Os levantamentos de campo demonstraram uma forte relação de identidade

dos ribeirinhos com o rio. Pelas entrevistas realizadas com os moradores das áreas

que margeiam o Riacho do Ipiranga, pode-se perceber por meio de seus relatos, que

estes reconhecem a importância deste manancial para a região e para suas vidas.

Os ribeirinhos utilizam das águas do rio para o consumo humano, atividades

domésticas, atividades agropecuárias e para o lazer. Segundo Diegues,

Um elemento importante na ligação entre essas populações e a natureza é sua relação com o território, que pode ser definido como uma porção da natureza e do espaço sobre o qual determinada sociedade reivindica e garante a todos, ou a uma parte de seus membros direitos estáveis de acesso, controle ou uso na totalidade ou parte dos recursos naturais existentes. (DIEGUES, 2001, p. 69-70)

Os relatos dos moradores evidenciam bem a importância do rio para suas

vidas. O morador J. A., 45 anos afirma que: “O rio faz parte de minha paisagem. Eu

acordo vendo o rio que passa em minha porta.” Quando chega o período de

estiagem, diz C. J., 40 anos: “a paisagem muda, fica feia. Se este rio secar, todo

mundo sofre com isso, a gente que mora aqui, e vocês que moram lá.” - Se referindo

as pessoas da cidade.

Cabe ressaltar que as pessoas que residem nas proximidades do Riacho do

Ipiranga possuem alternativas de captar água, pois a região é cortada por muitos

mananciais e a maioria dos moradores possui poços artesianos.

Na região do Alto Alegre predominam as pequenas propriedades agrícolas.

Por estas situarem-se em locais de difícil acesso, o uso do solo é dificultado por

conta das declividades acentuadas da região. Por conta disto, os agricultores

tendem a utilizar as várzeas e as margens dos rios que situam-se nos pontos mais

baixos e planos da região. Por sua vez, ao utilizar estas áreas para o cultivo e

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criação de animais, estes acabam desmatando as margens dos rios, retirando assim

as matas ciliares.

Além de retirar esta vegetação para dar lugar a cultivos de plantas e criação

animais, estes, segundo entrevista de campo, todas as famílias das propriedades

visitadas, utilizam algum tipo de adubos químicos e pesticidas para auxiliar na

produção.

Embora os agricultores reconheçam a importância do rio para o

desenvolvimento de suas atividades e percebam as mudanças estéticas na

paisagem nos períodos de estiagem, eles não apreendem que as atividades

desenvolvidas nas proximidades do rio, podem comprometer a qualidade ambiental

deste.

Porém, se de um lado existe o Código Florestal, Lei 12.651/2012, que

criminaliza a retirada de matas ciliares, de outro se encontra o pequeno agricultor

que depende das áreas que margeiam os riachos, pois foram nestas terras que

estes agricultores aprenderam a cultivar de acordo com saberes que foram

repassados por gerações. Além de tais práticas, os agricultores que residem nas

margens utilizam de fossas e em algumas casas despejam efluentes no riacho.

Percebe-se então a contradição entre as questões culturais ligadas as

técnicas tradicionais de cultivo e de se relacionar com o rio, e a necessidade de

modificar certas práticas para que se possa garantir a manutenção dos recursos

naturais da região, em especial, os recursos hídricos.

Além de utilizar das águas do riacho para o cultivo e atividades domésticas,

os ribeirinhos utilizam destas para o lazer. Em um dos barramentos do rio há uma

queda d’água em que as pessoas utilizam para a recreação. Diz o morador da

região, G. V., 68 anos: “Isso aqui é uma maravilha, minha família, meus amigos de

outras cidades e a comunidade próxima vem para cá no domingo, aí fazemos

churrasco e ficamos aqui o dia todo”.

O entrevistado supracitado diz que se preocupa nos períodos de estiagem e

se mostra descontente com a atuação da Embasa na localidade, que apenas capta

a água, mas não promove nenhuma atividade de preservação, conservação e,

tampouco de recuperação, não beneficiando a comunidade em nenhum aspecto. Ele

ressalta que até mesmo a água que a comunidade utiliza não pode ser retirada da

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barragem de captação da Embasa. Por isto, o proprietário fez outra Barragem para

captar água para a sua família e para a comunidade vizinha.

Pode-se notar nas falas e no modo de vida dos Ribeirinhos que estes

estabelecem relações de afetividade, pertencimento e identidade com o Riacho do

Ipiranga. Estas características evidenciadas, na concepção de Carlos (1996) fazem

com que o Riacho do Ipiranga se configure como lugar para esta comunidade.

