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UNIASSELVI-PÓS CADERNO DE ESTUDOS ESTRUTURAS CURRICULARES INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE

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Estruturas curriculares

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  • UNIASSELVI-PS

    CADERNO DE ESTUDOS

    ESTRUTURAS CURRICULARES INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE

  • CENTRO UNIVERSITRIO LEONARDO DA VINCI UNIASSELVI

    UNIASSELVI-PS

    CADERNO DE ESTUDOS

    ESTRUTURAS CURRICULARES INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE

    Pr-Reitor da Ps-Graduao EAD: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

    Coordenador da Ps-Graduao EAD: Prof. Norberto Siegel

    Equipe Multidisciplinar da Ps-Graduao EAD: Profa. Brbara Pricila Franz

    Profa. Cludia Regina Pinto Michelli

    Profa. Kelly Luana Molinari Corra

    Autor (a): Patrcia Cesrio Pereira Offial

    Indaial

    2015

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    3

    Sumrio APRESENTAO .............................................................................................................................. 4

    CURRCULO ESCOLAR: HISTRIA, PARADIGMAS E TEORIAS ............................................. 5

    O CONTEXTO HISTRICO DO CURRCULO ........................................................................... 5

    O PARADIGMA CURRICULAR ................................................................................................... 7

    TEORIAS DO CURRCULO: CONCEITOS E REFLEXES ...................................................... 9

    POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO, MODELOS E A PROPOSTA CURRICULAR DE

    SANTA CATARINA ......................................................................................................................... 14

    POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO: ENTRE A PRTICA E A TEORIA .................... 14

    PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA .............................................................. 18

    O PAPEL DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ORGANIZAO CURRICULAR E UMA

    ARTICULACAO CURRICULAR DIFERENCIADA ...................................................................... 23

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................. 31

    REFERNCIAS ................................................................................................................................. 32

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    4

    APRESENTAO

    Esta disciplina prope um estudo acerca das estruturas curriculares no contexto da inter e

    transdisciplinaridade, apresentando contribuies das teorias do currculo, as novas concepes e os

    impactos na sua forma de organizao. Discute a Proposta Curricular de Santa Catarina e seus

    alinhamentos com as polticas pblicas no processo educativo. Compe-se por trs captulos

    fundamentados nos estudos de Sacristn (2000), Libneo (2009), Santa Catarina (2014), Moraes

    (2010), entre contribuies de pesquisas sobre o tema em discusso.

    No primeiro captulo, trataremos do Currculo Escolar: histria, teorias e paradigmas

    pontuando trajetrias e concepes, para melhor compreenso da atual conjuntura da educao. A

    palavra paradigma origina-se da lngua grega, paradeigma, que quer dizer modelo padro.

    Podemos entender como modelos, representaes e interpretaes de vises de mundo.

    No segundo captulo, abordaremos as polticas pblicas de currculo e a Proposta Curricular

    de Santa Catarina. As polticas pblicas so demandas governamentais que propem um conjunto

    de programas, metas, decises e aes com o intuito de melhorar a sociedade, seja a nvel nacional,

    estadual ou municipal. Uma Proposta Curricular uma ao de polticas pblicas que visa atender

    s realidades e s especificidades locais.

    Apresentaremos, no terceiro captulo, o papel do professor no processo de organizao

    curricular, com indagaes e reflexes sobre o currculo. preciso considerar que a concepo

    interdisciplinar e transdisciplinar de currculo mencionados no tema diferem-se pela forma de

    relao com as mltiplas disciplinas. A ideia de interdisciplinaridade parte da integrao dos

    diferentes contedos compartilhados nas diferentes disciplinas. J a transdisciplinaridade, como j

    diz o nome, transcende esse conceito. Apesar do termo ainda estar em discusso, muitos autores

    defendem a ideia da transdisciplinaridade como a interao global das vrias cincias.

    Boa Leitura!

    A autora.

    .

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    5

    CURRCULO ESCOLAR: HISTRIA, PARADIGMAS E TEORIAS

    A totalidade o ponto vital de qualquer paradigma que surge a partir dessas idias. Se h

    movimento de energia, total e ininterrupto, todos os fenmenos no podem ser separados

    uns dos outros e, portanto, no existe a fragmentao e a separatividade que o modelo

    mecanicista pregava. o pensamento do homem que fragmenta a sua realidade.

    (MORAES, 2010, p. 10)

    A ideia de totalidade surgiu aps a descoberta de Einstein, em 1905, quando, por meio de

    experimentos, constatou que massa energia e que ambas no necessariamente apresentam

    distino. Anterior a essa descoberta, o modelo de cincia estava sustentado na viso de Decartes e

    Newton. O pensamento cartesiano, exposto no Discurso do mtodo, afirmava que era preciso

    decompor uma questo em outras mais fceis at chegar a um grau de simplicidade suficiente para

    que a resposta ficasse evidente (MORAES, 2010, p.37). Mas foi Newton que revolucionou o

    modelo de cincia que se estendeu at o sculo XX, ao desenvolver uma formulao matemtica da

    concepo mecanicista da natureza.

    Se antes o paradigma de cincia estava pautado na viso de mundo cartesiana e na mecnica

    newtoniana, sustentado em um modelo de ruptura, fragmentao e estagnao, atualmente o modelo

    cientfico reconhece a ideia de movimento, totalidade e constante transformao.

    Mas qual a ligao entre o paradigma cientfico, a educao e o currculo? Para abranger

    esse estudo, faremos uma reviso do currculo na histria, em seguida traremos uma discusso sobre

    os paradigmas educacionais e concepo de currculo, bem como as teorias curriculares.

    O CONTEXTO HISTRICO DO CURRCULO

    Estudiosos acreditam que as mudanas econmicas, sociais, culturais, polticas e

    educacionais, provm das transformaes tcnico-cientficas, que por sua vez, surgem a partir das

    necessidades postas pela evoluo humana. Cada poca apresenta fatos e contextos significativos e

    representativos de uma determinada sociedade. Nesse sentido, Libneo (2009) apresenta, para

    melhor compreenso do currculo e sua insero no tempo, uma trade revolucionria - uma espcie

    de resumo dos fatos e caractersticas das revolues cientficas, em trs marcantes pocas, baseada

    na revoluo tecnolgica: a energia termonuclear, a microbiologia e a microeletrnica. Essa trade,

    segundo o autor, elucida a compreenso do desenvolvimento da humanidade. Vejamos o quadro

    com um breve resumo da revoluo cientfica e tecnolgica na modernidade:

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

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    Quadro 1- Revolues Cientficas e tecnolgicas da modernidade (do sculo XVII ao incio

    do sculo XX)

    1 REVOLUO CIENTFICA

    E TECNOLGICA (segunda

    metade do sculo XVII)

    2 REVOLUO CIENTFICA

    E TECNOLGICA (segunda

    metade do sculo XIX)

    3 REVOLUO CIENTFICA

    E TECNOLGICA (segunda

    metade do sculo XX)

    - Nasce na Inglaterra, vinculada

    ao processo de industrializao,

    substituindo a produo artesanal

    fabril.

    - Caracteriza-se pela evoluo da

    tecnologia aplicada produo de

    mercadorias, pela utilizao do

    ferro como matria-prima, pela

    inveno do tear e pela

    substituio da fora humana

    pela energia e mquina a vapor,

    criando condies objetivas de

    passagem de uma sociedade

    agrria para uma sociedade

    industrial.

    - Impe o controle de tempo, a

    disciplina, a fiscalizao e a

    concentrao dos trabalhadores no

    processo de produo.

    - Amplia a diviso do trabalho e

    faz surgir o trabalho assalariado e

    o proletariado.

    - Aumenta a concentrao do

    capital e seu domnio sobre o

    trabalho; o trabalho subordina-

    se, formal e concretamente, ao

    capital.

    - Demanda qualificao simples

    (trabalho simples), o que leva o

    trabalhador a perder o saber

    mais global sobre o trabalho.

    - Caracteriza-se pelo surgimento

    do ao, da energia eltrica, do

    petrleo e da indstria qumica e

    pelo desenvolvimento dos meios

    de transporte e de comunicao.

    - Fornece as condies objetivas

    para um sistema de produo em

    massa e para a ampliao do

    trabalho assalariado.

    - Aumenta a organizao e a

    gerencia do trabalho no processo

    de produo, por meio da

    administrao cientfica do

    trabalho (proposta por Taylor e

    Ford): racionalizao do

    trabalho para aumento da

    produo, eliminao dos

    desperdcios, controle dos tempos

    e movimentos dos trabalhadores

    na linha de montagem.

