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II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
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Estudo 2.
Análise exploratória de concepções e crenças pessoais sobre
dificuldades de aprendizagem.
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Estudo 2. Análise exploratória de concepções e crenças pessoais sobre
dificuldades de aprendizagem.
O segundo estudo foi desenvolvido como um trabalho exploratório sobre
concepções e crenças de senso comum, associadas às dificuldades de aprendizagem.
Trata-se de um estudo descritivo com o objectivo de identificar e descrever o modo
como sujeitos leigos, alunos de diferentes graus de ensino ainda sem formação
específica neste domínio da Psicologia Educacional, concebem e definem a noção de
“dificuldade de aprendizagem”. Foi concebido de acordo com os princípios e
pressupostos da investigação qualitativa e da investigação em acção.
A necessidade e a motivação para este estudo surgiram a partir de duas áreas
distintas: a prática clínica e a docência universitária.
Na prática clínica, a avaliação e sobretudo a intervenção psicológica junto de
alunos com dificuldades de aprendizagem, colocam o psicólogo na necessidade de
conhecer melhor o modo como os alunos pensam acerca dos seus próprios problemas de
aprendizagem (Furnham, 1984; Furnham & Henley, 1988). Para promover uma
modificação conceptual e ajudar a ultrapassar dificuldades, é necessário identificar
algumas das suas cognições disfuncionais presentes em cada aluno, cognições que
muitas vezes se baseiam em pressupostos, convicções e crenças erróneas. São noções
tácitas, intuitivas ou apreendidas no meio sócio-familiar e escolar, noções de senso
comum difundidas na comunidade, muitas vezes sem fundamento nem correspondência
na informação científica disponível sobre o tema (Furnham, 1992; Paz & Riveiro,
1996). Mas que, mesmo assim, podem influenciar e às vezes de forma determinante, o
comportamento do alunos e dos agentes educativos que o rodeiam.
Na docência em contexto universitário, a formação de futuros professores, de
futuros psicólogos ou de licenciados em ciências da educação, de médicos e de outros
técnicos em saúde escolar, bem como a formação contínua de professores em exercício,
coloca ao formador inúmeras questões e desafios. Constata-se que os alunos e
profissionais em formação manifestam, eles próprios, muitas dificuldades na
aprendizagem de conceitos científicos nucleares. Tais dificuldades podem decorrer da
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necessidade de integração dos conteúdos e processos em aprendizagem, nos seus
próprios quadros conceptuais. Nos cursos, os formandos são colocados perante uma
abordagem científica a conceitos que cada um deles já conhecia de uma forma intuitiva.
São confrontados com uma perspectiva diferente sobre coisas e processos que julgavam
familiares. Alguns desses conceitos são frequentemente referidos numa linguagem
comum, de forma coloquial e de acordo com uma perspectiva de “bom senso”. Outros
terão sido alvo de cursos e formações anteriores onde podem ter sido expostos de forma
diferente. De uma forma ou de outra, observam-se frequentemente resistências na
modificação das perspectivas pessoais anteriores, confrontam-se teorias de senso
comum e teorias científicas. Nesse debate e pela análise da argumentação utilizada,
podem inferir-se teorias, pressupostos e convicções pessoais. Por vezes, podem
reconhecer-se teorias pessoais empíricas, desenvolvidas com base na experiência de
vida, casos isolados, preconceitos ou valores culturais, muitas vezes sem fundamento
científico e associadas a crenças epistemológicas desadaptadas1.
As perspectivas e crenças pessoais que cada aluno traz consigo no início de cada
curso revelam-se, por vezes, de uma enorme resistência. Podem persistir durante a
formação e dificultar a aprendizagem, ou podem permanecer inertes e ocultas, mesmo
sob excelentes desempenhos e óptimos resultados. A investigação tem demonstrado
que as crenças e concepções pessoais prévias, mesmo que de carácter intuitivo e
experiencial, mesmo que sem fundamento teórico nos modelos estudados e
adequadamente aprendidos, podem mesmo assim persistir (Lonka, Joram & Brysom,
1996; Pintrich, Marx & Boyle, 1993; Poplin, 1988a). Depois dos cursos de formação,
apesar da formação, essas concepções e crenças prévias tendem, de novo, a determinar
as práticas e as reflexões pessoais dos profissionais em exercício.
Na prática clínica ou na docência, o ensino ou a modificação de crenças e
pressupostos pessoais podem beneficiar de um conhecimento mais profundo e detalhado
sobre teorias de senso comum. Compreender o ponto de vista ingénuo de quem aborda
(ou é abordado por) uma perspectiva científica pode ser um factor determinante dos
resultados, determinante do impacto final obtido.
1 A noção de desadaptação corresponde neste caso a um desfasamento entre os pressupostos
epistemológicos subjacentes aos modelos em estudo e a perspectiva pessoal do aluno.
Por exemplo, um aluno tende a sentir dificuldades se estuda a aprendizagem numa perspectiva
construtivista, baseado em pressupostos de natureza positivista.
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Os dados recolhidos e analisados neste estudo foram obtidos no âmbito de cursos
e acções de formação contínua para professores em exercício, ministrados na Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (programa FOCO),
e no contexto da disciplina de Psicologia da Educação, inserida no currículo de
formação inicial de professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
Ramo Educacional. Os alunos deste curso, são na maioria dos casos inexperientes e
sem qualquer prática pedagógica. Conhecem a realidade escolar enquanto alunos, mas
nunca ou quase nunca estiveram no lugar do professor. Muitos nem desejam vir a
exercer a profissão. Mesmo aqueles que estão decididos e motivados para o ensino,
desconhecem, não compreendem e nunca sentiram a maior parte dos problemas que
surgem na função, na carreira ou na vida de um professor.
Em ambos os casos, formação inicial ou formação contínua, as questões abertas
surgiram inicialmente sob a forma de exercícios de auto-observação e de reflexão
pessoal. Antecederam e serviram de enquadramento ao estudo de alguns modelos de
aprendizagem, nomeadamente numa perspectiva cognitivo-construtivista. Foram
colocadas por escrito a cada um dos alunos no contexto de uma das aulas ou sessões de
formação. Foram apresentados como exercícios preparatórios, com uma dupla
utilidade:
a) ajudar o formador (docente) na preparação das aulas seguintes com base num
conhecimento mais preciso da perspectiva de cada aluno/formando;
b) ajudar cada aluno/formando a tomar consciência do seu próprio ponto de
vista, facilitando assim a apreensão de novos conhecimentos e uma tomada de
posição crítica perante os modelos em estudo no curso.
Pediu-se a cada aluno/formando que respondesse de forma espontânea e tão
genuína quanto possível, procurando traduzir por escrito as suas próprias convicções, a
sua própria maneira de pensar naquele momento. Os alunos/formandos responderam de
forma livre e manuscrita, usando para isso todo o tempo de que necessitaram. Nalguns
casos utilizaram apenas alguns minutos, noutros alongaram-se muito mais. A todos foi
permitido o seu próprio ritmo e tempo de reflexão.
O conjunto de questões abertas foi inicialmente formulado tendo por base estudos
anteriores sobre o contributo da formação inicial na modificação da concepção de
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aprendizagem de grupos alunos em situação equivalente à que foi descrita para este
estudo (e.g. Berry & Sahlberg, 1996; Lonka, Joram & Brysom, 1996). Estas questões
foram traduzidas e aplicadas de forma similar a uma pequena amostra de alunos
Psicologia Educacional do Ramo Educacional do Curso de História da Faculdade de
Letras de Lisboa, tendo sido acrescentadas algumas questões específicas quanto ao
conceito de “dificuldade de aprendizagem” (ver Anexo VI).
Uma análise da extensão, redundância e extrema morosidade das respostas
obtidas sugeriu a necessidade de uma redução posterior para um menor conjunto de
questões, que se consideraram mais relevantes para a determinação de concepções
pessoais sobre o conceito de “dificuldade de aprendizagem”2.
A manutenção de outras três questões complementares de conteúdo diferente (“eu
penso que aprender é…”; “porque é que algumas pessoas aprendem melhor do que as
outras?” e “o que é necessário para que um aluno consiga ultrapassar as suas
dificuldades?”) teve como objectivo uma melhor caracterização da perspectiva pessoal
de cada sujeito e uma tentativa de cruzamento de respostas. Verificou-se, além disso,
que ao longo das respostas, apresentadas sempre pela mesma ordem, os alunos iam
desenvolvendo um fio de pensamento único e sem fronteiras estanques. Estas quatro
questões conduzem o aluno num percurso de reflexão, que vai convergindo para
aspectos mais específicos, com efeitos formativos e em consonância com os objectivos
deste estudo.
Posteriormente, numa fase mais adiantada de cada curso, todos alunos e
professores em formação foram convidados a reproduzir estes exercícios de auto-
observação de concepções pessoais junto dos seus próprios alunos. Procederam de
forma isomorfa, replicando as perguntas que lhes tinham sido colocadas em turmas
regulares do Ensino Básico ou Secundário.
Os professores em exercício foram convidados a inseri-los em algumas das suas
turmas, em actividades normalmente desenvolvidas no âmbito da sua própria disciplina.
Os alunos em formação inicial, tiveram oportunidade de os ensaiar em deslocações
pontuais a turmas de outros professores. Em todos os casos, constituíram um exercício
prático de observação, análise e classificação da reacção dos alunos e das respostas por
eles produzidas.
2 “Se tivesse que explicar a alguém o que é uma dificuldade de aprendizagem, o que diria?”
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No entanto, de acordo com os princípios da investigação em acção, não houve
nestas aplicações a preocupação de padronizar excessivamente nem os procedimentos
nem o conteúdo específico das questões. Foram ensaiadas formulações ligeiramente
diferentes, nomeadamente em função do nível escolar dos alunos alvo. Além disso, a
todos os formandos foi dada a oportunidade de reflectir sobre a própria estrutura dos
exercícios e de os moldar, em função das características específicas de cada aplicação.
As aplicações em turmas do Ensino Básico e Secundário antecederam
normalmente actividades para o desenvolvimento de hábitos e métodos de estudo mais
eficazes. Desta forma, todos os procedimentos de recolha de dados foram estruturados
de forma a servir não só os objectivos do estudo mas, sobretudo, objectivos pedagógicos
de formação, formação teórica e formação pessoal de todos os participantes, alunos ou
professores (enquanto alunos ou enquanto professores). Em todos os casos, os
procedimentos desenvolvidos incentivaram à tomada de consciência e à mudança
conceptual, condições que favorecem um ensino e uma aprendizagem de qualidade (e.g.
Biggs, 2001)3.
Como se descreveu, todas as questões abertas foram originalmente colocadas por
escrito, solicitando-se a cada aluno ou formando que respondesse de uma forma muito
pessoal, que procurasse reflectir e definir o melhor possível a sua própria opinião sobre
cada tema. Por isso, as respostas nunca foram identificadas a não ser por códigos
aleatórios só reconhecidos pelos próprios alunos, e apenas nos casos em que isso se
revelou necessário para alguns procedimentos de investigação ou de formação. Nalguns
grupos, estas questões foram além disso, integradas em protocolos mais amplos, para
entrevistas individuais que os formandos utilizaram em estudos de caso.
A generalidade dos alunos inquiridos não se recordava de ter encontrado ou
respondido a questões idênticas, o que em si mesmo é um dado interessante. Parece
que é possível frequentar a escola, percorrer quase todo o sistema educativo, e, ano após
ano, nunca ser confrontado com questões que façam apelo a uma reflexão pessoal sobre
o conceito de aprendizagem (“Eu penso que aprender é...”), sobre diferenças
3 “Quality teaching transforms students’ perceptions of their world, and the way they go about
applying their knowledge to real world problems; it also transforms teachers’ conceptions of the role as
teacher, and the culture of the institution itself” (ob. cit. p.222)
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individuais na aprendizagem (“Em sua opinião, porque é que algumas pessoas
aprendem melhor do que outras?”), sobre estratégias pessoais de confronto com
dificuldades (“o que é necessário para que um aluno consiga ultrapassar as suas
dificuldades de aprendizagem?”). E no entanto, ajudar os alunos a reflectir sobre as
suas próprias experiências de aprendizagem e a tomar consciência de alguns dos
processos psicológicos nucleares na aprendizagem escolar, pode favorecer o
desenvolvimento da capacidade de auto-regulação e preparar o confronto com
dificuldades (e.g. Gibbs, 1981).
Dada a natureza do trabalho desenvolvido, no espírito da investigação em acção,
no respeito pelas necessidades de cada grupo e indivíduo em formação, os dados que
aqui se analisam não foram recolhidos de forma homogénea, representativa ou
padronizada.
Na totalidade, foram recolhidas para análise exploratória, respostas provenientes
de 200 alunos do Ensino Básico e Secundário, entre o 6º e o 12ºano, de várias turmas e
escolas na área da Grande Lisboa e Santarém; provenientes de 154 estudantes do Ensino
Universitário a concluir as respectivas licenciaturas na Faculdade de Letras e na
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa;
provenientes de 67 recém-licenciados e licenciados a exercer na área da educação a
frequentar cursos de pós-graduação em Psicoterapia e Aconselhamento Educacional e
em Saúde Escolar (mestrado ministrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de
Lisboa); e provenientes de 30 professores em formação contínua (Programa Foco,
DUECE de Formação Pessoal e Social da Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa) provenientes de quase todas as disciplinas e
grupos. De entre os estudantes universitários, 60 eram provenientes do Curso de
História e 52 de diferentes variantes do Curso de Línguas e Literaturas Modernas da
Faculdade de Letras; 28 estavam a terminar a Licenciatura em Ciências da Educação e
14, a licenciatura de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.
Todas estas respostas reflectem diferentes percursos e experiências de formação,
e disso deram testemunho no próprio contexto em que foram obtidas. Serviram e foram
analisadas pelos próprios ou por outros directamente interessados e envolvidos em cada
situação. A inclusão posterior de alguns dos dados recolhidos neste estudo, permite
uma outra leitura, mais distante e impessoal, mais abrangente e abstracta. Traduziu-se
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num esforço de selecção, análise e síntese de carácter exploratório, tendo em vista o
desenvolvimento de trabalhos posteriores.
Neste sentido, procedeu-se à transcrição de todas as respostas obtidas para um
programa de processamento de texto (Word) e a diversos procedimentos de análise de
conteúdo em winMax (versão 98pro). Dado tratar-se de um programa especificamente
preparado para a análise qualitativa de questões abertas, os procedimentos de análise
desenvolvidos seguiram as orientações propostas pelo autor (Kuckartz, 1998).
Todas as respostas transcritas foram lidas e relidas, analisadas texto a texto, para
uma primeira extracção de excertos (unidades) e determinação de um conjunto de
categorias que desse conta da diversidade e amplitude de perspectivas observadas nesta
amostra. O programa permite a selecção de unidades de análise com diferentes
dimensões e características. As unidades seleccionadas podem sobrepôr-se parcial ou
totalmente e podem ser integradas em uma ou mais categorias, com total flexibilidade.
