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39 Semina: Ci. Soc. Hum., Londrina, v. 22, p. 39-56, set. 2001 Resumo: O presente artigo discute os elementos condicionantes das políticas sociais no Brasil através de sistematização dos dados históricos sobre as políticas sociais e os movimentos sociais no país. Procuramos tomar como diretriz de análise a correspondência histórica entre ambos, destacando especialmente os principais acontecimentos voltados para as lutas por melho- res condições de vida e pelo aumento dos direitos sociais na legislação brasileira. Palavras-chaves: Estado brasileiro; movimentos sociais; política social; legislação social. Abstract: The present article discusses the elements that drive welfare policies in Brazil by means of the organization of historical data on welfare policies and social movements in the country. The historical correspondence between both of them was considered the focus of the analysis, highlighting the main events concerning the fights for better life conditions as well as for the increase of social rights in Brazilian legislation. Key words: Brazilian State; Social movements; Welfare policies; Welfare legislation. Estado e Sociedade Civil na História das Políticas Sociais Brasileiras State and Civil Society in the History of Brazilian Welfare Policies Maria Luiza Amaral Rizotti * Introdução O estudo dos elementos condicionantes das políti- cas sociais no Brasil não constitui tema inovador no âmbito da produção científica do Serviço Social. Contudo, mostra-se ainda relevante a sistematização de dados históricos sobre as políticas sociais e os movimentos sociais no país. Por sua vez, já há uma importante produção na literatura técnica acerca da especificidade das condições sob as quais se pro- cessaram a estruturação e o desenvolvimento das polí- ticas sociais no Brasil. Nesta introdução desejamos retomar este último tema, a partir de uma ótica parti- cular. A comparação sucinta que realizaremos entre as principais características do caso nacional e os traços predominantes nos países europeus nos permitirá vislumbrar em que consistiu tal singularidade. O período de maior intensidade na instauração de sistemas de seguridade social nos países europeus pode ser determinado a partir do encerramento da Segunda Guerra Mundial. Naquele contexto, a neces- * Doutora em Serviço Social pela PUC/SP; docente do Departamento de Serviço Social da da Universidade Estadual de Londrina. sidade de reconstrução das economias nacionais européias encontrou uma classe trabalhadora forte- mente mobilizada, com crescimento da base social dos partidos de ideário socialista, motivado pela sensação de forte insuficiência do capitalismo e pela presença da União Soviética entre os países vence- dores da guerra. Além disso, a última metade da década de 1940 e as duas próximas foram o palco de um vertiginoso crescimento do socialismo em todo o mundo, através de revoluções políticas que estenderam os regimes socialistas inicialmente por todo o leste europeu e, a seguir, em alguns outros países. Nesse contexto político de difusão do ideário socialista foi que se plasmaram os sistemas de seguridade social da Europa Ocidental, como resposta política daqueles Estados nacionais às demandas das classes trabalha- doras (HOBSBAWM, 1998). Apesar de constituírem respostas às reivindica- ções da sociedade civil, a constituição do Estado de Bem-Estar naqueles países inaugurou uma era na qual a manutenção do modelo econômico e social capi-

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Resumo : O presente artigo discute os elementos condicionantes das políticas sociais no Brasil através de sistematização dosdados históricos sobre as políticas sociais e os movimentos sociais no país. Procuramos tomar como diretriz de análise acorrespondência histórica entre ambos, destacando especialmente os principais acontecimentos voltados para as lutas por melho-res condições de vida e pelo aumento dos direitos sociais na legislação brasileira.Palavras-chaves : Estado brasileiro; movimentos sociais; política social; legislação social.

Abstract : The present article discusses the elements that drive welfare policies in Brazil by means of the organization of historicaldata on welfare policies and social movements in the country. The historical correspondence between both of them was consideredthe focus of the analysis, highlighting the main events concerning the fights for better life conditions as well as for the increase ofsocial rights in Brazilian legislation.Key words : Brazilian State; Social movements; Welfare policies; Welfare legislation.

Estado e Sociedade Civil na História das Políticas Sociais Brasileiras

State and Civil Society in the History of Brazilian Welfare Policies

Maria Luiza Amaral Rizotti*

Introdução

O estudo dos elementos condicionantes das políti-cas sociais no Brasil não constitui tema inovador noâmbito da produção científica do Serviço Social.Contudo, mostra-se ainda relevante a sistematizaçãode dados históricos sobre as políticas sociais e osmovimentos sociais no país. Por sua vez, já há umaimportante produção na literatura técnica acerca daespecificidade das condições sob as quais se pro-cessaram a estruturação e o desenvolvimento das polí-ticas sociais no Brasil. Nesta introdução desejamosretomar este último tema, a partir de uma ótica parti-cular. A comparação sucinta que realizaremos entreas principais características do caso nacional e ostraços predominantes nos países europeus nospermitirá vislumbrar em que consistiu tal singularidade.

O período de maior intensidade na instauração desistemas de seguridade social nos países europeuspode ser determinado a partir do encerramento daSegunda Guerra Mundial. Naquele contexto, a neces-

* Doutora em Serviço Social pela PUC/SP; docente do Departamento de Serviço Social da da Universidade Estadual de Londrina.

sidade de reconstrução das economias nacionaiseuropéias encontrou uma classe trabalhadora forte-mente mobilizada, com crescimento da base socialdos partidos de ideário socialista, motivado pelasensação de forte insuficiência do capitalismo e pelapresença da União Soviética entre os países vence-dores da guerra.

Além disso, a última metade da década de 1940 eas duas próximas foram o palco de um vertiginosocrescimento do socialismo em todo o mundo, atravésde revoluções políticas que estenderam os regimessocialistas inicialmente por todo o leste europeu e, aseguir, em alguns outros países. Nesse contextopolítico de difusão do ideário socialista foi que seplasmaram os sistemas de seguridade social daEuropa Ocidental, como resposta política daquelesEstados nacionais às demandas das classes trabalha-doras (HOBSBAWM, 1998).

Apesar de constituírem respostas às reivindica-ções da sociedade civil, a constituição do Estado deBem-Estar naqueles países inaugurou uma era na quala manutenção do modelo econômico e social capi-

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talista encontrou-se fortemente vinculada à implan-tação de políticas sociais que formavam sistemas deseguridade crescentemente abrangentes. Mesmoinexistindo uma base de negociação que pudesse seridentificada em torno de reivindicações pontuais, ouque se destinasse a atingir o horizonte de um modeloeconômico igualitário, esse fenômeno produziu naque-las sociedades o surgimento de uma perspectiva demelhorias progressivas nas condições de vida de suaspopulações.

Isso se consubstanciaria em estabilidade econô-mica duradoura, com situações prolongadas de plenoemprego, eficientes sistemas de aposentadoria eascensão social entre as gerações mais novas – emsuma, o ideário dos “30 anos dourados do capitalismo”,nos quais as crises econômicas e sociais da primeirametade do século pareciam seguramente afastadasdo horizonte capitalista.

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil cons-titui processo plenamente diverso do que apontamosacima. Tendo emergido em seus primórdios de umasituação de economia colonial, o desenvolvimento eco-nômico e social brasileiro esteve sempre subordinadoà dominação dos países capitalistas centrais.

Nessa circunstância, o “capitalismo tardio” (MELLO,1986) que aqui se desenvolveu apresentou alternada-mente o predomínio de formas arcaicas e modernastanto no âmbito econômico – no qual o papel do Estadofoi o de articulador fundamental de cada fase de umdesenvolvimento econômico de características retarda-tárias – quanto na esfera política, na qual as marcasdo patrimonialismo impediram até o presente a consti-tuição de eficazes formas de controle público dasinstituições governamentais.

No Brasil, jamais chegou a ser constituído oEstado de Bem-Estar Social. Ao contrário, ao mesmotempo em que o welfare state europeu era estruturado,o Estado brasileiro dava início a um processo dedesenvolvimento amplamente apoiado na utilizaçãodo fundo público para a realização dos investimentosessenciais ao desenvolvimento econômico (meios detransporte, comunicações, indústrias de base e gera-ção de energia, entre outros). Toda interferência doEstado no processo de desenvolvimento nacional seprocessava através de suas funções de agente econô-mico, cuja atuação visava garantir as formas essen-ciais de acumulação.

Por sua vez, foram relegados a planos não-prioritários os investimentos em meios de consumocoletivo, consubstanciados, em sua maior parte, naspolíticas sociais. Visto que o desenvolvimento econô-mico experimentado caracterizava-se por uma lógicade extrema concentração de riquezas, a coexistênciade um – ainda que frágil – ideário político liberal e deum modelo de desenvolvimento monopolista, ocasio-nou uma insuficiente resposta das políticas públicasàs questões sociais que se colocavam nos diferentesperíodos deste século.

Implantou-se aqui um sistema de proteção socialque, subordinado pelas instituições políticas e econô-micas nacionais, desenvolveu-se marcado pelo papelhegemônico que o modelo de desenvolvimento conser-vador desempenhou na trajetória brasileira. Ao invésde respostas políticas apropriadas às demandas dosmovimentos sociais organizados, as políticas sociaisbrasileiras caracterizaram-se, de modo geral, comoelementos periféricos no sistema de repressão aosmovimentos sociais e de controle social que a burgue-sia nacional logrou empreender ao longo da recentehistória nacional.

Com isso não pretendemos afirmar a inexistênciaou importância menor do papel dos movimentossociais na configuração dos sistemas de seguridadesocial no país. Mesmo no contexto de desenvolvimentodependente, as políticas sociais não deixam de serresultado, em certa medida, da luta dos trabalhadorese da população em geral, que as fizeram necessáriasao modelo de desenvolvimento em evolução.

Por isso, cremos que a interpretação da evoluçãoda política e da legislação social no Brasil deve neces-sariamente remeter-nos a uma reflexão sobre a trajetó-ria das lutas sociais levadas a cabo pelos movimentossociais organizados, a fim de esclarecer sua influênciano contexto hegemônico de dominação conservadora,que se configurou de modo pendular ora através deaberturas populistas, ora por intermédio do exercícioda repressão estatal.

Com o objetivo de realizarmos esta reflexão, recor-remos principalmente ao estudo de Gohn (1995), queanalisa em retrospecto os principais movimentossociais do país desde o final do século passado. Estadiscussão nos permitiu analisar não apenas as princi-pais áreas de concentração das lutas sociais no país,mas também as ações dos diferentes interlocutoresdesses movimentos, tanto no âmbito do Estadoquanto no âmbito das classes dominantes.

Paralelamente, procuramos ressaltar na breve re-trospectiva histórica das políticas sociais que apresen-tamos, as lacunas existentes entre os princípios, dire-trizes e direitos dispostos na legislação social – que,via de regra, resultaram das reivindicações expressasnas lutas populares – e as ações efetivas do aparelhogovernamental, o que nos permitiu concluir pelo caráterincipiente dos sistemas de seguridade social nahistória do país, organizados sob forma centralizadorae sob princípios de alta seletividade.

