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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE SANTA MARIA IC.00864.00031/2013 ______________________________________________________________________ DESPACHO Vistos em gabinete. Face à apresentação de petição da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), acompanhada de documentos, notadamente cópias de algumas peças dos inquéritos policiais n os 01 e 02/2013, da Delegacia Regional de Polícia de Santa Maria , o Conselho Superior do Ministério Público determinou o retorno dos autos do inquérito civil nº 00864.00031/2013 (que constitui desdobramento do inquérito civil nº 00864.00006/2013, este confeccionado a respeito da expedição de alvarás de localização [Município] e prevenção contra incêndio [Corpo de Bombeiros] à boate Kiss sem que atendesse aos requisitos legais, o qual embasou ação de improbidade administrativa contra oficiais bombeiros que comandaram o 4º Comando Regional de Bombeiros e a Seção de Prevenção de Incêndios respectiva); o inquérito civil ora em apreciação ficou atrelado à atuação dos agentes e servidores públicos municipais, relativamente aos quais foi promovido o arquivamento, com prévia recomendação ao Prefeito. O Conselho Superior do Ministério Público, em sessão realizada no dia 08/10/2013, determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça de origem para que tome conhecimento e, querendo, manifeste-se acerca dos documentos juntados(fl. 372, após ordenação e renumeração - anterior 1208); em sequência, mediante consulta por um dos signatários (fls. 382 e 383), o colegiado, em sessão no dia 29/10/2013, “deferiu a dilação do prazo de tramitação ..., a fim de

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MINISTÉRIO PÚBLICO PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE SANTA MARIA

IC.00864.00031/2013

______________________________________________________________________

DESPACHO

Vistos em gabinete.

Face à apresentação de petição da Associação dos

Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria

(AVTSM), acompanhada de documentos, notadamente cópias de

algumas peças dos inquéritos policiais nos 01 e 02/2013, da Delegacia

Regional de Polícia de Santa Maria, o Conselho Superior do Ministério

Público determinou o retorno dos autos do inquérito civil nº

00864.00031/2013 (que constitui desdobramento do inquérito civil nº

00864.00006/2013, este confeccionado a respeito da expedição de

alvarás de localização [Município] e prevenção contra incêndio [Corpo

de Bombeiros] à boate Kiss sem que atendesse aos requisitos legais, o

qual embasou ação de improbidade administrativa contra oficiais

bombeiros que comandaram o 4º Comando Regional de Bombeiros e a

Seção de Prevenção de Incêndios respectiva); o inquérito civil ora em

apreciação ficou atrelado à atuação dos agentes e servidores públicos

municipais, relativamente aos quais foi promovido o arquivamento, com

prévia recomendação ao Prefeito.

O Conselho Superior do Ministério Público, em sessão

realizada no dia 08/10/2013, “determinou a remessa dos autos à

Promotoria de Justiça de origem para que tome conhecimento e,

querendo, manifeste-se acerca dos documentos juntados” (fl. 372, após

ordenação e renumeração - anterior 1208); em sequência, mediante

consulta por um dos signatários (fls. 382 e 383), o colegiado, em sessão

no dia 29/10/2013, “deferiu a dilação do prazo de tramitação ..., a fim de

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que se possa concluir as investigações e aguardar a remessa, pela

Autoridade Policial, do respectivo inquérito policial ao Ministério Público,

bem como possibilitando a produção de outras provas” (fl. 384; íntegra

do voto do Conselheiro Relator na fl. 387).

Considerando que não se confirmaram previsões da

autoridade policial para conclusão dos inquéritos policiais ao início

especificados, inicialmente para dezembro de 2013 (fl. 380), depois para

final de fevereiro de 2014 (fl. 397), em final de março de 2014 expediu-

se ofício solicitando que, não havendo nova estimativa de prazo, fossem

os expedientes enviados, por cópia, até final de abril (fl. 404); não

atendida tal solicitação, reiterou-se-a próximo ao final de maio (fl. 408),

aportando em 05/06 (termo de juntada de fl. 409v) exemplar digitalizado

dos inquéritos policiais, ainda inconclusos (fls. 410 e 411).

Em 22/07/2014, recebeu-se com vista, no âmbito da

atuação junto à 1ª Vara Criminal, por designação conjunta com o Dr. Joel

Oliveira Dutra, a íntegra do inquérito policial nº 01/2013 da Delegacia

Regional de Polícia, que em Juízo tomou o nº 027/2140011071-5; em

29/07 a via digitalizada da íntegr do expediente investigatório foi

entregue na Promotoria de Justiça, para juntada ao inquérito civil.

Com base nesse inquérito policial, em 05/12/2014

(dimensão, complexidade e interrelação do expediente com outros

precedentes demandou tal dilação) foi oferecida uma denúncia contra 34

pessoas por falsidade ideológica na confecção e assinatura de “consulta

popular”, promovido arquivamento parcial por indiciamentos de crimes

ambientais, fraude processual, falso testemunho e falsidade documental,

solicitado ao Juízo envio de cópia de parte do expediente ao Juizado

Especial Criminal em razão de crime de prevaricação, bem como

apresentado aditamento à denúncia que ensejou o processo nº

027/2130006199-2, que tramitava por fraude processual e falso

testemunho, dando nova descrição aos fatos narrados contra os até

então 02 réus, para falsidade ideológica, bem como incluindo outros 08

acusados por esse mesmo tipo de crime e 01 por falso testemunho.

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Não consta tenha o inquérito policial nº 02/2013 da

Delegacia Regional de Polícia aportado em Juízo; entretanto, tudo indica

que seu objeto guarde identidade com o do processo nº

027/2130002368-3, que tramita no Juizado Especial Criminal com base

em documentação extraída pelo Ministério Público de inquérito civil que

versou sobre perturbação decorrente de barulho da boate Kiss.

É o sucinto relatório.

Inicialmente, considerando que, em 13/01/2014, houve

prorrogação do prazo para conclusão do inquérito civil devido às

pendências então existentes (fl. 396), e que já decorreram dois períodos

de 06 meses de dilação, há que, novamente, ser prorrogado o lapso

temporal de tramitação do expediente, pois, como se verá, ainda não há

condições de produzir-se encaminhamento final.

Outrossim, aportou pedido de extração de cópias do

inquérito civil, feito em nome de Elissandro Callegaro Sphor, embora já

tenham sido autorizadas cópias pretéritas face a postulações

semelhantes, os advogados peticionantes eram outros; os que agora

subscrevem o pedido, antes de terem permitida realização de cópias,

deverão juntar procuração. Isso porque o idêntico teor dos arts. 7º, § 2º,

inc. V, da Resolução nº 23/2007 do CNMP, e 11, § 2º, inc. V, do

Provimento nº 26/2008 do Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do

Sul, ao disporem sobre a publicidade e acesso aos autos por

procuradores, são expressos em afirmar que devem eles ser “legalmente

constituídos”.

Assim, por ora é de ser negada a solicitação contida em

tal petição, porém ficando desde já autorizada a realização de ditas

cópias, na sede das Promotorias de Justiça, para a ventura de ser

anexado instrumento de mandato. Então, devem ser aplicados, se for o

caso, os termos da Instrução Normativa nº 01/2012 do Procurador-Geral

de Justiça (até 30 cópias simples ou 10 ampliadas: fornecimento sem

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custo; acima desses montantes: R$0,15 ou R$0,40, recolhidos para o

Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público, conta corrente nº

03.120194.0-0, agência nº 0835, do Banrisul), previamente à realização

das cópias, devendo o comprovante de depósito deve ser anexado aos

autos; as cópias devem ser entregues em mãos ao causídico, mediante

comprovante de recebimento.

No tocante às petições de fls. 374 (após ordenação e

renumeração - anterior 1210) e 399 e 400, assinadas por integrantes do

Conselho Diretor da Associação dos Familiares de Vítimas e

Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), bem como, a última,

por advogado constituído pela entidade (Luiz Fernando Scherer

Smaniotto – fls. 400 e 102, esta anterior 940), entende-se descabido

enfrentamento “item por item”; primeiro porque a AVTSM dispõe de

assessoria jurídica própria, constituída de vários advogados, que têm

formação compatível com a obtenção dos esclarecimentos pretendidos

(isto se pressupondo que as perguntas representam mesmo aspectos

ainda não esclarecidos para a entidade); segundo porque a análise já

efetuada do inquérito civil, bem como o exame que agora se irá fazer,

assim como a complementação que certamente advirá após

atendimento dos encaminhamentos que serão dados neste despacho,

por certo enfrentarão tudo o que, de cunho jurídico, haja para ser

enfrentado; terceiro porque as manifestações ministeriais vertidas

nestes autos são públicas, acessíveis a quem tiver interesse, e, ademais,

as principais delas além de tudo foram tornadas públicas na internet,

para acesso a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

Nesse mesmo viés, em 28/08/2014, um dos subscritores e

o colega Dr. Joel Oliveira Dutra, designados para atuação em âmbito

criminal em feitos atinentes à "tragédia de Santa Maria", atenderam dois

pais de vítimas (AT.00866.00228/2014), os quais trouxeram indagações

em texto intitulado "pauta reunião"; os questionamentos foram

respondidos verbalmente na ocasião; porém, como havia inferências à

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matéria do inquérito civil, optou-se por anexar o teor do atendimento e

do texto a este expediente. Valem, com as adaptações necessárias, as

ponderações recém feitas, para não ser abordado item por item

presentemente.

Passa-se, pois, a tecer apreciações acerca do material

enviado pela polícia judiciária, a saber, a íntegra do inquérito policial nº

01/2013 e parte do inquérito policial nº 02/2013, volumes 01 a 03, este

até fl. 535, da Delegacia Regional de Polícia.

O inquérito policial nº 01/2013 foi instaurado a partir do

boletim de ocorrência nº 08/2013, registrado no órgão policial nº 150509

(ali identificado como sendo “Asses. Especial”, logo adiante como “SAE-

DPR”, ou seja, o Serviço de Assessoria Especial da Delegacia Regional de

Polícia - fl. 191 do referido inquérito policial), “para apuração dos fatos

citados em denúncia anônima, recebida pela Primeira Delegacia de

Polícia, que faz referência a Estudo de Impacto de Vizinhança da boate

Kiss”, atribuindo-se classificação como “outros crimes” e data/horário de

início (dos fatos) 27/05/2013, 16h; na respectiva portaria, foram

transcritos tais dados (fl. 02); verifica-se, ainda, na fl. 03, certidão

confeccionada por escrivão de polícia, de que, em 03/04/2013, recebeu

ligação telefônica anônima noticiando assinaturas favoráveis ao

funcionamento da boate em Estudo de Impacto de Vizinhança por

pessoas que não moravam a menos de 100m da casa noturna.

