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Estigmas da Luz | 1

Estigmas Da Luz

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Aurora é uma garota que apenas deseja ter uma vida normal, depois de ter passado os últimos dois anos internada em uma clínica para o tratamento de uma doença enigmática. Ela acorda de um sonho estranho, e se vê em um lugar diferente, uma ilha misteriosa cercada de desconhecidos. Seu irmão gêmeo, Tomas, que sempre se sentiu um prisioneiro na horrível clinica, vê naquela fuga a salvação, mas a reação da irmã ao descobrir seu plano é a pior possível e isso pode colocar tudo em perigo. Eles conhecerão Sarah, a chefe do Sentinela, que é apenas uma menina. E Gale, dono dos olhos verdes que guiaram a Aurora em seu sonho, e que logo conquista a amizade e confiança da garota. Mas nada naquela comunidade parece ser normal. Tomas terá que provar para a Irmã que o impossível pode acontecer bem diante dos olhos dela, mesmo que ela ainda não consiga roubar as cores como ele.

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Estigmas da Luz | 1

2 | Liana Cupini

Primeira edição

Novembro - 2010

Vila Velha - ES

Série Luz & Escuridão

Copyright © 2010 Above Publicações

ISBN - 978-85-63080-29-5

Primeira edição, Novembro - 2010

Editor ResponsávelUziel de Jesus

RevisãoFlaviana Tavares

CapaMarcelo HanickelMelissa Roncete

Diagramação e CapaAbove Publicações

www.aboveonline.com.br

Todos os direitos reservados pela autor.É proibida a reprodução parcial ou total

sem a permissão escrita da autor.

Impresso na Gráfica Viena

Dedico este livro especialmente a uma pessoa que sempre esteve ao meu lado, que sempre foi minha base e meu exemplo de mulher forte, e que sempre me apoiou:

Mãe, te amo mais do que as palavras podem expressar.

Agradeço a minha família e, em especial a meu pai(drasto), que sempre me deu muito apoio e sempre acre-ditou em mim.

Agradeço a Felipe Cazerta que sempre esteve ao meu lado: I love my LiFe, too.

Agradeço a Ana Paula Estevez, por sua amizade ver-dadeira e as nossas longas noites de conversa.

Agradeço a Helamã Menk, um amigo sem o qual esse livro não seria possível.

Agradeço a Gisele e Dri Cabral, Camila e Danielle Leme, Camila Prestes, Jackson Nunez, Luiz Sabino e Vanessa Aprigio que foram os primeiros a ler os manuscritos e me ajudaram muito nesta fase inicial.

Agradeço ainda a todas as pessoas que passaram por minha vida e que não estão aqui citados, pois seria uma lista grande e sei que esqueceria vários nomes, mas saibam que sem vocês eu não seria o que sou hoje!

Agradecimentos

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Sumário

Prólogo 9Fuga 11Ilha 23Povo do Mar 31Amigos 39Traídos 45Dom 53Casa 57Festa na tribo 65Sabedoria 79Volta 87História 97Comunidade 107Tentativa 113Acidente 119Entrega 121Noite sem sono 133Egito 137Cigana 143Sozinha 149

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Tormento 155Sequestro 163Surpresa 169Mar 177Lembranças 183Dor 191Mentiras 197Acordo 211Mudanças 217Veneno 225Cidade Luz 231Début 241Controle 253Ruínas 257Revelações 267Reconciliação 277Olhares 285Viagem 293A Porta 305Partida 315

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Aurora se viu só e perdida pela primeira vez em sua vida. Seu irmão e melhor amigo, Tomas, havia decidido não ir para casa com ela e partiria horas

antes de volta para a ilha. Ele estava obcecado pelos nefilins e seus mistérios.

Ela, ao contrário, desde que conseguiu fugir da clíni-ca médica, apenas desejava voltar para casa. Caminhava pelo aeroporto e desejava que o tempo passasse depressa, mas não conseguia se sentir feliz. Pensava em tudo o que havia aconte-cido nos últimos meses e, principalmente, pensava em Gale.

As palavras da cigana que há pouco havia conhecido não saíam de sua mente: “Vejo um rapaz. Ele é muito bonito, seu nome começa com a letra G, sei que você gosta dele, mas vejo você derramar muitas lágrimas.”.

