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  CABARÉS: HISTÓRIA E MEMÓRIA. MARCOS ANTONIO DE MENEZES   A belle époque com sua pluralidade de tendências filosóficas, científicas, sociais e literárias, advindas do realismo-naturalismo não sobreviveu às duas grandes guerras. Era a época das boemias literárias, como as de Montmarte e Munique. Dessa literatura de cafés e boulevards , de transição pré-vanguardista, é que vão se originar os inúmeros – ismos que marcarão o desenvolvimento de todas as artes no século XX. Símbolo desta época de fausto e euforia que feneceu com as guerras do século XX os cabarés 1  eram lugares de glamour onde as elites – primeiro a europeias, se divertiam com os lucros do espólio imperialista. O cancan era a dança deste lugar onde os janotas bebiam licor e as prostitutas de alta classe formavam a imagem frenética de um mundo enriquecido e alegre. Uma certeza inabalável presidia esse mundo: a de que ele era eterno e superior. Nestas casas os boás eram usados para efeitos cênicos e para envolver os espectadores pelas cores fortes e beleza. Aí o fígado do povo era desopilado com muito humor, humor sarcástico muitas vezes, de preferência com auto ironia, sofisticado para uns, grosseiro para outros, agressivo e de alta ferocidade e de alta periculosidade para os tiranos e os inimigos da liberdade de todas as equações. Os cabarés eram espaços pequenos e ligados ao submundo das grandes cidades europeias dedicados a shows, fossem eles de dança, teatro, música, contadores de piadas, strippers, enfim, um grande show de calouros onde a fumaça de cigarro nublava os holofotes e enchia as narinas. Os antecessores dos Cabarés haviam sido os Vaudevilles  e os Boulevards, antes da Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Gue rra os Cabarés voltam a florescer e a determinar toda uma cultura, alguns em forma de Casas de Café, como o famoso Café Flore por onde Sartre e Simone de Beauvoir perambulavam.  MENEZES, Marcos Antonio de. É professor adjunto da Universidade Federal de Goiás trabalhando na graduação em Jataí e na Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Goiânia é autor de: Olhares sobre a cidade: narrativas poéticas das metrópoles contemporâneas. São Paulo: Cone Sul, 2000;  Narrativas da modernidade: história, memória e literatura. Uberlândia: Edufu, 2011,  Jatay: espaços de morar – 1880-1935. Goiânia: Editora da PUC/GO, 2012; O poeta da vida moderna: história e literatura em Baudelaire. Curitiba: Editora CRV, 2013. 1 A palavra Cabaré tem sua origem no espanhol ( vabaretta ou casa de diversões). Posteriormente, foi incorporada pelo francês (Cabaret ou taverna).

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  • CABARS: HISTRIA E MEMRIA. MARCOS ANTONIO DE MENEZES

    A belle poque com sua pluralidade de tendncias filosficas, cientficas, sociais e literrias, advindas do realismo-naturalismo no sobreviveu s duas grandes guerras. Era a poca das boemias literrias, como as de Montmarte e Munique. Dessa literatura de cafs e boulevards, de transio pr-vanguardista, que vo se originar os inmeros ismos que marcaro o desenvolvimento de todas as artes no sculo XX.

    Smbolo desta poca de fausto e euforia que feneceu com as guerras do sculo XX os cabars1 eram lugares de glamour onde as elites primeiro a europeias, se divertiam com os lucros do esplio imperialista. O cancan era a dana deste lugar onde os janotas bebiam licor e as prostitutas de alta classe formavam a imagem frentica de um mundo enriquecido e alegre. Uma certeza inabalvel presidia esse mundo: a de que ele era eterno e superior. Nestas casas os bos eram usados para efeitos cnicos e para envolver os espectadores pelas cores fortes e beleza.

    A o fgado do povo era desopilado com muito humor, humor sarcstico muitas vezes, de preferncia com auto ironia, sofisticado para uns, grosseiro para outros, agressivo e de alta ferocidade e de alta periculosidade para os tiranos e os inimigos da liberdade de todas as equaes. Os cabars eram espaos pequenos e ligados ao submundo das grandes cidades europeias dedicados a shows, fossem eles de dana, teatro, msica, contadores de piadas, strippers, enfim, um grande show de calouros onde a fumaa de cigarro nublava os holofotes e enchia as narinas.

