104
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ESTATUTO DO DESARMAMENTO: UMA ANÁLISE CRÍTICA Por: Alexandre Monteiro de Almeida Orientadora Prof. Dra. Valesca Rodrigues

Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes para conclusão do curso de especialização em Direito Penal e Processo Penal.

Citation preview

Page 1: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ESTATUTO DO DESARMAMENTO:

UMA ANÁLISE CRÍTICA

Por: Alexandre Monteiro de Almeida

Orientadora

Prof. Dra. Valesca Rodrigues

Rio de Janeiro

2009

Page 2: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ESTATUTO DO DESARMAMENTO:

UMA ANÁLISE CRÍTICA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito e

Processo Penal.

Por: Alexandre Monteiro de Almeida

2

Page 3: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores do projeto A

Vez do Mestre, que sempre me

atenderam com extremo interesse e

dedicação, tornando possível a

superação de mais essa etapa de

minha trajetória acadêmica.

3

Page 4: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho monográfico

aos meus pais que sempre me apoiaram

e deram suporte nas inúmeras

dificuldades que surgiram nesta longa

caminhada chamada vida.

4

Page 5: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

RESUMO

A aprendizagem do tema relacionado ao controle de armas de fogo

exercido pelo Poder Público é extremamente complexa face à grande

quantidade de normas que versam sobre o assunto, fazendo com que diversos

estudantes de direito se formem sem dominar o assunto. Até profissionais

experimentados na área criminal usualmente incorrem em erro quando se

pronunciam sobre o tema. Tal dificuldade é justificada, tendo em vista a

técnica legislativa adotada por nossos congressistas que visa reagir à pressão

gerada pela opinião pública em períodos de comoção popular. Desta forma,

cada nova tragédia do cotidiano é utilizada como subterfúgio para a imposição

de um novo diploma legal repressivo, com vistas a angariar a simpatia daquela

parcela da população que se sente desassistida pela segurança pública

prestada pelos órgãos estatais. Neste sentido, o presente trabalho pretende

esmiuçar a legislação pertinente ao controle de armas de fogo pela população

civil, estabelecendo como critério de comparação as legislações passadas,

possibilitando ao leitor compreender o direcionamento político que é dado à

questão.

5

Page 6: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

6

Page 7: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

METODOLOGIA

Para atingir os objetivos propostos ao presente trabalho monográfico,

foram utilizados essencialmente os meios comuns à pesquisa bibliográfica,

direcionando o foco das pesquisas primordialmente a artigos encontrados na

rede mundial de dados internet e à análise da letra da lei, recorrendo apenas

de forma secundária a livros e periódicos propriamente ditos.

Embora a metodologia adotado seja divergente daquela proposta nos

manuais, por privilegiar o uso de artigos publicados na internet, esta pareceu

ser a mais adequada à abordagem do tema tratado, eis que, devido à grande

mutabilidade da legislação em estudo, raros são os livros atualizados que

tratam do assunto.

A dificuldade de obtenção de material bibliográfico, não causou

desestímulo à produção da presente monografia mas, ao contrário, provocou

maior empenho no decorrer de sua confecção eis que ficou asseverada a

lacuna de material acadêmico sobre o tema, conferindo maior relevância ao

material produzido.

Em um primeiro momento foi feita uma pesquisa histórica, através da

análise de legislações passadas, com vistas a compreender a lógica por trás

da lei, cristalizada nas políticas de segurança pública.

No segundo capítulo é realizada uma análise da legislação vigente, em

contraponto com a legislação ora revogada. Além de abordar aspectos

relevantes introduzidos pelo Estatuto do Desarmamento, a metodologia

adotada permite aos que ainda não tiveram contato com a nova norma, que se

familiarizem com os novos dispositivos amparando-se nos mecanismos já

conhecidos da norma antecedente.

7

Page 8: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Por fim é feita uma análise mais detida dos pontos contraditórios e

obscuros suscitados pela doutrina no que tange ao novo Estatuto do

Desarmamento, de forma a proporcionar maior aproximação e intimidade com

o assunto objeto do presente estudo.

8

Page 9: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Análise Histórica do Controle 10

de Armas de Fogo pelo Estado

CAPÍTULO II - Análise das Alterações Impostas 25

pelo Estatuto do Desarmamento

CAPÍTULO III – Aspectos Controversos do 47

Estatuto do Desarmamento

CONCLUSÃO 52

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ANEXOS 54

ÍNDICE 72

FOLHA DE AVALIAÇÃO 74

9

Page 10: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

INTRODUÇÃO

É consenso entre a sociedade de que o controle ao acesso de armas

de fogo pela população civil é assunto de suma importância, o qual demanda

atenção especial dos órgãos estatais responsáveis pela segurança pública,

tendo em vista as calamitosas conseqüências que o descontrole no comércio

de armas de fogo poderiam implicar.

O assunto, que fora tratado com desdém em períodos pretéritos,

atingiu relevância tal que pequenas alterações provocadas no texto legal do

Estatuto do Desarmamento tem o condão de gerar manifestações efusivas

tanto pela parte da população que advoga pela proibição total ao acesso às

armas, quanto pela parcela que defende uma maior liberalização dos citados

instrumentos.

A despeito da relevância que a matéria possui, nosso parlamento

patrocinou reiteradas alterações na legislação, obrigando os operadores do

direito que militam na área criminal a uma maratona periódica de pesquisas e

atualizações.

Até mesmo a produção doutrinária sobre o tema é escassa, tendo em

vista a enorme freqüência com que as leis são alteradas. Não há tempo hábil

para a produção de material didático, vez que, logo depois de sua publicação,

os livros já se tornam desatualizados, inviabilizando o investimento na

produção de novas obras, eis que o retorno financeiro fica comprometido.

Neste sentido, acreditamos que o presente trabalho monográfico

venha a facilitar o acesso de profissionais e estudantes de direito à temática do

controle de armas pelo Estado, principalmente no que tange à análise da Lei

10

Page 11: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

10.826/03 e seu regulamento, estabelecendo-se um referencial comparativo

com a legislação antecedente.

11

Page 12: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

CAPÍTULO I

ANÁLISE HISTÓRICA DO CONTROLE DE

ARMAS DE FOGO PELO ESTADO

Antes de passarmos a esquadrinhar o Estatuto do Desarmamento

propriamente dito, faz-se necessária uma análise histórica das leis e

regulamentos que o antecederam, de forma a contextualizar a política de

controle de armas com os diversos movimentos políticos brasileiros.

1.1 – A legislação na Era Vargas

O primeiro diploma legal que tratou sobre o assunto data de 6 de julho

de 1934 (decreto 24.602/341), se propunha a regular o funcionamento de

empresas de fabricação de armas de fogo e foi redigido sob a égide do

primeiro governo de Getúlio Vargas. Até então a fabricação, venda e porte de

armas não possuía nenhum regramento.

Com o advento do mencionado decreto, ficaria proibida a fabricação de

armas e munições de guerra por empresas particulares, sendo permitida

expressamente apenas a fabricação de armas e munições de caça,

silenciando-se quanto às armas de uso civil. Definia ainda que todos

fabricantes de armas existentes ou que estivessem em vias de se instalar no

território nacional precisariam se submeter a uma série de exigências no prazo

de 90 dias, sob o risco de terem suas atividades interrompidas pelo Poder

Público.

1 Disponível na íntegra no Anexo.

12

Page 13: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Dentre as exigências criadas pela nova legislação, constava a

necessidade de enviar uma infinidade de informações sobre a linha de

produção e estoques da empresa ao Ministério da Guerra que passaria a deter

a responsabilidade pela fiscalização do setor, responsabilidade esta que vigora

até os dias atuais (atualmente sob a nomenclatura de Ministério da Defesa).

Note-se que a legislação em análise foi promulgada em um período

extremamente conturbado da história brasileira, uma vez que Getúlio Vargas

derrubou a Constituição vigente até então em 1931, passando a gozar de

amplos poderes, vindo a combater uma tentativa de tomada do poder em 1932

(Revolução Constitucionalista).

Neste contexto, é perceptível que a nova legislação não tinha por fim

coibir o fabrico, comercialização ou porte de armas com vistas à repressão

criminal. Pretendia-se, ao contrário, utilizá-la como elemento de dominação

estatal com foco na segurança nacional, através de mecanismos que

dificultassem o acesso das armas a grupos políticos ou para-militares

contrários à ideologia defendida pelas classes dominantes.

1.2 – A Lei das Contravenções Penais

Em 3 de outubro de 19412 é publicada a Lei das Contravenções Penais

que tinha por foco delinear comportamentos socialmente reprováveis em

menor intensidade do que os já tipificados no Código Penal. É nesta lei que

encontramos as primeiras disposições repressivas que tratariam do comércio e

porte ilegal de armas, ainda que de forma tênue.

Note-se a que, apesar de tratar a questão da posse e porte de armas

de forma branda, esta legislação teve grande relevância, uma vez que era a

2 Disponível, na parte pertinente, no Anexo.

13

Page 14: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

única a descrever condutas puníveis relacionadas ao uso e porte de armas até

o ano de 1997 (quando foi revogada nesta parte pela Lei 9.437/97).

Durante mais de 50 anos o porte/comércio de armas foi tratado como

mera contravenção legal. Apenas após o advento da Lei 9.437/99 tais

condutas passaram a ser reprimidas com o status de crime, com sanções mais

severas.

1.3 – A legislação no Regime Militar

Em 11 de dezembro de 1965 foi publicado o Decreto 55.649/653 que

revogava o decreto 24.602/34, vigente desde a Era Vargas. Foi “batizado” de

Regulamento para o Serviço de Fiscalização da Importação, Depósito e

Tráfego de Produtos controlados pelo Ministério da Guerra (SFIDT), ou

simplesmente R-105 — como é conhecido até os dias atuais o regulamento

expedido pelo Ministério da Defesa sobre o controle de armas.

Ao contrário da lei anterior que tratava do assunto de forma um tanto o

quanto superficial, o novo decreto se aprofundava em minúcias nunca antes

abordadas. Pela primeira vez a lei fazia distinção entre armas de uso permitido

e proibido (art. 160 e seguintes), bem como impunha alguns limites à aquisição

de armas e munições por cidadãos civis e militares (art. 220 e seguintes).

É importante notar que, assim como ocorreu na legislação anterior, o

controle e fiscalização da produção e comércio de armas continuavam nas

mãos do Exército (através do Ministério da Guerra).

Apesar da venda, fabricação e importação de armas e munição serem

controladas pelo Ministério da Guerra, o decreto mencionava que a

autorização para a posse e o porte de armas de fogo de calibre permitido

3 O extenso conteúdo do referido decreto inviabiliza sua transcrição na íntegra, todavia, o mesmo pode ser encontrado no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D55649.htm .

14

Page 15: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

seriam concedidas pelas polícias civis dos Estados, todavia, não existia

previsão de critérios objetivos para a concessão dos referidos direitos. A lei

mencionava apenas que o porte de armas seria concedido a civis “idôneos”.

Diferentemente da norma anterior (Decreto 24.602/34) que

preconizava essencialmente o controle estatal sobre a produção de armas e

munições, o Decreto 55.649/65 revelava diversos outros objetivos, dentre os

quais o de aprimorar e fomentar o crescimento da indústria bélica nacional

(artigos 5 e 6).