As categorias podem ir sendo agrupadas e reagrupadas, apagadas ou movidas, sendo
possível ensaiar sucessivas designações e diferentes esquemas de classificação, paralela
ou hierárquica. Nesta fase preparatória, a autora e um outro juiz independente,
seleccionaram excertos de conteúdo relevante4, que forem sendo integradas em uma ou
mais categorias, consoante o seu grau de especificidade ou complexidade. Esta análise
prévia foi sucessivamente reavaliada e revista até à obtenção de uma maior precisão de
critérios e até à formulação de um esquema hierárquico de categorias que permitisse
sintetizar e descrever de forma clara toda a variedade de respostas analisadas. Para este
efeito, o programa produz listagens de todas as unidades integradas numa mesma
categoria. Este procedimento permite a verificação de critérios e uma análise comparada
de excertos. Podem efectuar-se sucessivas revisões, confrontar excertos e definir de
forma cada vez mais precisa, qual ou quais as categorias que melhor sintetizam cada
testemunho. Além disso, todos os textos podem ser relidos por um mesmo juiz (ou por
diferentes juízes) mantendo ocultas as classificações anteriores (replicação da
classificação como indicador validade e precisão do sistema). As unidades que em cada
revisão se encontrem mal posicionadas, podem ser movidas e reintegradas noutras
categorias sem dificuldade.
4 Consideraram-se relevantes todos os excertos que, respondendo à questão, permitissem
esclarecer o ponto de vista pessoal do próprio sujeito.
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Deste modo, todas as unidades foram sucessivamente classificadas e agrupadas
num único esquema de classificação múltipla, repetidamente revisto e reavaliado, até à
determinação de um conjunto de categorias descritivo da diversidade das respostas.
Pretendeu-se neste processo, a construção de um sistema de classificação cada vez mais
representativo, coerente e preciso5 (Mertens, 1998).
Procurou-se uma tipologia de concepções pessoais sobre a noção de “dificuldade
de aprendizagem”, tipologia que permitisse descrever a variedade de perspectivas
observadas, informando sobre as diferenças mais significativas entre elas, organizando-
as depois em categorias mais amplas que facilitassem a compreensão e a preparação de
estudos posteriores. O objectivo foi, em última análise, determinar diferentes modos de
pensar e conceber intuitivamente a noção de “dificuldade de aprendizagem”,
caracterizando cada um desses modos na sua diversidade, organizando-os e integrando-
os depois num único modelo compreensivo.
Uma leitura atenta das centenas de respostas obtidas e de algumas dezenas de
entrevistas permite concluir que se trata efectivamente de um conjunto de questões a
que a generalidade dos sujeitos responde. Referem-se a conceitos familiares, usados no
dia a dia, de forma coloquial, quase banal. Correspondem a experiências pessoais ou
partilhadas com outros colegas de escola. Os exemplos são frequentes e as respostas são
frequentemente ilustradas com casos particulares. A percentagem de sujeitos que não
responde é muito baixa (inferior a 3%), inferior ao que seria de esperar dadas as
múltiplas dificuldades técnicas e científicas que a questão encerra. Mas para os
inquiridos, numa perspectiva de senso comum, estas são questões simultaneamente
familiares e estranhas, acessíveis e inacessíveis, simples e inesperadamente complexas.
Muitas respostas são curtas e directas, específicas e objectivas. Mas muitas outras
parecem desconexas, num emaranhado de ideias interpostas, confusas e sem um fio
condutor, como se em busca de um sentido e de uma forma de explicar melhor.
Nalguns casos, os sujeitos fogem à questão, enunciando tipos de dificuldades ou
sugerindo causas e justificações. Para os que parecem dominar a informação técnica
(psicólogos recém-licenciados, por exemplo) é frequente o recurso a uma linguagem
formal e demasiado académica, que dificulta muito a compreensão do ponto de vista
pessoal dos próprios inquiridos.
5 Na fase final, observou-se um índice de acordo entre juízes de 83% (Gonçalves, 1997).
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Embora todas estas respostas tenham sido lidas e cuidadosamente avaliadas, a
análise que se segue procurou especificamente delimitar concepções e identificar
algumas asserções pessoais sobre as dificuldades.
Tal como sucede ao nível da investigação científica neste domínio, também neste
caso foi possível observar uma enorme diversidade de concepções. Ao longo de
centenas de respostas vão sendo definidas as mais variadas posições e perspectivas,
considerando diferentes critérios e múltiplos pontos de vista: momento de ocorrência,
áreas curriculares afectadas, frequência e persistência dos problemas, causas e
responsabilidades. A maioria centra-se apenas num ou noutro destes aspectos,
definindo-o tão especificamente quanto possível. No entanto, alguns sujeitos procuram
uma abordagem mais exaustiva e sistémica. Enumeram hipóteses e exploram
alternativas, procuram tipos e explicações múltiplas. Estão conscientes de que se trata
de um conceito plural e na polissemia muitas vezes perdem unidade e coerência. Nesse
caso, são levados a constatar a complexidade do conceito, mas também o seu próprio
desconhecimento e múltiplas falhas de informação. São respostas de análise e
classificação difíceis, onde a quantidade de informação dificulta o acesso ao significado
pessoal para o próprio sujeito6
Deste modo, uma primeira análise exploratória deu origem a mais de meia
centena de categorias e subcategorias. O que agora se relata é o resultado de múltiplas
análises subsequentes, na procura de um sistema de classificação que reduzisse essa
multiplicidade de perspectivas apenas a alguns denominadores comuns.
6 De forma similar poderíamos imaginar alguém que enunciando os mais variados tipos de
alergia e de causas na origem de sintomas alérgicos, mesmo com rigor, amplitude de vocabulário e bons
conhecimentos sobre a matéria, não chegasse nunca a explicar o modo como concebe o fenómeno
alérgico em si mesmo.
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Perspectivas e concepções pessoais identificadas.
Pela análise do conjunto de respostas e testemunhos pessoais foi possível
identificar essencialmente quatro formas de abordar o conceito de “dificuldades de
aprendizagem”. Constituem-se como quatro perspectivas diferentes, quatro diferentes
pontos de vista, em função do foco privilegiado por cada uma.
Numa perspectiva disfuncional, a dificuldade é concebida como uma
característica estrutural do próprio aluno, um problema ou uma limitação de carácter
permanente ou relativamente imutável.
Numa perspectiva processual, o aluno continua a ser o principal foco de
análise. Mas neste caso, a dificuldade não é vista como uma característica pessoal,
antes como algo que se interpõe ou interfere no processo de aprendizagem, impedindo o
aluno de alcançar os resultados que de outro modo poderia obter.
Numa perspectiva interdependente, as dificuldades definem-se já não em
função das características particulares do aluno ou da forma como se processa a sua
aprendizagem, antes como algo que depende da interacção de cada aluno com a sua
situação ou contexto de aprendizagem.
Quadro 1.
Perspectivas conceptuais identificadas
1. Perspectiva disfuncional – centrada no aluno.
2. Perspectiva processual – centrada no processo de aprendizagem.
3. Perspectiva interdependente – centrada na interacção entre o
processo de aprendizagem do aluno e a situação ou contexto de
aprendizagem.
4. Perspectiva funcional – centrada no resultado a que a dificuldade dá
(ou pode dar) origem, no contexto do processo de aprendizagem ou no
contexto da própria vida.
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Neste caso, a dificuldade é descrita em função de pelo menos duas ordens de
variáveis (pessoais e situacionais). O processo de aprendizagem do aluno influencia e é
influenciado pelo contexto de aprendizagem. Passa-se de uma perspectiva de
causalidade linear para um determinismo recíproco. A dificuldade caracteriza não tanto
o aluno em si mesmo, antes a forma como ele se integra, interage e se adapta (ou não) a
uma situação de aprendizagem específica.
Numa perspectiva funcional, as dificuldades são concebidas não tanto como
algo que caracteriza algumas interacções aluno-aprendizagem ou aluno-contexto, antes
como uma característica natural do próprio processo de aprendizagem. Nesta
perspectiva considera-se que as dificuldades são comuns, frequentes, normais ou
mesmo necessárias. São a regra e não a excepção. Podem ocorrer em qualquer
circunstância ou a qualquer pessoa. São inerentes à aprendizagem como são inerentes à
vida. Contribuem (ou podem contribuir) para a descoberta, para o desenvolvimento
pessoal, para a realização de novas ou melhores aprendizagens.
Cada uma destas perspectivas pode ainda ser subdividida em diferentes
concepções (Quadro 2.), tal como em seguida se descreve e ilustra.
1.
2. Perspectiva disfuncional – concepção de d.a. c
a. Deficiência
b. Patologia
3. Perspectiva processual – concepção de d.a. como:
a. Bloqueio ou Obstáculo
b. Insuficiência
c. Interferência
4. Perspectiva interdependente – concepção de d.a. como:
a. Desadaptação
b. Diferença ou discrepância
5. Perspectiva funcional – concepção de d.a. como:
a. Inerente à aprendizagem e/ou à vida
b. Desafio ou oportunidade
Quadro 2.
Concepções de dificuldade de aprendizagem associadas a cada perspectiva
1. Perspectiva disfuncional – concepção de D.A. como
a. Deficiência
b. Patologia
2. Perspectiva processual – concepção de D.A. como:
a. Impedimento ou Obstáculo
b. Insuficiência
c. Interferência
3. Perspectiva interdependente – concepção de D.A. como:
a. Desadaptação
b. Diferença ou discrepância
4. Perspectiva funcional – concepção de D.A. como:
a. Inerente à aprendizagem e/ou à vida
b. Desafio ou oportunidade
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1. Perspectiva disfuncional
As unidades de resposta7 que se inserem nesta perspectiva referem
explicitamente a existência de uma patologia ou deficiência, física e/ou mental.
Uma dificuldade de aprendizagem pode ser concebida como especificamente
determinada por uma perturbação ou por um atraso de desenvolvimento. Ou pode ser
encarada como uma consequência de todos os problemas e limitações que daí decorrem.
Mas, basicamente, uma dificuldade de aprendizagem surge porque existe uma
doença ou uma deficiência, ou simplesmente porque algo não funciona bem...
“Normalmente, penso que uma dificuldade de aprendizagem, resulta fundamentalmente do desenrolar do desenvolvimento da nossa capacidade intelectual, que tem vários itens fundamentais, tais como a linguagem, raciocínio lógico, concentração e atenção, que podem funcionar mal e provocar dificuldades na aprendizagem”
(TEXT: univ.H1-4)
Além disso, nesta perspectiva, a disfunção é descrita como anterior à actual
situação de aprendizagem. Pode decorrer de problemas vários, de saúde mental ou
física, por razões genéticas ou factores traumáticos.
“...muitas vezes existem factores genéticos, não visíveis, que são causa de dispersão, ou até mesmo, de concentração de alguns, por tal facto devemos alertar as pessoas para consultarem um médico e não chamarem "nomes" a esta falta de concentração.”
(TEXT: univ.L24)
7 Cada unidade corresponde a um excerto de texto de dimensão muito variável, incluindo apenas
um ou dois sintagmas, uma frase completa ou mesmo várias frases. Correspondem a unidades de
significado representativas de cada uma das ideias expostas no texto, de forma a poderem ser lidas per si
sem adulterar o sentido original. Isto é, correspondem a excertos seleccionados e categorizados para a
análise de conteúdo, de acordo com três princípios básicos: parcimónia (sempre que uma ideia surge no
texto original de forma repetida e redundante, selecciona-se o excerto mais claro e conciso),
representatividade (o conjunto de unidades de resposta retiradas de um texto deve constituir uma
amostra representativa da diversidade de ideias ou concepções expostas no texto, mesmo se contraditórias
entre si), e validade de conteúdo (cada excerto deve ser extraído de forma a realçar, sem alterar, o
sentido original do texto).
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Considera-se que o problema tem origem muito antes do aparecimento das
primeiras dificuldades e que pode até nunca ser ultrapassado. É estrutural, uma
característica do próprio aluno que tende a resistir mesmo aos melhores esforços de
estimulação ou tratamento.
“...podem também ser de natureza biológica e mental, impedindo que o indivíduo progrida além de um determinado e condicionante estádio de desenvolvimento, ocasionado por deformações psicomotoras.”
(TEXT: univ.H1-24)
Nalguns casos, referem-se casos específicos, histórias reais, que ilustram esta
perspectiva:
“Apenas me consigo lembrar de uma amiga muito querida que tinha de facto dificuldade de aprendizagem. Penso que se trata sobretudo, de um problema a nível físico. Lembro-me do esforço que ela fazia, e de todas as pessoas que a tentavam ajudar, obtendo-se um resultado positivo mas apenas a longo prazo.”
TEXT: univ.L35 Se além disso considerarmos as expectativas quanto à evolução do problema, as
concepções inseridas nesta perspectiva podem ser colocadas ao longo de um contínuo
entre:
• um pólo mais negativo e estático (quando se afirma a impossibilidade de
ultrapassar o problema e se sugere uma aceitação passiva) e...
• um pólo mais positivo e adaptativo (quando se refere a possibilidade, a
necessidade de tentar, mesmo com muito esforço, quando se refere a
necessidade de um confronto pessoal com o problema, no sentido de o
contornar ou minorar).
Em síntese, nesta primeira perspectiva conceptual, as dificuldades de
aprendizagem são definidas ou relacionadas com um “mau funcionamento” intrínseco
ao aluno. Se um aluno “tem” dificuldades de aprendizagem, é porque algo não está bem
com ele. Os testemunhos podem referir tanto a noção de deficiência como a de
distúrbio, patologia ou perturbação. Mas, de uma forma mais específica, é possível
distinguir entre duas concepções: deficiência e patologia.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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1. a) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Deficiência
Numa perspectiva disfuncional, a concepção de dificuldade de aprendizagem
como deficiência pressupõe a existência de défices ou atrasos de desenvolvimento, de
limites ou limitações específicas em competências básicas. A existência dessas
deficiências impede o aluno de realizar um processo de aprendizagem dito “normal”.
No fundo, as dificuldades ocorrem porque os processos envolvidos na compreensão e na
aprendizagem são deficitários. O aluno pode ter nascido já com esses défices, mesmo
quando os sinais de dificuldade se manifestam muito mais tarde, ao longo do
desenvolvimento, no confronto com as exigências escolares. De qualquer modo, se um
aluno revela dificuldades na aprendizagem, algumas pessoas supõem sempre a
existência de elementos deficitários, estruturas ou aptidões limitadas ou em falta.
“Acho que certos alunos não conseguem ultrapassar certas dificuldades por terem problemas (deficiências) inatas de aprendizagem.”
(TEXT: univ.CE12)
Nos testemunhos analisados, a noção de dificuldade de aprendizagem pode
surgir associada tanto a uma noção de deficiência mental como física. Por exemplo,
uma aluna referiu a possibilidade de...
“uma dificuldade de aprendizagem poder advir de limitações/deficiências em termos mentais ou motores”
TEXT: univ.CE26
“Talvez que se trate de um pensamento pouco desenvolvido e limitado.” (TEXT: univ.L3)
... por “incapacidade intelectual de quem aprende.” (TEXT: univ.H1-15)
Em síntese, para algumas pessoas as dificuldades de aprendizagem parecem
decorrer de uma capacidade mental limitada (e limitadora). Nesta perspectiva, o aluno
tem dificuldades e não aprende mais porque não está ao seu alcance, porque não é capaz
ou não desenvolveu os meios necessários...
