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Estruturas curriculares
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UNIASSELVI-PS
CADERNO DE ESTUDOS
ESTRUTURAS CURRICULARES INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE
CENTRO UNIVERSITRIO LEONARDO DA VINCI UNIASSELVI
UNIASSELVI-PS
CADERNO DE ESTUDOS
ESTRUTURAS CURRICULARES INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE
Pr-Reitor da Ps-Graduao EAD: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Coordenador da Ps-Graduao EAD: Prof. Norberto Siegel
Equipe Multidisciplinar da Ps-Graduao EAD: Profa. Brbara Pricila Franz
Profa. Cludia Regina Pinto Michelli
Profa. Kelly Luana Molinari Corra
Autor (a): Patrcia Cesrio Pereira Offial
Indaial
2015
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
3
Sumrio APRESENTAO .............................................................................................................................. 4
CURRCULO ESCOLAR: HISTRIA, PARADIGMAS E TEORIAS ............................................. 5
O CONTEXTO HISTRICO DO CURRCULO ........................................................................... 5
O PARADIGMA CURRICULAR ................................................................................................... 7
TEORIAS DO CURRCULO: CONCEITOS E REFLEXES ...................................................... 9
POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO, MODELOS E A PROPOSTA CURRICULAR DE
SANTA CATARINA ......................................................................................................................... 14
POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO: ENTRE A PRTICA E A TEORIA .................... 14
PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA .............................................................. 18
O PAPEL DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ORGANIZAO CURRICULAR E UMA
ARTICULACAO CURRICULAR DIFERENCIADA ...................................................................... 23
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................. 31
REFERNCIAS ................................................................................................................................. 32
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
4
APRESENTAO
Esta disciplina prope um estudo acerca das estruturas curriculares no contexto da inter e
transdisciplinaridade, apresentando contribuies das teorias do currculo, as novas concepes e os
impactos na sua forma de organizao. Discute a Proposta Curricular de Santa Catarina e seus
alinhamentos com as polticas pblicas no processo educativo. Compe-se por trs captulos
fundamentados nos estudos de Sacristn (2000), Libneo (2009), Santa Catarina (2014), Moraes
(2010), entre contribuies de pesquisas sobre o tema em discusso.
No primeiro captulo, trataremos do Currculo Escolar: histria, teorias e paradigmas
pontuando trajetrias e concepes, para melhor compreenso da atual conjuntura da educao. A
palavra paradigma origina-se da lngua grega, paradeigma, que quer dizer modelo padro.
Podemos entender como modelos, representaes e interpretaes de vises de mundo.
No segundo captulo, abordaremos as polticas pblicas de currculo e a Proposta Curricular
de Santa Catarina. As polticas pblicas so demandas governamentais que propem um conjunto
de programas, metas, decises e aes com o intuito de melhorar a sociedade, seja a nvel nacional,
estadual ou municipal. Uma Proposta Curricular uma ao de polticas pblicas que visa atender
s realidades e s especificidades locais.
Apresentaremos, no terceiro captulo, o papel do professor no processo de organizao
curricular, com indagaes e reflexes sobre o currculo. preciso considerar que a concepo
interdisciplinar e transdisciplinar de currculo mencionados no tema diferem-se pela forma de
relao com as mltiplas disciplinas. A ideia de interdisciplinaridade parte da integrao dos
diferentes contedos compartilhados nas diferentes disciplinas. J a transdisciplinaridade, como j
diz o nome, transcende esse conceito. Apesar do termo ainda estar em discusso, muitos autores
defendem a ideia da transdisciplinaridade como a interao global das vrias cincias.
Boa Leitura!
A autora.
.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
5
CURRCULO ESCOLAR: HISTRIA, PARADIGMAS E TEORIAS
A totalidade o ponto vital de qualquer paradigma que surge a partir dessas idias. Se h
movimento de energia, total e ininterrupto, todos os fenmenos no podem ser separados
uns dos outros e, portanto, no existe a fragmentao e a separatividade que o modelo
mecanicista pregava. o pensamento do homem que fragmenta a sua realidade.
(MORAES, 2010, p. 10)
A ideia de totalidade surgiu aps a descoberta de Einstein, em 1905, quando, por meio de
experimentos, constatou que massa energia e que ambas no necessariamente apresentam
distino. Anterior a essa descoberta, o modelo de cincia estava sustentado na viso de Decartes e
Newton. O pensamento cartesiano, exposto no Discurso do mtodo, afirmava que era preciso
decompor uma questo em outras mais fceis at chegar a um grau de simplicidade suficiente para
que a resposta ficasse evidente (MORAES, 2010, p.37). Mas foi Newton que revolucionou o
modelo de cincia que se estendeu at o sculo XX, ao desenvolver uma formulao matemtica da
concepo mecanicista da natureza.
Se antes o paradigma de cincia estava pautado na viso de mundo cartesiana e na mecnica
newtoniana, sustentado em um modelo de ruptura, fragmentao e estagnao, atualmente o modelo
cientfico reconhece a ideia de movimento, totalidade e constante transformao.
Mas qual a ligao entre o paradigma cientfico, a educao e o currculo? Para abranger
esse estudo, faremos uma reviso do currculo na histria, em seguida traremos uma discusso sobre
os paradigmas educacionais e concepo de currculo, bem como as teorias curriculares.
O CONTEXTO HISTRICO DO CURRCULO
Estudiosos acreditam que as mudanas econmicas, sociais, culturais, polticas e
educacionais, provm das transformaes tcnico-cientficas, que por sua vez, surgem a partir das
necessidades postas pela evoluo humana. Cada poca apresenta fatos e contextos significativos e
representativos de uma determinada sociedade. Nesse sentido, Libneo (2009) apresenta, para
melhor compreenso do currculo e sua insero no tempo, uma trade revolucionria - uma espcie
de resumo dos fatos e caractersticas das revolues cientficas, em trs marcantes pocas, baseada
na revoluo tecnolgica: a energia termonuclear, a microbiologia e a microeletrnica. Essa trade,
segundo o autor, elucida a compreenso do desenvolvimento da humanidade. Vejamos o quadro
com um breve resumo da revoluo cientfica e tecnolgica na modernidade:
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
6
Quadro 1- Revolues Cientficas e tecnolgicas da modernidade (do sculo XVII ao incio
do sculo XX)
1 REVOLUO CIENTFICA
E TECNOLGICA (segunda
metade do sculo XVII)
2 REVOLUO CIENTFICA
E TECNOLGICA (segunda
metade do sculo XIX)
3 REVOLUO CIENTFICA
E TECNOLGICA (segunda
metade do sculo XX)
- Nasce na Inglaterra, vinculada
ao processo de industrializao,
substituindo a produo artesanal
fabril.
- Caracteriza-se pela evoluo da
tecnologia aplicada produo de
mercadorias, pela utilizao do
ferro como matria-prima, pela
inveno do tear e pela
substituio da fora humana
pela energia e mquina a vapor,
criando condies objetivas de
passagem de uma sociedade
agrria para uma sociedade
industrial.
- Impe o controle de tempo, a
disciplina, a fiscalizao e a
concentrao dos trabalhadores no
processo de produo.
- Amplia a diviso do trabalho e
faz surgir o trabalho assalariado e
o proletariado.
- Aumenta a concentrao do
capital e seu domnio sobre o
trabalho; o trabalho subordina-
se, formal e concretamente, ao
capital.
- Demanda qualificao simples
(trabalho simples), o que leva o
trabalhador a perder o saber
mais global sobre o trabalho.
- Caracteriza-se pelo surgimento
do ao, da energia eltrica, do
petrleo e da indstria qumica e
pelo desenvolvimento dos meios
de transporte e de comunicao.
- Fornece as condies objetivas
para um sistema de produo em
massa e para a ampliao do
trabalho assalariado.
- Aumenta a organizao e a
gerencia do trabalho no processo
de produo, por meio da
administrao cientfica do
trabalho (proposta por Taylor e
Ford): racionalizao do
trabalho para aumento da
produo, eliminao dos
desperdcios, controle dos tempos
e movimentos dos trabalhadores
na linha de montagem.