1 Antes da República: lutas sociais noBrasil do século XIX

Os movimentos sociais que emergiram no contextobrasileiro do século XIX caracterizaram-se, essencial-mente, pela inexistência de algum projeto político esocial que lhes dotasse de unidade histórica quanto

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às estratégias de intervenção e à base social na qualse apoiavam. É certo, porém, que todos os principaismovimentos sociais surgidos naquele século pos-suíam entre suas causas a contestação às condiçõessociais de vida que se degradavam e a reivindicaçãopor mudanças que proporcionassem sua melhoria.Bandeiras políticas relativas a um projeto de indepen-dência nacional ou à conquista de áreas territoriaisna fronteira brasileira tinham sua base social ampliadaà medida que se encontravam associadas a reivindica-ções sociais da população da época.

A influência das transformações políticas no con-texto internacional também se fazia sentir na motiva-ção dos movimentos sociais do país. Especialmentepor intermédio de membros da elite agrária queretornavam da Europa, os ideais liberais da RepúblicaFrancesa chegavam ao Brasil e compunham o subs-trato de legitimação dos movimentos sociais emer-gentes. Gohn (1995) contabiliza, para o período daprimeira metade do século XIX, o número de quarentae duas lutas sociais importantes que, entretanto, poraglutinarem em sua base social segmentos muitodiversificados, não logravam constituir um projeto detransformação política e social, devido especialmenteà dificuldade de superar as divergências entre interes-ses imediatos dos segmentos envolvidos. Mas, emtodos eles, a sustentação do propósito de independên-cia política e financeira do país em relação a Portugale os ideais de liberdade e igualdade encontravam-secondicionadas à incorporação de reivindicações con-cretas de melhoria das condições sociais de vida noBrasil.

Dentre as principais lutas e movimentos sociaisda época, três episódios merecem ser destacados,pela abrangência de sua base social – composta pormilitantes oriundos das classes subalternas, trabalha-dores e escravos, por estudantes, intelectuais e outrosmembros da burguesia em ascensão – e pela impor-tância de suas repercussões no período que lhessucedeu:

a) O movimento da Cabanagem que, durante dezmeses, entre os anos de 1835 e 1836, sucedeu noPará, chegando a instituir um governo local próprio,que Gohn nos descreve como o primeiro “governopopular de base índio-camponesa da história doBrasil no período imperial” (1995, p. 35);

b) A Revolução Farroupilha, transcorrida no Rio Grandedo Sul, que perdurou por dez anos, entre 1835 e1845, denominada pelos que dela participaramGuerra dos Farrapos, remetia sua identificação àgrande massa de homens livres pobres queconstituíam sua base social e que vislumbravamna deposição do Governo Provisório o meio desuperação de sua condição de vida marcada pelapobreza e miséria social;

c) a Revolução Praieira, levante político organizadopelo “Partido da Praia” em Pernambuco, entre osanos de 1847 e 1849, que agregou elites intelec-

tuais e políticas e uma importante participaçãopopular na oposição ao Governo Imperial, propondojá naquela época a realização da reforma agrária eo fim dos latifúndios rurais.

Ao destacarmos estes três movimentos, dese-jamos ressaltar como as aspirações por melhoriasna qualidade de vida surgiam associadas, em primeirolugar, aos ideais de consolidação de regimes maisdemocráticos no país e de libertação do regime econô-mico de exploração colonial – a independência políticae econômica de Portugal apresentando-se como modode constituição de um governo próprio, que governassepara os brasileiros e em defesa dos interesses nacio-nais – e, em segundo lugar, às propostas de transfor-mações de base na economia nacional, com realiza-ção de reforma agrária e mudança da estrutura produ-tiva local. Essa dupla associação constitui, a nossover, demonstração irrefutável da identificação da basesocial dos movimentos analisados.

A exemplo do período que a antecedeu, a últimametade do século XIX também foi palco da emergênciade um grande número de lutas políticas e sociais noBrasil. De fato, nos últimos cinqüenta anos desseséculo, registraram-se aproximadamente setentamovimentos sociais, das mais diversas origens, quepossuíam como estratégias características um amploleque de ações, abrangendo desde a associação paraa prestação de socorro mútuo no âmbito corporativoou étnico, até as reivindicações pelo fim da escrava-tura e pela proclamação da República. É certo que asexigências do contexto político nacional e internacio-nal fizeram estas últimas lutas possuírem maiordestaque na história nacional.

Contudo, se procedermos à análise desses movi-mentos como fizemos para aqueles que os antecede-ram, verificaremos igualmente que a preocupação comas condições de vida das classes subalternas encon-trava-se presente nesses movimentos de forma multifa-cetada, ora novamente a partir de reivindicações dereformas econômicas, ora pela apresentação de reivin-dicações sociais da população, ora pela composiçãoda base social de militantes que engrossavam suasfileiras. Nesse particular aspecto, Canudos constituio exemplo maior da associação de várias dessasexpressões: como movimento de contestação aodomínio dos latifundiários e de reivindicação daresolução da questão agrária aliava, também, preocu-pações com o socorro aos pobres e inválidos e com asuperação das condições de miséria que caracteriza-vam a vida da massa pobre sertaneja, da fome emespecial – e não era sem razão que o Conselheiroevocava, em suas pregações, as imagens de ummundo de fartura que deveria suceder o fim da luta.

Um aspecto final que desejamos registrar é queesse período demarca o momento a partir do qual asreivindicações populares, expressas nos movimentossociais, passaram a ser respondidas através de açõesassistenciais que, a despeito de seu caráter pontual,

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introduziam na pauta política do país a questão dadesigualdade social. Além disso, já se pode localizar,no período, o surgimento consistente de organizaçõesda sociedade civil que se destinavam a prover serviçosde atendimento às demandas sociais da população.Mas o princípio do século XX seria realmente o períododurante o qual essas organizações proliferariam.

2 Da República Velha ao Estado Novo: oprimeiro marco das políticas sociais noBrasil

Os primeiros trinta anos do século XX assinalamno Brasil o período de uma dupla transformação. Deum lado, o fim do regime escravocrata enfraquecera odomínio político e econômico das antigas oligarquiasrurais, promovendo o surgimento de uma nova classede senhores, cujo principal interesse na cena políticanacional foi adequadamente expresso na política docafé-com-leite; mas a fragilidade política das novasoligarquias dominantes seria logo evidenciada pelasações dos novos movimentos sociais, que surgiamcomo desestabilizadores do establishment constituído.De outro, o crescimento das cidades modificava o perfilda população e acelerava o crescimento das carênciasurbanas no país.

A natureza dessa dupla transformação permiteexplicar adequadamente a origem e o desenvolvimentodas novas lutas sociais que dominaram o cenáriopolítico do país, naquele momento. Os movimentossociais que surgiam caracterizavam-se por reunir, sobuma única bandeira, a reivindicação de ampliação dosdireitos de cidadania no país e o objetivo de conquistado poder político no aparelho de Estado. É estetambém um período no qual as filosofias políticasrevolucionárias, de inspiração socialista e anarquista,ganham expressão através da organização de traba-lhadores recrutados dentre as fileiras de imigrantesque haviam chegado ao país desde a década de 1910.

No ano de 1914, na cidade do Rio de Janeiro,saques a casas comerciais colocavam em evidênciaa luta contra a carestia levada a termo pelos movimen-tos populares da época. A expressão política dessesmovimentos tornou-se ainda mais evidente com suaunificação no Movimento Contra a Carestia de Vida,que alcançou repercussão em várias das cidades maisimportantes do país e culminou com a realização, nacapital da República, do comício contra a carestia,que reuniu mais de dez mil pessoas (GOHN, 1995).Em 1917, o movimento de trabalhadores organizadospromoveu em São Paulo um conjunto de grandesmanifestações, culminando com a deflagração de umagreve geral que reivindicava a redução da jornada detrabalho para oito horas e a regulamentação do trabalhofeminino e infantil.

Em 1925, eclodiu no Rio Grande do Sul a ColunaPrestes, que encontraria ampla base social para

crescer no interior do país e que, nos dois anosseguintes, percorreria o Brasil organizando levantespopulares contra a deterioração das condições sociaisde vida e reivindicando a criação de direitos civis epolíticos, tais como a instituição do voto secreto, aextensão do direito de voto às mulheres e o respeitoà liberdade de imprensa.

Não obstante o relativo sucesso dos movimentospopulares surgidos naquele momento – cuja mais ex-pressiva vitória parece ter sido a organização do movi-mento sindical nos principais centros do país, com osurgimento de comitês de fábrica que se mostrarameficazes na mobilização dos trabalhadores para reivin-dicação de melhorias salariais e de condições detrabalho – poucos avanços se fizeram sentir na organi-zação dos serviços sociais demandados pela população.

Como afirmamos anteriormente, o período foi mar-cado pela proliferação de organizações corporativase de auxílio mútuo, fazendo os serviços criadosdependerem quase que exclusivamente de gestõesde cunho privado e filantrópico, cuja ação de maiorrelevância pode ser registrada nas iniciativas dasSantas Casas no campo da saúde e da assistência.

Da parte do Estado, as iniciativas desenvolvidasrestringiram-se ao surgimento de novos elementos nalegislação que regulava o trabalho assalariado e naedição do Código de Menores, que passou a regularpelo viés da repressão institucional as ações destina-da à infância no país. A esse respeito, Oliveira (1989)assinala, apropriadamente, como a ausência do Esta-do no provimento de políticas sociais nessa épocadecorreu da inexistência de organização política sufi-cientemente expressiva dos segmentos específicosque a demandavam:

A política social relativa à prestação de serviços,que se refere às demandas gerais da populaçãosaúde, educação, saneamento, etc., como nãotinha grupos específicos que a demandassem,foi delegada a segundo plano na agenda socialdo governo, haja vista o reconhecimento socialde grupos profissionais (OLIVEIRA, 1989, p.109).

Apenas na década de 1930 o país seria palco deimportantes transformações no papel desempenhadopelo Estado para a proposição de alterações no campode direitos sociais no Brasil. O regime surgido daRevolução, ao contrapor-se em suas táticas dedomínio às oligarquias regionais tradicionalmenteinstaladas no poder, requeria a constituição, pelaprimeira vez levada a termo no Brasil, de um projetopolítico nacional, que estendesse a ação do podercentral a todas as regiões do país.

Naturalmente, a ação do governo central teria deafirmar-se por meio de artifícios múltiplos que fossem

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capazes de evidenciar o novo papel desempenhadopela União, ao mesmo tempo em que ofuscava aproeminência dos governos regionais. Para tanto, onovo regime utilizou-se do expediente de encerrar oregime político enquanto, concomitantemente, bus-cava difundir sua presença por meio de políticaspúblicas diretamente operadas pelos órgãos centraisdo poder. A questão social seria trazida, gradativa-mente, para o centro da ação política do Estado.

A forma de operar tal mudança estaria estreita-mente associada aos novos mecanismos de organiza-ção do poder instaurados pela Revolução vitoriosa.Para garantir a eficácia do ordenamento político centralno nível local, o mecanismo das interventorias, sendode nomeação imediata do Presidente da República econsistindo num permanente rodízio de governantesregionais, monitorado pelo poder central, mostrou-sede imediato apropriado para os propósitos do governogetulista.