    - Ocasiona a fragmentao, a

    hierarquizao, a individualizao

    e a especializao de tarefas

    (linha de montagem).

    - Intensifica ainda mais a diviso

    tcnica do trabalho, ao mesmo

    tempo em que promove sua

    padronizao e desqualificao.

    - Faz surgir as escolas industriais

    e profissionalizantes (escolas

    tcnicas), bem como o operrio

    padro.

    - Tem por base, sobretudo, a

    microeletrnica, a ciberntica, a

    tenotrnica, a microbilogia, a

    biotecnologia, a engenharia

    gentica, as novas formas de

    energia, a robtica, a

    informtica, a qumica fina, a

    produo de sintticos, as fibras

    ticas, os chips.

    - Acelera e aperfeioa os meios de

    transporte e as comunicaes

    (revoluo informacional).

    - Aumenta a velocidade e a

    descontinuidade do processo

    tecnolgico, da escala de

    produo, da organizao do

    processo produtivo, da

    centralizao do capital, da

    organizao do processo de

    trabalho e da qualificao dos

    trabalhadores.

    - Transforma a cincia e a

    tecnologia em matrias-primas

    por excelncia.

    - Organiza a produo de forma

    automtica, autocontrolvel e

    autoajustvel, mediante

    processos informatizados,

    robotizados por meio de sistema

    eletrnico.

    - Torna a gesto e a organizao

    do trabalho mais flexveis e

    integradas globalmente.

    Fonte: Adaptado de Libneo (2009, p.61).

    A partir dessas snteses, possvel identificar as mudanas ocorridas em cada perodo.

    Percebeu como entramos em um modelo mais integrado, flexvel e globalizado? A ideia vital para o

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

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    novo paradigma cientfico a totalidade. o que defende a Proposta Curricular de Santa Catarina

    (1998) ao mencionar no texto a valorizao do ser multidimensional e integrado (fsica, cognitiva,

    social e emocional). E essa concepo que queremos apresentar como chave para discutirmos a

    estrutura curricular. Conforme Moraes (2010, p.63):

    Esses aspectos tm implicaes importantes nas questes curriculares e

    obviamente em todo o processo educacional. Um currculo desenvolvido a partir do

    reconhecimento do princpio da auto-organizao e da interao sujeito-objeto

    diferente de um currculo planejado sob o enfoque instrucional que v o ensino

    como determinante da aprendizagem e o indivduo como um espectador passivo

    sujeito s foras externas. (Grifos nossos)

    Segundo a autora, criamos razes em um modelo que no mais responde s demandas de

    uma sociedade que evoluiu. Percebem-se as transformaes ocorridas na sociedade, mas a realidade

    da educao ainda apresenta resultados preocupantes. O que ocorre a insistncia nos modelos

    obsoletos, nos currculos prontos e definitivos e nos paradigmas ultrapassados.

    O PARADIGMA CURRICULAR

    Moraes (2010) nos instiga a refletir que, apesar do novo paradigma educacional, da

    concepo do todo integrado, do conhecimento em rede, da aprendizagem centrada no sujeito, os

    antigos problemas educacionais persistem.

    [...] o enfoque do conhecimento como rede surgiu baseado na teoria de Bootstrapde

    Geoffrey Chew desenvolvida h trinta anos. Segundo essa teoria, a natureza no

    pode ser reduzida a entidades fundamentais como blocos de construo bsicos,

    mas tem de ser entendida inteiramente pela autoconsistncia. (CAPPRA, 1994

    apud MORAES, 2010, p.77)

    O motivo, segundo pesquisa da autora, refere-se ao desencontro entre teoria e prtica, ou

    seja, a inovao dos projetos e aes que vem para mudar essa tradio arcaica de educao,

    infelizmente, est atrelada a uma prtica descontextualizada da realidade do aluno. Para

    compreender melhor esse raciocnio, leia a seguir o recorte do texto de Moraes (2010, p. 57 - 63) do

    livro O Paradigma Educacional Emergente:

    Novos programas e projetos foram criados e recriados, e os velhos problemas continuavam

    em constantes "listas de espera". Solues fragmentadas, dissociadas da realidade e desintegradas,

    presentes na maioria dos programas e projetos de governo, mudavam detalhes do exterior sem,

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

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    contudo, provocar mudana interna e revolucionria nas condies de aprendizagem dos alunos, no

    sentido de gerar uma fora renovadora que colocasse em prtica novas ideias, novos ideais e novas

    prticas de ensino. As aes implementadas no provocavam mudanas importantes no processo

    de ensino-aprendizagem, no levavam em considerao como que a criana aprende, como

    constri o conhecimento. E, dessa forma, os projetos desenvolvidos colaboravam para o

    prevalecimento das atuais taxas de analfabetismo, evaso, repetncia, baixa qualidade do ensino e

    tantas outras mazelas da educao brasileira.

    O fato de integrar imagens, textos, sons, animao e mesmo a interligao de informaes

    em sequncias no-lineares, como as atualmente utilizadas na multimdia e hipermdia, no nos d

    a garantia de boa qualidade pedaggica e de uma nova abordagem educacional. Programas

    visualmente agradveis, bonitos e at criativos, podem continuar representando o paradigma

    instrucionista, ao colocar no recurso tecnolgico uma srie de informaes a ser repassada ao

    aluno. E assim, continuvamos preservando e expandindo a velha forma com que fomos educados,

    sem refletir sobre o significado de uma nova prtica pedaggica utilizando esses novos

    instrumentos.

    O velho modelo da cincia positivista vem influenciando a Educao h mais de 300 anos e

    decorre de uma associao de vrias correntes de pensamento da cultura ocidental, dentre elas, a

    Revoluo Cientfica, o Iluminismo e a Revoluo Industrial, que estiveram presentes a partir dos

    sculos XVII, XVIII e XIX. As ideias iniciais que muito influenciaram a Era Moderna foram

    formuladas nos sculos XVI, XVII e XVIII.

    A viso de totalidade e o pensamento sistmico aplicado em educao, impem-nos a

    tarefa de substituir compartimentao por integrao, desarticulao por articulao,

    descontinuidade por continuidade, tanto na parte terica quanto na prxis da educao. Em

    termos de macroplanejamento, esse pensamento evita a concepo de uma poltica fragmentada,

    desarticulada, descontnua e compartimentada. Pressupe novos estilos de diagnsticos,

    procedimentos metodolgicos adequados e que permitam apreender o real, em suas mltiplas

    dimenses, em toda a sua complexidade, para que se possa identificar necessidades concretas,

    capazes de subsidiarem a construo de uma poltica educacional congruente com a realidade.

    Diante dessa problemtica, necessitamos de uma escola que atenda s demandas de uma

    sociedade tecnolgica, evolutiva e holstica, que fuja da concepo estagnada, cujo padro reflete a

    imobilidade na forma de organizar a escola.

    A realidade contempornea rompe o currculo departamentalizado, de domnio

    exclusivo de alguns professores e a privatizao do saber. Na Escola tradicional os

    professores se sentem donos de uma rea do conhecimento (...). No processo aberto

    de ensino-aprendizagem, prevalece o interacionismo entre professor-aluno e outros

    agentes da educao, como os pais, a direo da escola e as pessoas que vivem na

    comunidade ou no mundo do trabalho. (SANTA CATARINA 2005, p. 5)

    Para tanto, a Proposta Curricular de Santa Catarina absorve a ideia da aprendizagem

    coletiva, de uma escola que permite um trabalho dos saberes integrados. Mas por que ainda estamos

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

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    to amarrados s disciplinas? Por que to difcil que essa integrao das reas se torne a prtica do

    professor em sala de aula? Para aferirmos esse entendimento necessrio revisitar as teorias do

    currculo.

    TEORIAS DO CURRCULO: CONCEITOS E REFLEXES

    Antes de adentrarmos nas teorias do currculo, vamos entender seu conceito por meio de

    alguns autores.

    Afinal o que currculo?

    Para Grundy (1987, apud SACRISTN, 2000), currculo no pode ser compreendido como

    um conceito, mas como uma construo cultural. Limit-lo a um conceito negar as experincias

    pelas quais verdadeiramente constitudo. Nesse sentido, o currculo envolve as prticas em sala de

    aula, os contextos, polticas administrativas, econmicas, etc. Mas tambm imbudo de teoria,

    crenas, valores. Para Roldo (1996 apud Sacristn2000, p.26), currculo deve ser compreendido

    como realidade socialmente construda, que caracteriza a escola como instituio em cada poca.

    Para Young (1980,apud Sacristn 2000),o currculo o veculo pelo qual o conhecimento

    difundido na sociedade.

