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TRIBUNAL DE CONTAS Fl. 321 Rub. Processo nº 8439-0200/08-6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO VICTOR J. FACCIONI CONSELHEIRA SUBSTITUTA ROZANGELA MOTISKA BERTOLO Processo nº 8439-0200/08-6 Assunto: Representação do MPC 31/2008 Sessão de 14.01.2009 TRIBUNAL PLENO REPRESENTAÇÃO 31/2008 DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO FISCALIZATÓRIO NOS TERMOS ESTABELECIDOS PELA LEI ESTADUAL 12.980/2008. LIMITES À INCIDÊNCIA E ÀS ATRIBUIÇÕES DA NORMA ESTADUAL. O CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DA SITUAÇÃO PATRIMONIAL ANTERIOR À POSSE E EXERCÍCIO DE CARGO, FUNÇÃO OU EMPREGO PÚBLICO ESTADUAL FUNDADOS EM FATOS MATERIALIZADOS ANTERIORMENTE AO SEU EXERCÍCIO EXTRAPOLA O ÂMBITO DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. Trata o processo de Representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul proposta por seu Procurador-Geral Geraldo Costa da Camino. A Representação apresentada objetiva a instauração de Processo de Fiscalização a teor das regras estabelecidas pela Lei Estadual nº12.980/2008 e Leis Federais nºs 8.429/1992 e 8.730/1993 – nos termos de denúncia formulada pelo PSOL e pelo PV e de novas informações e documentos encaminhados ao Órgão Ministerial de Contas pelos referidos Partidos e também pelo Partido dos Trabalhadores - PT – pretendendo a proposição de “Ação por Improbidade Administrativa” em face de possíveis irregularidades na aquisição de imóvel residencial pela Governadora do Estado do Rio Grande do Sul.

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TRIBUNAL DE CONTAS

Fl. 321 Rub.

Processo nº 8439-0200/08-6

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE DO CONSELHEIRO VICTOR J. FACCIONI

CONSELHEIRA SUBSTITUTA ROZANGELA MOTISKA BERTOLO

Processo nº 8439-0200/08-6

Assunto: Representação do MPC 31/2008

Sessão de 14.01.2009 TRIBUNAL PLENO

REPRESENTAÇÃO Nº 31/2008 DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO FISCALIZATÓRIO NOS TERMOS ESTABELECIDOS PELA LEI ESTADUAL Nº 12.980/2008. LIMITES À INCIDÊNCIA E ÀS ATRIBUIÇÕES DA NORMA ESTADUAL. O CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DA SITUAÇÃO PATRIMONIAL ANTERIOR À POSSE E EXERCÍCIO DE CARGO, FUNÇÃO OU EMPREGO PÚBLICO ESTADUAL FUNDADOS EM FATOS MATERIALIZADOS ANTERIORMENTE AO SEU EXERCÍCIO EXTRAPOLA O ÂMBITO DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO.

Trata o processo de Representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul proposta por seu Procurador-Geral Geraldo Costa da Camino.

A Representação apresentada objetiva a instauração de Processo de Fiscalização a teor das regras estabelecidas pela Lei Estadual nº12.980/2008 e Leis Federais nºs 8.429/1992 e 8.730/1993 – nos termos de denúncia formulada pelo PSOL e pelo PV e de novas informações e documentos encaminhados ao Órgão Ministerial de Contas pelos referidos Partidos e também pelo Partido dos Trabalhadores - PT – pretendendo a proposição de “Ação por Improbidade Administrativa” em face de possíveis irregularidades na aquisição de imóvel residencial pela Governadora do Estado do Rio Grande do Sul.

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Diante das novas atribuições estabelecidas pela Lei Estadual nº 12.980/2008 o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, após exame e parecer da Auditoria, editou a Resolução nº 833, de 29.10.2008, regrando aspectos atinentes à entrega e guarda da documentação referente à declaração de bens e rendas, a ser encaminhada anualmente à Unidade de Pessoal a que se vinculem os agentes públicos e ao processo de fiscalização para o exercício do controle sobre a legalidade e legitimidade da evolução patrimonial dos respectivos agentes.

Referido processo de fiscalização dar-se-á (nos termos dos arts. 7º e 8º da referida resolução) mediante a instauração de processo próprio, denominado “Análise da Evolução Patrimonial de Agente Público”, que poderá ser determinado: a) de ofício; b) por representação do Ministério Público de Contas; e c) em caso de denúncia, nos termos do art. 135 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado.

No caso de Representação ministerial, após distribuição a Conselheiro, consta a previsão de instrução com a remessa à área técnica. Todavia, no exame da situação concreta contida na Representação, verifica-se que a norma regulamentar não se apresenta de todo adequada à questão regrada, uma vez que previamente aos procedimentos de instrução, é imprescindível o juízo preliminar quanto à admissibilidade ou não da instauração do processo de fiscalização da variação patrimonial.

Assim, as necessidades práticas do novo regramento, que se insere no microssistema de normas que tutelam a proteção de interesses difusos (Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Ação Popular e Lei de Ação Civil Pública), em especial a Lei Federal nº 8.429/92; a natureza difusa dos interesses protegidos referentes a valores de grande relevância social, como a defesa ao erário; o princípio da ampla defesa e do devido processo legal, em suas dimensões formal e substancial, conduzem, em razão de incompletudes no procedimento especial regrado no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, à aplicação subsidiária do disposto no art. 17, § 7° da referida lei federal como forma de melhor propiciar o juízo de admissibilidade.

Com esse propósito e para assegurar a estrutura dialética do processo, no sentido que lhe dá Ada Pelegrini Grinover in “Novas tendências do

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Direito Processual”2, determinei - previamente ao juízo acerca da admissibilidade, ou não, de recebimento da representação ministerial e consequente instauração do “Processo Fiscalizatório de Análise da Evolução Patrimonial” - a manifestação da autoridade, em defesa preliminar.

Transcrevo, a seguir, à guisa de relatório, o inteiro teor da representação do Ministério Público de Contas, o conteúdo da defesa preliminar apresentada, à exceção de seu relatório, bem como, em grande parte, a promoção de arquivamento do Ministério Público Estadual:

1. O teor da representação do Ministério Público Especial, junto ao Tribunal de Contas:

O Ministério Público de Contas, por seu Agente, nos termos do disposto no artigo 25, inciso I, do Regimento Interno, assim formulou a representação:

I – O Parquet recebeu denúncia formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade – P-SOL e pelo Partido Verde – PV, que busca a proposição de “Ação por Improbidade Administrativa” contra Yeda Rorato Crusius, Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento na Lei Estadual nº 12.980/2008 e Leis Federais nºs 8.429/1992 e 8.730/1993.

Trata-se da aquisição, por parte da Governadora, de uma casa, à qual os denunciantes atribuem as características de mansão e cujo respectivo registro – Matrícula nº 116715 do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre – informa constituir-se de terreno com 645,38 metros quadrados e construção de alvenaria em quatro pavimentos com 467,48 metros quadrados de área.

A compra foi registrada pelo valor de R$ 750.000,00, para uma avaliação fiscal de R$ 900.000,00.

Os denunciantes, contudo, oferecem restrições aos dados levados ao cartório imobiliário, estabelecendo que o metro quadrado do terreno nu naquela área nobre vale, pelo menos, R$ 1.000,00. Mais: dizem que a construção, em padrão superior, atribuiria à residência em comento valor de R$ 1.600.000,00, concluindo por restar evidenciada transação incompatível com o patrimônio e as rendas familiares da Senhora Yeda

2 (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, fls. 3 e seguintes) de que “a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação material subjacente” para a qual “o equilíbrio das situações é que assegura a verdadeira contraposição dialética” a ser observada no processo, legitimando a própria prestação jurisdicional e o devido processo legal.

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Crusius, Governadora, antes Deputada Federal, cujo cônjuge é professor universitário.

Além desses dados, acrescentam que a residência foi amplamente reformada (conforme noticiado pela imprensa) e aludem à necessária aquisição de mobiliário, ambos elementos potencializadores do volume de recursos financeiros destinados à operação.

Lembram, também, o tributo diretamente incidente – Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis, ITBI –, suficiente – segundo eles –, por si só, para suplantar a renda bruta mensal da Governadora, suscitando a impossibilidade de cumprir tal compromisso.

II – O tema consta do Expediente Interno nº 536 do Ministério Público de Contas, e foi objeto da Informação Técnica nº 0048/2008, de 08-07-2008, que sugeriu a averiguação da matéria, mediante Representação à Presidência do Tribunal de Contas e aos Ministérios Públicos Estadual e Eleitoral, dentre outras providências.

Diante de novas informações e documentos trazidos ao MPC pelos mencionados Partidos e também pelo Partido dos Trabalhadores – PT, bem como dos elementos oferecidos pela Senhora Governadora e seu esposo, representados por advogados3, o assunto foi submetido a reexame, dando origem à Informação Técnica nº 0059/2008, na qual foi reiterada a proposição anterior, dando azo à presente Representação.

III – De plano, consoante a citada IT nº 48/2008, cabe salientar o teor da Lei Estadual nº 12.036/20034, cujas prescrições relativas à obrigatoriedade da apresentação de declaração de bens e rendas, pelo agente público investido em cargos, empregos e funções públicas, visam a coibir a prática de atos de improbidade contra a administração pública.

Merece destaque, no texto legal, o controle sobre a situação patrimonial do agente público anterior à sua posse no cargo, bem como o dever-poder conferido ao Tribunal de Contas para, a qualquer tempo, exigir a comprovação da legitimidade da procedência dos bens e rendas acrescidos ao patrimônio no período relativo à declaração, como se vê dos excertos a seguir:

“Art. 1º - É obrigatória a apresentação de declaração de bens e rendas, com indicação das fontes que constituem o seu patrimônio, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de

3 Doutores Paulo Olimpio Gomes de Souza e Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon. 4 Assim ementada: “Dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação de declarações de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções públicas”.

