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Estrutura fundiária A terra é sine qua non para a produção agropecuária e a forma como ela é distribuída e apropriada determina as relações que compõem a questão agrária. A condição de ser ou não proprietário da terra influencia nos resultados obtidos por quem produz através dela. A renda da terra, já amplamente analisada por diversos estudiosos da questão agrária, e em especial na Geografia por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, explica bem as conseqüências da propriedade privada da terra e do direito/concessão de produzir através dela. A renda da terra pode ser pré-capitalista ou capitalista. No primeiro caso, a renda da terra é apropriada através de trabalho, produto ou dinheiro que o proprietário cobra de terceiros pela concessão do direito de produzirem através de suas terras. No segundo caso, da renda da terra capitalista, ela é extraída quando o proprietário se apropria da mais valia dos trabalhadores empregados na produção em suas terras, “ela é a sobra acima do lucro [...] é uma fração da mais valia.” (OLIVEIRA, 2007, p.43). O princípio básico da renda da terra absoluta é a garantia de uma renda excedente acima do lucro médio do capitalista para todos os proprietários de terra, inclusive aqueles que possuem terras com as piores características. Esta renda excedente só é possível devido ao monopólio que os proprietários têm sobre a terra. O monopólio permite que os proprietários de terra imponham um preço mínimo à produção, de forma que seja possível que até os proprietários das piores terras consigam obter, além do lucro médio capitalista, a renda da terra. Desta forma, a renda da terra absoluta consiste em um rendimento excedente pago pela sociedade somente pelo fato do proprietário permitir que suas terras sejam colocadas em produção. A partir da renda da terra absoluta é formada a renda da terra diferencial, que aparece em toda produtividade superior à das piores terras. Como o preço mínimo dos produtos são definidos a partir da produtividade das piores terras, quanto mais férteis e melhor localizadas forem as terras, maior será a renda da terra (renda diferencial I) e quanto mais investimentos forem feitos para melhorar a produtividade, também maior será a renda da terra apropriada pelo proprietário (renda diferencial II). Além disso, é possível extrair a renda da terra de monopólio em regiões restritas onde a terra possua características que permitam a produção de produtos com características particulares, produzíveis exclusivamente naquelas regiões. O mais importante a ser compreendido é que a renda da terra absoluta só existe por que o Estado garante a propriedade privada da terra - o seu monopólio. Isso permite que os proprietários decidam individualmente se a terra é ou não colocada em produção e, para que seja colocada em produção, impõem à sociedade o pagamento, além do lucro médio do capitalista, da renda da terra. A imposição da renda da terra é possível por que a terra é limitada (em quantidade e qualidade) e irreproduzível, ou seja, não se podem produzir novas terras como se constroem novas fábricas de canetas ou de carros. Este

Estrutura Fundiária

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Estrutura fundiriaA terra sine qua non para a produo agropecuria e a forma como ela distribuda e apropriada determina as relaes que compem a questo agrria. A condio de ser ou no proprietrio da terra influencia nos resultados obtidos por quem produz atravs dela. A renda da terra, j amplamente analisada por diversos estudiosos da questo agrria, e em especial na Geografia por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, explica bem as conseqncias da propriedade privada da terra e do direito/concesso de produzir atravs dela. A renda da terra pode ser pr-capitalista ou capitalista. No primeiro caso, a renda da terra apropriada atravs de trabalho, produto ou dinheiro que o proprietrio cobra de terceiros pela concesso do direito de produzirem atravs de suas terras. No segundo caso, da renda da terra capitalista, ela extrada quando o proprietrio se apropria da mais valia dos trabalhadores empregados na produo em suas terras, ela a sobra acima do lucro [...] uma frao da mais valia. (OLIVEIRA, 2007, p.43).O princpio bsico da renda da terra absoluta a garantia de uma renda excedente acima do lucro mdio do capitalista para todos os proprietrios de terra, inclusive aqueles que possuem terras com as piores caractersticas. Esta renda excedente s possvel devido ao monoplio que os proprietrios tm sobre a terra. O monoplio permite que os proprietrios de terra imponham um preo mnimo produo, de forma que seja possvel que at os proprietrios das piores terras consigam obter, alm do lucro mdio capitalista, a renda da terra. Desta forma, a renda da terra absoluta consiste em um rendimento excedente pago pela sociedade somente pelo fato do proprietrio permitir que suas terras sejam colocadas em produo. A partir da renda da terra absoluta formada a renda da terra diferencial, que aparece em toda produtividade superior das piores terras. Como o preo mnimo dos produtos so definidos a partir da produtividade das piores terras, quanto mais frteis e melhor localizadas forem as terras, maior ser a renda da terra (renda diferencial I) e quanto mais investimentos forem feitos para melhorar a produtividade, tambm maior ser a renda da terra apropriada pelo proprietrio (renda diferencial II). Alm disso, possvel extrair a renda da terra de monoplio em regies restritas onde a terra possua caractersticas que permitam a produo de produtos com caractersticas particulares, produzveis exclusivamente naquelas regies.O mais importante a ser compreendido que a renda da terra absoluta s existe por que o Estado garante a propriedade privada da terra - o seu monoplio. Isso permite que os proprietrios decidam individualmente se a terra ou no colocada em produo e, para que seja colocada em produo, impem sociedade o pagamento, alm do lucro mdio do capitalista, da renda da terra. A imposio da renda da terra possvel por que a terra limitada (em quantidade e qualidade) e irreproduzvel, ou seja, no se podem produzir novas terras como se constroem novas fbricas de canetas ou de carros. Este princpio, no qual se baseiam os proprietrios para exigirem a renda da terra, o mesmo princpio que nos permite question-la, pois a sobrevivncia da humanidade no est determinada pela existncia de canetas ou de carros, mas sim existncia de alimentos, produzveis somente atravs da terra. Desta forma, a propriedade privada da terra vai contra os interesses bsicos da coletividade, pois monopoliza o meio primordial de produo que a terra e a utiliza para gerar a renda da terra; os interesses individuais se sobrepem aos interesses coletivos. isso que torna a produo capitalista, que pressupe a propriedade privada, inclusive da terra, ainda mais exploratria e socialmente injusta na agropecuria do que na indstria.A relao entre o latifndio, agronegcio e produo capitalista no campo, que adotamos neste trabalho, encontra base tambm nas colocaes de Oliveira (2007). De acordo com o autor, a compra de terra no capitalismo a compra antecipada de renda da terra e a concentrao de terra caracterstica deste sistema de produo. Quanto mais concentrada for a terra, maior o poder de extrao da mais valia em forma da renda da terra. Os grandes capitalistas, ao investirem na compra de terra, utilizam-na como reserva de valor para especulao. O autor escreve que a grilagem de terra o caminho gratuito do acesso renda; do acesso ao direito antecipado de obter o pagamento da renda, sem mesmo ter sequer pago para poder auferi-la e a posse o ato de quem no quer pagar a renda ou no aceita a condio de que para produzir tenha que pag-la. (p.99). Desta forma, podemos concluir que latifndio e agronegcio, para os quais a concentrao da terra indispensvel, compem a explorao capitalista no campo de duas formas: a) atravs da especulao e compra antecipada da renda no latifndio e b) pela apropriao da mais valia no agronegcio.A concentrao da terra uma das caractersticas do capitalismo no campo que agrava a questo agrria. Assim, se assumirmos que a propriedade coletiva da terra uma possibilidade muito remota na conjuntura poltica do pas, deve-se pelo menos tentar atenuar a concentrao da terra para que, mesmo com a permanncia da propriedade privada, o uso da terra seja mais democrtico e menos explorador. Alm de sobrepor os interesses econmicos individuais aos interesses coletivos, a concentrao da terra, seja para especulao ou para a apropriao da renda da terra pela produo capitalista, impede que um grande contingente populacional tenha acesso terra para viver e produzir. Assim, a distribuio mais igualitria da terra mais coerente com os interesses coletivos, tanto pela melhoria das condies de vida da populao, que teria acesso terra, quanto pela produo de alimentos de forma socialmente mais adequada. Desta maneira, a concentrao fundiria a base fundamental dos problemas da questo agrria brasileira e por isso capital e campesinato disputam a terra como territrio e a sua concentrao ou distribuio um indicador da gravidade da questo agrria.Com base na importncia da estrutura fundiria na questo agrria, analisamos a forma como a terra apropriada e distribuda/concentrada no Brasil. Para nossa anlise, utilizamos dados do INCRA e do IBGE . Os dados do INCRA foram obtidos atravs do DATALUTA-Estrutura Fundiria, cujas fontes primrias so as Estatsticas Cadastrais de 1992 e 1998 e o Cadastro de 2003 do INCRA. Os dados do IBGE so relativos aos Censos Agropecurios de 1996 e de 2006. O INCRA elabora o cadastro dos imveis rurais atravs da declarao dos proprietrios ou posseiros e por isso comporta o carter jurdico da estrutura fundiria, de forma que um imvel pode ser uma propriedade ou uma posse (ver item 11.1 posses e grilos). O IBGE considera, nos censos agropecurios, os estabelecimentos agropecurios, definidos como