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
189
1. b) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Patologia
Numa perspectiva disfuncional, as dificuldades de aprendizagem podem também
ser concebidas como perturbações, problemas ou patologias de foro mental ou físico.
Uma concepção de dificuldade de aprendizagem como patologia, pressupõe a
existência de um qualquer distúrbio no aluno.
“...identifico as dificuldades de aprendizagem no campo dos problemas físicos ou quando há de facto perturbações como por exemplo uma criança disléxica.”
(TEXT: univ.CE20)
“Outras vezes, trata-se mesmo de um problema mental de qualquer indivíduo que terá de seguir o seu percurso escolar num determinado ciclo educacional orientado para esse tipo de casos.”
(TEXT: univ.H1-16)
“A dificuldade de aprendizagem talvez seja, como que um "bloqueio" na própria pessoa (o aprendiz) que se pode apresentar de diversas maneiras.”
(TEXT: univ.H98-11)
Em muitos casos, não existe uma distinção clara entre perturbações ao nível da
saúde física, mental ou psíquica.
“Diria que essa pessoa deveria ter alguma dificuldade de saúde, como por exemplo, visual, temperamental (tipo dificuldade de concentração, dispersão, desmotivação).”
(TEXT: univ.L10)
Por vezes, é referida a necessidade de uma intervenção ou tratamento, que
corrija o mau funcionamento na origem da dificuldade.
“Algures, "na caixa negra" determinado processo ou operação não se estava a
desenrolar como era suposto e era necessário avaliar, recorrendo a instrumentos ou a procedimentos, o que, exactamente, não estava bem para se tentar corrigir."
(TEXT: univ.PSA1)
Em síntese, numa perspectiva disfuncional, as dificuldades de aprendizagem
também podem ser concebidas como alterações patológicas, distúrbios ou desvios em
relação a um funcionamento físico e psíquico dito “normal”.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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190
2. Perspectiva processual
As unidades inseridas nesta perspectiva referem de forma mais ou menos
explícita, a existência de interferências, impedimentos ou insuficiências que podem
afectar o decurso “normal” de um processo de aprendizagem.
Nesta perspectiva, uma dificuldade de aprendizagem é concebida como uma
alteração processual. As dificuldades são descritas como situações, mais ou menos
específicas, em que o processo de aprendizagem é interrompido ou perturbado, perde
fluência ou sofre um bloqueio.
Em situação de aprendizagem, confrontado com tarefas curriculares específicas,
o aluno sente que alguma coisa falha ou que algo o impede de progredir. O percurso de
aprendizagem torna-se mais lento, mais difícil e menos eficaz do que seria de esperar.
“Dificuldade de aprendizagem é uma falha num determinado ponto do processo. Isto é, a aprendizagem não é um momento, é todo um processo onde estão integradas as mais variadas condições e onde se existir uma falha, poderá subverter todo o processo.”
(TEXT: univ.CE19)
“A aprendizagem é um processo com muitas variáveis, e por isso, complexo. Se alguma dessas variáveis falha, geralmente, surgem "dificuldades de aprendizagem".”
(TEXT: univ.H98-2)
A generalidade dos testemunhos inseridos nesta perspectiva elabora no
pressuposto de uma “normalidade” ou “naturalidade” processual. Quando se aprende,
parece haver uma expectativa de fluência ou facilidade8.
8 Esta expectativa pode talvez encontrar correspondência na asserção “Os estudantes bem
sucedidos compreendem as coisas rapidamente” (item 10) como em outros itens do Questionário
Epistemológico (nomeadamente os itens inseridos no factor “rapidez e facilidade de aquisição do
conhecimento”, factor 3, na versão em língua portuguesa para estudantes universitários). Numa
perspectiva oposta, é possível pensar que “Para progredir é preciso trabalhar muito” (item 44, mesmo
factor) ou mesmo que “A aprendizagem é um processo lento de construção de conhecimento”(item 61 do
mesmo Questionário, factor 4, “estabilidade e dependência”, por oposição a integração e
construtivismo).
II. MÉTODO: Estudo 2.
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191
Os testemunhos inseridos nesta perspectiva parecem pressupor que
habitualmente não se esperam dificuldades. Quando as coisas acontecem
“normalmente” o aluno avança sem problemas. Quando as dificuldades de
aprendizagem surgem, são descritas como perturbações (mais ou menos imprevistas)
àquele que é, afinal, o percurso mais comum e esperado9.
“Uma dificuldade de aprendizagem é qualquer perturbação que possa alterar o percurso "natural" do processo de aprendizagem. Tal pode verificar-se sempre que um determinado sujeito, face a um determinado acontecimento, não reaja de forma adequada.”
(TEXT: univ.L11)
“...faz com que um indivíduo não possa aprender algo como, normalmente, os outros indivíduos aprendem.”
(TEXT: univ.CE12)
É de salientar que nesta perspectiva, o conceito de perturbação ou
“anormalidade” surge como característica do percurso de aprendizagem e não do
próprio sujeito. Ao contrário do que sucede na perspectiva disfuncional, neste caso é o
próprio processo de aprendizagem que é descrito como deficiente ou inadequado,
perturbado por múltiplos factores. A dificuldade de aprendizagem não caracteriza o
sujeito de forma intrínseca antes a forma como ele actua ou reage em determinadas
situações, em determinados momentos do processo de aprendizagem.
“Que é um obstáculo à aquisição de mais conhecimentos. Este poderá ser causado por uma deficiente organização do que já se sabe, por ser mal explicado, por cansaço físico e/ou mental, deficiente alimentação, etc.”
(TEXT: univ.L12)
Deste modo, as dificuldades de aprendizagem são definidas como situações mais
ou menos temporárias e específicas, de bloqueio, insuficiência ou intromissão de
factores exteriores.
9 Pode pensar-se como deve ser difícil, para alunos com este tipo de concepção, o conceito de
conflito cognitivo e as decorrentes aplicações no contexto da sala de aula.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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192
“...uma dificuldade de aprendizagem pode ser ilustrada pelo aluno que não
consegue avançar num determinado campo básico da aprendizagem escolar, como seja a leitura, a escrita ou o cálculo.”
(TEXT: univ.CE11)
Podem ser específicas a uma determinada matéria ou domínio curricular ou
podem afectar múltiplas áreas.
“Diria que uma dificuldade de aprendizagem tem a haver com algo que condiciona o ritmo de aprendizagem de uma pessoa, é algo que à primeira vista parece colocar obstáculos ao objectivo proposto, podendo mesmo desmotivar, comprometendo toda a aprendizagem em si.”
(TEXT: univ.H1-6)
Também neste caso, se considerarmos as expectativas quanto à evolução da
dificuldade, os vários testemunhos e as concepções inseridas nesta perspectiva podem
ser colocadas num contínuo entre dois extremos opostos:
• o impedimento ou falha no processo é descrito de forma determinista, como algo
que inevitavelmente vai prejudicar o aluno e os seus resultados.
• o impedimento é descrito de forma relativa, dependente do esforço e da
capacidade de reacção do aluno.
“Uma dificuldade de aprendizagem é algo que impede o aluno de aprender eficazmente.”
(TEXT: univ.L21)
“...dificuldade de aprendizagem é quando no processo de aprendizagem, de progressão cognitiva, se encontram obstáculos, que nos impedem de alcançar os nossos objectivos.”
(TEXT: univ.H1-24)
...ou...
“...talvez possamos dizer que uma dificuldade de aprendizagem seja um obstáculo/problema ao qual não conseguimos dar imediatamente uma resposta e que exija mais esforço para conseguir ultrapassá-lo/resolvê-lo.”
(TEXT: univ.H1-33)
“...uma dificuldade de aprendizagem é querer aprender sobre algo e momentaneamente não o conseguir.”
(TEXT: univ.H1-22)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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193
Ou seja, numa perspectiva processual, a expectativa de resultado perante a
dificuldade pode depender da interacção de três vectores:
• a natureza do impedimento, falha, obstáculo ou interferência
• o tempo requerido para realizar o processo de aprendizagem
• o esforço e o investimento pessoal efectivamente dispendidos
Deste modo, as dificuldades podem ser descritas de forma muito variável, em
função da fluência e da qualidade de aprendizagem, do tempo e do esforço necessários.
Podem surgir como pequenas alterações de ritmo ou falhas temporárias num processo
que o aluno logo recupera. São dificuldades momentâneas, que é possível enfrentar e
ultrapassar. Ou podem ser consideradas como situações mais graves e persistentes, que
impedem o aluno de ir mais longe, de alcançar os seus objectivos. Nesta segunda
acepção um impedimento pode confundir-se com a noção de deficiência ou défice
permanente.
Em síntese, os testemunhos inseridos nesta perspectiva processual, podem
referir simultaneamente a noção de falha ou insuficiência, de obstáculo ou barreira, de
intromissão ou interferência de outros factores. Têm em comum a noção de algo
impede ou “condiciona o processo normal de aquisição de conhecimentos” (TEXT:
univ.CE23)
De uma forma mais específica, é possível distinguir entre três concepções de
“dificuldade de aprendizagem”: a) Impedimento ou obstáculo, quando se descrevem
as dificuldades como interrupções da fluência normal dos processos de aprendizagem;
b) Insuficiência, quando se considera que as dificuldades têm origem em limitações
numa ou noutra área directamente relacionada com o processo de aprendizagem; c)
Interferência, quando se constata que tudo poderia ser diferente se não fosse a
influência nociva de outros factores pessoais ou situacionais.
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194
2. a) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Impedimento ou
Obstáculo
Numa perspectiva processual, as concepções pessoais sobre dificuldades de
aprendizagem aparecem muitas vezes associadas à noção de obstáculo ou barreira.
Uma concepção de “dificuldade de aprendizagem” como impedimento
pressupõe provavelmente a existência de uma outra metáfora sobre a própria
aprendizagem: aprender é um caminho, um percurso. E, nesse percurso, por vezes, “O
aluno não consegue avançar” (TEXT: univ.CE11). O caminho (ou a caminhada)
interrompe(m)-se quando algo bloqueia10 ou impede a “passagem”. O aluno “pára” ou é
forçado a avançar com maior lentidão e esforço. Nesta concepção, as dificuldades de
aprendizagem são descritas como impedimentos de percurso, obstáculos, barreiras ou
bloqueios.
“Uma dificuldade de aprendizagem é sempre um obstáculo que nos impede de alcançar tal ideia ou tal experiência por que ambicionamos.”
(TEXT: univ.L25)
“Uma dificuldade de aprendizagem é uma “barreira" a que determinados conhecimentos sejam interiorizados por determinado indivíduo.”
(TEXT: univ.H1-8)
A noção de que a dificuldade de aprendizagem não decorre de uma deficiência
ou menor capacidade do aluno surge de forma mais explícita neste excerto:
“Uma dificuldade de aprendizagem não torna o aluno burro, ou menos inteligente que os outros, apenas tem dificuldade em ultrapassar um obstáculo...”
(TEXT: univ.H1-23)
Por isso, nesta perspectiva os alunos podem tentar ultrapassar as suas
dificuldades. São obstáculos, muitas vezes descritos como transponíveis, contornáveis,
10 A noção de bloqueio surge aqui no âmbito de uma perspectiva processual. Corresponde a um
impedimento do processo. O bloqueio não é, neste caso, uma característica do aluno. Se o conceito for
usado para referir situações traumáticas ou estados psíquicos do aluno, então esse testemunho deverá ser
inserido na perspectiva disfuncional.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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195
controláveis. São “entraves” (TEXT: univ.L16) que podem ter um efeito desmotivador,
ou barreiras que cada aluno pode aprender a vencer.
“...poderia ser colmatada com esforço pessoal; que os obstáculos são possíveis de se transpôr e que as dificuldades podem ser vencidas: "querer é poder".”
(TEXT: univ.L46)
Os obstáculos ou impedimentos que podem prejudicar o decurso do processo de
aprendizagem são quase sempre descritos como múltiplos e de vários tipos. Alguns dos
testemunhos analisados procuram enunciá-los de forma quase exaustiva.
“O leque de coisas e de factores quer fisiológicos, quer psicológicos quer sociológicos quer antropológicos quer pessoais que levantam dificuldades em relação à aprendizagem é muito vasto.”
(TEXT: univ.H1-13)
“...depende não só de condicionantes sociais e económicas, como de determinantes pessoais, psicológicas, emocionais, familiares e tantas outras.”
(TEXT: univ.H1-26)
“Diria que podia ser algo que impede o correcto desenvolvimento da aprendizagem, desde uma dificuldade de compreensão de um determinado raciocínio, por não conseguir desenvolver ou aplicar o seu raciocínio lógico, por dificuldade mental (deficiência), ou por não ser devidamente estimulado pelo agente orientador do processo de aprendizagem.”
(TEXT: univ.H1-4 )
Em muitos outros testemunhos, não se indica nem a natureza nem a origem (ou
origens) dos referidos “obstáculos” ou “impedimentos” processuais. Esses obstáculos
podem apenas ser descritos em função dos efeitos que geram, por indicação do tipo de
dificuldades a que dão origem. Por exemplo, são referidas com muita frequência,
dificuldades de compreensão, assimilação ou aquisição de novos conhecimentos. Os
factores que efectivamente impedem o normal desenrolar destes processos, podem não
ser indicados de forma específica.
“Diria que embora não tivesse a certeza, achava que era um obstáculo que impede a aquisição de conhecimentos. Seria necessário avaliar que tipo de obstáculo é, e a que nível se manifesta.”
(TEXT: univ.CE16)
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196
“...um obstáculo sentido por alguém (que não tendo nenhuma deficiência aparente) para "assimilar" o que lhe é exterior.”
(TEXT: univ.CE14)
“...obstáculo que impede a aquisição de conhecimentos.” (TEXT: univ.CE16)
Referem-se com frequência obstáculos à aquisição de conhecimentos, à
assimilação e à compreensão. Normalmente não se indica o tipo ou natureza do
obstáculo. Pode pensar-se que a metáfora de “barreira” ou “obstáculo” (que nos
próprios testemunhos é muitas vezes relativizada pela utilização de aspas) descreve
mais uma sensação experimentada perante as dificuldade do que uma convicção. Algo
impede o aluno e o constrange, muitas vezes sem que ninguém (nem o próprio aluno)
consiga saber porquê...
“É algo que não se compreende imediatamente. É um obstáculo que se atravessa no conhecimento, é qualquer coisa de ininteligível.”
(TEXT: univ.H1-21)
As dificuldades podem surgir sem razão ou sem que se conheçam as razões,
independentemente da vontade de quem aprende. Isto é, a motivação para aprender não
evita o aparecimento de obstáculos.
“Diria que é um impedimento, um obstáculo à aquisição regular de determinada competência e/ou conhecimento, independente da vontade daquele que aprende.”