O inquérito policial nº 02/2013 foi instaurado a partir do

boletim de ocorrência nº 10/2013, registrado no mesmo órgão policial (fl.

03 do referido inquérito policial), “visando apurar crime ambiental”,

atribuindo-se classificação também como “outros crimes” e data/horário

de início (dos fatos) 01/06/2009, 10h; na respectiva portaria, foram

transcritos tais dados (fl. 02). Na fl. 08 de tal expediente investigatório,

encontra-se uma certidão exarada por comissário de polícia, afirmando

tê-lo instaurado “para apurar a notícia de crime ambiental que teria sido

gerado em decorrência dos excessos de ruídos produzidos pela Boate

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Kiss”; na mesma certidão, foi consignado que “cabe ressaltar que,

quanto ao crime em tese de falsidade, ..., gerou a instauração do IP

01/2013/150509”.

Assim, em resumo, o inquérito policial nº 01/2013 seria

destinado a investigar falsidade (ideológica) em assinaturas favoráveis

ao funcionamento da boate Kiss, apostas em (“consulta popular” que

seria parte integrante de) Estudo de Impacto de Vizinhança, por pessoas

que se supostamente seriam vizinhas da casa noturna mas não o eram

de fato, e o inquérito policial nº 02/2013 para investigar poluição sonora

decorrente da atividade do estabelecimento (olvidando-se, como já

anotado no relatório, que já existe ação penal em andamento a respeito,

nº 027/2130002368-3, decorrente de distribuição de cópia do inquérito

civil nº 00864.00145/2009 ao Juizado Especial Criminal, ainda nas

proximidades temporais da “tragédia de Santa Maria”; a informação de

que o próprio Ministério Público providenciara a persecução penal

judicial a respeito consta no inquérito policial nº 01/2013, fls. 342 a 353,

vol. 2, cientificação de Roger Schlossmacker Fumagalli acerca do

arquivamento do inquérito civil recém especificado, documentos por ele

entregues à polícia judiciária quando de seu depoimento, prestado ainda

em 17/06/2013 no referido inquérito policial).

A leitura dos inquéritos policiais mostrou que, quanto ao

segundo, nada existe com potencial reflexo na seara da improbidade

administrativa, e, no tocante ao primeiro, as diligências policiais

realizadas foram além do propósito externado no boletim de ocorrência e

na certidão que versou sobre a instauração e na portaria respectiva;

exemplo disso, embora não tendo gerado indiciamentos, é a menção a

possível renúncia de receitas decorrente de não-cobrança de taxas por

vistorias inocorridas e alvarás não-expedidos, e de penalidades

pecuniárias aplicadas pelo funcionamento irregular da boate.

Contudo, o foco principal de atenção da investigação foi o

aprofundamento da tese policial de que, na esfera de atribuições da

municipalidade, a boate Kiss nunca ostentou os requisitos necessários à

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expedição de Alvará de Funcionamento, em vários períodos esteve com

parte desses requisitos sem vigência, portanto em situação que ensejava

cessação de atividades, e a fiscalização municipal foi inoperante.

No particular, a denúncia oferecida com base no inquérito

policial nº 094/2013 da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria

(027/2130000696-7 em Juízo), bem como a promoção de arquivamento

parcial do inquérito civil nº 00864.00006/2013 (da qual resultou a

autuação do presente inquérito civil nº 00864.00031/2013, porque

aquele embasou a ação de improbidade administrativa contra

integrantes do Corpo de Bombeiros), abordaram tal questão, tendo-se

expressado entendimento no sentido da não-caracterização de

improbidade administrativa, muito embora detectadas falhas

procedimentais, motivadoras de recomendação ministerial à

municipalidade (como, de resto, recomendação houve também ao Corpo

de Bombeiros local).

Presentemente, cabe avaliar se surgiram elementos de

convicção que pudessem encaminhar em sentido diverso a deliberação

ministerial, ou se é possível angariar ainda outros a comporem um quadro

tendente a mudança de rumo daquele pronunciamento, ou se é caso de

confirmar-se o arquivamento (independentemente de aditamento ou não

à recomendação já dirigida à seara da municipalidade).

Pois bem, para tanto, entende-se importante delinear-se o

rito de concessão de autorização para funcionamento de casa noturna,

inclusive no tocante a taxas devidas por atos administrativos, bem como

o procedimento fiscalizatório, no âmbito municipal, tendo em conta a

normatização vigente no Município de Santa Maria no período em que a

boate Kiss funcionou, de meados de 2009 a janeiro de 2013.

Ressalve-se, ou relembre-se, que, quando da promoção

de arquivamento parcial do inquérito civil nº 00864.00006/2013

(geradora da autuação deste inquérito civil nº 00864.00031/2013), foi

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pontuado que a legislação atinente ao uso de uma edificação é distinta

da legislação atinente às obras dela/nela (Código de Obras e Edificações

de Santa Maria - Lei Complementar Municipal nº 070/2009, que reprisa,

no mesmo assunto, ditames da anterior lei equivalente, Lei

Complementar Municipal nº 032/2005). E, no particular, a falha

administrativa então apontada, geradora de recomendação ao ente

federativo local, decorreu justamente da aplicação estanque, sem

interface, das duas vertentes de legislação, por dois setores diferentes

do Município, cada qual baseado na parcela de legislação específica que

lhe cabia aplicar, ausência de intercomunicação que decorreu da

inexistência de determinação legal específica que a exigisse.

ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO:

Art. 190 da Lei Complementar Municipal (LCM) 003/2002 (Código de

Posturas) e art. 179 da LCM 092/2012 (Consolidação do Código de

Posturas):

“Nenhum estabelecimento ... poderá funcionar no Município sem as prévias e devidas licenças do Poder Público, concedidas mediante requerimento dos interessados e pagamento dos tributos pertinentes...”

Art. 4º do Decreto Executivo Municipal (DEM) 032/2006:

“A expedição das licenças ... pelo Poder Público Municipal, ocorrerá mediante requerimento único dos interessados e pagamento prévio dos tributos pertinentes junto aos órgãos competentes do Município, em formulário padrão, anexo a este decreto.”

Art. 9º DEM 032/2006:

“A expedição do Alvará de Localização libera o estabelecimento para o exercício de suas atividades, todavia não o dispensa do cumprimento obrigatório dos demais licenciamentos.”

Art. 48 LCM 003/2002, modificado pela LCM 030/2004, e art. 2º DEM

040/2005:

“Na localização de estabelecimentos de diversões noturnas e gastronomia, o Poder Público Municipal terá sempre em vistas o sossego e o

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decoro da população, o impacto de vizinhança, além do disposto no Plano Diretor.”

Art. 4º DEM 040/2005:

“No ato de concessão do alvará do estabelecimento, o Poder Público estabelecerá o horário limite de seu funcionamento.

§ 1º. Para determinar o horário de funcionamento serão observadas as seguintes faixas de horário: I. O horário normal ... das 7h30min às 22h, ... II. O horário de diversão noturna estenderá, além do horário normal, ... das 22h à 1h; III. O horário da madrugada, além dos horários anteriores, ... da 1h às 6h da manhã. ... § 3º. Para autorizar o horário de diversão noturna e o horário da madrugada será necessário o estudo de impacto de vizinhança que seja favorável ao funcionamento ... ... § 5º. Fica estabelecido o estudo prévio de Impacto de Vizinhança como condição necessária para concessão de Alvará de Funcionamento das atividades listadas no artigo 1º* deste Decreto e a limitação de horário de funcionamento dos mesmos.” (*estabelecimentos comerciais, de natureza industrial e prestadores de serviço em geral).

Art. 49 LCM 092/2012:

“Na localização de estabelecimentos de diversões noturnas e gastronomia, o Poder Público Municipal terá sempre em vistas o sossego e o decoro da população, conforme o disposto no Plano Diretor. § 1°. Poderá ser exigido Estudo de Impacto de Vizinhança para a localização do estabelecimento de diversão noturna e gastronômica.”

Art. 1º DEM 001/2008:

“Ficarão obrigados a realizar o EIV os seguintes empreendimentos: ... VIII. Estabelecimentos destinados ao lazer, eventos, diversão, ...”

Art. 193 LCM 003/2002 e art. 182 LCM 092/2012:

“Se o exercício da atividade causar ruídos de qualquer natureza, direta ou indiretamente, quer sejam produzidos no interior ou exterior do prédio, a concessão da licença para funcionamento ficará condicionada à apresentação de parecer técnico por empresa ou órgão público com reconhecida capacidade técnica sobre a intensidade do som produzido, nos termos da Legislação específica.”

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Art. 6º DEM 032/2006:

“Se o exercício da atividade causar ruídos de qualquer natureza, direta ou indiretamente, quer sejam produzidos no interior ou exterior do prédio, a concessão da licença para localização ficará condicionada à apresentação de laudo técnico, por empresa ou órgão público, com reconhecida capacidade técnica, sobre a intensidade do ruído produzido, nos termos da Legislação específica.”

Também consta exigência no Quadro II do DEM 032/2006.

Art. 4º DEM 001/2008:

“O EIV deverá conter, além das questões relacionadas no art. 3º, as seguintes informações e documentos: ... II. Identificação e avaliação dos impactos na área de vizinhança durante as fases de implantação, operação ou funcionamento ... do empreendimento ou atividade, contendo no mínimo: ... d. produção e nível de ruído.”

TRAMITAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO ALVARÁ DE

LOCALIZAÇÃO:

Art. 1º DEM 032/2006:

“O presente Decreto Executivo regulamenta as solicitações de inscrição, de alteração nos cadastros e expedição de licenciamentos municipais referentes aos Alvarás de Localização e sanitário, licenças ambientais e Registro no Serviço de Inspeção Municipal – SIM.”