    Poderia trazer aqui inmeras definies de currculo, afinal uma prtica to complexa,

    justifica os diferentes entendimentos e concepes. Escolhemos a abordagem de Sacristn (2000),

    que organizou, a partir de seus estudos, uma seleo de definies, acepes e perspectivas sobre o

    currculo. Podemos analisar o currculo a partir de cinco esferas muito bem diferenciadas, como

    veremos a seguir:

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    10

    Quadro 2- Anlise do currculo

    ANLISE DO

    CURRCULO

    O ponto de vista sobre sua funo social como ponte entre a sociedade e a

    escola.

    Projeto ou plano educativo, pretenso ou real, composto de diferentes

    aspectos, experincias, contedos, etc.

    Fala-se do currculo como expresso formal e material desse projeto que

    deve se apresentar, sob determinado formato, seus contedos, suas

    orientaes e suas sequncias para abord-las, etc.

    Referem-se ao currculo os que o entendem como um campo prtico.

    Entend-lo assim supe a possibilidade de:

    1) analisar os processos instrutivos e a realidade da prtica a partir de uma

    perspectiva que lhes dota de contedo;

    2) estud-lo como territrio de interseco de prticas diversas que no se

    referem apenas aos processos de tipo pedaggico, interaes e

    comunicaes educativas;

    3) sustentar o discurso sobre a interao entre a teoria e a prtica em

    educao.

    Referem-se a ele os que exercem um tipo de atividade discursiva acadmica

    e pesquisadora sobre todos os temas.

    Fonte: Adaptado de Sacristn (2000, p.14).

    Diante dessa anlise sobre currculo, podemos considerar alguns pontos relevantes ao

    conceb-lo: a funo social da escola, as demandas da sociedade, o pblico, a diversidade cultural,

    da comunidade escolar e seu momento histrico. Nesse sentido, o currculo possibilita que os

    saberes e experincias sejam base para a construo de novos conhecimentos. Para entendermos

    esse raciocnio, veremos o que dizem as teorias do currculo, destacando algumas indagaes de

    Moraes (2010, p.135), como:

    Que teorias so mais adequadas ao pensamento cientfico atual e a uma prtica mais

    congruente com o modelo terico e as teorias adotadas?

    Quais as novas pautas educacionais sinalizadoras de mudanas significativas?

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    11

    Para responder a tais questionamentos, adentraremos, inicialmente, nas diferentes teorias e

    concepes do currculo.

    Atente agora para o que nos diz Varela (2013, p.20-25) no livro O currculo e o

    desenvolvimento curricular: concepes, prxis e tendncias, em que o autor apresenta as

    diferentes correntes de um currculo tradicional:

    A Teoria Tradicional do Currculo

    A emergncia do currculo como campo de estudos ocorre nos Estados Unidos da Amrica

    no contexto da institucionalizao da educao de massas, com o contributo decisivo de J. F.

    Bobbit, que publica, em 1918, o livro The Curriculum, considerado como o marco referencial no

    estabelecimento do currculo como campo especializado de estudos (Silva, 2000). Nessa obra,

    Bobbit (1918) propunha uma concepo de currculo em uma lgica de eficincia, a cargo de

    especialistas incumbidos de fazer o levantamento das habilidades a serem desenvolvidas pela

    escola, bem como a elaborao dos instrumentos de medio ou avaliao dessas mesmas

    habilidades. escola, funcionando semelhana de uma empresa comercial ou industrial,

    incumbe, segundo essa abordagem, garantir que as finalidades da educao traduzam as exigncias

    profissionais da vida adulta.

    1.1 O currculo clssico

    Caracterizando-se pela natureza abstrata do conhecimento escolar, o currculo clssico,

    segundo Silva (2005, pp. 26, 27) s pde sobreviver no contexto de uma escolarizao secundria de acesso restrito classe dominante, privilegiando a racionalidade acadmica, ou seja, a nfase nos contedos considerados essencialistas e perenes. Tal viso, de acordo com Goodson (2001),

    valoriza o conhecimento acadmico abstrato ou descontextualizado, destinado s escolas de elite,

    em detrimento do conhecimento prtico, contextualizado e relacionado com processos ativos,

    salientando que o currculo das escolas de elite pensado para proteger os jovens do contato coma

    cultura popular, pelo que essa fica excluda dos currculos das escolas.

    1.2 A viso tecnocrtica

    A viso tecnocrtica do currculo, que tem Bobbit e Tyler como expoentes mximos, encara

    o currculo como uma questo tcnica, neutral e no ideolgica. Na prtica, a viso tecnocrtica

    consiste na elaborao de uma relao de matrias, por disciplinas, ou seja, de um plano de

    instruo, com a organizao do conhecimento em uma sequncia lgica, em que se atribui a cada

    uma das unidades ou matrizes de conhecimento o respectivo tempo de docncia e se definem os

    objetivos de aprendizagem pretendidos, os quais devem expressar-se em termos de

    comportamentos especficos, exigidos pelo sistema tecnolgico de produo e pelas exigncias

    profissionais da vida adulta, como referimos acima.

    Essa corrente se desenvolve e prolifera a partir da diferenciao ntida entre currculo e instruo, sendo o currculo o desenho estruturado dos resultados pretendidos, definidos em comportamentos especficos (Gimeno & Perez, 1985, p. 192), cabendo ao professor a tarefa de execut-lo atravs da atividade de instruo.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    12

    1.3 A viso progressista

    Ainda no quadro da concepo tradicional, o currculo, encarado antes como plano de

    estudos, evolui no sentido da sua considerao como a totalidade de experincias vivenciadas pelo

    aluno sob a orientao do professor, que procuraria ter em conta e valorizar os interesses do

    discente. A teoria progressista do currculo, que atacava o currculo clssico, devido ao seu

    distanciamento dos interesses e das experincias das crianas e dos jovens, atribui escola a

    responsabilidade de compensao dos problemas da sociedade mais ampla e, assim, o enfoque do

    currculo vai se desloca r do contedo para a forma, isto , vai se centrar na organizao das

    atividades, com base nas experincias, diferenas individuais e interesses da criana.

    Todas essas vises ou perspectivas da teoria tradicional tm como denominador comum uma viso

    redentora do currculo (Moreira & Silva, 1995), em que a escola est ao servio da ordem scio-

    econmica e poltica dominante, cabendo-lhe, por isso, ainda que com respostas diferenciadas na

    forma, corresponder s exigncias da sociedade e do mundo do trabalho, com base nos princpios

    de ordem, racionalidade e eficincia. Desse modo, as questes centrais do currculo prendem-se

    aos processos de seleo e organizao dos contedos e das atividades de aprendizagem, mediante

    uma planificao rigorosa, baseada em teorias cientficas do processo de ensino-aprendizagem, ora

    numa viso empresarial (Tyler) ora numa viso psicologizante (Dewey).

    Vejam que as trs vises partem da perspectiva tradicional do currculo, em que, segundo

    Varela (2013), coloca a escola a servio de uma ordem socioeconmica e poltica dominante. Um

    currculo no pode atender apenas a uma classe ou fazer qualquer tipo de distino, deve ser

    pensado como uma construo social e cultural. para isso que servem as teorias curriculares para

    analisar as complexidades e os fenmenos de uma sociedade, aproximando-se o mximo possvel

    da realidade de uma comunidade. Ainda sobre as teorias do currculo, Sacristn (2000, p. 37) afirma

    que elas desenvolvem muitas funes pois:

    So modelos que selecionam temas e perspectivas; costumam influir nos formatos

    que o currculo adota antes de ser consumido e interpretado pelos professores,

    tendo assim um valor formativo profissional para eles; determinam o sentido da

    profissionalidade do professorado ao ressaltar certas funes; finalmente, oferecem

    uma cobertura de racionalidade s prticas escolares.

    Nesse contexto, as teorias do currculo fazem o papel de mediadores entre a

    ideia/pensamento e a ao/atitude. Portanto, h um conjunto de fatores que constroem um currculo,

    sendo que ele atender a uma determinada comunidade, em um contexto de uma poca especfica.

    por isso que o currculo no algo pronto, muito menos limitado a um padro.

    Precisamos, dentro da grande complexidade que compe um currculo, possibilitar seu movimento

    de construo para no corrermos o risco de acorrentarmos algo que tem o propsito de libertar.

    Para elucidar o debate, observe, na figura a seguir, o conjunto de saberes do currculo escolar:

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    13

    Figura 1 - Conjunto de saberes do currculo escolar

    Fonte: Com base em SANTA CATARINA (2005).