Como o foco da norma era fortalecer a indústria bélica nacional, não

havia a preocupação de criar um sistema que viabilizasse o controle sobre a

compra/venda de armas e munições, por nacionais, de forma rígida. Existia

uma ressalva no artigo 229 do mencionado Decreto – a título de exceção –

que determinava que “no caso de particulares (civis), a venda na Seção

Comercial far-se-á mediante apresentação de autorização da polícia local e

registro na repartição policial competente”, entretanto, não se especificava

como o registro seria realizado, se anteriormente ou posteriormente à compra,

nem quais dados deveriam ser consignados.

Tem origem também neste momento histórico a reserva de mercado

no que tange à aquisição de armas e munições, prevista implicitamente no

artigo 112 do decreto 55.649/65. Apesar de qualquer cidadão “idôneo” poder

trazer até 3 armas de calibres diferentes e 300 munições de cada viagem ao

exterior que fizesse, as empresas só poderiam adquirir para uso ou revenda

armas e munições que não fossem fabricadas no Brasil ou que, caso o

fossem, não atingissem padrões mínimos de qualidade.

Neste sentido manifestou-se Carolina Iooty Dias ao afirmar que:

“... todo produto controlado que estiver sendo fabricado

ou vier a ser produzido no País, desde que alcance um

15

Page 16: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

nível de produção julgado ponderável pelo Ministério da

Guerra, será colocado na Categoria de Controle nº 1 ou

1-A e sua importação passará a ser negada ou

restringida, seja através de cotas anuais, seja através de

percentagens da quantidade adquirida na indústria

nacional ou outro qualquer critério de restrição”

(FERNANDES, 2005, p.43).

Tanto este Decreto quanto o que o antecedeu tiveram o início de sua

vigência em momentos de instabilidade política, quando as forças nacionais de

segurança (forças armadas e departamentos policiais) direcionavam seus

esforços no combate à “ameaça interna” (grupos organizados de ideologia

político-partidária distinta da dos governantes), e não no combate às ameaças

externas ou no controle da segurança pública.

No que tange às normas de cunho criminais, continuavam vigorando

exclusivamente as disposições tratadas na Lei das Contravenções Penais

afinal, como dito outrora, a questão do combate à criminalidade armada era

relegada a segundo plano. Os crimes cometidos por grupos politicamente

organizados eram capitulados com fulcro na Lei de Segurança Nacional, sendo

desnecessário tratamento mais rigoroso para o criminoso “comum”.

1.3.1 – Regulamentação do Registro de Armas

Apenas em 17 de outubro 1980, com a publicação da Portaria

Ministerial 1.261/1980 instituiu-se de forma obrigatória a criação de registros

de propriedade de armas de fogo.

Havia previsão também de uma limitação quantitativa para a

propriedade (vigente até os dias atuais), segundo a qual, cada cidadão poderia

ter até um total de seis armas, sendo duas curtas (revólveres ou pistolas),

16

Page 17: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

duas longas de alma lisa (espingardas) e duas longas de alma raiada

(carabinas).

A nova regulamentação estabelecia a obrigatoriedade do registro de

armas nas polícias civis dos Estados, todavia, não previa um cadastro geral de

armas ou mesmo intercâmbio de informações, possibilitando que uma mesma

pessoa atingisse o limite máximo de armas em diversos Estados

concomitantemente, burlando o que dispunha a legislação.

Dentre as inovações trazidas pela nova norma, destaca-se a limitação

da compra de armas por civis apenas para aqueles que tivessem completado

21 anos de idade, bem como a imposição de limites quantitativos menores

para aquisição de munições (em média 50 cartuchos para cada arma de

porte), com a previsão de uma série de formalidades tanto para o registro das

armas, quanto para a aquisição de munição.

1.4 – A legislação de armas no Brasil contemporâneo

O grande divisor de águas na legislação que trata de armas — tanto no

que concerne a questão da compra, venda, importação, quanto ao tratamento

dado aos crimes em espécie — foi a promulgação da Lei 9.437/97, que foi

revogada após seis anos de vigência pela Lei 10.826/03 que também

revolucionou o controle sobre armas de fogo ao propor um referendo para

ouvir a opinião da população sobre o tema. Dadas suas peculiaridades, ambas

serão analisadas de forma mais detalhada a seguir.

1.4.1 – A Lei 9.437/97

Pela primeira vez na história, ficava estabelecido que o cadastro de

proprietários civis de armas de fogo não seria mais de competência das

17

Page 18: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

policiais civis, mas do Ministério da Justiça, instituindo o Sistema Nacional de

Armas (SINARM) em seu artigo 1º.

Essa inovação inviabilizou que pessoas detivessem registros de armas

em Estados distintos, de forma a exceder a limitação quantitativa de

propriedade de armas, uma vez que, embora o processo de registro se

originasse junto às policiais civis dos Estados, a Autoridade Policial deveria,

antes de conceder o registro, pesquisar informações sobre o adquirente na

base SINARM, para só depois autorizar o registro, de forma a centralizar o

banco de dados com informações sobre os proprietários de armas

nacionalmente.

Até então a concessão de registro e porte de armas ficava adstrito aos

cidadãos considerados “idôneos”, submetidos a uma análise completamente

discricionária pelas autoridades policiais. A nova lei estabeleceu critérios

objetivos mínimos tanto para o registro quanto para o porte de arma.

É verdade que o porte de armas continuou condicionado a certa dose

de discrionaridade das autoridades policiais, uma vez que seu art. 7º dispunha

que para obter o porte da arma, o interessado deveria comprovar

“...idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade,

capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo”.

A idoneidade era comprovada através da emissão de certidões

negativas das justiças criminais, cíveis, eleitorais e militares; o comportamento

social produtivo poderia ser comprovado através da emissão de uma

declaração expedida pelo empregador do interessado atestando que este

exercia atividade profissional remunerada; a capacidade técnica era

comprovada através de certificado de conclusão de curso de tiro e prova

prática de tiro realizado perante perito oficial; a aptidão psicológica era

comprovada através de laudo psicotécnico expedido por psicólogo habilitado;

todavia, mesmo preenchendo a todos os requisitos objetivos citados, o

18

Page 19: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

postulante ao porte de arma teria ainda de se submeter à análise discricionária

da efetiva necessidade do exercício do direito de portar arma, a ser realizado

pela autoridade policial.

Perceba-se que, apesar de ainda existir um critério subjetivo para a

concessão do direito do porte de armas, a lei prestigiou a eleição de aspectos

objetivos em sua maioria, tornando a análise do processo de concessão de

porte de armas mais técnica do que o previsto pela norma anterior que previa

apenas a idoneidade do postulante sem, contudo, delinear como esta seria

mensurada.

A Lei 9.437/97 também trouxe relevantes alterações no que tange ao

registro das armas de fogo. Além da mudança da competência pela

organização do banco de dados de proprietários de armas, já mencionada

anteriormente, foram estabelecidos também critérios objetivos para a

aquisição, importação e consequente registro de armas de fogo.

A única exceção ocorria por conta das armas pertencentes às forças

armadas e auxiliares e aos grupos de atiradores, colecionadores e caçadores

— devidamente registrados — que deveriam ter os registros de suas armas

consignados junto ao Ministério do Exército (atual Ministério da Defesa), e se

submeteriam a outros critérios (parágrafos únicos dos artigos 2 e 3).

O Regulamento para o Serviço de Fiscalização da Importação,

Depósito e Tráfego de Produtos Controlados pelo Ministério da Guerra

(expedido pelo Ministério do Exército que tratava com minúcias sobre armas,

munições, calibres e acessórios permitidos e proibidos) foi alterado pelo

Decreto 88.113/83, quando foi “rebatizado” de Regulamento para a

Fiscalização de Produtos Controlados, sendo reeditado novamente em 1999 e

2000. Apesar das sistemáticas alterações, seu conteúdo pouco foi modificado,

permanecendo preservado em sua maior parte até os dias atuais (sendo

conhecido pela denominação de R-105).

19

Page 20: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Faz-se imperioso perceber que, pela primeira vez desde que as armas

de fogo passaram a ser regulamentadas pelo Estado, emergia a preocupação

com o porte e uso de armas pela população civil. Ao contrário das legislações

anteriores, esta não foi criada em períodos exceção, mas na plenitude de um

governo eleito democraticamente.

A preocupação, no que tange ao controle das armas de fogo, não era

mais dirigida à repressão a grupos políticos, mas ao comportamento criminoso

que aflorava naquele período com cada vez mais intensidade, consolidando-se

na figura do crime organizado e suas diversas facções.

Neste contexto, a política criminal adotada pelo Estado preconizava

registrar as armas já existentes — permitindo o controle do Estado sobre elas

— e dificultar o acesso ao cidadão comum a mais armas de fogo, norteando-se

pela lógica de que quanto menos armas disponíveis na sociedade, menos

crimes seriam cometidos.

Neste contexto, foi concedido um prazo de “anistia” de seis meses a

partir da promulgação da Lei 9.437/97 (art. 5), para que qualquer cidadão

fizesse o registro das armas de fogo particulares que possuísse, dispensando-

se documentação comprobatória de procedência e presumindo-se a boa-fé da

posse.

Perceba-se que com a concessão da anistia o Estado abre mão de

punir os detentores de armas ilegais com o propósito maior de conhecer o

paradeiro dessas armas e, desta forma, passar a ter um controle mais eficiente

sobre elas. Até mesmo as limitações legais quantitativas sobre à propriedade

de armas de fogo (2 armas curtas e 4 longas) são ignoradas neste momento,

permitindo-se o registro de múltiplas armas de fogo, uma vez que o interesse

estatal em dominar o controle sobre as armas na mãos de civis mostra-se

20

Page 21: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

estrategicamente mais relevante do que a mera imposição de limites

quantitativos à propriedade de armas de fogo.

Seguindo ainda por esta lógica, a Lei 9.437/97 relacionou em seu

artigo 10 e parágrafos seguintes uma série de comportamentos, com o fito de

majorar o tratamento destinado à compra, venda, posse e porte de armas de

fogo, condutas que até então eram tratadas como meras contravenções

penais.

1.4.2 – A Lei 10.826/03

O Projeto de Lei (PL) 292 que culminou no Estatuto do Desarmamento

foi apresentado no ano de 1997 pelo então senador Renan Calheiros. É

importante notar que o mencionado PL previa uma grande mudança na

relação do Estado com a questão das armas de fogo, e foi proposto no mesmo

ano em que foi promulgada a Lei 9.437/97, que versava sobre o mesmo tema.

Em outros termos, após um demorado processo legislativo que tem

custos altíssimos ao erário público, o nobre parlamentar propõe a mudança

total daquilo que acabara de ser aprovado na Câmara dos Deputados e no

Senado Federal.

O projeto de lei propunha tratamento mais gravoso em uma série de

aspectos:

Normas mais rigorosas no que concerne a emissão de registros

(passariam a ser exigidos para a aquisição de armas por civis os

mesmos requisitos que na lei anterior eram impostos apenas para a

concessão do porte de arma, e esses requisitos deveriam ser

comprovados regularmente a cada 3 anos, sob risco de ter o direito à

posse da arma de fogo cassado);

21

Page 22: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

A proibição quase total do porte de arma para civis (exceto para

aqueles que exercem funções públicas ou privadas relacionadas à

área de segurança e aqueles que comprovarem estar sofrendo grave

ameaça à sua integridade física ou exerçam profissão arriscada);

A majoração das penas relacionadas à posse e ao uso de armas de

fogo ilegal, desmembrando o artigo 10 da Lei 9.437/97 em diversos

crimes autônomos (todos com pena superior ao previsto na lei anterior)

e criando a figura do tráfico internacional de arma de fogo;

A proibição da compra de armas por menores de 25 anos;

A obrigatoriedade de que todas as embalagens de munição produzidas

no país saíssem das fábricas identificadas por código de barras, de

forma a possibilitar a identificação do fabricante e do adquirente;

A obrigatoriedade dos órgãos de segurança comprarem munições com

identificação do lote e do adquirente na base dos projéteis;

A obrigatoriedade dos fabricantes de armas de fogo gravarem-nas com

informações que permitam sua identificação;

A obrigatoriedade da destruição de armas apreendidas 48h após

serem liberadas pelo Juiz responsável pelo processo a elas pertinente;

A execução de um referendo popular no ano de 2005;

A ampliação das funções do SINARM, que deixa de ser apenas um

banco de dados de registro de proprietários de armas de fogo, para

armazenar também informações sobre armeiros cadastrados no Brasil;

empresas dirigidas ao comércio e/ou importação de armas, munições e

assessórios; concessões de portes de arma; e ocorrências decorrentes

de empresas de segurança privada;

Campanhas de anistia e recompra de armas pelo Estado.