(TEXT: univ.PSIP1)
Em síntese, numa perspectiva processual, as dificuldades de aprendizagem
podem ser concebidas como “muros”, como barreiras que se erguem inesperadamente
no caminho de um aluno. Quando isso sucede, o processo de aprendizagem é impedido
de prosseguir, momentânea ou indefinidamente
II. MÉTODO: Estudo 2.
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2. b) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Insuficiência
Ainda no âmbito da perspectiva processual, a concepção de “dificuldade de
aprendizagem” como insuficiência pressupõe que o processo de aprendizagem é
perturbado por um ou vários factores insuficientemente desenvolvidos ou insuficiente
adquiridos. Neste caso, considera-se que o processo pode ser prejudicado na sua
globalidade por falha ou por falta de aspectos muito específicos, por diminuição ou
insuficiência relativa em determinadas áreas, condições ou aptidões.
Essas lacunas ou falhas que vão ocorrendo ao longo do processo são descritas
em muitos testemunhos como insuficiências:
• em processos cognitivos específicos (assimilação, compreensão, atenção,
concentração, memória, motivação)
• ao nível de conhecimentos anteriores (maturidade, bases de conhecimento)
• ao nível das estratégias de aprendizagem (métodos de estudo)
“Dificuldade é: - ter falta de um raciocínio lógico;
- não entender o objectivo principal da matéria; - falta de atenção; - não compreender o que lhe é ensinado”
(TEXT: univ.H98-10)
Dado que a maioria dos sujeitos inquiridos concebe a aprendizagem como um
processo de aquisição e assimilação de conhecimentos, a subcategoria de
aquisição/compreensão é também, entre todas, a mais frequente no conjunto de
testemunhos analisados (Quadro 3). Inseriram-se nesta subcategoria todos os
testemunhos em que as dificuldades de aprendizagem são caracterizadas como situações
de insuficiente compreensão ou aquisição de conhecimentos. Nesta perspectiva, ter
uma dificuldade de aprendizagem pode significar não entender ou não conseguir
adquirir um determinado conteúdo.
“dificuldade em adquirir um determinado saber” (TEXT: univ.L7 ) “dificuldade em assimilar algum conceito.” (TEXT: univ.L13)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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198
Neste caso, optou-se por não distinguir entre aquisição e compreensão dado que
os testemunhos usam de forma indistinta o conceito de “aprender”, “entrar dentro de
um assunto” ou “desenvolver um raciocínio lógico” (ver Quadro 3.)
Ter uma dificuldade de aprendizagem pode significar não apreender totalmente,
não assimilar, não interiorizar, sentir dificuldade em “digerir” uma informação, um
determinado saber.
“Ter "dificuldade de aprendizagem" é não conseguir apreender totalmente as coisas que são dadas a aprender.”
(TEXT: univ.L52)
Pode consistir numa assimilação mais lenta, uma dificuldade momentânea
perante nova informação.
“Uma lenta assimilação de conteúdos por parte do aluno pode consistir numa
dificuldade de aprendizagem.” (TEXT: univ.H98-15)
“...não consegue compreender, num curto espaço de tempo, determinada
informação que lhe é fornecida.” (TEXT: univ.L37)
“...incapacidade de assimilar de forma imediata uma nova informação.”
(TEXT: univ.L8)
Uma dificuldade acontece quando não se consegue captar o que é dito pelo
professor ou mesmo o que se aprende com os outros “que nos rodeiam”. Ou pode
surgir quando não se consegue entender nem o objectivo nem a utilidade do que é
ensinado.
“Dificuldade de aprendizagem é não entender aquilo que se explica, é não entender aquilo que se pretende, para que é que serve mesmo em termos abstractos. Se não entendemos o que se pretende com determinado assunto ou com as matérias que se ensina, temos uma dificuldade de aprendizagem.” (TEXT: univ.H1-2 )
“Se a pessoa sentir que não consegue apreender o sentido do que lhe está a ser ensinado, sente dificuldades de aprendizagem.” (TEXT: univ.H1-11)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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199
Quadro 3.
Concepção de dificuldade de aprendizagem como insuficiência
Sub-categoria de aquisição-compreensão
“Quando o conteúdo do que deve ser aprendido não é devidamente
apreendido existem dificuldades de aprendizagem.” (TEXT: univ.H98-4)
“Sentir uma dificuldade de aprendizagem é não compreender bem a matéria ou a exposição que o/a professor/a faz dela dentro da sala de aula.” (Text: univ.H98-7)
“É uma dúvida sobre a matéria que se aprendeu.” (TEXT: univ.H98-7)
“...algo no decorrer do processo não foi interiorizado, e não permite que o conhecimento passe a aprendizagem.” (TEXT: univ.CE10)
“...dificuldade em "digerir" uma qualquer informação.” (TEXT: univ.H1-13)
“...quando alguém não consegue apreender de forma clara aquilo que lhe é proposto, ou seja, quando alguém por um motivo ou por outro, tem dificuldade de compreender e de aprender o que lhe é ensinado.” (TEXT: univ.H1-1)
“Uma dificuldade de aprendizagem é quando determinado indivíduo tem dificuldade em aprender, a entrar dentro de determinado assunto.”(TEXT: univ.H1-18)
“...é uma dificuldade (e não incapacidade) de assimilar conhecimentos e de evoluir em termos de maturação intelectual.” (TEXT: univ.H1-32)
“...não compreensão de determinado aspecto ou ponto, de uma matéria, ou
mesmo do mundo que nos rodeia” (TEXT: univ.L29)
“Uma dificuldade de aprendizagem é a dificuldade que determinadas pessoas têm em assimilar algo ou em reflectir sobre algo ou por ignorância, ou por inexperiência ou ainda por falta de predisposição para aprender.” (TEXT: univ.L14)
“Ter dificuldades de aprendizagem é ter dificuldade em captar aquilo que o
professor diz ou outras coisas, inclusivamente aquelas que aprendemos com os amigos e com todas as pessoas que nos rodeiam.” (TEXT: univ.L1)
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
200
Em muitos testemunhos, as dificuldades de aprendizagem são apenas definidas
como insuficiências de aquisição ou de compreensão de conhecimentos. Mas, nalguns
casos, também são indicados alguns dos factores que podem dar origem a essas
insuficiências.
“...uma dificuldade de aprendizagem equivale a um problema de assimilação de
certos conteúdos veiculados, e que pode ter diversas origens, factores.” (TEXT: univ.H1-29)
“...surge porque o aluno não compreendeu a matéria estudada (não
compreendeu/não quis/não pôde).” (TEXT: univ.L16)
“Uma dificuldade de aprendizagem é quando alguém não consegue perceber e
interiorizar determinado assunto. Isto pode ter a ver com a natureza do próprio assunto, com a pessoa em questão, com a pessoa que ensina ou ainda com as condições sociais e escolares.”
(TEXT: univ.L26)
Alguns testemunhos referem, por exemplo, que uma dificuldade de
aprendizagem pode ser descrita não apenas como uma dificuldade de compreensão, mas
de forma ainda mais específica, como uma insuficiente maturidade e predisposição para
aprender. A aprendizagem é influenciada pela experiência anterior do aluno, não só em
termos do que foi adquirindo e assimilando ao longo do tempo mas também em função
das estruturas cognitivas que essa experiência ajudou a desenvolver.
“Podemos ainda não perceber por não estarmos preparados”
(TEXT: univ.L6) “...as dificuldades podem ser confundidas com os atrasos na aprendizagem que
acontecem quando as crianças ainda não têm as estruturas cognitivas suficientes para adquirir aquele tipo de aprendizagens.”
(TEXT: univ.CE20)
“...atraso no desenvolvimento intelectual do indivíduo. O aluno está num determinado estádio de desenvolvimento que ainda não lhe permite compreender/aprender.”
(TEXT: univ.L5)
No âmbito desta concepção de “insuficiência” é ainda possível identificar outras
sub-categorias, correspondentes à identificação específica de outros aspectos em défice
no processo de aprendizagem (Quadro 4).
II. MÉTODO: Estudo 2.
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201
Quadro 4.
Concepção de dificuldade de aprendizagem como insuficiência
Outras sub-categorias
• insuficiente atenção e concentração “Uma dificuldade de aprendizagem, pode traduzir-se por uma falta de
atenção e de concentração da criança que impossibilita uma determinada aprendizagem.” (TEXT: univ.CE24)
• insuficiência ao nível dos conhecimentos anteriores
“É não ter bases em determinada área” (TEXT: univ.H98-7)
“...uma dificuldade de aprendizagem pode também ocorrer, quando as bases de formação anteriores, tenham sido exploradas de forma insuficiente não permitindo progredir na evolução cognitiva (que pode ser progressiva) de forma adequada.” (TEXT: univ.H1-24)
“Consiste em sentir uma certa incapacidade na aquisição de conhecimentos novos resultante da falta de saberes.” (TEXT: univ.H1-34)
• insuficiência de memória
“...é quando não se consegue assimilar informação, quando não conseguimos reter nada sobre determinado assunto.” (TEXT: univ.L39)
“Existem dificuldades que poderão advir da própria capacidade individual e dos limites que todos nós temos, como será por exemplo no caso da componente memorização. No entanto parecem existir dificuldades que estão para além desta questão.” (TEXT: univ.H1-7) • insuficiência de métodos de estudo
“Não sei estudar, logo sinto uma dificuldade em aprender.”(TEXT: univ.H1-31) • insuficiente motivação
“Dificuldade muitas vezes significa, falta de gosto pela aprendizagem e por conseguinte, falta de motivação.” (TEXT: univ.H1-16)
“Caso contrário torna-se difícil aprender. Só se aprende o que se quer, e como tal uma coisa que não apresenta resultados imediatos ou aplicabilidade
II. MÉTODO: Estudo 2.
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202
O conceito de dificuldade de aprendizagem é usado, nesta perspectiva
processual, para descrever falhas, deficiências ou insuficências na forma como o
processo de aprendizagem decorre, em função das capacidades, dos comportamentos,
atitudes e pressupostos do aluno. O leque de insuficiências apontadas inclui: a
capacidade de compreensão e de assimilação, a capacidade de atenção e concentração,
os conhecimentos anteriormente adquiridos, a capacidade de memória, o
desconhecimento ou inadequação dos métodos de estudo utilizados e a motivação. Para
o senso comum, estas são algumas das insuficiências mais frequentes e determinantes
de dificuldades de aprendizagem.
O conjunto de testemunhos analisados ilustram a diversidade de factores
apontados. Numa pequena amostra de cerca de duas centenas de respostas, é possível
encontrar muitas asserções que se aproximam ou quase coincidem. Isso não surpreende.
Mas, por outro lado, não seria de antever uma tão grande diversidade de tópicos, uma
tão clara noção da complexidade do processo de aprendizagem em alunos, que embora
com formação no ensino superior, nunca receberam formação específica neste
domínio11. Por um efeito de desejabilidade social seria de esperar que as respostas
fossem muito mais simplificadoras e convergentes. E no entanto, os participantes (pelo
menos os que intervieram nesta fase do estudo) envolveram-se e aderiram muito
positivamente desde o primeiro momento. As respostas tendem a uma extensão de que
estes pequenos excertos não dão conta. Revelam um esforço de auto-observação e de
reflexão sobre as questões propostas. Revelam atenção e uma análise cuidada.
Por exemplo, pode ser comum (talvez demasiado comum e impensado) dizer-se
que os alunos não aprendem porque não estão motivados. Neste estudo, são muitos os
testemunhos que referem o papel da motivação. Mas é interessante ver como o fazem
das mais variadas maneiras12 e, nalguns casos, revelando uma análise muito cuidada.
11 Não se analisaram nesta primeira fase do estudo os testemunhos dos alunos da licenciatura de
Psicologia nem os de alunos do Ensino Básico e Secundário. 12 Neste sentido, e dada a natureza da amostra em estudo, optou-se por uma análise estritamente
qualitativa das respostas. O número ou a percentagem de testemunhos ou excertos inseridos, por
exemplo, na categoria de “insuficiente motivação” não é representativo. Pode induzir em erro (de análise
ou extrapolação) e, sobretudo, não informa sobre a qualidade, riqueza e diversidade das respostas.
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
203
Nenhuma das respostas é melhor do que a outra, nenhuma é suficientemente
exaustiva e completa. Tal como sucede no domínio científico, cada resposta pode ser
mais um contributo. E no entanto, numa leitura sequencial e encadeada, os vários
testemunhos sugerem que já pode estar difundida na comunidade uma consciência da
complexidade dos processos envolvidos na aprendizagem e da multiplicidade de
factores determinantes, do sucesso como do insucesso.
Por exemplo, e ainda no domínio da motivação...
“Se tivesse que explicar a alguém o que é uma dificuldade de aprendizagem, o que diria?”
Poderá relacionar-se com a ausência de motivação. Diria que é falta de motivação sobre o assunto, falta de interesse, sobre o que é exposto pelo professor, ou porque o professor torna a matéria desinteressante, ou porque o assunto não interessa ao aluno. Uma pessoa que tenha dificuldades de aprendizagem, não significa que não esteja apta para aprender, mas significa que não foi aberto, no seu espírito, o desejo de aprender e de saber. É necessário que o aluno esteja motivado para aprender. ...e nunca se consegue ensinar nada a quem não quer (apesar de se dever tentar) Poderá existir um desinteresse por determinada matéria. Há assuntos que por si só já são complexos e pouco motivantes e levam à criação de dificuldades. Isto acontece por motivos vários, tais como falta de estímulo, que provoca desinteresse e que por sua vez provoca dificuldades na aprendizagem (uma pessoa desinteressada por algo não tem estímulos para aprender). O interesse em determinado assunto, para mim, é muito importante pois facilita a compreensão e reflexão.
Esta poderia ser uma das respostas analisadas neste estudo, um dos muitos
testemunhos inicialmente recolhidos. Mas efectivamente não é. Trata-se de um
híbrido, uma resposta híbrida e virtual, obtida a partir de sete excertos provenientes de
outras tantas respostas à questão indicada (Anexo VII). Cada um destes sete pedaços
foi extraído do respectivo texto durante o processo de análise de conteúdo, segundo
regras anteriormente definidas. Aqui, por um processo inverso ao da análise de
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
204
conteúdo, os excertos surgem ordenados, justapostos, numa “síntese de conteúdo” da
categoria “insuficiente motivação” (concepção da noção de d.a. como insuficiência,
perspectiva processual). Parece haver um sentido comum, um fio condutor, que
relaciona uma sequência de elementos: a matéria, o professor, o aluno, o interesse, o
desinteresse, a motivação, a necessidade de estar motivado para aprender, a criação de
dificuldades por falta de motivação, falta de estímulo, o que não facilita a compreensão
nem a reflexão. E “se a pessoa não consegue apreender o sentido do que lhe está
a ser ensinado, sente dificuldades de aprendizagem” (excerto inserido na sub-categoria
de aquisição-compreensão). Foram anteriormente referidos outros excertos que referem
o papel determinante da compreensão no processo de aprendizagem. Faltará talvez
encontrar um testemunho que indique essa falta de compreensão como causa de
desmotivação e desinteresse. Ou, quem sabe, como fonte de motivação e de empenho,
no desafio de encontrar uma solução que resolva o problema, que leve mais longe...