- Ocasiona a fragmentao, a
hierarquizao, a individualizao
e a especializao de tarefas
(linha de montagem).
- Intensifica ainda mais a diviso
tcnica do trabalho, ao mesmo
tempo em que promove sua
padronizao e desqualificao.
- Faz surgir as escolas industriais
e profissionalizantes (escolas
tcnicas), bem como o operrio
padro.
- Tem por base, sobretudo, a
microeletrnica, a ciberntica, a
tenotrnica, a microbilogia, a
biotecnologia, a engenharia
gentica, as novas formas de
energia, a robtica, a
informtica, a qumica fina, a
produo de sintticos, as fibras
ticas, os chips.
- Acelera e aperfeioa os meios de
transporte e as comunicaes
(revoluo informacional).
- Aumenta a velocidade e a
descontinuidade do processo
tecnolgico, da escala de
produo, da organizao do
processo produtivo, da
centralizao do capital, da
organizao do processo de
trabalho e da qualificao dos
trabalhadores.
- Transforma a cincia e a
tecnologia em matrias-primas
por excelncia.
- Organiza a produo de forma
automtica, autocontrolvel e
autoajustvel, mediante
processos informatizados,
robotizados por meio de sistema
eletrnico.
- Torna a gesto e a organizao
do trabalho mais flexveis e
integradas globalmente.
Fonte: Adaptado de Libneo (2009, p.61).
A partir dessas snteses, possvel identificar as mudanas ocorridas em cada perodo.
Percebeu como entramos em um modelo mais integrado, flexvel e globalizado? A ideia vital para o
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
7
novo paradigma cientfico a totalidade. o que defende a Proposta Curricular de Santa Catarina
(1998) ao mencionar no texto a valorizao do ser multidimensional e integrado (fsica, cognitiva,
social e emocional). E essa concepo que queremos apresentar como chave para discutirmos a
estrutura curricular. Conforme Moraes (2010, p.63):
Esses aspectos tm implicaes importantes nas questes curriculares e
obviamente em todo o processo educacional. Um currculo desenvolvido a partir do
reconhecimento do princpio da auto-organizao e da interao sujeito-objeto
diferente de um currculo planejado sob o enfoque instrucional que v o ensino
como determinante da aprendizagem e o indivduo como um espectador passivo
sujeito s foras externas. (Grifos nossos)
Segundo a autora, criamos razes em um modelo que no mais responde s demandas de
uma sociedade que evoluiu. Percebem-se as transformaes ocorridas na sociedade, mas a realidade
da educao ainda apresenta resultados preocupantes. O que ocorre a insistncia nos modelos
obsoletos, nos currculos prontos e definitivos e nos paradigmas ultrapassados.
O PARADIGMA CURRICULAR
Moraes (2010) nos instiga a refletir que, apesar do novo paradigma educacional, da
concepo do todo integrado, do conhecimento em rede, da aprendizagem centrada no sujeito, os
antigos problemas educacionais persistem.
[...] o enfoque do conhecimento como rede surgiu baseado na teoria de Bootstrapde
Geoffrey Chew desenvolvida h trinta anos. Segundo essa teoria, a natureza no
pode ser reduzida a entidades fundamentais como blocos de construo bsicos,
mas tem de ser entendida inteiramente pela autoconsistncia. (CAPPRA, 1994
apud MORAES, 2010, p.77)
O motivo, segundo pesquisa da autora, refere-se ao desencontro entre teoria e prtica, ou
seja, a inovao dos projetos e aes que vem para mudar essa tradio arcaica de educao,
infelizmente, est atrelada a uma prtica descontextualizada da realidade do aluno. Para
compreender melhor esse raciocnio, leia a seguir o recorte do texto de Moraes (2010, p. 57 - 63) do
livro O Paradigma Educacional Emergente:
Novos programas e projetos foram criados e recriados, e os velhos problemas continuavam
em constantes "listas de espera". Solues fragmentadas, dissociadas da realidade e desintegradas,
presentes na maioria dos programas e projetos de governo, mudavam detalhes do exterior sem,
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
8
contudo, provocar mudana interna e revolucionria nas condies de aprendizagem dos alunos, no
sentido de gerar uma fora renovadora que colocasse em prtica novas ideias, novos ideais e novas
prticas de ensino. As aes implementadas no provocavam mudanas importantes no processo
de ensino-aprendizagem, no levavam em considerao como que a criana aprende, como
constri o conhecimento. E, dessa forma, os projetos desenvolvidos colaboravam para o
prevalecimento das atuais taxas de analfabetismo, evaso, repetncia, baixa qualidade do ensino e
tantas outras mazelas da educao brasileira.
O fato de integrar imagens, textos, sons, animao e mesmo a interligao de informaes
em sequncias no-lineares, como as atualmente utilizadas na multimdia e hipermdia, no nos d
a garantia de boa qualidade pedaggica e de uma nova abordagem educacional. Programas
visualmente agradveis, bonitos e at criativos, podem continuar representando o paradigma
instrucionista, ao colocar no recurso tecnolgico uma srie de informaes a ser repassada ao
aluno. E assim, continuvamos preservando e expandindo a velha forma com que fomos educados,
sem refletir sobre o significado de uma nova prtica pedaggica utilizando esses novos
instrumentos.
O velho modelo da cincia positivista vem influenciando a Educao h mais de 300 anos e
decorre de uma associao de vrias correntes de pensamento da cultura ocidental, dentre elas, a
Revoluo Cientfica, o Iluminismo e a Revoluo Industrial, que estiveram presentes a partir dos
sculos XVII, XVIII e XIX. As ideias iniciais que muito influenciaram a Era Moderna foram
formuladas nos sculos XVI, XVII e XVIII.
A viso de totalidade e o pensamento sistmico aplicado em educao, impem-nos a
tarefa de substituir compartimentao por integrao, desarticulao por articulao,
descontinuidade por continuidade, tanto na parte terica quanto na prxis da educao. Em
termos de macroplanejamento, esse pensamento evita a concepo de uma poltica fragmentada,
desarticulada, descontnua e compartimentada. Pressupe novos estilos de diagnsticos,
procedimentos metodolgicos adequados e que permitam apreender o real, em suas mltiplas
dimenses, em toda a sua complexidade, para que se possa identificar necessidades concretas,
capazes de subsidiarem a construo de uma poltica educacional congruente com a realidade.
Diante dessa problemtica, necessitamos de uma escola que atenda s demandas de uma
sociedade tecnolgica, evolutiva e holstica, que fuja da concepo estagnada, cujo padro reflete a
imobilidade na forma de organizar a escola.
A realidade contempornea rompe o currculo departamentalizado, de domnio
exclusivo de alguns professores e a privatizao do saber. Na Escola tradicional os
professores se sentem donos de uma rea do conhecimento (...). No processo aberto
de ensino-aprendizagem, prevalece o interacionismo entre professor-aluno e outros
agentes da educao, como os pais, a direo da escola e as pessoas que vivem na
comunidade ou no mundo do trabalho. (SANTA CATARINA 2005, p. 5)
Para tanto, a Proposta Curricular de Santa Catarina absorve a ideia da aprendizagem
coletiva, de uma escola que permite um trabalho dos saberes integrados. Mas por que ainda estamos
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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to amarrados s disciplinas? Por que to difcil que essa integrao das reas se torne a prtica do
professor em sala de aula? Para aferirmos esse entendimento necessrio revisitar as teorias do
currculo.
TEORIAS DO CURRCULO: CONCEITOS E REFLEXES
Antes de adentrarmos nas teorias do currculo, vamos entender seu conceito por meio de
alguns autores.
Afinal o que currculo?
Para Grundy (1987, apud SACRISTN, 2000), currculo no pode ser compreendido como
um conceito, mas como uma construo cultural. Limit-lo a um conceito negar as experincias
pelas quais verdadeiramente constitudo. Nesse sentido, o currculo envolve as prticas em sala de
aula, os contextos, polticas administrativas, econmicas, etc. Mas tambm imbudo de teoria,
crenas, valores. Para Roldo (1996 apud Sacristn2000, p.26), currculo deve ser compreendido
como realidade socialmente construda, que caracteriza a escola como instituio em cada poca.