    Como voc percebeu, a construo da estrutura curricular apresenta diversos contextos que

    devem ser considerados e que implicam em diferentes saberes. No entanto, at a chegada escola, o

    currculo passa por muitas construes e anlises antes das tomadas de decises. Mas quem so os

    agentes construtores? Vamos compreender a outra parte dessa estrutura no prximo captulo, ao

    tratarmos de polticas pblicas alinhadas com a Proposta Curricular de Santa Catarina.

    Atividade de Estudos:

    1- 1) Sobre as teorias de currculo tradicionais discutidas por Varella (2013), apresente as principais caractersticas de cada uma delas e quais ainda so possveis de encontrar na ao pedaggica nas

    nossas unidades escolares.

    2- ________________________________________________________________________________

    ________________________________________________________________________________

    ________________________________________________________________________________

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  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    14

    POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO, MODELOS E A PROPOSTA CURRICULAR

    DE SANTA CATARINA

    Um currculo em ao flexvel, respeita a capacidade do indivduo de planejar,

    executar, criar e recriar conhecimento, ou seja, sua ao concreta. (...) Est sempre

    em processo, em dilogo transformador, baseado nas peculiaridades das situaes

    locais. (MORAES, 2010, p. 148)

    Tratar de currculo sem discutir polticas pblicas dissoci-lo do contexto ao qual est

    veiculado. Como j vimos anteriormente, o currculo envolve questes culturais, sociais e

    histricas. Compreend-lo diferentemente dessas caractersticas romper com sua essncia pautada

    na totalidade e na integrao, como sugere Moraes (2010).

    POLTICAS PBLICAS DE CURRCULO: ENTRE A PRTICA E A TEORIA

    A poltica sobre o currculo deve expressar a realidade prtica da educao de forma

    dialgica com todos os atores dessa construo: sociedade, educadores, pesquisadores, enfim, deve

    ouvir e permitir que essas vozes tambm sejam levadas em considerao nas tomadas de decises.

    Mas, afinal, a quantas mos se faz um currculo? Como ele chega at o aluno? Falamos no

    captulo anterior do conceito do currculo, das teorias, dos paradigmas, porque tudo isso est

    intrinsecamente presente no currculo. Vamos agora entender o currculo pelo vis das polticas

    pblicas.

    O currculo escolar no Brasil definido pelo governo central. A poltica curricular rege as

    decises gerais, passando por uma ordenao jurdica e administrativa. Assim, O tipo de

    racionalidade dominante na prtica escolar est condicionada pela poltica e mecanismos

    administrativos que intervm na modelao do currculo dentro do sistema escolar. (SACRISTN

    2009, p. 108)

    Veremos agora um recorte de algumas pesquisas que discutem as polticas pblicas do

    currculo aqui no Brasil.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    15

    EDUCAO E CURRCULO: AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 90

    (Maria de Lourdes Lpo Ramos)

    Atualmente, assistimos a uma insistente notoriedade dada pela mdia aos temas

    concernentes Educao, e, nesse movimento, os destaques tm sido a necessidade de mudanas

    curriculares, a redefinio do papel dos professores e de sua prpria formao. A esse respeito,

    basta observarmos a ampliao da produo acadmica e literria em torno desses temas.

    A educao, portanto, o campo estratgico para a elaborao de sujeitos sociais

    especficos, pois o que est em jogo a elaborao de significados do social, do humano, do

    econmico, do poltico, do cultural, do educativo. Nessa perspectiva, o indivduo passa a ser visto

    como aquele que, ao longo da vida, deve aprender a aprender, cabendo s polticas educacionais

    pensar a educao sobre quatro pilares fundamentais para o seu sucesso, quais sejam: aprender a

    conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser.

    Entretanto, a busca de alternativas para a crise educacional brasileira sempre foi a luta

    empreendida pelos profissionais de educao e por outras instncias da sociedade durante toda a

    dcada de 80 e incio dos anos 90, como se constata nas inmeras reunies, encontros, simpsios,

    realizados naquele perodo.

    Neste sentido, o currculo um terreno de conflitos, em que esto conjugadas formas de

    saber, de o qu saber, de como saber, porque saber e para que saber. Nele no esto disciplinados

    somente os contedos, as metodologias, os sistemas de avaliao, os objetivos, mas e, sobretudo,

    formas particulares de subordinao e sujeio dos corpos atravs de prticas disciplinares, para

    torn-los dceis e obedientes. Se a explorao econmica separa a fora e o produto do trabalho,

    digamos que a coero disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptido

    aumentada e uma dominao acentuada (FOUCAULT, 1991, p 127).

    O modelo de educao neoliberal presente nas polticas pblicas educacionais hoje no

    uma das frentes a ser alcanada pelo projeto capitalista de sociedade, mas ele prprio a frente

    para o qual convergem os esforos de reconstruo radical de todos os aspectos da sociedade.

    Nos PCNs, a figura do professor ganha importncia singular, pois ele quem ir operacionaliz-los no cotidiano da sala de aula e sobre quem recai uma gama de responsabilidades,

    que, inexoravelmente, perpassam pelo sucesso e/ou insucesso da educao escolar nos rumos do

    desenvolvimento do pas, para uma sociedade economicamente moderna e socialmente

    democrtica.

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.

    Podemos concluir que h dcadas se discutem melhorias para educao, principalmente na

    esfera das polticas pblicas. Conforme parte da pesquisa acima apresentada, o cenrio se repete ano

    aps ano e os problemas retornam. Mas preciso considerar que as discusses sobre educao e as

    polticas educacionais avanaram muito desde a promulgao da LDB 9394/96 e todos os

    documentos subjacentes Lei, entre eles os PCNs. As mudanas propostas na legislao vo se

    concretizar no espao escolar, onde existem diferentes concepes, histrias e construes sociais e

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    16

    que tambm geram conflitos. O cenrio se repete, pois mudar a prtica educativa depende da

    mudana de cada um dos que fazem parte da comunidade escolar. Contexto scio-poltico e

    econmico esto conectados diretamente com as polticas pblicas e vice versa,

    Uma das maneiras pelas quais o pensamento do novo paradigma entra em cena na

    poltica pblica educacional pelo reconhecimento da interconectividade dos

    problemas que no podem ser compreendidos isoladamente. Ela exige uma viso

    sistmica e holstica da realidade e nos impe a tarefa de substituir

    compartimentao por integrao, desarticulao por articulao, descontinuidade

    por continuidade, tanto na parte terica quanto na prxis da educao. (MORAES,

    2010, p.85)

    Nesse aspecto, a qualidade da educao passa por polticas pblicas que se concretizam no

    espao escolar, na mudana de concepes dos profissionais da educao e na busca da

    concretizao da funo social da escola.

    Veremos agora outro texto com algumas consideraes de Paro (2011):

    O CURRCULO DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO TEMA DE POLTICA PBLICA: A

    CULTURA COMO CONTEDO CENTRAL (Vitor Henrique Paro)

    Em termos de polticas pblicas, a relevncia do debate a respeito do currculo da escola

    fundamental parece bvia, j que toda poltica educacional s ganha sentido se estiver referida

    quilo que deve ser seu propsito por excelncia, ou seja, o provimento, aos educandos, de um

    contedo cultural que lhes proporcione formar-se como cidados. No entanto, esse debate parece

    no ter conseguido ainda a fora social e poltica suficiente para questionar radicalmente a

    estrutura curricular de nossas escolas, de modo a buscar medidas que visem a super-la. O

    currculo da escola fundamental tem permanecido com a mesma configurao h muitas dcadas,

    mantendo sua forma verbalista e restringindo seu contedo s disciplinas tradicionais, adstritas a

    conhecimentos e informaes. A sociedade mudou, novos direitos polticos, civis e sociais foram

    alcanados ou entraram na pauta de reivindicaes, mas a concepo de currculo e daquilo que

    necessrio para a formao humano-histrica dos cidados continua a mesma.

    Apesar disso, especialmente nos ltimos anos, tanto as polticas pblicas quanto boa parte

    da academia parecem dar pouca ateno importncia do currculo para a efetiva qualidade do

    ensino, preferindo pautar suas iniciativas e anlises quase exclusivamente nos resultados das

    avaliaes em massa, que privilegiam a aferio de conhecimentos "adquiridos", sem grande

    ateno para a cultura em seu sentido pleno. E esse, parece-me, mais um fator que refora a

    relevncia de se problematizar a atual estrutura curricular da escola fundamental, em razo dos

    subsdios que esse questionamento pode oferecer para uma melhor adequao da prpria maneira

    como o Estado procura avaliar a qualidade do ensino. Independentemente do real poder das

    avaliaes externas para aferir a aquisio de conhecimentos, ser que seus resultados podem

    servir de parmetros para indicar at que ponto o Estado est atendendo ao direito das pessoas

    cultura, visto que essa, em seu sentido pleno, no contemplada em tais medies?