Outras respostas são, por si só, reveladoras de uma enorme argúcia e capacidade
de análise da complexidade que rege todos estes processos. Se a (des)motivação pode
ser apontada por alguns como causa das dificuldades, se o desinteresse pode ser gerado
ou favorecido pela forma como a matéria se apresenta, também é possível conceber tudo
isso como um pretexto, para desistir, para não tentar.
“...quando a motivação é inexistente a dificuldade de aprendizagem é apenas um pretexto para o aluno se pôr fora de combate com a desculpa de que além de não gostar até nem consegue aprender.”
(TEXT: univ.H1-22) Se o aluno não tem vontade de aprender13, as dificuldades de aprendizagem que
apresenta podem nem existir realmente. Podem ser concebidas como um “pretexto”,
uma forma de justificar a desistência.
Além disso, muitas respostas foram enriquecidas com testemunhos pessoais, tal
como sucede no exemplo apresentado no quadro da página seguinte.
13 É possível imaginar que outras “razões” pudessem ser aqui apontadas, de forma análoga: se o
aluno não acredita na possibilidade de aprender sem dificuldades, se o aluno acredita que faça o que fizer
não vai conseguir vencer, as dificuldades de aprendizagem podem nem existir realmente...
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
205
Em síntese, numa perspectiva processual, as dificuldades podem também ser
concebidas como insuficiências ou défices que prejudicam a concretização das
aprendizagens. Quem assim pensa tende a valorizar um ou outro factor (por exemplo:
aquisição de conhecimentos, compreensão ou motivação) como mais significativo ou
determinante, provavelmente em função da sua própria concepção de aprendizagem.
Mesmo nos casos em que há uma referência a vários factores, são referidos como
alternativas possíveis, sendo cada um deles considerado e analisado isoladamente14.
14Sempre que num testemunho se refere, de forma mais ou menos explícita, a interacção de dois
factores ou de duas ordens de factores, esse testemunho passa a inserir-se na perspectiva interdependente.
A partir de alguns testemunhos inseridos na perspectiva processual pode inferir-se a possibilidade de uma
influência paralela ou simultânea de diferentes factores. Mas, mesmo nesses testemunhos, nunca se refere
uma influência mútua ou recíproca. Todos os casos inseridos nesta perspectiva parecem preservar um
pressuposto de causalidade linear. A partir dos testemunhos inseridos na perspectiva interdependente é
possível inferir um determinismo recíproco.
Quadro 5.
Concepção de dificuldade de aprendizagem como insuficiência
• insuficiência de métodos de estudo (testemunho pessoal)
“Até uma determinada idade, eu pensava que algumas pessoas aprendiam melhor do que eu, por exemplo, porque eram mais inteligentes. Um dia, aconteceu-me uma coisa que me deixou intrigada. Eu tive de ajudar uma colega num exercício de matemática que ela não conseguia resolver, e eu consegui. Ela era sem dúvida muito melhor aluna do que eu, porque tinha notas mais altas.
Então, cheguei à conclusão que, ela não era mais inteligente do que eu, e não aprendia as coisas melhor do que eu, em casos simples ela até se mostrava bastante lenta para os resolver.
Acabei por chegar à conclusão que, ela tinha métodos de estudo diferentes dos meus. Dedicava mais horas ao estudo, comprava muitos livros, fazia bastantes exercícios, etc. Nada tinha a ver se ela era mais ou menos inteligente.
Penso por isso, que algumas pessoas aprendem melhor do que outras porque conseguem encontrar um meio mais eficaz para conseguirem atingir conhecimentos, de modo a que esses conhecimentos fiquem mais consolidados e perdurem mais tempo.”
(TEXT: univ.H98-4)
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
206
2. c) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Interferência
Ainda no âmbito da perspectiva processual, é possível descrever uma terceira
forma de conceber as dificuldades de aprendizagem. Numa concepção de “dificuldade
de aprendizagem” como interferência considera-se que o processo de aprendizagem
pode ser prejudicado por factores que se interpõem e interferem. As dificuldades de
aprendizagem podem surgir por interferência de uma multiplicidade de factores (além
dos já referidos), factores que sendo exteriores ao processo de aprendizagem podem ter
uma acção determinante (e debilitante) sobre os resultados.
“Diria que uma dificuldade de aprendizagem não reflecte uma menor capacidade de inteligência. Penso que esse é o primeiro ponto. A dificuldade de aprendizagem pode indicar vários factores: problemas no relacionamento entre quem ensina e quem aprende; problemas pessoais (problemas específicos e pontuais ou ligados ao ambiente familiar) problemas sociais (de adaptação e integração).”
TEXT: univ.H98-8 (42/50)
Os testemunhos inseridos nesta concepção, referem de forma específica o modo
como o processo de aprendizagem pode ser prejudicado pela interferência de factores
exteriores ou complementares, mas que mesmo assim são vistos como os principais
determinantes de muitas situações de dificuldade de aprendizagem.
“Uma dificuldade de aprendizagem será quando ocorre a intervenção de algum
factor (interior ou exterior ao indivíduo) que interfere com o processo de aprendizagem.”
(TEXT: univ.L20)
“Eu penso que há vários factores que podem interferir na aprendizagem. O senso comum pode achar que é uma questão de mais ou menos inteligência mas na realidade não é bem assim. O factor inteligência é importante mas a vontade, a persistência, o estudo, a atenção são condições imprescindíveis.”
(TEXT: univ.H1-10)
“É distância ou ruídos (interferências, perturbações) na comunicação.” (TEXT: univ.H1-30)
Algumas dessas interferências podem ser geradas pelas próprias dificuldades de
aprendizagem, num ciclo que se repete: a dificuldade podem tornar-se ainda “mais
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
207
“problemática” à medida que a frustração e o insucesso aumentam.”(TEXT: univ.CE19).
As dificuldades geram emoções que dificultam o confronto com as dificuldades e que
geram maiores dificuldades.
Nas respostas analisadas foi possível identificar vários tipos de interferências
com o processo de aprendizagem:
• Interferência emocional
• Interferência comportamental
• Interferência de valores
• Interferência situacional
• Interferência instrucional
• Interferência de aspectos socio-económicos e culturais
Como para as concepções anteriores, apenas se inserem nesta perspectiva
processual os testemunhos que descrevam tais interferências como aspectos que actuam
sobre o processo de aprendizagem de forma específica ou unilateral, isto é, sempre que
não haja uma referência clara a aspectos de interacção do aluno com a situação15. O
aluno é aqui descrito de forma basicamente passiva, como vítima do resultado mais ou
menos inesperado da intromissão de um (ou vários) de entre esses factores, factores que
podem exercer uma influência negativa, quase sempre descrita de forma determinista.
• Interferência emocional
Nalguns testemunhos, refere-se o papel que as emoções podem exercer sobre os
processos e resultados da aprendizagem.
“...dificuldades são fruto de pouca auto-estima” (TEXT: univ.CE20)
Referem-se medos, como por exemplo “o medo de errar, o medo de não ser
capaz “(TEXT: univ.CE2). Num dos casos, uma aluna descreve o papel de emoções de
valência positiva, opostas a estas, para ilustrar o papel determinante de factores
emocionais e outros (Quadro 6.).
15 Caso contrário o testemunho deverá ser inserido numa das concepções da perspectiva
interdependente: desadaptação ou discrepância.
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
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Quadro 6.
Concepção de dificuldade de aprendizagem como interferência
• Interferência de factores emocionais (testemunho pessoal)
“No meu percurso escolar fiquei algumas vezes surpreendida com pessoas conhecidas que me diziam estar na faculdade, a fazer este ou aquele curso quando eu as achava completamente desprovidas de capacidade para tal. Houve mesmo uma pessoa que era tão lenta de raciocínio que eu duvidei que conseguisse chegar a algum lado - estava a fazer o magistério primário. Isso serviu-me de exemplo, porque eu não apostava em mim, dizia sempre que não era capaz. E acabei por verificar que a inteligência nalguns casos era relativa e que a perseverança e a confiança em nós próprios conseguiam obter melhores resultados.
Também considero que a cultura, o contacto com um meio mais ou menos erudito, a informação e o interesse pelo que se passa à nossa volta contribuem para uma maior facilidade de apreensão, sobretudo em determinados assuntos. A leitura é muito importante porque nos abre horizontes e nos ajuda a compreendermos melhor o mundo, as emoções, os sentimentos, ... tudo isto pode contribuir como suporte de base para melhor se aprender.”
(TEXT: univ.H1-10) Mas de facto, nos testemunhos analisados, as referências a factores emocionais
são muito pouco frequentes, quase sempre fugazes e muito sintéticas. Raramente
observadas, mesmo nas respostas de estudantes da licenciatura de Psicologia,
porventura com melhores conhecimentos na área afectiva e emocional.
• Interferência comportamental
Nalguns testemunhos, sugere-se uma relação entre o de comportamento do aluno
e a existência de dificuldades de aprendizagem. Mas estas referências são raras e quase
sempre se referem a aspectos relacionados com hiperactividade, reduzida persistência e
concentração nas tarefas escolares16.
“...não conseguem fazer uma determinada tarefa até ao fim, consequência de serem crianças muito irrequietas.”
(TEXT: univ.CE27)
16 Não se observaram quaisquer referências a factores de indisciplina, absentismo, agressividade
ou delinquência no contexto escolar.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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• Interferência de valores
A interferência dos valores é o último dos factores aqui referidos. Sobre este
aspecto, surgiu um única referência, salientando um aspecto bastante interessante e
provavelmente poucas vezes considerado pelo senso comum.
“...devido a motivos ideológicos e religiosos que não permitem as pessoas
"abrirem-se" a outros conhecimentos.” (TEXT: univ.L50)
• Interferência situacional
Designa-se desta forma a referência a aspectos da situação familiar ou da
história de vida do próprio aluno que interferem no processo de aprendizagem.
“Uma dificuldade de aprendizagem é uma situação em que o indivíduo se encontra que o impede de estar receptivo a inovações.”
(TEXT: univ.L28)
“O momento primeiro de aprendizagem é o aparecimento do embrião, que já está a receber estímulos da mãe. A dificuldade em aprender é perfeitamente explicável tendo em conta a vida da pessoa, desde a gestação...”
(TEXT: univ.L36)
Nestes testemunhos, considera-se que a situação familiar e a história pessoal do
aluno podem exercer uma influência decisiva sobre a sua aprendizagem. Mas uma vez
mais, estas referências são muito raras e inespecíficas17.
• Interferência instrucional
Muitos testemunhos referem o professor e os métodos de ensino como
interferências significativas, como causa determinante de muitas dificuldades de
aprendizagem.
“...pode resultar muitas vezes de um mau professor e não tanto de um mau aluno.”
(TEXT: univ.H1-29)
17 Não se observaram quaisquer referências específicas a factores socio-familiares que por vezes
se associam às dificuldades de aprendizagem: divórcio, falta de cuidado ou atenção parental,
permissividade ou violência familiar.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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“Muitas vezes é o próprio professor que não sabe criar a expectativa e
motivação necessárias ao estudo de determinada matéria e daí surgir a tal dificuldade de aprendizagem por parte dos alunos.”
TEXT: univ.L13 (29/33)
Neste caso, os testemunhos sugerem que as dificuldades de aprendizagem
surgem por “falta de clareza do professor ao expôr a sua matéria” (TEXT: univ.H1-1),
quando o aluno não consegue “...entender o que o professor ensina, pois não
compreende a "forma" como explica” (TEXT: univ.CE9) ou ainda “...por ter tido
anteriormente um/a professor/a ou vários que não se interessaram pelos alunos” (TEXT:
univ.H98-7).
“Um professor que não tem capacidades quer intelectuais, quer humanas para
desempenhar a sua missão pode criar situações que desfavorecem o ciclo de aprendizagem de um aluno. Quero com isto dizer que o termo "dificuldade de aprendizagem" não é algo que recaí somente na figura do aluno, ele pode também ser um agente indirecto da acção e as suas dificuldades de aprendizagem podem resultar de causas que lhe são exteriores.”
(TEXT: univ.H98-15)
“...o problema poderia não residir na pessoa que aprende, mas naquela que tenta orientar essa aprendizagem, bem como na maneira como esta última conduz todo o processo em que se envolveu e tenta envolver o outro.”
(TEXT: univ.L23)
A figura do professor, a sua capacidade enquanto pessoa e enquanto profissional,
são aspectos aqui descritos como influências fundamentais, que podem interferir no
processo de aprendizagem de forma muito significativa, agudizando ou ajudando a
superar muitas situações de dificuldade de aprendizagem.
• Interferência de aspectos socio-económicos e culturais
A interferência mais saliente e mais frequentemente citada é a que se refere a
todos os aspectos sociais, económicos e culturais que envolvem o aluno.
“Penso que todas as pessoas são capazes de fazer uma "boa" aprendizagem, porém umas têm mais possibilidades que outras ou seja: mais recursos (familiar, económico, cultural etc, etc,).
Se uma pessoa, desde pequena, vive num meio intelectualmente desenvolvido, naturalmente que as suas capacidades vão ser desde cedo desenvolvidas o que permitirá uma aprendizagem mais rápida.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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211
Uma criança que não está habituada a saber: ouvir, observar, falar etc, etc, naturalmente que a sua aprendizagem vai ser bem mais difícil do que uma, que, desde cedo foi motivada para isso.”
(TEXT: univ.H1-34)
A “falta de meios” (TEXT: univ.H1-7), a falta de oportunidades, uma estimulação mais reduzida, são alguns dos aspectos mais referidos.
“...falta de recursos monetários para adquirir manuais de estudo, a inexistência
de bibliotecas públicas perto da residência do aluno” (TEXT: univ.H98-15)
“...factores sociais e culturais que podem facilitar ou prejudicar uma
aprendizagem, como sejam o ambiente cultural na casa e no meio social de cada um, a acessibilidade aos "meios da cultura" (como sejam bibliotecas, salas de concertos, etc.) e as obrigações, que cada um tem, de prover à sua subsistência”
(TEXT: univ.H98-2) Estes testemunhos sugerem que o meio, a cultura, a vivência do aluno e todas as
condições que lhe são oferecidas, são aspectos muito importantes. Mas raramente se
descreve um pouco melhor, qual a influência específica de cada um desses factores ou a
forma como interagem entre si. No entanto, mesmo referidos de forma genérica, são
vistos como determinantes, condicionando os processos e as possibilidades de
aprendizagem.
“...as dificuldades de aprendizagem não são só a nível da escola, o meio em que
a criança, ou o adolescente ou o adulto se inserem são muito importantes.” (TEXT: univ.H1-14)
A escola é um espelho não só da vivência de cada aluno, mas também do meio
sócio-económico-cultural em que o mesmo se integra e as linhas que separam o todo que é um indivíduo, são tão ténues que ao menor desequilíbrio o aluno pode apresentar dificuldades em atingir os objectivos propostos.