Impedidos que estavam de ganhar a expressãopolítica anteriormente possuída pelos coronéis e gover-nadores do interior do país, os interventores possuíamseu prestígio e sua importância política diretamentevinculados ao sucesso alcançado na implementaçãodas novas ações governamentais das quais estavamincumbidos. Por sua vez, as atribuições próprias dasinterventorias proporcionavam-lhes realizar um governocentralizador, que poderia, rapidamente e com grandeeficácia, executar as novas formas de intervenção doEstado na vida política e social do país.

Na esfera nacional, o principal problema do novogoverno residia na necessidade de legitimar-se rapida-mente em todas as regiões do país, a fim de impediro ressurgimento das oligarquias regionais não-aliadas.A ação governamental que perseguiu tal propósitoapontará para o desenvolvimento de grandes planosnacionais que vão responder de diversas formas àsdemandas sociais da classe trabalhadora do país.

Deste modo, de um lado o Estado proporcionariao desenvolvimento econômico, aliando-se ao processode industrialização; de outro, produziria um amploprocesso de respostas ao agravamento das condiçõesde vida, com a realização de ações de intervenção di-reta nas condições de reprodução da força de trabalhono país. Neste momento, as bases da política socialbrasileira seriam construídas de acordo com a marchada modernização com a qual o país se encontraria, apartir de então, comprometido.

Em síntese, podemos afirmar que a busca dalegitimidade política e a necessidade de constituiçãode um projeto político nacional eram naquele momentoos principais elementos a impulsionar a ação governa-mental na área das demandas sociais. As inovaçõesproduzidas nas áreas da Educação e da Cultura, coma instituição da obrigatoriedade do ensino fundamentale a participação governamental na produção e dissemi-nação de bens culturais de caráter nacionalista,constituem exemplos da nova disposição do Estado

em interferir nas respostas às carências sociaishistoricamente consolidadas no país. Na outra ponta,a iniciativa de implementação de uma legislação traba-lhista de abrangência nacional modificava o conjuntode relações de trabalho no Brasil, embora sua eficáciaestivesse ainda limitada ao conjunto dos trabalhadoresurbanos.

O enfrentamento à questão social havia se tornado,definitivamente, uma bandeira e uma necessidade doregime pós-revolucionário na década de 1930: ocaminho ao poder galgado pela nova elite emergenterequeria, ainda que de modo centralizador e seletivo,a ação social do Estado para proporcionar a qualifica-ção da força de trabalho e o desenvolvimento econô-mico correspondentes ao processo de industrializaçãoque se instaurava no país.

As políticas sociais iniciadas a partir da décadade 1930 destinaram-se então a permitir alcançar,concomitantemente, os objetivos de regulação dosconflitos surgidos do novo processo de desenvol-vimento econômico e social do país e de legitimaçãopolítica do Governo. Para compreendermos como issose tornou possível, faz-se mister relacionarmos osnovos serviços sociais realizados pelo poder públicoàs emergentes necessidades de reprodução e qualifi-cação da força de trabalho nacional.

Com efeito, a política de substituição de importa-ções iniciada pelo governo getulista sustentava-se naintrodução no país de um padrão tecnológico exteriorà dinâmica econômica nacional que, se de um ladoproporcionava a modernização das formas tradicionaisde produção e a rápida criação de um eficiente parqueindustrial, de outro encontrava à sua disposição fartoscontingentes de força de trabalho, cuja qualificaçãonão correspondia à requerida e cujo volume era dema-siadamente superior ao demandado pelas indústriasque surgiam.

Como resultado dessa inadequação inicial, a inte-gração da força de trabalho ao setor produtivo ocorreriade forma parcial, e sua maior conseqüência consistiriana cisão do mercado de trabalho urbano, resultando,de um lado, em uma elite operária integrada ao moder-no parque produtivo e, de outro, em amplo conjuntode trabalhadores, cujo precário vínculo empregatíciotornava impraticável a efetiva integração econômica esocial. Ao mesmo tempo, as características políticasdo regime influíam negativamente na possibilidade deorganização política dessa nova classe social urbana,chegando a ocorrer apenas nos maiores centrosurbanos do país a organização da atividade sindicaleficaz e da luta política operária por melhores condi-ções de vida e de trabalho.

A descrição que apresentamos acima explicaporque as políticas sociais nascidas no período nãosurgiriam determinadas diretamente pelas demandaspopulares expressas nos movimentos sociais daépoca, mas encontrariam sua origem na iniciativaestratégica do Estado. Respondendo à necessidade

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seletiva de garantia apenas parcial das condiçõesbásicas de reprodução da força de trabalho no país, oEstado desempenhava o papel de guardião dos inte-resses da nova elite industrial e, ao mesmo tempo,interferia nas possibilidades de organização políticareivindicatória, sempre presente devido à intensificaçãodas relações de trabalho assalariado.

Foi da ação centralizadora do Estado que surgiramas iniciativas de intervenção social consolidadasdesde então. Tal qual a ordem social competitiva quese instaurava, as políticas sociais que lhes davamparte da sustentação necessária convergiam para aintegração apenas parcial da força de trabalho nacio-nal. Ao lado da resposta privativista, a questão socialno Brasil produzia, a partir de então, a ação estatalseletiva, como forma de manipulação econômica econtrole político das massas de trabalhadores urbanos.

A Constituição Federal de 1934, primeira constitui-ção do país a possuir um capítulo referente à ordemeconômica e social, foi também pioneira na definiçãode responsabilidades sociais do Estado. Entre asnovas iniciativas governamentais no campo daspolíticas sociais, foi instituída a assistência médica esanitária ao trabalhador e à gestante1 . Seu texto finalincluiu ainda temas como o salário mínimo, a jornadade trabalho de oito horas, o repouso semanal remune-rado, o direito a férias anuais, a indenização em casode demissão sem justa causa, a aposentadoria poridade, invalidez ou acidente de trabalho, a concessãode pensão aos dependentes por morte do trabalhador,além de outras medidas de caráter preventivo que,sob responsabilidade da União, dos Estados e dosmunicípios, formavam o sistema de seguridade socialdo trabalhador na época. No campo específico daassistência social foram criados serviços de amparoaos desvalidos, serviços de socorro às famílias deprole numerosa, serviços de proteção à maternidadee à infância, além de ter sido regulamentado o trabalhoinfantil (KUGELMAS e ALMEIDA, 1987).

Se, por um lado, a introdução dessas obrigaçõesdo poder público no novo sistema legal indicava umsalto de qualidade nos serviços sociais existentes,expressando novas determinações políticas e ideoló-gicas na relação entre o Estado e a sociedade civil,por outro, as formulações da política social introduzidaspelo modelo adotado na esfera governamental, alémde manifestamente assistencialistas, eram corrente-mente utilizadas como instrumentos de controle erepressão das reivindicações por melhores condiçõesde vida promovidas por segmentos organizados daclasse trabalhadora.

A própria preocupação com o tema da ordemeconômica e social na Constituição de 1934 decorreu,primariamente, das mudanças que se faziam sentirnas relações econômicas e sociais e que se origina-

1 Neste mesmo período vive-se no Brasil o reflexo da crise econômica mundial, e duas medidas tornaram-se primordiais na políticaeconômica: o controle cambial como uma alternativa para a dívida externa e a redefinição no campo da agricultura, com acriação do Instituto do Açúcar e do Álcool e do Conselho Nacional do Café.

vam do desenvolvimento industrial recente. A esserespeito, Lonzar assim se refere:

O crescimento e a organização da força de traba-lho industrial, aliado às péssimas condições detrabalho, desencadeavam o que se passou achamar embate entre capital e trabalho. O cresci-mento e a organização da burocracia estatal, alémde uma certa autonomia do Estado em relação àsociedade, traziam à luz um segundo embate,entre a iniciativa privada e a estatização, correlata-mente vai surgindo uma terceira questão com aexpansão do capital através da propriedade daterra. A disputa aqui envolverá o capital privado, otrabalho e o Estado (1987, p. 45).

Com a instalação do Estado Novo, no ano de 1937,um novo período pode ser demarcado para aquelemodelo inicial de organização das políticas sociaisno país. Revogada a Constituição de 1934, a novaCarta Constitucional apresentava grandes retrocessosno que tange às liberdades políticas e aos direitossociais dos cidadãos. Somando-se a isso, o novopanorama político do país, após a instauração daditadura varguista, tornava extremamente difícil asustentação desses direitos pela via da mobilizaçãopopular. Embora não tenham sucumbido por completo,as manifestações populares que reivindicavammelhores condições de vida foram reprimidas com forçacada vez maior, a ponto de terem suas conseqüênciasneutralizadas pelo aparelho de Estado.

Conjuntamente, a edição de uma nova legislaçãotrabalhista interferiu na estrutura de organização domovimento sindical, atrelando-o ao Estado e reforçandoo corporativismo no interior das categorias de trabalha-dores. Como alternativa legítima para manifestaçãodas demandas populares, restaram as ligas de bairros,que na época desenvolveram suas atividades ativa-mente nas lutas por infra-estrutura urbana, reivindica-ção dotada de grande apelo popular no contexto deurbanização acelerada que se desenvolvia, sobretudo,nos entornos dos grandes centros urbanos.

Entre os retrocessos que podemos registrar naConstituição de 1937 encontram-se a limitação dodireito à educação universal, a ampliação do controleestatal sobre a organização sindical trabalhista e aredefinição das competências dos governos regionaise locais nas ações de política social, resultando emgrande centralização de ações e chegando ao pontode restar aos municípios tão somente a administraçãode cemitérios.

Nesse contexto legal e político, as ações daspolíticas sociais desenvolvidas terão caráter apenas

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incipiente, servindo prioritariamente como método decontrole dos movimentos sociais emergentes e dereafirmação da legislação social corporativa, incorpo-rando de forma parcial e controlada as reivindicaçõespopulares, através de procedimentos clientelistas narelação entre o Estado e os setores organizados dasociedade civil.

É nesses termos, enquanto mediadora da relaçãoentre capital e trabalho, que se desenvolveram asiniciativas governamentais da época, com destaqueda criação da Legião Brasileira de Assistência em1938 e do Departamento Nacional da Criança, vincula-do ao Ministério da Saúde. No âmbito das açõesprivadas, a criação do Serviço Nacional de Aprendiza-gem Industrial (SENAI) e do Serviço Social da indústria(SESI), respectivamente em 1942 e 1946, acentuariao caráter conservador das ações sociais da época.

A análise do caso particular da política de assistên-cia social apenas reafirma a conclusão que apresenta-mos no parágrafo anterior. A década de 1940 foi operíodo no qual o Estado, ao lado dos tradicionaisprogramas de atenção a crianças carentes e aosidosos, iniciou novas linhas de atuação na área, taiscomo os programas de enfrentamento à pobrezarealizados na época. Entretanto, os novos programasapresentavam-se fortemente condicionados por umaconcepção assistencialista, o que resultava em açõespontuais, fragmentadas e de alta seletividade, comalijamento significativo de parcelas da população quenão possuíam acesso aos serviços demandados porsuas carências, originadas da nova situação dedesenvolvimento do país2 . Este era o limite do primeiromarco das políticas sociais no Brasil.

