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Texto de Adam Warcup sobre as Experiências de Quase Morte e a sua interpretação à luz da teosofia
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Estamos conscientes depois da morte?
Não obstante existir um conjunto substancial de literatura teosófica em língua
portuguesa – desde às obras-primas à de qualidade inferior – vários autores do
universo anglo-saxónico (e não só) que deram contributos importantes para
uma mais fácil apreensão da sabedoria perene (como por exemplo,
da magnum opus de Blavatsky, “A Doutrina Secreta”) não se encontram
traduzidos para português.
Um desses casos é Adam Warcup, cuja escrita clara e muito bem estruturada é
um auxiliar precioso para o estudante de Teosofia. Warcup é um experiente
estudante de Teosofia e concentrou-se fundamentalmente em “A Doutrina
Secreta” e nas “Cartas dos Mahatmas”. Foi também Secretário-geral (ou seja
presidente) da Sociedade Teosófica da Inglaterra e também residente na
Escola de Teosofia de Krotona (nos EUA) onde lecionou vários cursos, e
ainda hoje viaja pelo mundo dando palestras.
Adam Warcup (à esquerda) com Tim Boyd, o atual Presidente
da Sociedade Teosófica de Adyar
Um desses cursos pode ser visionado na internet e tem como base a sua obra
mais conhecida “Cyclic Evolution – A Theosophical View” [Evolução cíclica
- Uma visão teosófica]. Este livro, publicado em 1986, apresenta de forma
bastante clara e sintética os três esquemas da evolução (física, intelectual e
monádica). Infelizmente, o livro é uma raridade e não existe disponível
gratuitamente online. A visualização dos vídeos acima referidos foi-me
altamente recomendada por um experiente estudante de Teosofia, obrigando
contudo, a um domínio razoável do inglês, pois não tem legendas disponíveis.
Outro dos livros editado por Adam Warcup é “An Enquiry into the nature of
Mind” [Investigando a Natureza da Mente], mas esse está disponível online. É
baseado numa palestra dada por Warcup na Convenção Anual da Sociedade
Teosófica da Inglaterra em 1981 e analisa a mente sob várias perspetivas, a
relação entre as suas partes inferior e superior, as suas faculdades, a relação
entre os manasaputras e o homem, etc…
A Quest Books, braço editorial da Sociedade Teosófica nos EUA tem
disponível vários CD/DVD com palestras deste importante teosofista (um
excerto de uma dessas palestras está neste vídeo).
A relevância do texto de qual hoje se publica a primeira parte (ver aqui na
íntegra a versão em inglês) deve-se ao facto de muitos estabelecerem uma
relação direta entre a realidade das Experiências de Quase Morte (EQM) e o
que nos sucede depois de efetivamente morrermos. A maior parte das pessoas
julga que o processo é idêntico e que estas descrições estão de acordo com o
que está expresso na literatura teosófica. Porém, assim não é, pelo menos no
que diz respeito à chamada Teosofia da 1ª geração. Nesse sentido, o artigo de
Warcup é, apesar de sintético, bastante esclarecedor. Uma das maneiras de
despertar o interesse da Teosofia é sem dúvida explicar fenómenos como as
EQM e as investigações sobre reencarnação (iniciadas pelo Dr. Ian Stevenson)
à luz desses ensinamentos, daí que este texto – um dos poucos que conhece
que vai de encontro a esta necessidade – seja, do meu ponto de vista,
importante.
De referir que este texto encontra-se publicado na edição de junho de 1990 da
revista "Theosophy in NZ", da responsabilidade da Secção da Nova Zelândia
da Sociedade Teosófica, tendo o presidente daquela Secção expressamente
autorizado a sua tradução. Contudo, a publicação do artigo foi feita
inicialmente no "Theosophical Journal" de Setembro/Outubro de 1988, revista
esta que era publicada em Londres e que já não existe.