22

Page 23: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Após acalorados debates o PL foi finalmente publicado em 23 de

dezembro de 2003, passando a vigorar imediatamente no que concerne aos

crimes em espécie. As demais partes só passaram a ter plena vigência depois

de passados seis meses com a promulgação do Decreto 5.124.

Apesar da rápida aprovação (seis meses depois de posto em votação)

do PL, ele foi reformado por nada menos que quatro Medidas Provisórias

(379/07, 390/07, 394/07 e 417/08), das quais uma foi julgada inconstitucional

por controle concentrado de constitucionalidade (ADI 3964-4, MP 394/07) e

duas foram convertidas em lei (390/07 e 417/08).

Pouco antes do término deste trabalho monográfico nossos ilustres

parlamentares nos brindaram com mais uma alteração, introduzida pela Lei

11.922/09 de 13 de abril de 2009 que prorrogou os prazos para renovação de

registros emitidos antes da Lei 10.826/03 e para registro de armas de uso

permitido ainda sem registro. Em ambas as hipóteses, o prazo foi alongado até

21 de dezembro de 2009.

Apenas a título do ilustração, para se ter uma idéia da confusão e

insegurança jurídica gerada pela técnica legislativa adotada, analisaremos a

trajetória cronológica do parágrafo 3º do artigo 5º da Lei 10.826/03 desde sua

primeira redação, até a que vigora atualmente.

O mencionado dispositivo determinava em seu texto originário que

“Os registros de propriedade, expedidos pelos órgãos

estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei,

deverão ser renovados mediante o pertinente registro

federal no prazo máximo de 3 (três) anos”.

23

Page 24: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

A redação adotada deixava bem claro que aqueles que já possuíam

registros de arma realizados sob a égide de legislação anterior, deveriam

refazê-lo no prazo de três anos contados a partir da publicação da

regulamentação do novo ordenamento (Decreto 5.124/04), estabelecendo-se o

prazo limite para julho de 2007.

Ocorre que em 23 de outubro de 2005 é realizado o primeiro referendo

popular brasileiro, questionando-se a proibição do comércio de armas e

munições em território nacional. O “Sim” que pedia a proibição do comércio de

armas sofreu uma derrota acachapante, com 36,06% dos votos válidos,

enquanto que o “Não”, que defendia a continuidade do comércio nacional de

armas obteve 63,94% dos votos.

Diante da nova realidade exposta nas urnas, o Governo alterou

novamente o direcionamento de sua política de controle de armas, afrouxando

um pouco o ritmo repressivo imposto pela Lei 10.826/03.

Tendo em vista o clamor popular gerado pelo referendo, em 28 de

junho de 2007 é publicada a MP 379/07 que, dois dias antes do término do

prazo para a renovação do registro de arma de fogo, prorroga-o com a

seguinte redação:

“Os registros de propriedade expedidos pelos órgãos

estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei,

deverão ser renovados mediante o pertinente registro

federal até o dia 31 de dezembro de 2007”

Cria-se então uma sobrevida do prazo para renovação de registro de

arma por mais seis meses. Contudo, em 20 de setembro de 2007 o Poder

Executivo publica a MP 394/07 alterando novamente o prazo para registro:

24

Page 25: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

“Os registros de propriedade expedidos pelos órgãos

estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei,

deverão ser renovados mediante o pertinente registro

federal até o dia 2 de julho de 2008”

Em 2008 o Poder Executivo brindou-nos com a MP 417/08 (datada de

31 de janeiro) que, mais uma vez, prorroga o já mencionado prazo gerando

longas filas nas delegacias de Polícia Federal pelo país:

“Os registros de propriedade expedidos pelos órgãos

estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei,

deverão ser renovados mediante o pertinente registro

federal até 31 de dezembro de 2008”.

Por fim, em 13 de abril de 2009 nossos congressistas prorrogam

novamente os prazos para registro até o dia 31 de dezembro de 2009, através

do artigo 20 da Lei 11.922/09, vejamos: “Ficam prorrogados para 31 de

dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3o do art. 5o e o art. 30,

ambos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.

Como dito anteriormente, referi-me à questão da renovação do registro

com fins meramente didáticos e ilustrativos pois, diversas outras alterações

foram percebidas durante este trâmite legislativo com conseqüências jurídicas

gravíssimas. Parte significativa da doutrina entende que houve abolitio criminis

temporário no que tange ao crime de posse de arma de fogo durante as

seguidas alterações sofridas pela lei.

Esta última MP, convertida na Lei 11.706/08 marca a última alteração

efetiva à Lei 10.826/03 (até o presente momento), contudo, a trajetória do

processo legislativo que gerou o ovacionado “Estatuto do Desarmamento”

exterioriza a desordem e incoerência que impera no processo legislativo

brasileiro, o qual impõe aos operadores do direito uma rotina de constante

25

Page 26: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

aprofundamento e atualização no tema, que é extremamente atual e

pertinente, mas desconhecido por grande parte dos defensores militantes na

justiça criminal.

É importante mencionar que, a despeito do trato mais rigoroso no que

concerne à aquisição, registro e porte de armas por civis, os militares das

Forças Armadas e Auxiliares (além de demais grupos que detivessem registros

próprios) não são atingidos por estas novas restrições, por força do dispoto no

parágrafo único do art. 2º da Lei 10.826/03: “As disposições deste artigo não

alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as

demais que constem dos seus registros próprios”.

Estas categorias submetem-se à fiscalização do Comando do Exército,

obedecendo a leis especiais, sendo as informações derivadas destas relações

consignados no banco de dados SIGMA (Sistema de Gerenciamento de Militar

de Armas).

26

Page 27: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

CAPÍTULO II

ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES

IMPOSTAS PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Como já mencionado no capítulo anterior, a Lei 10.826/03 foi criada, a

princípio, com foco na imposição de impedimentos e obstáculos ao acesso às

armas de fogo pela população civil. Esta mens legis transparece a uma

análise, ainda que superficial do texto legal.

Entretanto, com o advento da derrota por esta ideologia registrado no

Referendo Popular de 2005, algumas novas alterações foram impostas para

flexibilizar todo aquele rigor inicialmente pretendido.

Analisaremos agora as alterações, em seu status quo final introduzidas

pelo Estatuto do Desarmamento, correlacionando-as com as legislações

vigentes anteriormente. Embora alguns pontos já tenham sido abordados no

capítulo antecedente, traremos agora uma decomposição mais esmiuçada dos

tópicos.

2.1 – Do Sistema Nacional de Armas (SINARM)

O Sistema Nacional de Armas foi criado através do artigo 2º da

revogada Lei 9.437/97. Este Sistema pretendia administrar o registro e

controle das armas de fogo nas mão de civis, a ser exercido pela Polícia

Federal.

27

Page 28: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

2.1.1 – Na vigência da Lei 9.437/97

Eram estabelecidas cinco atribuições ao recém criado SINARM, a

saber:

“I - identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;

II - cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;

III - cadastrar as transferências de propriedade, o extravio, o furto, o roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais;

IV - identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo;

V - integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

VI - cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais”.

Os incisos I e II criavam a obrigação do registro de armas de fogo com

base na identificação de suas características individuais: tipo (pistola, carabina,

revolver, etc), capacidade de munição, calibre (.380ACP, .38SPL, .357

Magnum, etc), marca (Taurus, Rossi, Glock, Boito, etc), país de origem,

raiamento e comprimento do cano, numero de série, sistema de funcionamento

(automática, semi-automática, etc), acabamento (oxidado, inox, etc) dentre

outras informações. Este registro seria nacionalizado, consolidando as

informações enviadas pelas Polícias Civis dos Estados em uma única base de

dados.

Com fulcro na necessidade de se manter a base de dados SINARM

atualizada, os incisos III e IV tratavam da exigência da averbação de

alterações relevantes no registro de armas: transferência de propriedade,

extravio, roubo, furto ou alterações nas características individuais.

28

Page 29: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

O inciso V buscava a integração das bases de dados estaduais pré-

existentes ao recém-criado SINARM, de forma a centralizar todos os dados

relevantes em um único banco de dados.

O inciso VI, tal qual os incisos III e IV, objetivava a manter a base de

dados atualizada, cadastrando-se no SINARM também as apreensões

realizadas pelas autoridades policiais e judiciárias, de modo a que se

consolidem também as estatísticas sobre a repressão às armas ilegais em

nível nacional.

Apenas referendando o que já foi mencionado, o art. 2º do Decreto 2.222/97

que regulamenta a Lei 9.437/97 enunciava que :

“O SINARM, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito

da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território

nacional, tem por finalidade manter um cadastro geral,

integrado e permanentemente atualizado, das armas de

fogo produzidas, importadas e vendidas no País e o

controle dos registros de armas”.

2.1.2 – Na vigência da Lei 10.826/03

A Lei 10.826/03 repetiu, também em seu artigo 2º, ipsis litteris as

competências enunciadas anteriormente (incluindo uma pequena alteração no

texto do inciso III), acrescentando a elas mais cinco:

III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal;

IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores;

29

Page 30: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade;

IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições;

X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante;

XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.

A emissão do porte de arma que na vigência da lei anterior era

concedido prioritariamente pela autoridade policial estadual e,

excepcionalmente pela autoridade policial federal (art. 8º da Lei 9.437/97)

passa a ser atribuição exclusiva da Polícia Federal por força no disposto no

inciso III acima transcrito, criando-se também a obrigatoriedade de que os

dados referentes a esse direito deveriam ser consignados também na base de

dados do SINARM (a qual arma o porte estaria vinculado, validade, etc).

O inciso IV concedeu ao SINARM também a competência de zelar pelo

acervo de armas pertencente às empresas de segurança privada. Embora as

armas pertencentes a estas empresas já fossem registradas no SINARM

desde sua criação em 1997, a Lei 10.826/03 expandiu o controle sobre elas.

Agora, ao encerrar as atividades a empresa de transporte de valores e/ou

segurança privada deverá enviar todo o seu acervo à Polícia Federal para que

sejam apreendidas, eis que os sócios proprietários não poderão deter a posse

das armas registradas em nome da empresa inativa.

O inciso VIII aborda uma questão até então ignorada pela legislação: o

exercício da atividade de armeiro (profissional atuante na manutenção de

armas e acessórios), nunca antes regulamentada. Cria-se então um cadastro

30

Page 31: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

de profissionais, passando o Estado a exercer controle também sobre essa

atividade através da licença para exercício da função. Os armeiros

cadastrados ao SINARM ficam vinculados à obrigação de enviar relatório

mensal dos serviços executados à autoridade policial federal competente.