3 Populismo e Políticas Sociais no Brasil

O período subseqüente ao fim do Estado Novo,compreendido entre os anos de 1945 e 1964, registrana história brasileira o predomínio da política populista.As bases dessa política populista encontravam-seestabelecidas desde o período final do governo Vargas,no qual a conjuntura política internacional e a emergên-cia de movimentos sociais que contestavam o regimeautocrático no país, colocavam em xeque a continui-dade do governo Vargas. O Estado Novo seria encerra-do com a deposição de Vargas e a convocação deuma nova Assembléia Nacional Constituinte, a realizar-se no ano de 1946.

A nova Constituição Federal registrou mudançasno capítulo da Ordem Econômica e Social, acentuan-do o papel do Estado no desenvolvimento econômicoe atribuindo-lhe a responsabilidade da justiça social.Seu texto final registrava ainda a necessidade deconciliação da ordem econômica, devendo esta última

2 O resgate histórico da política de seguridade social no Brasil foi feito com muita propriedade por Maria Luiza Mestriner, emdissertação de Mestrado apresentada na PUC/SP, em 1992, sob o título “Assistência e Seguridade Social no Brasil”.

encontrar-se em conformidade com os princípios dejustiça social. Conforme o artigo 145:

A ordem econômica deve ser organizada conformeos princípios de justiça social, conciliando a liber-dade de iniciativa com a valorização do trabalhohumano.

Parágrafo único. A todos é assegurado que possi-bilite existência digna. O trabalho é obrigaçãosocial (DUARTE, 1947, p. 91).

De acordo com esses princípios, a Constituiçãodefiniu como competência da União a responsabili-dade pela defesa permanente contra endemias e pelaregulamentação da legislação social. Além disso,retomou o disposto na Constituição de 1934, tornandoobrigatória a assistência à maternidade, infância eadolescência. Garantiu ainda o direito de aposentadoriaintegral aos trabalhadores, motivada por acidente detrabalho ou invalidez.

Os novos direitos sociais prescritos na Constitui-ção de 1946 teriam de ser implementados no contextoda política populista, e esta peculiaridade parece terestabelecido o limite possível de sua efetivação. Defato a abertura do regime político brasileiro, que suce-deu o período do Estado Novo, proporcionaria pequenasmodificações no âmbito da política social no país. Ainstauração de um período democrático na RepúblicaNova possibilitava o crescimento do papel político dasclasses trabalhadoras, fazendo vir à tona a premênciada ação pública do Estado na garantia de condiçõesde vida adequadas à população pauperizada.

Por sua vez, a característica populista herdada daera do Estado Novo moldava as possibilidades derelacionamento do Estado com a sociedade civilorganizada: emergiria no quadro de relações políticasdemocráticas a tutela do Estado sobre os movimentossociais e as formas de representação das classespopulares da época.

Contudo, essa tutela parcial do Estado não chegoua impedir por completo a organização política deimportantes grupamentos, em todas as esferas dasociedade. No contexto dos governos populistas, po-demos enumerar ao menos dois grandes movimentosde organização política cuja base social, majoritaria-mente formada no interior da classe média, representa-vam essa organização: a Juventude UniversitáriaCatólica e a Ação Popular, cuja estratégia de atuaçãoconsistia na formação massiva de quadros políticosjunto ao movimento estudantil, aos movimentos cam-poneses e aos movimentos operários.

Além desses, no campo trabalhista os movimentosde reivindicação tornavam-se gradativamente mais

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politizados – como demonstra o fato de que a grevegeral de 1953, que chegou a paralisar mais de 300mil trabalhadores, tenha obtido como principaisresultados a afirmação do direito de greve e a reformaministerial, que levaria João Goulart ao Ministério doTrabalho (GOHN, 1995).

No meio rural, por sua vez, as manifestaçõesimportantes, transcorridas principalmente nas regiõessul, norte e centro-oeste, expressavam, com destaquecada vez maior, as bandeiras das reformas de base,nelas incluídas a reforma agrária e a luta pela posseda terra – o que, especialmente no caso da reformaagrária, se de um lado era entendido como uma neces-sidade fundamental, naquele período de liberdadedemocrática, de outro era interpretado pelas facçõesconservadoras como crescimento da influência comu-nista na sociedade brasileira. Originava-se daí umagrande reação política às reformas propostas, cujaprincipal conseqüência foi polarizar em torno deconcepções ideológicas opostas do debate que setravava, impedindo que as bandeiras das reformas segeneralizassem como reivindicações nacionais.

A despeito dessa polarização, um amplo leque dereivindicações da sociedade civil, que se estendiadesde as lutas em torno de políticas sociais específi-cas até o movimento pelas reformas de base, emergiudos movimentos sociais que eclodiram no período eque encontravam expressão no momento de liberdadepolítica, com restauração dos direitos políticosindividuais, da liberdade de expressão e dos partidospolíticos.

As manifestações que expressavam a necessida-de de melhores condições de vida chegaram a reunirgrande número de participantes. Dentre elas, destaca-mos aqui as três mais importantes: as “passeatas dapanela”, ocorridas entre 1951 e 1953, com a participa-ção de aproximadamente 500 mil pessoas; a “grevegeral contra a carestia”, ocorrida em 1959; e o “movi-mento contra a carestia de vida”, que atingiu váriasregiões do Brasil (GOHN, 1995).

No campo específico das políticas sociais, osmovimentos sociais surgidos expressavam reivindica-ções, cujo atendimento não se vinculava apenas ademandas emergenciais da população, mas requeriatransformações mais consistentes na sua condiçãosocial de vida. Em virtude disso, nem sempre essasdemandas foram rapidamente incorporadas às priorida-des dos governos populistas, evidenciando a incapaci-dade que o populismo possuía de responder comeficácia aos movimentos sociais que emergiam forade seu controle político.

Este foi o caso do movimento pela casa própria,que transcorreu nos anos de 1961 e 1962 e fez surgirnos institutos de funcionários e industriários asiniciativas de criação de conjuntos habitacionais e dareivindicação de transporte coletivo, que culminou comos episódios do “quebra-quebra dos bondes no Riode Janeiro” e do “protesto contra o aumento da

passagem de ônibus” em São Paulo, respectivamentenos anos de 1956 e 1958. E, como exemplo maiscontundente dessa nossa tese, o movimento pela“reforma de base na educação”, que foi publicamenteiniciado em 1947, e cuja eficácia, após 14 anos deexistência, foi apenas parcial, resultando em 1961 naconsolidação de uma legislação básica e geral para aeducação em todo o país e no fortalecimento da escolapública.

Ao analisarmos as características fundamentaisdos governos populistas, compreendemos o motivopelo qual apresentavam esta dificuldade na incorpo-ração efetiva das reivindicações populares de maiorprofundidade. Isto se devia, fundamentalmente, ao fatode que no contexto do populismo, a ação políticainstitucional orientava-se pela expansão pontual debenefícios sociais, sem que tal expansão consistisserealmente no reconhecimento de novos direitossociais, ou sequer no estabelecimento de políticasduradouras.

Assim, se por um lado a instituição de novosbenefícios na legislação social da época constituía-se padrão de manejo da questão social pelo EstadoDemocrático – até mesmo contribuindo essencial-mente para sua legitimação – por outro, não se consti-tuía transição para uma legislação social renovada nopaís, reforçando o caráter seletivo pelo qual havia secaracterizado historicamente o conjunto das políticassociais brasileiras.

Respondendo a demandas localizadas, a novalegislação social confinava ao limite do parlamento aluta política das classes subalternas, sem proporcionarao órgão legislativo mecanismos reais de intervençãona ação governamental, que garantissem a efetivaexpansão dos direitos sociais para as camadaspopulares. Nem mesmo o controle administrativo dasações governamentais era possível, em face daorganização político-administrativa que caracterizavao ordenamento institucional do país.

Nessa circunstância, a burocracia estatal era en-carregada da organização de um sistema de políticassociais fadado ao insucesso. Componente essencialda ação executiva, o desempenho ineficaz das políti-cas sociais deixaria evidente a ausência de correspon-dência entre o mandato legislativo e a efetividade dosdireitos sociais que dele decorria. E isso na melhordas hipóteses, já que, via de regra, a operacionalizaçãodos serviços provedores desses direitos encontrava-se a cargo de entes indefinidos do Estado, circunstân-cia na qual a burocracia adquiria aparente autonomiade gestão que, a despeito de não encobrir os traçospatrimonialistas dos governos da época, servia demote para atribuir-lhe a responsabilidade pela ineficá-cia das ações governamentais.

Desse modo, a inconsistência das ações de gover-no, dissociadas de políticas sociais consistentes, nãoapenas não resultava em questionamento do modelopopulista de exercício do poder, como até servia para

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sua reafirmação, uma vez que este aparecia comoantítese do aspecto impessoal que a burocracia impri-mia à gestão dos serviços públicos. No final dascontas, embora superasse a tradicional resposta daforça repressiva para as demandas sociais da popu-lação, a forma de tratamento da questão social pelosgovernos democráticos populistas veio acrescentar-lhe uma das características determinantes da questãosocial no Brasil, a saber, o caráter corporativo daexpansão dos direitos sociais no país. Devemosressaltar, porém, que tal característica não surgiu naspolíticas sociais brasileiras a partir do períodopopulista. Os fundamentos do corporativismo napolítica social brasileira remontam ao período doEstado Novo (CASTRO, 1988).

Como conseqüência desse “populismo buro-crático”, as políticas sociais daquela época nascerammarcadas por particularismos corporativistas ealgumas categorias profissionais passaram a possuiro monopólio de representação no interior da máquinaestatal. Do ponto de vista legal, desde o princípio daRepública Nova as instituições corporativas pelasquais parcelas da classe trabalhadora obtinhamacesso aos direitos sociais encontraram acolhida nosdiplomas legais que então se fizeram vigentes. Defato, a instauração da primeira legislação social exten-siva no país transcorreu mediante a institucionalizaçãocontinuada de tais instituições, e não pode ser com-preendida sem elas. Como exemplo, podemos apontaro caso da organização do primeiro sistema previden-ciário no país, que nasceu limitado àquelas categoriasde trabalhadores cujo potencial de organização, ourelativa influência na estrutura administrativa doEstado, possibilitava impor ao erário público o ônusde sua sustentação financeira (a princípio, os ferroviá-rios e outros segmentos do funcionalismo público),obtendo amparo na legislação para a organização emanutenção de seus fundos de pensão.

Mas foi durante o período populista que, finalmente,a extensão de direitos sociais no país encontrou-sedefinitivamente selada pela marca corporativa, emvirtude de sua associação às modificações na legisla-ção trabalhista vigente, quase sempre impulsionadaspela pressão política daquelas camadas e categoriasmais bem organizadas e plenamente integradas àordem social competitiva.