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exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte dos agentes públicos indicados:

I – Governador e Vice-Governador do Estado;

(...)

§ 1º - A declaração abrangerá rendimentos, imóveis, veículos, semoventes, jóias, depósitos bancários, ações e quotas de sociedades comerciais ou civis, títulos de crédito, certificados de depósitos lastreados em dinheiro ou metais preciosos, aplicações financeiras que, no País ou no exterior, constituam, separadamente, o patrimônio do declarante e de seus dependentes e quaisquer outros papéis ou bens que possam ser expressos em moeda.

(...)

§ 4º - Relacionados os bens, direitos e obrigações, o declarante apurará a variação patrimonial ocorrida no período, indicando a origem dos recursos que hajam proporcionado o eventual acréscimo.

(...)

§ 6º - Na declaração constará, ainda, menção a cargos de direção e de órgãos colegiados que o declarante exerça ou haja exercido nos últimos dois anos, empresas privadas ou de setor público ou outras instituições, no País ou no exterior.

(...)

Art. 4º - O Tribunal de Contas do Estado poderá, a qualquer tempo, exigir a comprovação da legitimidade da procedência dos bens e rendas acrescidos ao patrimônio no período relativo à declaração”.

Portanto, desde a edição da Lei nº 12.036/2003, o ordenamento jurídico do Estado conta com norma expressa que tem a finalidade de garantir a legalidade e a moralidade no âmbito da atuação pública. A mais recente Lei nº 12.980/20085 veio agregar mecanismos procedimentais àquela previsão sem, contudo, substituí-la, tanto que a ela se refere em seu artigo 3º.

Além disso, é preciso atentar para o fato de que a possibilidade de avaliação constante da conduta dos agentes públicos é pressuposto do regime republicano e prescindiria da estipulação legal que o legislador gaúcho, inobstante, foi diligente em conceber.

Assim, a aquisição, pela Senhora Governadora, de imóvel de valor expressivo imediatamente antes de sua posse no mandato executivo, objeto da denúncia apresentada ao Órgão Ministerial,

5 “Dispõe sobre o registro das declarações de bens e o controle da variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito por agente público no exercício de cargo ou emprego público estadual, e dá outras providências”.

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constitui questão, ao menos em tese, a ser analisada pela Corte de Contas, nos limites precisos de suas competências, especialmente tendo em vista os aspectos a seguir referidos.

IV – Os denunciantes sustentam que o imóvel residencial adquirido pela Governadora, em 06-12-2006, poucos dias após a conclusão do pleito eleitoral, vale bem mais do que os registrados R$ 750.000,00.

Observam que a avaliação lançada na escritura levada ao Registro de Imóveis montou em R$ 900.000,00. Além disso, considerando o custo do metro quadrado do terreno em região valorizada, bem como o padrão da construção, estimam o preço da residência em R$ 1.600.000,00, o que tornaria a aquisição incompatível com os rendimentos do casal.

Corrobora essa linha de análise o documento publicado pela Revista Veja, na edição de 30-07-2008 – e trazido ao MPC pelos denunciantes P-SOL e PV –, segundo o qual, meses antes, o mesmo imóvel havia sido objeto de promessa de compra e venda registrada em minuta de instrumento particular, em transação imobiliária que previa o pagamento de R$ 1.000.000,00.

V – A defesa considera a suspeita suportada apenas em meras ilações. Apresenta anúncio do Jornal Zero Hora, de 29-11-2006 (sete dias antes da realização do negócio), em que a referida casa era oferecida por R$ 850.000,00. Sustenta que o preço final resultou de negociação, com a natural apresentação de propostas e contrapropostas. Traz anúncios de residências apontadas como similares, na mesma região e com valores aproximados.

Em relação ao instrumento particular que indicaria o preço do imóvel em torno de 1 milhão de reais, atribui à minuta do documento a condição de um “nada jurídico”, pois ausente a assinatura do promitente vendedor. Ademais, afirma que a negociação efetivada ofereceu ao vendedor recursos monetários de maior expressão, enquanto a promessa de compra e venda frustrada incluía até mesmo outro imóvel, no valor de R$ 600.000,00, reduzindo a atratividade da proposta.

A defesa sustenta o valor da transação imobiliária em R$ 750.000,00, pagos através de cheques no valor total de R$ 550.000,00, no ato, e mediante obrigação de pagamento de R$ 200.000,00, em caráter pró-soluto, quando da comprovação, pelo vendedor, da quitação de dívidas executadas nos Processos 10602156827 e 10602156711, em trâmite na 13ª Vara Cível de Porto Alegre.

Como origem dos recursos empregados na aquisição do imóvel, oferece R$ 380.000,00 recebidos à vista, referentes a apartamento situado em Brasília, conforme Escritura de Compra e Venda assinada em 13-12-2006.

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Também outro imóvel vendido compõe o conjunto de valores destinados ao negócio: trata-se de apartamento em Capão da Canoa, cujo contrato particular de promessa de compra e venda foi assinado em 30-11-2006, com o qual teriam sido obtidos R$ 180.000,00, no ato, mais 20 parcelas mensais de R$ 1.500,00 (logo, valor de venda de R$ 210.000,00). Por fim, o automóvel Passat (ano 1998), vendido em 28-11-2006, teria rendido R$ 32.000,00.

Tais valores constam de laudo técnico emitido por CCA Consultoria e Auditoria S/S Ltda, que, considerando os rendimentos anuais auferidos pelo casal em 2006, os pagamentos mais expressivos realizados no ano, as dívidas existentes e os respectivos saldos, conclui “que a compra do imóvel sito à Rua Araruama, nº 806, em Porto Alegre/RS, pelo casal YEDA RORATO CRUSIUS e CARLOS AUGUSTO CRUSIUS, foi realizada com rendas próprias do casal, devidamente declaradas.”

Sobre a origem dos valores envolvidos na transação em causa, detalha-se:

a) Apartamento nº 106 do Bloco H da Superquadra Norte 308, em Brasília, com área privativa de 122,48 m2 e total de 200,98 m2, imóvel adquirido por Fernando Carneiro Brasil, pelo valor de R$ 380.000,00, conforme registro datado de 19-12-2006. Sobre o bem pendia gravame de alienação fiduciária cujo cancelamento foi autorizado pela Caixa Econômica Federal em 20-11-2006 (registro em 05-12-2006). Ainda quanto a essa instituição de crédito, constam, do laudo anteriormente mencionado, pagamentos da ordem de R$ 72.889,74.

b) Apartamento nº 605, situado na Rua Venâncio Aires nº 84, em Capão da Canoa, com área privativa de 90,0538 m2 e total de 111,6774 m2, imóvel adquirido por Delacy Martini, ao preço de R$ 210.000,00 (R$ 180.000,00 mais 20 parcelas mensais de R$ 1.500,00), conforme Contrato Particular de Compra e Venda firmado em 30-11-2006.

Figura, como vendedor do imóvel, o Senhor Cezar Augusto Crusius, filho do casal. Quanto a esse bem, a defesa desqualificou sua alegada inalienabilidade, juntando decisão judicial.

E sobre o mesmo apartamento, consta também informação sobre a eventual não transferência de sua posse, conforme notícia do jornal Zero Hora, edição de 06-08-2008, página 12, que divulga declaração nesse sentido da própria Governadora.

c) Automóvel Passat, vendido ao Senhor Delson Martini por R$ 32.000,00, em 28-11-2006, tendo sido a respectiva transferência de domínio registrada em 04-12-2006.

VI – Outras questões relativas à matéria:

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1 – A denúncia faz referência aos altos dispêndios decorrentes da realização de transações imobiliárias vultosas, tais como o recolhimento do Imposto de Transmissão e o pagamento de taxas relativas aos registros cartoriais.

Quanto a isso, a defesa refere constar, no laudo técnico, a existência de valores suficientes à satisfação do ITBI.

2 – Sobre a realização de reformas no imóvel e a aquisição do mobiliário necessário a atender o porte da casa, que demandariam significativo volume de recursos, não há manifestação da defesa.

3 – A respeito do valor real do imóvel e da suspeita de seu subdimensionamento, veio aos autos manifestação da Deputada Stela Farias (PT), suscitando a existência de dívidas, junto ao Banco do Estado do Rio Grande do Sul, do Senhor Eduardo Laranja da Fonseca ou de suas empresas, sobretudo da Self Engenharia, as quais, segundo a Parlamentar, teriam sido baixadas à conta de prejuízos, em inobservância aos normativos legais e interesses da instituição financeira.

Os Patronos do casal solicitam o arquivamento das Representações, em nome da valorização das funções institucionais do Ministério Público de Contas, considerando-as inócuas, “sem anexar qualquer adminículo de prova”.

4 – O Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda do apartamento de Capão da Canoa, datado de 30-11-2006, possui a assinatura das partes mas não ostenta a de testemunhas, nem o reconhecimento das firmas ou o registro do instrumento em tabelionato.

No documento, é estampada, como valor da transação, a quantia de R$ 180.000,00, acima da qual, em rasura sobre o impresso, anotou-se manualmente a cifra de “210”. O montante é compatível com a adição da quantia de R$ 180.000,00, cuja previsão de pagamento se extrai da referência, naquele instrumento, a “comprovantes de depósitos bancários, valor do qual o promitente vendedor declara ter recebido e dar plena, geral e irrestrita quitação”, à de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser paga em “vinte parcelas mensais e consecutivas de R$ 1.500,00”.

Entretanto, o apontado pagamento dos R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) se deu em 4 (quatro) etapas, nos dias 1º e 4-12-2006. No dia 1º, foram efetuadas duas transferências eletrônicas, uma de R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais) e outra de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), da conta de Delacy Martini, no Sicredi, para a de Carlos Augusto Crusius, no Banco do Brasil (embora a destinatária das remessas tenha sido identificada como sendo “Yeda Crusius”).