Para Young (1980,apud Sacristn 2000),o currculo o veculo pelo qual o conhecimento
difundido na sociedade.
Poderia trazer aqui inmeras definies de currculo, afinal uma prtica to complexa,
justifica os diferentes entendimentos e concepes. Escolhemos a abordagem de Sacristn (2000),
que organizou, a partir de seus estudos, uma seleo de definies, acepes e perspectivas sobre o
currculo. Podemos analisar o currculo a partir de cinco esferas muito bem diferenciadas, como
veremos a seguir:
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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Quadro 2- Anlise do currculo
ANLISE DO
CURRCULO
O ponto de vista sobre sua funo social como ponte entre a sociedade e a
escola.
Projeto ou plano educativo, pretenso ou real, composto de diferentes
aspectos, experincias, contedos, etc.
Fala-se do currculo como expresso formal e material desse projeto que
deve se apresentar, sob determinado formato, seus contedos, suas
orientaes e suas sequncias para abord-las, etc.
Referem-se ao currculo os que o entendem como um campo prtico.
Entend-lo assim supe a possibilidade de:
1) analisar os processos instrutivos e a realidade da prtica a partir de uma
perspectiva que lhes dota de contedo;
2) estud-lo como territrio de interseco de prticas diversas que no se
referem apenas aos processos de tipo pedaggico, interaes e
comunicaes educativas;
3) sustentar o discurso sobre a interao entre a teoria e a prtica em
educao.
Referem-se a ele os que exercem um tipo de atividade discursiva acadmica
e pesquisadora sobre todos os temas.
Fonte: Adaptado de Sacristn (2000, p.14).
Diante dessa anlise sobre currculo, podemos considerar alguns pontos relevantes ao
conceb-lo: a funo social da escola, as demandas da sociedade, o pblico, a diversidade cultural,
da comunidade escolar e seu momento histrico. Nesse sentido, o currculo possibilita que os
saberes e experincias sejam base para a construo de novos conhecimentos. Para entendermos
esse raciocnio, veremos o que dizem as teorias do currculo, destacando algumas indagaes de
Moraes (2010, p.135), como:
Que teorias so mais adequadas ao pensamento cientfico atual e a uma prtica mais
congruente com o modelo terico e as teorias adotadas?
Quais as novas pautas educacionais sinalizadoras de mudanas significativas?
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
11
Para responder a tais questionamentos, adentraremos, inicialmente, nas diferentes teorias e
concepes do currculo.
Atente agora para o que nos diz Varela (2013, p.20-25) no livro O currculo e o
desenvolvimento curricular: concepes, prxis e tendncias, em que o autor apresenta as
diferentes correntes de um currculo tradicional:
A Teoria Tradicional do Currculo
A emergncia do currculo como campo de estudos ocorre nos Estados Unidos da Amrica
no contexto da institucionalizao da educao de massas, com o contributo decisivo de J. F.
Bobbit, que publica, em 1918, o livro The Curriculum, considerado como o marco referencial no
estabelecimento do currculo como campo especializado de estudos (Silva, 2000). Nessa obra,
Bobbit (1918) propunha uma concepo de currculo em uma lgica de eficincia, a cargo de
especialistas incumbidos de fazer o levantamento das habilidades a serem desenvolvidas pela
escola, bem como a elaborao dos instrumentos de medio ou avaliao dessas mesmas
habilidades. escola, funcionando semelhana de uma empresa comercial ou industrial,
incumbe, segundo essa abordagem, garantir que as finalidades da educao traduzam as exigncias
profissionais da vida adulta.
1.1 O currculo clssico
Caracterizando-se pela natureza abstrata do conhecimento escolar, o currculo clssico,
segundo Silva (2005, pp. 26, 27) s pde sobreviver no contexto de uma escolarizao secundria de acesso restrito classe dominante, privilegiando a racionalidade acadmica, ou seja, a nfase nos contedos considerados essencialistas e perenes. Tal viso, de acordo com Goodson (2001),
valoriza o conhecimento acadmico abstrato ou descontextualizado, destinado s escolas de elite,
em detrimento do conhecimento prtico, contextualizado e relacionado com processos ativos,
salientando que o currculo das escolas de elite pensado para proteger os jovens do contato coma
cultura popular, pelo que essa fica excluda dos currculos das escolas.
1.2 A viso tecnocrtica
A viso tecnocrtica do currculo, que tem Bobbit e Tyler como expoentes mximos, encara
o currculo como uma questo tcnica, neutral e no ideolgica. Na prtica, a viso tecnocrtica
consiste na elaborao de uma relao de matrias, por disciplinas, ou seja, de um plano de
instruo, com a organizao do conhecimento em uma sequncia lgica, em que se atribui a cada
uma das unidades ou matrizes de conhecimento o respectivo tempo de docncia e se definem os
objetivos de aprendizagem pretendidos, os quais devem expressar-se em termos de
comportamentos especficos, exigidos pelo sistema tecnolgico de produo e pelas exigncias
profissionais da vida adulta, como referimos acima.
Essa corrente se desenvolve e prolifera a partir da diferenciao ntida entre currculo e instruo, sendo o currculo o desenho estruturado dos resultados pretendidos, definidos em comportamentos especficos (Gimeno & Perez, 1985, p. 192), cabendo ao professor a tarefa de execut-lo atravs da atividade de instruo.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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1.3 A viso progressista
Ainda no quadro da concepo tradicional, o currculo, encarado antes como plano de
estudos, evolui no sentido da sua considerao como a totalidade de experincias vivenciadas pelo
aluno sob a orientao do professor, que procuraria ter em conta e valorizar os interesses do
discente. A teoria progressista do currculo, que atacava o currculo clssico, devido ao seu
distanciamento dos interesses e das experincias das crianas e dos jovens, atribui escola a
responsabilidade de compensao dos problemas da sociedade mais ampla e, assim, o enfoque do
currculo vai se desloca r do contedo para a forma, isto , vai se centrar na organizao das
atividades, com base nas experincias, diferenas individuais e interesses da criana.
Todas essas vises ou perspectivas da teoria tradicional tm como denominador comum uma viso
redentora do currculo (Moreira & Silva, 1995), em que a escola est ao servio da ordem scio-
econmica e poltica dominante, cabendo-lhe, por isso, ainda que com respostas diferenciadas na
forma, corresponder s exigncias da sociedade e do mundo do trabalho, com base nos princpios
de ordem, racionalidade e eficincia. Desse modo, as questes centrais do currculo prendem-se
aos processos de seleo e organizao dos contedos e das atividades de aprendizagem, mediante
uma planificao rigorosa, baseada em teorias cientficas do processo de ensino-aprendizagem, ora
numa viso empresarial (Tyler) ora numa viso psicologizante (Dewey).
Vejam que as trs vises partem da perspectiva tradicional do currculo, em que, segundo
Varela (2013), coloca a escola a servio de uma ordem socioeconmica e poltica dominante. Um
currculo no pode atender apenas a uma classe ou fazer qualquer tipo de distino, deve ser
pensado como uma construo social e cultural. para isso que servem as teorias curriculares para
analisar as complexidades e os fenmenos de uma sociedade, aproximando-se o mximo possvel
da realidade de uma comunidade. Ainda sobre as teorias do currculo, Sacristn (2000, p. 37) afirma
que elas desenvolvem muitas funes pois:
So modelos que selecionam temas e perspectivas; costumam influir nos formatos
que o currculo adota antes de ser consumido e interpretado pelos professores,
tendo assim um valor formativo profissional para eles; determinam o sentido da
profissionalidade do professorado ao ressaltar certas funes; finalmente, oferecem
uma cobertura de racionalidade s prticas escolares.