É significativo o sentido da criação de novos servi-ços e de reestruturação da gestão dos serviços sociaisexistentes na época. Isso porque o modelo de coopta-ção instaurado pelas políticas populistas de Estadoencontrar-se-ia alinhado a iniciativas de privatizaçãodaqueles serviços de alguma maneira rentáveis, taiscomo os serviços médicos, previdenciários e de produ-

ção de habitações e, no período, ganharia força omodelo de prestação de serviços sociais sob gestãodo empresariado – como atesta a criação do ServiçoNacional de Aprendizagem da Indústria (SENAI), como objetivo de adequação da força de trabalho àsdemandas emergentes das empresas. Isso tambémporque àqueles serviços cujas características eramimpróprias à gestão privada – os serviços assisten-ciais, em particular – foi dada nova formulação, quesinalizava um reforço aos modelos de gestão científica,com a criação de serviços próprios (tais como creches,hospitais e lactários vinculados à Legião Brasileira deAssistência (LBA) e a criação da Fundação Estadualdo Bem Estar do Menor (FEBEM), encarregada dadifusão de serviços de atendimento social a criançasem situações de risco, a partir da perspectiva da edu-cação e da prevenção. A preocupação com a reformu-lação dos serviços de políticas sociais estender-se-iaainda ao campo da Previdência Social, resultando napromulgação da Lei Orgânica da Previdência Social,em 1960, que estabeleceu a uniformização dosbenefícios previdenciários (MESTRINER, 1992).

Dessa restruturação parcial, desenvolveu-se ummodelo de financiamento das políticas sociais queexpressava contundentemente as contradições doregime populista. De um lado, os serviços para osquais foi possível criar fontes de financiamento quecontavam com a contribuição de empregados eempregadores (o exemplo mais importante aqui é políti-ca previdenciária, à qual encontravam-se agregadosos serviços de assistência médica, habitação esaneamento básico); de outro, políticas inteiras depen-dentes exclusivamente do orçamento fiscal, tais comoa saúde pública, a educação, a suplementação alimen-tar e o transporte de massas (FAGNANI, 1989) 3 .

A combinação desse modelo de financiamentocom os mecanismos de cooptação do Estado popu-lista – que procurava antecipar-se às demandassociais dos movimentos organizados, esvaziando-lhesos conteúdos de reivindicação e produzindo respostasseletivas às demandas apresentadas – redundou noenfraquecimento dos direitos sociais da população,sendo os benefícios e serviços das políticas públicasconfigurados como privilégios de setores particularesda sociedade civil, oriundos de uma negociação políti-ca regulada e injusta. Isso se tornou ainda mais evi-dente com a interferência de organismos internacio-nais, que condicionavam o apoio financeiro externoao Brasil ao cumprimento de reformas sociais pelogoverno federal.

Enfim, em meados da década de 1960, o padrãode constituição das políticas sociais brasileiras jáhavia incorporado por completo as formas determi-

3 O Banco Mundial, em negociações com o governo brasileiro, foi o principal organismo internacional a interferir sobre o padrãodas políticas sociais no país. Como conseqüência mais importante dessa interferência, perderam força as ações de regulaçãono campo do trabalho e sobrevieram medidas de atenção às necessidades sociais ligadas ao saneamento básico e à educação.Tais medidas foram impostas, sobretudo, pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado em toda a América Latina, e noBrasil em particular, que tornava indispensável a constituição de políticas globais para o atendimento à questão social que seapresentava.

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nantes que caracterizariam as respostas à questãosocial no país. Em primeiro lugar, o privativismo,exemplificado pela transferência de parcela preponde-rante dos serviços prestados para a órbita de institui-ções organizadas no interior da sociedade civil,mantendo – agora sob forma mais sofisticada – aarticulação de pequenos núcleos de poder social emtorno da assistência pública. Em segundo lugar, ocaráter seletivo das políticas implementadas, desti-nadas quase que exclusivamente aos segmentossociais incorporados ao mercado de trabalho (isto é,à nova dinâmica econômica e social originada com aindustrialização acelerada), o que ocasionava umaextensão vagarosa e parcial dos serviços públicos àsclasses subalternas. E, em terceiro lugar, o carátercorporativo das políticas sociais desenvolvidas, queimpunha um traço de iminente desigualdade na criaçãoe expansão dos direitos sociais adquiridos pela classetrabalhadora, recaindo sobre aqueles contingentesmais numerosos e menos organizados, o ônus dafalta de assistência pública às demandas coletivasde vida e trabalho.

4 Políticas Sociais no Autoritarismo Recente

No princípio da década de 1960 o contexto políticobrasileiro prenunciava uma era de grandes transforma-ções sociais. Nos mais diversos campos da vidanacional eclodiam movimentos sociais de amplitudeabrangente. Das ligas camponesas, no meio ruralnordestino, ao movimento pelas reformas de base nocentro-sul desenvolvido, as reivindicações popularesdo período produziam permanente mobilização nointerior da sociedade, dotando de grande expressãoas bandeiras de lutas sociais das classes subalternas.Como vimos, o contexto político populista podiaoferecer respostas apenas parciais aos movimentosde reivindicação popular.

Mas, a extrema politização do período não mobili-zaria apenas as classes populares. Dada a extensãoda mobilização por reformas na época, os setoresconservadores da sociedade esboçariam rápida reaçãoàs manifestações populares, através da legitimaçãode organismos institucionais que funcionariam comoporta-vozes do pensamento conservador e de iniciati-vas de mobilização de forte apelo moral, que tinhampor propósito opor-se às propostas reformistas, res-guardando o status quo existente sob o véu de valoresideológicos tradicionais4 . O resultado desse embatepolítico seria a derrubada do governo constitucionaldo país, seguido da instauração de um regime ditato-rial, sustentado e regido pelas forças militares nacio-nais. Chegava ao fim a era dos governos populistasno Brasil.

O advento da ditadura militar brasileira transformoupor completo a conjuntura política e social do país,antes francamente favorável ao crescimento dos movi-mentos sociais. O regime autocrático estabeleceuuma forte repressão a toda espécie de mobilizaçãopopular, relegando as lutas sociais em curso ao planoda ilegalidade e tornando necessária, para manter emevidência as reivindicações por melhorias na qualidadede vida da população, a incorporação da bandeirapolítica de restauração do Estado de Direito no país.Com efeito, o autoritarismo burocrático que se prenun-ciava e a repressão violenta às organizações da socie-dade civil deixavam sem alternativa política os movi-mentos sociais constituídos. Se as respostas parciaisdos governos populistas a suas reivindicações haviamlhes parecido insuficientes, eram agora preferíveis àausência total de respostas por parte do novo regime.

Do ponto de vista dos movimentos sociais, contes-tar a legitimidade política dos governos autoritáriosapresentava-se como única forma de abrir espaço paraas reivindicações populares na agenda política doperíodo. Os governos militares, de sua parte, necessi-tavam alcançar algum grau de legitimidade, a fim desuperar a fase inicial de instabilidade que se seguiuao golpe de Estado de 1964. O caminho encontradopara buscá-la seria uma consistente intervenção sobreos rumos do desenvolvimento econômico e social dopaís, modificando-lhe o caráter e construindo umaalternativa às propostas reformistas que haviamorientado a constituição dos movimentos sociais nosprimeiros anos da década de 1960. Se retornarmos àanálise das causas que determinaram o fracasso domodelo populista, evidenciaremos claramente comoessa alternativa poderia ser construída.

O colapso do populismo no país possui um signifi-cado mais profundo que a simples substituição dasfrações de classe instaladas no aparelho do Estadobrasileiro. O populismo distinguia-se das formas tradi-cionais de exercício do poder por supor, antes e no de-correr dos processos de legitimação, que implementa-va uma estratégia política de desenvolvimento econô-mico.

A longo prazo sua própria estabilidade políticarequeria a identificação das ações políticas dos gover-nos, com um consistente processo de desenvolvi-mento do país, de modo que o agudo clima de instabili-dade verificado no seu último período pode ser emparte creditado à crescente insuficiência de respostasgovernamentais à crise social que se avizinhava dohorizonte nacional. Essa deficiência demonstrava aossetores organizados da população – fossem oriundosdas classes subalternas ou vinculados aos setoresconservadores da sociedade – que o modelo populistajá não serviria a qualquer das propostas de desenvolvi-mento econômico-social em curso.

4 A “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”, transcorrida no Rio de Janeiro na década de 1960, consistiu numa dasmanifestações mais importantes dessa reação conservadora, e evidenciava em sua própria denominação os valores ideológicosincorporados ao discurso anti-reformista da época.

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Em torno da questão social se daria, portanto, oprimeiro confronto por busca de legitimidade entre osmovimentos sociais populares e o governo autocrático-militar. De um lado, figuraria a expressão de reivindica-ções políticas e sociais ainda identificadas com aperspectiva desenvolvimentista do período anterior, queprocurava afirmar a preservação de direitos adquiridosna legislação social vigente e expandir os serviçosdestinados à população, a fim de universalizar-lhes oacesso5 ; de outro, estaria o projeto político-institucio-nal do novo regime, orientado para a busca de estabili-dade social e a afirmação da nova ordem política nopaís.

Sob essa ótica, podemos lançar luz ao sentidodas mudanças introduzidas pelos governos militaresna legislação social brasileira. Basicamente, essasmudanças estiveram direcionadas para fornecer res-postas às reivindicações que impulsionavam os movi-mentos populares de contestação ao regime, propon-do, de um lado, a ampliação qualitativa dos benefíciosexistentes – como, por exemplo, a extensão dedireitos previdenciários a trabalhadores rurais e empre-gados domésticos – e, de outro, uma expansão quanti-tativa dos serviços governamentais, que era apresen-tada ao público como solução para a universalizaçãodo acesso aos serviços de educação e, mais especial-mente, de saúde e habitação. Não obstante a veicula-ção dessa imagem, o objetivo real de tais medidasera a limitação da base social dos movimentos popula-res emergentes, e seu resultado concreto consistiuna centralização expressiva das políticas de desenvol-vimento, no acirramento do controle de seus serviçospela burocracia governamental e no recrudescimentodas práticas clientelistas antes minimiza-das com oencerramento do populismo. Sob o manto de umafalsa neutralidade gerencial, as políticas sociais doperíodo adquiririam um traço contundentemente tecno-crático e, amplamente burocratizadas, se encontra-riam à mercê dos grupos e associações de interessesindividuais e corporativos que gozavam de ascendênciasobre as instâncias decisórias de governo.

Dessa transformação inicial emergiria um novopadrão de políticas sociais no país, no qual a Uniãoimplementaria uma forma de gestão centralizada dosprogramas sociais em desenvolvimento, substituindoo antigo modelo fragmentado de gestão e unificandosob seu controle os recursos, serviços e benefíciossetoriais. Com isso, o governo militar conseguia daruma resposta diferenciada das anteriores à questãosocial no país, procurando auferir dividendos políticoscapazes de dotar da estabilidade necessária o novoregime.