toda unidade de produo dedicada, total ou parcialmente, a atividades agropecurias, florestais e aqcolas, subordinada a uma nica administrao: a do produtor ou a do administrador. Independente de seu tamanho, de sua forma jurdica ou de sua localizao em rea urbana ou rural, tendo como objetivo a produo para subsistncia e/ou para venda, constituindo-se assim numa unidade recensevel. (IBGE, 2006a, no pag.).Os dados da estrutura fundiria, em especial aqueles do INCRA, possuem uma dimenso poltica importante, com a qual devemos ser cuidadosos. O cadastro do INCRA abastecido com dados de natureza declaratria, no havendo conferncias com informaes dos cartrios de registro de imveis, o que indica a fragilidade do sistema. A declarao de uma rea superior ou inferior rea real do imvel pode ter como objetivo a reduo de impostos, omisso de terras improdutivas, ampliao de crdito rural e grilagem de terras. Por isso, devemos considerar possveis desvios principalmente no tamanho da rea dos imveis rurais. Esses possveis desvios nos dados do INCRA no os inutilizam, pois essas prticas ilegais, por mais numerosas que possam ser, no se aplicam maioria dos detentores . Os dados do IBGE no esto totalmente isentos desses possveis desvios, porm, em virtude de sua finalidade censitria, acreditamos que haja menos interesse dos produtores em fornecer informaes falsas.Iniciamos a anlise da estrutura fundiria com o ndice de Gini. Calculamos o ndice a partir dos dados da estrutura fundiria de 1992, 1998 e 2003 do INCRA. Somente os dados dos imveis rurais, em especial das propriedades, podem fornecer informaes sobre a real concentrao de terra. Esses dados indicam quem detm a terra e por isso pode extrair a renda da terra. Utilizar os dados do Censo Agropecurio (estabelecimentos agropecurios) para calcular o ndice de Gini seria desconsiderar o pagamento da renda pr-capitalista da terra, condio qual so submetidos os produtores que no so proprietrios. Apesar de tomarmos os dados do INCRA, ou seja, dos imveis rurais, devemos reconhecer a possibilidade da concentrao da terra no Brasil ser ainda maior, pois vrios proprietrios possuem mais de um imvel rural. Desta forma, o critrio mais adequado para o clculo do ndice de Gini para a estrutura fundiria seria adotar como unidade bsica o proprietrio e a rea total da qual detentor, no importando a contigidade ou localizao dos imveis. Isso, contudo, no possvel, devido ao formato de divulgao dos dados do INCRA, de forma que consideramos, para o clculo do ndice de Gini apresentado no trabalho, os dados do nmero total de imveis e da rea total dos imveis de cada classe de rea. Em 2003 o ndice de Gini para o Brasil era 0,816, o que indica grande concentrao, j que quanto mais prximo de um maior o grau de concentrao da terra. A evoluo entre 1992 e 2003, de apenas -0,010, confirma que as polticas de reforma agrria no tocaram na concentrao geral da estrutura fundiria brasileira.A tabela 11.1 apresenta os dados do ndice de Gini para os estados e o Distrito Federal. Em 2003, todas as unidades da federao apresentavam ndice de Gini superior a 0,566. Rondnia, Amap, Roraima e Santa Catarina eram os estados com menor os menores valores do ndice. Em oposio, Amazonas, Distrito Federal, Par e Bahia eram as unidades da federao onde a estrutura fundiria era mais concentrada. Na anlise da evoluo 1992-2003, Roraima e Amap apresentaram diminuio considervel no ndice (respectivamente -0,273 e -0,258). Isso pode ter ocorrido pelo parcelamento de glebas por projetos de colonizao particulares, venda de terras pblicas e instalao de assentamentos. Tocantins foi a segunda UF com maior crescimento do ndice de Gini, ficando atrs somente do Distrito Federal.

TABELA 11.1 ndice de Gini 1992-1998-2003e evoluo 1992-2003

O clculo do ndice de Gini para o Brasil e para as UFs possibilita uma viso geral da estrutura fundiria, porm no permite a indicao de regies crticas onde os movimentos socioterritoriais e o Estado possam atuar para alavancar o desenvolvimento. O Atlas Fundirio do INCRA (1996) apresenta o ndice de Gini para os estados, o que restringe a anlise e a ao. Com o objetivo de melhor compreender e permitir aes mais pontuais, calculamos, pela primeira vez, o ndice de Gini das estrutura fundiria dos municpios brasileiros e tambm realizamos o seu mapeamento. A prancha 11.1 apresenta os mapas do ndice em 1992 e 1998 e o mapa 11.1, o ndice em 2003.