Como uma pessoa que não a conhecia poderia saber aquilo? Mas definitivamente aquela não era a coisa estranha que havia acontecido em sua vida nos últimos meses. E o rosto aflito da cigana quando pediu para que ela não viajasse ainda

Prólogo

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estava cravado em sua memória.

Talvez fosse melhor que ela não voltasse mesmo. Tinha medo de estar colocando sua família em risco, sabia que as pessoas das quais havia fugido eram perigosas.

Então, ouviu a chamada de seu voo. Hesitou por um momento, mas sabia que não tinha mais para onde ir, não voltaria para a ilha e não sabia o que poderia fazer. Enfim, ela seguiu pelo corredor. Olhou uma última vez para o corredor, mas não havia ninguém.

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Aurora abriu seus olhos e viu tudo ao seu redor ver-melho, como se houvesse um véu entre seus olhos e aquilo que via. O quarto, as paredes, a cama, tudo

era vermelho. Sentia-se muito cansada, seu corpo dolorido parecia não responder. Tentou movimentar-se, levantar da cama, mas não pôde e entregando-se ao cansaço que dominava novamente adormeceu.

Como em um sonho, seu corpo estava leve, flutuando no ar, braços e pernas jogados ao nada. Ao fundo, ela ouvia ruídos e sons que não podia distinguir, era um sonho estranho e quando ela se concentrou, ouviu um barulho ensurdecedor de uma sirene e muitas vozes que gritavam nervosas.

Ela mal conseguia abrir os olhos, mas ao tentar viu que aquilo não era um sonho. Ela via vultos passando apressada-mente ao lado, estavam fugindo de algo. Seu coração acelerou de medo, percebeu que estava se movendo. Pensou em seu irmão e balbuciou seu nome:

– Tom... Tomas...

Fuga

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Alguém segurou sua mão e, em seguida, ouviu a voz conhecida de seu irmão responder:

– Fique calma, Lola. – Tomas sempre chamava a irmã pelo seu apelido. – Eu estou aqui e vai dar tudo certo. Agora descansa!

Mas ela estava confusa e atordoada. Num esforço imenso, abriu os olhos e viu que estava sendo carregada por um rapaz, mas sabia que não o conhecia. Fitou seu rosto por um momento. Ele era mais alto que seu irmão e tinha os olhos verdes, muito claros. Ele olhou rapidamente para ela, com uma expressão vazia. Ela se virou e viu Tomas caminhando a seu lado e sorrindo para ela, mas ele parecia nervoso. Então, ela não pôde mais manter os olhos abertos. Foi a última coisa que conseguiu ver.

A garota acordou atordoada com uma conversa ao fundo. Havia tido um sonho confuso na noite passada. A conversa continuava e parecia muita animada. Olhou a seu redor e tudo lhe pareceu muito diferente. Não reconhecia nada naquele lugar.

Estava costumada ao silêncio do seu quarto de paredes brancas e muito iluminado. Sua última lembrança era de estar em uma clínica médica para um tratamento longo e doloroso; lugar em que havia passado os últimos dois anos.

Agora, via ao seu redor um lugar escuro. Notou que estava em um cômodo muito amplo, que parecia abrigar uma

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casa toda, mas sem nenhum tipo de divisão. Havia uma sala e uma cozinha, e a cama onde estava. Era um lugar muito simples. As paredes que cercavam o lugar pareciam feitas de pedra, e uma mobília simples de madeira rústica deixava o lugar ainda mais estranho.

Um aroma delicioso inundou o ambiente e a garota sentiu fome. Tentou levantar-se, mas conseguiu apenas ficar sentada na beira da cama. Estava muito fraca, quase sem vida. Reconheceu uma das vozes que vinham de fora, e viu que seu irmão estava na porta daquele lugar, conversando com pessoas que ela não conhecia. Lola sussurrou seu nome:

Tomas imediatamente interrompeu a conversa com Gale e Sarah ao ouvir sua irmã, como se a esperasse acordar, e foi ao seu encontro. Tinha um semblante suave, parecendo feliz como há muito tempo ela não o via.

– Bom dia, bela adormecida. Dormiu bem?

– Bom dia. Onde nós estamos? – perguntou Aurora com dificuldade.

– Estamos na casa de Gale. – e puxando o moço pelo braço o garoto continuou. – Vamos, agradeça a ele. Ele lhe carregou até aqui. O que não deve ter sido fácil. Você precisa de uma dieta. – ele riu.