Também naquela data, Delacy Martini depositou em dinheiro o valor de R$ 93.000,00 (noventa e três mil reais) na mesma conta de

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Carlos Augusto Crusius. Já em 04-12-2006, completou-se o pagamento com nova transferência entre as contas referidas, desta vez da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Assim, percebe-se que, embora o contrato tenha referido a quitação, no ato da celebração do ajuste, de R$ 180.000,00, “conforme comprovantes de depósito bancários” (inexistentes na data da firmatura), tal pagamento ocorreu posteriormente e de forma fracionada, em divergência com o pactuado, sem aparente justificativa para tanto.

Ademais, o imóvel, pelos documentos juntados, não pertencia ao casal Crusius, à época, mas a seu filho César Augusto Rorato Crusius (cujo nome, aliás, é grafado erroneamente naquele contrato, na condição de promitente vendedor, como “Cezar Augusto Crusius”).

Necessário, então, esclarecer a que título houve o concurso de bem integrante do patrimônio de terceiro na formação de acervo cuja alienação é apontada como suporte à compra do imóvel em causa, sendo certo que se trata de filho maior e, nessa condição, titular de bens e direitos próprios e distintos dos pertencentes aos demais membros de sua família.

Tais circunstâncias, evidenciadas as aparentes lacunas e contradições, não permitem que se prescinda de aprofundamento na análise da transação. Frisa-se que o negócio não está sendo apontado como irregular, mas que se impõe a necessidade de exame mais detido da operação imobiliária, visando a se comprovar a fidedignidade das condições de sua realização.

5 – A venda do automóvel VW Passat por R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais) a Delson Luiz Martini também merece atenção. Ocorre que – fato público e notório – o veículo foi roubado em 02-12-2006, ocasião em que se noticiou que “O Passat foi emprestado por Yeda para o amigo, que teve seu Jaguar danificado em acidente”.

A transferência do veículo teria sido realizada em 04-12-2006, com registro no DETRAN em 11-12-2006. Os pagamentos respectivos, em favor de Carlos Augusto Crusius, consubstanciaram-se em um depósito on line e uma TED, nos valores de R$16.000,00 (dezesseis mil reais) cada, efetivados em 28-11-2006.

Destarte, na data do roubo, o carro já seria de Delson, ainda que não transferido, o que contradiz a declaração da assessoria da então governadora eleita, de que o veículo estava somente emprestado a um amigo, e a informação dada à autoridade policial pela vítima do roubo e divulgada pela imprensa. Imprescindível, pois, a análise da documentação relativa à transferência do veículo.

VI – Diante do exposto, cabe clarear as funções institucionais do Ministério Público de Contas em relação aos pontos aqui em

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discussão. Retoma-se, pois, o artigo 25 do RITCE, que estabelece as competências do Parquet:

“I – promover a defesa da ordem jurídica, requerendo, perante a Corte de Contas, as medidas de interesse da Justiça, da Administração e do Erário, bem como outras definidas em lei ou decorrentes de suas funções”.

Assim, tendo em conta a recepção de elementos que indicam a possível ocorrência de irregularidade, cuja análise se encontra dentre as competências da Corte de Contas, imperativa a ação do Ministério Público com atribuições perante a mesma.

VIII – De outro lado, conclui-se, na linha da Informação Técnica nº 0048/2008, com base na Lei Estadual nº 12.036/2003 e também na nova norma que trata do controle da variação patrimonial dos agentes públicos (Lei nº 12.980/2008), que o Tribunal de Contas:

“1) tem competência para o exercício do controle da legalidade e legitimidade dos bens e dos sinais exteriores de riqueza de agentes públicos;

“2) pode exigir, a qualquer tempo, informações acerca da origem e da comprovação da legitimidade e natureza dos bens destes agentes;

“3) adotará providências inerentes a estas atribuições, representando, se for o caso, ao Poder competente acerca de irregularidades;

“4) deverá requisitar o apoio das corregedorias e dos sistemas de controle interno, para o fim do exercício deste mister;

“5) poderá realizar troca de dados e informações com outros órgãos públicos que favoreçam o desempenho dessas obrigações legais”.

Entende-se, portanto, caber ao Órgão de Controle Externo a busca de todas as informações que julgar necessárias ao inteiro esclarecimento da regularidade patrimonial da Agente Pública em questão, verificação cujo sucesso pode ser viabilizado pela integração com a Receita Federal do Brasil e com os Ministérios Públicos Federal, Estadual e Eleitoral, dadas as implicações relativas ao sigilo fiscal, ao sistema financeiro e ao regramento eleitoral.

Ressalta-se, a propósito, que a elucidação da matéria poderá exigir a determinação da origem dos recursos utilizados pelos envolvidos nas transações imobiliárias que precederam e permitiram a aquisição sob exame.

Por fim, tendo em conta as garantias constitucionais acerca de sigilo e privacidade, salienta-se os cuidados a serem observados no

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procedimento, ressaltando-se que, no âmbito do Ministério Público de Contas, decretou-se sigilo acerca das informações bancárias e fiscais.

IX – De fato, a elucidação completa do episódio não se perfectibiliza com os elementos ora disponíveis, cabendo a instauração de procedimento fiscalizatório destinado a esclarecer, a partir dos originais dos documentos trazidos por cópias ou tão-somente referidos nos esclarecimentos, entre outras questões, suscitadas nas representações:

a) o efetivo valor de mercado do imóvel e de sua adequação aos montantes mencionados na transação;

b) as eventuais despesas com reformas e aquisição de mobiliário, nos termos da denúncia formulada;

c) o efetivo valor de mercado dos imóveis envolvidos no negócio (Brasília e Capão da Canoa) e sua adequação aos montantes mencionados na transação;

d) a efetiva realização dos pagamentos mensais prometidos no instrumento de compra e venda do apartamento de Capão da Canoa (20 parcelas mensais de R$ 1.500,00);

e) o efetivo valor de mercado do automóvel envolvido no negócio e sua adequação ao valor mencionado na transação, além da origem dos recursos do adquirente;

f) a evolução da situação bancária do Senhor Eduardo Laranja da Fonseca e das empresas com ele relacionadas junto ao Banco do Estado do Rio Grande do Sul.

X – Tendo em conta que a matéria em tela se coloca no conjunto das competências deste Tribunal, bem assim considerando a sua gravidade e relevância, sugere-se a consideração das questões suscitadas em sede de procedimento de fiscalização.

Assim, requer-se o recebimento e processamento da presente, propugnando por seu acolhimento, bem como seja dada ciência ao Parquet das providências adotadas pela Casa em relação à matéria.

Transcrevo igualmente, a seguir, para integrar o presente relatório, a defesa preliminar apresentada.

2. A Defesa Preliminar

A autoridade objeto da Representação do Órgão ministerial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Yeda Rorato Crusius, Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, e seu esposo Carlos Augusto Crusius apresentaram Defesa Preliminar por seus procuradores Dr. Paulo

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Olímpio Gomes de Souza e Dr. Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon, devidamente habilitados, conforme segue, após breve relato contido no item I que deixo de transcrever:

II – DO RELEVANTE FATO NOVO ESENCIAL AO IMEDIATO DESLINDE DO PRESIDENTE PROCEDIMENTO

Como referido acima, na realidade pretende o Ministério Público de Contas com sua postulação, reiterar pedido inócuo de providências, pois quando não dirigidas à investigação de fatos estranhos ao objeto do presente feito que versa sobre a compatibilidade da renda do Casal Crusius com a compra da casa, destinadas a investigar fatos já, à saciedade, esclarecidos.

Contudo, ainda que qualquer resquício dúvida pudesse permanecer quanto à regularidade das operações celebradas, o que se admite apenas para argumentar, recentemente (em 05 de dezembro de 2008), foi divulgada à sociedade gaúcha decisão de arquivamento pelo Ministério Público Estadual, devidamente homologada pelo eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (cópia anexa – Doc. 01), do expediente originado de representação (peças de informação) encaminhada por Deputados Estaduais do Partido dos Trabalhadores, relatando as mesmas possíveis irregularidades nas operações de compra e venda relativas à aquisição da casa objeto deste procedimento.

Cumpre destacar que a referida decisão do Ministério Público Estadual, no sentido de afastar, terminantemente, essas mesmas supostas irregularidades aqui contraditas (ex vi, fls. 09 e 17 da Promoção de Arquivamento), além de basear-se nos elementos à disposição neste procedimento (já que cópia do presente expediente faz parte do feito objeto de arquivamento), adotou outras elucidativas providências investigatórias, de modo a não só colocar uma pá de cal sobre a questão, como também a reforçar a inexistência de qualquer efeito prático das diligências aqui postuladas, impondo-se o imediato arquivamento do presente expediente.

III – DA NÃO INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO APONTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS AO CASO CONCRETO

... como bem destaca a Promoção de Arquivamento do Ministério Público Estadual, em 06 de dezembro de 2006, quando da compra do imóvel em tela, Yeda Rorato Crusius, apesar de eleita, era Deputada Federal, não possuindo qualquer vínculo funcional com o Estado do Rio Grande do Sul.

Inexistente o vínculo entre a Governadora e mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado do Rio Grande do Sul, ou em empresa

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incorporada ao patrimônio estadual ou, em entidade para cujo custeio, o erário haja concorrido ou concorra, não há que se falar em qualquer improbidade administrativa de interesse estadual, consoante se depreende dos artigos 1º e 2º, em combinação os arts. 9º, 10º e 11º, todos da Lei Federal nº 8.429/92.

Da mesma forma, como o presente feito envolve operação realizada na esfera da vida privada da Governadora do Estado e seus familiares (alteração patrimonial), antes do exercício de qualquer mandato, cargo, emprego ou função na condição de agente público estadual como exige a Lei Estadual nº 12.980, publicada em junho de 2008 (posse ocorrida em 1º de janeiro de 2007), não se aplica a referida legislação (inclusive o seu art. 1º, § 2º, é expresso neste sentido).

(...)