Nesse contexto, as teorias do currculo fazem o papel de mediadores entre a
ideia/pensamento e a ao/atitude. Portanto, h um conjunto de fatores que constroem um currculo,
sendo que ele atender a uma determinada comunidade, em um contexto de uma poca especfica.
por isso que o currculo no algo pronto, muito menos limitado a um padro.
Precisamos, dentro da grande complexidade que compe um currculo, possibilitar seu movimento
de construo para no corrermos o risco de acorrentarmos algo que tem o propsito de libertar.
Para elucidar o debate, observe, na figura a seguir, o conjunto de saberes do currculo escolar:
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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Figura 1 - Conjunto de saberes do currculo escolar
Fonte: Com base em SANTA CATARINA (2005).
Como voc percebeu, a construo da estrutura curricular apresenta diversos contextos que
devem ser considerados e que implicam em diferentes saberes. No entanto, at a chegada escola, o
currculo passa por muitas construes e anlises antes das tomadas de decises. Mas quem so os
agentes construtores? Vamos compreender a outra parte dessa estrutura no prximo captulo, ao
tratarmos de polticas pblicas alinhadas com a Proposta Curricular de Santa Catarina.
Atividade de Estudos:
1- 1) Sobre as teorias de currculo tradicionais discutidas por Varella (2013), apresente as principais caractersticas de cada uma delas e quais ainda so possveis de encontrar na ao pedaggica nas
nossas unidades escolares.
2- ________________________________________________________________________________
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Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO, MODELOS E A PROPOSTA CURRICULAR
DE SANTA CATARINA
Um currculo em ao flexvel, respeita a capacidade do indivduo de planejar,
executar, criar e recriar conhecimento, ou seja, sua ao concreta. (...) Est sempre
em processo, em dilogo transformador, baseado nas peculiaridades das situaes
locais. (MORAES, 2010, p. 148)
Tratar de currculo sem discutir polticas pblicas dissoci-lo do contexto ao qual est
veiculado. Como j vimos anteriormente, o currculo envolve questes culturais, sociais e
histricas. Compreend-lo diferentemente dessas caractersticas romper com sua essncia pautada
na totalidade e na integrao, como sugere Moraes (2010).
POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO: ENTRE A PRTICA E A TEORIA
A poltica sobre o currculo deve expressar a realidade prtica da educao de forma
dialgica com todos os atores dessa construo: sociedade, educadores, pesquisadores, enfim, deve
ouvir e permitir que essas vozes tambm sejam levadas em considerao nas tomadas de decises.
Mas, afinal, a quantas mos se faz um currculo? Como ele chega at o aluno? Falamos no
captulo anterior do conceito do currculo, das teorias, dos paradigmas, porque tudo isso est
intrinsecamente presente no currculo. Vamos agora entender o currculo pelo vis das polticas
pblicas.
O currculo escolar no Brasil definido pelo governo central. A poltica curricular rege as
decises gerais, passando por uma ordenao jurdica e administrativa. Assim, O tipo de
racionalidade dominante na prtica escolar est condicionada pela poltica e mecanismos
administrativos que intervm na modelao do currculo dentro do sistema escolar. (SACRISTN
2009, p. 108)
Veremos agora um recorte de algumas pesquisas que discutem as polticas pblicas do
currculo aqui no Brasil.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
15
EDUCAO E CURRCULO: AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 90
(Maria de Lourdes Lpo Ramos)
Atualmente, assistimos a uma insistente notoriedade dada pela mdia aos temas
concernentes Educao, e, nesse movimento, os destaques tm sido a necessidade de mudanas
curriculares, a redefinio do papel dos professores e de sua prpria formao. A esse respeito,
basta observarmos a ampliao da produo acadmica e literria em torno desses temas.
A educao, portanto, o campo estratgico para a elaborao de sujeitos sociais
especficos, pois o que est em jogo a elaborao de significados do social, do humano, do
econmico, do poltico, do cultural, do educativo. Nessa perspectiva, o indivduo passa a ser visto
como aquele que, ao longo da vida, deve aprender a aprender, cabendo s polticas educacionais
pensar a educao sobre quatro pilares fundamentais para o seu sucesso, quais sejam: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser.
Entretanto, a busca de alternativas para a crise educacional brasileira sempre foi a luta
empreendida pelos profissionais de educao e por outras instncias da sociedade durante toda a
dcada de 80 e incio dos anos 90, como se constata nas inmeras reunies, encontros, simpsios,
realizados naquele perodo.
Neste sentido, o currculo um terreno de conflitos, em que esto conjugadas formas de
saber, de o qu saber, de como saber, porque saber e para que saber. Nele no esto disciplinados
somente os contedos, as metodologias, os sistemas de avaliao, os objetivos, mas e, sobretudo,
formas particulares de subordinao e sujeio dos corpos atravs de prticas disciplinares, para
torn-los dceis e obedientes. Se a explorao econmica separa a fora e o produto do trabalho,
digamos que a coero disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptido
aumentada e uma dominao acentuada (FOUCAULT, 1991, p 127).
O modelo de educao neoliberal presente nas polticas pblicas educacionais hoje no
uma das frentes a ser alcanada pelo projeto capitalista de sociedade, mas ele prprio a frente
para o qual convergem os esforos de reconstruo radical de todos os aspectos da sociedade.
Nos PCNs, a figura do professor ganha importncia singular, pois ele quem ir operacionaliz-los no cotidiano da sala de aula e sobre quem recai uma gama de responsabilidades,
que, inexoravelmente, perpassam pelo sucesso e/ou insucesso da educao escolar nos rumos do
desenvolvimento do pas, para uma sociedade economicamente moderna e socialmente
democrtica.
Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.
Podemos concluir que h dcadas se discutem melhorias para educao, principalmente na
esfera das polticas pblicas. Conforme parte da pesquisa acima apresentada, o cenrio se repete ano
aps ano e os problemas retornam. Mas preciso considerar que as discusses sobre educao e as
polticas educacionais avanaram muito desde a promulgao da LDB 9394/96 e todos os
documentos subjacentes Lei, entre eles os PCNs. As mudanas propostas na legislao vo se
concretizar no espao escolar, onde existem diferentes concepes, histrias e construes sociais e
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
16
que tambm geram conflitos. O cenrio se repete, pois mudar a prtica educativa depende da
mudana de cada um dos que fazem parte da comunidade escolar. Contexto scio-poltico e
econmico esto conectados diretamente com as polticas pblicas e vice versa,
Uma das maneiras pelas quais o pensamento do novo paradigma entra em cena na
poltica pblica educacional pelo reconhecimento da interconectividade dos
problemas que no podem ser compreendidos isoladamente. Ela exige uma viso
sistmica e holstica da realidade e nos impe a tarefa de substituir
compartimentao por integrao, desarticulao por articulao, descontinuidade
por continuidade, tanto na parte terica quanto na prxis da educao. (MORAES,
2010, p.85)
Nesse aspecto, a qualidade da educao passa por polticas pblicas que se concretizam no
espao escolar, na mudana de concepes dos profissionais da educao e na busca da
concretizao da funo social da escola.
Veremos agora outro texto com algumas consideraes de Paro (2011):
O CURRCULO DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO TEMA DE POLTICA PBLICA: A
CULTURA COMO CONTEDO CENTRAL (Vitor Henrique Paro)
Em termos de polticas pblicas, a relevncia do debate a respeito do currculo da escola
fundamental parece bvia, j que toda poltica educacional s ganha sentido se estiver referida
quilo que deve ser seu propsito por excelncia, ou seja, o provimento, aos educandos, de um
contedo cultural que lhes proporcione formar-se como cidados. No entanto, esse debate parece
no ter conseguido ainda a fora social e poltica suficiente para questionar radicalmente a
estrutura curricular de nossas escolas, de modo a buscar medidas que visem a super-la. O
currculo da escola fundamental tem permanecido com a mesma configurao h muitas dcadas,
mantendo sua forma verbalista e restringindo seu contedo s disciplinas tradicionais, adstritas a
conhecimentos e informaes. A sociedade mudou, novos direitos polticos, civis e sociais foram
alcanados ou entraram na pauta de reivindicaes, mas a concepo de currculo e daquilo que
necessrio para a formao humano-histrica dos cidados continua a mesma.