PRANCHA 11.1

Em 2003 os municpios com mdio/baixo ndice de Gini (at 0,500) eram 924 (16,6% dos 5565 municpios) e compreendiam seis por cento da rea total dos imveis rurais. A regio Sul e o estado de Rondnia concentram grande nmero desses municpios. Os valores do ndice entre 0,501 e 0,800 eram verificados em 4.283 municpios (76,9%) e compreendiam 83,1% da rea total dos imveis rurais, de forma que esta classe predominante no territrio brasileiro. Por fim, os municpios com grau de concentrao acima de 0.800 eram 359 (6,4%) e detinham 10,8% da rea total dos imveis rurais.

MAPA 11.1

O mapeamento do ndice de Gini permite concluir que os mdios e altos graus de concentrao fundiria so predominantes no territrio brasileiro, de forma que a maior parte da rea total dos imveis rurais est concentrada de forma mdia at alta. O mapa 11.2, que representa os dados suavizados considerando dois vizinhos, auxilia na anlise da concentrao fundiria pelo territrio e destaca regies onde o processo tende a ser mais intenso.

MAPA 11.2

Para analisar a estrutura fundiria, adotamos trs grandes grupos de imveis: pequenos, com rea inferior a 200 ha; mdios, com rea entre 200 e menos de 2.000 ha, e grandes, com rea superior a 2.000 ha. Esses trs grupos so utilizados por diversos autores e de modo geral h consenso de que os imveis pequenos correspondem ao campesinato e os mdios e grandes correspondem agricultura capitalista, como pode ser visto em Oliveira (2003). Por no ser um agrupamento absoluto, na anlise dos dados segundo esses grupos, necessrio considerar a grande diversidade de sistemas tcnicos da agropecuria no territrio brasileiro.Em 2003 os imveis rurais no Brasil eram 4.290.531 e compreendiam uma rea total de 418.483.332,30 ha, ou seja, 49,1% da rea territorial total do pas. Sul, Sudeste e Nordeste compreendiam respectivamente 29%, 27% e 28% dos imveis e as regies Norte e Centro-Oeste 8% cada uma. Em relao rea total dos imveis rurais, a regio Centro-Oeste a que detinha a maior proporo, com 32%, da rea total, e as demais regies compreendiam 22% (Norte), 20% (Nordeste), 16% (Sudeste) e 10% (Sul). A rea mdia dos estabelecimentos do Centro-Oeste era de 397,2 ha e a dos imveis na regio Sul era de 33,5 ha. Nas regies Norte, Nordeste e Sudeste os imveis tinham rea mdia de respectivamente 261 ha, 70,1 ha e 59,4 ha.Os mapas da prancha 11.2 permitem visualizar com mais detalhes a diferena entre o nmero de imveis e a rea total dos imveis no territrio, evidenciando assim a diferena regional da estrutura fundiria. Adicionalmente ao indicado no pargrafo anterior, o mapa mostra que o norte de Minas Gerais se particulariza na regio Sudeste pelo menor nmero de imveis rurais. Maranho, sul do Piau e oeste da Bahia tambm apresentam menor nmero de imveis em relao ao restante da regio Nordeste. A metade noroeste da Amaznia Legal caracterizada pelo pequeno nmero e pequena rea de imveis rurais, provavelmente devido ao seu processo recente de ocupao e grande quantidade de unidades de conservao e terras indgenas.

PRANCHA 11.2

A tabela 11.2 apresenta os dados do INCRA em 1992, 1998 e 2003. Em 2003 os imveis pequenos (menos de 200 ha) representavam 92,56% do nmero total de imveis e apenas 28,42% da rea total, perfazendo uma rea mdia de 30 ha. Ao contrrio, os imveis mdios e grandes (200 ha e mais) correspondiam a 7,44% dos imveis e 71,57% da rea total, resultando em uma rea mdia de 938 ha. Esta distribuio desigual, que corrobora com os resultados do ndice de Gini para evidenciar a concentrao fundiria no Brasil, tambm pode ser verificada nos anos de 1992 e 1998. O grfico 11.1 auxilia no entendimento da concentrao. Enquanto a rea total dos imveis dividida quase igualmente entre os trs grupos, o nmero de imveis extremamente desigual.

TABELA 11.2 Estrutura fundiria e ndice de Gini 1992, 1998 e 2003

GRFICO 11.1 Estrutura fundiria em 2003

Para o mapeamento da estrutura fundiria, utilizamos principalmente os dados da rea, pois, se tomarmos o nmero de imveis, os menores sero sempre mais numerosos. Em nosso entendimento, o que importa realmente a proporo da rea total que cada classe de rea detm; isso que determina a maior ou menor importncia da agricultura camponesa ou da agricultura capitalista. No mapa 11.3 os municpios foram classificados segundo a predominncia dos imveis pequenos, mdios e grandes na deteno da rea total dos imveis rurais no municpio. O mapa 11.4, que tambm representa a estrutura fundiria, foi elaborado a partir da classificao das microrregies segundo a predominncia das classes de rea na deteno da rea total dos imveis. A anlise conjunta dos dois mapas indica que a estrutura fundiria possui uma ordem regional bem definida, com a formao de regies contnuas. Os dois mapas destacam regies no Sul, Sudeste, Nordeste e no norte amaznico em que a rea dos menores imveis predominante; a regio central, onde predomina a rea dos imveis intermedirios, e a regio que compreende parte do Centro-Oeste, Norte e o oeste da regio Nordeste, onde as terras encontram-se principalmente sob domnio dos grandes imveis.

MAPA 11.3

MAPA 11.4

Apesar de no ter havido diminuio significativa do grau de concentrao da terra no Brasil entre 1992 e 2003, neste intervalo de onze anos analisado o nmero de imveis rurais e a rea total dos imveis apresentou taxas muito elevadas de crescimento. O nmero de imveis rurais saltou de 2.924.204, em 1992, para 4.290.531, em 2003 (acrscimo de 46,7%). Isso seria salutar para a desconcentrao fundiria, no fosse o fato de que a rea total dos imveis no mesmo perodo saltou de 310.030.752 ha para 418.483.332 ha (acrscimo de 35%). Deste acrscimo, no h como saber exatamente em quais classes de rea foram incorporadas as novas terras, pois o aumento da quantidade de imveis e da rea dos imveis nas classes de rea pode ter ligao, alm da incorporao de novas terras, com os processos de desmembramento e de agrupamento de imveis.A evoluo da estrutura fundiria entre 1992 e 2003 est transcrita na tabela 11.3. Nesse perodo o grupo dos pequenos imveis foi responsvel pelo acrscimo de 93% do total de imveis criados no Brasil e de 33,7% da rea total incorporada na estrutura fundiria brasileira. Ao contrrio, os inoveis mdios e grandes compreendem, na evoluo total brasileira, sete por cento dos imveis e 66,4% da rea. Quanto evoluo interna de cada grupo, entre 1992 e 2003 os pequenos e os mdios imveis apresentaram taxas de crescimento do nmero de imveis e da rea total muito semelhantes, o que indica uma evoluo conservadora nesses grupos. No grupo dos grandes imveis as classes dos extremamente grandes (10.000 ha e mais) apresentaram decrscimo tanto no nmero de imveis quanto na rea que detm. O grupo dos grandes imveis apresentou taxa de crescimento desproporcional entre nmero de imveis e a rea, com taxa de crescimento do nmero de imveis muito superior taxa de crescimento da rea. Isso indica uma evoluo desconcentradora. Isso porm ainda no foi suficiente para alterar a concentrao medida pelo ndice de Gini.TABELA 11.3 Evoluo da estrutura fundiria 1992-2003