    Os antecessores dos Cabars haviam sido os Vaudevilles e os Boulevards, antes da Primeira Guerra Mundial. Aps a Segunda Guerra os Cabars voltam a florescer e a determinar toda uma cultura, alguns em forma de Casas de Caf, como o famoso Caf Flore por onde Sartre e Simone de Beauvoir perambulavam.

    MENEZES, Marcos Antonio de. professor adjunto da Universidade Federal de Gois trabalhando na

    graduao em Jata e na Ps-Graduao (Mestrado e Doutorado) em Goinia autor de: Olhares sobre a cidade: narrativas poticas das metrpoles contemporneas. So Paulo: Cone Sul, 2000; Narrativas da modernidade: histria, memria e literatura. Uberlndia: Edufu, 2011, Jatay: espaos de morar 1880-1935. Goinia: Editora da PUC/GO, 2012; O poeta da vida moderna: histria e literatura em Baudelaire. Curitiba: Editora CRV, 2013. 1A palavra Cabar tem sua origem no espanhol (vabaretta ou casa de diverses). Posteriormente, foi incorporada pelo francs (Cabaret ou taverna).

  • 2 Os frequentadores dos antigos cabars franceses foram retratados por artistas

    como: Toulouse-Lautrec, Renoir, Manet e Degas. Ao se identificar com o ambiente, Toulouse-Lautrec foi convidado a criar os cartazes para shows do amigo e cantor Aristide Bruant no Les Ambassadeurs. Ele foi um dos artistas que melhor representou a vida noturna parisiense do final do sculo XIX. Neste perodo Paris posicionava-se como o foco de irradiao das novas concepes do prazer para todo o mundo penetrado pela Europa. Na Frana fin-de-sicle vrias casas foram criadas e espalhadas pelo mundo segundo o modelo

    dos cabars e mesmo das maisons de tolrance e similares que compunham o

    chamado "gnero alegre".

    Ambassadeurs: Aristide Bruant dans son cabaret - Toulouse-Lautrec, Henri de, 1892.2

    Razes no velho mundo Na Frana, a palavra cabar refere-se inicialmente a toda casa comercial que

    servia bebida a base de lcool. Entretanto, o cabar como conhecemos apareceu em 1881 com a abertura do Le Chat Noir3 no distrito de Monmartre de Paris. Era um espao informal por onde passavam artistas e gente do povo. Outros cabars se espalharam por toda Paris, e em 1900 estabelecimentos similares apareceram em diversas cidades francesas e alems. Estas casas foram ao longo das dcadas do final do sculo XIX se transformando em lugares especiais para as apresentaes de espetculos que envolviam, principalmente, a dana e a msica, mas a, tambm, tinha espao o show de variedades.

    2 http://en.wikipedia.org/wiki/File:Henri_de_Toulouse-Lautrec_002.jpg. Acessado em 26/02/13.

    3 O nome foi retirado do conto de Edgar Allan Poe O gato preto.

  • 3 O Folies-Bergre foi outra famoso Cabar de Paris que espalhou modelo por tudo

    mundo. Seu perodo de esplendor foi entre os anos de 1890 a 1920. A famosa pintura de Edouard Manet Um bar no Folies-Bergre imortalizou o local. Josephine Baker, Loie Fuller, Maurice Chevalier, Louisa Baileche, Cantinflas, so alguns dos artistas que j se apresentaram nesta casa de espetculos.

    douard Manet, Le Bar aux Folies-Bergre, 1882.4

    Outro templo do show em Paris e mais famosos dos cabars e o Moulin Rouge inaugurado em 1889 em Montmartre. Nos bailes do Moulin Rouge danava-se o cancan. De 1939 a 1945, Paris no tinha muito divertimento estava ocupada pelo exercito alemo de Hiter. O nico momento de destaque teve lugar alguns dias antes da libertao de Paris, com Edith Piaf, cujo talento havia sido reconhecido, ao cantar no palco do cabar.

    Astros e estrelas de primeira grandeza pisaram o palco do cabar: Jane Avril, Josephine Baker, Yvette Guilbert, Mistinguett, Edith Piaf, Frank Sinatra e muitos outros. O pintor Toulose-lautrec fez vrios trabalhos tendo o local como tema. O cabar foi ttulo de um livro de Pierre La Mure que serviu de base para o filme Moulin Rouge5 rodado em 1952. Em

    4 http://www.issocompensa.com/2011/07/edouard-manet-le-bar-aux-folies-bergere.html. Acesso em 26/02/13

    5Filme de 2001 do diretor Braz Luhrmann com Nicole Kidman no papel da danarina. Moulin Rouge, uma boate que possui um mundo prprio de sexo, drogas, adrenalina e Can-Can.