Apesar disso, especialmente nos ltimos anos, tanto as polticas pblicas quanto boa parte
da academia parecem dar pouca ateno importncia do currculo para a efetiva qualidade do
ensino, preferindo pautar suas iniciativas e anlises quase exclusivamente nos resultados das
avaliaes em massa, que privilegiam a aferio de conhecimentos "adquiridos", sem grande
ateno para a cultura em seu sentido pleno. E esse, parece-me, mais um fator que refora a
relevncia de se problematizar a atual estrutura curricular da escola fundamental, em razo dos
subsdios que esse questionamento pode oferecer para uma melhor adequao da prpria maneira
como o Estado procura avaliar a qualidade do ensino. Independentemente do real poder das
avaliaes externas para aferir a aquisio de conhecimentos, ser que seus resultados podem
servir de parmetros para indicar at que ponto o Estado est atendendo ao direito das pessoas
cultura, visto que essa, em seu sentido pleno, no contemplada em tais medies?
Tal discusso deve iniciar-se pela constatao de que o currculo um dos aspectos que
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
17
mostram mais enfaticamente como a escola tradicional tem privilegiado uma dimenso
"conteudista" do ensino, que enxerga a instituio escolar como mera transmissora de
conhecimentos e informaes. Da a relevncia de se pensar em sua reformulao numa
perspectiva mais ampla que contemple a formao integral do educando.
Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.
Se ponderarmos entre os dois textos, perceberemos a necessidade de uma reformulao de
currculo voltado formao integral do educando. Cremos ser vlida a preocupao do governo
em atingir metas quantitativas para educao no Brasil, mas a engenharia que constri uma
educao necessita de tijolos fortes, sustentados em alicerces slidos, traduzindo, a qualidade que
deveria ser a prioridade, considerando, claro, a atual conjuntura da educao no pas. Os nmeros
podem fazer efeito em nvel de uma poltica mundial, afinal o Banco Mundial quem financia a
educao. E sem nmeros no h financiamentos. Precisamos disso, sabemos. Mas, alcanar metas
de ter todas as crianas na escola deve caminhar junto com a qualidade escolar, seja ela fsica ou
pedaggica. H escolas pblicas que merecem o reconhecimento dessa qualidade, todavia,sob um
olhar macro, consideramos que h muito ainda por se fazer.
A Secretaria de Educao de Santa Catarina vem discutindo e trabalhando em propostas
educacionais para provocar mudanas no currculo h muitos anos. Mas se as mudanas acontecem
ou so perceptveis, isso o que mais difcil. claro que salrios melhores, condies estruturais
e fsicas contribuiriam muito. Mas a conscientizao disso pela comunidade escolar (profissionais
da educao, gestores, professores, pais, alunos...) que vai fazer a diferena, pois h toda uma
desconstruo e desvalorizao dos profissionais da educao.
Rumo qualidade de ensino, a Proposta Curricular de Santa Catarina promove em seus
documentos a valorizao e uma educao integradora, aberta para a diversidade, para o dilogo
entre os saberes e reconhece que essa ao se faz a partir dos sujeitos envolvidos. Veremos o que
diz a Proposta na sesso a seguir.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA
Os documentos dessa proposta se baseiam em autores que valorizam e discutem o sujeito
histrico social. Refletem a ideia de um currculo voltado aos saberes integrados, centralizando
a aprendizagem no sujeito e no s nos contedos.
Os fatores histrico-culturais desempenham importante papel formador no
indivduo e esto presentes desde o seu nascimento. Sua teoria considera o
indivduo, a criana, com sua estrutura do sistema nervoso, sua
personalidade individual, sua bagagem sociocultural, suas tendncias
cognitivas e os diferentes estilos de aprendizagem. (MORAES, 2010, p. 95)
De acordo com a autora, os fatores histrico-sociais consideram o sujeito como parte
integrante dessa biodiversidade, em que todos podem aprender com todos. Nessa perspectiva, a
Proposta de Santa Catarina foi elaborada. Seus textos procuram no s discutir o currculo sob o
ponto de vista dos autores, tendncias e pesquisas, mas preocupa-se em trazer o que os alunos
pensam a respeito da escola, dos professores, dos contedos, significando e valorizando a voz do
educando. Veja abaixo um trecho desse documento, em entrevista com alunos:
COMO VOC IMAGINA UMA ESCOLA IDEAL?
Com a palavra... os (as) jovens/alunos (as):
Uma Escola ideal aquela que ensina bem, que tem um poder administrativo bom e professores com curso superior, que impe regras e mostra como a realidade l fora. (m/17 anos).
... a que tem professores e alunos que no trazem problemas para a Escola, deve haver respeito. Deve ter uma biblioteca bem equipada, sala de informtica com computadores modernos, quadra
de esportes coberta. (f/18 anos).
A Escola ideal precisa estar limpa e bem organizada, com alunos educados e professores competentes. (m/18 anos).
... seria uma Escola onde no houvesse tanta proibio, onde os portes ficassem abertos e os alunos pudessem ficar mais livres. (m/15 anos).
Fonte: Santa Catarina (2005).
certo que as palavras dos alunos demonstram as concepes de sua comunidade, sob tica
de sua herana cultural. Mas ouvi-los respeitar o direito democrtico, que consta na nossa
Constituio.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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A construo dos documentos da Proposta Curricular foi tecida em dois perodos, o primeiro
deles foi de 1988 a 1991, marcado fortemente pelo debate dos educadores sobre a elaborao de
documentos publicados na forma de caderno, em 1991, com intuito de unir o currculo ao enfoque
histrico-cultural. As discusses ocorridas no segundo momento (1996) repercutiram na publicao
da segunda edio da Proposta, em 1998, constituda por trs volumes que contemplavam as
disciplinas curriculares, os temas multidisciplinares e as disciplinas de formao para o magistrio.
Nesse processo, a atual da Proposta Curricular guia-se por trs grandes eixos:
Figura 2- Fio condutor das atualizaes da Proposta Curricular de Santa Catarina
Fonte: Adaptado de Santa Catarina (2014, p.20).
luz dos trs eixos, surge o paradigma educacional emergente trazido por Moraes (2010),
que enfatiza uma formao integradora dos sujeitos, em uma concepo multidimensional dos
saberes; em vencer a fragmentao encontrada no paradigma centrado num modelo cartesiano pelo
fluxo contnuo da organizao curricular; e a diversidade como princpio formativo.
De acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina (2014), a perspectiva da formao
integral do cidado valoriza o ser humano como sujeito que se constri por meio do trabalho,
modificando sua realidade, fazendo parte de seu contexto social poltico, econmico, cultural e
socioambiental. essa ideia que a Proposta Curricular traz para um currculo integrado.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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Essa integrao visa a superao do etapismo, pois reconhece que cada sujeito apresenta
uma cultura luz das bases histrico-culturais, mediadas pelas diferentes linguagens que os
distingue, significativamente, em relao a outros tempos.
O documento acentua a importncia da diversidade de identidades e de saberes como
condio para o avano na Educao Bsica. Destaca a diversidade como caracterstica prpria da
espcie humana, com experincias de vida e personalidades diferenciadas.
A diversidade est relacionada com as aspiraes dos grupos humanos e das
pessoas de viver em liberdade e no exerccio de sua autodeterminao, como
tambm aspirao da vida em democracia e necessidade de vivenciar
coletivamente as realidades sociais que so mltiplas e de lutar pelo
reconhecimento dos direitos humanos e a respeit-los. (SANTA CATARINA,
2014, p.54).
Nesse sentido, importante que a forma de organizao das redes de ensino veicule seus
projetos em bases integradoras dos saberes, que conforme Santa Catarina (2014, p.27) seriam:
1. A desvinculao do etapismo no percurso formativo.
2. O dilogo entre as diferentes reas do conhecimento, as escolhas terico-
metodolgicas, de conhecimentos e de experincias significativas.