... somente com o advento da Lei nº 12.980/08 é que o ordenamento jurídico passou a dispor de tais mecanismos, todavia, com incidência dependente da observância das já referidas limitações contidas no art. 1º, § 2º, da Lei (repete-se: quando o dito acréscimo patrimonial se der no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública estadual), o que não ocorre no caso concreto. O próprio texto da Lei 12.036 é claro quando dispõe em seu art. 4º, o que deve ser entendido em sintonia com o art. 1º, que “o Tribunal de Contas poderá, a qualquer tempo, exigir a comprovação da legitimidade da procedência de bens e rendas acrescidos ao patrimônio relativo à declaração”, desde que o acréscimo tenha se dado no exercício do cargo ou emprego público estadual, sob pena de evidente non sense interpretativo. Por isso é que o art. 1º prevê a obrigatoriedade da apresentação da declaração e rendas, com a indicação das fontes que constituem o seu patrimônio, NO MOMENTO DA POSSE...” (grifamos), de modo que somente se poderá falar em acréscimo patrimonial relevante concomitante ao exercício do cargo ou emprego público estadual.

Em síntese, seja qual for o texto de lei acima mencionado, fica claro o interesse do legislador no controle da legalidade e da moralidade dos atos praticados no exercício de cargo ou emprego público estadual, como expressamente traz a Lei n° 12.980/08. Como as operações de compra e venda envolvidas na aquisição da casa e a própria aquisição em si se deram antes de tal exercício, não há como falar-se na incidência da aludida legislação.

Neste sentido, cumpre destacar nos exatos termos do Laudo Técnico de Auditoria (fls. 57/64), constante das explicações apresentadas pelos representados ao Ministério Público de Contas (toda ela repete-se fundamentada em movimentação bancária e declarações fiscais do casal), que: a) em relação à origem da renda para os valores pagos na aquisição da casa: a.1) o valor do imóvel de

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Brasília de propriedade do casal foi pago a eles em 29/11/06; a.2) o valor de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) obtido com a venda do apartamento de Capão da Canoa foi pago ao casal em 1° e 4° de dezembro de 2006; a.3) o valor obtido com a venda do automóvel Passat foi pago ao casal em 28/11/2006; b) em relação ao imóvel da Rua Araruama, n° 806, como a compra pelo casal se perfectibilizou em 06 de dezembro de 2006, aliás, sendo clara a escritura (fl. 70) neste sentido, uma vez que, na ocasião de sua celebração, “o outorgante vendedor dava plena, geral e irrevogável quitação do preço à outorgada compradora, transmitindo-lhe, desde já, todo o domínio, posse, direitos e ação que exercia sobre o imóvel”, é possível concluir-se que todas as operações objeto das representações estavam celebradas, antes do exercício do mandato, ficando, portanto, também alheias às determinações da legislação referida pelo Ministério Público de Contas, em especial a Lei 12.980/2008.

Veja-se que a questão aqui tratada não versa apenas sobre a questionável incidência retroativa da Lei 12.980, publicada apenas em junho de 2008 (lex gravior que prevê uma série de medidas restritivas a direitos fundamentais, com objetivo de definir a ocorrência de “variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito por agente público”), mas sim e principalmente, que independentemente disso ela é, da mesma forma que as disposições legais relativas à improbidade administrativa (conforme reconhecido pelo Ministério Público Estadual), inaplicável ao caso concreto.

(...)

Pelo Exposto, como os fatos relacionados à compra da casa na Rua Araruama, n° 806, estão circunscritos ao ano de 2006, não têm repercussão no âmbito estadual, fugindo da incidência da legislação apontada, bem como da competência fiscalizatória do Tribunal de Contas do Estado, o imediato arquivamento do presente procedimento é medida que se impõe.

IV - DA ABSOLUTA DESNECESSIDADE DAS PROVIDÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS POSTULADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

... é inaplicável a Legislação pretendida pelo Ministério Público de Contas ao caso concreto. Mas ainda que fosse, o que se admite apenas para argumentar, os esclarecimentos trazidos nas explicações apresentadas junto ao MPC, acompanhada de farta e elucidativa documentação, em especial do aludido Laudo Técnico de Auditoria (baseado em movimentação bancária e declarações fiscais), foram mais do que suficientes à comprovação da origem e da compatibilidade do patrimônio empregado na aquisição da casa. Mesmo assim, o Ministério Público de Contas encaminhou postulação a esse Egrégio Tribunal de Contas no sentido de que outros esclarecimentos fossem feitos, através de procedimento de fiscalização, ainda que, segundo já

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referido, absolutamente desnecessários e inaptos a acrescentar qualquer outra circunstância importante aos termos da aquisição imobiliária em tela, pois já se provou quem vendeu, quem comprou, que os valores circularam nas contas dos representados, que em 06 de dezembro de 2006 foi lavrada escritura pública dando quitação da compra da casa e que todas essas operações encontram-se devidamente explicitadas nas Declarações de Imposto de Renda do casal. Enfim, demonstrou-se a origem de patrimônio (renda) suficiente para a compra do imóvel, ou seja, o patrimônio do casal é compatível com o valor pago pela casa.

(...)

VI – DO PEDIDO

Diante do exposto, nos termos das suas razões defensivas e documentos apresentados ao Ministério Público de Contas e dos novos elementos de convicção trazidos, merecendo especial destaque a Promoção de Arquivamento do Ministério Público Estadual, devidamente acolhida pelo eminente Procurador-Geral de Justiça, do expediente instaurado a partir de representação firmada por Deputados Estaduais do PT, que teve como objeto investigar os mesmos fatos aqui tratados (tanto que solicitaram cópia integral do presente dossiê); requerem os representados, em sede de juízo de admissibilidade, com base no art. 10, § 1°, alínea “a”, da Resolução n° 833/2008 do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul: a) o acolhimento da preliminar suscitada da não incidência da Legislação pretendida pelo Ministério Público de Contas ao caso concreto e a conseqüente incompetência do Egrégio Tribunal de Contas para exame da matéria por envolver a compra de imóvel perfectibilizada antes do exercício de mandato eletivo estadual; e b) como presente caso envolve o nome da Governadora do Estado, é de vital importância, que inobstante a preliminar suscitada, no mérito, seja procedido o arquivamento do presente expediente, diante do reconhecimento da cabal demonstração da regularidade da evolução patrimonial apresentada. (grifos dos autores)

Igualmente para maior clareza quanto à matéria no presente relatório, transcrevo, em grande parte, a Promoção de Arquivamento da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

3. A Promoção de Arquivamento do Ministério Público Estadual

FUNDAMENTAÇÃO

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Registre-se, primeiro, que, ao tempo da aquisição do imóvel situado na Rua Araruama, nº 806, em 06 de dezembro de 2006, a atual Governadora, em que pese já eleita, era Deputada Federal, não possuindo vínculo funcional com o Estado do Rio Grande do Sul.

Ausente qualquer vínculo entre Yeda Rorato Crusius e mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado do Rio Grande do Sul, ou em empresa incorporada ao patrimônio estadual ou, ainda, em entidade para cuja criação ou custeio o erário estadual haja concorrido ou concorra, não há que falar em improbidade administrativa de interesse estadual, consoante depreende-se dos artigos 1º e 2º, em combinação com os artigos 9º, 10º e 11º, todos da Lei Federal nº 8.429/92.

Afinal, cogita a Representação de eventual improbidade administrativa nos termos do artigo 9º da Lei Federal nº 8.429/92, em face de possível enriquecimento ilícito de Yeda Rorato Crusius, consistente na aquisição de imóvel cujo preço seria superior à capacidade econômica da adquirente, sem a comprovação de origem dos recursos empregados na compra.

Ora, é assente na doutrina que o enriquecimento ilícito de agente público só é capaz de caracterizar improbidade administrativa quando restar demonstrada a correlação com a função exercida.

Destarte, os fatos estritamente relacionados com a compra da casa na rua Araruama, nº 806, em Porto Alegre, circunscritos ao ano de 2006, não repercutem no âmbito de controle estadual da probidade administrativa, fugindo da atribuição do Ministério Público Estadual.

Entretanto, extrai-se da representação firmada pelos Deputados Estaduais Elvino Bohn Gass e Raul Pont, ora em apreciação, alusões a fatos ocorridos no exercício do mandato de Governadora por Yeda Rorato Crusius, mas possivelmente imbricados com a compra do imóvel supracitado, quais sejam: a) favorecimento a Eduardo Laranja da Fonseca ou a sua empresa SELF Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. nas relações com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, como uma espécie de pagamento indireto pela venda da casa da rua Araruama, nº 806; b) relações escusas entre a Governadora Yeda Rorato Crusius e Delson Martini, uma vez que Delson Martini teria adquirido o Passata de Yeda Crusius, enquanto seu pai, Delacy Martini, seria o comprador do apartamento de Yeda Crusius, situado em Capão da Canoa, tendo Delson Martini assumido as funções de secretário-geral de governo, presidente da CEEE e tesoureiro do PSDB gaúcho durante o governo de Yeda Crusius,além de ser suspeito de tráfico de influência para a arrecadação de recursos junto a empresas financeiras do Estado de São Paulo, em favor do PSDB.

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No que tange à suspeita de pagamento indireto, chamou a atenção o fato de que a empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. possuía dívidas contraídas junto ao Banrisul, as quais foram objeto de ações de execução a partir de 06 de junho de 2008, quando a aquisição da casa já era comentada na Assembléia Legislativa e na imprensa.

Estas ações de execução do Banrisul, ajuizadas em 06 de junho de 2008, contra a empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda., Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca, nos valores de R$ 1.461.866,99 e R$ 861.388, 85, foram objeto de questionamento dos Representantes, que levantaram dúvida sobre eventual utilização do Banrisul no favorecimento ao empresário Eduardo Laranja da Fonseca, vendedor do imóvel, pois referidos créditos teriam sido transferidos para conta de créditos em liquidação em 2007.

A fim de apurar esta circunstância, o Ministério Público recorreu ao Banco Central, solicitando informações sobre o trâmite dos créditos do Banco do Estado do Rio Grande do Sul junto à empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e aos seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca.