O inciso IX trata da nova atribuição do SINARM de controle sobre todo

o tipo de empresa destinada comércio (importação, exportação, fabricação,

revenda) de armas, munições e acessórios.

O inciso X torna obrigatório o cadastramento de informações sobre

raiamento do cano (frisos longitudinais existentes no cano das armas de fogo

que proporcionam ao projétil um movimento de translação (rotação sobre seu

eixo central), conferindo estabilidade na trajetória do disparo) e

microestriamento (marca destes frisos no projétil após o disparo) pelo

fabricante de armas de fogo antes da entrega da arma ao novo proprietário.

Estas marcas (raiamento do cano e microestriamento do projétil) são

tão particulares à arma como uma impressão digital é para um indivíduo. Elas

individualizam a arma de maneira única, muito mais precisa do que os outros

critérios elencados anteriormente que podem, na maioria das vezes serem

alterados (acabamento, tipo de empunhadura, etc).

É importante frisar, entretanto, que essas marcas de raiamento do

cano — e consequentemente do microestriamento do projétil, já que esta

depende daquela — podem ser desgastadas com o uso intenso da arma,

alterando-se com o tempo, fazendo com que aquelas marcas cadastradas

quando a arma era nova não sejam as mesmas depois de alguns anos. Esta

hipótese não foi contemplada pela nova legislação, que partiu do princípio de

que essas marcações seriam perpétuas, o que não condiz com a realidade.

Por fim, o inciso XI aborda a obrigação do Departamento de Polícia

Federal encaminhar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do DF

31

Page 32: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

relatórios periódicos com informações sobre os portes de armas concedidos

em cada Estado, para que as autoridades policiais estaduais possam realizar a

fiscalização nos seus limites territoriais.

2.2 – Do registro de armas

Ao mencionar o registro de arma de fogo nos remetemos à anotação

oficial (feita no Sistema Nacional de Armas), aonde é consignada a existência

de uma arma de fogo com características particulares que a tornam

individualizável e cuja propriedade pertence a uma pessoa identificada.

Cumpre ressaltar que o registro da arma permite ao seu proprietário

apenas a posse da arma no interior dos domínios de sua residência ou local de

trabalho (desde que seja o responsável legal por este). A posse da arma de

fogo, mesmo registrada, fora destes domínios sem autorização da autoridade

policial competente configura crime de porte ilegal de arma, como veremos em

momento futuro.

Para que o registro seja averbado junto aos assentamentos oficiais é

necessário que a arma que se pretende registrar tenha numeração de série

indelével marcada em seu corpo e que o seu proprietário seja adequadamente

qualificado. Não é possível o registro de arma sem numeração de série

(característica essencial para sua identificação individual) ou de proprietário

desconhecido.

Além da numeração de série, são consignadas também outras

informações secundárias, tais como comprimento do cano, acabamento, etc.

Essas informações consolidadas no registro permitiriam a identificação de

qualquer arma (desde que previamente registrada), com o fito de auxiliar em

procedimentos policiais ou processos judiciais.

32

Page 33: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

2.2.1 – Na vigência da Lei 9.437/97

A lei outrora revogada tratava do registro de armas em essencialmente

dois artigos (um terceiro artigo tratava do período de anistia concedido para a

regularização das armas até então não registradas), todavia, o tema era

esmiuçado em dez artigos distintos no Decreto 2.222/97

A obrigatoriedade do registro de armas foi imposto pelo artigo 3º da Lei

9.437/97, o qual proclamava expressamente que “é obrigatório o registro de

arma de fogo no órgão competente, excetuadas as consideradas obsoletas”. O

critério para definir armas obsoletas (isentas de serem registradas)

encontrava-se inscrito nos parágrafos do artigo 3º do Decreto 2.222:

“§ 1° Armas obsoletas, para fins desta regulamentação,

são as fabricadas há mais de cem anos, sem condições

de funcionamento eficaz e cuja munição não mais seja de

produção comercial.

§ 2° São também consideradas obsoletas as réplicas

históricas de comprovada ineficácia para o tiro,

decorrente da ação do tempo, de dano irreparável, ou de

qualquer outro fator que impossibilite seu funcionamento

eficaz, e usadas apenas em atividades folclóricas ou

como peças de coleção”.

A emissão do registro antecederia a entrega da arma ao novo

proprietário, de modo que, tendo interesse na aquisição de uma arma de fogo

o cidadão deveria requerer o registro junto à autoridade policial estadual que

verificaria a existência de antecedentes criminais contra o postulante.

Apenas após a constatação da inexistência de registros criminais nos

assentamentos pessoais do requerente seria consultado o SINARM para

verificar se os demais requisitos eram atendidos, sendo então finalmente

33

Page 34: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

emitido o registro da arma, momento em que o então proprietário poderia

tomar a posse do armamento, tal como fora fixado pelo artigo 5º do Decreto

2.222/97:

“O órgão especializado para o registro de arma de fogo,

antes da consulta ao SINARM com solicitação de

autorização para o registro, deverá averiguar se há contra

o interessado assentamento de ocorrência policial ou

antecedentes criminais, que o descredencie a possuir

arma de fogo, e, se houver, indeferir, de imediato, o

registro e comunicar o motivo ao SINARM.

Parágrafo único. A efetivação da compra da arma só

ocorrerá após a autorização para o registro”.

Por fim, o artigo 5º da Lei 9.437/97 criava um período de “anistia” de

seis meses para que os proprietários de armas até então sem registro os

fizessem junto ao SINARM de modo a proporcionar aos proprietários de armas

ilegais a possibilidade de as regularizarem, expandindo o controle estatal

também sobre este acervo até então fora do raio de vigilância do Poder

Público. À época foi concedido Certificado de Registro até àqueles que

requereram registro de arma já registrada em nome de terceiro.

Para que o registro fosse realizado neste período de anistia era exigido

apenas que a arma tivesse numeração de série gravada (para que pudesse

ser individualizada), havendo presunção absoluta de boa-fé do requerente por

imposição legal disposta no artigo 9º do Decreto 2.222/97:

“Durante o período a que se refere o art. 5° da Lei n°

9.437, de 1997, será concedido registro de arma de fogo

de uso permitido, ainda não registrada,

independentemente de limites de quantidade e

comprovação de origem”.

34

Page 35: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Os limites quantitativos impostos pelo R-105 do Ministério do Exército,

como visto, também foram desconsiderados neste período por força do mesmo

dispositivo legal, sendo então permitido registrar um numeral ilimitado de

armas até então ilegais

Até mesmo as armas definidas como de uso restrito ou proibido pelo

R-105 seriam passíveis de registro, todavia, a propriedade da arma deveria ser

transferida através de doação ao Ministério do Exército, ou a outro órgão ou

pessoa que tivesse habilitação para o manuseio de referido equipamento

(atiradores, colecionadores, órgãos policiais, etc).

2.2.2 – Na vigência da Lei 10.826/03

O Estatuto do Desarmamento impôs critérios mais rigorosos para a

emissão do registro da arma de fogo e, por conseqüência, da compra/venda

de armas.

O artigo 4º passa a aborda os requisitos exigidos para a emissão do

registro de arma:

“Para adquirir arma de fogo de uso permitido o

interessado deverá, além de declarar a efetiva

necessidade, atender aos seguintes requisitos:

I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de

certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas

pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não

estar respondendo a inquérito policial ou a processo

criminal, que poderão ser fornecidas por meios

eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

II – apresentação de documento comprobatório de

ocupação lícita e de residência certa;

35

Page 36: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão

psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas

na forma disposta no regulamento desta Lei”.

O Decreto 5.123/04 referendou as mesmas exigências acrescentando

ainda a necessidade do requerente possuir ao menos 25 anos de idade

(exigência inexistente na legislação anterior e na Lei 10.826/03). Há previsão

de exceção a esta limitação no artigo 28 da Lei 10.826/03, ou seja, quando o

cidadão for integrante das Forças Armadas, órgãos policiais, agente da ABIN

ou demais categorias poderá adquirir arma particular, mesmo tendo menos de

25 anos.

Como se percebe, a nova lei passou a exigir daquele que pretende

adquirir arma de fogo os mesmos requisitos que outrora eram exigidos para

quem pretendesse portar arma de fogo.

Além dos diversos critérios objetivos, o postulante à aquisição de arma

de fogo dependeria ainda da avaliação subjetiva da autoridade policial, no que

tange à exigência inserta no inciso I acima transcrito, como se depreende da

leitura do parágrafo 1º do artigo 12 do Decreto 5.123/04:

A declaração de que trata o inciso I do caput deverá

explicitar, no pedido de aquisição e em cada renovação

do registro, os fatos e circunstâncias justificadoras do

pedido, que serão examinados pelo órgão competente

segundo as orientações a serem expedidas em ato

próprio”.

Assim como ocorria na legislação antecedente, a posse da arma de

fogo só será concedida após o registro ser emitido, sendo indiferente se a

arma é nova ou usada, se adquirida de pessoa física ou jurídica.

36

Page 37: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Ao contrário do previsto na legislação anterior, os registros não mais

são emitidos pelas Polícias Civis dos Estados, mas pela Polícia Federal após

autorização do SINARM.

Também houve alteração no prazo de validade do registro que, na

legislação antecedente, era válido por período indeterminado, passando a ter

validade de 3 anos, necessitando ser renovado em período não superior a

este, para que o proprietário da arma não incorra no crime de posse ilegal de

arma.

A cada renovação se fará necessário comprovar todos os requisitos

necessários para a obtenção do registro, inclusive a declaração de efetiva

necessidade.

Note-se que a exigência da apresentação da declaração de efetiva

necessidade está inserida no caput do artigo 4º da Lei 10.826/03 sendo,

portanto, dispensada quando da renovação do registro eis que o parágrafo 2º

do artigo 5º da Lei 10.826/03 da mesma lei se refere exclusivamente aos

incisos: “Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser

comprovados periodicamente (...) para a renovação do Certificado de Registro

de Arma de Fogo”.

Da mesma forma, o Decreto 5.123/04 dispõe no parágrafo 2º de seu

artigo 16 que a declaração de necessidade efetiva não será critério adotado

para a renovação do registro. Contudo, o parágrafo 1º do artigo 12 do

mencionado Decreto expõe expressamente que a referida declaração será

obrigatória também no momento da renovação do registro da arma:

“A declaração de que trata o inciso I do caput deverá

explicitar, no pedido de aquisição e em cada renovação

do registro, os fatos e circunstâncias justificadoras do

pedido, que serão examinados pelo órgão competente...”.

37

Page 38: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Por fim, o Estatuto do Desarmamento dispõe que as armas cujo

registro fora emitido pelo Poder Publico Estadual — mesmo aquelas já

registradas no SINARM sob a vigência da lei antecedente — deverão ser

recadastradas junto à Polícia Federal até o prazo máximo de 31 de dezembro

de 2009 (prazo este que foi estendido por diversas vezes em uma via crucis já

explicada detalhadamente no Capítulo I, item 1.4.2 do presente trabalho

monográfico).

Foi aberto também prazo para regularização de armas ainda não

registradas que foi estendido por diversas vezes, tendo seu prazo final

definitivo no dia 31 de dezembro de 2008.

Ao contrário do que dispunha a legislação anterior, desta feita não se

concedeu anistia total, uma vez que tornou-se obrigatória inicialmente a

comprovação da procedência da arma por qualquer meio de prova admitido

em juízo, apesar de haver previsão expressa de presunção de boa-fé no artigo

69 do Decreto 5.123/04:

“Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários

de armas de fogo que se enquadrem na hipótese do art.