(TEXT: univ.H98-17)
Em síntese, e ainda numa perspectiva processual, é possível identificar uma
terceira concepção de dificuldade de aprendizagem, apenas observada num pequeno
número de casos e testemunhos. A concepção de dificuldade como interferência
confirma que algumas pessoas desenvolveram intuitivamente a noção de que os
resultados podem ser determinados por uma enorme diversidade de factores e que a
aprendizagem pode ser influenciada por características e condições do contexto em que
ocorre, contexto que é, simultaneamente, emocional, atitudinal, escolar e sociocultural.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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3. Perspectiva interdependente
As unidades inseridas nesta perspectiva referem-se sempre, de forma mais ou
menos explícita, à existência de uma interacção entre duas ordens de variáveis ou
factores, a nível pessoal e situacional.
Nesta perspectiva, as dificuldades de aprendizagem surgem de forma
interdependente, isto é, a sua ocorrência depende da forma como cada aluno se integra,
interage e se adapta a cada situação de aprendizagem, como também da forma como
cada contexto de aprendizagem se adapta, integra e interage com cada aluno .
As dificuldades de aprendizagem são concebidas, não como uma característica
pessoal (perspectiva disfuncional) nem como uma característica da forma como se
processa a aprendizagem (perspectiva processual). Antes como o resultado da
interacção entre um aluno e um contexto específicos.
“A dificuldade em aprender algo pode resultar muitas vezes de um mau professor e não tanto de um mau aluno, sendo que aprender é um processo dialéctico em que a interacção entre estes elementos determina o próprio grau de motivação e consequentemente o nível de saber (aprendizagem).”
(TEXT: univ.H1-29)
Um mesmo aluno pode obter diferentes resultados em diferentes matérias, ou
numa mesma matéria se avaliado por diferentes professores ou integrado em turmas
diferentes. Um mesmo método de ensino pode facilitar a aprendizagem de
determinados alunos e prejudicar outros.
“Mentes mais complexas, dificuldades em aprender/apreender coisas simples; mentes simples, dificuldades de aprender coisas complexas.”
(TEXT: univ.H1-30)
No fundo, qualquer dos testemunhos inseridos nesta perspectiva pode referir
qualquer um dos conteúdos já analisados nas perspectivas anteriores: disfuncional ou
processual. Mas, neste caso, esses factores surgem integrados num sistema de relações.
Em contexto, cada elemento interage com os restantes, determina e é determinado
(determinismo recíproco). A influência de um factor específico depende da conjugação
de muitos outros factores.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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213
“Em suma, uma dificuldade de aprendizagem não pode, na maior parte das vezes ser interpretada como um fenómeno de sentido único, unidireccionado. Mas como resultante de uma relação, interacção dos agentes que participam directamente do acto de aprender.”
(TEXT: univ.H1-3)
Testemunhos como estes, reflectem a consciência de que o processo de
aprendizagem é complexo e depende de uma vasta rede de factores que interagem entre
si, de um sistema que se auto-regula em busca de um equilíbrio.
“Na minha opinião esta situação deve-se a vários factores, interiores ou exteriores, que influenciando o indivíduo em si o predispõem mais ou menos para a acção da aprendizagem.
Factores externos como o meio onde vive, a educação que recebe, as influências familiares, o tipo de escola que frequenta e os métodos usados pelos professores.
Factores internos, que resultam em algumas situações de pressões exteriores tais como personalidade, gostos por determinadas disciplinas, etc.
No geral o indivíduo é directa ou indirectamente influenciado por estes três factores e a sua aprendizagem está directamente relacionada com a interacção destas situações que vão resultar - no indivíduo em si - resultado desta situação. Este indivíduo pode ou não adequar-se ao sistema de aprendizagem que infelizmente lhe é imposto, sem muitas vezes se respeitar certas condicionantes.”
(TEXT: univ.H1-12)
Em síntese, os testemunhos inseridos na perspectiva interdependente, concebem
as dificuldades de aprendizagem como o resultado de um processo dinâmico, relativo e
contextualizado, dependente da interacção do aluno com o contexto, mediado por um
conjunto de factores pessoais e situacionais.
De uma forma mais específica, é possível distinguir entre duas concepções de
“dificuldade de aprendizagem”: a) Discrepância, quando as dificuldades são
concebidas como diferenças individuais entre alunos (ritmo de trabalho ou de
aprendizagem, aptidões e interesses) ou como diferenças entre o desempenho de cada
aluno e as normas em vigor (expectativas, objectivos, critérios de avaliação e outros);
b) Desadaptação – concebidas como dificuldades de adaptação pessoal (ao grupo, ao
sistema educativo, às exigências de cada tarefa e aos métodos de ensino) ou como
dificuldades de reorganização de quadros conceptuais anteriores (esquemas e conceitos
prévios, pressupostos e crenças do aluno).
II. MÉTODO: Estudo 2.
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214
3. a) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Discrepância
Numa perspectiva interdependente, a concepção de “dificuldade de
aprendizagem” como discrepância pressupõe sempre a existência de uma diferença
entre duas ordens de factores que se comparam entre si.
A dificuldade de aprendizagem é representada por essa diferença. É sempre
relativa e determinada por uma maior ou menor proximidade (e semelhança) entre cada
aluno e o seu contexto de aprendizagem. Quanto maior for o desfazamento entre as
normas em vigor (padrões, objectivos, critérios) e aquilo que o aluno é, aquilo que o
aluno sabe ou aquilo que vai conseguindo aprender, quanto maior for essa diferença,
maior o risco de ocorrerem dificuldades de aprendizagem.
“Dificuldade de aprendizagem é um comportamento inadequado face àquilo que é exigido como norma.”
(TEXT: univ.CE3)
“...o que se aprendeu não chega aos limites dos parâmetros estabelecidos.” (TEXT: univ.CE13)
“...um sujeito tem uma dificuldade de aprendizagem quando não consegue
realizar uma tarefa que era suposto (pela norma) que conseguisse realizar.” (TEXT: univ.CE4)
Nas respostas analisadas foi possível identificar vários tipos de desfazamento,
diferença ou discrepância, nomeadamente:
• Entre o que se aprendeu e o que é exigido.
• Entre capacidade e desempenho.
• Entre o currículo e os interesses de cada aluno.
• Entre o esforço realizado e os resultados obtidos.
• Entre o ritmo de trabalho do aluno e o tempo de aprendizagem médio da
turma ou do grupo a que pertence.
Qualquer que seja a discrepância considerada, esta concepção pressupõe sempre
a existência de um paralelismo entre duas variáveis distintas, comparadas entre si em
função de critérios sociais ou convencionais.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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• Discrepância entre o que se aprendeu e o que é exigido.
Nesta acepção, concebe-se uma “dificuldade de aprendizagem como
incapacidade ou dificuldade para atingir os objectivos de determinada situação de
aprendizagem” (TEXT: univ.CE25). Isto é, a dificuldade é representada como uma
diferença, entre aquilo que foi ensinado e o aluno efectivamente aprendeu e aquilo que
deveria ter aprendido, de acordo com os objectivos previamente definidos.
“Se eu tivesse que explicar a alguém o que é uma dificuldade de aprendizagem eu diria que é algo que faz com que uma pessoa não consiga atingir determinados objectivos.”
(TEXT: univ.H1-11)
“É uma lacuna entre aquilo que é ensinado e o que é aprendido. Essa lacuna faz com que não haja uma ligação. A pessoa não consegue apreender o que é suposto ser ensinado, é o mesmo que por exemplo não estar na aula.”
(TEXT: univ.H1-1)
Ensina-se ao aluno aquilo que ele deve ser capaz de aprender, e se assim não
acontecer, se a “pessoa não consegue apreender o que é suposto ser ensinado” (aquilo
que o programa e os objectivos determinam que deve ser ensinado e exigido) pode
dizer-se que existe uma dificuldade de aprendizagem.
Noutros testemunhos, as dificuldades são descritas ainda de forma mais
específica: surgem quando existe uma diferença, considerada como significativa, entre
as respostas que o aluno consegue dar e as “respostas modelo” que lhe são exigidas.
“..."dificuldade de aprendizagem" como uma atitude que não propicia que o
aluno realize essa "resposta modelo" que foi tão trabalhada...” (TEXT: univ.L32)
“Muitas vezes na escola são referidas dificuldades de aprendizagem não porque a matéria em questão não foi assimilada, mas talvez porque não foi exposta da forma que o professor pretendia.”
(TEXT: univ.L13)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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• Discrepância entre capacidade e desempenho.
Neste caso, a dificuldade de aprendizagem é concebida como uma diferença
entre aquilo que o aluno aprendeu e aquilo que estaria ao seu alcance em função das
suas capacidades intelectuais. Isto é, nesta perspectiva os défices de desempenho devem
sempre ser confrontados com uma análise das capacidades que o aluno efectivamente
tem. Considera-se que as dificuldades decorrem de uma não actualização ou
concretização dessas capacidades.
“Uma dificuldade de aprendizagem é um modo de actuação aquém das possibilidades intelectuais daquele que a tem, isto é, entre um indivíduo com dificuldades de aprendizagem e outro dito normal a nível intelectual pode não haver nenhuma diferença.”
(TEXT: univ.CE1)
Uma dificuldade de aprendizagem pode ser descrita como uma discrepância
mais ou menos significativa entre um desempenho observável no aluno e aquilo que as
suas aptidões lhe permitiriam como desempenho potencial (diferença entre aquilo que o
aluno faz e demonstra saber e aquilo que ele poderia ser capaz de fazer e de demonstrar,
considerando as suas capacidades).
Foram também inseridos nesta sub-categoria, todos os testemunhos que referem
outros tipos de discrepância entre capacidade e desempenho, nomeadamente, entre um
conhecimento adquirido (competência) e a sua aplicação prática (desempenho).
“Quando aprendemos algo, mais tarde, poderemos ter de aplicar esses
conhecimentos nalguma ocasião. Quando não conseguimos aplicar esses conhecimentos ou fazer uso deles é porque existem dificuldades de aprendizagem.”
(TEXT: univ.H98-4)
“Mas muitas vezes as dificuldades de aprendizagem exprimem-se quando não somos capazes de reproduzir aquilo que nos foi transmitido.”
(TEXT: univ.L1)
Nestes testemunhos o pressuposto é o de que, se não sabemos ou podemos
aplicar ou reproduzir um determinado conhecimento, então alguma coisa continua a ser
difícil, algo não foi realmente aprendido. Neste caso, supõe-se sobretudo um critério de
comparação entre aquilo que julgamos ter aprendido e aquilo que, na prática, podemos
demonstrar.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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217
• Discrepância entre o currículo e os interesses de cada aluno.
Segundo este ponto de vista, as dificuldades podem surgir quando existe uma
discrepância significativa entre os gostos e interesses dos alunos e os conteúdos
curriculares. Inseriram-se nesta subcategoria, todos os testemunhos que, analisando o
papel dos interesses e motivação dos alunos, o fizeram em função de um contexto de
aprendizagem. A desmotivação ou o desinteresse não são, neste caso, características
atribuídas aos alunos em dificuldade18. A desmotivação e as consequentes dificuldades
surgem quando se verifica um desfazamento entre esses mesmos alunos e as propostas
curriculares em vigor.
“Muitas vezes deparamos com dificuldades nesta ou naquela matéria, porque não apreciamos, mas temos interesse em aprender outra matéria da qual nutrimos um certo gosto, isso deve-se à motivação pessoal de cada um, motivação essa que é influenciada por um certo e determinado número de acções sociais.”
(TEXT: univ.H1-16)
De notar que neste testemunho, como noutros, a motivação é ela própria descrita
como influenciável e dependente de outros factores, aqui referidos como “acções
sociais”. A motivação e o interesse dos alunos em relação à aprendizagem é concebido
de uma forma dinâmica e interactiva, num contexto determinado.
• Discrepância entre o esforço realizado e os resultados obtidos.
Neste caso, analisa-se a discrepância entre o esforço dispendido numa
determinada situação de aprendizagem e os resultados efectivamente obtidos.
“...quando alguém tenta aprender sem conseguir.” (TEXT: univ.CE20)
18 Os testemunhos que referiram o papel da falta de motivação de uma forma simples e unívoca,
foram inseridos na concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Insuficiência, perspectiva
processual.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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“...alguém que embora tente apreender algo não o consegue, ou não o consegue
totalmente. Esta dificuldade é devida às características individuais do sujeito, bem como de todo o ambiente que o rodeia e influencia.”
(TEXT: univ.CE28)
O papel do esforço é referido em muitos testemunhos e das mais variadas
maneiras. Refere-se sobretudo o facto de muitos alunos não se esforçarem, nem o
mínimo nem o necessário. Mas o que aqui se pressupõe é uma outra forma de descrever
uma dificuldade de aprendizagem: pela existência de uma diferença significativa entre
um resultado ou produto de aprendizagem e aquilo que se esperaria obter em função da
qualidade do trabalho efectuado durante o processo.
“Quando não se consegue perceber o objectivo de algo, ou o cerne de uma
questão depois de tentarmos arduamente.” (TEXT: univ.L39)
“O aluno não conseguir atingir os objectivos a que ele próprio se propõe apesar
de motivado e devidamente apoiado pelo professor.” (TEXT: univ.L49)
O empenho e o esforço dispendidos não evitam o aparecimento de dificuldades.
Alguns dos inquiridos neste estudo sugerem mesmo que só existe realmente uma
dificuldade se, apesar do esforço, o aluno não conseguir aprender como se pretende.
Neste caso, a dificuldade é a medida dessa diferença, surpreendente, inesperada,
discrepante.
• Discrepância entre o ritmo de trabalho do aluno e o tempo de
aprendizagem médio da turma ou do grupo a que pertence.
Por último, a mais referida de todas as discrepâncias identificadas no âmbito
desta concepção.
“Uma pessoa ou criança com dificuldades de aprendizagem é quando dentro de um mesmo nível etário, uma criança, numa situação de ensino/aprendizagem não consegue obter os mesmos resultados positivos das outras crianças, havendo uma grande discrepância de resultados.”
(TEXT: univ.CE17)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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219
Neste caso, as dificuldades são concebidas como uma diferença mais ou menos
significativa, entre o desempenho do aluno e o desempenho médio do grupo em que está
inserido. Entre o ritmo de trabalho e de aprendizagem de cada aluno e o ritmo do grupo
a que pertence. Neste sentido, as dificuldades são relativas e dependem do contexto.
Podem exacerbar-se ou diluir-se se o grupo de referência mudar, se forem outros os
critérios de comparação escolhidos, se o aluno mudar ou se mudar o contexto de
aprendizagem. Além de que, como sempre nesta perspectiva interdependente, o aluno
também muda em função do contexto, tal como a sua presença pode contribuir para
mudar o contexto.
“É não ser capaz de aprender ao ritmo considerado normal (é claro que o que é considerado normal é em grande medida convencional, variando no espaço e no tempo).”
(TEXT: univ.L38) Uma dificuldade de aprendizagem pode também ser concebida como uma
discrepância de ritmo de aprendizagem19.
“Não é uma criança deficiente, mas é uma criança que tem um ritmo de aprendizagem mais lento que as outras crianças.”