Em sntese, podemos concluir da evoluo da estrutura fundiria que, entre 1992 e 2003 o territrio campons se territorializou sobre 36.510.186,6 ha e o territrio do latifndio e agronegcio, sobre uma rea duas vezes maior, com 71.942.393,5 ha. Enquanto a evoluo 1992-2003 no campesinato perfaz uma rea mdia de 30 ha, a evoluo no latifndio e agronegcio tem rea mdia de 753 ha por imvel rural. Isso indica, mas uma vez, a disparidade entre esses dois territrios e que a concentrao da terra se mantm intocada, apesar do acrscimo de mais de 108 milhes de hectares na estrutura fundiria brasileira!Se no podemos verificar em quais classes de rea foram incorporados os 108 milhes de hectares entre 1992 e 2003, podemos, atravs do mapeamento, responder a seguinte pergunta: onde ocorreu acrscimo das novas reas? A tabela 11.4 e o grfico 11.2 nos fornecem as primeiras pistas sobre a evoluo regional do nmero e da rea dos imveis rurais. A comparao simples da taxa (porcentagem) de evoluo do nmero e da rea dos imveis rurais possibilita identificar concentrao ou desconcentrao. Se a taxa de crescimento do nmero de imveis for superior a taxa de crescimento da rea indicao de evoluo desconcentradora; j se ocorre o contrrio, e a taxa de crescimento do nmero de imveis for inferior a taxa de crescimento da rea, indicao de evoluo concentradora. Assim, na interpretao dos dados, verificamos que a evoluo no Sul foi desconcentradora, no Sudeste e Nordeste foi equilibrada, e no Norte e Centro-Oeste foi concentradora. A regio com maior acrscimo de rea na estrutura fundiria o Centro-Oeste, onde foram acrescidos 40,4% da rea total dos imveis da regio em 1992. Das novas reas incorporadas na estrutura fundiria brasileira entre 1992 e 2003, 35% o foram na regio Centro-Oeste, sendo que 22% em Mato-Grosso, estado que concentra, individualmente, a maior proporo dessas novas reas. A regio Norte apresentou evoluo interna de 51% em relao rea dos imveis em 1992 e concentra 28% das novas reas incorporadas no Brasil, dos quais 16% s no Par. O Nordeste e o Sudeste apresentaram taxas significativas de acrscimo interno da rea total dos imveis (39,9% e 24,5%, respectivamente), o que no ocorreu no Sul. Tomando como recorte a Amaznia Legal, os estados que a compem foram responsveis pelo acrscimo de 55.171.884,7 ha, rea mais de duas vezes superior a rea desflorestada na regio entre 1992 e 2003 - 22.157.750,81 ha. O desflorestamento no indica diretamente a incorporao de novas reas na estrutura fundiria, mas sim a transformao das terras inexplorveis em reas explorveis pela agropecuria.

TABELA 11.4 Evoluo do nmero e da rea dos imveis rurais por UF 1992-2003

GRFICO 11.2 Evoluo do nmero e da rea dos imveis rurais 1992-2003

Os mapas da prancha 11.3 permitem visualizar a evoluo do nmero de imveis e da rea total dos imveis nas microrregies. As microrregies do norte da Bahia e da regio Norte tiveram os maiores crescimentos relativos do nmero de imveis entre 1992 e 2003. As microrregies com maior taxa de crescimento da rea total dos imveis esto principalmente no Centro-Oeste. No Sul houve decrscimo da rea total dos imveis em grande parte das microrregies. O mapa 11.5 responde detalhadamente a pergunta que colocamos anteriormente: onde foram acrescidas novas reas na estrutura fundiria entre 1992 e 2003? O Centro-Oeste e o Norte so as regies responsveis pela maior incorporao de novas terras na estrutura fundiria e as microrregies de Itaituba e Altamira, no Par, so as que compreendem, individualmente, a maior proporo da rea total incorporada na estrutura fundiria brasileira no perodo 1992-2003.