– Tom onde nós estamos? Cadê a clínica? Cadê o Dr. Kuan? – a preocupação transbordava de seus olhos.

Uma menina alta e muito bonita, de cabelos longos e olhos cor de mel se aproximou de Aurora, trazendo consigo

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uma bandeja com um pote de sopa e pão.

– Coma alguma coisa, pois você parece estar muito fraca. – disse com delicadeza.

– Obrigada.

– Meu nome é Sarah, e você esta em nossa vila ago-ra. Sei que você está muito confusa e deve ter milhões de perguntas para fazer, mas você deve primeiro se alimentar e recuperar suas forças. – Ela olhou Aurora, como se tentando acalmá-la e terminou dizendo. – Não se preocupe, você está segura agora.

Aurora olhava para a menina a sua frente. Ela parecia ser tão jovem, uma criança, mas sua voz era serena e confiante, transmitindo segurança.

E as perguntas em sua mente eram muitas. Sabia que precisava se alimentar, pois se sentia mal e doente. Contudo, antes de iniciar, perguntou a seu irmão:

– Diga-me o que aconteceu. – ela estava séria. – Por que não estamos mais na clínica? Cadê nossos pais?

Tomas sabia que a explicação seria longa.

– Comece a comer que eu vou lhe explicar tudo o que aconteceu. – ela obedeceu e ele continuou – Lola, você sabe que eu nunca me senti bem na clínica, certo? Eu sabia que tinha alguma coisa errada, mas eu nunca soube o quê.

Ele fez uma pausa. A irmã sempre teve um gênio difícil e agora ele precisava encontrar a melhor forma de contar para ela o que havia feito. Decidiu, por fim, ser direto.

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– Então, nós saímos de lá.

Aurora olhava fixamente o irmão. Sentiu um nó em sua garganta.

– Saímos como? – ela tentava parecer tranquila.

– Pela porta... Na noite passada.

Mas não era a resposta que a ela esperava ouvir.

– Pela porta. – repetiu ela. – Com a autorização de nossos pais ou do Dr. Kuan?

Desconcertado, ele tentou continuar:

– Então... Eu mandei um e-mail para os nossos pais antes de sairmos ontem, mas não deu tempo de chegar a res-posta. E o Dr. Kuan não estava lá na hora que saímos...

Aurora sentiu seu sangue percorrer seu corpo todo, até se concentrar em seu rosto. Sempre ficava com a face corada quando estava muito brava ou envergonhada.

– Tomas, podemos conversar a sós?

Sarah, que estava encostada em uma mesa, olhou para Gale, e ambos saíram silenciosamente da pequena casa. Tomas sabia que a irmã não precisava se sentir forte para brigarem. Havia repassado mentalmente tudo o que diria a ela, pois o confronto era inevitável. Mas naquele momento, as palavras haviam sumido.

– O que foi que você fez? Quem são essas pessoas? Você ficou louco? Nós fugimos? – a cada pergunta, a voz dela se fazia ouvir melhor, até que ela gritava.

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– Lola, calma! Antes de você ficar brava, me responde uma coisa só: que dia é hoje?

– E que importância tem que dia é hoje?

– Me responde isso e eu lhe conto!

– Hoje é... – ela tentou se concentrar, mas não tinha certeza. Arriscou – segunda-feira!

– Hoje é sábado... Mas o que eu quero saber é o dia do mês...

– Hoje é dia oito...

Ele a interrompeu:

– Não, hoje é dia vinte de junho!

– Impossível! Há semanas eu espero chegar o aniver-sário da nossa mãe, que é no dia treze.

– O aniversário da mãe foi no dia treze, mas eu não lhe vi nesse dia. Mandei um e-mail para ela não se preocupar, falando que estávamos bem, mas tive a certeza que tinha al-guma coisa errada. Você não ia esquecer o aniversário dela, e foi por esse motivo que eu tive que fazer isso...

– Isso é fugir?

– Aurora, presta atenção. Há meses que isso vem acon-tecendo e você não me ouve. Você ficava dias sumida, sem dar sinal de vida. Quando eu lhe digo, você me responde que deve ser efeito colateral do meu medicamento. – ele olhou fixamente para ela. – Então, eu parei de tomar o medicamento da clínica e vi que eu não estava ficando louco. Eles estavam

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nos afastando; de nós mesmos e dos nossos pais.