32 da Lei no 10.826, de 2003, se não constar do SINARM

qualquer registro que aponte a origem ilícita da arma”.

Posteriormente, com o advento da Lei 11.706/08 a redação do artigo

30 da Lei 10.826/03 foi alterada não sendo mais necessário fazer prova da

procedência da arma, podendo ser esta substituída por uma declaração

assinada pelo requerente do registro. Cumpre ressaltar que essa pequena

alteração influenciou sensivelmente para que mais pessoas ingressassem com

pedido de registro, pois a comprovação da propriedade ficaria muito menos

complicada.

38

Page 39: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

A tentativa de registrar arma que já possuísse registro pretérito sem o

consentimento daquele que figurava como proprietário da arma (ou seus

herdeiros) seria indeferida, eis que só foram contempladas pela hipótese deste

dispositivo as armas de uso permitido ainda não registradas. Igualmente,

armas de calibre restrito ou proibido não puderam ser registradas com o

advento do Estatuto do Desarmamento.

Embora o novo ordenamento jurídico não contemplasse uma norma de

conteúdo similar ao previsto no artigo 9º do Decreto 2.222/97, na prática o

Poder Público não considerou os limites quantitativos existentes no R-105,

permitindo o registro de tantas armas quanto requeridas, desde que não

tivessem registro prévio em nome de outrem e estivessem qualificadas como

de “uso permitido”.

Finalmente, a Lei 10.826/03 criou em seus artigos 31 e 32 a figura da

recompra de armamento nas mãos de civis pelo Estado, com vistas a oferecer

uma oportunidade para desarmar a população. Inicialmente foi concedido um

prazo de 180 dias para que as armas (legalizadas ou ilegais) fossem

entregues mediante pagamento de indenização que variava de R$100,00 a

R$300,00 (dependendo essencialmente do tipo de arma e calibre).

Depois de diversas alterações legislativas, o corpo do artigo 32 foi

retificado de forma a tornar a campanha de recompra de armas permanente.

Desta forma, mesmo após encerrado o prazo para registro de armas sem

registro ainda haverá a possibilidade de entrega a arma que se encontre na

ilegalidade para a Autoridade Policial, ficando extinta a punibilidade do crime

de posse ilegal de arma.

A questão que se impõe é: Qual o destino das armas entregues

voluntariamente no programa de recompra de armas? O parágrafo único do

artigo 32 abordava o assunto determinando que após a elaboração de laudo

pericial, seriam encaminhadas, no prazo de 48 horas ao Comando do Exército

39

Page 40: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

para destruição, sendo vedada a suta utilização ou reaproveitamento para

qualquer fim. Ocorre que este parágrafo foi revogado expressamente pela

Medida Provisória 417/08 que passou a estatuir que o procedimento de

entrega seria definido em regulamento próprio. Ocorre que o Decreto 5.123/04

que regulamenta o Estatuto do Desarmamento não contemplou esta questão.

Por fim a Lei 11.706/08 revogou expressamente o parágrafo único do artigo

32, ignorando por completo a questão da destinação das armas entregues

voluntariamente no programa de recompra mantido pelo Poder Público.

2.3 – Do porte de arma

Porte de arma é a nomenclatura técnica dado ao direito de portar arma

de fogo fora das limitações geográficas da residência ou local de trabalho do

seu proprietário. Essa autorização para portar arma de fogo é concedida pela

autoridade policial com prazo de tempo delimitado e a título precário, podendo

ser revogado a qualquer momento.

Cabe ressaltar que algumas categorias como policiais e bombeiros

possuem o chamado “porte de arma funcional” que decorreria da função

pública por eles exercida (e não por uma licença precária emitida pela

Autoridade Policial). Neste caso, o direito ao porte de arma não pode ser

cassado ou revogado, exceto em virtude da exoneração ou demissão do

servidor.

No Brasil o porte de arma é vinculado a uma arma específica, ou seja,

ao se requerer o direito de portar arma, deve ser especificada qual arma se

pretende portar e, caso concedido o direito, o cidadão poderá portar fora de

seus domínios apenas a arma cujo porte foi concedido, ainda que possua

diversas outras. Nova exceção se impõe também para os servidores públicos

que seja atribuído porte funcional, pois, nestes casos, o porte será irrestrito,

40

Page 41: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

permitindo portar diversas armas, desde que devidamente registradas em seu

nome ou da corporação a que pertença.

2.3.1 – Na vigência da Lei 9.437/97

A Lei 9.437/97 determinava que as permissões para portar arma de

fogo seriam concedidas essencialmente pela Autoridade Policial estadual e

teriam validade limitada à Unidade da Federação em que foi emitida, exceto se

houvesse convênio com Estados limítrofes (art. 7º, §1º da Lei 9.437/97).

Excepcionalmente poderia ser concedido o direito ao porte de arma

com abrangência nacional, que seria emitido pela Autoridade Policial federal

(art. 8º da Lei 9437/97) quando o requerente comprovasse a necessidade de

deslocar-se com regularidade por todo o território nacional (art. 14 do Decreto

2.222/97).

Neste mesmo sentido o Decreto 2.222/97 determinava no parágrafo 1º

do artigo 28 que o porte de arma dos policiais civis, militares e bombeiros

estaduais só teria abrangência no Estado da Federação em que exercessem

sua função pública (e nos Estados limítrofes que tivessem convênios).

O mesmo não ocorreria com os Policiais Federais, Rodoviários

Federais e Ferroviários Federais que detinham o direito de portar armas em

todo o território federal.

Para requerer o direito ao porte de arma o cidadão deveria “comprovar

idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade

técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo”, conforme já

explorado no item 1.4.1 do presente trabalho monográfico (art. 7º da Lei

9.437/97).

41

Page 42: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

A condução da arma deveria ser feita de forma discreta, sendo

permitido o porte ostensivo do armamento apenas para servidores públicos da

área de segurança pública, militares ou funcionários de empresas de

transporte de valores ou segurança privada, desde que no exercício das

funções profissionais.

Havia ainda vedação expressa aos detentores do direito de portar

armas de ingressarem armados em “... clubes, casas de diversão,

estabelecimento educacionais e locais onde se realizem competições

esportivas ou reunião, ou haja aglomeração de pessoas” (art. 17 do Decreto

2.222/97).

Embora a legislação não aborde o assunto, a doutrina já pacificou que

esta limitação só se imporia para aqueles que detivessem a licença precária

para portar arma emitida pela Autoridade Policial, não abrangendo os

detentores de porte de arma funcional, tais como policiais que teriam o dever

de fiscalizar e/ou atuar também no interior destes locais podendo, portanto,

ingressar armados neles sem restrições, desde que no exercício da função

público. Desta forma manifestou-se o legislador ao mencionar no artigo 28 do

Decreto 2.222/97 que “O porte de arma de fogo é inerente aos policiais

federais, policiais civis, policiais militares e bombeiros militares”.

Por fim, o Decreto 2.222/97 enumerava as obrigações do portador de

autorização para o porte de arma de fogo em seu artigo 25 (esclarecendo que

o descumprimento destas implicaria na cassação do direito ao porte de arma):

I - informar ao órgão expedidor da respectiva autorização

sua mudança de domicílio;

II - comunicar imediatamente o extravio, furto ou roubo,

bem como a recuperação da arma, assim como do porte,

à Delegacia de Polícia mais próxima ao local do fato e,

posteriormente, ao órgão expedidor da autorização;

42

Page 43: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

III - conduzir a respectiva licença ao portar a arma a que

a mesma se refere.

2.3.2 – Na vigência da Lei 10.826/03

A Lei 10.826/03 restringiu expressamente o porte de arma por civis,

limitando o acesso a esse direito para as categorias relacionadas nos incisos

do artigo 6º e nas demais hipóteses abaixo descritas.

Abrem-se duas exceções, a primeira prevista no parágrafo 5º do

mesmo artigo 6º, que trata dos caçadores de subsistência (que foi

regulamentado pelo artigo 27 do Decreto 5.123/04) e a outra prevista no

parágrafo 1º do artigo 10, para pessoas que demonstrarem “efetiva

necessidade em virtude de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua

integridade física”.

É pertinente também mencionar que o rol de categorias contempladas

com o direito de portar armas de fogo no artigo 6º da Lei 10.826/03 não é

numerus clausus, uma vez que o próprio artigo prevê a hipótese de exceções

para “(...) casos previstos em legislação própria...”.

Não obstante a legislação anterior determinar que o porte de arma

seria concedido com abrangência regional (apenas excepcionalmente era

concedido o porte de armas com abrangência federal), o Estatuto do

Desarmamento federalizou o porte de armas (desde que o cidadão esteja

dentro das hipóteses previstas para obtenção do porte de armas).

O porte de armas funcional dos servidores públicos passa a ser

disciplinado pelo artigo 33 e seguintes do Decreto 5.123/04, o qual impõe uma

série de restrições não contempladas na legislação anterior:

43

Page 44: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

         O porte de arma particular em serviço por policiais passa a ser

restringido expressamente (art. 35);

         O ingresso de policiais armados, fora de serviço, em locais aonde haja

aglomeração de pessoas passa a ser condicionado à obediência de

regulamentos a serem criados próprio órgão em que são lotados;

         Os integrantes das Forças Armadas e policiais transferidos para a

reserva remunerada ou aposentados precisarão submeter-se a testes

de avaliação psicológica a cada 3 anos para permanecerem com o

direito de portar armas.

O Estatuto do Desarmamento contempla a hipótese da concessão ao

direito de portar armas aos praticantes de atividades desportivas que

demandem o uso de armas de fogo no inciso IX do artigo 6º da Lei 10.826/03,

contudo, já se consolidou o entendimento de que o porte mencionado pelo

legislador restringe-se ao interior dos clubes de tiro e locais aonde se realizem

eventos desportivos.

Desta forma, os atiradores competidores continuariam obrigados a

requerer guia de tráfego para deslocarem-se de sua residência até o estande

de tiro ou local de competição.

A limitação ao porte de armas ostensivo e/ou em locais públicos,

reuniões e aglomerações já existente no ordenamento anterior foi reproduzido

pelo Decreto 5.123/04 em seu artigo 26, sendo pertinente ressaltar que as

mesmas ressalvas feitas anteriormente quando da análise do dispositivo

anterior também se aplicam aqui.

44

Page 45: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

2.4 – Dos crimes em espécie

2.4.1 – Na vigência da Lei 9.437/97

A Lei 9.437/97 criou algumas condutas típicas em seu artigo 10,

todavia, pecou pela razoabilidade ao atribuir a todas as condutas descritas a

mesma pena em abstrato: possuir, portar, vender, emprestar arma de fogo

bem como as demais condutas descritas na lei eram punidas com a mesma

pena, apesar da gravidade e o grau de reprovação das condutas variar

consideravelmente.

É notável que o traficante de armas oferece maior risco à sociedade do

que o aposentado que perdeu o prazo para renovar o registro da arma

herdada de um familiar, todavia, pela redação da Lei 9.437/97 ambos estariam

sujeitos à mesma pena (em abstrato).

A norma previa pena mais grave apenas para as hipóteses

relacionadas nos parágrafos 2º e 3º, e uma qualificadora no parágrafo 4º,

todos do mesmo artigo 10.