PRANCHA 11.3

MAPA 11.5

Em relao aos 108 milhes de hectares acrescidos estrutura fundiria entre 1992 e 2003, seriam eles novas terras, compradas do Estado ou ocupadas por posseiros no perodo analisado, ou essas reas j pertenciam aos imveis rurais e s agora foram declaradas, devido a estratgias ilegais de seus detentores? A maior parte do acrscimo de rea dos imveis rurais verificado no Brasil provavelmente ocorreu pela incorporao de novas terras, processo caracterstico da fronteira agropecuria. Porm, como j assinalamos nesta seo, no podemos descartar possveis desvios nos dados, de forma que parte deste acrscimo pode estar associada a estratgias dos detentores que anteriormente no declarariam a rea real de seus imveis. Essas estratgias podem ter influenciado parte da variao verificada entre 1996 e 2006, porm, impossvel detect-las. Elas poderiam tambm ajudar a justificar, como hiptese, o crescimento significativo de rea dos imveis rurais no Sudeste e no Nordeste, regies de ocupao mais antiga e supostamente estabilizadas em relao apropriao particular da terra.Outra possibilidade para explicar a razo pela qual os detentores teriam passado a declarar a rea real de seus imveis o aumento da ao dos movimentos socioterritoriais. Esta hiptese foi levantada por Fernandes (2005a). Segundo o autor, os fazendeiros teriam passado a declarar a rea real de suas propriedades para no criarem prerrogativas para a negao de pedidos de reintegrao de posse, caso suas terras sejam ocupadas pelos movimentos socioterritoriais. Neste sentido, Fernandes (2005a) supe que parte do acrscimo de rea pode ter sido virtual. Acreditamos que outra possibilidade a ser considerada que parte dos proprietrios s declare as reas exploradas de suas propriedades para que no sejam configuradas como terras improdutivas e para no pagar impostos sobre essas terras. Desta forma, nos ltimos anos, com o aumento da demanda por terras, aquelas que antes eram improdutivas e no declaradas, teriam passado a ser utilizadas para a produo e tambm declaradas para o INCRA. Essas so hipteses que, para alm das possveis fragilidades do tratamento do banco de dados, podem ajudar a justificar o crescimento abrupto da rea total dos imveis rurais entre 1998 e 2003.Adicionalmente aos dados do INCRA, os dados do IBGE sobre os estabelecimentos agropecurios auxiliam no entendimento da estrutura fundiria. De acordo com os dados do Censo Agropecurio 2006, existiam naquele ano no Brasil 5.204.130 estabelecimentos agropecurios com superfcie total de 354.865.534 ha. Em 2006 foram recenseados 344.265 estabelecimentos agropecurios a mais do que em 1996 (crescimento de 7,1%) e no mesmo perodo a rea total dos estabelecimentos brasileiros foi acrescida de 1.254.288 ha (acrscimo de 0,4%). A simples comparao entre essas taxas indica que a evoluo dos estabelecimentos 1996-2006 foi desconcentradora, visto que o nmero de estabelecimentos cresceu taxa superior quela da rea total dos estabelecimentos(22).Na evoluo 1996-2006 (tabela 11.5) a regio Norte foi a que apresentou maior crescimento absoluto e relativo da rea total dos estabelecimentos. A evoluo na regio foi concentradora, pois a taxa de crescimento de rea foi duas vezes superior taxa de aumento do nmero de estabelecimentos. No Nordeste, a taxa de aumento do nmero de estabelecimentos foi duas vezes superior taxa de acrscimo de rea, indicando evoluo desconcentradora. A anlise da evoluo nos estados do Nordeste chama ateno pelas diferenas significativas entre essas unidades da federao. A Bahia, por exemplo, apesar do intenso desenvolvimento do agronegcio no oeste do estado, apresentou reduo de mais de dois milhes de hectares nos estabelecimentos agropecurias. Pernambuco teve acrscimo de pouco mais de trs milhes de hectares na rea total dos estabelecimentos agropecurios. O Maranho, apesar do grande acrscimo de rea (quase 2,5 milhes de ha), em 2006 possua 79.493 estabelecimentos agropecurios a menos do que em 1996, o que indica concentrao. A evoluo 1996-2006 na regio Sul apresentou taxas baixas de crescimento, porm nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul foram verificadas taxas significativas que indicam evoluo concentradora em Santa Catarina e desconcentradora no Rio Grande do Sul. Na regio Sudeste, Minas Gerais apresentou evoluo negativa na rea dos estabelecimentos, com menos cinco milhes de hectares em relao a 1996 e aumento de mais de cinco mil estabelecimentos no mesmo perodo. O Centro-Oeste a regio que mais chama a ateno, pois, apesar de ser a regio com o mais intenso processo atual de ocupao e expanso da produo agropecuria, os trs estados apresentaram diminuio na rea total dos estabelecimentos que totaliza quase 8,5 milhes de hectares. Isso contrasta profundamente com a evoluo na rea dos imveis rurais verificada nos dados do INCRA, que mostram que no Centro-Oeste foram incorporados estrutura fundiria, entre 1992 e 2006, mais de 38 milhes de hectares. Quanto ao nmero de estabelecimentos agropecurios, o Centro-Oeste teve aumento de 32% em relao a 1996.TABELA 11.5 Evoluo do nmero e da rea dosestabelecimentos agropecurios por UF 1996-2006

GRFICO 11.3 Evoluo do nmero e da rea dos estabelecimentos agropecurios 1996-2006

Os mapas da prancha 11.4 mostram que a diminuio do nmero de estabelecimentos ocorreu principalmente no Maranho e na regio de campesinato de colonizao europia, no Sul do pas. Nos mapas tambm possvel verificar que a maior parte das microrregies brasileiras apresentou diminuio da rea total dos estabelecimentos agropecurios no perodo 1996-2006.

PRANCHA 11.4

Tomamos agora os dados do INCRA de 2003 e do IBGE de 2006 para uma anlise comparativa. A tabela 11.6 tem os dados dos imveis rurais e dos estabelecimentos agropecurios. No Brasil, so 913.599 estabelecimentos agropecurios a mais do que imveis rurais e a rea total dos imveis rurais tem 63.617.798,30 ha a mais do que a rea total dos estabelecimentos agropecurios. Essas informaes nos fornecem duas importantes indicaes: a) cerca de 900 mil estabelecimentos agropecurios esto submetidos ao pagamento da renda da terra pr-capitalista no Brasil; b) os 63 milhes de hectares declarados ao INCRA e que no constam na rea declarada ao IBGE podem corresponder a terras improdutivas ou sonegao de informaes. A maior diferena entre o nmero de imveis e de estabelecimentos verificada na regio Nordeste, onde o nmero de estabelecimentos mais do que o dobro do nmero de imveis rurais. Em relao rea total, a regio Norte a que apresenta maior diferena entre imveis e estabelecimentos, sendo que os imveis contabilizam 22.695.470 ha a mais do que os estabelecimentos agropecurios.

TABELA 11.6 Imveis rurais (2003) X estabelecimentos agropecurios (2006)

O mapa 11.6 representa, atravs de uma regresso linear, a comparao entre nmero de imveis rurais e o nmero de estabelecimentos agropecurios. Esta diferena indica a agregao ou o fracionamento de imveis rurais na formao de estabelecimentos agropecurios. Quando o nmero de imveis maior do que o nmero de estabelecimentos, vrios imveis so tomados (em arrendamento, por exemplo) por um mesmo produtor rural e agregados para formar um nico estabelecimento agropecurio. Ao contrrio, quando o nmero de imveis inferior ao nmero de estabelecimentos, temos um indicativo do fracionamento dos imveis em vrias glebas que so cedidas (possivelmente tambm por arrendamento) para vrios produtores, formando assim diversos estabelecimentos agropecurios. Ambas as situaes indicam a apropriao da renda da terra pr-capitalista, j que no so os proprietrios que exploram produtivamente a terra e quem o faz certamente paga o proprietrio de alguma forma. Quanto s causas da ocorrncia de um ou de outro processo, podemos considerar duas hipteses: no primeiro caso, em que ocorre a agregao, os imveis da regio podem ter rea reduzida ao ponto que sua explorao no seja economicamente possvel segundo o modelo agrcola produtivista predominante, o que fora alguns a darem e outros tomarem em arrendamento. Por isso, a agregao dos imveis tambm pode indicar a desintegrao do campesinato. J o segundo caso, do fracionamento dos imveis, pode estar ligado concentrao da terra, com grandes imveis que, no explorados produtivamente (porm explorados economicamente, j que os proprietrios recebem pelo arrendamento) por seus proprietrios, so fracionados e explorados por diversos produtores.O mapa 11.6 representa esses dois fenmenos e indica regies com grande incidncia de renda da terra pr-capitalista. Visualizamos que h uma disposio norte/sul na ocorrncia dos fenmenos. A primeira situao, caracterizada pelo nmero de imveis superior ao nmero de estabelecimentos (vermelho e rosa), verificada principalmente na metade sul e, sobretudo, na regio Sul, onde a concentrao fundiria menor, e por isso a fragmentao fundiria maior. A agregao ocorre tambm nas microrregies do submdio So Francisco, sendo o fenmeno a discrepante da maioria das microrregies do Nordeste, onde ocorre principalmente a fragmentao, fenmeno oposto. O segundo fenmeno, da fragmentao (azul-escuro e azul-claro), com nmero de estabelecimentos superior ao de imveis, ocorre principalmente na metade norte do pas, com maior intensidade no norte dos estados do Maranho, Piau e Cear. O fenmeno certamente est relacionado aos grandes estabelecimentos que caracterizam a regio.O mapa 11.6 extremamente importante por indicar as regies em que os produtores rurais, em especial os pequenos, encontram maiores dificuldades para produzir. De um lado, o modelo agrcola produtivista impede que consigam sobreviver no livre mercado agrcola; no outro caso, os produtores, verdadeiros merecedores da propriedade e posse da terra, so obrigados a pagar a renda da terra pr-capitalista para os proprietrios que no produzem e no contribuem para o desenvolvimento do pas.