Aurora sempre soube que seu irmão não aceitava a clínica ou o tratamento. Ele não entendia por que eles tinham que morar naquele lugar. Mas o Dr. Kuan convenceu os pais deles que seria o melhor para o tratamento da doença rara que eles tinham.

Tomas nunca se sentiu doente, mas ela sim.

– Prove – pediu a garota, ainda que não conseguisse acreditar que aquilo podia ser verdade.

Ele pegou um jornal de cima da mesa e mostrou para a irmã. No alto do cabeçalho estava a data e ela teve a certeza de que ele não estava mentindo. Um sentimento de culpa mis-turado com revolta tomava conta dela. Ela sabia que o irmão a amava muito e que ele não seria capaz de mentir. Sempre foram muito unidos, melhores amigos.

– Lola eu sei que é difícil para você entender. Mas eu vou lhe explicar tudo...

– E também vai me explicar quem são essas pessoas, certo?

– “Certo! Antes do Natal eu estava muito confuso. Quando não pudemos voltar para casa para “não interromper o tratamento”, eu senti que estavam nos afastando dos nossos pais, por isso enviei um e-mail para eles, pedindo que viessem nos buscar. Mas eles me respon-deram dizendo que o Dr. Kuan estava certo, que em pouco tempo nós poderíamos voltar, pois o tratamento estava no final e que não seria bom que o interrompêssemos.

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Eu fiquei muito irritado. Não aguentava mais ficar naquela clínica, e resolvi responder para os nossos pais falando tudo que eu pen-sava: que o Dr. Kuan estavam nos afastando deles, que há meses nós não víamos nosso avô, e que ultimamente eu passava semanas sem lhe ver e estava ficando muito preocupado. A minha sorte é que eu não escrevi que havia parado de tomar os remédios. No mesmo dia, um enfermeiro veio com uma nova medicação, essa era ainda mais forte. Ele me disse que sabia que eu não estava tomando os remédios e que os médicos estavam começando a desconfiar. Pediu-me para fingir estar mais calmo, como se o medicamento estivesse fazendo efeito, me entregou uma carta e saiu.

Na carta estava escrito que o Dr. Kuan sabia tudo o que es-tava no e-mail que eu havia enviado, uma vez que eles vigiavam nossos computadores e e-mail. E que nossos pais não iriam recebê-lo. A pessoa que escrevia me pedia calma e me dizia que nos ajudaria a sair daquele lugar se quiséssemos.

Descobri que o enfermeiro se chamava Fred e que trabalhava com um grupo que era contra as experiências que eram feitas na clínica. Ele passou a me entregar cartas que não eram vistoriadas e, assim, através delas, eu conheci as pessoas que estão nos ajudando agora. Correspondia-me com a Sarah, a moça que você conheceu a pouco e líder desse grupo. Comecei, então, a planejar nossa fuga.

Pensei muitas vezes em lhe contar, mas você sempre foi muito obediente e eu sabia que se eu lhe contasse, você acabaria contando para os médicos e tudo daria errado, então preferi assumir o risco e trazê-la junto comigo. Eu não podia te deixar lá.

Aurora ouvia tudo sem entender direito o que o irmão

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falava. Apesar de serem gêmeos, eles sempre foram muito diferentes em aparência e personalidade.

Ela era uma garota de pele morena e cabelos e olhos amendoados, como o pai, Kaike, que era índio. Era linda e quando sorria iluminava o ambiente. Mas a doçura de seu rosto não estava em seu coração. Ela era sempre muito brava e dificilmente admitia que pudesse estar errada.

Já Tomas era parecido com a mãe, Irene, que era ame-ricana, e por isso era quase o oposto deles: tinha a pele clara, olhos azuis e cabelos loiros. Sempre foi mais rebelde e mais espontâneo do que ela. Fisicamente, não pareciam nem irmãos, muito menos gêmeos.

Há quatro anos atrás, quando os dois tinham apenas 15 anos, começaram a surgir as primeiras manchas na pele, que logo sumiam. Como o evento passou a se repetir com frequência, os pais ficaram muito preocupados.