A informação prestada pelo Banco Central foi de absoluta regularidade no tratamento dado aos referidos créditos, similar a todos os casos que podem guardar correspondência com o tipo de crédito e de cliente. O Banco Central certificou-se de que o trajeto percorrido pelos créditos do banco até o ajuizamento das ações de execução foi normal. Nenhuma dúvida foi levantada quanto ao valor objeto das ações de execução ou quanto ao momento em que foram ingressadas. Aliás, salientou-se que a inclusão dos sócios-proprietários da empresa Self na condição de fiadores foi providência adotada no transcurso da tentativa de cobrança administrativa pelo banco, situação que emprestou garantia ao crédito bancário.

Diante da informação obtida junto ao Banco Central de que não se constatou anormalidade nas relações entre Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca, tornou-se desnecessária qualquer postulação em juízo para, mediante quebra de sigilo bancário, formalizar a informação acerca da regularidade das operações entre Banrisul, Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca.

Afinal, o procedimento judicial de quebra de sigilo bancário implica restrição a direitos fundamentais, cuja viabilidade somente se justifica em face de elementos indiciários consistentes e da utilidade da medida como prova, exatamente o que não havia no caso, a partir da informação colhida, dando conta da regularidade do procedimento.

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De outra banda, no intuito de verificar se existiram transferências bancárias suspeitas entre Delacy e Delson Martini e Yeda Rorato Crusius, foram colhidas informações junto ao COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o qual foi criado pela Lei nº 9.613/98, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas. Tais informações nada indicaram de irregular nas movimentações financeiras referentes às pessoas de Delson Martini, Delacy Martini, Yeda Rorato Crusius e Carlos Augusto Crusius.

Mais uma vez, os dados colhidos no plano de informação não recomendaram o ajuizamento de ação para restrição dos direitos fundamentais dos envolvidos, pois a informação prestada pelo COAF eliminou dúvidas e apontou para a inutilidade probatória de uma eventual quebra do sigilo bancário.

Logo, as diligências desenvolvidas pelo Ministério Público Estadual por meio da coleta de informações junto a órgãos de fiscalização e controle, absolutamente idôneos e competentes, quais sejam, Banco Central do Brasil e COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, conduziram à conclusão de que, até o momento, não existem elementos probatórios da prática de improbidade administrativa por parte de Yeda Rorato Crusius durante sua gestão como Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, em razão da realização de atos ou omissões que pudessem estar ligados à compra da casa da rua Araruama, nº 806, ocorrida em 06 de dezembro de 2006.

Ainda que as questões atinentes ao valor da casa da rua Araruama, nº 806, e à origem dos recursos utilizados pela Governadora Yeda Rorato Crusius para a aquisição de dito imóvel não ingressem na seara de controle da probidade administrativa pelo Ministério Público Estadual, por se constituírem em fatos ocorridos antes da assunção de Yeda Rorato Crusius como Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, cumpre realizar uma análise sobre o material probatório apresentado pelas representações, com o intuito de verificar se há necessidade de remeter as peças para quem de direito, na hipótese de vislumbrar-se indícios consistentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa de cunho federal.

Nesse sentido, observa-se que a prova analisada e coletada no presente expediente indica que, em 06 de dezembro de 2006, foi lavrada escritura pública de compra e venda, fls. 224/225, em que Yeda Rorato Crusius, casada pelo regime da comunhão de bens, anteriormente à vigência da Lei nº 6.515/77, com Carlos Augusto Crusius, adquiriu de Eduardo Laranja da Fonseca o imóvel constituído de casa com 467,48 m² e terreno de 645,38m2, matrícula nº 116.715, pelo valor de R$ 750.000,00, sendo que R$ 550.000,00 foram pagos no

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ato, e R$ 200.000,00 a compradora obrigou-se, em caráter pró-soluto, a pagar ao vendedor mediante a apresentação de documentos que comprovem a quitação da dívida que deu origem a abertura dos processos nºs 10602156827 e 10602156711, da 13ª Vara Cível de Porto Alegre. Consignou-se, ainda, que os R$ 550.000,00 foram pagos através de R$ 40.000,00 em moeda corrente nacional, e R$ 510.000,00 através do cheque nº 001163, conta nº 268.754-2, agência 3596, do Banco do Brasil S/A.

Conforme extrato do Banco do Brasil, agência 3506-3, conta nº 268.754-2, em nome de Yeda Rorato Crusius, fls. 46/47, no dia seguinte à lavratura da escritura pública e efetivo pagamento, o cheque nº 001163, no valor de R$ 510.000,00, foi compensado, bem como o cheque nº 001161, no valor de R$ 40.000,00.

Em relação ao pacto de dívida pró-soluto no valor de R$ 200.000,00, em que a compradora obrigou-se a pagar mediante a comprovação de quitação da dívida que deu origem aos processos nºs 10602156827 e 10602156711, da 13ª Vara Cível de Porto Alegre, nenhuma surpresa. Conforme movimentação processual dos referidos processos, fls. 227/230, verifica-se que em 26 de outubro de 2006 ingressaram duas ações de execução de título extrajudicial do Banco Itaú S/A contra Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda., nos valores de R$ 53.470,84 e R$ 145.428,66, respectivamente, fls. 69/74. A soma dessas duas ações de execução (R$ 198.899,50), sem considerar a incidência de custas processuais e honorários de sucumbência, de responsabilidade da empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda., indicam a cautela da compradora, pois o vendedor Eduardo Laranja da Fonseca, sócio-proprietário da empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. pode vir a ser executado também.

Anote-se que a cautela acabou não sendo completa, pois em 16 de novembro de 2006, conforme indica movimentação processual do processo nº 10602321208, fls. 75/77, outra ação de execução de título extrajudicial ingressou contra a mesma empresa Self, proposta pelo Banco Itaú S/A, no valor de R$ 56.927,44. Assim, a cada dívida ou demanda judicial contra o vendedor ou contra a empresa de Eduardo Laranja da Fonseca, em que existe o risco de redirecionamento da ação de execução, a compradora corre o risco de frustrar sua aquisição, diante da oposição de eventuais credores do vendedor.

Confirmada a razoabilidade do pacto de dívida pró-soluto de R$ 200.000,00, condicionado à comprovação de quitação de dívidas junto ao Banco Itaú S/A, e comprovado que o pagamento de R$ 550.000,00 se deu com recursos que estavam na conta corrente da compradora, passa-se a analisar a origem desse valor.

Conforme o extrato bancário da conta corrente nº 268.754-2, titular Yeda Rorato Crusius, fl. 218, dois créditos compuseram o

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montante para o pagamento. Em 29 de novembro de 2006, foi creditado o valor de R$ 380.000,00, através de TED (crédito em conta). Em 07 de dezembro de 2006, foi creditado o valor de R$ 190.000,00, através de aviso de crédito.

A origem do primeiro valor – R$ 380.000,00 refere-se à venda do apartamento de Brasília, situado na Superquadra Norte 308, bloco H, ap. 106, com 200,98 m² de área total, conforme escritura pública de venda e compra de 13 de dezembro de 2006, fls. 232/233, para Fernando Carneiro Brasil, pelo valor de R$ 380.000,00. Na escritura, constou que o preço certo e ajustado é de R$ 380.000,00, “pagos em moeda corrente nacional, pelo que se dão por pagos e satisfeitos. A toda evidência, o comprador, no momento da escritura pública lavrada em 13 de dezembro de 2006, já havia feito o pagamento em 29 de novembro de 2006, situação que não é rara acontecer em negócios imobiliários, quando o pagamento se dá no momento do contrato ou mesmo no momento em que é firmado recibo de sinal do negócio. Eventual imprudência pode ser apontada ao comprador.

Ainda, quanto à afirmativa da Representação de que em relação ao referido apartamento existiria dívida de alienação fiduciária, e que o valor da venda (R$ 380.000,00) não poderia ser computado integralmente, pois deveria haver o desconto do valor da dívida, os documentos de fls. 235/239 esclarecem a situação do imóvel.

Referido apartamento foi adquirido por Yeda Rorato Crusius e Carlos Augusto Crusius em 15 de fevereiro de 2005, por R$ 285.000,00, conforme cópia da matrícula imobiliária, fls. 195/196. Na mesma data, fizeram alienação fiduciária para a Caixa Econômica Federal no valor de R$ 171.000,00, resgatável em 60 prestações mensais. Conforme extratos da CEF, fls. 234/239, até 06 de setembro de 2006, houve o pagamento total do empréstimo, diante de várias amortizações ao longo de um ano e meio. Assim, no momento da venda, no final de 2006, nenhuma dívida onerava referido imóvel, podendo o valor integral ser computado para formação da quantia paga pelo imóvel em Porto Alegre.

A origem do segundo valor – R$ 190.000,00, creditado em 07 de dezembro de 2006, foi a transferência feita por Carlos Augusto Crusius, do mesmo valor, de sua conta nº 10927-4, agência 2806-1, também do Banco do Brasil. Por sua vez, para a composição desse valor, Carlos Augusto Crusius recebeu quatro créditos, conforme extrato bancário, fl. 219. Em 01 de dezembro de 2006, foram creditados R$ 93.000,00 (depósito on line); R$ 15.000,00 (TED crédito em conta); e R$ 42.000,00 (TED crédito em conta). E, em 04 de dezembro de 2006, foi creditado R$ 30.000,00 (TED crédito em conta). A soma desses valores atingiu R$ 180.000,00. Acrescido ao saldo preexistente, bem como aos proventos creditados em 01 de dezembro de 2006, justificada restou a transferência de R$ 190.000,00.