Se, por um lado, não se tratava ainda de qualquerampliação significativa dos direitos sociais no país,

5 A reivindicação por serviços de acesso universalizado, por prematura que aparente ser, encontrou consistente base política parasua proliferação, porque parecia simbolizar a retomada da proposta de edificação de uma sociedade igualitária num contexto deprogresso econômico, desenvolvimento social e melhoria das condições de vida, que as camadas populares haviam projetado noperíodo de sucesso das políticas econômicas desenvolvimentistas no país.

por outro, a readequação dos programas sociaisexistentes possibilitava ao governo realizar um novoconjunto de ações estratégicas, que se anunciavamcom o propósito de diminuir as disparidades do desen-volvimento regional brasileiro, mas que se reduziam,na prática, ao direcionamento de grandes quantiasfinanceiras para os cofres da União, que se faziamnecessárias para equilibrar o orçamento público eresponder às demandas por novos investimentossociais.

O exemplo particular da política de previdênciasocial ilustra precisamente o que afirmamos acima.A reforma previdenciária da década de 1970 foi iniciadacom a ampliação da cobertura dos benefícios existen-tes, que foram estendidos, entre outras categorias,aos trabalhadores rurais, empregados domésticos etrabalhadores autônomos. Paralelamente, o aparelhogovernamental de administração previdenciária foireorganizado, com a criação do Ministério da Previdên-cia e Assistência Social e a transferência dos hospitaise lactários para a alçada do Ministério da Saúde. Aomesmo tempo, novas fontes de recursos para aspolíticas sociais eram definidas, com a criação defundos de financiamento constituídos por poupançacompulsória, a saber, o Fundo de Garantia por Tempode Serviço (FGTS),o Sistema Nacional de Previdênciae Assistência Social (SINPAS), o Programa deIntegração Social (PIS) e o Programa de Assistênciaao Servidor Público (PASEP).

Centralizavam-se, no âmbito do Governo Federal,os serviços e recursos das políticas sociais no país,impondo um esvaziamento das ações e responsabili-dades dos governos regionais e locais, com a ausênciade Estados e municípios na execução dessas políti-cas públicas. A questão social era incorporada aoregime autocrático como ação estratégica de manuten-ção da estabilidade política e social no país.

Desse modo, foi levada a termo uma significativareformulação dos mecanismos de gestão e de contro-le das políticas sociais que, por força do contextopolítico daquele momento, redundaria de imediato naexclusão da participação popular em qualquer formade controle sobre as políticas desenvolvidas. Movimen-tos sociais, sindicatos e partidos políticos encontra-vam-se alijados do processo de discussão e avaliaçãodas políticas, reforçando-se ainda mais o carátertecnocrático de sua gestão. Nas palavras de Paula:

Eliminaram-se, assim, todos os mecanismos decontrole público, considerando ainda que asdiretrizes básicas das políticas sociais não eramsequer objeto de discussão no Congresso Nacional(PAULA, 1992, p. 124).

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Desprovido de mecanismos de controle público, onovo padrão de políticas sociais do país reproduziriamuito do que havia de pior nos modelos que o antece-deram. Sobretudo a seguridade social seria organizadacom forte caráter assistencialista. Além disso, osserviços criados ou encampados pelo governo federalse tornariam progressivamente mais seletivos, restrin-gindo-se o atendimento da população e confiando-separte expressiva dos serviços a iniciativas filantrópicas.De modo geral, foi regra no período a redução ou nega-ção de direitos estabelecidos na legislação, ora porforça da crise financeira da previdência social, ora comoefeito dos modelos privatizantes realizados na saúde,ora finalmente pelo descaso aberto do Estado em rela-ção aos excluídos do sistema formal previdenciário.

No final da década de 1970 o modelo de desenvolvi-mento instaurado pelo regime militar daria seusprimeiros sinais de esgotamento. O fim do “milagreeconômico brasileiro” já podia ser sentido nos últimosanos da década e, no período de 1977 a 1982, agrava-ram-se as condições gerais de vida da população,fazendo ressurgir, agora com força renovada, osmovimentos sociais de reivindicação.

Em 1979, aconteceu em São Paulo e em BeloHorizonte o movimento das favelas. Nestas mesmascidades, no período subseqüente, somaram-se a esteos movimentos de luta por creche. O transporte coletivotambém foi motivo para manifestações em muitascidades brasileiras e obteve grande repercussão atémesmo entre os setores patronais, pois desempenha-va função estratégica na determinação das possibilida-des de recrutamento da força de trabalho pelasempresas. Em 1982, o Movimento Contra a Carestiaganharia expressão nacional, reunindo sob suasbandeiras amplas reivindicações populares e promo-vendo mobilização em todo o território nacional.

Os anos 80 seriam identificados como a “décadaperdida”, especialmente pelo período recessivo que opaís conheceu entre 1981 e 1983. Nesse contexto degrave crise econômica, a atividade industrial no paíscaiu em quatro por cento, ocasionando um crescimen-to acelerado do desemprego e acentuada defasagemno valor real dos salários pagos para a força detrabalho. Ambas as circunstâncias agravavam aindamais as já comprometidas condições de vida, porqueresultavam, numa ponta, na generalização da pobrezae, noutra, na geração de uma importante crise fiscal,que tornava ainda mais precária a manutenção daspolíticas sociais conduzidas pelo Estado:

O aumento do desemprego e da miséria ocorridono período de 1979 a 1983 ampliou o já dramáticoquadro de carências sociais: desnutrição, profu-são de doenças endêmicas, baixa taxa de esco-larização, favelização da população urbana eaumento da mortalidade infantil nas áreas maiscarentes. Em face do aumento das demandassociais, a oferta de bens e serviços públicos

revelou-se aquém das necessidades, ampliandoo déficit social (MEDEIROS, 1989, p. 189).

Antevendo os efeitos da crise social dos anos 80,o governo federal já concluíra, ainda durante a crisedo petróleo, que os recursos fiscais de que disporiaseriam por demais precários para a manutenção daspolíticas sociais sob sua responsabilidade. Pressio-nado por um desempenho econômico aquém do espe-rado, e pela perspectiva de degradação do quadro eco-nômico futuro que a conjuntura internacional prenuncia-va, o governo federal recuou na sua política de investi-mentos sociais e em infra-estrutura, passando a adotarum programa de controle rígido do orçamento público.

Os efeitos dessa nova condição financeira seriamrapidamente sentidos no campo das políticas sociais.O sistema educacional passou a ter seu orçamentolimitado a percentual fixo da arrecadação auferida, eperdeu rapidamente sua capacidade de investimento,abandonando as metas de médio e longo prazo ante-riormente traçadas para o setor. O sistema previden-ciário, diante da perspectiva de restrição financeira,redimensionou suas alíquotas de arrecadação e limitouos benefícios pagos, buscando obter por meio dessasmedidas o equilíbrio orçamentário perdido com ainsuficiência de recursos do tesouro nacional para suamanutenção. O caráter seletivo das políticas sociaisfoi ainda mais acentuado pelo novo conjunto de normasadministrativas, que passaram então a regular oacesso aos direitos sociais previstos na legislação.

O regime autoritário havia definitivamente optadopela reforma conservadora das ações do Estado. Coe-rentemente com sua opção política, tratava no momen-to de produzir o ajustamento conservador necessárioà manutenção das suas prioridades institucionais nogoverno (DRAIBE, 1988). Que para isto fosse neces-sário tornar ineficaz o frágil sistema de seguridadesocial, construído ao longo dos anos anteriores, poucoimportava na estratégia global do governo federal, quebuscava reequilibrar a situação econômica do país,se possível retomando as bases do antigo surto decrescimento experimentado durante o período do“milagre econômico”.

Segundo a ótica governamental, a forma funda-mental de tal retomada deveria consistir na imposiçãoà população de contingenciamento no consumo,necessário à geração de poupança interna capaz decatapultar os níveis de produção da economia nacional,para esperar os frutos do crescimento a ser alcançado.Não havia, na estratégia anunciada pelo governo,qualquer menção à necessidade premente de comba-ter a pobreza, nem sequer ampliar o acesso da popula-ção pauperizada às políticas sociais. Ao contrário,na expressão de um analista da época, resume-se aatitude governamental em relação a estes contin-gentes: “aos condenados da terra, o equilíbrio fiscal”(FIORI, 1997, p. 79).

O colapso do regime militar teria no agravamentodas condições de vida das classes subalternas do

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país uma de suas facetas mais reveladoras. Emcontrapartida, os movimentos sociais que nele ressur-giram apontavam claramente as necessidades sociaisque os motivavam, e a restauração do regime demo-crático como etapa necessária à reversão da agudacrise social que se experimentava. Devido a essapercepção, as ações políticas protagonizadas poraqueles movimentos convergiriam em sua quase tota-lidade para campanhas pela restauração do Estadode Direito e das liberdades civis e políticas no país.

A reivindicação de democracia política surgia, pelaprimeira vez na história recente do país, dotada deum caráter substantivo, através da associação diretaentre os objetivos da restauração democrática e demelhoria na qualidade de vida da população. Mais queum valor formal, a reivindicação por democraciaconsistia realmente num instrumento para o resgatedas desigualdades sociais brasileiras.

Não era sem razão essa associação. De fato, aresistência ao regime autoritário e a luta pela demo-cracia constituíam outra vez o único caminho políticopossível para a classe trabalhadora da sociedade. Oagravamento da crise econômica fizera o governo optardefinitivamente por assegurar apenas a segmentosda elite nacional os investimentos públicos necessá-rios à sua integração no mercado competitivo. A eco-nomia nacional crescera em valores, sem que issose refletisse positivamente na condição geral de vidada população trabalhadora. Ao contrário, os níveis dedesigualdade social aumentavam rapidamente. Abandeira política da democracia substantiva, comoforma de alcançar o resgate das condições dignas devida da população, convertia-se realmente na únicapossibilidade concreta de instauração das condiçõesde bem-estar social almejadas.

Podemos compreender, portanto, que no momentode busca das liberdades democráticas, ao lado damobilização estritamente política – da qual o Movi-mento pela Anistia foi o exemplo maior – novasbandeiras sociais tenham ganho expressão, especial-mente com a emergência do movimento sindicalpaulista. Preconizando o confronto organizado contraa política econômica governamental, o movimentosindical protagonizou, no principal centro econômicodo país, as greves que comtribuiram para o esgota-mento final da legitimidade do regime militar.

Finalmente, o desencadeamento do Movimentocontra a Carestia, ao qual já nos referimos anterior-mente, desnudou aos olhos da população os limitesdo governo autoritário, ao mesmo tempo em queembalava a eleição de governos oposicionistas nosprincipais Estados da Federação. A tarefa para essesgovernos oposicionistas ia além de realizar um períodode liberdades democráticas formais: deveriam tornar-se instrumentos de minimização das desigualdadessociais, gerando maiores níveis de integração sociale melhora nas condições de acesso dos trabalhadoresaos benefícios do crescimento econômico. Consistia,

como objetivo de longo prazo, na busca da consoli-dação de uma democracia social no país. Todavia, oreordenamento das políticas sociais no país somenteseria iniciado após o final do último governo militar.