Os dois moravam em uma praia no litoral nordeste do Brasil, um lugar lindo onde seus pais tinham uma pousada. Foram criados naquele paraíso cujo sol tropical, que surgia nas manhãs, tingia o céu com cores vivas de laranja e amarelo. O azul do céu salpicado por aves brancas que mergulhavam no mar para se alimentar, e que depois iam descansar nas pedras que rodeavam a praia, ou nas árvores que cercavam tudo, fa-ziam daquele cenário um conforto para a alma.

Mas as manchas começaram a piorar, aumentando com o tempo, e logo estavam em uma cansativa rotina de longas

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viagens para grandes cidades e médicos renomados, sem nada nunca ter sido diagnosticado.

O avô paterno dos gêmeos, John, que morava nos Es-tados Unidos, pediu para que eles fossem examinados por um médico que era conhecido dele, o Dr. Kuan. E eles embarcaram para uma viagem que não teria volta. Depois de vários exames, o médico disse que se tratava de uma doença rara e perigosa e pediu para que os dois ficassem em sua clínica médica para realizarem o tratamento correto.

Então, eles passaram a tomar remédios e a fazer os mais variados e dolorosos tipos de exames, mas nunca melhoravam. E as lembranças das paisagens da praia viraram apenas fotos no mural de um quarto pequeno e desconfortável.

Tomas sentia-se um prisioneiro naquele lugar. Nos primeiros meses, os pais vinham visitá-los com frequência, assim como os avós paternos que viviam lá, e eles sempre saiam para passear. Mas com o tempo, eles ficaram mais fracos, as visitas eram cada vez menos frequentes e os passeios mais raros, até que ele não conseguia mais se lembrar da última vez que havia visto o sol.

Ele conversava muito com a irmã e sempre parecia infeliz. Queria voltar para o Brasil, para a casa dos pais, para os amigos. Lola era mais conformada e otimista, acreditava que quando saíssem daquele lugar estariam curados.

Aurora perguntou para o irmão:

– Mas e o nosso tratamento? E os remédios?

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– Lola, nós não estamos doentes. Nunca estivemos!

– Tom, há muito tempo eu não me sinto bem. Tenho piorado e me sinto fraca.

– Você não se sente bem, por causa dos remédios que eles nos davam na clínica, e não porque você está doente. Fique alguns dias sem eles e você vai ver como se sentirá melhor.

– Eu não sei, não acho que isso é uma boa ideia. Quem são essas pessoas? Eles são tão jovens, quase crianças.

– Não se deixe levar pelas aparências, eles sabem o que estão fazendo.

– Como você pode ter certeza de que nós não vamos piorar?

– Aurora, você vai precisar confiar em mim dessa vez. Mas eu sei que você vai se surpreender com o que vai ver aqui.

– Como assim? Onde estamos? Não estamos nos Es-tados Unidos?

– Não! Você já se sente melhor? Consegue sair e dar uma volta lá fora comigo?

– Consigo...

– Então vamos!

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Lola fazia um esforço imenso, mas não podia ficar presa naquela cama sem ao menos saber onde estava. À medida que caminhava na pe-

quena casa, Aurora soube que aquela não era uma casa comum. Ela teve a certeza de que estava dentro de uma gruta ou uma caverna. O chão, as paredes e o teto eram feitos de um tipo de pedra fria, e não havia janelas no interior, apenas uma porta grande que mal iluminava a casa.

Quando ela chegou à porta, Tomas lhe disse:

– Não se assuste. O lugar é incrível!

Ela não teve tempo de perguntar o que ele quis dizer com aquilo. Já estava na porta e viu uma imensidão de azul. O sol ofuscava seus olhos. Há muito tempo ela não saia do quarto. Ficavam apenas em áreas que imitavam a luminosidade, mas as acomodações deles ficavam no subsolo da clínica. A luz era artificial e poucas plantas tentavam dar vida àquele local.

Mas ali a natureza era viva. Ela estava realmente em uma casa que ficava dentro da montanha, e no horizonte ela

Ilha

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pôde ver o mar. Um mar lindo, com águas muito claras que se estendiam até os olhos não poderem mais distinguir o que era mar do que era céu. Sentiu seus pulmões se encherem de ar puro e seus olhos lacrimejarem. Não choraria, pois era muito forte. Mas por um momento contemplou aquela natureza maravilhosa.