  • 4 2001, outro filme com o mesmo ttulo foi lanado e tinha no elenco: Jim Broadbent, Ewan McGregor, Nicole Kidman, John Leguizamo e Kylie Minogue. Os dois foram indicados ao Oscar de melhor filme, mas nem um ganhou a estatueta nesta categoria.

    Aps a primeira guerra mundial, o cabar j tinha uma grande popularidade em toda a Europa particularmente na Alemanha, onde o governo da repblica de Weimar havia derrubado a censura dos tempos Imperiais.

    A efervescncia revolucionria que ps fim ao antigo regime na Alemanha,

    misturada com a pobreza e a inflao no perodo do governo Socialdemocrata, abriu espao para o consumo de diverses efmeras como se a vida esvoaasse igual borboleta amarela prestes a morrer. Berlim se transformou na capital da diverso e em seus sales homens e mulheres tinham pressa de viver cada minuto como se fosse o ltimo. A cidade rapidamente se transforma na capital do cabar com seus travestis, danarinas e cantoras. o mundo do Anjo Azul.6

    O cabar alemo comeou realmente a florescer nos anos de 1920 e de 1930, fazendo surgir toda uma pliade de novos artistas e casas como: Werner Finck no Katakombe, Karl Valentin no Wien-Mnchen. Muitos dos espetculos destas casas tiveram seus textos escritos por importantes figuras literrias como Kurt Tucholsky, Erich Kstner e Klaus Mann.

    Este mundo de consumo desenfreado e vidas desregradas so mostrados em dois filmes maravilhosos onde a Alemanha pr Hitler a personagem coadjuvante que salta do palco para as ruas. O Anjo Azul com Marlene Dietrich e Cabar com Liza Minelle7 nos d uma viso estilizada, mas essencialmente exata da Alemanha da dcada de 1930.

    Com a ascenso do partido Nazista em 1933 todo este mundo de humor e contestao das velhas estruturas sociais veio a baixo. Em 1935 Finck foi mandado a um campo de concentrao e Tucholsky suicida-se. A grande maioria dos artistas foge para o exlio. O que fica na Alemanha um cabar controlado pelo o Estado onde a critica social estava banida. Com a queda de Hitler e o fim da segunda Guerra os cabars ressurgem para tratar dos temas da guerra fria e de tudo mais.

    6Der Blaue Engel (O Anjo Azul em portugs) um filme da fase expressionista/realista alem, marcado pela tragdia e degradao, baseado no livro Professor Unrat de Heinrich Mann. Foi dirigido por Josef von Sternberg e teve a atriz alem Marlene Dietrich no papel principal. 7O filme dirigido por Bob Fosse e baseado em livro de Christopher Isherwood e pea teatral de John Van Druten. A produo deu a Liza Minnelli o scar para melhor atriz de 1972.

  • 5 Na Alemanha oriental comunista o primeiro cabar do Estado foi criado em

    1953 em Berlim. Claro que aqui a stira ao Estado no poderia ocorrer. Na dcada seguinte outros cabars surgem em Dsseldorf, Munich e Berlim. Nos anos de 1970 este universo era incorporado pela televiso, no s na Alemanha oriental, mas em todo mundo. Quando da unificao alem os cabars estavam tratando dos temas polticos e sociais, pois a vida, agora, estava mais difcil dos dois lados do antigo muro. O desemprego, as privatizaes, tudo era material farto para os shows dos cabars.

    Nos Pases baixos o cabar teve forte componente da comdia e da stira social se aproximando do cabar Germnico e se desenvolveu mais no final do sculo passado. com frequncia uma mistura de comdia e textos teatrais mais trgicos. Na Holanda e na Blgica os nmeros antes feitos nos sales dos cabars foram pouco a pouco ganhando a televiso.