5 Políticas Sociais na Transição Demo-crática: o período da Nova República

O contexto político e econômico da primeira meta-de dos anos 80 recolocou a questão social na agendapública da sociedade brasileira. O esgotamento domodelo de desenvolvimento baseado em forte desem-penho das exportações primárias, que se fizera sentirdesde os fins da década anterior e que se acelerounaqueles anos, aprofundou ainda mais a crise econô-mica e social vivenciada. Politicamente, a emergênciade novos e mais intensos movimentos sociais tornarao problema da “dívida social” parte obrigatória dodebate em torno da transição para a democracia. Oresgate da “dívida social” passou a consistir, a partirde então, em bandeira política legitimadora dainstauração de uma nova ordem democrática.

Cardoso (1994) apresenta-nos uma análise dosmovimentos sociais na fase da transição para ademocracia no Brasil, interpretando-os de acordo como papel que desempenharam na constituição dasnovas políticas públicas do período. De acordo com aautora, duas grandes fases identificam os movimentossociais da época. A primeira, que remonta ao últimociclo do período militar, caracterizou-se por uma“emergência heróica dos movimentos”, que cumpriamo papel de combater frontalmente as políticas desen-volvidas pelo aparelho governamental. A segunda,tipicamente localizada nos processos de ascensãodas oposições ao poder (tanto na esfera estadual,quanto na esfera federal), caracterizou-se por umaprogressiva institucionalização desses movimentos,que passaram a interagir diretamente com as agênciasgovernamentais encarregadas do planejamento egestão das políticas públicas.

De fato, a vitória maciça das oposições nas elei-ções estaduais de 1982 criou as condições políticasnecessárias para que se pudesse forjar uma respostademocrática das agências públicas de desenvolvi-mento às reivindicações apresentadas pelos movimen-tos sociais. De modo gradual e constante, a adoçãode uma nova postura política na gestão das agênciaspúblicas passou a incorporar suas demandas,chegando-se a criar, em alguns casos, esferas de parti-cipação popular, na forma de conselhos não-delibera-tivos. Se isso ainda era pouco no que tange à necessi-dade de constituição de formas de controle públicosobre a definição das políticas de governo e sobre aexecução dos serviços destinados à população, poroutro lado, representava um importante canal atravésdo qual os movimentos sociais podiam exercer pres-são sobre as instâncias de decisão governamental.

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Não se presuma, entretanto, que o processo deincorporação das demandas sociais pelas agênciasgovernamentais tenha transcorrido sempre de formaprogressiva e linear. Ao contrário, isso constituía umprocesso tenso e contraditório, por vezes errante, noqual se operavam mudanças em ambos os pólos darelação. Se, de um lado, as mudanças no interior daesfera governamental tinham de se produzir no sentidoda criação de novos espaços institucionais de intera-ção com a sociedade civil organizada, de outro, a dinâ-mica dos movimentos sociais em curso era profunda-mente afetada pela necessidade de forjar consensosentre setores cuja atuação concentrava-se em áreascomuns. Quando esses consensos não eram construí-dos, pela existência de propostas inconciliáveis oudevido à dificuldade de afirmação de lideranças, osmovimentos não logravam interferir consistentementesobre os processos de decisão no aparelho de Estado.Via de regra, essa insuficiência ocorreu naquelessetores da classe trabalhadora cuja condição de vida,seja em virtude de laços históricos recentes a uni-los, seja em virtude do esvaziamento da participaçãopopular, não lograva a formação de uma clara identi-dade social, tal como os movimentos das populaçõesde favelas e de loteamentos clandestinos nos grandescentros urbanos.

Mas o papel central desempenhado pelos movi-mentos sociais no contexto da transição para a demo-cracia consistiu na afirmação de direitos sociais nanova ordem que se inauguraria. Com efeito, para oreconhecimento dos direitos sociais no país, foi essen-cial a reconstituição de espaços públicos de discus-são, através dos quais foi possível trazer para o interiorda nova ordem institucional, entre outros, os aspectosda assistência social que anteriormente se encontra-vam tradicionalmente circunscritos ao âmbito da esferaprivada. Isso produziu imediatamente uma novapolitização da questão social no Brasil e permitiu aincorporação dos estratos excluídos da sociedade àarena da negociação política.

Referindo-se ao processo de constituição dosdireitos na sociedade moderna, Telles salienta acondição de negociação na qual:

[...] os direitos operam como princípios regula-dores das práticas sociais, definindo as regrasdas reciprocidades esperadas na vida em socie-dade através da atribuição mutuamente acordada(negociada) das obrigações e responsabilidades,garantias e prerrogativas de cada um (1994, p.92).

A colocação da autora certamente não esgota aabordagem que poderíamos fazer sobre o papel dasrelações de classe (isto é, da luta política) na constitui-ção do direito contemporâneo. Contudo, interessa-nosaqui apenas destacar as condições sob as quais tem

de transcorrer a negociação política para afirmação ereconhecimento dos direitos sociais na esfera institu-cional. Num contexto democrático, a etapa final daslutas sociais que resultam na instituição de novosdireitos ou, simplesmente, na expansão da abrangên-cia de direitos antigos, tem de processar-se natural-mente através de intensa negociação política nasesferas decisórias do poder.

No processo de negociação política por direitossociais os grupos envolvidos apresentam, na maiorparte das vezes, diferenças de identidade e propostas,originárias da diversidade de condições concretas devida que experimentam, da desigualdade social quecaracteriza a inexistência (ou ineficácia) dos direitose dos diferentes resultados da crise social sobre ossegmentos envolvidos nessa negociação. Em facedessas diferenças, a consolidação de processosdemocráticos no espaço público torna-se fator estraté-gico para possibilitar a expressão das diferentesdemandas e perspectivas sociais, que abrem cami-nhos de negociação entre forças contrárias. Numapesquisa sobre os processos de constituição dosdireitos sociais em contextos democráticos, Dagnino(1994) salienta como a afirmação de direitos extrapolaa conquista legal, conformando-se como um processode permanente evolução das lutas e conquistas políti-cas dos sujeitos sociais demandantes. Dessa pers-pectiva, em oposição a qualquer definição exterior aosmovimentos sociais, somente podemos identificar acriação de direitos a partir da expressão, por partedos próprios sujeitos sociais ativos, dos pleitos queos moveram e da maneira como almejam implementá-los.

Isso é ainda mais evidente quando se analisa aresposta dos agentes sociais à definição de “ordemdemocrática”: dentre as alternativas de definiçãoapresentadas, os entrevistados na pesquisa da autoracitada escolheram como mais importante aquela queexpressava a igualdade social, sem discriminação desexo, raça ou classe social. Mais que uma idéia abs-trata sobre a consistência formal da ordem demo-crática, essa expressão aponta para a perspectiva daconstituição de uma democracia substantiva:

O que esses resultados indicam é que a existên-cia do autoritarismo social e da hierarquizaçãodas relações sociais é percebida mais do que adesigualdade econômica ou inexistência deliberdade de expressão, organização sindical epartidária, como um sério obstáculo à construçãoda democracia (DAGNINO, 1994, p. 106).

O caminho através do qual os benefícios e serviçossociais deixariam de ser apresentados como“concessões”, para se converterem em “direitos” daspopulações necessitadas, conduziria, portanto, àedificação de uma nova ordem democrática. Tratava-

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se naquele momento de instaurar no país, talvez pelaprimeira vez em sua história, uma democracia social.

Por isso, a reconstituição de espaços públicos,que responderiam às novas demandas sociais, e apolitização da questão social no Brasil resultariam,em primeiro lugar, num questionamento crescente doautoritarismo burocrático que vigorava sobre a gestãodas políticas sociais no país e, em segundo lugar, natransformação do caráter facultativo com que haviamnascido os serviços sociais governamentais, incorpo-rando-se às funções do Estado a prestação de serviçosobrigatórios e permanentes, destinados ao atendimen-to das demandas sociais dos segmentos populacio-nais pauperizados, que deveriam ter, a partir de então,suas demandas acolhidas em totalidade no âmbitodas políticas sociais. O antigo benefício seria entãotransformado em direito, não apenas por concessãogovernamental, mas porque a nova ordem democráticapreconizaria o direito fundamental de todos oscidadãos, o “direito a ter direitos”, fundamento dacidadania e dos pilares da nova ordem democrática,a participação política e a igualdade social (DAGNINO,1994).

Essa percepção inovadora sobre os direitos sociaisno país caracterizou o momento inicial de restauraçãodemocrática, especialmente no que concerne ao trata-mento dado à questão social, e orientou um esforçopela busca de novo ordenamento institucional, quepossibilitasse alcançar maior efetividade nas políticasgovernamentais em resposta às demandas sociaisexistentes. O governo da Nova República inicia suatrajetória num contexto no qual a gravidade da questãosocial tinha de ser claramente reconhecida pelosórgãos do Estado: a introdução de agentes políticosautônomos, portadores dos interesses da classe traba-lhadora da sociedade na política brasileira, proporcio-nou um rompimento com a tradição de tutela aos movi-mentos sociais. A consolidação da ordem democráticae a resposta às demandas sociais existentes teriamde ser forjadas num único processo de luta políticaque se iniciava nos quadros da abertura: confundiam-se mutuamente a luta pela reforma agrária e a extensãoda legislação trabalhista ao campo, a reorganizaçãodas instituições de representação da sociedade civile a bandeira da escola pública e gratuita, a criaçãode Conselhos de representação popular e a edificaçãodo Sistema Único de Saúde.

Os movimentos sociais que haviam despontadono final do ciclo militar aceleravam-se, intensificandosua atuação nos primeiros anos da Nova República.O envolvimento da sociedade civil nas lutas dereivindicação protagonizadas pelos movimentos organi-zados emprestava-lhes ainda mais legitimidade, alçan-do à posição privilegiada a expressão das demandassociais da população. A reivindicação por novaspolíticas sociais era dirigida diretamente ao Estado,forjando-se as bases do consenso político que resulta-ria na configuração do novo ordenamento constitucio-nal brasileiro.

Nesse processo, a identidade coletiva dos movi-mentos e lutas sociais teria de ser constituída a partirda similaridade de carências na vida cotidiana dossegmentos da população envolvidos. De fato, a substi-tuição da tradicional noção de “segmentos necessi-tados da população” pela de “cidadãos possuidoresde direitos sociais” mostrou-se como concretizaçãofinal dessa identidade coletiva. O conteúdo amplo deseu significado consistia concretamente na conjunçãodas aspirações por liberdade política e igualdadesocial, que orientava o processo de abertura democrá-tica e a mobilização dos movimentos sociais daquelesanos.

O resultado mais importante dessa conjunção seriaa formação de um novo paradigma para as políticassociais no Brasil. Em oposição ao antigo padrãoautoritário e excludente, as propostas dos movimentossociais em relação às políticas sociais convergiampara o objetivo de superar o caráter seletivo dos servi-ços públicos destinados à população. As expressõesdesse objetivo tomaram as mais diversas formas,conforme as áreas de atuação dos diferentes movimen-tos: o movimento sindical empunhou a bandeira dereformas profundas na legislação trabalhista, comomeio de alcançar melhorias nas condições de vida dapopulação; o movimento dos sem-terra, os sindicatosde trabalhadores rurais e a Pastoral da Terra retoma-ram com mais intensidade a reivindicação por reformaagrária, situando-a como questão fundamental para aconsolidação da ordem democrática no Brasil; de outraparte, movimentos ligados a lutas étnicas e de sexo,associações de bairros, grupos ecológicos e toda sortede “movimentos de minorias” também se mobilizavamcom o propósito de construir uma “democracia paratodos”, na qual os direitos sociais exerceriam o papelde fundamento do novo pacto social.