2.2 O Riacho do Ipiranga e a comunidade urbana usuária de suas águas

O Riacho do Ipiranga é o rio de onde a Embasa capta água bruta para o

abastecimento do perímetro urbano e distrito de Corte de Pedra. Por conseguinte,

este manancial é de suma importância para a população urbana, já que esta utiliza

de suas águas cotidianamente.

Na tentativa de se ter uma noção da relação que a comunidade da sede

municipal estabelece com o Riacho do Ipiranga, realizou-se uma entrevista com 100

pessoas que residem na sede municipal.

Segundo os entrevistados, quando questionados sobre o manancial de onde

provém a água que abastece suas residências, 85% das pessoas entrevistadas não

sabiam de que manancial era captava a água que abastece suas casas.

Do universo pesquisado, quando arguidas sobre a importância da

preservação do meio ambiente e dos recursos hídricos, 90% das pessoas afirmaram

que se preocupam com a preservação destes, porém não desenvolvem nenhuma

atividade de preservação. No entanto, estas pessoas entrevistadas dizem que

tentam economizar água durante o banho e tarefas domésticas. Os outros 10% dos

entrevistados se mostraram indiferentes à questão, dizendo não preocupar-se,

porém estas apontaram que fazem o possível para economizar água e luz,

sobretudo, pelo preço que se paga.

A análise da pesquisa realizada mostra que apesar das pessoas afirmarem se

preocupar com as questões ambientais, esta preocupação não é suficiente para

motivá-las a participar de alguma atividade que vise a preservação ambiental e/ou a

criarem projetos nesse segmento. Alguns entrevistados alegaram que se houvesse

alguma iniciativa por parte da gestão municipal, ou de outros órgãos, que

certamente participariam das atividades.

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A pesquisa mostra que apesar de utilizar as águas do Riacho do Ipiranga

cotidianamente, os usuários dos serviços da Embasa se mostraram apáticos quanto

a situação do manancial. Como relatou M. J., 50 anos: “As vezes temos a impressão

que a água brota da torneira e, como ela nunca seca, não há com o que se

preocupar. Como o rio está tão longe da gente, não nos preocupamos com ele.”

Talvez esse comportamento se justifique pelo fato desta região possuir

abundância de mananciais e índices pluviométricos altos, não havendo, até o

momento, necessidade de racionar a água. Quanto a situação do abastecimento de

água, caso o riacho do Ipiranga diminua o volume de água, no município existem

outros mananciais com capacidade hídrica para abastecer o município.

2.3 O Rio e a Embasa

Nas imediações da Fazenda do Louro, 27 km da sede municipal, o riacho do

Ipiranga recebe as águas do seu principal afluente, o Riacho Zeferino. Neste ponto,

o riacho aumenta significativamente o volume de água. Alguns metros após o

encontro desses dois cursos d’água, existe uma represa onde a EMBASA capta

água para abastecimento da sede municipal desde 1993.

O Riacho do Ipiranga, que abastecia uma população de três mil pessoas no

ano de 1993, vinte e três anos depois, abastece um total de 14.830 pessoas. De

acordo com os dados fornecidos pela Embasa (2015), 54.5% da população do

município é usuária dos serviços da concessionária e, portanto, das águas do riacho.

Além de ter como responsabilidade garantir o abastecimento de água com

qualidade para o consumo humano, a Embasa se compromete com a preservação

dos recursos hídricos. Um dos compromissos assumidos pela empresa é

Adotar medidas para a preservação, recuperação e conservação dos mananciais necessários ao abastecimento humano, bem como a manutenção dos padrões de qualidade ambiental dos corpos receptores estabelecidos na legislação (EMBASA, acesso em 06 Jan 2014).

Apesar de explicitar os compromissos supracitados, no tocante a atuação da

empresa no Município de Presidente Tancredo Neves, percebe-se que tais medidas

não se efetivam: em processo de observação in locu e entrevistas com ribeirinhos,

vê-se que o trabalho da embasa é apenas de captar a água bruta, tratar e fazer o

abastecimento da sede municipal.

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A imagem do Google Earth (figura 02) mostra a barragem utilizada para

captação da água bruta e seu entorno. Nesta imagem, o que pode ser confundido

como vegetação ciliar as margens da barragem, na verdade é uma vegetação

secundária composta de gramíneas e arbustos e cultivos perenes e temporários -

cacau e banana. Nota-se também a presença das pastagens (Figura 03). Cabe

destacar as estradas que margeiam e seccionam o riacho.