MAPA 11.6

A diferena entre a rea total dos imveis rurais e dos estabelecimentos agropecurios indica as discrepncias nos dados, j apontadas nesta seo. Isso por que toda rea de imvel rural deve ser declarada como parte de algum estabelecimento agropecurio, seja esta terra explorvel ou no; explorada ou no; posse ou propriedade. O ideal que a rea total dos imveis rurais seja igual rea total dos estabelecimentos agropecurios. Quanto mais diferentes forem esses dados, mais fortes so os indcios de que haja deficincia nos dados ou m f dos declarantes. O mapa 11.7 indica a discrepncia entre os dados de rea do INCRA e do IBGE e ponto de partida para pesquisas que tenham como objetivo analisar os problemas dos dados da estrutura fundiria brasileira. O diferencial territorial do mapa indica que os fenmenos ocorrem no territrio de forma heterognea, mas h correlao espacial entre as microrregies que apresentam fenmenos semelhantes.

MAPA 11.7

Posses e grilosDe acordo com a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 191, so passiveis de usucapio apenas os imveis rurais com at 50 ha, exceto as terras pblicas. As terras pblicas e devolutas, de acordo com o artigo 188 da CF, devem ser destinadas em consonncia com a poltica agrcola e com o plano nacional de reforma agrria. Em todo o Brasil, desde 1976, a regularizao(23) de posses em terras pblicas, de acordo com o art. 29 da Lei no 6.383 de 7 de dezembro de 1976, possvel em reas de at 100 hectares. Em 1993, a rea de posses susceptveis regularizao foi diferenciada para a Amaznia Legal (inciso II do 2 do art. 17 da Lei n 8.666 de 21 de junho de 1993) e fixada, para a regio, em 500 hectares (inciso II do 2 B do art. 17 da Lei n 8.666 de 21 de junho de 1993). Em 2008 esta rea mxima passou de 500 ha para quinze mdulos fiscais, desde que no exceda mil e quinhentos hectares, de acordo com a MP 422, de 25 de maro de 2008, convertida na Lei n 11.763 de 1 de agosto de 2008.Sobre o tema, Oliveira (2008) faz uma crtica e relaciona as vrias polticas pblicas que, historicamente, vm proporcionando o processo de apropriao privada da Amaznia Legal em favor do latifndio e do agronegcio. Alm do aumento da rea mxima das posses em terras pblicas passveis de regularizao, o autor destaca a permissividade das leis que possibilitavam a compra de imensas reas de terras pblicas por particulares e as estratgias desses compradores para poderem comprar terras alm das quantidades mximas estabelecidas por lei. Entre 1946 e 1967 cada pessoa podia comprar at 10.000 ha; de 1967 at 1988 a rea mxima era de 3.000 ha e em 1988 passou para 2.500 ha. Para burlar a rea mxima possvel de ser adquirida, os grileiros utilizavam procuraes falsas de laranjas para se apropriarem de outras terras. Este tipo de grilagem Oliveira (2008) denomina grilagem legalizada. O artigo 51 dos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias da Constituio de 1988 prev(ia) a reviso, pelo Congresso Nacional, nos trs anos que seguiram a promulgao da CF, de todas as doaes, vendas e concesses de terras pblicas com rea superior a 3.000 hectares realizadas entre 1 de janeiro de 1962 e 31 de dezembro de 1987. Isso ainda no foi feito. Para Oliveira, as posses de camponeses na Amaznia no ultrapassam 100 ha. Por este motivo e pelos inmeros casos de corrupo envolvendo funcionrios do INCRA que vendiam ilegalmente terras pblicas, o autor considera que a regularizao de posses com rea superior a 100 ha na Amaznia Legal constitui a legalizao de grilos. (OLIVEIRA, 2008).O INCRA, nos dados do Cadastro Rural, designa como posse os imveis rurais sem registro legal, independente do seu tamanho. Desta forma, por concordarmos com as proposies de Oliveira (2008) apresentadas acima, utilizaremos o termo posse (entre aspas) para fazer referncia aos dados do INCRA sobre os imveis rurais sem registro legal, independente de sua extenso. Designaremos posses (sem aspas) os imveis sem registro legal com menos de 100 ha e, aqueles com rea igual ou superior a 100 ha e tambm sem registro legal, designaremos grilos.As posses tm grande representatividade na estrutura fundiria brasileira. Elas podem estar em terras pblicas, devolutas ou, em casos mais raros, em terras privadas. Por ser prtica ilegal, h grande possibilidade do fenmeno ser superior ao alcanado pelos dados do INCRA. De acordo com o Instituto, em 2003 existiam no Brasil 1.172.980 imveis de posse (27,3% do total de imveis rurais do Brasil), os quais perfaziam 66.285.346,8 ha (15,8% da rea total dos imveis rurais brasileiros). Os detentores desses imveis eram exclusivamente posseiros e no possuam nenhum outro imvel sob condio de proprietrio. Porm, alm desses detentores que eram exclusivamente posseiros, o cadastro do INCRA tambm apresenta os dados sobre posseiros que tambm eram proprietrios. No cadastro, as posses e propriedades desses detentores no so discriminadas, de forma que os dados so disponibilizados conjuntamente (somados). Sendo assim, em 2003, os proprietrios que tambm eram posseiros detinham, entre propriedades e posses, 117.909 imveis rurais e 15.529.980 ha. Para as anlises realizadas doravante, no utilizaremos os dados referentes aos proprietrios que tambm so posseiros e consideraremos apenas os dados dos imveis de posse.Na Amaznia Legal, em 2003, as reas de posses totalizavam 35.027.088 ha, o que correspondia a 19,8% da rea total dos imveis da regio e 52,8% da rea total dos imveis de posse do Brasil. Tomando dados apresentados por Oliveira (2008), em 2003 o INCRA detinha, na Amaznia Legal, 67.823.810 ha, ainda sem destinao. Desta forma, as terras do INCRA na Amaznia Legal quase o dobro da superfcie sob domnio de posseiros na regio. Como mostra o mapa 11.8, no Brasil as reas de posse concentram-se na metade norte do pas. As posses tambm so notveis, de forma menos intensa, na faixa costeira do Sudeste. A representatividade das posses na rea total dos imveis rurais particularmente importante na regio Norte e no Nordeste, nesta ltima especialmente no norte baiano e no leste pernambucano. As altas propores de rea de posse nos municpios indicam a constante incorporao de novas terras, caracterstica da frente pioneira da fronteira agropecuria. O mapa 11.9 fornece informaes sobre a participao dos trs grandes grupos de imveis rurais (pequeno, mdio e grande) na deteno das reas de posse. Na maior parte dos municpios as reas das posses predominam nos pequenos imveis (menos de 200 ha). J nos municpios com as maiores somas de reas de posse, elas predominam nos imveis mdios e grandes (200 ha e mais), sendo esses casos importantes no oeste da Bahia, sul do Piau, leste do Tocantins, Mato Grosso e Par.