É possível discriminar as condutas puníveis pela Lei 9.437 em dois

grandes grupos. O primeiro, com pena em abstrato prevista de um a dois anos:

Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar,

expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito,

transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,

remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de

fogo, de uso permitido, sem a autorização e em

desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Omitir as cautelas necessárias para impedir que menor

de dezoito anos ou deficiente mental se apodere de arma

de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua

45

Page 46: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

propriedade, exceto para a prática do desporto quando o

menor estiver acompanhado do responsável ou instrutor;

Utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de

atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes;

Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar

habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em

direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais

grave.

E o segundo grupo com previsão de pena em abstrato variando entre

dois a quatro anos:

Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal

de identificação de arma de fogo ou artefato;

Modificar as características da arma de fogo, de forma a

torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou

restrito;

Possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo

e/ou incendiário sem autorização;

Possuir condenação anterior por crime contra a pessoa,

contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e

drogas afins.

Note-se que o núcleo do tipo inserido no art. 10, §3º, I prevê a

criminalização da conduta de “suprimir ou alterar marca, numeração ou

qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato”, entretanto, não

havia previsão de agravamento da pena caso o crime fosse cometido com

arma com sinais de identificações alterados ou apagados.

46

Page 47: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

O legislador previu apenas a conduta daquele que adultera a arma,

silenciando quanto àquele que porta arma com sinais de identificação

alterados. Desta forma, era impossível agravar a situação do cidadão preso

portando arma sem numeração de série (ou com este adulterado) eis que não

havia previsão legal e qualquer inovação neste sentido por parte do Ministério

Público ou da Autoridade Policial implicaria em violação ao princípio da

legalidade.

Por fim havia ainda uma qualificadora que aumentava a pena da

metade, caso o crime fosse cometido por servidor público.

2.4.2 – Na vigência da Lei 10.826/03

A nova Lei foi pródiga no tratamento dos crimes em espécie, o artigo

10 da Lei 9.437/97 que tratava do assunto de forma tímida foi substituído por

um corpo bem redigido de 10 artigos que passaram a esquadrinhar o tema

com o detalhamento que a sociedade exige.

O crime de posse ilegal de arma passou a ser diferenciado do crime de

porte ilegal de arma. Embora as condutas sejam notadamente diferentes

(enquanto naquele o cidadão mantém a arma em sua posse em sua residência

ou local de trabalho, neste a arma é transportada consigo para fora de seus

domínios), a lei anterior tratava-os da mesma forma. Agora a posse passa a

ser reprimida com pena de 1 a 3 anos de detenção e o porte com pena de 2 a

4 anos de reclusão.

Perceba que as penas mencionadas acima só se aplicam se a arma

qualificar-se como de uso permitido. Caso esteja no rol das armas de uso

restrito sofrerá reprimenda mais intensa do Poder Público, com penas variando

de 3 a 6 anos de reclusão. No caso de armas de uso restrito, a pena em

abstrato é comum a diversos núcleos do tipo: “Possuir, deter, portar, adquirir,

47

Page 48: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,

emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar ...” (art. 16 da

Lei 10.826/03).

Deve-se ressaltar que, enquanto na Lei 9.437/97, no caso de

adulteração nas características da arma, apenas a conduta do adulterador da

arma era reprimida, não existindo previsão legal para agravar a conduta

daquele que portava arma adulterada.

O mesmo deslize não se repetiu no Estatuto do Desarmamento que

previu expressamente tanto a tipificação do crime de adulteração de arma de

fogo, quanto a de portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer a arma com

numeração ou qualquer outro sinal de identificação adulterado, observe:

Art.16 (...)

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer

sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma

de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal

de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

Para ambos os casos a pena cominada é a mesma aplicada ao porte

de arma de uso restrito (de 3 a 6 anos de reclusão), todavia, caso a arma

adulterada já seja de uso restrito, não haverá agravamento da pena em

abstrato.

Criou-se um fato típico na modalidade culposa, intitulado crime de

omissão de cautela, quando o possuidor ou proprietário não toma cautelas

necessárias (imprudência ou negligência) para evitar que inimputável tome

posse de arma de fogo. Atribui-se a mesma pena ao responsável de empresa

de transporte de valores ou segurança privada que não comunicar

48

Page 49: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

imediatamente (prazo de 24h) a autoridade policial o roubo, furto ou extravio

de arma, acessório ou munição sob sua responsabilidade.

Aborda também a conduta de disparar arma “... em local habitado ou

em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa

conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime” (art. 15). Perceba-

se que, diferentemente do que fora previsto pela Lei 9.437/97, que reprimia a

conduta de disparar arma de fogo “... em lugar habitado ou em suas

adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não

constitua crime mais grave”, na nova lei o crime fim não precisa ser

necessariamente mais grave (leia-se reprimido com mais intensidade) para

que a capitulação se dê sobre o crime fim e não sobre o disparo de arma

(crime meio).

Por fim, o legislador criou a figura do tráfico interno e externo

(internacional) de armas de fogo nos artigos 17 e 18, respectivamente,

atribuindo-lhes pena igual em abstrato, qual seja, de 4 a 8 anos de reclusão.

49

Page 50: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

CAPÍTULO III

ASPECTOS CONTROVERSOS DO

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Desde o início de sua vigência o Estatuto do Desarmamento gerou

uma infinidade de polêmicas. Parte da doutrina contestava a legalidade e

constitucionalidade de diversos dispositivos introduzidos pelo novo

ordenamento legal.

3.1 – Da vacância da Lei 10.826/03

Vacância da lei é um termo jurídico que designa o tempo o lapso

temporal entre a publicação e a vigência da norma. No caso da Lei 10.826/03

o legislador fez questão de antecipar a vigência ao momento da publicação da

norma, como se depreende da leitura de seu artigo 37.

Alguns dispositivos ainda demoraram a serem dotados de eficácia, eis

que a regulamentação da lei só foi publicada no ano seguinte, pairando ainda

a dúvida sobre a vigência do artigo 35 que ficou condicionado à sua aprovação

em referendo popular, fato este que não veio a ocorrer.

Apesar do prazo legal de vacância estar previsto no corpo da própria

lei, um relevante questionamento foi suscitado por estudiosos do Direito, no

que diz respeito à vigência dos tipos penais incriminadores inscritos nos artigos

12 e 16 em detrimento do dispositivo descriminalizador previsto no artigo 30 da

Lei 10.826/03.

50

Page 51: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Afinal, contraria a noção elementar de razoabilidade o ato de punir

alguém por possuir arma não legalizada em seus domínios, se a própria lei

prevê um lapso de tempo em que esta arma poderá ser legalizada sem que

seu possuidor venha a sofrer sanções penais. Sempre se poderá alegar que a

arma seria regularizada no dia seguinte e que não o fez por falta de

oportunidades.

Neste mesmo sentido posicionou-se o Min. Arnaldo Esteves Lima,

quando do julgamento do HC 47706/SP em 09/08/2007:

“1. As condutas previstas nos arts. 12 (posse ilegal de

arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ilegal de

armas de fogo de uso restrito) da Lei 10.826/03

praticadas dentro do período de regularização ou entrega

de arma de fogo à Polícia Federal não são dotadas de

tipicidade.

2. Flagrado o paciente dentro do período chamado de

vacatio legis indireta , em que estava suspensa a eficácia

do preceito legal que dispõe sobre o delito que lhe foi

imputado, deve ser reconhecida a atipicidade da

conduta”.

De antemão é possível concluir que a eficácia do dispositivo expresso

no artigo 16 (posse/porte de arma de fogo de uso restrito) não será suspensa,

eis que o artigo 30 menciona taxativamente que apenas as armas de fogo de

uso permitido serão passíveis de regularização.

Em seu artigo, CARVALHO enumera duas justificativas coerentes na

defesa da suspensão da tipicidade do crime de posse de arma de fogo, sem

registro, de uso permitido:

51

Page 52: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

“Primeiro: o tipo do art. 12 da Lei do Desarmamento

prevê o elemento normativo "em desacordo com

determinação legal ou regulamentar". Logo, se a lei prevê

um prazo para que o possuidor de arma de fogo solicite o

devido registro nos órgãos competentes, a posse do

armamento no interior das residências e locais de

trabalho torna-se uma conduta perfeitamente lícita, até o

advento do dies ad quem.

Segundo: do ponto de vista analítico do conceito tripartite

do crime, a questão deve ser tratada em sede de

tipicidade conglobante. Nessa lógica, a mesma norma

que impõe uma conduta a ser implementada pelos

possuidores e proprietários de armas de fogo (qual seja,

o dever de registro das armas de fogo de uso permitido

até o prazo máximo de 31 de dezembro de 2008), não

pode, a um só tempo, torná-la típica. Por corolário,

afastada a tipicidade conglobante, resta prejudicada a

tipicidade da conduta”.

É importante enfatizar que, para que a arma de fogo possa ser

beneficiada pela “anistia” prevista no artigo 30, ela deverá pertencer à

categoria de armas “de uso permitido”, além de ter numeração de série, para

que possa ser individualizada. Desta forma, a arma de fogo cuja numeração de

série esteja adulterada ou raspada não se beneficiaria da suspensão da

tipicidade aqui analisada.

Outro aspecto digno de atenção diz respeito ao processo de recompra

de armas mantido pelo Poder Público — agora de forma definitiva — que

provoca, em tese, as mesmas conseqüências do artigo 30 (extinção da

punibilidade).

52

Page 53: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Ministrando-se ao artigo 32 a mesma lógica aplicada ao artigo 30

conclui-se que, por terem conteúdo similar, deveriam provocar a mesma

conseqüência, qual seja a atipicidade definitiva da conduta descrita nos artigos

12 e 14 (no que tange à posse de arma de fogo), uma vez que, ao contrário do

disposto no artigo 30, o artigo 32 não impõe limite de tempo para que a

entrega das armas ocorra, nem restringe o tipo de arma a ser recomprada.

Nas pesquisas realizadas por ocasião do presente trabalho

monográfico nada foi encontrado sobre o assunto, porém, considerando as

graves conseqüências inerentes a esta interpretação (que acarretaria na

revogação dos tipos penais de posse de arma de fogo de uso permitido e

restrito sem registro), acreditamos fortemente que por questões de política de

segurança, não será reconhecida a atipicidade das condutas mencionadas em

virtude do conteúdo do artigo 32.

53

Page 54: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

CONCLUSÃO

O controle da população civil ao acesso a armas de fogo, questão

minuciosamente tratada por leis federais nos dias atuais, só passou a ser

tratada com seriedade no final do século XX com a eclosão da “epidemia de

violência” vivenciada mormente nos idos de 1980.

Apesar do rigor evidenciado pelo Estatuto do Desarmamento na

imposição de duras penas às condutas criminosas por ele tratadas, sua

construção e aprovação se deram através de uma temerosa técnica legislativa

que culminou na aprovação de um texto legal com diversas incongruências e

que não espelhava os anseios da sociedade, haja vista a derrota sofrida no

referendo popular de 2005.

Algumas dessas incoerências foram abordadas no presente trabalho

monográfico, tendo-se como certo de que diversas outras lacunas não foram

abordadas, sendo motivo para debates doutrinários vindouros. Não há como

se esgotar o assunto em um único trabalho, por mais intensa que seja a

pesquisa realizada, eis que diversas posições divergentes se imporão ao longo

tempo.

Preconizou-se, todavia, o acesso facilitado ao conteúdo do Estatuto do

Desarmamento e sua regulamentação, estabelecendo-se um padrão

comparativo entre a legislação vigente e a antecedente, de forma a facilitar a

transição daqueles que detinham algum domínio sobre o assunto, mas que

foram surpreendidos com a imposição do novo Estatuto.