Figura 02: Barragem da Embasa e entorno. Fonte: Google Earth, acessado em dez de 2014.

Figura 03: Barragem da Embasa, pastagem e cultivo de cacau e banana as margens da

barragem. Fonte: Matos, 2014.

As figuras e a entrevista com os funcionários da Embasa (2015) comprovam

que não há nenhum trabalho de conservação, preservação e tampouco de

recuperação do manancial.

Quanto a “manutenção dos padrões de qualidade ambiental dos corpos

receptores estabelecidos na legislação” (EMBASA, acesso em 06 Jan 2014), isto

também não ocorre, tendo em vista que, por exemplo, a Lei nº 12.651/12 estabelece

como Área de Preservação Permanente ( APP) a vegetação ciliar e esta não é

identificada, sequer, na área da barragem .

Quanto aos outros itens destacados na legislação ambiental brasileira como

Área de Preservação Permanente ( APP), para que pudessem ser destacadas aqui,

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necessitaria de um trabalho mais aprofundado que delimitasse tais áreas, o que não

cabe neste trabalho. O certo é que a interação da embasa com o Riacho é apenas

para captação da água bruta.

2.4 O Riacho do Ipiranga e a gestão municipal

As políticas públicas de meio ambiente são competência comum de todos os

entes federados e devem envolver a sociedade, tal como prevê a Constituição

Federal (1988). No entanto, essa gestão compartilhada encontra uma série de

entraves para se efetivar. No âmbito da gestão municipal/local, as questões

ambientais nem sempre são priorizadas, basta verificar os dados do suplemento

específico de meio ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais

(MUNIC, IBGE, 2013).

No que se refere a gestão ambiental, mais especificamente, gestão dos

recursos hídricos no município de Presidente Tancredo Neves - Ba, em entrevista

com o secretário municipal de Meio Ambiente, Marcelo Brust ( 2013), este afirmou

que a gestão municipal de recursos hídricos não ocorre. A secretaria tem a intenção

de implementar o projeto Produtores de água3. No entanto, em pesquisa recente (

2015), comprovou-se que o projeto ainda não foi executado.

Segundo Brust (2013), no tocante ao Riacho do Ipiranga, a gestão municipal

não possui nenhum projeto em desenvolvimento na região, nem tampouco estudos,

mapas, registros que pudessem oferecer informações sobre o manancial.

Para o secretário, a participação da população no Conselho Municipal de

Meio Ambiente (CMMA) é de suma importância para que a gestão local ocorra. No

entanto a atuação dos membros e da comunidade nas atividades do conselho é

muito pequena. De acordo com seu relato, as pessoas que participam do Conselho

são movidas, geralmente, por duas motivações: politica partidária e/ou porque foram

indicadas, mesmo sem o consentimento, para participarem do conselho. Deste

modo, as atividades e discussões do conselho sempre são comprometidas.

Além da baixa participação no CMMA, o Secretário também destaca o grau

de instrução- no tocante as questões ambientais- das pessoas que participam do

3 O projeto Produtor de Água é uma iniciativa da ANA que tem como objetivo a redução da erosão e

assoreamento dos mananciais nas áreas rurais.

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conselho: alguns integrantes do CMMA são bem intencionados e querem colaborar,

porém possuem dificuldades de participar das discussões e argumentações. Ele

ressalta que é urgente que se promova uma educação ambiental, sobretudo nas

séries iniciais, para que a população possa compreender a importância do meio

ambiente para suas vidas.

Outra queixa aludida por Brust (2013) é a questão da verba destinada a

Secretaria de Meio Ambiente. Este afirma que os recursos destinados às questões

ambientais são insuficientes para que se possa desenvolver um trabalho eficaz. Em

consonância com esta questão, o secretário ainda aponta que falta autonomia para

gerir os recursos da Secretaria de Meio Ambiente (SMA), o que burocratiza e

compromete todo o trabalho a ser desenvolvido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho fez uma análise da produção espacial a partir do uso e

gestão das águas do Riacho Ipiranga. Nesta, integrou-se aspectos ambientais,

sociais e econômicos relacionados com os múltiplos usos e interesses das águas do

manancial. O uso e gestão das águas do Riacho do Ipiranga são realizados por

diferentes grupos: Comunidade ribeirinha, comunidade urbana, Embasa e gestão

municipal.

Se concebermos o espaço geográfico como um produto concreto das

relações sociais nele estabelecidas, compreendemos que este nunca está finalizado,

nem cristalizado, mas em constante dinâmica de construção. Sendo assim, a

medida que as águas do Riacho do Ipiranga são utilizadas por diferentes grupos, em

escalas diferentes, e com finalidades diversas e de forma constante, produzem

espacialidades distintas.