(TEXT: univ.CE22) Ou pode ser descrita como uma situação em que não se consegue atingir o nível
de aprendizagem ou os objectivos alcançados pelos outros membros do grupo.
“...penso que alguém que tem dificuldade de aprendizagem é alguém que
inserido num determinado grupo não consegue atingir os objectivos de aprendizagem dos outros membros do grupo.”
(TEXT: univ.H98-3)
19 Curiosamente, todos os testemunhos inseridos nesta categoria, referem as dificuldades de
aprendizagem como diferenças negativas, isto é, situações em que a aprendizagem decorre a um ritmo
mais lento do que para os restantes membros do grupo. Mas, de forma similar, também se podem
descrever diferenças positivas, tais como as dificuldades sentidas por alunos precoces ou especialmente
dotados. Estes alunos, possuindo um ritmo mais rápido e exigindo maior estimulação e níveis de
dificuldade mais elevados, sentem dificuldades de inserção na turma e de adesão às tarefas de
aprendizagem, que consideram repetitivas e desmotivantes. São frequentes, nestes casos, as situações de
insucesso escolar, de exclusão ou isolamento social.
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
220
Alguns testemunhos centram-se na perspectiva do próprio aluno e nas
consequências emocionais de se sentir diferente, a aprender a um ritmo diferente.
“...sentir que não se entende, não se percebe, não se compreende aquilo que
todos já entenderam antes” (TEXT: univ.H98-3)
“...não conseguir manter o ritmo do resto da turma.”
(TEXT: univ.H98-7)
Em síntese, numa perspectiva interdependente, uma dificuldade de
aprendizagem pode ser concebida como uma discrepância ou uma diferença, observada
por comparação entre duas dimensões paralelas, em função de normas convencionais ou
sociais.
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
221
3. b) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Desadaptação
Numa perspectiva interdependente, a concepção de “dificuldade de
aprendizagem” como desadaptação pressupõe que as dificuldades de aprendizagem
são essencialmente situações de dificuldade de adaptação pessoal a todo o contexto que
envolve a aprendizagem. Para aprender bem, para ter sucesso, na escola como na vida,
cada aluno tem que responder de forma versátil e adequada às características e
exigências de cada tarefa de aprendizagem, ao contexto escolar, às regras e critérios de
avaliação, às expectativas e aos objectivos (pessoais e sociais).
“É um fenómeno de descoordenação entre o que aprende, o que ensina e aquilo que é ensinado. É um fenómeno que pode ter como causas a falta de estabilidade social e/ou pessoal daquele que aprende. Pode também ser causado pela forma como a matéria a aprender é exposta e a compreensão ou preparação daquele que ensina. Pode ainda ser o resultado de uma matéria (programa ou currículo) mal estruturado, não adaptado à idade, mentalidade, necessidades, anseios e exigências daquele que aprende.”
(TEXT: univ.H1-3)
Nesta concepção, as dificuldades são descritas como situações de
descoordenação, de desarticulação, de desorientação. O aluno pode sentir-se perdido,
sem encontrar um sentido, sem compreender ou sem conseguir identificar objectivos.
“...dificuldade de aprendizagem é uma falta de sentido, uma ausência de orientação, um "desnorteamento".”
(TEXT: univ.L17)
O sucesso na aprendizagem depende da forma como o aluno se confronta com as
exigências, problemas e vicissitudes que podem ocorrem em todas as situações de
aprendizagem. Por exemplo, considera-se que uma dificuldade por desadaptação pode
decorrer de uma inadequada selecção de estratégias de aprendizagem e de métodos de
estudo.
“...uma dificuldade de aprendizagem é uma falta de articulação entre o saber e
a falta de método para chegar até esse saber. É como uma desadaptação entre a especificidade de cada indivíduo e a falta de critério nas estratégias de aprendizagem que ele utiliza.”
(TEXT: univ.CE18)
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
222
Neste como em outros testemunhos, considera-se a necessidade de, em cada
situação, o aluno conseguir identificar o que quer saber (quais os seus objectivos
pessoais e/ou as exigências da tarefa) para escolher o método mais adequado (em
função das suas próprias características e das características da tarefa) “para chegar até
esse saber”. Nesta concepção, uma desarticulação entre estes vários aspectos pode dar
origem a dificuldades.
Um dos estudantes que participou neste estudo, exemplificou este tipo de
desadaptação de uma forma extremamente simples.
“Não perceber e não dizer que não percebeu, continuando com a dúvida.”
(TEXT: univ.H98-11) Ter uma dificuldade de aprendizagem pode ser o que acontece por não
reconhecer e/ou não reagir perante dúvidas. A desadaptação surge, neste caso, por
passividade e omissão. O aluno não identifica nem toma consciência da dificuldade, ou
pelo contrário, decide ignorar o problema. Ter uma dúvida e não a reconhecer, ou
reconhecendo nada fazer, é provavelmente um comportamento pouco adaptativo. E
neste sentido, pode ser considerado um comportamento de risco, um factor que aumenta
a probabilidade de se verificarem novas e mais graves dificuldades de aprendizagem.
Nas respostas analisadas foi possível identificar vários tipos ou formas de
desadaptação:
• Cultural e comunicacional
• Entre aluno e professor
• Entre ensino e aprendizagem
• De esquemas e quadros conceptuais prévios
Em qualquer destes casos, as dificuldades de aprendizagem são concebidas
como o resultado de dificuldades de adaptação a situações ou a problemas específicos.
Dependem do comportamento do aluno em interacção com as condições que o
envolvem (da forma como age, reage e interage) .
Nesta perspectiva, as dificuldades podem ser consideradas como sinais
indicadores (estímulos discriminativos), que ajudem o aluno e o contexto na
identificação dos problemas e na modificação dos comportamentos.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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223
• Desadaptação Cultural e Comunicacional
Nesta perspectiva, a desadaptação cultural e comunicacional pode ser um factor
com efeitos determinantes em algumas dificuldades de aprendizagem.
“...desadequação entre a cultura original da pessoa e a cultura institucional ou a cultura que procura transmitir algo.
Essa desadequação pode levar não só a que a pessoa não se sinta motivada para a aprendizagem, como pode levar a que o seu ritmo e velocidade da aprendizagem seja mais lento ( devido a não familiaridade), o que já não se espera de uma pessoa cuja cultura original não se encontre muito longe da cultura que lhe está a ser transmitida.”
(TEXT: univ.CE26)
“...a dificuldade de aprendizagem seria vista também como um problema de comunicação entre dois seres e não somente na relação professor/aluno.”
(TEXT: univ.H98-3)
A noção de cultura é aqui referida de forma muito ampla, incluindo os aspectos
linguísticos, os hábitos, as atitudes e as convicções familiares, as tradições e os valores.
Referem-se sobretudo casos de aculturação e a situação das minorias. Mas também
outros casos mais comuns de dificuldade de comunicação, de ausência de “feedback”,
de isolamento ou indiferença, de hostilidade ou confronto, entre pares ou na relação
professor-aluno.
• Desadaptação Aluno – Professor
As dificuldades de comunicação, as diferenças pessoais e culturais, podem
afectar a relação entre professor e aluno (ou alunos) prejudicando o sucesso ou
dificultando a resolução de problemas e desfazamentos.
Os testemunhos analisados referem que, muitas vezes, professor e alunos não
chegam a um entendimento, não partilham nem objectivos nem critérios.
“Talvez tenha sentido mais dificuldades de aprendizagem em disciplinas em que eu tinha alguma dificuldade em relacionar-me com o professor, nomeadamente em perceber o que pretendia dos alunos.”
(TEXT: univ.H98-8)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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224
Mas neste sentido, a noção de desadaptação refere-se também a um outro
aspecto: a concepção de que a aprendizagem é um processo conjunto em que professor
e alunos são cooperantes e co-responsáveis, nos êxitos como nos insucessos. As
dificuldades surgem no contexto dessa relação e interacção e não podem (ou não
devem) ser imputadas a nenhuma das partes, isoladamente.
“Penso que uma dificuldade de aprendizagem não deve dizer respeito só ao aluno. Cabe ao professor enquanto tal, fazer ver ao aluno que a dificuldade é um problema de ambos e que ambos terão que ultrapassar. Então, a desresponsabilização do aluno é uma etapa importante. fazer-lhe ver que talvez a culpa não seja só dele, para que o aluno não se sinta incapaz ou inferiorizado por não conseguir ultrapassar certos problemas de certas disciplinas.”
(TEXT: univ.H98-15)
No entanto, alguns dos testemunhos enfatizam o papel e a responsabilidade do
professor enquanto profissional. Considera-se nalguns casos, que aprender“...se torna
um processo difícil quando quem transmite o conhecimento não é capaz de
compreender as limitações de cada aluno.” (TEXT: univ.H98-5), as limitações e as
características pessoais de cada aluno.
“Refiro-me, por exemplo, à capacidade científica do(s) professor(es) e à capacidade de a tornar transmissível aos alunos, adaptando-a ao estado etário e à personalidade de cada um. Refiro-me igualmente, por outro lado, à predisposição do aluno para receber uma qualquer matéria de conhecimento, que pode variar de área para área, segundo os seus interesses pessoais e segundo o grau de conhecimento que já possui em relação ao grau de conhecimento transmitido pelo professor, numa determinada área.”
(TEXT: univ.H98-2)
• Desadaptação Ensino - Aprendizagem
As dificuldades de aprendizagem ocorrem por vezes no contexto de um
“fenómeno de descoordenação entre o que aprende, o que ensina e aquilo que é
ensinado.” (TEXT: univ.H1-3).
Nesta acepção, não há dificuldades quando os métodos de ensino e de
aprendizagem se adaptam em função das necessidades e características pessoais de cada
aluno.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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225
“...na generalidade das situações (salvaguardando as excepções à regra) os
indivíduos conseguem aprender desde que as actividade e propostas de aprendizagem lhes sejam adequadas.
Neste sentido, quase que me atreveria a dizer, que não há dificuldades de aprendizagem desde que se tenha em conta o sujeito, o indivíduo que se propõe ou é proposto a aprender.”
(TEXT: univ.CE25)
As dificuldades surgem se “o ensino não está adequado ao aluno.” (TEXT:
univ.L5), e quando não se promove a “...adequação de uma dada situação/descoberta ao
nível de desenvolvimento do sujeito.” (TEXT: univ.L9).
“...o modo como o conteúdo do que se quer ensinar é apresentado ou com o próprio método de ensino pouco adaptado ao estilo de aprendizagem do aluno.”
(TEXT: univ.CE16)
“Para a realização de uma determinada aprendizagem podemos seguir muitos caminhos. Se uma pessoa não consegue aprender no método A, é porque, talvez, este não seja o método mais indicado para ela. Temos que tentar, percorrer os vários métodos até encontrarmos o que melhor se adequa às nossas características.”
(TEXT: univ.CE8)
“...ao ser transmitido algo, esse algo pode não ser bem explicado ou/e não ser correctamente apreendido. Essa ligação entre a transmissão de conhecimentos e a apreensão dos mesmos, quando é deficiente constitui uma dificuldade de aprendizagem.”
(TEXT: univ.H1-11)
• Desadaptação de Esquemas e Quadros conceptuais prévios
Alguns testemunhos referem que uma dificuldade de aprendizagem pode ser
descrita não apenas como uma dificuldade de compreensão, mas de forma ainda mais
específica, como uma dificuldade ao nível dos processos de assimilação. Isto é, uma
dificuldade de integração do novo no anteriormente adquirido, a dificuldade de
integração de nova informação nos quadros conceptuais pré-existentes. Esta parece ser
uma forma de conceber particularmente interessante neste contexto, por se referir,
afinal, a uma das questões nucleares que conduziu a este estudo, a saber: como conciliar
a noção de que as dificuldades de aprendizagem são um problema, uma patologia
“digna” de um lugar na DSM, e uma perspectiva construtivista sobre a aprendizagem,
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
226
que tem por base a resolução de problemas, de conflitos, de dificuldades e
desequilíbrios cognitivos?
“A maioria das vezes, a dificuldade em aprender ocorre por estarmos a ser
confrontados com algo que nos é de uma qualquer forma completamente novo ou pelo menos com uma grande parcela de novidade. O caracter de completa novidade daquilo que devemos aprender é o principal factor da dificuldade. Falo numa grande novidade porque em princípio para algo que nos é desconhecido não temos um quadro de referência. A necessidade de conceitos, vocabulário, quadros de referência, ... novos é o principal factor de dificuldade já que requer uma construção nova e um maior investimento.”
(TEXT: univ.H1-13)
“...a dificuldade surge pelo caracter novo da matéria a adquirir em relação ao nosso quadro mental.”
(TEXT: univ.H1-13)
A esta questão se associa a noção de que aprendizagem depende também da
experiência anterior do aluno, não só em termos do que foi adquirindo e assimilando ao
longo do tempo mas também em função do que está preparado, predisposto, aberto e
disponível, para aprender.
“É não se conseguir predispôr para a assimilação de algo que em muito pode
abalar (ou, pelo menos, reequacionar) aquilo que durante muito tempo não ousámos pôr em causa...”
(TEXT: univ.L18)
“Uma grande dificuldade de aprendizagem pode ser o afastamento da realidade com que deparamos, daquilo que já conhecemos, isto é, quando as coisas se afastam em muito do nosso domínio de experiência.”
(TEXT: univ.L25)
“...dificuldade em compreender a estrutura duma determinada situação, porque os pressupostos em que ela está envolvida ou me ultrapassam em grande parte ou pura e simplesmente não me dizem respeito, e como tal falta-me capacidade, disponibilidade, disposição ou então sensibilidade para captar os pontos principais desse problema.”
(TEXT: univ.L48)
Em síntese, segundo esta perspectiva interdependente, as dificuldades são quase
sempre situações de desfasamento ou desadaptação pessoal, de deficiente integração no
grupo, na cultura ou no currículo, de descoordenação entre o que é ensinado e o que é
(ou pode ser) aprendido. O foco do problema não se situa nem no aluno nem no
contexto, antes na forma como se encontram e interagem, construindo ou não condições
que favoreçam a aprendizagem.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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227
4. Perspectiva funcional
Nesta perspectiva, considera-se que as dificuldades de aprendizagem são parte
integrante de qualquer processo de aprendizagem. Mais do que isso, as dificuldades são
descritas como parte integrante da própria vida. Constituem uma etapa necessária, com
uma função específica: representam desafios ou oportunidades de aprendizagem, de
descoberta, de crescimento pessoal e intelectual. São analisadas em função do resultado
a que dão (ou podem dar) origem e nunca de forma isolada, estática ou determinista.
Além disso as dificuldades são vistas como comuns, normais e difundidas na população.
“...dificuldades todos temos.” (TEXT: univ.L31)
Os testemunhos inseridos nesta categoria referem-se a dificuldades que podem
ocorrer em qualquer situação e a qualquer pessoa, dentro ou fora do contexto escolar.
“Dificuldades de aprendizagem é também algo normal ao longo do processo de aprendizagem, a que o aluno deve saber gradualmente (ao longo dos vários graus de ensino) auto-superar, servindo-se de todos os recursos que lhe podem ser úteis.