    Na terra do Tio San Nos Estados Unidos, o cabar nasceu com mais glamour, um espao de

    divertimento e menos contestao poltica. Em New York durante os anos de 1910, grandes cafs que apresentavam shows ficaram conhecidos como cabaret. Delmonicos, Reisenwebers, Palaise Royale e de Shanleys tornaram-se pontos legendrios da noite. O primeiro Cabar ao estilo dos de Paris foi o Sans-Souci (1915). Neste estabelecimento da Rua 42 em New York havia um grupo profissional de dana. Os cabars americanos mais antigos no eram cpias exatas de seus antepassados europeus. Alguns podem at mesmo julgar que as casas os saloons do velho oeste eram cabars.

    Em 1920 a lei seca - uma emenda constitucional de 16 de janeiro proibiu a venda de bebidas base de lcool e s foi revogada em 5 de dezembro de 1933. Neste perodo a lei foi amplamente burlada pelo contrabando e fabrico clandestino. Muitos cabars abaixaram definitivamente suas portas s sobrevivendo aqueles que conseguiram driblar a lei vendendo bebida alcolica por debaixo dos panos. Neste novo ambiente a msica foi o elemento chave para popularizar o cabar em todo os Estados Unidos.

    Durante os anos da proibio do consumo de lcool os gangsters controlavam no s a distribuio ilegal de bebida, mas, tambm, as casas de show e suas vedetes. Os speakeasies bares ilegais estavam por toda parte e o show ao vivo era conveniente para dar a estas casas um ar mais legitimo e no de clubes secretos e a a presena de mulheres no

  • 6 palco fez toda a diferena. As cantoras de baladas cantoras de cabar com suas canes tristes faziam aumentar a venda de bebida a fossa aumenta o consumo de lcool.

    As cantoras cantoras de saloons transformaram-se em um padro do nightlife americano nas dcadas seguintes. Surgiram estrelas deste gnero como Helen Morgan e Keeler Ruby e as mulheres j no queriam mais s estar no palco, mas, tambm, na platia.

    Uma casa situada no Harlem, bairro da populao negra de New York, o Cotton Club - O diretor Francis Ford Coppola levou s telas a histria do apogeu do jazz e do crime organizado nos anos 30, atravs da estria deste cabar onde uma cantora do cabar que amante de um gngster acaba apaixonando por um msico. Com Richard Gere, Diane Lane, Bob Hoskins, Gregory Hines e Nicolas Cage no elenco o filme recebe 2 indicaes ao Oscar8 -, foi uma das que mais prosperaram aps o fim da lei seca. Mas o Harlem viveu dias de muita segregao com a invaso dos brancos aos seus cabars. Foi tamanha a afluncia de brancos que os proprietrios de bares, cabars e teatros pensaram em proibir ao negro a entrada naqueles locais o que redundaria em erro gravssimo. Pois os brancos s iam ao Harlem atrados pelos negros e para ver de perto a maneira pela qual eles se divertiam e faziam jazz.

    Os jazzistas e atores negros fugiram dos cabars, preferindo reunir-se em casas de amigos, em festas privadas ou em lugares onde os brancos no ousavam chegar, julgando-os perigosos. O jazz voltava a ser a msica que tocava nos cabars, nos bordis e nos inferninhos lugares que o homem comum sempre frequentou. Os monstros sagrados do jazz tocavam em bares, casas de shows e cabars populares.

    Quando em 1933 a proibio ao consumo de bebidas alcolicas terminou os americanos comemoraram apesar de estes serem os anos da Grande Depresso o que fez fechar os grandes nightclubs como o Copacabana, The Diamond Horseshoe ou o The Cotillion Room. Era a hora das estrelas do vaudeville como Jimmy Durante e Sophie Tucker. O smokinge a luz de velas davam aos cabars um glamour e seus shows elegantes atraam centenas de clientes de uma s vez. Era algo parecido com os atuais shows dos cassinos de Las Vegas.

    Antes da Segunda Guerra os clubes menores j haviam se tornado moda na maioria das grandes cidades americanas, fornecendo cocktails baratos e entretenimento

    8 O de 1994 e foi indicado ao Oscar de melhor direo de arte e melhor montagem.

  • 7 ntimo. Estes lugares pareciam srdidos e dependiam de pouca luz, fumaa dos cigarros e de fortes performances para manter o ambiente. As mesas eram pequenas, misturando cinquenta ou mais pessoas em um espao em que caberia metade. Um cantor em um palco minsculo com um ou dois pianos, um nico spotlight e (se tivesse sorte) um microfone animavam as noites onde o jazz dava o estilo.