Estamos conscientes após a morte?
por Adam Warcup
Recentemente, as Experiências de Quase Morte têm vindo a despertar muito
interesse. Um número significativo de pessoas registaram experiências
notáveis na sequência de doenças graves ou de acidentes. Falam do facto de
estarem conscientes delas próprias fora dos seus corpos físicos, de serem
arrastadas por uma espécie de túnel e de emergirem num mundo belo onde
foram recebidas e acarinhadas. Infelizmente para elas, não puderam ficar e
foram puxadas de novo para os seus corpos físicos. A inferência que somos
convidados a fazer sobre estes relatos é a de que, quando morrermos, também
passaremos por uma experiência semelhante, com a diferença de que não
voltaremos à vida terrena. Isto implica que haverá uma continuação da
consciência das nossas vidas atuais, através da transição a que chamamos
morte, para o Kama Loka [NT: segundo o Glossário Teosófico é o "plano
semimaterial (...), onde as personalidades desencarnadas (...) permanecem até
se desvanecerem totalmente"] e o Devachan [NT: de acordo com o Glossário
Teosófico é "um estado intermediário entre duas vidas terrestres, na qual o
Ego entra, depois da sua separação do Kâma-Rupa e da desintegração dos
princípios inferiores"] . Esta imagem está também em consonância com os
relatos fornecidos por alguns autores teosóficos, e portanto estas Experiências
de Quase Morte parecem estar a confirmar os ensinamentos teosóficos
conforme foram apresentados.
Contudo, os estudantes das Cartas dos Mahatmas estarão conscientes que esta
imagem apelativa do processo da morte se revelam discordantes dos
ensinamentos que aí se encontram. A seguinte passagem ilustram este facto:
“Assim, quando o homem morre, a sua “Alma” (quinto princípio) torna-se
inconsciente e perde toda a memória tanto das coisas internas como das coisas
externas. Se a sua estada no Kama Loka tiver de durar apenas alguns
momentos, ou horas, dias, semanas, meses ou anos; se ele teve uma morte
natural ou violenta; se isto ocorreu na juventude ou na velhice, e se o Ego era
bom, mau ou indiferente, em todos estes casos a sua consciência deixa-o tão
subitamente quanto a chama deixa o pavio, quando assoprada.”
Carta 20C
E ainda:
“No Kama Loka aqueles que retêm a sua memória não desfrutarão dela na
hora suprema da recordação. Aqueles que sabem que estão mortos no seu
corpo físico só podem ser adeptos ou feiticeiros; e estas duas são as exceções
à regra geral.”
Carta 20C
Estas não são passagens isoladas; são representativas do teor geral dos
ensinamentos nesta área. Isto levanta duas questões: porque é que as
Experiências de Quase Morte sugerem o contrário e porque é que haveríamos
de perder a consciência quando morremos?
De certa forma, temos a sorte de Sinnett se ter interessado pelo Espiritualismo.
As suas experiências nas sessões espíritas levaram-no a acreditar que podemos
sobreviver à morte e comunicar com os vivos através de médiuns. Este
cenário implicaria, obviamente, que retivéssemos a consciência depois da
morte. Apesar dos Mahatmas lhe terem dito que são as “cascas” dos kama
rupas que podem comunicar através dos médiuns, ele não conseguia aceitá-lo.
Estava constantemente à procura de uma brecha, um mecanismo que
permitisse que alguns dos “espíritos” fossem a verdadeira ex-personalidade.
Os Mahatmas firme e consistentemente negaram tal possibilidade. Porquê?
Este assunto gravita em torno da ideia de que o homem alterna entre dois
estados de ser. Durante a vida ele vive num mundo de Causas; entre vidas ele
vive num mundo de Efeitos. O significado destes dois termos parece ser o
seguinte: um mundo de Causas é aquele em que podemos agir com livre
arbítrio; podemos colocar em movimento novas cadeias de causa e efeito.
Embora restringidos pelo karma passado, somos livres de escolher. Ao invés,
num mundo de Efeitos, não somos livres, mas vivemos num sonho por nós
fabricado. Nesse mundo não podemos dar início a novas causas, mas viver as
consequências de causas postas previamente em movimento.
Há um paralelo óbvio entre a morte e o sono. Durante a vida, alternamos entre
a vigília e o sono. Numa perspetiva micro, estar acordado corresponde à esfera
das Causas e dormir à esfera dos Efeitos. Nesta analogia, um sonho
corresponderia ao estado devachânico. Embora estejamos conscientes nos
nossos sonhos, normalmente não passamos diretamente de uma consciência
desperta para um sonho. Existe um intervalo durante o qual não estamos de
todo conscientes.
Este é o livro mais conhecido
de Warcup e que está esgotado.
Pode aceder a uma versão em pdf
clicando aqui.