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A composição desse crédito de R$ 180.000,00 na conta corrente de Carlos Augusto Crusius teve como origem a venda do apartamento de Capão da Canoa, situado na Av. Venâncio Aires, 84, ap. 605, Edifício Mares do Sul, com 111,67 m2 de área total, para Delacy Martini. Conforme contrato particular de promessa de compra e venda, fls. 241/247, esse apartamento foi vendido em 30 de novembro de 2006, tendo sido pactuado o pagamento de R$ 210.000,00, sendo R$ 180.000,00 através de depósitos bancários, do qual o vendedor deu plena quitação, e R$ 30.000,00 em vinte parcelas mensais e consecutivas de R$ 1.500,00.

Efetivamente, os comprovantes de depósitos bancários, fls. 244/245, demonstram que o comprador Delacy Martini depositou os valores já mencionados na conta nº 10927-4, de Carlos Augusto Crusius, mencionado erroneamente o destinatário como sendo Yeda Crusius. Em 01 de dezembro de 2006, proveniente de duas contas diferentes do Banco Cooperativo Sicredi S/A, duas transferências eletrônicas (TED) de R$ 42.000,00 e R$ 15.000,00 foram feitas. E, na mesma data, foi feito o terceiro depósito de R$ 93.000,00, em dinheiro, diretamente no caixa do Banco do Brasil S/A, sendo depositante Delacy Martini. Por fim, em 04 de dezembro de 2006, outra transferência eletrônica (TED), no valor de R$ 30.000,00, proveniente da conta de Delacy Martini, no Banco Cooperativado Sicredi S/A.

Em relação a essa venda do apartamento de Capão da Canoa, duas dúvidas poderiam surgir. O contrato particular de promessa de compra e venda foi firmado pelo filho Cesar Augusto Crusius, sugerindo que o imóvel não pertenceria ao casal. Contudo, nas declarações de bens para fins eleitorais, especialmente para a eleição ao governo do Estado, em 2006, fl. 222, assim como para as eleições de 1998 e 2002, fls. 69/70, Yeda Rorato Crusius sempre declarou ser proprietária do referido apartamento em Capão da Canoa.

Conforme diligência empreendida na busca da origem de referida aquisição por membros da família Crusius, identifica-se que César Augusto Rorato Crusius, filho de Yeda Rorato Crusius e Carlos Augusto Crusius, adquiriu o apartamento 605, do Edifício Mares do Sul, de Zili Empreendimentos Imobiliários Ltda., representada por seu sócio Valdeci Carmindo Teixeira, em 23 de outubro de 1991, conforme contrato, fls. 83/90. E, a partir de 1998, Yeda Rorato Crusius começou a declarar perante a Justiça Eleitoral ser proprietária de tal imóvel.

A segunda dúvida reside no fato de que a matrícula imobiliária, fl. 75, indica a existência de ônus que pesa sobre o imóvel de Capão da Canoa, o que impediria ou dificultaria a venda. A mencionada matrícula aponta a existência de arresto e penhora em 14 de outubro de 1999 e 03 de novembro 2000, respectivamente, em favor de Noir Antonio Dalsotto, processo nº 12.155. Ainda, consta a

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indisponibilidade do imóvel em 26 de março de 2002, processo nº 11.269.

Em relação ao arresto e penhora em favor de Noir Antonio Dalsotto, a cópia da sentença, fls. 198/201, demonstra que César Augusto Rorato Crusius obteve a procedência dos Embargos de Terceiro opostos, desconstituindo a penhora recaída sobre o imóvel. E o acórdão de fls. 204/209 demonstra que foi negado provimento ao recurso de apelação interposto pelo embargado.

Também, em relação à indisponibilidade do imóvel, a informação da movimentação processual do processo nº 11269, fls. 78, indica que referida indisponibilidade decorreu de decisão judicial em processo de falência contra a empresa Valdeci Construções e Incorporações Ltda.. Em 12 de agosto de 2005 a falência foi declarada encerrada, e, conforme sentença, fls. 95/96, não foram encontrados bens. Este fato indica que a indisponibilidade do apartamento foi indevida, tendo César Augusto a ela se oposto, conforme pedido de fls. 79/80, ainda em 25 de agosto de 2002. Portanto, em que pese não estivesse a aquisição registrada no Registro Imobiliário, não é inviável a venda do apartamento de Capão da Canoa.

Por fim, a venda do automóvel Passat, ano 1998, modelo 1999, placa IRC-4544, contribuiu com R$ 32.000,00 para a aquisição da casa. Referido valor foi depositado na mesma conta do Banco do Brasil, titular Carlos Augusto Crusius, em 28 de novembro de 2006, através de um depósito on line de R$ 16.000,00, e através de TED (crédito em conta), também de R$ 16.000,00.

A Representação lançou dúvida também sobre a efetiva venda do automóvel, pelo fato de que o Passat foi furtado em 02 de dezembro de 2006, e no dia 04 de dezembro, após ser recuperado na noite anterior, a assessoria informou que ele estaria de volta à garagem do prédio de Yeda Crusius. Contudo, na ocasião, em que pese a venda não tenha sido informada, o fato é que o automóvel estava na posse de Delson Luiz Martini, conforme notícia de 05 de dezembro de 2006, fl. 15. Também, como a venda se opera pela entrega do bem, não há necessária vinculação entre a transferência junto aos órgãos de trânsito e o pagamento do preço pactuado. Assim, não há como lançar dúvida sobre a venda do veículo, o qual permaneceu na propriedade de Delson Luiz Martini até 22 de janeiro de 2008, conforme documento do Detran/RS, fl. 247.

Por último, dúvida foi lançada sobre o valor do automóvel, o qual valeria, segundo tabela FIPE/FGV, R$ 27.375,00, Contudo, a estimativa apresentada é de 23 de abril de 2008, um ano e cinco meses após a venda. Tratando-se de automóvel com sete anos de uso, na ocasião, é sabido que essa variação depende do estado de conservação. Não há como imputar que a venda não tenha sido efetuada pelo valor

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indicado e efetivamente depositado em 28 de novembro de 2006 (R$ 32.000,00).

Portanto, os valores angariados com as vendas dos apartamentos de Brasília e Capão da Canoa, bem como do automóvel Passat, significaram o ingresso nas contas de Carlos Augusto Crusius e Yeda Rorato Crusius de R$ 592.000,00. Na ocasião, houve o pagamento de R$ 550.000,00 ao vendedor da casa e R$ 27.000,00 para quitar o ITBI, havendo, ainda, a sobra, no momento, de R$ 15.000,00.

Quanto ao valor do imóvel adquirido, asseverando as Representações que poderia a casa valer R$ 1.600.000,00, ou que imóveis na região valeriam entre R$ 1.300.000,00 e R$ 1.500.000,00, importante destacar que se trata de negócio de compra e venda realizada entre particulares, em que o valor pactuado pode sofrer influência do momento em que o negócio está sendo realizado, do tempo que o vendedor está aguardando para vender o imóvel, de eventual necessidade do vendedor em receber a quantia solicitada ou mesmo da forma de pagamento. Registre-se que o terreno da Rua Araruama, nº 806, matrícula nº 116715, foi adquirido por Eduardo Laranja da Fonseca, em 24 de agosto de 2000, fls. 73/74. Em 10 de fevereiro de 2003, foi averbada a construção da casa, sabendo-se que foi nela residir, e que já estava a venda há algum tempo, e que, com a demora, o valor inicialmente pedido pode ter sido reduzido.

Prova disso é que os próprios Representantes apresentaram instrumento particular de promessa de compra e venda do imóvel situado na Rua Araruama, nº 806, em Porto Alegre, pelo valor de R$ 1.000.000,00, de 07 de agosto de 2006, firmada somente pelos promitentes compradores, fls. 38/40. Esse instrumento particular, em que pese não firmado pelo promitente vendedor, pode expressar aceitação de realização da venda pelo valor de R$ 1.000.000,00. Além disso, pode apresentar perceptíveis significados. A simples cogitação do proprietário de vender o imóvel por R$ 1.000.000,00 demonstra que as variantes de uma venda podem determinar a aceitação de preço diferente do indicado como ideal pelo mercado imobiliário. Evidentemente, pesa sobremaneira a forma de pagamento. Observe-se que a proposta de R$ 1.000.000,00 foi composta pelo pagamento de R$ 400.000,00 em dinheiro, no prazo de até 60 dias, e mais um imóvel de R$ 600.000,00. Somente o vendedor pode avaliar se o seu interesse em liquidez, ou seja, em receber o valor em dinheiro, é maior que a intenção em receber o preço que acredita ser o ideal, independentemente da forma como recebe o pagamento. Evidente que, sendo o pagamento através da entrega de outro imóvel, o adquirente perde seu poder de barganha, podendo ser preterido por quem ofereça pagamento em dinheiro, com preferência do pagamento à vista sobre o pagamento parcelado.

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Outra circunstância que pode explicar a motivação da venda pelo valor de R$ 750.000,00, em dinheiro, é o fato de que a empresa da qual Eduardo Laranja da Fonseca era sócio, a Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda., conforme listagem de processos em andamento, possuía dívidas, as quais, em parte, foram objeto de ações de execução após a venda da casa. Identifica-se que duas demandas do Santander Banespa, em 03/2007, cobram R$ 277.607,84; a credora Joframa, em 03/2007, cobra R$ 401.077,20; o credor Guilherme Gonzales, em 09/2007, ingressou com duas execuções no valor de R$ 85.185,48; e duas execuções do Banrisul em 06 de junho de 2008 cobram R$ 2.323.255,84, fls. 97/117.

Ora, esta situação colocava, e ainda coloca, o negócio sob risco, de modo que seria natural uma depreciação do imóvel em face do risco assumido pela compradora.

Portanto, seja no que diz respeito ao valor da casa da rua Araruama, nº 806, seja no que se refere à origem dos valores empregados na compra pela então deputada federal Yeda Rorato Crusius, conclui-se que não houve a prática de crime ou de improbidade administrativa de cunho federal, a justificar a remessa da representação para outro órgão do Ministério Público.

CONCLUSÃO

Diante do acima exposto, em atenção ao artigo 9º da Lei nº 7.347/85, promove-se o arquivamento das presentes Peças de Informação.