Art. 2º DEM 032/2006:

“Os órgãos municipais envolvidos nos processos de licenciamento e suas atribuições são os seguintes: I. Secretaria de Município de Finanças – Gerência do Cadastro Mobiliário: Responsável pelo protocolo inicial do processo, pela expedição do Alvará de Localização e pelo encaminhamento das demais vias da FID 1 para as outras secretarias envolvidas; II. Escritório da Cidade do Município de Santa Maria: a) Diretoria de Análise de Projetos e Vistorias - Responsável pela emissão da Certidão de Zoneamento1;

1 “Parágrafo único – Por ocasião da emissão da Certidão de Zoneamento, haverá a análise quanto à necessidade da apresentação do Laudo de Impacto de Vizinhança previsto no anexo 07 da Lei Complementar 033/2005 – Lei de Uso e Ocupação do Solo”.

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III. Secretaria de Município de Proteção Ambiental: Encarregada pelo licenciamento ambiental, a nível municipal, quando for o caso; IV. Secretaria de Município da Saúde – Diretoria de Vigilância Sanitária: Encarregada pelo licenciamento sanitário, a nível municipal, quando for o caso; V. Secretaria de Município de Desenvolvimento Rural: Encarregada pelo Registro no Serviço de Inspeção Municipal - SIM, quando for o caso.

Art. 4º DEM 032/2006:

“A expedição das licenças ... pelo Poder Público Municipal, ocorrerá mediante requerimento único dos interessados e pagamento prévio dos tributos pertinentes junto aos órgãos competentes do Município, em formulário padrão, anexo a este decreto.”

Art. 11, caput, DEM 032/2006:

“Para requerer a inscrição municipal e licenças próprias, bem como o registro das alterações, o requerente dará abertura de processo único no Protocolo Geral do Município.”

Art. 2º, inc. I, DEM 032/2006:

“Secretaria de Município de Finanças – Gerência do Cadastro Mobiliário: responsável pelo protocolo inicial do processo, pela expedição do Alvará de Localização e pelo encaminhamento das demais vias da FID 1 para as outras secretarias envolvidas”.

Art. 14 DEM 032/2006:

“Deferido o Alvará de Localização pelo setor competente, este encaminhará uma via da FID 1 para as secretarias de Proteção Ambiental, Saúde ou Secretaria de Desenvolvimento Rural, a fim de que estas deem os encaminhamentos necessários para a expedição do licenciamento ambiental, do alvará sanitário ou do certificado de registro no Serviço de Inspeção Municipal – SIM. § 1º. As secretarias de Proteção Ambiental, Saúde ou Desenvolvimento Rural, ao fim de seus processos, obrigatoriamente, expedirão o licenciamento devido ou documento equivalente, justificado, que ateste a dispensa do licenciamento a nível municipal.”

REGRA NA EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO:

Art. 6º DEM 001/2008: “O Escritório da Cidade manifestar-se-á de forma conclusiva sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança, aprovando ou rejeitando o projeto, podendo condicionar sua aprovação à adoção de medidas mitigadoras, compatibilizadoras e compensatórias... § 1º . A Equipe Técnica do Escritório da Cidade opinará sobre o projeto e o respectivo Estudo de Impacto de Vizinhança, ... § 2º . O Escritório da Cidade, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e discussão do Estudo de Impacto de Vizinhança.”

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Art. 3º, § 1º, DEM 032/2006:

“O Alvará de Localização tem o fim específico de autorizar o tipo de atividade do estabelecimento no local e será o primeiro a ser emitido, sendo que as demais licenças municipais devem ficar vinculadas a este.” ... “§ 5º . Para a expedição do Alvará de Localização é desnecessária a Vistoria Prévia, ...”

Art. 11, § 2º, DEM 032/2006:

“Atendidas as exigências legais e apresentados os documentos conforme o quadro I, ocorrerá a expedição do Alvará de Localização.”

EXCEÇÃO NA EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO:

Art. 11, § 3º, DEM 032/2006:

“O disposto no parágrafo anterior não se aplica a estabelecimentos e atividade previstas no Quadro II – LISTA DE ATIVIDADES SUJEITAS A EXIGÊNCIAS PRÉVIAS E ESPECIAIS, para os quais, obrigatoriamente, serão necessários os licenciamentos prévios para a expedição do alvará de localização,...”

Art. 7º, parágrafo único, DEM 032/2006:

“A exigência dos EIV e/ou EIA obrigam a sua apresentação, por parte do requerente, no requerimento de solicitação do alvará de localização.”

APÓS EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO, QUESTÃO DA

RENOVAÇÃO DO ALVARÁ SANITÁRIO E LICENÇAS AMBIENTAIS:

Art. 15 DEM 032/2006:

“Os processos referentes à renovação do Alvará Sanitário,..., deverão ser encaminhados na própria Secretaria de Município de Saúde – Diretoria de Vigilância Sanitária, bem como as renovações das Licenças Ambientais na Secretaria de Município de Proteção Ambiental...”

Dos órgãos previstos no DEM 032/2006 como “envolvidos

nos processos de licenciamento e suas atribuições” (art. 2º), apenas o do

inc. II, al. ‘a’, tinha sido afetado por reforma administrativa promovida

por lei municipal (nº 5189/2009), ao tempo da expedição do Alvará de

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Localização da boate Kiss. A atribuição ali especificada, ser “Responsável

pela Emissão de Certidão de Zoneamento”, fora repassada à Secretaria

de Controle e Mobilidade Urbana (art. 56, inc. III, da Lei Municipal

5189/2009), em órgão de nomenclatura igual (Diretoria de Análise de

Projetos e Vistorias) ou, quando menos, semelhante.

Quanto a vistorias, a previsão expressa na legislação é no

sentido da desnecessidade para o alvará de localização (DEM 032/2006,

art. 3º, § 5º), porém a Secretaria de Finanças realiza “vistoria de licença

de localização de estabelecimentos e atividades”, antes de expedir o

alvará.

A taxa para a primeira vistoria (ou para “inclusão de

alvará”) é “taxa de licença de localização de estabelecimento” – art. 83

da LCM 02/2011 (Código Tributário Municipal); já para os anos seguintes,

é “taxa de vistoria” normal, prevista no art. 103, inc. IV, da LCM 02/2011,

uma vistoria comum de verificação. Aliás, não existe previsão expressa

quanto à periodicidade dessas vistorias subsequentes.

Para a boate Kiss, as vistorias estão historiadas nas fls.

2819 a 2827, vol. 15, IP 01/2013. A vistoria de inclusão de alvará foi feita

em 25/03/2010, pela fiscal Isabel Cristina Alfaro Medina (depoimento nas

fls. 2318 e 2319, vol. 12). A taxa respectiva foi paga, embora com

vencimento para 27/04. Em 2011, a vistoria ocorreu em 11/02; a taxa

igualmente foi paga, ainda que vencível em 17/03. Em 2012, vistoria em

19/04, taxa com vencimento em 30/03, também paga.

Relativamente ao alvará sanitário, em fls. 944 a 953, vol.

05, IP 01/2013, e fls. 2834 a 2837, vol. 15, verifica-se que as vistorias

respectivas foram realizadas sempre depois dos pagamentos das taxas;

estas foram pagas em 22/12/2009 (aqui reside o cerne da discussão

sobre o alvará emitido em 19/01/2010 e com validade supostamente até

apenas 31/01/2010, questão já enfrentada quando do arquivamento

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parcial do IP 094/2013, em Juízo 027/2130000696-7), 09/02/2011 e

29/05/2012.

Com referência à licença ambiental, extrai-se, do que

consta na fls. 356, 357, 368, 381, 390 a 392, vol. 02, fls. 429 e 430, vol.

03, e fls. 3077 a 3081, vol. 16, todos do IP 01/2013, que duas licenças

foram emitidas, em 2010 e 2012; em 23/03/2010, houve pagamento da

taxa e retirada da L.O. 074/2010; em 28/04/2012, foi retirada a L.O.

113/2012, sendo paga a taxa em 02/05/2012. Em 2011, alegadamente

em razão de estar o Ministério Público em tratativas visando à assinatura

de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), a

Secretaria de Município de Proteção Ambiental não teria se

movimentado nem para exigir, nem para renovar a licença (houve

protocolo de requerimento de renovação em novembro de 2011, por

força do TAC tomado).

Assim sendo, salvo melhor juízo, não se há que cogitar da

figura - dolosa, única que geraria responsabilização por improbidade

administrativa - da renúncia de receitas, uma vez que, em linhas gerais,

houve os pagamentos de taxas cabíveis, ainda que não antecipados,

como seria exigível.

DIRETRIZES DE FISCALIZAÇÃO, INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS E SANÇÕES:

Dispositivos de igual redação nas LCMs 003/2002 e 092/2012:

“TÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º. Este código dispõe sobre o poder de polícia

administrativa de competência municipal. Art. 2º. Cabe às autoridades competentes zelar pela

observância dos preceitos desse Código.

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Art. 3º. Constitui infração toda a conduta contrária às disposições desta Lei.

... Art. 8º. Notificação é o procedimento administrativo por meio

do qual o Poder Público comunica à parte interessada da lavratura do auto de infração.

Art. 9º. A notificação deverá conter:

I - relato resumido da irregularidade constatada, além da sanção cabível, se for o caso; II - discriminação das medidas ou providências a serem tomadas pela parte e o respectivo prazo.

Art. 10. Quando o Agente fiscalizador constatar a ocorrência de infração prevista nesta Lei, deverá lavrar auto de infração que conterá: I - o relatório da irregularidade constatada; II - a sanção prevista para a infração. ...

Art. 15. As infrações resultantes do descumprimento das disposições desta lei sujeitam o responsável às seguintes sanções: a) multa; b) apreensão; c) embargo; d) cassação. ...

Art. 17. O embargo consiste no impedimento efetivo de exercer

qualquer atividade que venha em prejuízo da população, ou do meio ambiente, ou ato proibido por esta ou outra legislação municipal.

Parágrafo único - A aplicação da penalidade de embargo de que trata este artigo não impede a aplicação concomitante de outros tipos de penalidades, exceto a de cassação.

Art. 18. A cassação consiste na anulação de alvarás, licenças e

autorizações expedidas pelo Poder Público Municipal. (...)”

“TÍTULO VI - DO COMÉRCIO, DA INDÚSTRIA E DA PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS CAPÍTULO I - DO LICENCIAMENTO” (mesmas nomenclaturas de título e capítulo em ambas as

leis)

Art. 190 LCM 003/2002 e art. 179 LCM 092/2012:

“Nenhum estabelecimento ... poderá funcionar no Município sem as prévias e devidas licenças do Poder Público, concedidas mediante requerimento dos interessados e pagamento dos tributos pertinentes...”