    Tal discusso deve iniciar-se pela constatao de que o currculo um dos aspectos que

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    17

    mostram mais enfaticamente como a escola tradicional tem privilegiado uma dimenso

    "conteudista" do ensino, que enxerga a instituio escolar como mera transmissora de

    conhecimentos e informaes. Da a relevncia de se pensar em sua reformulao numa

    perspectiva mais ampla que contemple a formao integral do educando.

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.

    Se ponderarmos entre os dois textos, perceberemos a necessidade de uma reformulao de

    currculo voltado formao integral do educando. Cremos ser vlida a preocupao do governo

    em atingir metas quantitativas para educao no Brasil, mas a engenharia que constri uma

    educao necessita de tijolos fortes, sustentados em alicerces slidos, traduzindo, a qualidade que

    deveria ser a prioridade, considerando, claro, a atual conjuntura da educao no pas. Os nmeros

    podem fazer efeito em nvel de uma poltica mundial, afinal o Banco Mundial quem financia a

    educao. E sem nmeros no h financiamentos. Precisamos disso, sabemos. Mas, alcanar metas

    de ter todas as crianas na escola deve caminhar junto com a qualidade escolar, seja ela fsica ou

    pedaggica. H escolas pblicas que merecem o reconhecimento dessa qualidade, todavia,sob um

    olhar macro, consideramos que h muito ainda por se fazer.

    A Secretaria de Educao de Santa Catarina vem discutindo e trabalhando em propostas

    educacionais para provocar mudanas no currculo h muitos anos. Mas se as mudanas acontecem

    ou so perceptveis, isso o que mais difcil. claro que salrios melhores, condies estruturais

    e fsicas contribuiriam muito. Mas a conscientizao disso pela comunidade escolar (profissionais

    da educao, gestores, professores, pais, alunos...) que vai fazer a diferena, pois h toda uma

    desconstruo e desvalorizao dos profissionais da educao.

    Rumo qualidade de ensino, a Proposta Curricular de Santa Catarina promove em seus

    documentos a valorizao e uma educao integradora, aberta para a diversidade, para o dilogo

    entre os saberes e reconhece que essa ao se faz a partir dos sujeitos envolvidos. Veremos o que

    diz a Proposta na sesso a seguir.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    18

    PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA

    Os documentos dessa proposta se baseiam em autores que valorizam e discutem o sujeito

    histrico social. Refletem a ideia de um currculo voltado aos saberes integrados, centralizando

    a aprendizagem no sujeito e no s nos contedos.

    Os fatores histrico-culturais desempenham importante papel formador no

    indivduo e esto presentes desde o seu nascimento. Sua teoria considera o

    indivduo, a criana, com sua estrutura do sistema nervoso, sua

    personalidade individual, sua bagagem sociocultural, suas tendncias

    cognitivas e os diferentes estilos de aprendizagem. (MORAES, 2010, p. 95)

    De acordo com a autora, os fatores histrico-sociais consideram o sujeito como parte

    integrante dessa biodiversidade, em que todos podem aprender com todos. Nessa perspectiva, a

    Proposta de Santa Catarina foi elaborada. Seus textos procuram no s discutir o currculo sob o

    ponto de vista dos autores, tendncias e pesquisas, mas preocupa-se em trazer o que os alunos

    pensam a respeito da escola, dos professores, dos contedos, significando e valorizando a voz do

    educando. Veja abaixo um trecho desse documento, em entrevista com alunos:

    COMO VOC IMAGINA UMA ESCOLA IDEAL?

    Com a palavra... os (as) jovens/alunos (as):

    Uma Escola ideal aquela que ensina bem, que tem um poder administrativo bom e professores com curso superior, que impe regras e mostra como a realidade l fora. (m/17 anos).

    ... a que tem professores e alunos que no trazem problemas para a Escola, deve haver respeito. Deve ter uma biblioteca bem equipada, sala de informtica com computadores modernos, quadra

    de esportes coberta. (f/18 anos).

    A Escola ideal precisa estar limpa e bem organizada, com alunos educados e professores competentes. (m/18 anos).

    ... seria uma Escola onde no houvesse tanta proibio, onde os portes ficassem abertos e os alunos pudessem ficar mais livres. (m/15 anos).

    Fonte: Santa Catarina (2005).

    certo que as palavras dos alunos demonstram as concepes de sua comunidade, sob tica

    de sua herana cultural. Mas ouvi-los respeitar o direito democrtico, que consta na nossa

    Constituio.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    19

    A construo dos documentos da Proposta Curricular foi tecida em dois perodos, o primeiro

    deles foi de 1988 a 1991, marcado fortemente pelo debate dos educadores sobre a elaborao de

    documentos publicados na forma de caderno, em 1991, com intuito de unir o currculo ao enfoque

    histrico-cultural. As discusses ocorridas no segundo momento (1996) repercutiram na publicao

    da segunda edio da Proposta, em 1998, constituda por trs volumes que contemplavam as

    disciplinas curriculares, os temas multidisciplinares e as disciplinas de formao para o magistrio.

    Nesse processo, a atual da Proposta Curricular guia-se por trs grandes eixos:

    Figura 2- Fio condutor das atualizaes da Proposta Curricular de Santa Catarina

    Fonte: Adaptado de Santa Catarina (2014, p.20).

    luz dos trs eixos, surge o paradigma educacional emergente trazido por Moraes (2010),

    que enfatiza uma formao integradora dos sujeitos, em uma concepo multidimensional dos

    saberes; em vencer a fragmentao encontrada no paradigma centrado num modelo cartesiano pelo

    fluxo contnuo da organizao curricular; e a diversidade como princpio formativo.

    De acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina (2014), a perspectiva da formao

    integral do cidado valoriza o ser humano como sujeito que se constri por meio do trabalho,

    modificando sua realidade, fazendo parte de seu contexto social poltico, econmico, cultural e

    socioambiental. essa ideia que a Proposta Curricular traz para um currculo integrado.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    20

    Essa integrao visa a superao do etapismo, pois reconhece que cada sujeito apresenta

    uma cultura luz das bases histrico-culturais, mediadas pelas diferentes linguagens que os

    distingue, significativamente, em relao a outros tempos.

    O documento acentua a importncia da diversidade de identidades e de saberes como

    condio para o avano na Educao Bsica. Destaca a diversidade como caracterstica prpria da

    espcie humana, com experincias de vida e personalidades diferenciadas.

    A diversidade est relacionada com as aspiraes dos grupos humanos e das

    pessoas de viver em liberdade e no exerccio de sua autodeterminao, como

    tambm aspirao da vida em democracia e necessidade de vivenciar

    coletivamente as realidades sociais que so mltiplas e de lutar pelo

    reconhecimento dos direitos humanos e a respeit-los. (SANTA CATARINA,

    2014, p.54).

    Nesse sentido, importante que a forma de organizao das redes de ensino veicule seus

    projetos em bases integradoras dos saberes, que conforme Santa Catarina (2014, p.27) seriam:

    1. A desvinculao do etapismo no percurso formativo.

    2. O dilogo entre as diferentes reas do conhecimento, as escolhas terico-

    metodolgicas, de conhecimentos e de experincias significativas.

    3. A valorizao da diversidade de identidades e de saberes.

    4. A criao de ambientes que valorizem a autonomia intelectual e poltica dos sujeitos

    abarcados nos percursos formativos.

    5. As interconexes entre os saberes.

    6. A promoo de uma gesto democrtica.

    Nessa perspectiva, a estruturao do trabalho pedaggico se pauta na aliana dos saberes e

    na promoo do conhecimento integrado. Veremos, a seguir, formas de organizao do trabalho

    pedaggico, destacadas na Proposta Curricular de Santa Catarina.

    FORMAS DE ORGANIZAO

    A seriao se constitui em um processo de organizao do ensino por ano/srie, com

    cronologia marcada pelo ano escolar, compreendido como ano civil. Os contedos so

    selecionados obedecendo a uma lgica de organizao do conhecimento produzido socialmente,

    agrupado por componentes curriculares e complexificado a cada ano/srie. Nessa modalidade

    organizativa, a sala de aula o espao central da aprendizagem escolar e o ano/srie o tempo

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    21

    privilegiado para organizao das atividades. As crticas seriao esto centradas na dificuldade

    do respeito aos tempos e ritmos de aprendizagem de cada sujeito do conhecimento, dando

    centralidade ao contedo escolar e avaliao. A seriao, por outro lado, d segurana ao

    professor que tem sua formao profissional assentada nessa perspectiva.