MAPA 11.8

MAPA 11.9

O mapa 11.10 representa as posses e os grilos, assim como definidos no incio desta seo. A regularizao das posses (at 100 ha), caso estejam em terras pblicas ou devolutas, pode ser socialmente adequada para fins de reforma agrria, como prev a lei. Porm, este processo de regularizao deve ser coordenado de forma que considere, primeiramente, o impedimento da acumulao de terra, a vistoria sobre o direito dos indgenas e a observao das prioridades ambientais. Alm disso, a regularizao de terras na Amaznia deve considerar a viabilidade e real necessidade de ocupao da regio, de forma que a ocupao de novas terras no seja escape para no realizar a reforma agrria em outras regies do pas. Desta forma, se considerada a possibilidade de legalizar apenas as posses de menos de 100 ha, haveria, em todo o Brasil, possibilidade de regularizao de 21,7 milhes de hectares, dos quais 9,6 milhes na Amaznia Legal.O mesmo mapa 11.10 representa os grilos, imveis sem registro legal com 100 ha ou mais. A legislao atual prev, na Amaznia Legal, a possibilidade de legalizao de reas de at 1.500 hectares, o que significa regularizar os grilos, como salienta Oliveira (2008). No Brasil, os grilos somam 36,7 milhes de hectares, sendo que na Amaznia Legal esto 25,4 milhes de hectares. Como pode ser visto no mapa 11.10, alm da Amaznia Legal, os grilos tambm se concentram no oeste da Bahia, sul do Piau, leste do Tocantins e de Gois e no noroeste mineiro.

MAPA 11.10

A venda de terras pblicas da Amaznia Legal que v alm do reconhecimento das posses de at 100 ha constitui a consolidao e continuao do processo de ocupao territorial da regio e no contribui para a reforma agrria. Como demonstramos na prxima seo (utilizao da terra) e no captulo sobre "a luta pela terra", no so necessrias novas terras para o aumento da produo agropecuria brasileira. Tambm consideramos que a reforma agrria centrada na Amaznia deve ser repensada, de forma que seja direcionada para reas onde a reforma faa sentido. As terras pblicas na Amaznia devem ser reservadas ao reconhecimento de terras indgenas, reconhecimento de posses de camponeses e criao de unidades de conservao. urgente a regularizao das posses de at 100 ha efetivadas at o presente. Da mesma forma, tambm urgente a elaborao de lei que: a) proba, em todo o Brasil, a legalizao de posses j efetivadas que tenham mais de 100 ha; b) proba, na Amaznia Legal, a legalizao de posses efetivadas a partir do presente momento, independente do seu tamanho. Paralelamente a essas medidas, para que a legislao seja eficaz, necessrio realizar a reforma de outras regies do pas, de ocupao mais antiga e, caso seja necessrio, utilizar, de forma complementar, as terras pblicas da Amaznia para a criao de assentamentos rurais de uso sustentvel. Isso contribuiria para impedir que os 67,8 milhes de hectares do INCRA na Amaznia Legal sejam utilizados em benefcio do latifndio e do agronegcio, o que pode ocorrer atravs da regularizao dos grilos ou pela utilizao dessas terras para a criao de assentamentos em detrimento da reforma de outras regies do pas. Essas medidas contribuiriam para a melhor resoluo de duas questes indissociveis na atualidade: a reforma agrria e a ocupao da Amaznia.

Utilizao da terraOs dados do INCRA mostram que em 1998 cerca de 75,4 milhes de hectares de terras explorveis(24) no eram exploradas, o que correspondia a 23% da rea total explorvel do Brasil. Territorialmente as terras explorveis no exploradas estavam assim distribudas: 45,6% na regio Norte, 24,2% no Nordeste, 26,1% no Centro-Oeste, 2,2% no Sudeste e 1,9% no Sul. O mapa 11.11 representa o fenmeno de forma detalhada e evidencia a oposio norte/sul. Amaznia Legal, oeste Baiano e Piau concentravam grande parte das terras explorveis no exploradas em 1998. A tabela 11.7 mostra que a maior proporo de terras explorveis no exploradas estava nos imveis grandes, grupo no qual 35,6% da rea total explorvel no era explorada. Ainda, se somarmos os imveis mdios e grandes, a rea explorvel no explorada em 1998 era de 58.738.981,1 ha, ou seja, 77,9% de toda terra explorvel no explorada no Brasil. O mapa 11.12 representa os municpios segundo a predominncia dos imveis grandes, mdios ou pequenos na rea total explorvel no explorada em 1998. Na Amaznia Legal predominam as reas explorveis no exploradas nos grandes imveis, assim como no oeste da Bahia e do Piau.