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Art. 197 LCM 003/2002 e art. 186 LCM 092/2012:

“Será fechado todo o estabelecimento que exercer atividades sem a necessária licença expedida em conformidade com o que preceitua este Código.”

Art. 16 DEM nº 032/2006:

“Poderá ser fechado todo o estabelecimento que exercer atividades sem as necessárias licenças, expedidas em conformidade com o que preceitua a legislação.”

Art. 198 LCM 003/2002 e art. 187 LCM 092/2012:

“A licença de localização deverá ser cassada nos seguintes casos: I – como medida preventiva, a bem da higiene, do sossego e da segurança pública; ... III – por solicitação da autoridade competente, com fundamentação legal e prova dos motivos da solicitação; IV – por descumprimento da presente lei.

Parágrafo único – Cassada a licença, o estabelecimento será imediatamente fechado.”

Art. 17 DEM 032/2006:

“O Alvará de Localização deverá ser cassado nos seguintes casos: I. Caso haja informação restritiva do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar ao estabelecimento ou atividade licenciada pelo Poder Público Municipal e solicitação do referido órgão, para que as atividades sejam suspensas; II. Caso haja informação restritiva da Secretaria de Município de Saúde – Diretoria de Vigilância Sanitária, ao estabelecimento ou atividade licenciada pelo Poder Público Municipal, com solicitação do Secretário de Município de Saúde, para que as atividades sejam suspensas; III. Caso haja informação restritiva da Secretaria de Município de Proteção Ambiental ao estabelecimento ou atividade licenciada pelo Poder Público Municipal, com solicitação do Secretário de Município de Proteção Ambiental, para que as atividades sejam suspensas; IV. Pela Fiscalização Municipal, no regular exercício do Poder de Polícia, como medida preventiva, a bem da higiene, do sossego e da segurança pública; V. Quando o licenciado se negar a exibir o alvará de localização à autoridade competente; VI. Quando o licenciado negar, restringir ou constranger o livre acesso das autoridades Federais, Estaduais e Municipais competentes, ao exercício da atividade fiscalizadora, comprovadamente mediante documento atestando os fatos ocorridos; VII. Por solicitação da autoridade competente, com fundamentação legal e prova dos motivos da solicitação. ...

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§ 3º. A cassação do Alvará de Localização do estabelecimento implica em imediata suspensão das atividades desenvolvidas, até o momento em que cessem os motivos que deram causa a medida cautelar e tenha sido liberada novamente sua licença.”

Assim, percebe-se que há um delineamento genérico das

questões afetas ao poder de polícia administrativa, e, em sequência, há

títulos e capítulos com disposições mais específicas para cada

situação/atividade, com regramento mais específico de penalidades2.

2 Assim como outros assuntos, a seguir exemplificados: TÍTULO II - DA POLÍCIA DE COSTUMES, SEGURANÇA E ORDEM PÚBLICA CAPÍTULO II - DOS DIVERTIMENTOS PÚBLICOS (mesmas nomenclaturas de título e capítulo em ambas as leis - inicia com o art. 35 LCM 003/2002 e o art. 34 LCM 092/2012): ... Art. 51 LCM 003/2002: “O estabelecimento que venha a ter comprovação, pela autoridade policial ou municipal competente da prática ou exercício de atividades ilegais em suas dependências, terá suas atividades suspensas pela Prefeitura do Município de Santa Maria e responderá em juízo sob as penalidades da Lei.” Art. 52 LCM 092/2012: “O estabelecimento que venha a ter comprovação, pela autoridade policial ou municipal competente, da prática ou exercício de atividades ilegais em suas dependências, sofrerá a incidência da multa aplicável a espécie, terá suas atividades suspensas por até 90 (noventa) dias, além das previstas no artigo seguinte.” Art. 52 LCM 003/2002: “Os infratores dos dispositivos desta legislação estão sujeitos às seguintes penalidades: I - multa proporcional a área e de acordo com a infração cometida; II - fechamento administrativo com a lacração de todas as entradas do estabelecimento, na segunda autuação, por reincidência específica. Parágrafo único - Desrespeitado o fechamento administrativo, será solicitado auxílio policial para exigir o cumprimento da penalidade administrativa, sem prejuízo de outras medidas. Art. 53 LCM 092/2012: “Os infratores dos dispositivos desta legislação estarão sujeitos às seguintes penalidades: I. multa proporcional à área e de acordo com a infração cometida; II. fechamento administrativo temporário com prazo estabelecido pela Prefeitura Municipal ou até que sejam sanadas as irregularidades; III. fechamento administrativo definitivo com a lacração de todas as entradas do estabelecimento, na segunda autuação por reincidência específica. Parágrafo único. Desrespeitado o fechamento administrativo, será solicitado auxílio policial para exigir o cumprimento da penalidade administrativa sem prejuízo de outras medidas.” TÍTULO IV - DO USO DO MOBILIÁRIO URBANO E DA INSERÇÃO DE VEÍCULOS DE DIVULGAÇÃO NA PAISAGEM URBANA CAPÍTULO XII - DOS RESPONSÁVEIS E DAS PENALIDADES (mesmas nomenclaturas de título e capítulo em ambas as leis - art. 137 LCM 003/2002 e art. 127 LCM 092/2012). TÍTULO V - DOS ANIMAIS CAPÍTULO VIII - DAS SANÇÕES (mesmas nomenclaturas de título e capítulo em ambas as leis - arts. 186 e 188 LCM

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Nesse contexto, em termos de sujeição passiva

fiscalizatória, a atividade da boate Kiss estava abrangida tanto pelas

disposições genéricas, como pelo “Título VI - Do Comércio, da Indústria e

da Prestação de Serviços”, recém transcrito.

Em elogiável técnica legislativa, os Códigos de Posturas

de Santa Maria que vigoraram durante o período de existência da boate

Kiss (2009 a 2013), a saber, Leis Complementares Municipais nos

003/2002 e 092/2012, não minudenciaram o procedimento para

obtenção de Alvará de Localização (e demais licenças correlatas),

limitando-se a disporem, quanto ao uso econômico de uma edificação,

que “Nenhum estabelecimento ... poderá funcionar no Município sem as

prévias e devidas licenças do Poder Público, concedidas mediante

requerimento dos interessados e pagamento dos tributos pertinentes”.

Em tal disposição, a um só tempo, estabeleceu-se (a) necessidade de

cadastramento prévio de pessoa jurídica que pretenda exercer atividade

econômica e (b) que a iniciativa para tal cadastramento será do

empreendedor, mediante pagamento de tributos respectivos.

A boate Kiss, como é de notório e mundial conhecimento,

iniciou suas atividades sem essas licenças.

A cronologia dos documentos relativos à locação do

prédio e requerimentos encaminhados ao Município (seja em nome de

representantes da pessoa jurídica, seja em nome da firma proprietária

do prédio, seja por profissionais que assinavam projetos) mostra, sob o

aspecto de obras na/da edificação (ou seja, assunto concernente à Lei

Complementar Municipal nº 070/2009 – Código de Obras do Município de

Santa Maria), que:

a) em 09/04/2009, Alexandre Silva da Costa e Tiago Flores

Mutti, sedizendo futuros sócios de “empresa a ser constituída”,

003/2002 e arts. 175 e 177 LCM 092/2012).

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assinaram contrato de locação com a empresa Eccon Empreendimentos

de Turismo e Hotelaria Ltda. (representada por imobiliária que detinha

procuração) do prédio onde depois funcionou a casa noturna (e até

pouco tempo antes um cursinho pré-vestibular);

b) em 24/06/2009, procurador da Eccon Empreendimentos

de Turismo e Hotelaria Ltda. protocolou junto ao Município (Escritório da

Cidade – EC) requerimento para licenciar abertura de vala para água e

obter certidão de numeração oficial; no formulário do requerimento está

posto o nº 1925 para “loja e pavilhão” nesse lugar, o mesmo número

que consta na procuração da empresa para Casabranca Administradora

e Corretora de Imóveis Ltda., outorgada em 01/01/2003, que

acompanhou o pedido;

c) em 01/07/2009, atendido o requerimento anterior (com

fornecimento da licença para abertura de vala nº 0842/09 e da certidão

de numeração oficial nº 2070/09, constando ser o nº 1935 para o prédio

nos arquivos municipais), arquiteta da empresa Santo Entretenimento

Ltda. (então já constituída, constituição ocorrida em 20/04/2009, tendo

como sócios Alexandre Silva da Costa, Cíntia Flores Mutti, irmã de Tiago,

e Élton Cristiano Uroda) protocolou, também em nome de Eccon

Emprendimentos de Turismo e Hotelaria, com sobreposição de escritas

no número do prédio (1925 ou 1935, não se podendo afirmar qual o

original e qual o sobreposto), requerimento de alinhamento para fim de

reforma;

d) em 27/07/2009, atendido o requerimento anterior (com

fornecimento das informações urbanísticas nº 0679/09, constando o nº

1935 do prédio), a mesma arquiteta protocolou, em nome de Alexandre

Silva da Costa, com o número do prédio já 1935, requerimento para

aprovação de projeto de reforma sem ampliação (de área edificada);

e) depois de 29 apontamentos de correções feitos pelo

arquiteto Rafael Escobar de Oliveira, servidor do Escritório da Cidade

(EC)/Secretaria de Mobilidade Urbana, setor de análise de projetos, 01

deles (item 4) de que “O processo deverá tramitar com o nome do

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proprietário constante na matrícula do CRI”, bem como despacho de

outro setor do EC de que “Conforme reunião do FT3, em 10/08/09, anexar

EIV4, considerando principalmente a questão do isolamento acústico,

trânsito, estacionamento”, o projeto é retirado (por pessoa em nome do

proponente) em 17/09/2009;