Cientifiquem-se ... (grifos dos autores)

É o relatório.

VOTO:

4. Juízo de Admissibilidade de instauração de Processo Fiscalizatório de Análise da Evolução Patrimonial de Agente Público, nos termos estabelecidos pela Lei Estadual nº 12.980/2008. Competência atribuída ao Tribunal de Contas. Limites da incidência e atribuições prescritas na Lei Estadual

Cabe preliminarmente examinar os requisitos para o desenvolvimento regular da relação jurídica processual em sede do processo que a representação do Ministério Público de Contas pretende ver instaurado, o que pressupõe o exame da aplicabilidade e incidência da lei ou leis que regram a

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matéria objeto da representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

Isso se insere no contexto em que o conceito de Estado Democrático e Social de Direito redesenha os órgãos de controle de contas e os seus destinatários diante da complexidade das sociedades contemporâneas e das cláusulas protetoras dos direitos fundamentais.

Essa análise envolve, de um lado, (1) a atribuição, ou atribuições constitucionais do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul em razão da norma estadual invocada e, de outro, (2) a questão da vigência da lei no tempo, bem como (3) o escopo pretendido diante dos fatos trazidos pela representação ora examinada, o que deve ser dirimido dentro do balizamento constitucional dessas questões.

4.1. Atribuições constitucionais do Tribunal de Contas do Estado e a norma estadual invocada

O processo de controle da variação patrimonial dos agentes políticos e a eficiência da administração pública não pode deixar de vislumbrar as atribuições especificas das instituições de Controle Externo no Estado federal, marcadas, delimitadas pelas atribuições de cada ente federado e dos respectivos poderes.

O controle da variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito dos agentes públicos somente pode se dar em relação aos agentes públicos sob a jurisdição do órgão de Controle Externo, ou seja, incide sobre os atos praticados por esses agentes na gestão de dinheiros, bens e valores públicos de Órgão ou Poder submetidos à fiscalização deste órgão de Controle Externo.

Quanto a esse aspecto, já sinalizava o Parecer nº 31/20086, em análise acerca da Lei Estadual nº 12.980, de 05.06.2008, e sua aplicação no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, no qual a Auditora Substituta de Conselheiro Dra. Rosane Heineck Schmitt sublinhou que a norma estadual deve ser interpretada e concretizada tendo presente sua conformidade à Constituição Federal, aos limites nela postos e, de forma

6 Acolhido pelo Tribunal Pleno, em sessão administrativa de 15.10.2008, com a ressalva feita na parte final nos termos do voto do Relator.

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sistemática com os demais textos normativos sobre a matéria, para assentar e concluir:

Conforme apontado no item anterior, o cumprimento pelo Tribunal de Contas do Estado da Lei Estadual nº 12.980/2008 e das incumbências que lhe foram cometidas somente poderá efetivar-se dentro dos limites de atuação postos pela Constituição Federal, o que significa, também, dentro da esfera de competências constitucionais pertinentes à Corte de Contas.

Portanto, este Tribunal aplicará a lei somente no que diz com as matérias afetas ao seu poder/dever de proceder à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos entes públicos e das pessoas físicas ou jurídicas submetidas ao seu controle, como o determina o artigo 70 e Parágrafo único da Constituição Federal.

Neste sentido bem aponta a Consultoria Técnica em sua Informação nº 23/2008, de fls., que caberá ao Tribunal de Contas efetuar o controle da variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito dos agentes públicos sob sua jurisdição, ou seja, os atos de gestão ilegais, ilegítimos, praticados por tais agentes em sua gestão de dinheiros, bens e valores públicos de Órgão ou Poder submetidos à fiscalização por este Tribunal. Isto significa que a Lei Estadual em questão não tem o condão de ampliar as competências constitucionais do Tribunal de Contas do Estado: não, ela se contém nestes limites, sendo esta sua única leitura e aplicação possível, sob pena de inconstitucionalidade.

(...)

“Em conclusão, e tendo presentes as ressalvas apontadas acima, deverá este Tribunal de Contas normatizar os dispositivos da Lei Estadual nº 12.980/2008 para fins de sua aplicação/operacionalização editando (...) (grifei)

E neste sentido foi editada a Resolução nº 833/2008. Releva ter presente que a Lei Estadual nº 12.980/2008 se insere em um conjunto sistêmico de normas que tutelam a proteção de interesses difusos de repressão à improbidade administrativa, aos danos ao erário para a preservação dos valores englobados no princípio da moralidade, em especial a Lei Federal nº 8.429, de 19.12.1992, a Lei Federal nº 8.730, de 10.11.1993, e a Lei Estadual nº 12.036/2003.

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Entretanto, a norma estadual não pode ampliar as competências constitucionais do Tribunal de Contas do Estado, no contexto das questões ora examinadas, seja para alcançar agentes de outras esferas da federação, seja para alcançar esses mesmos agentes por fatos ocorridos em período pretérito ou mesmo ulteriormente à detenção a qualquer vínculo com órgão ou poder submetidos à atribuição constitucional fiscalizatória do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Ficaria esse período anterior ou ulterior ao desabrigo de fiscalização e controle? De maneira alguma. A matéria se insere nas atribuições do Ministério Público Estadual e Federal, do Ministério Público Eleitoral e do próprio Tribunal de Contas da União e da Receita Federal, bem como aos procedimentos previstos no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

Assim, o controle e fiscalização da situação patrimonial anterior à posse e exercício de cargo, função ou emprego público estadual, fundado em fatos materializados anteriormente ao exercício destes extrapola tanto o âmbito das atribuições constitucionais do Tribunal de Contas como o da incidência da norma estadual invocada editada em 2008, ainda que regrando procedimentos da Lei Estadual nº 12.036 de 19.12.2003.

Nessa direção, concluiu o Douto Ministério Público Estadual na promoção de arquivamento:

... ao tempo da aquisição do imóvel situado na Rua Araruama, nº 806, em 06 de dezembro de 2006, a atual Governadora, em que pese já eleita, era Deputada Federal, não possuindo vínculo funcional com o Estado do Rio Grande do Sul.

Ausente qualquer vínculo entre Yeda Rorato Crusius e mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado do Rio Grande do Sul, ou em empresa incorporada ao patrimônio estadual ou, ainda, em entidade para cuja criação ou custeio o erário estadual haja concorrido ou concorra, não há que falar em improbidade administrativa de interesse estadual, consoante depreende-se dos artigos 1º e 2º, em combinação com os artigos 9º, 10º e 11º, todos da Lei Federal nº 8.429/92.

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Fl. 348 Rub.

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Afinal, cogita a Representação de eventual improbidade administrativa nos termos do artigo 9º da Lei Federal nº 8.429/92, em face de possível enriquecimento ilícito de Yeda Rorato Crusius, consistente na aquisição de imóvel cujo preço seria superior à capacidade econômica da adquirente, sem a comprovação de origem dos recursos empregados na compra.

Ora, é assente na doutrina que o enriquecimento ilícito de agente público só é capaz de caracterizar improbidade administrativa quando restar demonstrada a correlação com a função exercida.

Destarte, os fatos estritamente relacionados com a compra da casa na rua Araruama, nº 806, em Porto Alegre, circunscritos ao ano de 2006, não repercutem no âmbito de controle estadual da probidade administrativa, fugindo da atribuição do Ministério Público Estadual. (grifos dos autores)

Por ser este Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul o órgão constitucionalmente encarregado da fiscalização, contábil, financeira e orçamentária da administração estadual e municipal, não tem atribuição para iniciar o processo de fiscalização pretendido pela representação do Ministério Público de Contas porque referente à agente que, na ocasião dos fatos apontados, não detinha vínculo com o Estado por ser, então, Deputada Federal, sendo de salientar-se que a tipificação da improbidade administrativa, escopo dos denunciantes que conduziu à representação do Ministério Público Especial, está estreitamente correlacionada com a função exercida.

Todavia, há, ainda, duas questões que decorrem destes atos e fatos anteriores à posse e exercício e que poderiam adentrar ao exercício do cargo de Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, imbricadas com a compra do imóvel supracitado, quais sejam: a) o possível benefício a Eduardo Laranja da Fonseca nas suas relações ou de sua empresa com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, b) possível suspeição acerca do vínculo entre a Governadora Yeda Rorato Crusius e Delson Martini, diante da aquisição por Delson Martini do Passat da Senhora Yeda Crusius, e pelo pai de Delson, Sr. Delacy Martini, do apartamento da Senhora Governadora, situado em Capão da Canoa, considerando, ainda, que Delson Martini assumiu as funções de secretário-geral de governo, presidente da CEEE e tesoureiro do PSDB gaúcho durante o governo de Yeda Crusius.

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Ambas matérias foram objeto de análise e diligências complementares pelo Ministério Público Estadual e que conduziram à Promoção de Arquivamento, nestes termos, quanto à primeira delas:

Estas ações de execução do Banrisul, ajuizadas em 06 de junho de 2008, contra a empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda., Eduardo Laranja da Fonseca, nos valores de R$ 1.461.866,99 e R$ 861.388, 85, foram objeto de questionamento dos Representantes, que levantaram dúvida sobre eventual utilização do Banrisul no favorecimento ao empresário Eduardo Laranja da Fonseca, vendedor do imóvel, pois referidos créditos teriam sido transferidos para conta de créditos em liquidação em 2007.

A fim de apurar esta circunstância, o Ministério Público recorreu ao Banco Central, solicitando informações sobre o trâmite dos créditos do Banco do Estado do Rio Grande do Sul junto à empresa Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e aos seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca.

A informação prestada pelo Banco Central foi de absoluta regularidade no tratamento dado aos referidos créditos, similar a todos os casos que podem guardar correspondência com o tipo de crédito e de cliente. O Banco Central certificou-se de que o trajeto percorrido pelos créditos do banco até o ajuizamento das ações de execução foi normal. Nenhuma dúvida foi levantada quanto ao valor objeto das ações de execução ou quanto ao momento em que foram ingressadas. Aliás, salientou-se que a inclusão dos sócios-proprietários da empresa Self na condição de fiadores foi providência adotada no transcurso da tentativa de cobrança administrativa pelo banco, situação que emprestou garantia ao crédito bancário.