TABELA 11.7 Terras explorveis - 1998

MAPA 11.11

MAPA 11.12

Segundo o IBGE, em 2006, dos 354,8 milhes de hectares dos estabelecimentos agropecurios, 21,6% eram ocupados com lavouras, 48,56% com pastagens e 28,1% com matas e florestas. Como vimos, entre 1996 e 2006 houve um acrscimo de 1,2 milhes de hectares na rea dos estabelecimentos agropecurios. No mesmo perodo a rea de lavouras aumentou 10,2 milhes de hectares (15%), a de pastagens diminuiu 5,3 milhes de hectares (-3%) e a de matas e florestas aumentou 5,6 milhes de hectares (5,9%). Embora tenha havido crescimento significativo da produo entre 1996 e 2006, os dados do IBGE mostram um crescimento no condizente da rea de lavouras, principalmente temporrias(25). Tomamos para a anlise os dados disponibilizados pelo IBGE no SIDRA. Os mapas da prancha 11.5 mostram a situao atual da utilizao das terras e a evoluo entre 1996 e 2006. O mapa de rea de lavouras mostra que na regio Nordeste houve uma tendncia geral de diminuio. As reas de pastagem diminuram por todo o pas, exceto na frente pioneira da fronteira agropecuria, na regio Norte.

TABELA 11.8 Evoluo do uso da terra 1996-2006

PRANCHA 11.5

Os mapas 11.13 e 11.14 representam o uso do solo. No mapa 11.13 podemos visualizar uma extensa regio central que se estende desde o norte do Paran at o Maranho onde so predominantes as reas de pastagens. Tambm as pastagens so predominantes no centro de Rondnia, nos Pampas do Rio Grande do Sul e em uma extensa regio que compreende Minas Gerais e, de forma geral, o Agreste nordestino. As regies onde predomina a rea de lavouras esto no norte do Rio Grande do Sul, oeste do Paran, centro-norte de So Paulo, Zona da Mata nordestina, norte do Cear e do Maranho, em alguns municpios do centro de Mato Grosso e no noroeste amaznico.

MAPA 11.13

MAPA 11.14

Vejamos o que podemos concluir da dinmica geral de apropriao de novas terras e o uso das terras no Brasil. Em 1998 havia na Amaznia Legal 55,8 milhes de hectares de terras explorveis no exploradas; segundo os dados do INPE, de 1998 at 2007, foram desflorestados na regio 54,5 milhes de hectares (terras inexplorveis que se tornaram explorveis) e entre 1996 e 2006 a rea total de lavouras e de pastagens na Amaznia Legal cresceu 23 milhes de hectares, dos quais 45% relativos s pastagens. Esses trs dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade de desflorestamento na Amaznia (ou em qualquer outra regio) para a obteno de novas terras para a produo agropecuria. Vejamos: se parte dos 55,8 milhes de hectares de terras explorveis no exploradas da Amaznia Legal verificados em 1998 passassem a ser explorados desde ento para a expanso dos 23 milhes de hectares de lavouras e pastagens ocorrida na regio entre 1996 e 2006, ainda sobrariam, em 2007, cerca de 32,2 milhes de hectares disponveis para a expanso da agropecuria regional s pelo aproveitamento das terras explorveis no exploradas de 1998. Contudo, alm das terras explorveis no exploradas que havia em 1998, o intenso processo de desflorestamento continua at hoje, o que nos permite somar, ao saldo de 32,2 milhes de hectares de terras explorveis no exploradas, os 54,5 milhes de hectares inutilmente desflorestados na Amaznia entre 1998 e 2007. Com isso, chegamos ao total de 86,7 milhes de hectares de terras explorveis no exploradas disponveis em 2007 para a expanso da agropecuria na Amaznia Legal, cuja rea total dos imveis rurais em 2003 era de 177 milhes de hectares e a rea total de lavouras e pastagens em 2006 perfazia 77,3 milhes de hectares.Desta forma, mantendo-se o modelo tcnico agrcola atual, a pecuria extremamente extensiva praticada na regio e, considerando-se a mesma taxa de crescimento da agropecuria verificada entre 1996 e 2006, que foi de 4% ao ano, os 86,7 milhes de hectares disponveis seriam suficientes para o crescimento contnuo da agropecuria na Amaznia Legal pelos prximos 22 anos, sem que fosse necessrio tocar na floresta. claro que consideramos neste contexto uma situao ideal em que no haja nenhum desvio nos dados; no ocorra nenhum progresso tcnico na agropecuria nos prximos 22 anos e em que a taxa de crescimento da rea ocupada pela agropecuria seja constante. O fato que, apesar de ser um cenrio ideal e que dificilmente todos os elementos considerados apresentaro a evoluo considerada no clculo, os possveis desvios de cada um desses trs elementos podem ser compensados mutuamente, um pelo outro, de forma que um cenrio muito prximo pode se confirmar. A mudana no sistema de pecuria extremamente extensiva pode influenciar profundamente esta evoluo, visto que 45% da rea adicionada entre 1996 e 2006 so de pastagens, o que corresponde a 10,5 milhes de hectares. Desta forma, cabe aos cinco prximos governos, criar alternativas para o desenvolvimento da agropecuria na Amaznia Legal que evitem ocupao de novas reas.Os dados da no utilizao da terra corroboram com os dados das posses para evidenciar o processo de especulao fundiria na fronteira agropecuria. Isso nos leva, mais uma vez, a salientar a urgncia de repensar a ocupao da Amaznia. A necessidade de abertura de novas terras na Amaznia absolutamente infundada. O nico objetivo da abertura de novas terras a explorao de madeira e a apropriao de novas terras por grandes posseiros unicamente como reserva de valor. A produo de alimentos para o desenvolvimento social brasileiro no exige a ocupao de mais nenhum centmetro quadrado da Amaznia ou outro bioma. Alm disso, a grande proporo de terras explorveis no exploradas em grandes estabelecimentos na Amaznia Legal indica a consolidao, em um futuro prximo, da parceira latifndio-agronegcio. Esses grandes imveis sero utilizados para produo do agronegcio assim que as terras forem necessrias. Os grandes imveis com terras no exploradas so os futuros locus do agronegcio.Prxima seo -> Agropecuria

NOTAS(22) No foi possvel medir a concentrao atual com os dados do IBGE de 2006 atravs do ndice de Gini, pois at a concluso deste trabalho o instituto ainda no havia divulgado os dados dos estabelecimentos agropecurios por classe de rea.(23) Compra, sem licitao, da terra pblica ocupada previamente pelo posseiro, mediante pagamento do valor histrico da terra.(24) Terras que se encontravam, na data do levantamento dos dados, em condies de produo imediata. As terras com matas so consideradas inexplorveis.(25) Em contato com o IBGE tentamos esclarecer o problema, mas no foi possvel. Aguardamos os dados definitivos para analisar melhor a questo. O problema est na contabilizao das terras em descanso, terras no utilizadas e rea plantada com forrageiras. Segundo os dados do SIDRA, as lavouras temporrias teriam reduzido um milho de hectares entre 1996 e 2006 e o aumento da rea das lavouras teria ficado por conta das lavouras permanentes, que tiveram acrscimo de 149% no perodo, pouco mais de 11 milhes de hectares.