f) em 30/09/2009, a mesma arquiteta protocolou, agora

em nome de Eccon Empreendimentos de Turismo e Hotelaria Ltda. (o

“proprietário constante na matrícula do CRI”), com o número do prédio

1935, novo requerimento para aprovação de projeto de reforma sem

ampliação (de área edificada); neste formulário, é anotada observação

para verificação do protocolo anterior (ou seja, não se perder de

memória os apontamentos já feitos); tal projeto recebe apontamentos

pelo setor de análise de projetos e, quanto ao EIV, anotação de que

“Conforme reunião do FT em 09/11/2009, foi emitido parecer quanto ao

uso ao EIV apresentado, de acordo com o ofício 705 em anexo”; este

ofício consigna “nada a opor quanto ao uso proposto, porém deverá ser

apresentado contrato de locação com estacionamentos na proporção

exigida por lei e laudo de isolamento acústico”; o projeto é retirado (por

pessoa em nome do proponente) em 28/12/2009 e retorna, trazido pela

arquiteta, em 07/01/2010; é examinado novamente, recebendo

apontamentos pelo setor de análise de projetos (inclusive um referente

ao Ofício nº 705/EC/09/SC), e é retirado novamente pela arquiteta em

09/02/2010; a arquiteta retorna o projeto em 02/03/2010, é examinado

uma vez mais, recebe apontamentos pelo setor de análise de projetos,

incluindo solicitação à Diretoria de Planejamento (DP) do EC para

“análise dos documentos intitulados “Declaração”5 e “Laudo Técnico”6 e

verificação se atendem ao prescrito no Ofício 705/EC/09/SC”; nessa

análise, a conclusão é de que “os níveis de ruído estão de acordo”, mas

3 Abreviatura de Fórum Técnico. 4 Abreviatura de Estudo de Impacto de Vizinhança. 5 Declaração de empresa que operava com estacionamento próximo à boate de que dispunha de vagas e que funcionaria no mesmo horário da casa noturna, quando fosse informada com antecedência dos dias de funcionamento desta. 6 Laudo de medição de emissões sonoras feito por Tiago Flores Mutti, datado de 10/12/2009.

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“Quanto aos estacionamentos, deverá ser apresentado contrato

assinado por ambas as partes de locação das vagas obrigatórias”; a

última manifestação, datada de 07/04/2010, do então Vice-presidente do

EC, é “Para encaminhamento de acordo com o parecer emitido pelos

técnicos do EC”; esse é o projeto que ficou à disposição do proponente e

não foi mais retirado junto à municipalidade;

g) em 10/02/2010, foi protocolado, em nome de Eccon

Empreendimentos de Turismo e Hotelaria Ltda. (assinado por pessoa

física não identificada no formulário), com o número do prédio 1935,

requerimento para concessão de certidão de conclusão de reforma,

relativamente ao alvará nº 1497/03 (reforma autorizada para o cursinho

pré-vestibular que funcionou no local antes da boate Kiss); tal

requerimento se destinou a atender o apontamento do item 7 da

listagem de 29 apontamentos iniciais, que foram reprisados no protocolo

subsequente de pedido de aprovação de projeto de reforma (lembrando

que este foi retirado junto à municipalidade pela arquiteta em

09/02/2010); o pleito foi indeferido em 12/02/2010 por Júlio César

Rebelato, engenheiro civil do Município (identificação a partir de cotejo

de assinaturas em documentos diferentes), porque “No local funciona

uma casa noturna (boate)”.

Anota-se que, em 07/07/2009, mercê de denúncia

recebida, a fiscalização da Secretaria Municipal de Finanças embargou a

obra de reforma que, na prática, já estava em curso na edificação; foram

feitas vistorias posteriores, em 20/07 e 13/08 e, constatado o

prosseguimento, aplicadas multas de R$3.738,35 e R$11.215,07 (fls.

1488 a 1496, vol. 8, IP 01/2013).

Antes disso, em 27/05/2009, o mesmo setor de

fiscalização procedera a autuação por estar a calçada em frente ao

prédio em más condições, aplicando multa de R$97,62 (fls. 1485 a 1487,

vol. 8, IP 01/2013). Aliás, tudo indica que foi justamente em função disso

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que, em 24/06/2009, houve protocolo de pedido para licenciar abertura

de vala (formulário de fl. 1378, vol. 7, IP 01/2013).

Paralelamente a isso, a cronologia de alguns desses

mesmos documentos, mais outros elementos de convicção existentes

nos autos (tanto do inquérito civil, como, agora, dos inquéritos policiais

em apreciação), pela ótica da legislação atinente ao uso econômico da

edificação, mostra que:

a) a boate Kiss com certeza começou a funcionar até o

mês de julho de 2009, porque em 01/08, a fiscalização da Secretaria

Municipal de Controle e Mobilidade Urbana lavrou a “notificação

preliminar” nº 102 (ou 1701/2009 – fl. 36, vol. 1, IP 01/2013 – doc.

extraído do IP 094/2013 da 1ª DP); desta decorreram várias autuações

de infração posteriores, com aplicação de multas, e um embargo de

atividade7;

b) dessas autuações, bem como do já manifestado (pelos

protocolos referentes aos projetos de obras) propósito de regularização

da atividade, decorreu a protocolização, em 24/11/2009, de pedido de

certidão de zoneamento e uso “para fins de concessão de alvará de

localização”, em nome de Santo Entretenimentos Ltda., constando no

formulário o nº 1925 como sendo o do prédio;

c) após fornecimento de tal certidão, de nº 4008/09,

datada de 25/11/2009, sem constar nela o nº do prédio, em 22/02/2010

é protocolado requerimento de certidão de numeração oficial para

“verificar possibilidade de uso do nº 1925, conforme explicações

anexas”; as “explicações anexas” são seis: 1 – existência da numeração

exposta na fachada há vários anos; 2 – contrato de aluguel ter tomado

por base tal número; 3 – alvará sanitário encaminhado e expedido com

aquele número8; 4 – alvará em PPCI idem ao alvará sanitário; 5 –

7 Tudo já analisado na promoção de arquivamento parcial do inquérito civil nº 00864.00006/2013. 8 Para tanto, é pressuposto que a FID apresentada na Secretaria Municipal de Saúde

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inscrições nas Fazendas Estadual e Federal terem sido feitas com o nº

1925; e 6 – impossibilidade de protocolo de requerimento de alvará de

localização devido à divergência entre o número oficial e o número “de

fato”; os itens 2 a 5 são provados documentalmente e, por isso, Júlio

César Rebelato, engenheiro civil do Município (identificação a partir de

cotejo de assinaturas em documentos diferentes), despachou em

25/02/2010 determinando “Conceder certidão de nº 1925”;

d) depois de expedida, em 25/02/2010, a certidão do item

‘c’, ocorre protocolo de requerimento de concessão de alvará de

localização, a chamada “FID 1”, em 23/03/2010; em 25/03/2010, a

fiscalização da Secretaria de Finanças vai até a boate efetuar vistoria,

sendo anotado no formulário que “Atividade confere, endereço”; então,

em 24/04/2010, foi expedido o Alvará de Localização.

Anota-se que, em 01/08/2009, mercê de denúncia

recebida, a fiscalização da Secretaria Municipal de Controle e Mobilidade

Urbana notificou a boate Kiss (empresa Santo Entretenimento Ltda.) para

apresentar Alvará de Localização e cessar atividades imediatamente;

foram feitas vistorias posteriores, em 30/08, 03/10, 20/11, 05, 13 e

19/12/2009, e 10/01/2010, sempre sendo constatado o prosseguimento,

e então, devido à sequência do funcionamento, foram aplicadas multas

de R$97,52, R$390,48, R$1952,40 e três vezes de R$3904,80 (fls. 36 a

46, vol. 1, IP 01/2013). Quanto às constatações que geraram multas,

algumas destas foram pagas, outras impugnadas; a primeira parece não

ter gerado autuação porque apenas notificação; a constatação de

20/11/2009 não gerara lançamento tributário, aparentemente por

equívoco, desfeito no ano de 2013, com lançamento no prazo legal de 05

anos (fl. 2648, vol. 14, IP 01/2013).

Além disso, depois da constatação inicial e de duas

autuações por continuidade, foi determinado embargo de atividade nº

contenha – e de fato contém, conforme documento existente nos autos – o respectivo número predial.

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003/2009, dado a conhecer a Alexandre Silva da Costa em 15/11/2009

(fls. 38 a 40).

Igualmente nesse ínterim e contexto fático, no tocante

aos demais requisitos para obtenção de Alvará de Localização, tem-se a

seguinte cronologia:

a) Alvará em PPCI:

Exclusiva atribuição do Corpo de Bombeiros, decorrente

da Lei Estadual nº 10987/1997 (ao tempo do funcionamento da boate).

Os Códigos Municipais de Posturas (LCMs 003/2002 e 092/2012) sequer

aludem a esse assunto. Somente o DEM 032/2006 faz alusão, no art. 8º:

“É de competência exclusiva do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul a expedição do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio, ou licença equivalente,...”

O mesmo DEM 032/2006, no entanto, em seu “Quadro II –

LISTA DE ATIVIDADES SUJEITAS A EXIGÊNCIAS PRÉVIAS E ESPECIAIS”, no

qual se encaixava a atividade da casa noturna, estipula que o alvará em

PPCI é indispensável como requisito prévio à expedição do Alvará de

Localização.

Para a boate Kiss, ou empresa Santo Entretenimento

Ltda., esse alvará do Corpo de Bombeiros fora expedido em 28/08/2009

e tinha então validade até 28/08/2010.

b) Alvará sanitário:

Em 22/12/2009, consta protocolo de requerimento (FID 1)

de concessão de alvará sanitário, feito em nome da firma Santo

Entretenimento Ltda., tendo o nome de Alexandre Silva da Costa como

sócio/responsável, constando o nº do prédio 1925; em 29/12/2009, a

então responsável técnica pelo Setor de Alimentos da Vigilância

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Sanitária municipal, médica veterinária Heloísa Lorentz Smaniotto,

designada (junto a outras pessoas) para execução de atos de vigilância

sanitária entre 2009 e 2013 (portarias de fls. 275 a 282, vol. 2, IP

01/2013), realizou vistoria correspondente (relatório de fls. 967 e 968,

vol. 5) e emitiu notificação para adequações (fl. 272); em 14/01/2010 foi

feita revistoria e, como havia sido atendida integralmente a notificação,

não foi confeccionado novo relatório, e sim simplesmente emitido o

alvará (fl. 261, vol. 2), em 19/01/2010, com validade expressada no

documento até 31/01/2010.