Basta pensar um pouco para perceber a lógica por trás deste ciclo de
alternâncias. Se fosse para vivermos permanentemente num mundo de Causas,
nunca teríamos tempo suficiente para aprender e crescer. Estaríamos tão
ocupados “a fazer” que nunca teríamos a hipótese de digerir os frutos das
nossas ações. Investigações recentes sobre o cérebro mostraram que
precisamos do sono, e especialmente do sono com sonhos, para funcionarmos
eficientemente no dia seguinte. Da mesma forma é na morte. Precisamos do
nosso tempo no Devachan, não apenas como uma recompensa, mas como um
período de digestão e assimilação. Assim os estados pós-morte, em termos da
consciência, devem ser subjetivos e parecem-nos de certo modo como sonhos,
quando comparados com a nossa consciência desperta, normal e objetiva.
Não podemos esperar que seres num tal estado consigam comunicar com os
vivos. Mas mesmo que assim seja, porque perdemos toda a consciência
imediatamente depois da morte?
Outra ideia fundamental é a de que toda a gente tem uma quantidade de
“energia vital” alocada. Não é tanto no sentido em que temos um número
predeterminado de anos para viver; mas como se tivéssemos combustível num
depósito que quando consumido, significa que essa incarnação está acabada.
Existem, como é óbvio, exceções. Aqueles que morrem por acidente ou
suicídio ainda não gastaram toda a sua força vital e devem viver o resto do
período alocado no mundo astral, antes de passar pelos processos de pós-
morte normais. Tais seres ainda estão na esfera das Causas. Embora lhes falte
um corpo físico, ainda retêm o seu linga sharira (corpo astral). Alguns retêm a
consciência, embora a maioria passe o tempo remanescente num sono sem
sonhos.
Um dos Mahatmas (KH) com quem Sinnett
se correspondeu durante a sua permanência na Índia
Mas para aqueles que seguem o curso normal desde a gestação passando pelo
nascimento, infância, adolescência, maturidade, senescência e morte, é difícil
esperar que se empreenda uma nova etapa de vida imediatamente depois da
morte. De facto, é-nos dito que os acontecimentos no mundo dos Efeitos
seguem uma sequência análoga. Da inconsciência que se segue à morte,
entramos num estado gestacional, que precede o nascimento e o despertar no
estado devachânico. Neste último, vivemos através das nossas experiências de
vida prévias, envelhecendo gradualmente à medida que o material da
encarnação anterior se exaure, “morrendo” de novo para esse mundo. A
inconsciência uma vez mais sobrevém, até que nascemos num novo corpo
físico e se retoma uma existência consciente.
Quando o corpo físico morre, o corpo astral “morre” também. Portanto as
formas que sustentaram a consciência desperta desintegraram-se. Isto explica
a observação do mahatma sobre a consciência deixar o corpo como uma
chama deixa um pavio. Leva tempo para um novo centro de consciência se
formar e para o Ego devachânico despertar para um novo mundo.
Imagem: renegadetribune.com
Mas alguns podem perguntar: se podemos experienciar outros mundos
estando vivos, porque não depois da morte? A resposta reside num
entendimento dos mecanismos que permitem estes outros estados de
consciência durante a vida. Algumas experiências do género estão
relacionadas com o linga sharira (corpo astral), mas como este corpo não se
pode deslocar para longe do corpo físico, isto explica poucos casos. A maioria
deriva do mayavi rupa (corpo de sonho) que é formado, temporariamente,
pelo pensamento e pela vontade, a partir dos elementos do mundo psíquico.
Poucas pessoas podem formar ou projetar tal “corpo” conscientemente, mas
alguém que tenha experienciado um sonho vívido que não se desvaneceu
pouco depois de despertar, formou um mayavi rupa inconscientemente.
Contudo, tê-lo feito com ou sem conhecimento, requere um ato de vontade e
isto apenas pode ser realizado enquanto na esfera de Causas. Depois da morte,
somos conduzidos ao longo de uma corrente de acontecimentos que nós
próprios pusemos em movimento. Somos, nessa ocasião, incapazes de
modificar o seu curso.
O facto crucial sobre uma Experiência de Quase Morte é o de que o indivíduo
em causa não morreu. Embora tenha estado próximo disso e
independentemente de quão milagrosa foi a recuperação, o facto de o
indivíduo continuar a viver demonstra que a força vital não estava exaurida.
Não era altura de morrer. Assim, as experiências ocorridas são em vida,
embora não sejam menos extraordinárias por essa razão. Podemos inferir que
o sujeito projetou um mayavi rupa, e nesse estado, passou por uma
Experiência de Quase Morte. Existe uma questão adicional para ser
respondida com respeito ao que existe de comum nas experiências, mas isso
está para lá do âmbito deste artigo.
The Theosophical Journal Set/Out 1988
publicado em http://lua-em-escorpiao.blogspot.pt em duas partes a 19 e 26 de
dezembro de 2015