    Os ciclos de formao, por sua vez, so caracterizados pela organizao em trs grupos

    etrios, considerando as caractersticas dos sujeitos do conhecimento em suas diferentes idades e

    situaes socioculturais. O respeito aos conhecimentos e ao desenvolvimento de cada sujeito e a

    forma como esses aprendem um dos pontos nodais desse modo de organizao. Cada ciclo

    consiste em perodos alargados de organizao dos tempos e espaos de aprendizagem,

    possibilitando flexibilidade e articulao na relao com o desenvolvimento etrio e cognitivo.

    Essa forma de organizao demanda mudana nas concepes de conhecimento e de

    aprendizagem, fundamentadas no conhecimento da realidade e na prtica social dos sujeitos e das

    comunidades onde vivem. Ela favorece ainda a reflexo sobre os processos educativos dos sujeitos,

    dos professores e da comunidade. Esse modo de organizao suscita questionamentos quanto aos

    resultados da aprendizagem nos sujeitos, uma vez que muitos seriam promovidos sem alcanar os

    conceitos essenciais, desejados em razo da progresso automtica.

    Outra forma a Pedagogia da Alternncia que se relaciona mais diretamente com as

    experincias desenvolvidas na Educao do Campo, Educao Escolar Quilombola e Indgena,

    Casa Familiar rural, entre outras. organizada em momentos pedaggicos que interagem, os chamados de Tempo Escola e Tempo Comunidade, envolvendo cada sujeito num processo educativo uno, articulando a experincia propriamente dita experincia de trabalho e vida no seio

    da comunidade da qual o sujeito originrio. Trata-se, de fato, de uma perspectiva de prxis, uma

    vez que busca trabalhar as vivncias articuladas aos conhecimentos sistematizados. Tal forma de

    organizao escolar requer do sujeito do conhecimento a capacidade de assumir-se como sujeito de

    sua prpria formao de modo permanente. Ela depende de disponibilidade dos professores para o

    desenvolvimento de aes integrativas e planejamento constante para organizao dos

    conhecimentos

    Fonte: Disponvel em:

    . Acesso em: 2

    maio 2015.

    No texto da Proposta Curricular de Santa Catarina, que respeita a legislao vigente e atende

    aos preceitos contidos nos Parmetros Curriculares Nacionais, possvel identificar as diferentes

    formas, ritmos e caractersticas das vrias modalidades de educao escolar, em que o modelo

    tradicional, fechado e estanque precisa ser redimensionado para uma concepo inter e

    transdisciplinar.

    Nessa perspectiva, iremos apresentar, no prximo captulo, o exemplo de uma estrutura

    curricular e pedaggica diferenciada, que tem atrado ateno especial de diversos estudos pelos

    encaminhamentos e resultados significativos.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    22

    Atividade de Estudos:

    1- 1) De que forma a Proposta Curricular de Santa Catarina est em consonncia com o nova concepo educacional proposta por Moraes (2010)?

    2- ________________________________________________________________________________

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  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    23

    O PAPEL DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ORGANIZAO CURRICULAR E UMA

    ARTICULACAO CURRICULAR DIFERENCIADA

    Hoje, o foco da escola mudou. Sua misso atender o aprendiz, o usurio, o

    estudante. Portanto a escola tem um usurio especfico, com necessidades

    especiais, que aprende, representa e utiliza o conhecimento de forma diferente e

    que necessita ser efetivamente atendido. Essa compreenso se fundamenta na

    cincia cognitiva e da neurocincia [...] (MORAES, 2010, p.137).

    Mas como seria um currculo que atende a todas essas qualificaes? Veremos a seguir um

    modelo de currculo inspirado em uma concepo de totalidade defendida pelos autores discutidos,

    apresentado pela pesquisadora da Escola da Ponte, Patrcia Cesrio Pereira Offial (2012).

    A estrutura da Escola da Ponte, localizada em Portugal, est organizada de acordo com seus

    princpios, pautada em uma educao solidria, responsvel e autnoma. Devido a isso, os alunos

    so responsveis pelo seu prprio aprendizado. Diferentemente de um currculo tradicional, na

    Escola da Ponte, os contedos trabalhados so escolhidos pelos prprios alunos. O importante

    permitir que as crianas descubram por si mesmas o conhecimento de que mais necessitam

    (MORAES, 2010, p.140).

    Os alunos so dispostos em grupos heterogneos, no h lugares fixos, eles se organizam e

    trabalham em equipe, essa metodologia est presente no cotidiano escolar na Escola da Ponte.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    24

    Quadro 2 Organizao Educacional da Escola da Ponte

    Fonte: Offial (2012).

    Essa estrutura escolar demonstra uma organizao diferenciada, a qual, segundo os

    documentos, vai alm dos dispositivos pedaggicos e do desenvolvimento curricular, pois a

    veiculao desses instrumentos torna possvel o trabalho em grupo heterogneo, a cooperao, a

    autonomia e a vivncia de uma cidadania responsvel. A organizao curricular dessa escola

    articula-se por meio de dimenses Lgico-Matemtica, Naturalista, Lingustica, Identitria,

    Artstica, Pessoal e Social.

    O conceito de currculo entendido numa dupla assero, conforme a sua

    exterioridade ou interioridade relativamente a cada aluno: o currculo exterior ou

    objectivo um perfil, um horizonte de realizao, uma meta; o currculo interior ou

    subjectivo um percurso (nico) de desenvolvimento pessoal, um caminho, um

    trajecto. S o currculo subjectivo (o conjunto de aquisies de cada aluno) est em

    condies de validar a pertinncia do currculo objectivo. (ESCOLA DA PONTE,

    2003).

    Diferentemente de um currculo tradicional, na Escola da Ponte, os contedos trabalhados

    so escolhidos pelos prprios alunos. Os critrios so selecionados pelos orientadores das

    INSTRUMENTOS DE AVALIAO

    Plano de registro; Relatrio; lbum;

    Coletnea de texto; Bibliografias; Ficha de

    auto-avaliao; Teste selcionado pelos

    alunos; Registro de disponibilidade; Ata;

    Comunicao; Quadro de Solicitaes;

    Teste sociomtrico; Inventrio de atitudes.

    NCLEOS

    Iniciao

    Consolidao

    Aprofundamento

    ARTICULAO CURRICULAR

    Dimenso lgico matemtica

    Dimenso lingustica

    Dimenso artstica

    Dimenso naturalista

    Dimenso identitria

    Dimenso pessoal e social

    INSTRUMENTOS PEDAGGICOS

    Direitos e Deveres; Assemblias; Comisso de ajuda; Biblioteca; Caixinha dos

    segredos; Caixinha de textos inventados; Eu j sei; Eu preciso de ajuda; Professor

    tutor ; Grupo de responsabilidades

    Escola

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    25

    dimenses, cada qual na sua rea. Os contedos so fixados em murais para que os alunos

    visualizem e percebam o que precisam trabalhar.

    Dessa forma, os discentes so incentivados a pesquisar os contedos propostos por eles.

    Quem planeja o aluno, e a pesquisa um dos principais recursos para auxiliar os estudos: No h

    ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...] Pesquiso para constatar, constatando intervenho,

    intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo e comunicar ou

    anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p. 29).

    Contudo, para favorecer uma prtica inovadora, Freire (2009) alerta que necessrio, os

    docentes reconhecerem que h ideologia presente na educao, e que no se pode ficar alheio diante

    de discursos alienantes de cunho intencional. O autor critica uma educao voltada para treinos

    tcnicos cientficos em vez da formao integral do educando. Freire (1996, 2005, 2009) almejou

    uma educao que contemplasse a formao humana do sujeito, com base na autonomia, criticidade

    e solidariedade do educando. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Freire (2009) aponta questes

    importantes, dentre outras, as de uma educao como prtica da liberdade, com responsabilidade e

    autonomia.

    Pacheco (2010), o idealizador da Escola da Ponte, comunga com as ideias de Freire (2009),

    as quais caminham para uma educao que liberta, que torna o sujeito autor de sua prpria histria.

    Essa liberdade com responsabilidade vivenciada pelos alunos da Ponte. Ao mesmo tempo em

    que sabem seu papel de aluno e o respeitam, tambm lutam pelos seus direitos e conquistas. No se

    calam diante das injustias, muito menos as sufocam, mas discutem em grupos e as levam em

    assembleias, promovendo o dilogo aberto e democrtico. Tudo discutido, combinado,

    conversado, pois a Escola da Ponte movimento.