Cabe mencionar, na questão da data de validade do

alvará sanitário, que já foi enfrentada por ocasião do pedido de

arquivamento parcial feito quando do oferecimento da denúncia relativa

ao inquérito policial nº 094/2013, referente ao fato principal da “tragédia

de Santa Maria”, no tocante ao indiciamento de Marcus Vinícius

Bitencourt Biermann. Contudo, importante relembrar aqui que lá se

destacou inexistir base legal para duração de (poucos) dias, como seria

se se aceitasse que o documento de fl. 261 vigorou apenas entre 19 e 31

de janeiro de 2010. Conforme já exaustivamente lá demonstrado, a

legislação alude a alvará “anual”, e não quinzenal, mensal, trimestral ou

outra periodicidade; também não existe menção a uma data fixa de

validade desse alvará, mas tão somente uma data fixa para pagamento

da taxa anual respectiva, 31 de março (art. 3º da Lei municipal

4041/1996), o que é muito diferente.

c) Licença ambiental (de operação):

O processo administrativo nº 2833/2010, referente à

Licença de Operação nº 074/2010 (fls. 2460 a 2462, vol. 13, IP 01/2013)

foi iniciado em 01/02/2010; está basicamente nas fls. 2472 a 2525, e

2471 (pagamento da taxa); nele não consta FID, e sim formulário de

“requerimento geral para licenciamento ambiental” (capa do expediente,

fl. 2473), com assinalação em “documento solicitado” de “licença de

operação” e “primeira solicitação deste tipo de documento”; a licença

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acabou expedida em 04/03/2010; em 23/03, paga a taxa respectiva, foi

retirada.

Verifica-se, porém, que não havia, no âmbito do Município,

um regramento sobre esse procedimento. Tal regramento só adveio em

2012, com a edição da Lei Municipal nº 5618, em 05 de janeiro. Segundo

informado pela municipalidade, em resposta aos fartos questionamentos

da polícia judiciária durante o IP 01/2013, o licenciamento se dava com

base no rito estabelecido pela Resolução nº 237/1997 do CONAMA. Essa

lacuna provavelmente tenha contribuído para que, a exemplo do que

ocorreu no âmbito da Secretaria de Município da Saúde, na Secretaria de

Município de Proteção Ambiental (atual de Meio Ambiente) houvesse

solicitação de documentos que descabiam ao setor ambiental analisar.

d) Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV):

O EIV da boate Kiss foi feito em setembro de 2009, pela

arquiteta Cristina Gorski Trevisan; restou indubitavelmente incluído não

só no processo administrativo referente ao pedido de aprovação de

projeto de obra protocolado em 2009 (aquele que acabou não aprovado

e abandonado, pela concessão do alvará de localização), mas também

nos vários setores envolvidos com a documentação necessária ao alvará

de localização. Tal ficou muito claro durante do IP 01/2013, assim como

ficara também patente no bojo do IP 094/2013 (o principal relativo à

“tragédia de Santa Maria”).

O que aconteceu, no entanto, é que não houve análise do

conteúdo do EIV no procedimento administrativo de concessão do alvará

de localização, e sim apenas a apresentação do documento, como

requisito formal para a expedição do documento autorizador do

funcionamento da casa noturna.

e) Laudo técnico sobre a intensidade do ruído produzido:

Analisando-se os inquéritos policiais que integram o

presente inquérito civil (um dos quais serve de base ao recurso contra a

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promoção parcial de arquivamento), verifica-se que a polícia judiciária

tratou em geral o requisito legal de alvará de localização abordado neste

tópico como “laudo acústico”. Tal expressão é de imprecisa delimitação.

Buscou-se, então, a forma pela qual a legislação municipal

aludiu ao assunto. Nas LCMs 003/2002 e 092/2012, os arts. 193 e 182,

respectivamente, de idêntica redação, aludem a esse documento como

“parecer técnico ... sobre a intensidade do som produzido”; já o DEM

032/2006, específico sobre procedimento do alvará de localização, aludiu

em seu art. 6º a “laudo técnico ... sobre a intensidade do ruído

produzido”, optando-se por esta última denominação presentemente em

razão de não se tratar, em sentido estrito, de pareceres de profissionais,

e sim de laudos mesmo, estando no particular o decreto tecnicamente

mais preciso que as leis.

O laudo técnico que serviu como requisito formal para a

expedição do alvará de localização indubitavelmente chegou ao

conhecimento do Escritório da Cidade, que a ela aludiu nos registros

atinentes à tramitação de documentos em seu âmbito, e na Secretaria

de Município de Proteção Ambiental, pois o texto da Licença de Operação

nº 074/2010 faz alusão expressa a ele (item 1.1.3).

A exemplo do EIV, não houve, no procedimento

administrativo de concessão do alvará de localização (nem no âmbito do

Escritório da Cidade ou da Secretaria de Município de Proteção

Ambiental, ao que tudo indica), análise do conteúdo do laudo técnico

sobre a intensidade do ruído produzido, e sim apenas a apresentação do

documento, como requisito formal para a expedição do documento

autorizador do funcionamento da casa noturna; houve questionamentos

a respeito pela polícia judiciária no IP 01/2013 (fls. 566 a 574, vol. 05,

Ofício nº 642/2013, itens 21, 23 - este específico sobre o não

atendimento da NBR 10151, que versa sobre medições acústicas - e 36),

sendo respondido pela secretaria mencionada que “O Município não

analisa a responsabilidade em pormenores do teor do laudo, ..., vez que

é presumível que esteja correto, pois fora emitido por técnico com

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registro no seu conselho profissional e com ART – Anotação de

Responsabilidade Técnica, sendo ele responsável por aquilo que assina”

e “A análise se restringe à apresentação de laudos, onde seu conteúdo é

de responsabilidade de quem emitiu”. (fl. 1086, vol. 06, Memorando nº

189/2013-SMA/GR, íntegra em fls. 1084 a 1092).

Essa postura dos órgãos municipais é apenas

parcialmente sustentável, na medida em que, muito embora os

resultados obtidos no trabalho técnico não sejam de necessária

sindicância/conferência pelo ente federativo destinatário, a metodologia

usada pelo profissional que subscreve o laudo deve ser; em não havendo

atendimento às diretrizes respectivas (normas legais ou mesmo

infralegais, como as da ABNT), é de ser refutado o trabalho e até mesmo

comunicado ao órgão de classe do emitente do laudo, para providências

cabíveis, especialmente revisão/cassação de ART/RRT.

De qualquer sorte, é de registrar que, ao analisarem o IP

01/2013 (em juízo 027/2140011071-5), um dos signatários e o Dr. Joel

Oliveira Dutra promoveram o arquivamento no tocante a indiciamento

de Tiago Flores Mutti, autor do laudo técnico sobre a intensidade do

ruído produzido na boate Kiss, por crime previsto no art. 69-A da Lei nº

9605/1998. Dentre os argumentos está afirmado que o método descrito

no laudo para o trabalho realizado (produção de som a partir de

execução de “Ruído Rosa” - ou “Pink Noise”) não é referido nas NBRs

10151 e 10152 (normas técnicas da ABNT que se aplicam a tal medição)

como inviável de ser utilizado.

Ou seja, em que pese deva o ente federativo analisar em

âmbito geral a metodologia dos laudos técnicos que lhe são

apresentados, no caso específico não se encontrou lacuna que

justificasse a refutação do trabalho.

Quanto à circunstância, também muito enfatizada pela

polícia judiciária, de ser autor do trabalho Tiago Flores Mutti, o qual era

sócio da boate Kiss à época, a documentação existente a respeito não

respalda qualquer exigência de os servidores públicos que avaliassem o

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laudo técnico terem de desconfiar disso. Com efeito, a participação de

Tiago na empresa – que a investigação policial realmente descortinou –

era somente fática, uma vez que o contrato social nunca o teve como

um dos sócios; para ele, a irmã Cíntia Flores Mutti servia como “laranja”,

dando aparência de que Tiago não integrava a pessoa jurídica.

Cabe ainda um comentário sobre a “consulta popular”.

A polícia judiciária, desde o tempo do inquérito policial

que apurou as questões afetas diretamente à “tragédia de Santa Maria”

(nº 094/2013 da 1ª DP), depois reprisando a postura na confecção e

conclusão do inquérito policial que baseou o recurso da AVTSM contra o

arquivamento parcial deste Inquérito Civil (nº 01/2013 da DRP), tem

passado a ideia de que tal documento seria parte integrante do EIV. Mas

não é.

Para evitar fastidiosa tautologia, transcreve-se parte da

promoção de arquivamento exarada no IP 01/2013:

“...o que se constata é que a polícia judiciária considerou que o documento denominado por praxe administrativa de ‘consulta popular’ (que deveria conter a assinatura de ‘moradores de num raio máximo de 100 metros do estabelecimento’) seria parte integrante daquele estudo técnico, previsto no Estatuto da Cidade (Lei federal nº 10257/2001), bem como em legislação municipal de Santa Maria (notadamente o Decreto Executivo nº 001/2008).

Porém, não é. A Lei federal nº 10257/2001, comumente

denominada Estatuto da Cidade, contemplou o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) como um dos instrumentos para execução da política urbana (art. 4º, inc. VI); não trouxe conceituação, mas definiu um rol mínimo de questões a serem analisadas, na estimativa dos efeitos positivos e negativos de um determinado empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área ou nas proximidades: adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, ventilação e iluminação, e paisagem urbana e patrimônio natural e cultural (art. 37, incs. I a VIII). E dispôs que lei municipal especificaria empreendimentos e atividades que o exigiriam (art. 36).

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Em Santa Maria, tal instrumento foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei Complementar Municipal nº 030/2004, que alterou a Lei Complementar Municipal nº 003/2002, esta o Código de Posturas; no tocante a casas noturnas, como a boate Kiss, estipulou que o EIV favorável passava a constituir condição necessária para funcionamento noturno sem restrição de horário, e sem ele não poderiam funcionar da 01 às 06h (art. 50, caput, parte final, e § 1º); também estabeleceu que o EIV constituía condição necessária para concessão de alvará de localização a estabelecimentos prestadores de serviços em geral (art. 190A), rubrica maior em que as casas noturnas se enquadra(va)m, e, ainda, que “...será regulamentado por Decreto do Poder Executivo” (art. 190A, § 3º).