    New York nos anos 40 e 50, do sculo passado, viu a fama de algumas casas como o Tony que tinha como atrao comida italiana e o estilo legendrio de Mabel Mercer; Cafe Society onde se apresentou Billie Holliday; Spivy's Roof de Spivy; Blue Angel onde se apresentaram Pearl Bailey , Bobby Short, Eartha Kitt, e o cantor de folk russo Yul Brynner. No Greenwich Village, de New York, o Vanguard teve muitas estrelas incluindo Betty Comden, Adolph Green, Judy Holliday e Eartha Kitt. Os cabars, tambm, era um lar para comediantes como Joe Stiller e Anne Meara, Woody Allen e Joan Rivers. Agentes da Broadway e das emissoras de televiso iam nestes clubes atrs de talentos.

    No incio dos anos de 1960, o Bon Soir apresentou as futuras estrelas Kaye Ballard e Barbara Streisand, e muitos outros bons artistas fizeram sua estreia em cabars de New York. Entretanto, a ascenso do rock nos anos de 1960 sinalizou uma mudana profunda no gosto popular. Os cabars no tinham recursos para ter astros e estrelas conhecidos, e o pblico no estava mais interessado em pagar para ver desconhecidos. Muitos clubes famosos foram forados a fechar, mas a comunidade gay que saiu do armrio no ps Stonewall (1969), a recente comunidade gay de New York, quis o seu prprio entretenimento. Isto abriu o caminho para uma gerao nova de nightclubs gays nos anos de 1970. O primeiro estabelecimento a ganhar ateno foi o Tubs.

    Muitos clubes pequenos abriram em Manhattan e o sucesso do filme Cabar, em 1972, levou alguns a se referir a esses clubes como cabars. Em geral, estes aconchegantes nightspots tinham cem assentos ou menos e uma atmosfera de elegncia ocasional, fazendo qualquer um se sentir bem mesmo que estivesse de smoking ou jeans.

    A partir dos anos de 1980 o mundo glamoroso dos cabars parecia ter desmoronado na terra de Tio San, o impulso dado pelo filme Cabaret (1972) no fora o suficiente e os proprietrios das casas de shows queriam mais dinheiro e os cantores no conseguiam montar um estrutura razovel de espetculo com a contratao de vrios msicos. O golpe de misericrdia foi dado quando o pesadelo da AIDS foi publicisado. No era s a

  • 8 forma de fazer sexo que mudaria as pessoas j no saiam tanto mais de suas casas a procura de diverso mesmo que essa no levasse necessariamente cama. Muitos lugares abertos aos shows de cabar fecharam, no s em New York, mas em todas as cidades.

    Em Terras Tupiniquins No Brasil, algo semelhante surgiu com personalidade prpria e bem brasileira. Os

    teatros de Revista9, ao contrrio de seus similares de cmara eram espetculos de grande porte, montados nos grandes teatros do pas e muito mais ligado ao Teatro que a shows, mas os cabars que funcionavam como cassinos, tambm, tiveram dias de gloria no incio do sculo passado. Rio de Janeiro, So Paulo, Ilhus, as mais ricas e prsperas cidades mantinham casas que ficaram famosas como o Batalham10 imortalizado na obra de Jorge Amado.

    Facha do Bataclan em Ilhus/BA 11

    necessrio lembrar que um ideia corrente, popular, vai no Brasil, fazer uma associao quase automtica dos cabars com casas de mulheres de vida fcil. claro que

    9 Gnero de teatro, de gosto marcadamente popular, que teve alguma importncia na histria das artes cnicas,

    tanto no Brasil como em Portugal, que tinha como caracteres principais a apresentao de nmeros musicais, apelo sensualidade e a comdia leve com crticas sociais e polticas, e que teve seu auge em meados do sculo XX. 10

    tambm uma sala de espetculo no 11 arrondissement de Paris. Foi construdo em 1846 pelo arquiteto Charles Duval. O seu nome vem de Ba-Ta-Clan, uma opereta de Offenbacn. 11

    http://www.destemperados.com.br/regiao/ba/o-bataclan-na-intimidade. Acesso em 26/02/13.

  • 9 nestas casas de shows onde todos se encontravam a paquera podia levar a um programa e as moas da vida, tambm, frequentavam estes lugares, mas a associao automtica erronia e enganosa.