(TEXT: univ.H1-6)
“As dificuldades na aprendizagem estão sempre a surgir, quer devido àquilo que queremos saber quer aos métodos que usamos, quer ainda porque não entendemos quem nos ensina ou vice-versa. Daí o desafio, ainda bem que existem dificuldades para pormos à prova o nosso interesse pelos assuntos e até porque o nosso conhecimento pode ficar melhor estruturado ... enfim, se não existirem problemas de outra ordem, é bom haver uma certa dificuldade.”
(TEXT: univ.H1-10)
“Ter dificuldades é humano e pode ser benéfico. No entanto, depende do modo como as coisas são apresentadas, pois daí deriva o sentimento que vou ter.”
(TEXT: univ.H98-12)
“Diria que são os obstáculos que se têm de ultrapassar para a compreensão de uma matéria ou de uma tarefa...
Na verdade para aprender é preciso errar, só errando se aprende.” (TEXT: univ.H98-16)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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228
Algumas pessoas compreendem intuitivamente uma das maiores dificuldades
neste domínio, nomeadamente a dificuldade de delimitar e definir um conceito tão
relativo como o conceito de dificuldade de aprendizagem. Reconhecem que as
dificuldades tanto podem ser benéficas, como podem gerar sentimentos negativos e
disfuncionais. Que são uma característica da própria vida, podendo afectar todos, em
qualquer momento.
“Sentir dificuldades é algo assustador. É algo que sei por experiência própria que é sofrido e tem-se que ultrapassar ao longo da vida. Isto, porque a vida é feita de dificuldades.”
(TEXT: univ.H1-9)
“Quando penso em dificuldades de aprendizagem associo logo à dislexia, mas penso que todos nós, bons ou maus alunos por vezes passamos por este problema.”
(TEXT: univ.H98-13)
Esta concepção parece associada a um construtivismo intuitivo, na convicção de
que cada aluno interage com as situações de aprendizagem e que as dificuldades
dependem sobretudo da forma como as coisas são apresentadas e se apresentam a cada
pessoa, como são interpretadas e integradas no próprio processo de construção
(produção) das aprendizagens.
“A passagem do "estado natural" para o "estado cultural" obriga o ser humano a ser "produto e produtor de aprendizagem".
(TEXT: univ.L17 )
“O conhecimento é uma área da aprendizagem que envolve participação, dúvida e encantamento.”
(TEXT: univ.H98-5)
Em síntese, os testemunhos inseridos nesta perspectiva funcional podem referir-
-se a duas concepções sobre dificuldades de aprendizagem, que se consideram de forma
complementar: a) algo de inerente à aprendizagem e à vida humana; b) um desafio
e uma oportunidade, a nível pessoal, interpessoal e cultural, na comunidade como na
investigação científica .
II. MÉTODO: Estudo 2.
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229
4. a) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como algo inerente à
aprendizagem ou à própria vida
Numa perspectiva funcional, a concepção de “dificuldade de aprendizagem”
como algo de inerente à aprendizagem e à vida, pressupõe que em todas as situações
de aprendizagem podem ocorrer dificuldades, e tanto mais quanto se trate ou se
pretenda um maior aprofundamento e qualidade.
“Eu acredito que não existe nenhuma aprendizagem (entenda-se vida) sem nenhuma dificuldade no seu desenrolar enquanto actividade e processo, caso contrário não a consideraria aprendizagem.”
(TEXT: univ.L23)
“...a dificuldade faz parte da aprendizagem, seria provavelmente tudo muito enfadonho se fosse de compreensão instantânea; ou seríamos todos uns geniozinhos, ou aquilo que se aprendia era muito pobre.”
(TEXT: univ.H1-21)
“...dificuldade que uma pessoa pode sentir quando se vê perante algo novo, com o que ainda não está familiarizada. Isto geralmente acontece ao nível das matérias estudadas nas escolas, mas pode também acontecer ao nível do dia-a-dia (nos empregos, novas actividades de tempos livres).”
(TEXT: univ.L50 )
“A dificuldade de aprendizagem pode não existir só na escola, pode existir em qualquer campo da vida onde as pessoas tenham necessidade de comunicar umas com as outras.”
(TEXT: univ.H98-3)
Nesta perspectiva, é o próprio acto de aprender que “não é fácil”, por inerência.
Isto é, para algumas pessoas parece muito claro que não faz sentido procurar entender as
dificuldades fora do contexto da própria aprendizagem. Não faz sentido dicotomizar,
separar o mundo das aprendizagens do mundo das dificuldades. Sem dificuldades não
há aprendizagens. Pelo menos não há aprendizagens de qualidade, aprendizagens em
sentido lato.
II. MÉTODO: Estudo 2.
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230
“...aprender não é fácil! Para evitar a dificuldade na aprendizagem temos de estar predispostos a tal. É preciso querer aprender. É preciso ter gosto no saber e não colocar obstáculos que impeçam essa dialéctica.”
(TEXT: univ.L45)
Por isso, muitos testemunhos consideram que a verdadeira “terapêutica” está na
mudança de atitudes, de interesses e de métodos. Trata-se de aprender a aprender, de
melhorar e favorecer a forma como se aprende, de aprender a identificar e a resolver
problemas.
“Diria que não existem dificuldades impossíveis de vencer para as pessoas
razoavelmente normais. Quem não aprende mais rápido aprende mais devagar. Com paciência, com métodos apropriados, com gosto, com perseverança. Desistir é a pior forma de resolver os problemas”.
(TEXT: univ.L43)
Constata-se que os testemunhos inseridos nesta categoria (como em qualquer
outra) podem integrar elementos conceptuais já referidos e analisados em perspectivas
anteriores. Todas estas concepções não parecem ser nem exclusivas nem antagónicas.
Podem coexistir, complementam-se ou alternam entre si.
Cada pessoa pode oscilar entre diferentes perspectivas, recorrendo a uma ou a
outra sucessivamente, em função do modo como analisa cada caso e cada contexto.
Nalgumas situações, as dificuldades podem ser concebidas como patologias ou
deficiências, noutros casos, como exemplos de interferência ou desadaptação, noutros
ainda, como parte integrante da própria vida. Além disso, cada pessoa pode recorrer,
simultaneamente, a diferentes concepções, integrando-as e combinando-as das mais
variadas maneiras. Num discurso de senso comum, ao contrário do que ocorre na
abordagem científica, não existe sistematização nem se elabora sobre categorias
exclusivas. Mais do que um esforço de análise e de decomposição de elementos
discretos, observa-se uma tendência para uma visão global, holística, onde os elementos
se sobrepõem e parecem indissociáveis.
“Pode ser bastante negativo ou positivo para uma pessoa. Pode ser negativo, porque a pessoa pode ter vergonha de dizer que tem dificuldades de aprendizagem e nunca as superar, mas também pode não se aperceber que tem dificuldades de aprendizagem e por exemplo não estudar ou não se preocupar com o assunto.
Pode ser positivo porque perante as dificuldades de aprendizagem, a pessoa pode tentar vencê-las.”
(TEXT: univ.H98-4)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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4. b) Concepção de “dificuldade de aprendizagem” como Desafio ou
Oportunidade
Ainda numa perspectiva funcional, a concepção de “dificuldade de
aprendizagem” como desafio ou oportunidade, pressupõe que as dificuldades podem
ser ocasiões privilegiadas de descoberta e aprendizagem.
“As dificuldades na aprendizagem estão sempre a surgir, quer devido àquilo que queremos saber quer aos métodos que usamos, quer ainda porque não entendemos quem nos ensina ou vice-versa. Daí o desafio, ainda bem que existem dificuldades para pormos à prova o nosso interesse pelos assuntos e até porque o nosso conhecimento pode ficar melhor estruturado... Enfim, se não existirem problemas de outra ordem, é bom haver uma certa dificuldade.”
(TEXT: univ.H1-10)
A noção de oportunidade pode surgir e ser concebida a vários níveis, desde a
possibilidade de se “desligar da matéria” em que as dificuldades ocorrem “sem
grandes remorsos”, até ao desafio de estruturar e reestruturar saberes, de refazer e
encontrar novos métodos de trabalho, oportunidade de aprender e de crescer.
“...se a disciplina em que essa dificuldade ocorresse não despertasse o meu interesse provavelmente considerava-a como uma oportunidade para me permitir desligar da matéria sem grandes remorsos pois afinal de contas eu até nem conseguia perceber o que se pretendia com tal matéria”.
(TEXT: univ.H1-22)
“Na minha própria aprendizagem sinto uma dificuldade quando não consigo perceber qualquer coisa. O que pode ser vantajoso, porque pode ser uma dificuldade que me leve a procurar soluções para ela e portanto acabar com ela. E isso é evoluir. Mas ao longo do meu percurso escolar nem sempre isso aconteceu, pois há uns anos atrás, uma dificuldade poderia levar-me à desmotivação.”
(TEXT: univ.H1-33)
“Mas também as dificuldades podem ser importantes no sentido de nos obrigar a aplicarmo-nos com mais afinco, mais intensamente e reflexivamente (embora nos possa custar).Impõe-se que nos ultrapassemos a nós próprios constantemente.
As dificuldades de aprendizagem são assim desafios constantes e que fazem parte do nosso crescimento como pessoas.”
(TEXT: univ.H1-9)
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“Sentir uma dificuldade de aprendizagem, apesar do primeiro impacto negativo, também tem uma vertente positiva porque nos fará interiorizar um pouco mais, levando a um conhecimento mais profundo da nossa pessoa.”
(TEXT: univ.H98-1)
“Sentir uma dificuldade faz com que uma pessoa reflicta mais acerca do assunto, que o questione mais, e por vezes se conheça melhor.”
(TEXT: univ.H98-12) Quase todos estes testemunhos se referem a uma interacção entre os efeitos
produzidos pelo confronto adaptativo com uma dificuldade de aprendizagem e
elementos energéticos do comportamento: estímulo, coragem, motivação. Num “ciclo
vicioso” com carácter positivo, adaptação tende a gerar maior adaptação.
“Pode ser um estímulo quer para o aluno, quer para o professor (que deve ser
capaz de captar a dificuldade do aluno a exprimir-se sobre algo) para que se ultrapasse essa dificuldade através de um trabalho em que as duas partes se devem comprometer igualmente com vista ao sucesso escolar do aluno que deve ser o objectivo principal a que todos os professores se devem empenhar.”
(TEXT: univ.H98-15)
“Cada "vitória" que se alcança reforça a consciência de que as dificuldades são quase sempre ultrapassáveis.”
(TEXT: univ.H98-2)
“Compreender as nossas limitações e ter coragem para as ultrapassar simplifica as complexidades do fenómeno da aprendizagem.
É um desafio que nos permite ter asas e voar...a humildade suficiente... em face de um conhecimento que é infinito.”
(TEXT: univ.H98-5) Em síntese, numa perspectiva funcional as dificuldades podem estar na origem
de novas (ou renovadas) aprendizagens, mas sobretudo de um novo (ou renovado)
conhecimento de cada um sobre si próprio. Quando não há problemas, quando tudo é
(ou nos é dado como) demasiado simples, há menos oportunidades de descoberta, de
crescimento pessoal e de desenvolvimento. Nesta perspectiva, o essencial não é saber
se o aluno tem ou não tem dificuldades, antes compreender que função e que efeitos
produzem as dificuldades que a todos podem ocorrer quando procuram aprender.
Adaptando uma forma de dizer bem popular, “só não tem dificuldades quem não
aprende”.
“Ultrapassar as dificuldades de aprendizagem é ultrapassarmo-nos sempre.”
(TEXT: univ.L33)
II. MÉTODO: Estudo 2.
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233
Em síntese, o trabalho desenvolvido ao longo deste segundo estudo permitiu a
identificação de várias concepções de senso comum sobre dificuldades de
aprendizagem, integradas numa estrutura múltipla, hierárquica e não exclusiva.
Na amostra agora observada parecem estar difundidas múltiplas formas de
conceber e de descrever as dificuldades, que correspondem de uma forma muito
aproximada ao leque de concepções científicas desenvolvidas nas últimas décadas
(como se descreveu no capítulo de Introdução e está de acordo com a segunda das
hipóteses formuladas):
• do modelo médico, ao modelo do processamento psicológico, até ao modelo
das estratégias cognitivas (p.18 a 21)20.
• da noção de interferência, presente na definição da DSM-IV (1996), até à
noção de discrepância como critério de diagnóstico (páginas 26 e 33,
respectivamente).
• das concepções mais tradicionais de classificação e separação de vários tipos
de alunos (com e sem distúrbios ou dificuldades) às novas concepções mais
centradas na compreensão dos processos (p. 49), na avaliação dos problemas
em contexto (p.116), na mobilidade, funcionalidade e modificabilidade do
desempenho do aluno (p.28 e seguintes, 71, 81, 117).
De salientar que as concepções de senso comum agora identificadas são uma
tentativa de decomposição e análise do ponto de vista pessoal expresso por cada sujeito.
Cada pequeno excerto, pode ser associado a uma concepção específica, mas não permite
a identificação da perspectiva conceptual de cada pessoa. Na prática, no dia-a-dia, estas
perspectivas e concepções surgem associadas ou aglutinadas. Nada impede que uma
mesma pessoa possa recorrer e utilizar diferentes concepções, mesmo para explicar uma
mesma situação. Tal como se observou no estudo anterior (Quadro 1.15.), um mesmo
problema ou situação de aprendizagem pode ser analisado em diferentes dimensões e
sob diferentes pontos de vista. Por exemplo, numa perspectiva de senso comum como
numa perspectiva científica, uma dificuldade de aprendizagem pode ser concebida como
20 Talvez a perspectiva comportamental seja de todas a menos referida e a mais contra-intuitiva.
II. MÉTODO: Estudo 2.
Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves
234
tendo na sua origem uma causa de natureza psiconeurológica21 (neste caso, como um
distúrbio de aprendizagem (Rebelo, Fonseca, Simões & Ferreira, 1995)) e considerar-se
que pode constituir, assim mesmo, uma oportunidade e um desafio pessoal, a que cada
aluno responde (ou pode ser ajudado a responder) com maior ou menor adaptação e
eficácia funcional22.
Ou seja, uma vez mais se reitera a noção de que estas concepções não são
exclusivas nem exaustivas. Podem ser referidas por uma mesma pessoa, simultânea ou
sucessivamente, sem que isso signifique contradição ou inconsistência. Antes uma
consciência sobre a complexidade da natureza e da origem das dificuldades de
aprendizagem. Além disso, outros estudos deverão ser posteriormente desenvolvidos
para uma confirmação e análise posterior das categorias agora identificadas e descritas.
Embora seja enorme, e quase surpreendente, a variedade de perspectivas aqui
observada, é possível que outras perspectivas e concepções possam ainda ser
consideradas no futuro.
21 O que numa perspectiva de senso comum, pode dizer-se que corresponde a uma concepção
pessoal de Dificuldade de Aprendizagem como Patologia, integrada numa Perspectiva Disfuncional. 22 Aspectos que correspondem a uma Perspectiva Funcional.