O Decreto Executivo Municipal nº 040/2005 veio a ser o primeiro regulamento dessa espécie (embora seja fundamental destacar que, em seu cabeçalho, constou que “Regulamenta a concessão de Alvarás e o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais de natureza industrial e prestadores de serviço em geral” - grifo dos signatários); acrescentou ao rol mínimo de questões a serem analisadas no EIV (além das listadas no Estatuto da Cidade) o sossego público (art. 7º, alínea ‘h’); explicitou o que deveria ser esclarecido quanto a cada uma delas (art. 7º, §§ 1º a 8º); determinou que a questão do sossego público seria “definidora” da consideração do EIV como favorável (art. 8º); anotou que o EIV seria realizado “mediante vistoria da fiscalização” (art. 13, caput), salvo “Quando o empreendimento ... prever (sic) investimentos de mais de 1 milhão de reais...”, hipótese em que “...deverá ser realizado de forma detalhada por técnicos das respectivas áreas” (art. 13, parágrafo único); e trouxe também a seguinte previsão:

Art. 9º. A qualquer tempo, mesmo após a concessão

do alvará, poderá a comunidade local, numa área próxima ao estabelecimento num raio de 100m, manifestar-se sobre a questão do sossego público, que integra o estudo de impacto de vizinhança.

§ 1º. Poderá ser instrumento da comunidade a denúncia, o abaixo assinado e o requerimento encaminhados à Secretaria de Município das Finanças, Diretoria de Fiscalização, através do Protocolo Geral da Prefeitura Municipal;

§ 2º. A manifestação de até 20% dos moradores determinará a revisão do estudo de impacto de vizinhança no prazo de 30 dias da data do requerimento;

§ 3º. A manifestação de mais de 50% dos moradores será apensada ao estudo de impacto de vizinhança, tornando a questão do sossego público desfavorável, determinando a imediata revisão do alvará concedido e do horário de funcionamento do estabelecimento.”

Tal decreto não foi o único a dispor sobre o EIV em

Santa Maria. Pouco tempo depois, adveio o Decreto Executivo

Municipal nº 032/2006, na mesma temática de regramento de

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Alvarás (“Estabelece normas para a expedição dos licenciamentos municipais referentes aos Alvarás de Localização e Sanitário, Licenças Ambientais e Registro no Serviço de Inspeção Municipal...”), que transparece ter, de fato, ficado mais focado nas licenças municipais de vários setores; nele, a alusão ao EIV está no art. 7º, que estipulou que, “Para o licenciamento do exercício de atividades no Município de Santa Maria, poderá ser exigido Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), em conformidade com a Lei Complementar nº 030/04 (de 29/12/04), Lei Complementar 033/05 (LUOS – de 29/12/05), Lei Complementar 034/05 (PDDUA – de 29/12/05) e Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em conformidade com a LC 034/05 e a Legislação Ambiental”; além disso, somente consta como obrigatório no “Quadro II – LISTA DE ATIVIDADES SUJEITAS A EXIGÊNCIAS PRÉVIAS E ESPECIAIS”, no qual inserida a atividade de “Boates, danceterias, ..., casas de show, estabelecimentos com música ao vivo ou mecânica e similares que reúnam expressiva quantidade de pessoas”, o que era o caso da boate Kiss.

No início de 2008, foi editado o Decreto Executivo

Municipal nº 01/2008, que “Define os empreendimentos e atividades que dependerão de elaboração de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e dispõe sobre sua elaboração e análise, nos termos do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001), e da L.C. nº 034/05, de 29 de dezembro de 2005”, e, portanto, cuidou especificamente de tal instrumento de execução de política urbana.

Esse novo decreto não revogou expressamente os anteriormente citados (até porque os anteriores eram, conforme anotado, destinados à regulamentação da concessão de Alvarás), porém regrou por inteiro aspectos que naqueles tinham sido originalmente versados (com o que a revogação, se ocorrida, é tácita), cuidou mais detidamente de outros (complementando-os, portanto) e inovou em mais alguns; dentre as inovações, cabe destacar a conceituação de impacto de vizinhança (art. 2º, inc. I) e de estudo de impacto de vizinhança (art. 3º) e a atribuição de competência administrativa ao Escritório da Cidade para exame do mérito do EIV, aprovando ou rejeitando o projeto a que se refere (art. 6º), bem como facultando-lhe, “sempre que julgar necessário”, promover “audiência pública para informação sobre o projeto e discussão do Estudo de Impacto de Vizinhança”.

Até aqui, expôs-se o panorama legislativo existente e

vigente sobre Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) quando do processo administrativo e respectiva emissão, em 04/03/2010, da Licença de Operação nº 074/2010.

... Pois bem, em todo esse arcabouço legislativo, não se

encontrou nenhuma alusão a que algum tipo de ‘consulta popular’ fosse parte integrante do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) no Município de Santa Maria. Era, isto sim, e no máximo, atividade que

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condicionava a expedição e manutenção de alvará municipal de localização.

Portanto, a assertiva feita a respeito do Estudo de Impacto de Vizinhança, de que seria enganoso, não encontra respaldo nos autos do inquérito policial.

O que pode ser considerado enganoso é o

documento denominado de ‘consulta popular’, criado – como já dito - por praxe administrativa, acredita-se que como consequência anômala da previsão contida no trecho antes transcrito do art. 9º do Decreto Executivo Municipal nº 040/2005 (deste decorreria o registro contido no cabeçalho do documento, de que deveria conter a assinatura de ‘moradores de num raio máximo de 100 metros do estabelecimento’).

Só que, no tocante à enganosidade contida na ‘consulta popular’, TIAGO e ALEXANDRE estão sendo denunciados (junto a outras pessoas), mas não a título de crime ambiental, e sim de falsidade ideológica.

E o indiciamento da arquiteta CRISTINA GORSKI

TREVISAN, feita a explicação do regramento aplicável ao Estudo de Impacto de Vizinhança, seja pelo prisma do Estatuto da Cidade, seja pelo prisma da legislação municipal de Santa Maria, também não se sustenta frente ao que consta no inquérito policial. Com efeito, ela limitou-se a, exclusivamente, elaborar o texto técnico do EIV, sem ter tido qualquer contato com as atividades da ‘consulta popular’, e sem haver qualquer indicativo apurado de que soubesse que no documento decorrente de tal consulta havia falsidades.”

Não sendo a “consulta popular” integrante do EIV, e não

constando no rol dos documentos estipulados pelo DEM 032/2006 (nem

mesmo para as “atividades sujeitas a exigências prévias e especiais”,

como casas noturnas), não poderia ser considerada requisito legal do

alvará de localização.

Apesar de tudo isso, tem-se que, faticamente, houve a

coleta de assinaturas, até com aumento do número de assinantes na via

destinada ao procedimento administrativo do alvará recém citado.

A falsidade do conteúdo, isto é, o fato de pessoas que

assinaram não residirem nas adjacências da boate, como deveria

acontecer, a exemplo do que se disse a respeito dos resultados obtidos

em trabalhos técnicos subscritos por profissionais habilitados, não era

aspecto de necessária sindicância/conferência pelo ente federativo

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destinatário, até porque o cabeçalho do formulário da “consulta popular”

explicitava que quem ali assinasse estava sujeito a crime de falsidade

ideológica (por isso, aliás, o Ministério Público denunciou criminalmente

mais de trinta pessoas).

De tudo o que foi até aqui exposto, recolhe-se que a

argumentação que ensejou o parcial arquivamento do Inquérito Civil nº

00864.00006/2013, atual nº 00864.00031/2013 (já que o outro número

seguiu com a parte do Inquérito Civil que motivou o ajuizamento da Ação

Civil Pública por improbidade administrativa contra integrantes do Corpo

de Bombeiros), aparentemente não sofreu ruptura de base com o

advento do IP 01/2013 da DRP (em Juízo nº 027/2140011071-5).

Em especial, cabe pontuar que a suposta inexistência de

todos os documentos necessários ao tempo da expedição do alvará de

localização, em abril de 2010, constitui uma falácia; como foi

demonstrado – com a observação de que o alvará sanitário não poderia

vigorar apenas por uma quinzena de dias, e sim por no mínimo um ano a

partir de sua expedição –, a íntegra da documentação exigível se fazia,

sim, presente.

No tocante ao procedimento para expedição de alvará de

localização, verificou-se que não é (era) seguida, em seus estritos

moldes, a sistemática do DEM 032/2006, no caso das “atividades sujeitas

a exigências prévias e especiais”, para as quais, após protocolo único

junto à Secretaria de Município de Finanças, esta encaminharia cópias da

FID aos demais setores municipais envolvidos, acompanhadas

estritamente da documentação que tivesse pertinência temática com

cada qual; após a análise, aprovação e expedição de documento de cada

setor, aquela secretaria expediria o alvará. O que ocorre (ocorria) é (era)

uma pulverização, fazendo com que o interessado tenha (tivesse) de ir a

vários setores diferentes e, por evidente sobreposição de exigências

documentais (em grande parte impertinentes) em cada um daqueles,

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produzir várias cópias da mesma documentação, entregando-as em cada

setor, e também fazendo com que o Município não tenha (tivesse)

controle adequado sobre a tramitação.

Também se constatou que há (havia) interpretação

inadequada das atribuições de alguns setores; exemplifica-se com o

Escritório da Cidade (atualmente IPLAN), que entendia ficar sua

apreciação do EIV restrita à questão de projeto de obra, ao passo que o

DEM 01/2008, que versa especificamente sobre esse instrumento da

política urbana, incluindo a análise, é expresso em dizer que “O

Escritório da Cidade manifestar-se-á de forma conclusiva sobre o Estudo

de Impacto de Vizinhança,...” (art. 6º, caput); igualmente, com a postura

da Secretaria de Município de Proteção Ambiental (atual de Meio

Ambiente), que afirmou não ser de sua alçada analisar o conteúdo dos

laudos acústicos, que seriam de responsabilidade exclusiva do

profissional que os elaborou, porém como dito a instrumentalização

deles deve, sim, ser examinada e, se apresentar inconsistência frente às

normas técnicas, ensejar-lhes a rejeição (inclusive com notícia ao órgão

classista do profissional, para eventuais providências).