    Por volta de 1913 era frequente em Barretos a vinda de danarinas de cabars franceses para entreter fazendeiros e os pees de comitivas. Em Teresina no Piau, nos anos 50 e 60, o centro da cidade era enodoado pelos cabars da Paissandu. E eram muitos. Os mais famosos eram o Estrela, Calada Alta, Quitandinha, Alabama, Imperial, Sujeito, Imperatriz, Acapulco e Boate Azul. Em toda parte estas casas de lazer foram sendo construdas at que a 30 de abril de 1946 o presidente Eurico Gaspar Dutra a pedido de sua mulher Dona Santinha - probe o jogo no Brasil, motor financeiro dos cabars tupiniquins.

    Milhares de pessoas ficaram sem emprego da noite para o dia e milhes de dlares investidos em suntuosos cassinos e hotis de luxo se perderam. Varias cidades viviam quase exclusivamente do movimento dos turistas. A vulcnica Poos de Caldas era a mais movimentada, a ponto de receber o apelido de "Las Vegas brasileira". A efervescncia dos cassinos e cabars comeava s seis da tarde e ia at o alvorecer, exceto nos feriades, quando a farra durava trs ou quatro dias seguidos.

    O presidente Getlio Vargas era frequentador assduo de Poos de Caldas no auge da jogatina, a ponto de possuir uma sute exclusiva no Grande Hotel com a mesma decorao que ele usava no Palcio do Catete, no Rio de Janeiro.

    No incio do sculo XX Mre Louise, Louise Chabas, francesa de nascimento, alugou do propreietrio de jornal Correio da Manh um casa no atual Posto 6 na praia de Copacabana e ali montou um caf-danante ao estilo dos cabers parisienses que em pouco tempo ficou famoso. Na dcada de 1931 foi fechada pelo policia sobre acusao de ser um local de encontros suspeitos. Em 1934 erguido no local o Cassino Atlntico at ser fechado pela exigencia da mulher de Dutra.

    Outro ponto do Rio de Janeiro que viu florescer os cabars foi a Lapa. Lapa luminosa, mltipla, sonora e bomia qual artistas e intelectuais chamavam de "Montmartre brasileira". Isso no seu apogeu, a dcada de 30. Um mundo onde estavam lado a lado os cabars e o hotel frequentado pelos polticos, as penses de mulheres e a igreja, as farmcias que vendiam estmulos proibidos. Mundo onde o talento de Portinari, Manuel Bandeira, Villa-Lobos e Di Cavalcanti podia esbarrar em qualquer esquina com a valentia de Meia-Noite,

  • 10 Miguelzinho, Camisa Preta, Edgar e Joozinho. E esbarrar tambm, ou mais que isso, com grandes mulheres famosas como Marina, Lvia e Boneca ou annimas como as polacas, as espanholas, as francesas, muitas vindas do interior de Minas.

    A Lapa bomia comeou a crescer por volta de 1910 e atingiu seu perodo de ouro mais ou menos entre o final dos anos quarenta (1940). Os bares: o Siri, o Caf Colosso, o Capela, o Caf Bahia, o Imperial, os cabars: o Apolo, o Royal Pigalle, o Vienna Budapeste, o Novo Mxico, o Casanova, e o incrvel Cu da Me, faziam enorme sucesso

    Havia muita msica nos cabars de ento, mas eram as valsas o que se ouvia no Viena-Budapeste, as canonetas francesas no Apolo, os fox-trots em todos os outros, enquanto a turma do samba preferia as biroscas do Estcio, da Praa Onze, do Mangue. Quer dizer, preferia para fazer e cantar; para outros assuntos, os bambas da poca - Wilson Batista, Geraldo Pereira, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho ou brancos como Noel Rosa e Herivelto Martins - no dispensavam a Lapa. E se Madame Sat12, o travesti mais corajoso da Lapa, teria ou no matado o sambista Geraldo Pereira com um soco, questo que j faz parte da lenda.

    Madame Sat - Joo Francisco dos Santos, 1900-1976, 1,75 m., 108 kg., sem uma grama de gordura, forte e parrudo, cabelos negros longos e lisos, foi conhecido inicialmente como "Caranguejo da Praia das Virtudes", onde nadava diariamente, e mais tarde como "Mulata do Balacoch", o primeiro artista travesti do Brasil. Foi o mais famoso, e maldito dos malandros cariocas. Ele imperou na Lapa, especialmente entre 1920 e 1950, antes que o Estado Novo de Getlio Vargas, com sua ideologia de culto ao trabalho e produo, iniciasse uma severa represso aos "ociosos".