Observava o lindo dia e tudo o que estava em sua volta, sem entender o que via. Tudo estava coberto por uma fina camada de gelo. As árvores, o chão, parecia inverno, mas a temperatura do ambiente era agradável. Ela tocou a fuligem branca que estava no corrimão da casa e não entendeu como, em um dia tão agradável, podia ter feito frio.

O sol estava no meio do céu claro, mas ainda não era meio-dia. O céu parecia muito mais limpo e claro, com um tom diferente de azul.

Ela acompanhou a fuligem branca e viu que aquele lugar era estranho. Era um pequeno vilarejo incrustado na montanha. Ou uma montanha com muitas portas, pois podia ver muitas casas ao longo de sua encosta. A rocha parecia recortada e havia uma estrada de terra batida e vermelha que rodeava todo o lugar.

Carros novos se misturavam com carroças. Animais soltos como cabras e galinhas estavam em todo o lugar. Per-to da montanha, as árvores eram pequenas, curvados, com folhas de um tom muito vivo de verde. Mas não havia flores ou qualquer coisa que colorisse aquele lugar. Tudo no vilarejo

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parecia ser sem alegria, apenas com tons de marrom e bege, e cor de terra.

Ela se imaginava em uma vila perdida no tempo, pois as construções como os bebedouros dos animais e postes de luz de madeira, pareciam ser muito antigas. Enquanto ca-minhavam, ela notou várias plantações ao redor da encosta, como uma horta imensa. E pessoas trabalhando nelas. Havia, também, rebanhos de búfalos e ovelhas, que pastavam em uma planície muito grande.

Tomas caminhava ao lado da irmã sem nada dizer. Quando chegaram ao centro, ela viu, em outra casa, Sarah e o moço que antes estavam com eles e muitas outras pessoas que os olhavam com curiosidade. Eram todos muito diferentes, pa-recendo ser de famílias diferentes. E todos sorriam para ela.

Sarah se aproximou deles e perguntou:

– Como você se sente Aurora?

– Fisicamente, ainda um pouco fraca, mas vou ficar bem. Mas estou muito confusa. Que lugar é esse?

– Esse lugar é a Ilha Padma. É onde vivemos. Pena que você ainda não esta forte o suficiente para andarmos pela vila. Mas sente-se aqui fora. O sol vai fazer muito bem a você.

– Onde exatamente fica essa ilha? – perguntou Aurora para Sarah.

– Ao sul da Oceania. – vendo a garota brincar com a fuligem de gelo, ela perguntou. – Você esta com frio?

– Não, estou bem. Mas nunca ouvi falar desse lugar.

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Nunca vi nada como isso. Como é possível ter neve e não fazer frio?

– Muitas coisas incríveis são possíveis, sem que possa-mos entender direito o porquê.

– Agora, eu fiquei ainda mais confusa.

A conversa continuou e Tomas apenas acompanhava, com o pensamento distante. Viu que sua irmã parecia mais confortável, ainda que deslocada. Teve as mesmas dúvidas logo que chegou, mas já havia percorrido a ilha toda e sentia-se bem em estar ali.

Sabia, também, que logo Aurora perguntaria da doença deles e que Sarah falaria para ela o que havia descrito para ele nas cartas. Não conseguia prever a reação da irmã, mas pro-vocou o início da conversa:

– Sarah, eu sei que você tem muito para falar com Aurora sobre nossa “doença” e acho que esse é o melhor momento. Converse com ela, por favor. Eu vou falar com Gale enquanto isso.

E mesmo vendo o olhar confuso da irmã, se retirou. Ela precisava daquela explicação.

Sarah começou:

– Diga-me Aurora, o que você sabe sobre essa doença que vocês têm?

– Sei que é uma doença rara de pele e que pode ser fatal se o tratamento não for seguido. E por isso, estou preocupada, estou com medo de ficar sem a medicação.

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– Eu não acho que você esteja doente. Sei que é com-plicado de aceitar, mas acho que você tem um dom que ainda não sabe.

– Dom? Que tipo de dom?

– E se eu lhe dissesse que você tem o poder de mudar sua cor?

– Como é?

– Você pode mudar a cor da sua pele, dos seus olhos, do seu cabelo...

– Então, o que você quer dizer é que eu sou um tipo de mutante?

– Não... De onde você tirou mutante? – Sarah riu. – Seria mais como um camaleão.