Apesar das diversas incoerências ilustradas no presente trabalho

monográfico, permanece a sensação de que, o Estatuto do Desarmamento é

uma importante ferramenta à disposição do Estado no controle da violência

urbana e, apesar das arestas ainda notadamente expostas, a qualidade da

produção jurisprudencial pátria se encarregará de delinear contornos sólidos

54

Page 55: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

para a aplicação da lei dentro dos princípios constitucionais adotados por

nosso ordenamento.

55

Page 56: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

ANEXOS

NORMAS LEGAIS ABORDADAS NA MONOGRAFIA

DECRETO Nº 24.602   DE 6 DE JULHO DE 1934.

Dispõem sobre instalação e fiscalização de fábricas e comércio de armas municções, explosivos, produtos quimicos agressivos e matérias correlatas.

        O Chefe do Govêrno Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brasil , usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930,

        DECRETA:

        Art. 1º Fica proibida a instalação, no país, de fábricas civis destinadas ao fabrico de armas e munições de guerra .

        Parágrafo único. É, entretanto, facultativo ao Govêrno conceder autorização, sob as condições :

        a) de ser aceita uma fiscalização permanente nas suas direções administrativas, técnica e industrial, por oficiais do Exército, nomeados pelo Ministro da Guerra, sem onus para a fabrica;

        b) de submeter-se às restrições que o Govêrno Federal julgar conveniente determinar ao comércio de sua produção para o exterior ou interior;

        c) de estabelecer preferência para o Govêrno Federal na aquisição dos seus produtos .

        Art. 2º É absolutamente proibido qualquer fábrica civil fabricar munição de guerra, a não ser no caso previsto no parágrafo único do art.1º .

        Art. 3º Nenhuma fábrica de produção de cartuchos, munições e armas de caça ou de explosivos poderá se instalar ou funcionar, se existe, sem que haja:

        1º, satisfeito às exigências técnicas ditadas pelo Ministério da Guerra;

        2º, assinado o compromisso de aceitar as restrições que o Govêrno Federal, através de seus órgãos julgar conveniente criar ao comércio de sua produção, tanto para o exterior como para o interior, bem como as referências ás importações de matérias primas.

        Essas restrições se justificarão:

        a) em de tratados com países estrangeiros ou solicitação dos mesmos, a juízo do Govêrno;

        b) na previsão de acontecimentos anormais que atentem contra a ordem e segurança públicas;

        c) quando razões superiores de ordem econômica, visando a utilização de recursos naturais do país, assim o imponham .

        3º, registrado no mesmo Ministério as declarações seguintes:

56

Page 57: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        a) nome da fábrica; b) firma comercial responsável e; c) situação da fábrica; d) linhas de comunicação e sua natureza, para a capital do Estado em que estiver instalada; e) área, coberta da fabrica; f) número de pavilhões das oficinas; g) natureza da produção; h) volume da produção anual; i) capacidade de produção em oito horas de trabalho; j) número de operários; l) marcas das máquinas das oficinas (fabricantes); m) distancias das máquinas, se por transmissão ou motor conjugado; n) distancias da fábrica com todos os seus pavilhões e depósitos; p) fórmulas de seus produtos com caráter "secreto"; q) stocks existentes das várias matérias primas, e, também do material produzido; r) sujeitar-se à fiscalização do Ministério da Gueerra, através os seus órgãos técnicos, seja durante a produção ou após sua distribuição ao comércio; s) provado a idoneidade da firma com atestados passados pelas polícias locais; t) provado sua quitação com as Prefeituras locais.

        4º, recebido um título de registro expedido pelo Ministério da Guerra que terá o valor de licença dessa autoridade .

        Art. 4º As declarações acima, obrigatórias no pedido de registro, que a fábrica deverá fazer, são de caráter – secreto – e para uso exclusivo da repartição competente do Ministério da Guerra .

        Art. 5º Após êsse registro nenhum novo tipo de material poderá ser fabricado sem suas características ou fórmulas se achem devidamente aprovadas e registros no Ministério da Guerra .

        Art. 6º A fabricação de pólvoras, explosivos e artigos pirotécnicos, atentas as necessidades de fiscalização e os sérios perigos de vida que oferecem, somente poderá ser realizada por fábricas devidamente licenciadas pelo Ministério da Guerra nos têrmos do art. 3º dêste decreto.

        Art. 7º Os oficiais designados fiscais, conforme prescreve o art. 1º, letra a, serão substituídos anualmente, não podendo exceder êsse prazo, para urna mesma fábrica.

        Art. 8º O atual Serviço de Fiscalisação da Importação e despacho de armas, munições, explosivos, etc., a cargo do Ministério da Guerra, passar-se-á a denominar "Serviço de Fiscalisação da Importação, Depósito e Trânsito de Armas Munições, Explosivos, Produtos químicos agressivos e matérias primas correlatas", e terá as atribuições consignada em suas instruções, com as modificações decorrentes dêste decreto.

        Art. 9º Ficam obrigadas a um registro sumário no Ministério da Guerra tôdas as fábricas existentes ou a se constituírem não compreendidos nos artigos anteriores e todos quantos constituindo firmas comerciais ou não, como as primeiras, necessitem importar, manipular e negociar com os produtos sujeitos a fiscalisação e que serão discriminados nas respectivas instruções.

        Art. 10 O Ministério da Guerra promoverá era caráter de regulamentação a revisão das instruções existentes de forma a permitir unia melhor fiscalisação e manterá as atribuições de "Controle" das importações de materiais, artefatos e produtos que julgar de necessidade conservar ou incluir em suas novas instruções.

        Art. 11 As fábricas existentes terão o prazo do 90 dias para regularizarem sua situação pelos termos dêste decreto.

       Art. 12 Serão estabelecidas nas respectivas regulamentações penalidades para os diversos casos de fraudes, penalidades essas que variarão entre a suspensão de funcionamento da fábrica ou do direito de comércio por tempo determinado, não excedendo de seis meses, e a perda definitiva de idoneidade e conseqüente proibição de funcionamento, sem indenisação de espécie alguma.         Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo será assegurada ampla defesa à parte acusada de transgressão e tomadas por termo as suas justificações em inquérito sumário mandado abrir pelo diretor do Material Bélico, que imporá a penalidade.

57

Page 58: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        A penalidade de perda definitiva de idoneidade somente será imposta pelo ministro da Guerra.

       

        Art. 13 O ministro da Guerra regulamentará também as disposições do § do único do art.1º.

        Art. 14 Revogam-se as disposições em contrário.

        Rio de Janeiro, 6 de julho de 1934, 113º da Independência e 46º da República.

GETULIO VARGAS. P. Góes Monteiro.

DECRETO-LEI Nº 3.688,   DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.

Lei das Contravenções Penais

        O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

        DECRETA:

(...)

Art. 18. Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem permissão da autoridade, arma ou munição:

        Pena – prisão simples, de três meses a um ano, ou multa, de um a cinco contos de réis, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitue crime contra a ordem política ou social.

        Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

        Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

        § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrivel, por violência contra pessoa.

        § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:

        a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;

        b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;

        c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.

(...)

58

Page 59: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Art. 28. Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela:

        Pena – prisão simples, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a três contos de réis.

        Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem, em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, sem licença da autoridade, causa deflagração perigosa, queima fogo de artifício ou solta balão aceso.

LEI Nº 9.437, DE   20 DE FEVEREIRO DE 1997.

Institui o Sistema Nacional de Armas - SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço  saber  que   o    Congresso  Nacional decreta e eu sanciono  a  seguinte Lei:

Capítulo I

DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS

Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Armas - SINARM no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional.

Art. 2° Ao SINARM compete:

I - identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;

II - cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;

III - cadastrar as transferências de propriedade, o extravio, o furto, o roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais;

IV - identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo;

V - integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

VI - cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais.

Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus registros próprios.

Capítulo II

DO REGISTRO

Art. 3° É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, excetuadas as consideradas obsoletas.

Parágrafo único. Os proprietários de armas de fogo de uso restrito ou proibido deverão fazer seu cadastro como atiradores, colecionadores ou caçadores no Ministério do Exército.

59

Page 60: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Art. 4° O Certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.

Parágrafo único. A expedição do certificado de registro de arma de fogo será precedida de autorização do SINARM.

Art. 5° O proprietário, possuidor ou detentor de arma de fogo tem o prazo de seis meses, prorrogável por igual período, a critério do Poder Executivo, a partir da data da promulgação desta Lei, para promover o registro da arma ainda não registrada ou que teve a propriedade transferida, ficando dispensado de comprovar a sua origem, mediante requerimento, na conformidade do regulamento.

Parágrafo único. Presume-se de boa fé a pessoa que promover o registro de arma de fogo que tenha em sua posse.

Capítulo III

DO PORTE

Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.

Art. 7° A autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada, nos termos de atos regulamentares e dependerá de o requerente comprovar idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

§ 1° O porte estadual de arma de fogo registrada restringir-se-á aos limites da unidade da federação na qual esteja domiciliado o requerente, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.

§ 2° (VETADO)

§ 3° (VETADO)

Art. 8° A autorização federal para o porte de arma de fogo, com validade em todo o território nacional, somente será expedida em condições especiais, a serem estabelecidas em regulamento.

Art. 9° Fica instituída a cobrança de taxa pela prestação de serviços relativos à expedição de Porte Federal de Arma de Fogo, nos valores constantes do Anexo a esta Lei.

Parágrafo único. Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e manutenção das atividades do Departamento de Polícia Federal.

Capítulo IV

DOS CRIMES E DAS PENAS

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena - detenção de um a dois anos e multa.

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:

60

Page 61: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

I - omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito anos ou deficiente mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade, exceto para a prática do desporto quando o menor estiver acompanhado do responsável ou instrutor;

II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes;

III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave.

§ 2° A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito.

§ 3° Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem:

I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II - modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito;

III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou incendiário sem autorização;

IV - possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

§ 4° A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público.

Capítulo V

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 11. A definição de armas, acessórios e artefatos de uso proibido ou restrito será disciplinada em ato do Chefe do Poder Executivo federal, mediante proposta do Ministério do Exército.

Art. 12. Armas, acessórios e artefatos de uso restrito e de uso permitido são os definidos na legislação pertinente.

Art. 13. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2° desta Lei, compete ao Ministério do Exército autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de tráfego de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores.

Art. 14. As armas de fogo encontradas sem registro e/ou sem autorização serão apreendidas e, após elaboração do laudo pericial, recolhidas ao Ministério do Exército, que se encarregará de sua destinação.

Art. 15. É vedada a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir.

Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Ministério do Exército.

Art. 16. Caberá ao Ministério do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso proibido ou restrito.

61

Page 62: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às aquisições dos Ministérios Militares.

Art. 17. A classificação legal, técnica e geral das armas de fogo e demais produtos controlados, bem como a definição de armas de uso proibido ou restrito são de competência do Ministério do Exército.

Art. 18. É vedado ao menor de vinte e um anos adquirir arma de fogo.

Art. 19. O regulamento desta Lei será expedido pelo Poder Executivo no prazo de sessenta dias.

Parágrafo único. O regulamento poderá estabelecer o recadastramento geral ou parcial de todas as armas.

Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, exceto o art. 10, que entra em vigor após o transcurso do prazo de que trata o art. 5° .

Art. 21. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 20 de fevereiro de 1997; 176º da Independência e 109º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSONelson A. JobimZenildo de Lucena

LEI No 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.

Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

        DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS

        Art. 1o O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional.

        Art. 2o Ao Sinarm compete:

        I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;

        II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;

        III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal;

        IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores;

62

Page 63: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        V – identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo;

        VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

        VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais;

        VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade;

        IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições;

        X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante;

        XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.

        Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus registros próprios.

CAPÍTULO II

DO REGISTRO

        Art. 3o É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.

        Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei.

        Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

        I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

        III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.

        § 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.

        § 2o  A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 3o A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade competente, como também a manter banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos previstos neste artigo.

63

Page 64: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        § 4o A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua propriedade enquanto não forem vendidas.

        § 5o A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante autorização do Sinarm.

        § 6o A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar da data do requerimento do interessado.

        § 7o O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo.

        § 8o  Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características daquela a ser adquirida. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 5o O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004)

        § 1o O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia Federal e será precedido de autorização do Sinarm.

        § 2o Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo.       

        § 3o  O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o

desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)   (Prorrogação de prazo)

        § 4o  Para fins do cumprimento do disposto no § 3o deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na rede mundial de computadores - internet, na forma do regulamento e obedecidos os procedimentos a seguir: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        I - emissão de certificado de registro provisório pela internet, com validade inicial de 90 (noventa) dias; e (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        II - revalidação pela unidade do Departamento de Polícia Federal do certificado de registro provisório pelo prazo que estimar como necessário para a emissão definitiva do certificado de registro de propriedade. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

CAPÍTULO III

DO PORTE

        Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

        I – os integrantes das Forças Armadas;

64

Page 65: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

        III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

        IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004)

        V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

        VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

        VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;

        VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;

        IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

        X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

        § 1o  As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 1o-A (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 2o  A autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X do caput deste artigo está condicionada à comprovação do requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4o desta Lei nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 3o A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada a supervisão do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004)

        § 4o Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os militares dos Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento do disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do regulamento desta Lei.

        § 5o  Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e cinco) anos que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples, com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de

65

Page 66: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes documentos: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        I - documento de identificação pessoal; (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        II - comprovante de residência em área rural; e (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        III - atestado de bons antecedentes. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 6o  O caçador para subsistência que der outro uso à sua arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais, responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 7o  Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões metropolitanas será autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 7o As armas de fogo utilizadas pelos empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores, constituídas na forma da lei, serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas empresas, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo essas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da empresa.

        § 1o O proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança privada e de transporte de valores responderá pelo crime previsto no parágrafo único do art. 13 desta Lei, sem prejuízo das demais sanções administrativas e civis, se deixar de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.

        § 2o A empresa de segurança e de transporte de valores deverá apresentar documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei quanto aos empregados que portarão arma de fogo.

        § 3o A listagem dos empregados das empresas referidas neste artigo deverá ser atualizada semestralmente junto ao Sinarm.

        Art. 8o As armas de fogo utilizadas em entidades desportivas legalmente constituídas devem obedecer às condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, respondendo o possuidor ou o autorizado a portar a arma pela sua guarda na forma do regulamento desta Lei.

        Art. 9o Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

        Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.

        § 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente:

        I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;

66

Page 67: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei;

        III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.

        § 2o A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.

        Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos:

        I – ao registro de arma de fogo;

        II – à renovação de registro de arma de fogo;

        III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo;

        IV – à expedição de porte federal de arma de fogo;

        V – à renovação de porte de arma de fogo;

        VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.

        § 1o Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e à manutenção das atividades do Sinarm, da Polícia Federal e do Comando do Exército, no âmbito de suas respectivas responsabilidades.

        § 2o  São isentas do pagamento das taxas previstas neste artigo as pessoas e as instituições a que se referem os incisos I a VII e X e o § 5o do art. 6o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 11-A.  O Ministério da Justiça disciplinará a forma e as condições do credenciamento de profissionais pela Polícia Federal para comprovação da aptidão psicológica e da capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 1o  Na comprovação da aptidão psicológica, o valor cobrado pelo psicólogo não poderá exceder ao valor médio dos honorários profissionais para realização de avaliação psicológica constante do item 1.16 da tabela do Conselho Federal de Psicologia. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 2o  Na comprovação da capacidade técnica, o valor cobrado pelo instrutor de armamento e tiro não poderá exceder R$ 80,00 (oitenta reais), acrescido do custo da munição. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 3o  A cobrança de valores superiores aos previstos nos §§ 1o e 2o deste artigo implicará o descredenciamento do profissional pela Polícia Federal. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

 

CAPÍTULO IV

DOS CRIMES E DAS PENAS

        Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

        Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

67

Page 68: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

        Omissão de cautela

        Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:

        Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

        Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

        Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

        Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

        Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)

        Disparo de arma de fogo

        Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

        Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. (Vide Adin 3.112-1)

        Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

        Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

        Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

        I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

        II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

        III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

68

Page 69: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

        V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

        VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

        Comércio ilegal de arma de fogo

        Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

        Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

        Tráfico internacional de arma de fogo

        Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:

        Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

        Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.

        Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6o, 7o e 8o desta Lei.

        Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória. (Vide Adin 3.112-1)

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES GERAIS

        Art. 22. O Ministério da Justiça poderá celebrar convênios com os Estados e o Distrito Federal para o cumprimento do disposto nesta Lei.

        Art. 23.  A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 1o Todas as munições comercializadas no País deverão estar acondicionadas em embalagens com sistema de código de barras, gravado na caixa, visando possibilitar a identificação do fabricante e do adquirente, entre outras informações definidas pelo regulamento desta Lei.

        § 2o Para os órgãos referidos no art. 6o, somente serão expedidas autorizações de compra de munição com identificação do lote e do adquirente no culote dos projéteis, na forma do regulamento desta Lei.

69

Page 70: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        § 3o As armas de fogo fabricadas a partir de 1 (um) ano da data de publicação desta Lei conterão dispositivo intrínseco de segurança e de identificação, gravado no corpo da arma, definido pelo regulamento desta Lei, exclusive para os órgãos previstos no art. 6o.

        § 4o  As instituições de  ensino policial e as guardas municipais referidas nos incisos III e IV do caput do art. 6o desta Lei e no seu § 7o poderão adquirir insumos e máquinas de recarga de munição para o fim exclusivo de suprimento de suas atividades, mediante autorização concedida nos termos definidos em regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores.

        Art. 25.  As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 1o  As armas de fogo encaminhadas ao Comando do Exército que receberem parecer favorável à doação, obedecidos o padrão e a dotação de cada Força Armada ou órgão de segurança pública, atendidos os critérios de prioridade estabelecidos pelo Ministério da Justiça e ouvido o Comando do Exército, serão arroladas em relatório reservado trimestral a ser encaminhado àquelas instituições, abrindo-se-lhes prazo para manifestação de interesse. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 2o  O Comando do Exército encaminhará a relação das armas a serem doadas ao juiz competente, que determinará o seu perdimento em favor da instituição beneficiada. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 3o  O transporte das  armas de fogo doadas será de responsabilidade da instituição beneficiada, que procederá ao seu cadastramento no Sinarm ou no Sigma. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 4o  (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        § 5o  O Poder Judiciário instituirá instrumentos para o encaminhamento ao Sinarm ou ao Sigma, conforme se trate de arma de uso permitido ou de uso restrito, semestralmente, da relação de armas acauteladas em juízo, mencionando suas características e o local onde se encontram. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir.

        Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército.

        Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso restrito.

        Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às aquisições dos Comandos Militares.

        Art. 28.  É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

70

Page 71: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        Art. 29. As autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirar-se-ão 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei. (Vide Lei nº 10.884, de 2004)

        Parágrafo único. O detentor de autorização com prazo de validade superior a 90 (noventa) dias poderá renová-la, perante a Polícia Federal, nas condições dos arts. 4o, 6o e 10 desta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após sua publicação, sem ônus para o requerente.

        Art. 30.  Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4 o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)  (Prorrogação de prazo)

        Parágrafo único.  Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei.

        Art. 32.  Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Parágrafo único.  (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008)

        Art. 33. Será aplicada multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), conforme especificar o regulamento desta Lei:

        I – à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou lacustre que deliberadamente, por qualquer meio, faça, promova, facilite ou permita o transporte de arma ou munição sem a devida autorização ou com inobservância das normas de segurança;

        II – à empresa de produção ou comércio de armamentos que realize publicidade para venda, estimulando o uso indiscriminado de armas de fogo, exceto nas publicações especializadas.

        Art. 34. Os promotores de eventos em locais fechados, com aglomeração superior a 1000 (um mil) pessoas, adotarão, sob pena de responsabilidade, as providências necessárias para evitar o ingresso de pessoas armadas, ressalvados os eventos garantidos pelo inciso VI do art. 5o da Constituição Federal.

        Parágrafo único. As empresas responsáveis pela prestação dos serviços de transporte internacional e interestadual de passageiros adotarão as providências necessárias para evitar o embarque de passageiros armados.

CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS

        Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.

71

Page 72: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

        § 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

        § 2o Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

        Art. 36. É revogada a Lei n o 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.

        Art. 37. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

        Brasília, 22 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAMárcio Thomaz BastosJosé Viegas FilhoMarina Silva

72

Page 73: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARVALHO, Alessandro Júnior de. Estatuto do Desarmamento e Medida

Provisória nº 417/08. A ressurreição da "vacatio legis" indireta. Jus Navigandi,

Teresina, ano 12, n. 1716, 13 mar. 2008. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11043>. Acesso em:

15/04/2009.

FERNANDES, Rubem César. Brasil: as armas e as vítimas. Rio de Janeiro: 7

Letras, 2005.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal do desarmamento: anotações à parte

criminal da lei 10.826. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005

MARCÃO, Renato. Estatuto do desarmamento. 2ª edição. São Paulo: Saraiva,

2009.

PIRES, Diego Bruno de Souza. Estudo comparativo do estatuto do

desarmamento. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 60, 31/12/2008 [Internet].

Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=

revista_artigos_leitura&artigo_id=5388. Acesso em 01/04/2009

SILVA, César Dario Mariano da. Estatuto do desarmamento: de caordo com a

lei 10.826. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

73

Page 74: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

ANÁLISE HISTÓRICA DO CONTROLE DE ARMAS 10DE FOGO PELO ESTADO

1.1 – A legislação na Era Vargas 10

1.2 – A Lei das Contravenções Penais 11

1.3 – A legislação no Regime Militar 12

1.3.1 – Regulamentação do Registro de Armas 14

1.4 – A legislação no Brasil contemporâneo 15

1.4.1 – A Lei 9.437/97 15

1.4.2 – A Lei 10.826/03 19

CAPÍTULO II

ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES IMPOSTAS PELO 25ESTATUTO DO DESARMAMENTO

2.1 – Do Sistema Nacional de Armas (SINARM) 25

2.1.1 – Na vigência da Lei 9.437/97 26

2.1.2 – Na vigência da Lei 10.826/03 27

2.2 – Do registro de armas 30

2.2.1 – Na vigência da Lei 9.437/97 31

2.2.2 – Na vigência da Lei 10.826/03 33

74

Page 75: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

2.3 – Do porte de arma 38

2.3.1 – Na vigência da Lei 9.437/97 38

2..3.2 – Na vigência da Lei 10.826/03 41

2.4 – Dos crimes em espécie 43

2.4.1 – Na vigência da Lei 9.437/97 43

2.4.2 – Na vigência da Lei 10.826/03 45

CAPÍTULO III

ASPECTOS CONTROVERSOS DO 47ESTATUTO DO DESARMAMENTO

3.1 – Da vacância da Lei 10.826/03 47

CONCLUSÃO 52

ANEXOS 54

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ÍNDICE 72

75

Page 76: Estatuto do Desarmamento: Uma analise sistêmica crítica

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

76