    Mas tudo isso no s passado. Em So Paulo vrios espaos com cara e jeito de cabars esto em pleno funcionamento. Todos eles oferecendo shows e entretenimento em meio drinks e petiscos. No Rio de Janeiro, na Pa. Mau, zona porturia, h cabars em plena atividade que conseguiram fugir do estigma de prostituio predominante na rea e fervem suas pistas de dana ao som de MPB ou funk e tudo que possa cheirar a novidade. Em outros grandes centros os cabars, tambm, esto de volta.

    12 O primeiro filme sobre Joo Francisco dos Santos o Madame Sat foi realizado em 1974. A Rainha Diaba foi

    estrelado por Milton Gonalves no papel de Joo Francisco, a direo coube a Antnio Carlos Fontana. Em 2002 o diretor Karim Anouz em uma produo franco brasileira roda Madame Sat com Lzaro Ramos no papel ttulo.

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    O retorno Alm do strip-tease, h danarinas do ventre enroladas em serpentes, comedores

    de fogo e mgicos. E um tanto de freak show, com anes fantasiados, bailarinas obesas e, eventualmente, mulheres barbadas. Este o cenrio do cabar do sculo XXI que se a prxima do burlesco. Eles ressurgem com fora, para deleite daqueles que nem sequer eram nascidos quando a diva alem Marlene Dietrich e a primeira-dama da msica francesa Edith Piaff enfeitiavam a assistncia com doses de talento e lascvia. Depois de voltarem cena na Europa e virarem febre em Nova York, os cabars se tornaram a nova modalidade de entretenimento nas concorridas noites das grandes cidades brasileiras. Um passeio irresistvel num universo dominado por fetiche, seduo, desejo e luxria.

    Os tempos blicos de George W. Bush trazem de volta o mundo dos pores da Alemanha do entre guerras onde a palavra de ordem era: quanto mais divertido, sexy e bizarro, melhor. A nova moda, agora, prima por ser esquisita - nos vrios sentidos que o dicionrio atribui ao termo traz os espetculos new burlesque.

    No new burlesque, como no passado, no h nudez total e as brincadeiras sexuais tm at um ar ingnuo, apenas insinuante. Brincar de objeto sexual um luxo da gerao ps-feminismo. As moas no tiram as roupas para babes loucos para lev-las para a cama depois do espetculo. Ao contrrio, na plateia a maioria de mulheres e h muitos gays. As pessoas esto ali para rir. As pin-ups, por sinal, muitas vezes esto longe de ter corpos perfeitos, mostram seios pouco firmes e pneuzinhos em abundncia.

    O cabar do sculo XXI incorporou a msica eletrnica, mas no perdeu a atrao pelo palco onde, ainda, a desempenho quem comanda o espetculo e se no cabar de antes, na Lapa, era Joo Francisco dos Santos (Madame Sat) quem comandava o circo, no picadeiro eletrnico de hoje as drags continuam a dar as cartas. Agora sem navalha na cinta liga, mas com o mesmo glamour e usando as bos como adereo para enlaar os espectadores extasiados ante ao show de cores e luzes.

    Bibliografia: ALMEIDA, Horcio de. Dicionrio de Termos Erticos e Afins. Rio de Janeiro. Ed. Civilizao Brasileira, 1981.

  • 12 BENNEGENT, Ccile. Madame Sat par Mestre Nestor Capoeira. http://gingando.free.fr/public/index.php?2005/10/12/76-madame-sata-par-mestre-nestor-capoeira. Acesso em 26/02/13. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: EdUFMG, 1998. BLOCH, R. Howard. Misoginia medieval e a inveno do amor romntico ocidental. Rio de Janeiro: Ed.34, 1995. BOURASSA, Andr-G; LARRUE, Jean-Marc. Les nuits de la Main. Cent ans de spectacles sur le boulevard Saint Laurent, Montral, ditions VLB, 1993. BURKE, Peter. O que histria cultural?. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.,2005. CERTEAU, Michel. A Escrita da Histria. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2008. DVILA, Arlene. Latinos Inc.: The Marketing and Making of a People. Berkeley: University of California Press, 2001.

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