3. A valorizao da diversidade de identidades e de saberes.
4. A criao de ambientes que valorizem a autonomia intelectual e poltica dos sujeitos
abarcados nos percursos formativos.
5. As interconexes entre os saberes.
6. A promoo de uma gesto democrtica.
Nessa perspectiva, a estruturao do trabalho pedaggico se pauta na aliana dos saberes e
na promoo do conhecimento integrado. Veremos, a seguir, formas de organizao do trabalho
pedaggico, destacadas na Proposta Curricular de Santa Catarina.
FORMAS DE ORGANIZAO
A seriao se constitui em um processo de organizao do ensino por ano/srie, com
cronologia marcada pelo ano escolar, compreendido como ano civil. Os contedos so
selecionados obedecendo a uma lgica de organizao do conhecimento produzido socialmente,
agrupado por componentes curriculares e complexificado a cada ano/srie. Nessa modalidade
organizativa, a sala de aula o espao central da aprendizagem escolar e o ano/srie o tempo
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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privilegiado para organizao das atividades. As crticas seriao esto centradas na dificuldade
do respeito aos tempos e ritmos de aprendizagem de cada sujeito do conhecimento, dando
centralidade ao contedo escolar e avaliao. A seriao, por outro lado, d segurana ao
professor que tem sua formao profissional assentada nessa perspectiva.
Os ciclos de formao, por sua vez, so caracterizados pela organizao em trs grupos
etrios, considerando as caractersticas dos sujeitos do conhecimento em suas diferentes idades e
situaes socioculturais. O respeito aos conhecimentos e ao desenvolvimento de cada sujeito e a
forma como esses aprendem um dos pontos nodais desse modo de organizao. Cada ciclo
consiste em perodos alargados de organizao dos tempos e espaos de aprendizagem,
possibilitando flexibilidade e articulao na relao com o desenvolvimento etrio e cognitivo.
Essa forma de organizao demanda mudana nas concepes de conhecimento e de
aprendizagem, fundamentadas no conhecimento da realidade e na prtica social dos sujeitos e das
comunidades onde vivem. Ela favorece ainda a reflexo sobre os processos educativos dos sujeitos,
dos professores e da comunidade. Esse modo de organizao suscita questionamentos quanto aos
resultados da aprendizagem nos sujeitos, uma vez que muitos seriam promovidos sem alcanar os
conceitos essenciais, desejados em razo da progresso automtica.
Outra forma a Pedagogia da Alternncia que se relaciona mais diretamente com as
experincias desenvolvidas na Educao do Campo, Educao Escolar Quilombola e Indgena,
Casa Familiar rural, entre outras. organizada em momentos pedaggicos que interagem, os chamados de Tempo Escola e Tempo Comunidade, envolvendo cada sujeito num processo educativo uno, articulando a experincia propriamente dita experincia de trabalho e vida no seio
da comunidade da qual o sujeito originrio. Trata-se, de fato, de uma perspectiva de prxis, uma
vez que busca trabalhar as vivncias articuladas aos conhecimentos sistematizados. Tal forma de
organizao escolar requer do sujeito do conhecimento a capacidade de assumir-se como sujeito de
sua prpria formao de modo permanente. Ela depende de disponibilidade dos professores para o
desenvolvimento de aes integrativas e planejamento constante para organizao dos
conhecimentos
Fonte: Disponvel em:
. Acesso em: 2
maio 2015.
No texto da Proposta Curricular de Santa Catarina, que respeita a legislao vigente e atende
aos preceitos contidos nos Parmetros Curriculares Nacionais, possvel identificar as diferentes
formas, ritmos e caractersticas das vrias modalidades de educao escolar, em que o modelo
tradicional, fechado e estanque precisa ser redimensionado para uma concepo inter e
transdisciplinar.
Nessa perspectiva, iremos apresentar, no prximo captulo, o exemplo de uma estrutura
curricular e pedaggica diferenciada, que tem atrado ateno especial de diversos estudos pelos
encaminhamentos e resultados significativos.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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Atividade de Estudos:
1- 1) De que forma a Proposta Curricular de Santa Catarina est em consonncia com o nova concepo educacional proposta por Moraes (2010)?
2- ________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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O PAPEL DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ORGANIZAO CURRICULAR E UMA
ARTICULACAO CURRICULAR DIFERENCIADA
Hoje, o foco da escola mudou. Sua misso atender o aprendiz, o usurio, o
estudante. Portanto a escola tem um usurio especfico, com necessidades
especiais, que aprende, representa e utiliza o conhecimento de forma diferente e
que necessita ser efetivamente atendido. Essa compreenso se fundamenta na
cincia cognitiva e da neurocincia [...] (MORAES, 2010, p.137).
Mas como seria um currculo que atende a todas essas qualificaes? Veremos a seguir um
modelo de currculo inspirado em uma concepo de totalidade defendida pelos autores discutidos,
apresentado pela pesquisadora da Escola da Ponte, Patrcia Cesrio Pereira Offial (2012).
A estrutura da Escola da Ponte, localizada em Portugal, est organizada de acordo com seus
princpios, pautada em uma educao solidria, responsvel e autnoma. Devido a isso, os alunos
so responsveis pelo seu prprio aprendizado. Diferentemente de um currculo tradicional, na
Escola da Ponte, os contedos trabalhados so escolhidos pelos prprios alunos. O importante
permitir que as crianas descubram por si mesmas o conhecimento de que mais necessitam
(MORAES, 2010, p.140).
Os alunos so dispostos em grupos heterogneos, no h lugares fixos, eles se organizam e
trabalham em equipe, essa metodologia est presente no cotidiano escolar na Escola da Ponte.
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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Quadro 2 Organizao Educacional da Escola da Ponte
Fonte: Offial (2012).
Essa estrutura escolar demonstra uma organizao diferenciada, a qual, segundo os
documentos, vai alm dos dispositivos pedaggicos e do desenvolvimento curricular, pois a
veiculao desses instrumentos torna possvel o trabalho em grupo heterogneo, a cooperao, a
autonomia e a vivncia de uma cidadania responsvel. A organizao curricular dessa escola
articula-se por meio de dimenses Lgico-Matemtica, Naturalista, Lingustica, Identitria,
Artstica, Pessoal e Social.
O conceito de currculo entendido numa dupla assero, conforme a sua
exterioridade ou interioridade relativamente a cada aluno: o currculo exterior ou
objectivo um perfil, um horizonte de realizao, uma meta; o currculo interior ou
subjectivo um percurso (nico) de desenvolvimento pessoal, um caminho, um
trajecto. S o currculo subjectivo (o conjunto de aquisies de cada aluno) est em
condies de validar a pertinncia do currculo objectivo. (ESCOLA DA PONTE,
2003).
Diferentemente de um currculo tradicional, na Escola da Ponte, os contedos trabalhados
so escolhidos pelos prprios alunos. Os critrios so selecionados pelos orientadores das
INSTRUMENTOS DE AVALIAO
Plano de registro; Relatrio; lbum;
Coletnea de texto; Bibliografias; Ficha de
auto-avaliao; Teste selcionado pelos
alunos; Registro de disponibilidade; Ata;
Comunicao; Quadro de Solicitaes;
Teste sociomtrico; Inventrio de atitudes.
NCLEOS
Iniciao
Consolidao
Aprofundamento
ARTICULAO CURRICULAR
Dimenso lgico matemtica
Dimenso lingustica
Dimenso artstica
Dimenso naturalista
Dimenso identitria
Dimenso pessoal e social
INSTRUMENTOS PEDAGGICOS
Direitos e Deveres; Assemblias; Comisso de ajuda; Biblioteca; Caixinha dos
segredos; Caixinha de textos inventados; Eu j sei; Eu preciso de ajuda; Professor
tutor ; Grupo de responsabilidades
Escola
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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dimenses, cada qual na sua rea. Os contedos so fixados em murais para que os alunos
visualizem e percebam o que precisam trabalhar.
Dessa forma, os discentes so incentivados a pesquisar os contedos propostos por eles.