    A questo de como os alunos lidam com o tempo uma das observaes que merecem

    ateno. Nas escolas brasileiras, orientamo-nos muito pelos ponteiros do relgio: hora de prova,

    hora de exerccios, hora de recuperao, hora de aprender, e todos os alunos devem cumprir esse

    mesmo tempo determinado pelos professores. Na escola da Ponte, quem determina o tempo de

    aprender, de avaliar, de pesquisar, de ler, o prprio educando, ele o gestor de seu saber. O

    relgio para eles serve para orientar e no para determinar uma atividade.

    Na Ponte, no h sinal que conduz para os intervalos, entradas ou sadas de alunos, mas h

    um grande relgio disponvel no refeitrio para que todos cumpram com o dever e a

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    26

    responsabilidade de se orientar pelas horas marcadas. Todos tm o direito de sair dos espaos de

    trabalho sem precisar avisar, pois sabem que devem cumprir seus deveres. Essa liberdade

    trabalhada dia a dia com o aluno. Na educao, a autonomia implica a metodologia do aprender a

    aprender, aprender a pensar [...] (MORAES, 2010, p. 145).

    O aluno dessa Escola conduzido a compreender todo o projeto e discuti-lo por meio da

    reflexo sobre a ao. esse o principal movimento da Ponte, o carro chefe que norteia todas as

    demais prticas. Mas, para isso, necessrio estar aberto ao dilogo. Conforme Freire (2009, p.

    135), [...] ensinar exige disponibilidade para o dilogo[...]; o indivduo que est aberto para todo

    seu entorno, como tambm para o prximo, demonstra nessa ao uma relao dialgica como

    inquietao e curiosidade, pois compreende que nada est perfeitamente acabado e a histria um

    eterno movimento.

    Estar disponvel estar sensvel aos chamamentos que nos chegam, aos sinais mais

    diversos que nos apelam, ao canto do pssaro, chuva que cai ou que se anuncia na

    nuvem escura, ao riso manso da inocncia, cara carrancuda da desaprovao, aos

    braos que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. na minha

    disponibilidade permanente vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar

    crtico, emoo, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em

    minhas relaes com o contrrio de mim. (FREIRE, 2009, p. 134)

    Nesse processo, entende-se que a relao dialgica deve ser crtica, transformadora, pois a

    partir do dilogo que se constroem, que se problematizam e que se encontram possveis solues. O

    que Paulo Freire e a Escola da Ponte criticam um ambiente educacional que no oferece ao aluno

    a pesquisa, a autonomia e a liberdade de escolha. A desconexo entre currculo, prtica pedaggica

    e contexto pode ser a vil da aprendizagem, do conhecimento. O autor reconhece que ensinar passa

    muito longe de uma mera transmisso de contedo. Pelo contrrio, segundo Freire (2009), ensinar

    exige conscincia do inacabado; ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado; ensinar exige

    respeito autonomia do ser educando; ensinar exige bom senso; ensinar exige humildade,

    tolerncia, alegria e esperana e, acima de tudo, ensinar um ato de amor.

    De acordo com a concepo de Freire (2009), ensinar exige tanto do educador quanto do

    educando, por isso que o processo de educar deve ser pautado na ao e na reflexo. Na

    comparao entre as ideias de Paulo Freire e os fundamentos que sustentam a Escola da Ponte,

    possvel verificar suas ressonncias na prtica cotidiana, comeando pela organizao dos alunos

    em grupos, pela valorizao do dilogo e pela troca de experincia em um ambiente democrtico de

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    27

    ao comunicativa e afetiva. Tudo se resolve, ou pelo menos tenta se resolver de forma

    democrtica, entre alunos, professores e pais, pois todos so responsveis pela prpria escola.

    Direitos e deveres, Assembleias, Comisso de Ajuda, so exemplos de atividades realizadas

    na escola e que proporcionam um ambiente de dilogo e de democracia.

    Nessas atividades de dilogo, os alunos e professores discutem os problemas, ideias,

    sugestes e tentam trazer melhorias escola. Os membros responsveis pela assembleia organizam

    a pauta no decorrer da semana, buscando informaes em cada ncleo. Assim, todos podem

    participar e interagir. Toda a assembleia dirigida por alunos participantes. Os professores, assim

    como os educandos, precisam levantar as mos para falar. Vivenciam, assim, a democracia.

    Segundo Freire (2005, p. 90): No no silncio que os homens se fazem, mas nas palavras,

    no trabalho, na ao-reflexo. O educador diz, ainda: O dilogo este encontro dos homens,

    mediatizados pelo mundo, para pronunci-lo, no se esgotando, portanto na relao eu-tu. Essa

    mediao que Paulo Freire cita e que Pacheco aplica em seu crculo de estudos uma mediao

    aberta, crtica e ativa.

    Na questo do dilogo, Freire (2009) discute a sua relao com o amor. Aponta que s

    possvel uma relao de dilogo onde existe amor, pois quem no possui uma relao de amor com

    o mundo, com a vida e com os homens, consequentemente, no torna possvel o dilogo. O filsofo

    defende, tambm, a importante relao do dilogo com a humildade, com o pensar crtico, com a f

    nos homens. Conforme a ideia do autor, indaga-se: Como educar sem dialogar? Como interferir no

    mundo sem dialogar? S educadoras e educadores autoritrios negam a solidariedade entre o ato

    de educar e o ato de serem educados pelos educandos; s eles separam o ato de ensinar do de

    aprender, de tal modo que ensina quem se supe sabendo e aprende quem tido como quem nada

    sabe (FREIRE, 2009, p. 27).

    Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prtica dialgica. O que existe,

    muitas vezes, um monlogo que contribui somente para o engessamento do educando, levando-o

    possvel alienao e ingenuidade. Segundo Freire, a base do dilogo o amor, pois o amor

    humildade, compromisso, e nas palavras do autor: Se no amo o mundo, se no amo a vida, se

    no amo os homens, no possvel o dilogo (FREIRE, 2005, p. 92). Nessa lgica, segundo o

    educador: O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relao dialgica

    em que se confirma como inquietao e curiosidade, como inconcluso em permanente movimento

    na histria (FREIRE, 1996, p. 136). Uma escola que no promove o dilogo, consequentemente,

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    28

    estar esttica, fechada ao seu entorno social e geogrfico. Para que o educador tenha clareza dessa

    compreenso, necessrio que pense de forma coerente, segundo o autor, pensar certo:

    Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso

    comum no processo de sua necessria superao quanto o respeito e o estmulo

    capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a

    conscincia crtica de educando cuja promoo da ingenuidade no se faz automaticamente. (FREIRE, 1996, p. 29)

    Segundo Freire, nenhuma formao docente verdadeira pode fazer-se longe do exerccio da

    criticidade, que implica desde a promoo da curiosidade ingnua curiosidade epistemolgica.

    Um professor crtico pensa certo, dessa forma, ele compreende e respeita as etapas de avanos do

    aluno, assim como as suas prprias. Ainda, sem o reconhecimento do valor das emoes, da

    sensibilidade, da afetividade, da intuio ou da adivinhao, no h prtica docente verdadeira que

    no seja ela mesma um ensaio esttico e tico, pois ensinar exige esttica e tica (FREIRE, 2005,

    p. 32). Essa esttica a que Freire se refere a de um saber sensvel, que conduz a uma formao

    mais humana.

    Esse saber sensvel interferir na forma como o professor conduz as atividades

    pedaggicas, pois sua postura frente ao ato de educar no se resume transferncia

    dos saberes cientficos, com isso, o aluno ser beneficiado. Considerando que a

    viso a respeito da maneira de ensinar e do que ensinar ser influenciada pela

    formao cultural, uma vez que a profissionalidade docente no constituda

    apenas de conhecimentos cientficos, pedaggicos. (NEITZEL; CARVALHO,

    2010, p. 128)

    Para Neitzel e Carvalho (2010), ensinar exige esttica e tica, pois se percebe a grande

    importncia e a urgncia de um saber sensvel na profisso docente. Sensibilidade essa que, com o

    passar dos anos, foi sendo deixada de lado e que, hoje, pode-se reconhecer a falta que ela faz. No

    h como separar a profisso docente de uma formao do sensvel, pois na relao esttica entre

    aluno, professor e aprendizagem que se manifestam as competncias e desenvolvem-se as

    habilidades. Para tanto fundamental:

    Uma educao que reconhea o fundamento sensvel de nossa existncia e a ele

    dedique a devida ateno, propiciando o seu desenvolvimento, estar, por certo,

    tornando mais abrangente e sutil a atuao dos mecanismos lgicos e racionais de

    operao da conscincia humana. (DUARTE JR., 2010, p. 171)

    Nessa fala, Duarte Jr. (2010) aponta para uma educao esttica do sensvel na formao do

    ser. Ele traz a necessidade de a educao lanar um olhar sobre esse saber que por tanto tempo foi

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    29

    menosprezado, graas supervalorizao do inteligvel desde a modernidade. O ser humano precisa

    sair de seu estado de anestesia e despertar para uma conscincia holstica, repensar sobre seu

    papel no planeta; resgatar valores ofuscados por uma cegueira coletiva.