Com as observações e entrevistas realizadas percebeu-se que: enquanto a

comunidade urbana possui uma relação frágil com o manancial, a comunidade

ribeirinha possui uma relação bem mais estreita. O riacho do Ipiranga para estes,

segundo pesquisa de campo, não é apenas um recurso a ser explorado, mas

possuidor de muitos outros significados, compondo a paisagem desses, sendo local

de lazer, sendo indispensável para a realização de seus trabalhos - a agricultura e

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pecuária que é desenvolvida na localidade - e também como provedor da água de

suas casas.

Procurou-se compreender a relação da comunidade urbana, usuária dos

serviços da Embasa, e o Riacho do Ipiranga. De acordo com as entrevistas

realizadas, percebe-se que a comunidade urbana é apenas consumidora dos

serviços da Embasa, não possuindo nenhum vinculo com o Riacho. A pesquisa

apontou que a comunidade desconhece o manancial que fornece água para o

abastecimento de suas casas.

Desta forma, apesar da água do Riacho ser indispensável para a comunidade

urbana, a água é apenas mais um produto que se consome sem se importar de

onde vem e em quais as condições ambientais o manancial se encontra. Esta

relação de meros consumidores também se justifica pelo fato de não haver nenhum

trabalho educativo no tocante as questões ambientais. Outro ponto a ser destacado,

é que o município está situado numa área rica em mananciais e com índices

elevados de pluviosidade, assim, como a água não é um recurso escasso na região,

logo não há com o que se preocupar.

Analisou-se a interação da Embasa com o riacho. Percebeu-se claramente

que a relação desta com o Riacho do Ipiranga é meramente de exploração, pois esta

capta a água bruta e não desenvolve nenhum trabalho de conservação, manutenção

e recuperação no manancial. Essa constatação é feita a partir dos relatos dos

funcionários da empresa e dos moradores do entorno do riacho.

Outro ponto analisado é a atuação da gestão municipal com o Riacho do

Ipiranga e com os recursos hídricos do município. De acordo com os dados

levantados nas entrevistas e pesquisa documental cedidas pela Secretaria Municipal

de Meio Ambiente, percebe-se que estão traçadas algumas ações para a

conservação de nascentes que situam-se no perímetro urbano. No entanto, quanto

ao manancial em estudo, ele é apenas mencionado como corpo hídrico onde capta-

se água bruta para o abastecimento da sede municipal, mas não há nenhum estudo

em que se mensure a situação ambiental em que o mesmo se encontra, nem

tampouco há ações implementadas ou previstas para serem executadas na

localidade.

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Portanto, as interações dos diferentes grupos/atores com o riacho do Ipiranga

criam espacialidades diferentes. O mesmo riacho que se configura enquanto lugar

para o ribeirinho, para comunidade urbana que usuária de suas águas, tem-se um

total estranhamento e distanciamento com o Riacho, sendo suas águas apenas mais

um produto. O mesmo ocorre com a gestão municipal e Embasa.

Apesar do Riacho do Ipiranga ser um manancial de fundamental importância

para o município, não existe uma devida preocupação com suas condições. A

preservação, manutenção e recuperação ambiental de áreas degradadas se mostra

uma atividade complexa e difícil de ser efetivada. É no contexto local, neste caso

nos municípios, que as ações devem acontecer, sendo que as ações a serem

implementadas devem estar articuladas com as outros níveis hierárquicos da

administração publica- governo estadual e federal.

Referências

Livros CARLOS, Ana Fani A. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. CARLOS, Ana Fani A. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. DIEGUES, Antonio Carlos, ARRUDA, Rinaldo S. V(org). Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001. _____. Aspectos sócio-culturais e político do uso da água. NUPAUB – Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras – USP. São Paulo: NUPAUB, 2005. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994 (Col. Geografia: Teoria e Realidade, 25). ______. Pensando o espaço do homem. 5ª edição. São Paulo: EDUSP, 2007a.

Revistas científicas MASSEY, Doreen; KEYNES, Milton. Filosofia política da espacialidade: algumas considerações. Geographia, n. 12, Niterói, RJ, UFF/EGG, 2004, p. 7-23.

Fontes eletrônicas BRASIL.Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, que Institui novo código Florestal Brasileiro. EMBASA- Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.em < http://www.embasa.ba.gov.br/institucional/embasa/nossos_servicos/tratamento_agua> 06 jan 2014. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais -MUNIC. Brasília: IBGE, 2013.