Quem planeja o aluno, e a pesquisa um dos principais recursos para auxiliar os estudos: No h
ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...] Pesquiso para constatar, constatando intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo e comunicar ou
anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p. 29).
Contudo, para favorecer uma prtica inovadora, Freire (2009) alerta que necessrio, os
docentes reconhecerem que h ideologia presente na educao, e que no se pode ficar alheio diante
de discursos alienantes de cunho intencional. O autor critica uma educao voltada para treinos
tcnicos cientficos em vez da formao integral do educando. Freire (1996, 2005, 2009) almejou
uma educao que contemplasse a formao humana do sujeito, com base na autonomia, criticidade
e solidariedade do educando. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Freire (2009) aponta questes
importantes, dentre outras, as de uma educao como prtica da liberdade, com responsabilidade e
autonomia.
Pacheco (2010), o idealizador da Escola da Ponte, comunga com as ideias de Freire (2009),
as quais caminham para uma educao que liberta, que torna o sujeito autor de sua prpria histria.
Essa liberdade com responsabilidade vivenciada pelos alunos da Ponte. Ao mesmo tempo em
que sabem seu papel de aluno e o respeitam, tambm lutam pelos seus direitos e conquistas. No se
calam diante das injustias, muito menos as sufocam, mas discutem em grupos e as levam em
assembleias, promovendo o dilogo aberto e democrtico. Tudo discutido, combinado,
conversado, pois a Escola da Ponte movimento.
A questo de como os alunos lidam com o tempo uma das observaes que merecem
ateno. Nas escolas brasileiras, orientamo-nos muito pelos ponteiros do relgio: hora de prova,
hora de exerccios, hora de recuperao, hora de aprender, e todos os alunos devem cumprir esse
mesmo tempo determinado pelos professores. Na escola da Ponte, quem determina o tempo de
aprender, de avaliar, de pesquisar, de ler, o prprio educando, ele o gestor de seu saber. O
relgio para eles serve para orientar e no para determinar uma atividade.
Na Ponte, no h sinal que conduz para os intervalos, entradas ou sadas de alunos, mas h
um grande relgio disponvel no refeitrio para que todos cumpram com o dever e a
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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responsabilidade de se orientar pelas horas marcadas. Todos tm o direito de sair dos espaos de
trabalho sem precisar avisar, pois sabem que devem cumprir seus deveres. Essa liberdade
trabalhada dia a dia com o aluno. Na educao, a autonomia implica a metodologia do aprender a
aprender, aprender a pensar [...] (MORAES, 2010, p. 145).
O aluno dessa Escola conduzido a compreender todo o projeto e discuti-lo por meio da
reflexo sobre a ao. esse o principal movimento da Ponte, o carro chefe que norteia todas as
demais prticas. Mas, para isso, necessrio estar aberto ao dilogo. Conforme Freire (2009, p.
135), [...] ensinar exige disponibilidade para o dilogo[...]; o indivduo que est aberto para todo
seu entorno, como tambm para o prximo, demonstra nessa ao uma relao dialgica como
inquietao e curiosidade, pois compreende que nada est perfeitamente acabado e a histria um
eterno movimento.
Estar disponvel estar sensvel aos chamamentos que nos chegam, aos sinais mais
diversos que nos apelam, ao canto do pssaro, chuva que cai ou que se anuncia na
nuvem escura, ao riso manso da inocncia, cara carrancuda da desaprovao, aos
braos que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. na minha
disponibilidade permanente vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar
crtico, emoo, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em
minhas relaes com o contrrio de mim. (FREIRE, 2009, p. 134)
Nesse processo, entende-se que a relao dialgica deve ser crtica, transformadora, pois a
partir do dilogo que se constroem, que se problematizam e que se encontram possveis solues. O
que Paulo Freire e a Escola da Ponte criticam um ambiente educacional que no oferece ao aluno
a pesquisa, a autonomia e a liberdade de escolha. A desconexo entre currculo, prtica pedaggica
e contexto pode ser a vil da aprendizagem, do conhecimento. O autor reconhece que ensinar passa
muito longe de uma mera transmisso de contedo. Pelo contrrio, segundo Freire (2009), ensinar
exige conscincia do inacabado; ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado; ensinar exige
respeito autonomia do ser educando; ensinar exige bom senso; ensinar exige humildade,
tolerncia, alegria e esperana e, acima de tudo, ensinar um ato de amor.
De acordo com a concepo de Freire (2009), ensinar exige tanto do educador quanto do
educando, por isso que o processo de educar deve ser pautado na ao e na reflexo. Na
comparao entre as ideias de Paulo Freire e os fundamentos que sustentam a Escola da Ponte,
possvel verificar suas ressonncias na prtica cotidiana, comeando pela organizao dos alunos
em grupos, pela valorizao do dilogo e pela troca de experincia em um ambiente democrtico de
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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ao comunicativa e afetiva. Tudo se resolve, ou pelo menos tenta se resolver de forma
democrtica, entre alunos, professores e pais, pois todos so responsveis pela prpria escola.
Direitos e deveres, Assembleias, Comisso de Ajuda, so exemplos de atividades realizadas
na escola e que proporcionam um ambiente de dilogo e de democracia.
Nessas atividades de dilogo, os alunos e professores discutem os problemas, ideias,
sugestes e tentam trazer melhorias escola. Os membros responsveis pela assembleia organizam
a pauta no decorrer da semana, buscando informaes em cada ncleo. Assim, todos podem
participar e interagir. Toda a assembleia dirigida por alunos participantes. Os professores, assim
como os educandos, precisam levantar as mos para falar. Vivenciam, assim, a democracia.
Segundo Freire (2005, p. 90): No no silncio que os homens se fazem, mas nas palavras,
no trabalho, na ao-reflexo. O educador diz, ainda: O dilogo este encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo, para pronunci-lo, no se esgotando, portanto na relao eu-tu. Essa
mediao que Paulo Freire cita e que Pacheco aplica em seu crculo de estudos uma mediao
aberta, crtica e ativa.
Na questo do dilogo, Freire (2009) discute a sua relao com o amor. Aponta que s
possvel uma relao de dilogo onde existe amor, pois quem no possui uma relao de amor com
o mundo, com a vida e com os homens, consequentemente, no torna possvel o dilogo. O filsofo
defende, tambm, a importante relao do dilogo com a humildade, com o pensar crtico, com a f
nos homens. Conforme a ideia do autor, indaga-se: Como educar sem dialogar? Como interferir no
mundo sem dialogar? S educadoras e educadores autoritrios negam a solidariedade entre o ato
de educar e o ato de serem educados pelos educandos; s eles separam o ato de ensinar do de
aprender, de tal modo que ensina quem se supe sabendo e aprende quem tido como quem nada
sabe (FREIRE, 2009, p. 27).
Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prtica dialgica. O que existe,
muitas vezes, um monlogo que contribui somente para o engessamento do educando, levando-o
possvel alienao e ingenuidade. Segundo Freire, a base do dilogo o amor, pois o amor
humildade, compromisso, e nas palavras do autor: Se no amo o mundo, se no amo a vida, se
no amo os homens, no possvel o dilogo (FREIRE, 2005, p. 92). Nessa lgica, segundo o
educador: O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relao dialgica
em que se confirma como inquietao e curiosidade, como inconcluso em permanente movimento
na histria (FREIRE, 1996, p. 136). Uma escola que no promove o dilogo, consequentemente,
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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estar esttica, fechada ao seu entorno social e geogrfico. Para que o educador tenha clareza dessa
compreenso, necessrio que pense de forma coerente, segundo o autor, pensar certo:
Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso
comum no processo de sua necessria superao quanto o respeito e o estmulo
capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a
conscincia crtica de educando cuja promoo da ingenuidade no se faz automaticamente. (FREIRE, 1996, p. 29)
Segundo Freire, nenhuma formao docente verdadeira pode fazer-se longe do exerccio da
criticidade, que implica desde a promoo da curiosidade ingnua curiosidade epistemolgica.