Diante da informação obtida junto ao Banco Central de que não se constatou anormalidade nas relações entre Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca, tornou-se desnecessária qualquer postulação em juízo para, mediante quebra de sigilo bancário, formalizar a informação acerca da regularidade das operações entre Banrisul, Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca.

Afinal, o procedimento judicial de quebra de sigilo bancário implica restrição a direitos fundamentais, cuja viabilidade somente se justifica em face de elementos indiciários consistentes e da utilidade da medida como prova, exatamente o que não havia no caso, a partir da informação colhida, dando conta da regularidade do procedimento. (grifos dos autores)

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E quanto à segunda, assim concluiu o Ministério Público Estadual em sua Promoção de Arquivamento:

De outra banda, no intuito de verificar se existiram transferências bancárias suspeitas entre Delacy e Delson Martini e Yeda Rorato Crusius, foram colhidas informações junto ao COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o qual foi criado pela Lei nº 9.613/98, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas. Tais informações nada indicaram de irregular nas movimentações financeiras referentes às pessoas de Delson Martini, Delacy Martini, Yeda Rorato Crusius e Carlos Augusto Crusius.

Mais uma vez, os dados colhidos no plano de informação não recomendaram o ajuizamento de ação para restrição dos direitos fundamentais dos envolvidos, pois a informação prestada pelo COAF eliminou dúvidas e apontou para a inutilidade probatória de uma eventual quebra do sigilo bancário. (grifei)

4.2. De outro lado, cumpre examinar a questão da vigência da lei no tempo para bem determinar a incidência das novas atribuições conferidas ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul pelo referido diploma legal estadual. Nesse sentido, cumpre assinalar que toda a construção legislativa no direito brasileiro, desde a constituição do Império de 1824, com exceção da Carta de 1937, está assentada no princípio da não retroatividade das leis, ponto de partida para as questões de direito intertemporal e, para o que aqui concerne, quanto aos limites da eficácia da lei nova. As exceções comportam regra expressa como consagra o princípio de que a lei penal somente poderá retroagir se for mais favorável. Sobre a matéria, Roubier em obra clássica sobre direito intertemporal, Les Conflits des Lois dans le Temps, de 1929, trabalha com a noção de situação jurídica para assentar que a lei deve alcançar os fatos do presente sem estender seus efeitos para o passado, manifestando-se avesso a qualquer forma de aplicação retroativa da lei. Neste sentido colaciono trecho do artigo “Leis no tempo e no espaço” de Juarez Freitas, publicado na Revista Direito e Justiça, v. 11, IX, 87, p. 30-43:

Tal princípio é o da irretroatividade, consoante o qual a lei nova não alcança e não tem aplicação aos fatos e situações do pretérito, definitivamente constituídas sob a égide da lei antiga. Como lembra Francesco Ferrara, em seu Trattato di Diritto Civile Italiano (ed. 1921, ROMA):

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TRIBUNAL DE CONTAS

Fl. 351 Rub.

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“Il concetto che leggi non toccano i fatti ed rapporti passati ha uma lunga tradizione storica”. (ob.cit., pg. 259)

Desde o Direito Romano, como garantidor imperfeito da segurança contra o arbítrio, este princípio tem figurado na história do Direito.

Assim, pode-se afirmar que as regras da Lei Estadual nº 12.980, de 05.06.2008, que conferem atribuições de controle da variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito por agente público no exercício de cargo ou emprego público estadual7, ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, incidem a partir de sua edição não alcançando fatos pretéritos, aqueles anteriores ao exercício de cargos, emprego ou função pública no âmbito estadual, excepcionados os atos e fatos abrangidos nos poderes gerais de cautela decorrentes das atribuições constitucionais dos órgãos de Controle Externo.

4.3. Indispensável, também, a análise diante do escopo pretendido, que é de instauração de ação por improbidade administrativa, assim circunscrita na Representação nº 31/2008 do Ministério Público de Contas:

I - O Parquet recebeu denúncia formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade - P-SOL e pelo Partido Verde - PV, que busca a proposição de “Ação por Improbidade Administrativa” contra Yeda Rorato Crusius, Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento na Lei Estadual nº 12.980/2008 e Leis Federais nºs 8.429/1992 e 8.730/1993. (grifei)

A ação de improbidade administrativa tem por telos velar pela administração da coisa pública, amparo no art. 37 da Constituição Federal de 1988, que em seu § 4º determina que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” e nos termos do disposto no art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, “a ação (...) seguirá o rito ordinário, podendo ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada ...”.

7 Embora a estreita relação com a Lei Estadual n º 12.036, de 19.12.2003, que dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação de declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções públicas no Estado e com a Lei Federal nº 8.730, de 10.11.1993, a qual estabelece a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União.

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TRIBUNAL DE CONTAS

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Processo nº 8439-0200/08-6

Artur Mendes Lobo no artigo “A ação prevista na lei de improbidade administrativa: competência, legitimidade, interesse de agir e outros aspectos polêmicos” (in Revista de Processo, a. 32, n. 148, jun./2007, p. 47-75) assinala:

A nosso ver, portanto, como a ação de improbidade administrativa visa tutelar o interesse público primário, entendido esse como interesse metaindividual de caráter difuso, para a proteção de um número indeterminado de cidadãos no sentido de impedir lesão ao patrimônio público e bem assim de preservar a moralidade da administração pública, entendemos ser ela uma verdadeira modalidade de ação civil pública que integra o microssistema de direito processual civil coletivo, aplicando-se-lhe, subsidiariamente a Lei 7.347/85 e as normas processuais do Código de Defesa do Consumidor, bem como todos os princípios que regem as ações coletivas.

E, quanto à legitimação, o Ministério Público Estadual e Federal, nas respectivas áreas de atribuições, detêm atribuição e legitimidade ativa para intentar a ação de improbidade administrativa podendo manejar, com esta finalidade, instrumentos significativos entre eles o inquérito civil, o procedimento administrativo para coleta de provas, o poder de requisitar documentos e determinar diligências.

E, neste sentido, em sua peça inicial, o Ministério Público de Contas consigna o encaminhamento de cópias de sua Representação ao Ministério Público Estadual e Federal, o que me confirmou pessoalmente, sendo amplamente noticiada a Promoção de Arquivamento por parte do Ministério Público Estadual, juntada, em seu inteiro teor, à Defesa Preliminar da Governadora do Estado e de seu marido.

5. Assim, por todo o exposto e tendo em vista, em síntese:

a) que a norma estadual não pode ampliar as competências constitucionais do Tribunal de Contas do Estado, no contexto das questões ora examinadas, seja para alcançar agentes de outras esferas da federação, seja para alcançar esses mesmos agentes por fatos ocorridos em período pretérito ou

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mesmo ulteriormente à detenção a qualquer vínculo com órgão ou poder submetidos à atribuição constitucional fiscalizatória do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de flagrante inconstitucionalidade;

b) que as regras da Lei Estadual nº 12.980, de 05.06.2008, que estabelece o controle da variação patrimonial e de sinais de enriquecimento ilícito por agente público no exercício de cargo ou emprego público estadual que confere atribuições de controle da variação patrimonial ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul incidem a partir de sua edição não alcançando fatos pretéritos e aqueles anteriores ao exercício de cargos, emprego ou função pública no âmbito estadual, excepcionados os abrangidos nos poderes gerais decorrentes das atribuições constitucionais dos órgãos de Controle Externo;

c) que os Ministérios Públicos Estadual e Federal detêm atribuição e legitimidade ativa para a intentar a ação de improbidade administrativa podendo manejar, com esta finalidade de instrumentos significativos entre eles o inquérito civil, o procedimento administrativo para coleta de provas, o poder de requisitar documentos e determinar diligências;

d) quanto às duas questões que decorrem dos atos e fatos anteriores à posse e exercício, que poderiam adentrar ao exercício do cargo de Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, imbricadas com a compra do imóvel supracitado, há a manifestação do Ministério Público Estadual no documento de promoção de arquivamento, com a adoção de diligências junto ao Banco Central e ao COAF. Estas conduziram à conclusão por parte do Ministério Público Estadual quanto a possível benefício a Eduardo Laranja da Fonseca nas relações suas ou de sua empresa com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul: “... não se constatou anormalidade nas relações entre Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e seus sócios Eduardo Guimarães e Eduardo Laranja da Fonseca ...” E relativo à suspeição quanto ao vínculo entre a Governadora Yeda Rorato Crusius e Delson Martini, que adquiriu o Passat, e seu pai, Delacy Martini, comprador do apartamento da Senhora Governadora, situado em Capão da Canoa, também o Ministério Público Estadual colheu informações junto ao COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, concluindo que estas “... não recomendaram o ajuizamento de ação para restrição dos direitos fundamentais dos envolvidos, pois (...) eliminou dúvidas e apontou para a inutilidade probatória de uma eventual quebra do sigilo bancário”.

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Os elementos acima sintetizados constituem as razões que alicerçam a posição desta relatora no sentido do arquivamento da Representação ministerial nº 31/2008.

Por todo o exposto, com fundamento nos limites à incidência e atribuições contidas na Lei Estadual nº 12.980/2008 e uma vez que o controle e fiscalização patrimonial anterior à posse e ao exercício de cargo, função ou emprego público estadual, fundado em fatos materializados anteriormente à posse e exercício extrapola o âmbito de atribuições constitucionais do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e considerando as providências complementares junto ao Banco Central e ao COAF adotadas pelo Ministério Público Estadual e a sua Promoção de Arquivamento, VOTO pelo acolhimento da preliminar suscitada em sede de defesa preliminar para determinar o arquivamento da Representação.

Cientifique-se os interessados.

Rozangela Motiska Bertolo Conselheira Substituta

Relatora