    Percebe-se que o modelo curricular da Escola da Ponte est alinhado com o paradigma

    educacional proposto por Moraes (2010), com fundamentos pautados na aprendizagem coletiva, em

    uma rede de conexes sem que todos aprendem com todos.

    A Proposta Curricular de Santa Catarina est pautada e embasada na legislao federal e em

    autores nacionais e internacionais que trabalham em uma perspectiva de respeito mtuo, com

    pluralismo de ideias e uma educao inter e transdisciplinar, a integrao com a comunidade e a

    humildade de aprender sempre em conjunto com os outros. Fundamenta-se em princpios de

    solidariedade, tica, pluralidade cultural, autonomia e gesto democrtica. esta a Escola aberta e

    integrada. Aberta, porque rompe os limites da sala de aula e dos muros da escola e se abre para

    enriquecer o processo de interao dos professores e alunos com as famlias, a comunidade e com

    os demais agentes sociais, em atividades de aprendizagem (SANTA CATARINA, 2005, p. 6).

    A Proposta Curricular de Santa Catarina centra-se no pressuposto de que o direito

    educao para todos deve ser garantido por meio da efetivao de polticas contra formas

    associadas de excluso, em especial aquelas motivadas por preconceito e discriminao de natureza

    tnico-racial, de orientao sexual ou de identidade de gnero, bem como, qualquer outra

    decorrente de contedos ou condutas incompatveis com a dignidade humana. Implementar

    polticas de preveno evaso motivada por preconceito e discriminao orientao sexual ou

    identidade de gnero passa pelo reconhecimento desses sujeitos e pelo seu direito a estar na

    Educao Bsica.

    A concepo da Educao Bsica como direito vem acompanhada de duas outras

    dimenses, imprescindveis para sua realizao: a ideia de uma educao comum e a ideia do

    respeito diferena. O conceito de comum se associa noo de universal,

    [...] ao longo das ltimas duas dcadas, no Brasil, polticas pblicas em educao vm

    sendo firmadas com o intuito de reduzir as desigualdades no percurso educacional entre todos os

    segmentos sociais. Nos movimentos curriculares desencadeados nos ltimos 25 anos em Santa

    Catarina, algumas dessas questes j apareciam. Mas, aps a abertura poltica e no processo

    legislativo decorrente da democratizao, que a Educao Bsica como um direito desponta

    ancorada no princpio do bem comum e no respeito diversidade.

    A diversidade como princpio formativo tem sido apresentada como atrelada educao

    inclusiva e educao integral, e resulta no enfrentamento desses discursos dominantes

    homogeneizadores. Busca promover a discusso nos espaos escolares e passa a deflagrar sistemas

    de representao mais amplos e a compreender que a valorizao da diferena no se d por meio

    de um discurso harmonioso, incuo, e pela aceitao de grupos considerados excludos como uma

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    30

    atitude, apenas, de tolerncia. O respeito e o reconhecimento so o objetivo

    A Educao para as Relaes de Gnero, nos currculos escolares, s pode ser pensada no

    Brasil, a partir das dcadas de 1970 e 1980, quando os estudos feministas sobre a mulher passaram

    a se utilizar da categoria gnero, inspirados no artigo de Joan Scott (SCOTT, 1995)

    Portanto, uma Educao para as Relaes de Gnero, no mbito da Educao Bsica,

    reconhece esta categoria identitria como importante na vida das pessoas (sejam elas crianas,

    jovens, adultos e idosos). Falar em gnero perceber como, para homens e mulheres, para meninos

    e meninas, a cultura, a sociedade e o atual tempo histrico constroem diferentes formas de ser masculino ou ser feminino (masculinidades e feminilidades)

    Outra atualizao necessria enfatizar o carter da co-educao permanente, em toda a

    Educao Bsica, em todas as reas e em todos os componentes curriculares a fim de que a

    igualdade nas relaes de gnero se torne uma realidade na Formao Integral de nossas crianas e

    jovens. A organizao de atividades pedaggicas nas quais meninas e meninos participam juntos

    permitir, com mais eficincia, a reflexo das vivncias sexuais, dos processos socioculturais e

    polticos que nos constituem, bem como da contribuio de meninos e meninas, homens e

    mulheres na superao das violncias, dos comportamentos de coero, da manipulao afetiva,

    das vulnerabilidades que facilitam a gravidez adolescente e a infeco ao HIV, HPV, etc.

    Fonte: SANTA CATARINA, 2014, p. 61.

    Nesse sentido, cabe ressaltar que uma estrutura curricular que se volta para a necessidade do

    sujeito, em uma concepo integradora dos saberes, refletir tambm em prticas mais

    significativas. Pense nisso!

    Atividade de Estudos:

    1) A partir de seus estudos, fale sobre a relao existente entre a concepo curricular da Escola da

    Ponte e a Proposta Curricular de Santa Catarina?

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  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    31

    CONSIDERAES FINAIS

    Ao longo deste estudo, discutimos a influncia dos paradigmas educacionais e das teorias do

    currculo para a construo de uma estrutura curricular. As novas concepes de educao

    sustentadas na Proposta Curricular de Santa Catarina, em consonncia com as polticas pblicas de

    currculo, valorizam uma educao dos saberes integrados, com respeito diversidade no espao

    escolar.

    Considerando o novo paradigma educacional discutido por diversos autores, a atualizao

    da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina visa atender os desafios de uma sociedade

    diversa e plural, na perspectiva de formao integral, referenciada numa concepo

    multidimensional de sujeito. Diante disso, elencar aes que permitem uma prtica mais

    humanizada, pode contribuir para um salto na qualidade do ensino.

    Seus estudos no encerram por aqui, pois as constantes mudanas que ocorrem na sociedade

    incitam sempre a necessidade de novos conhecimentos. Desejamos que a busca por novos saberes,

    conforme Moraes (2010) seja numa dana ininterrupta entre a teoria e prtica, embaladas em

    diferentes ritmos de ideias, pensamentos e aes, entre o sentir, o pensar, o agir e o refletir,

    apresentando uma bela sinfonia, que a educao.

  • Caderno de Estudos: Estruturas Curriculares Inter e Transdisciplinaridade

    32

    REFERNCIAS

    DUARTE JR, Joo Francisco. O sentido dos sentidos: a educao (do) sensvel. 5. ed. Curitiba:

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    _____. Pedagogia do Oprimido. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005.

    _____. A importncia do ato de ler: em trs artigos que se completam. 48.ed. So Paulo: Cortez,

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    LIBNEO, Jos Carlos. Educao escolar: polticas, estrutura e organizao. 7 ed. So Paulo:

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    MORAES, Maria. Cndida. O paradigma educacional emergente. Campinas, SP: Papirus, 2010.

    NEITZEL, Adair de Aguiar; CARVALHO, Carla. Convite arte: a fruio como saber sensvel

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    Adair de Aguiar. (Orgs.). Cultura, escola e educao criadora: Formao esttica do ser humano.

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    PACHECO, Jos. Escola da Ponte: Formao e Transformao da Educao. So Paulo: Vozes,

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    PARO, Henrique Victor. O currculo do ensino fundamental como tema de poltica pblica: a

    cultura como contedo central. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.

    RAMOS , Maria de Lourdes Lpo.. Educacao e Currculo: as polticas pblicas educacionais nos

    anos 90. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2015.

    SACRISTN, Jos Gimeno. O Currculo: uma reflexo sobre a prtica. 3 ed. Porto alegre:

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    SANTA CATARINA. Proposta Curricular de Santa Catarina 2014. Disponvel em:

    Acesso em: 1

    maio 2015.

    _______________. Proposta Curricular de Santa Catarina 2005. Disponvel em:

    .Acesso em: 5 maio 2015.

    OFFIAL, Patrcia Cesrio Pereira. Formao de leitores do literrio: uma experincia na escola

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    Universidade do Vale do Itaja. Itaja: UNIVALI, 2012.

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    VARELA, Bartolomeu Lopes. Concepes, Prxis e Tendncias de Desenvolvimento Curricular

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    Cabo Verde. Tese de Doutorado. Universidade do Minho Instituto de Educao. 2011. Disponvel

    em:. Acesso em:3 maio 2015.