Um professor crtico pensa certo, dessa forma, ele compreende e respeita as etapas de avanos do
aluno, assim como as suas prprias. Ainda, sem o reconhecimento do valor das emoes, da
sensibilidade, da afetividade, da intuio ou da adivinhao, no h prtica docente verdadeira que
no seja ela mesma um ensaio esttico e tico, pois ensinar exige esttica e tica (FREIRE, 2005,
p. 32). Essa esttica a que Freire se refere a de um saber sensvel, que conduz a uma formao
mais humana.
Esse saber sensvel interferir na forma como o professor conduz as atividades
pedaggicas, pois sua postura frente ao ato de educar no se resume transferncia
dos saberes cientficos, com isso, o aluno ser beneficiado. Considerando que a
viso a respeito da maneira de ensinar e do que ensinar ser influenciada pela
formao cultural, uma vez que a profissionalidade docente no constituda
apenas de conhecimentos cientficos, pedaggicos. (NEITZEL; CARVALHO,
2010, p. 128)
Para Neitzel e Carvalho (2010), ensinar exige esttica e tica, pois se percebe a grande
importncia e a urgncia de um saber sensvel na profisso docente. Sensibilidade essa que, com o
passar dos anos, foi sendo deixada de lado e que, hoje, pode-se reconhecer a falta que ela faz. No
h como separar a profisso docente de uma formao do sensvel, pois na relao esttica entre
aluno, professor e aprendizagem que se manifestam as competncias e desenvolvem-se as
habilidades. Para tanto fundamental:
Uma educao que reconhea o fundamento sensvel de nossa existncia e a ele
dedique a devida ateno, propiciando o seu desenvolvimento, estar, por certo,
tornando mais abrangente e sutil a atuao dos mecanismos lgicos e racionais de
operao da conscincia humana. (DUARTE JR., 2010, p. 171)
Nessa fala, Duarte Jr. (2010) aponta para uma educao esttica do sensvel na formao do
ser. Ele traz a necessidade de a educao lanar um olhar sobre esse saber que por tanto tempo foi
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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menosprezado, graas supervalorizao do inteligvel desde a modernidade. O ser humano precisa
sair de seu estado de anestesia e despertar para uma conscincia holstica, repensar sobre seu
papel no planeta; resgatar valores ofuscados por uma cegueira coletiva.
Percebe-se que o modelo curricular da Escola da Ponte est alinhado com o paradigma
educacional proposto por Moraes (2010), com fundamentos pautados na aprendizagem coletiva, em
uma rede de conexes sem que todos aprendem com todos.
A Proposta Curricular de Santa Catarina est pautada e embasada na legislao federal e em
autores nacionais e internacionais que trabalham em uma perspectiva de respeito mtuo, com
pluralismo de ideias e uma educao inter e transdisciplinar, a integrao com a comunidade e a
humildade de aprender sempre em conjunto com os outros. Fundamenta-se em princpios de
solidariedade, tica, pluralidade cultural, autonomia e gesto democrtica. esta a Escola aberta e
integrada. Aberta, porque rompe os limites da sala de aula e dos muros da escola e se abre para
enriquecer o processo de interao dos professores e alunos com as famlias, a comunidade e com
os demais agentes sociais, em atividades de aprendizagem (SANTA CATARINA, 2005, p. 6).
A Proposta Curricular de Santa Catarina centra-se no pressuposto de que o direito
educao para todos deve ser garantido por meio da efetivao de polticas contra formas
associadas de excluso, em especial aquelas motivadas por preconceito e discriminao de natureza
tnico-racial, de orientao sexual ou de identidade de gnero, bem como, qualquer outra
decorrente de contedos ou condutas incompatveis com a dignidade humana. Implementar
polticas de preveno evaso motivada por preconceito e discriminao orientao sexual ou
identidade de gnero passa pelo reconhecimento desses sujeitos e pelo seu direito a estar na
Educao Bsica.
A concepo da Educao Bsica como direito vem acompanhada de duas outras
dimenses, imprescindveis para sua realizao: a ideia de uma educao comum e a ideia do
respeito diferena. O conceito de comum se associa noo de universal,
[...] ao longo das ltimas duas dcadas, no Brasil, polticas pblicas em educao vm
sendo firmadas com o intuito de reduzir as desigualdades no percurso educacional entre todos os
segmentos sociais. Nos movimentos curriculares desencadeados nos ltimos 25 anos em Santa
Catarina, algumas dessas questes j apareciam. Mas, aps a abertura poltica e no processo
legislativo decorrente da democratizao, que a Educao Bsica como um direito desponta
ancorada no princpio do bem comum e no respeito diversidade.
A diversidade como princpio formativo tem sido apresentada como atrelada educao
inclusiva e educao integral, e resulta no enfrentamento desses discursos dominantes
homogeneizadores. Busca promover a discusso nos espaos escolares e passa a deflagrar sistemas
de representao mais amplos e a compreender que a valorizao da diferena no se d por meio
de um discurso harmonioso, incuo, e pela aceitao de grupos considerados excludos como uma
Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade
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atitude, apenas, de tolerncia. O respeito e o reconhecimento so o objetivo
A Educao para as Relaes de Gnero, nos currculos escolares, s pode ser pensada no
Brasil, a partir das dcadas de 1970 e 1980, quando os estudos feministas sobre a mulher passaram
a se utilizar da categoria gnero, inspirados no artigo de Joan Scott (SCOTT, 1995)
Portanto, uma Educao para as Relaes de Gnero, no mbito da Educao Bsica,
reconhece esta categoria identitria como importante na vida das pessoas (sejam elas crianas,
jovens, adultos e idosos). Falar em gnero perceber como, para homens e mulheres, para meninos
e meninas, a cultura, a sociedade e o atual tempo histrico constroem diferentes formas de ser masculino ou ser feminino (masculinidades e feminilidades)
Outra atualizao necessria enfatizar o carter da co-educao permanente, em toda a
Educao Bsica, em todas as reas e em todos os componentes curriculares a fim de que a
igualdade nas relaes de gnero se torne uma realidade na Formao Integral de nossas crianas e
jovens. A organizao de atividades pedaggicas nas quais meninas e meninos participam juntos
permitir, com mais eficincia, a reflexo das vivncias sexuais, dos processos socioculturais e
polticos que nos constituem, bem como da contribuio de meninos e meninas, homens e
mulheres na superao das violncias, dos comportamentos de coero, da manipulao afetiva,
das vulnerabilidades que facilitam a gravidez adolescente e a infeco ao HIV, HPV, etc.
Fonte: SANTA CATARINA, 2014, p. 61.
Nesse sentido, cabe ressaltar que uma estrutura curricular que se volta para a necessidade do
sujeito, em uma concepo integradora dos saberes, refletir tambm em prticas mais
significativas. Pense nisso!
Atividade de Estudos:
1) A partir de seus estudos, fale sobre a relao existente entre a concepo curricular da Escola da
Ponte e a Proposta Curricular de Santa Catarina?
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CONSIDERAES FINAIS
Ao longo deste estudo, discutimos a influncia dos paradigmas educacionais e das teorias do
currculo para a construo de uma estrutura curricular. As novas concepes de educao
sustentadas na Proposta Curricular de Santa Catarina, em consonncia com as polticas pblicas de
currculo, valorizam uma educao dos saberes integrados, com respeito diversidade no espao
escolar.
Considerando o novo paradigma educacional discutido por diversos autores, a atualizao
da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina visa atender os desafios de uma sociedade
diversa e plural, na perspectiva de formao integral, referenciada numa concepo
multidimensional de sujeito. Diante disso, elencar aes que permitem uma prtica mais
humanizada, pode contribuir para um salto na qualidade do ensino.
Seus estudos no encerram por aqui, pois as constantes mudanas que ocorrem na sociedade
incitam sempre a necessidade de novos conhecimentos. Desejamos que a busca por novos saberes,
conforme Moraes (2010) seja numa dana ininterrupta entre a teoria e prtica, embaladas em
diferentes ritmos de ideias, pensamentos e aes, entre o sentir, o pensar, o agir e o refletir,
apresentando uma bela sinfonia, que a educao.
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REFERNCIAS
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