No tocante à atividade fiscalizatória e providências

consectárias, anota-se que não cabe aqui repristinar sua afirmada

deficiência/insuficiência e retomar o debate, pois já foi objeto de

exaustiva análise quando da promoção de arquivamento parcial,

questionada pela AVTSM; esse aspecto fica reservado para reapreciação

pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Não obstante, houve uma novidade trazida pelo IP

01/2013, a ser objeto de perquirição ao Município: o texto da Instrução

Normativa (IN) nº 01/2007, do então Secretário de Município de Finanças

(fls. 2680 a 2683, vol. 14, IP 01/2013), flexibilizando significativamente o

regramento decorrente da legislação já transcrita, ao prever uma

notificação avulsa, prévia à autuação de infração, mesmo sendo

constatada irregularidade enquadrável como infração administrativa

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(nesse sentido, é expresso o art. 7º, inc. I, da IN); ocorre que os textos

legais municipais não dão margem à expedição de notificações avulsas,

quando há infrações administrativas já configuradas; há que se autuar

pela infração verificada e notificar para fazer o que a legislação

municipal determina ao munícipe ou desfazer ou que ela lhe proibia.

Essa IN foi expedida na vigência da Lei Municipal nº

4820/2005, que atribuía à Secretaria de Município de Finanças a

fiscalização de costumes e posturas, bem como a expedição e

conferência de alvarás de localização; com a reforma administrativa

promovida pela Lei Municipal nº 5189/2009, a fiscalização de costumes e

posturas passou a ser da Secretaria de Município de Controle e

Mobilidade Urbana; a partir de 2013, com nova reforma administrativa

promovida pela Lei Municipal nº 5769/2013, passou para a Secretaria de

Município de Desenvolvimento Urbano.

O fato é que, vigente ainda ou não, aplicável ou não a

outros setores que não a Secretaria de Finanças, a aparência é de que,

mesmo depois da “tragédia de Santa Maria”, o instrumento

“notificação”, como ente autônomo, seguiu sendo usado; com certeza a

Secretaria de Controle e Mobilidade Urbana, sucessora da atribuição

(veja-se como exemplo o ofício de fls. 486 a 490 e as notificações de fls.

491 a 531, vol. 03, IP 01/2013 – documentos extraídos do IP 094/2013).

Deve-se aferir se a IN segue em vigor e se suas diretrizes seguem sendo

aplicadas por algum dos setores municipais encarregados de

fiscalização.

Assim, alguns tópicos pontuais podem ser objeto de

esclarecimentos adicionais, seja com vistas a uma nova Recomendação

quanto a aspectos procedimentais no âmbito do Município de Santa

Maria, seja até mesmo para outra Ação Civil Pública por improbidade

administrativa por ponto que eventualmente justifique uma tal

providência judicial.

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Seria importante, igualmente, que o Município tivesse

ferramentas mais adequadas (em especial de informática) de controle de

tramitação de expedientes, de expiração de prazos de validade de

alvarás e licenças que emite (assim, ainda que a expiração de cada um

fosse em data diferente, poder-se-ia saber em tempo real a situação da

atividade), e de lançamento de taxas por suas atividades, o que

melhoraria o fluxo e a atividade administrativa, principalmente

fiscalizatória.

Do mesmo modo, para otimizar o uso e o desempenho do

recurso humano, seria interessante que a atividade fiscalizatória, de

qualquer atividade e em qualquer tema que demande controle municipal

(costumes e posturas, vigilância sanitária, ambiental etc), e também

como um todo (conferência, autuação, notificações e procedimentos

administrativos correlatos), ficasse jungida a um único setor, de

preferência não vinculado a qualquer secretaria. Desse modo poder-se-

ia, com o mesmo número total de fiscais existente, otimizar a atuação, a

partir de capacitação de todos para todas as várias matérias (ainda que

com resguardado um mínimo de especialização). Ou seja, todos os

fiscais municipais sendo capacitados e tendo atribuída competência para

fiscalizarem todas as matérias e atividades que precisam ser controladas

pelo ente federativo.

Porém, uma vez alertado o Prefeito, p. ex. via

recomendação, como já ocorreu sobre a atividade fiscalizatória, essas

melhorias de meios ficam na esfera da discricionariedade administrativa.

O alerta dado serviu para deixá-lo ciente de que não há justificativa para

verem-se repetidas práticas inadequadas já objeto de apontamento

ministerial, e, na reiteração, a improbidade administrativa se mostrará

manifesta.

Diante do exposto:

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a) considerando que já decorreram dois períodos de 06

meses desde a última prorrogação de prazo do presente inquérito civil,

prorroga-se-o novamente (inclusive de modo retroativo a meados de

julho de 2014), pois há diligências a serem ainda realizadas em seu bojo,

discriminadas em sequência;

b) denega-se pedido de extração de cópias do inquérito

civil, feito em nome de Elissandro Callegaro Sphor, ao menos enquanto

não juntarem procuração, nos termos do idêntico teor dos arts. 7º, § 2º,

inc. V, da Resolução nº 23/2007 do CNMP, e 11, § 2º, inc. V, do

Provimento nº 26/2008 do Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do

Sul; porém, fica desde já autorizada a realização de ditas cópias, para a

ventura de ser anexado instrumento de mandato, na sede das

Promotorias de Justiça e aplicando-se então os termos da Instrução

Normativa nº 01/2012 do Procurador-Geral de Justiça; comunicar esta

decisão por telefone, com certidão nos autos;

c) ordena-se ao cartório a juntada, aos autos deste

inquérito civil, de CD/DVD contendo as peças processuais

confeccionadas no âmbito criminal a respeito do IP 01/2013 da DRP (em

Juízo 027/2140011071-5);

d) deixa-se de analisar, “item por item”, as petições de fls.

374 e 399 e 400, assinadas por integrantes do Conselho Diretor da

AVTSM e, a última, também por advogado constituído pela entidade (fls.

400 e 102), pois a pessoa jurídica dispõe de assessoria jurídica própria e

vasta, já houve manifestações no inquérito civil, anteriormente e agora,

e haverá outra(s) mais, quando do atendimento da requisição contida

neste despacho, tendentes a esgotar o enfrentamento jurídico do caso, e

porque as manifestações ministeriais vertidas nestes autos são públicas,

as principais inclusive foram tornadas públicas na internet, para acesso a

qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo; o mesmo, com as

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adaptações necessárias, vale para os tópicos especificados no texto

anexo ao AT.00866.00228/2014;

e) determina-se a expedição de ofício ao Prefeito de Santa

Maria, requisitando-lhe:

e.1 – o envio de cópia da íntegra do processo

administrativo que tenha tramitado na Secretaria de Município de

Finanças (“capa a capa”) relativamente ao alvará de localização da

boate Kiss (razão social Santo Entretenimento Ltda.), tanto inclusão

como renovações; caso a documentação não tenha recebido autuação

própria, e sim esteja apenas em pasta(s)-arquivo, a remessa de cópia

integral e em ordem cronológica dos documentos;

e.2 – explanar minudentemente (“passo a passo”) qual

era, após a vigência do DEM 032/2006 e até a "tragédia de Santa Maria",

a rotina administrativa imprimida para tramitação de procedimento

administrativo de inclusão de alvará de localização para “atividades

sujeitas a exigências prévias e especiais” (Quadro II da Seção VII – Dos

Procedimentos para a Inscrição Municipal, do DEM 032/2006);

e.3 - enviar os textos dos atos normativos de hierarquia

inferior a Lei e a Decreto (Portaria, Instrução Normativa, Ordem de

Serviço e/ou Circular, conforme previsão no art. 28 da Lei Municipal nº

5189/2009) que, além do DEM 032/2006, eram utilizados como base

para o procedimento administrativo do item ‘e.2’;

e.4 – informar se, após a “tragédia de Santa Maria”, houve

alguma modificação no procedimento objeto do item ‘e.2’, seja na praxe

administrativa, seja nos atos normativos que eram/são utilizados como

base pra tal procedimento;

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e.5 - informar qual o motivo de, no caso da boate Kiss

(empresa Santo Entretenimento Ltda.), terem sido aceitos, nas

Secretarias de Município de Saúde e de Proteção Ambiental,

requerimentos de alvará sanitário (em 22/12/2009) e licença de

operação (em 01/02/2010), antes do protocolo único junto à Secretaria

de Município de Finanças (em 23/03/2010), conforme prevê o DEM

032/2006;

e.6 - esclarecer se a "consulta popular" (a qual, por praxe

administrativa, integrava o procedimento administrativo para obtenção

do alvará de localização para atividades potencialmente impactantes na

questão do sossego público, a partir de formulário fornecido pelo próprio

Município, provavelmente Secretaria de Finanças) segue sendo exigida

após a "tragédia de Santa Maria"; esclarecer, também, qual era e, se

ainda exigida, qual é a base legal/normativa de tal exigência;

e.7 - explanar minudentemente (“passo a passo”) qual

era, desde o início do funcionamento fático da boate Kiss (razão social

Santo Entretenimento Ltda.), em meados do ano de 2009, até a

"tragédia de Santa Maria", a rotina administrativa imprimida para

tramitação de reclamações por perturbação de sossego decorrente de

atividade sujeita a alvará de localização, declinando a(s) base(s)

legal(is); ainda, informar se, após a “tragédia de Santa Maria”, houve

alguma modificação nessa rotina;

e.8 - considerando dados obtidos no inquérito polícia nº

01/2013 da DRP, no sentido de que, no âmbito da Secretaria de

Município de Saúde, eram estabelecidas como datas de vencimento de

alvarás sanitários, em diferentes épocas, os dias 31 de janeiro ou 31 de

março de cada ano, informar qual a base legal/normativa para fixação de

tais datas, já que na tabela acrescida à Lei Municipal nº 3731/1993

consta que a “taxa de ato de vigilância sanitária municipal” respectiva

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será para “alvará sanitário anual (por atividade desenvolvida) e

renovação anual” (grifos inexistentes no texto original), isto é, o

vencimento seria/deveria ser 01 ano após a data da expedição;

e.9 - informar se a Instrução Normativa (IN) nº 01/2007,

do então Secretário de Município de Finanças, segue em vigor; em caso

positivo, se o modo de proceder nela preconizado para fiscalização e

vistorias é aplicável apenas no âmbito da Secretaria de Município de

Finanças, ou se estende a outras secretarias da municipalidade; ainda,

esclarecer se há regramento semelhante expedido no âmbito de outras

secretarias com atribuições fiscalizatórias e, se houver, remeter os atos

normativos respectivos.

Santa Maria, 25 de fevereiro de 2015.

GUSTAVO RAMOS VIANNA, MAURÍCIO TREVISAN,

2º Prom. Just. Cível, em substituição. 2º Prom. Just. Especializado.