A ação dos movimentos sociais influenciou aformação da agenda governamental da época. Osobjetivos das novas políticas públicas refletiam estainfluência e se relacionavam à necessidade deconstituição das bases de uma transição pactuada,instrumento necessário para alcançar a realização dasaspirações políticas e sociais que haviam inspirado aluta democrática. O momento requeria uma sinaliza-ção clara de que as reivindicações populares seencontravam no horizonte governamental, mas aomesmo tempo condicionava estreitos limites às açõesdo Estado, originados do agravamento do quadroeconômico e social e da duradoura crise fiscal que seiniciava no país.

A saída encontrada pelo governo da Nova Repúblicafoi a proposição de medidas modificadoras das políti-cas setoriais que, se não eram tidas como transfor-madoras do modelo de seguridade social existente,ao menos incorporavam medidas emergenciais deatendimento às reivindicações sociais mais agudas.Isso foi, ao mesmo tempo, a força e a fraqueza dopacto social da Nova República: se, de um lado, deuao governo margem de manobra para operar a proposta

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de transição pactuada, de outro delimitou estritamenteas iniciativas de mudança do padrão das políticassociais do país.

Nesse contexto, a institucionalização dos movi-mentos sociais a que nos referimos no início dessaseção demonstrava-se uma estratégia eficaz deafirmação dos direitos sociais da população. A evidên-cia maior desse fenômeno foi a formação, tanto nasesferas de governo quanto nos meandros da sociedadecivil, de um consenso político em torno da necessidadepremente de resgate da “dívida social” do país. Estavaclaro que a legitimidade da transição pactuada para ademocracia dependeria fundamentalmente de algumaminimização das desigualdades sociais, alcançadaatravés da intervenção governamental nos rumos dodesenvolvimento econômico e social do país. A legisla-ção social, nesse contexto, ganhava o sentido precisode instrumento, pelo qual a sociedade civil poderiainfluir nas ações do Estado, provocando no interior doaparelho governamental respostas institucionais àsdemandas dos segmentos desassistidos das classessubalternas.

A fim de responder à necessidade de redução dasdesigualdades sociais, o governo federal propôs duasmetas essenciais à sociedade civil: elevar as taxasde crescimento econômico para reverter o quadro decrise social no médio e longo prazo e, de imediato,atender a situações emergenciais referentes à condi-ção de vida a que se encontravam submetidos osestratos mais pauperizados da população. A operacio-nalização dessas metas balizou a proposta e implanta-ção do I Plano de Desenvolvimento da Nova República.

As postulações contidas no documento apontavampara a necessidade de enfrentar o quadro de desigual-dades sociais com profundas alterações no âmbitoeconômico e com ações de curto prazo para assituações de emergência. Contudo, apesar de expora preocupação em associar crescimento econômicoà recuperação de melhores condições de vida e dedefinir segmentos prioritários para a extensão daspolíticas sociais, as metas a serem alcançadas e asestratégias a serem implementadas não se encontra-vam bem delineadas, o que dificulta a avaliação quepodemos realizar a posteriori para identificar oprogresso de sua efetiva implementação e o grau deeficiência que possa ter alcançado.

Quanto à extensão dos direitos sociais no país,pela modificação da legislação social vigente e daação governamental nas políticas sociais, a análisenão nos deixa dúvidas quanto ao caráter completa-mente negativo do resultado produzido. O que seconstatou foi a dificuldade de levar a termo as reformasestruturais necessárias, sobretudo nos campos daseguridade social, da educação e da saúde. A ausên-cia de consolidação de um novo padrão de intervençãogovernamental nestas áreas frustrou as propostas“progressivas” que mobilizavam grupos organizados,e desgastou a base política do governo, imobilizandoas ações dos órgãos de políticas sociais.

Desta forma, as políticas setoriais desenvolvidasno período da Nova República encontraram-se eivadasde contradições demasiado fortes, que poderiam serresumidas numa contradição central: a inexistênciade um padrão de financiamento dos serviços e bene-fícios sociais relacionado à diversidade quantitativa equalitativa de demandas nas diferentes regiões do país.Esta ausência de uma forma adequada de distribuiçãoeqüitativa de recursos constituiu a causa mais impor-tante das distorções intra e inter-setoriais no desenvol-vimento das políticas sociais e do fracasso de progra-mas destinados a combater a pobreza. Como umagrande parcela dos recursos financeiros disponíveisencontrava-se comprometida com o subsídio a progra-mas destinados às necessidades da classe média(principalmente no campo da habitação, mas tambémnos da previdência social, saúde e educação), poucorecurso sobrava para aqueles programas dirigidos parao atendimento à população mais pauperizada, ocasio-nando aguda ineficiência nos serviços a eles vincula-dos e a acentuação da condição de pobreza daquelapopulação (CASTRO e FARIA, 1989).

A despeito dessa condição inicial, é preciso assi-nalarmos os avanços conquistados pela ação dosmovimentos populares que reivindicavam melhorias naspolíticas sociais governamentais. Ainda que de formainconstante e diversificada, podemos apontar uma recu-peração no padrão de gastos e investimentos, espe-cialmente nas políticas de seguridade social (nas áreasda saúde e previdência social), além das áreas de nu-trição, educação, cultura e trabalho (CASTRO e FARIA,1989).

Os serviços de atenção à saúde, por exemplo,começaram a ser reorganizados a partir da perspectivade uma reforma sanitária e das diretrizes que acaba-ram por constituir o sistema único e descentralizado.A proposta de criação do Sistema Único de Saúdeera, aliás, bandeira de atuação unificadora dos diversosmovimentos sociais que atuavam na área e que abran-giam desde a organização corporativa dos profissio-nais da área, até segmentos de grande participaçãopopular, como as pastorais e associações de usuários.Contudo, a adoção dessas novas diretrizes não alcan-çou a solução para importantes problemas existentesna época, tais como a necessidade de subverter aênfase dada aos serviços curativos e individuais – emdetrimento dos serviços preventivos e coletivos quese faziam necessários – e a ineficiência dos progra-mas nacionais de combate a endemias que, falhandono controle dessas enfermidades, provocaram a voltaao cenário nacional de doenças há muito erradicadas:a febre amarela, a malária, a dengue e a tuberculose.

Também no campo da Previdência Social, asmudanças propostas não lograram produzir resultadosconsistentes na melhora dos benefícios previdenciáriospraticados no país: o maior crescimento de recursosfoi verificado com a criação do seguro-desemprego.Pouco se fez no que tange ao pagamento de aposenta-dorias e pensões. Em função do déficit corrente nas

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contas da Previdência que persistia nos últimos anosdo período militar, o governo federal elegeu comoprioridade alcançar o equilíbrio orçamentário e, paraisso, engendrou ações a fim de obter maior eficiêncianas operações de arrecadação e de controle dos paga-mentos efetuados, ao mesmo tempo em que iniciavaestudos para restruturação administrativa do sistema.Como resultado da contribuição do grupo de trabalhoconstituído com essa finalidade, foi elaborada umanova proposta de Lei Orgânica da Previdência Sociale ampliou-se a participação popular na gestão dapolítica previdenciária, com a criação de conselhoscomunitários regionais e do Conselho Superior daPrevidência Social, que contavam com a participaçãode representantes dos trabalhadores, da classe patro-nal e do Estado. Assim, abriram-se dois canais departicipação popular dentro da rígida estrutura do Mi-nistério da Previdência e Assistência Social (CASTROe FARIA, 1989).

Finalmente, para a política de Assistência Socialpodemos verificar, nos relatórios da época, um au-mento no nível de recursos empregados (CASTRO eFARIA, 1989). Porém, o agravamento da crise socialno país durante os primeiros anos da Nova Repúblicae após o fracasso do Plano de Estabilização Econô-mica, operado pelo governo federal, fez aumentar deforma mais que proporcional o número de usuáriosdos serviços assistenciais, sem produzir um efetivoaumento do gasto com a política de assistência social.

Além disso, a assistência social foi a única áreana qual não se produziram avanços significativos naforma de gestão dos serviços, acentuando-se, emmuitos casos, o assistencialismo, o clientelismo e aseletividade de seus serviços, que haviam marcadotoda sua história anterior. Apenas no início da décadade 1990, após a instauração da nova ordem constitu-cional e a promulgação da Lei Orgânica de AssistênciaSocial, é que mudanças significativas se fizeram sentirna gestão da política de assistência social levada acabo no país.

Enfim, podemos caracterizar sumariamente ogoverno da Nova República como o momento no qualse colocaram definitivamente os desafios da universali-zação, descentralização e nova hierarquização dosserviços nas políticas sociais brasileiras. Sem dúvida,foi a diversidade de reivindicações trazidas à tona pelosvários movimentos sociais em atuação no país, queconferiu a importante dimensão possuída pelas inova-ções de gestão e de participação política introduzidasno período. Mas, apesar disso, a resposta governa-mental (e não apenas no nível federal, mas tambémnas esferas regionais e locais) foi quase sempre marca-da pelo clientelismo, privilegiando-se ações emergen-ciais de pronto-atendimento e retomando-se, noscasos das políticas com mecanismos de arrecadaçãofinanceira, a perspectiva privativista. A afirmação daresponsabilidade governamental na realização daspolíticas sociais só viria definitivamente na nova ordem

constitucional de 1988, mas não como revolução nopadrão de serviços prestados à população: desdeentão as lutas populares seriam direcionadas para aconsolidação da primazia do Estado e a efetivaçãodos direitos sociais consignados na nova CartaConstitucional.

Conclusão

Na análise que empreendemos no corpo destetrabalho tornou-se evidente a origem histórica dascaracterísticas que marcaram a política e a legislaçãosocial no Brasil até o advento da nova ordem constitu-cional: o privativismo, oriundo da presença quaseexclusiva das iniciativas da sociedade civil frente àausência permanente do Estado; a seletividade dosserviços, determinada pela flagrante insuficiência emsua oferta, frente à crescente demanda das classessubalternas; e a centralização na gestão da políticasocial, oriunda do modelo político prevalecente no país,sobretudo nos grandes períodos de regime autocráticoque marcaram o século XX.

Este quadro começou a ser alterado a partir daabertura democrática da década de 80, na qual seintroduziram princípios e diretrizes de descentraliza-ção, participação popular e universalização do acessopara as diferentes políticas sociais em execução nopaís. Naquele momento, a ação da sociedade civilorganizada passou a ter um papel fundamental naconsolidação desse novo modelo de política social,gerando um novo marco de direitos, consagrados nanova constituição do país e definidores do novopardigma das políticas sociais.

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