– E qual seria a diferença?

– Você não pode se transformar em outra pessoa. O que você pode é mudar suas cores...

– Você me desculpe a sinceridade Sarah, mas eu não estou entendendo o que você quer dizer... Eu tenho manchas na pele, manchas que aparassem e desaparecem...

Foi quando dois moços de pele bem escura entraram na sala e um deles perguntou a Aurora:

– É difícil de acreditar, não é?

Aurora acenava afirmativamente com a cabeça, quando começou a olhar bem para o moço que falava com ela. Ele lhe parecia familiar, sua voz, seu jeito, mas ela demorou alguns

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instantes para reconhecê-lo.

– Inacreditável não é?

– Tomas é você? – ela conseguiu ver o irmão, mas ele estava muito diferente.

Sua pele agora estava escura, seu nariz um pouco mais largo e seus lábios eram grossos e rosados. Descrente, ela segurou nas mãos do irmão, achando que aquilo deveria ser um tipo de brincadeira.

– Isso é maquiagem Tomas?

– Não... – ele riu. Isso é o dom que nós temos.

Tomas segurou a mão da irmã e fechou os olhos por alguns instantes. Aurora não podia acreditar no que via, mas a mão de Tomas estava agora do mesmo tom de sua pele. Co-meçando pelos dedos das mãos e subindo pelo braço, estava tingido com o moreno claro da irmã, e assim o corpo todo. Os cabelos, que antes estavam cacheados, agora eram lisos e grossos como os dela. Ela pode ver seus lábios diminuírem e seus olhos se tornarem amendoados e cor de mel.

Aurora ficou completamente muda, perplexa. Não sabia se era um sonho, mas aquilo parecia realmente estar acontecendo. Seu irmão havia se transformado diante dos seus olhos.

Tomas largou a mão da irmã e fechou os olhos no-vamente. Gradativamente, sua pele começou a voltar à cor que sempre teve. Em instantes, ele era o menino que Aurora sempre viu.

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– É incrível, não é Lola? – perguntou Tomas.

– O que foi isso? – ela mal conseguia se concentrar em suas perguntas.

– Muito legal, não é mesmo? – ele sorria.

Sarah prosseguiu dizendo com um sorriso cativante.

– Isso é o que eu estava tentando contar Aurora. – Sa-rah posou a mão sobre o braço de Aurora. Você e seu irmão têm esse dom!

– Eu ainda não acredito nisso. – Aurora olhava ao seu redor, como se procurasse alguma coisa que pudesse explicar aquilo. – Isso não pode ser verdade!

– Mas é! – Explodiu o garoto – Podemos mudar de cor como quem muda de roupa.

– Você fala como se fosse tão simples, tão natural. Como é que você fez isso? – perguntou ela ao irmão.

– Nos meses que eu me correspondi com a Sarah ela me explicou o que nós somos. E o Fred, o enfermeiro que me trazia as cartas me ajudou a conseguir a concentração e o equilíbrio para fazer as mudanças. Você vai ver que não é difícil!

Aurora não podia crer em seus sentidos. Não conseguia entender o que seus olhos viam ou no que ouvia de seu irmão. Ele parecia extremamente feliz e confiante, mas aquilo ainda era muito distante do que ela considerava normal.

– Como... – mas ela não conseguia terminar a frase. –

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Eu nunca vou conseguir fazer isso. Ainda não sei o que você fez, como conseguiu. – disse baixo para si mesma.

– O importante agora é você entender que não está doente. Vocês têm um dom. O Dr. Kuan sabia que vocês não estavam doentes, mas queria manter vocês na clínica.

– Por quê? – perguntou Aurora.

– O Dr. Kuan sabe o que é isso, e pelas poucas informa-ções que o Fred conseguiu nos dar, ele estaria fazendo estudos genéticos para poder manipular esse dom que vocês têm.

– Ele estava nos estudando? Como cobaias? – tudo parecia irreal para Aurora.

– Quase isso. – disse Sarah – Mas não temos certeza, pois essa era uma informação sigilosa. É o mais provável...

– E para que serve poder mudar de cor? – Lola não conseguia ver sentido naquilo.

– Para muita coisa. Para salvar o mundo. Imagina as possibilidades infinitas que você pode explorar. – Sarah mantinha ainda o tom de voz suave, mas sua expressão (...)

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