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Maria AsensioCapítulo do livro Tópicos Avançados de Gestão, Guerry, Marques e Nogueira (coords). Ed. CETRAD / UTAD, 2011In an attempt to make sense of recent healthcare reforms, this chapter presents an analysis of reform dynamics with a particular emphasis on southern, continental and northern Europe. From the NPM perspective, the stated aims of the reforms have been to improve cost control and to distribute health resources more equally across regions and municipalities. From the profession perspective, it has been pointed out that doctors may also play a role in such reforms and NPM may be seen as a movement towards a more centralized medical regime. From the State perspective, one could argue that NPM reforms bring about a further strengthening of central state governance. These perspectives will be presented focusing on each perspective contribution towards healthcare governance.
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1
“Estudo Comparado sobre os Desafios da Nova Gestão Pública no Sector da Saúde e a Arquitectura da Responsabilidade1
”
Maria Asensio2
Fevereiro 2011
ABSTRACT
In an attempt to make sense of recent healthcare reforms, this chapter presents an analysis of reform
dynamics with a particular emphasis on southern, continental and northern Europe. From the NPM
perspective, the stated aims of the reforms have been to improve cost control and to distribute health
resources more equally across regions and municipalities. From the profession perspective, it has been
pointed out that doctors may also play a role in such reforms and NPM may be seen as a movement
towards a more centralized medical regime. From the State perspective, one could argue that NPM
reforms bring about a further strengthening of central state governance. These perspectives will be
presented focusing on each perspective contribution towards healthcare governance.
Introdução
Muitos estudiosos da Administração Pública referem que, durante as últimas duas ou três décadas, as
reformas nos hospitais tornaram-se um fenómeno global. Mais recentemente, têm destacado também que
a saúde está em permanente "des-reorganização" (Pollitt 2007). Neste capítulo, analisam-se as questões
que são tomadas em consideração nas decisões sobre as reformas de saúde enquadradas no debate da
Nova Gestão Pública. Em primeiro lugar, analisar-se-ão as principais ideias de reforma promovidas pela
Nova Gestão Pública (NGP). O termo é utilizado como ponto de partida para analisar as reformas que
foram implementadas na área da saúde desde a década de 1980. Neste capítulo irei descrever algumas
características comuns dessas reformas e usá-las como ponto de partida para apresentar e discutir
estruturas alternativas para compreender e dar sentido à evolução recente da reforma
Em segundo lugar,
.
discutir-se-á o que acontece quando estas estruturas e as realidades empíricas a que se
referem são desafiadas pela Nova Gestão Pública. Não é invulgar ouvir o argumento de que, como
consequência da NGP, existe um movimento de convergência dos sistemas de saúde, em particular, no
seio dos países caracterizados por ter Sistemas Nacionais de Saúde (SNS): países com tradição anglo-
saxónica, países da Europa do Sul e sistemas escandinavos, assim como também nos países
caracterizados por ter sistemas corporativos na Saúde, como os países de tradição prussiana e
napoleónica. A recente reforma de saúde nos Estados Unidos (Schram, et al. 2010) pode ser mais um
indício de um reforço do papel do Estado na governação da saúde num contexto mundial (Freeman,
2000). Numa tentativa de encontrar um sentido para as recentes reformas da saúde, este capítulo
apresenta uma análise da dinâmica da reforma, com especial ênfase nos países da Europa do sul
1 Este capítulo foi aceite para publicação no livro “Tópicos Avançados de Gestão “ editado pela UTAD, Julho 2011.
, nos
2 Maria Asensio é investigadora principal da Unidade de Investigação e Consultoria (UNIC) no INA e professora auxiliar de Ciências Políticas na Universidade de Évora.
2
países da Europa continental e nos países do norte da Europa
Na perspectiva da NGP, as reformas introduzidas no sector da saúde têm como objectivo melhorar o
controlo dos custos e distribuir os recursos da saúde de forma equitativa para as regiões e os municípios.
Além disso, na retórica oficial, as reformas da NGP têm sido desenhadas para reduzir a dimensão do
governo na esfera da saúde e limitar o controlo dos profissionais de saúde a fim de desenvolver um
sistema mais descentralizado e capacitar os doentes e os consumidores nos cuidados de saúde (Immergut,
1991). Na perspectiva dos profissionais de saúde, a NGP pode realmente ser vista como um movimento
em direcção a um novo sistema médico mais centralizado. A NGP pretende envolver os médicos no
processo da reforma para que os profissionais de saúde desempenhem um papel central em tais reformas.
Na perspectiva do Estado, poder-se-ia argumentar que a NGP promove um maior controlo do Estado
sobre as políticas da saúde.
.
Estas três perspectivas serão apresentadas, seguidas de uma discussão sobre o contributo de cada uma no
âmbito da NGP. A discussão também abordará a forma como cada perspectiva irá contribuir para explicar
as tendências de longo prazo da NGP através da governabilidade dos cuidados de saúde.
A Prestação dos Cuidados de Saúde e a NGP
De acordo com a perspectiva da NGP, a separação institucional entre entidades financiadoras e
prestadoras de cuidados de saúde são necessárias para articular e diferenciar diversas funções no sector
público. Existe um progressivo consenso de que o Estado, tal como defende esta perspectiva, não tem de
ser um prestador directo de serviços públicos, mas sim um garante da prestação desses serviços, quer
permitindo a concorrência entre os prestadores privados ou públicos, quer pela transferência das
responsabilidades da prestação dos serviços para agências independentes e a empresas. Os elementos
distintivos destas reformas foram identificados por Christopher Hood (1991) como uma orientação para
resultados, como uma mudança para a quantificação, os incentivos para os gestores e uma voz para o
cidadão enquanto consumidor. Uma forma popular de descrever a dinâmica das reformas promovidas
pela NGP, no início dos anos 90, é através da 'teoria de etapas"3
Mais especificamente, a perspectiva da NGP sugere três maneiras de lidar com o presente e com o futuro.
Primeiro, esta perspectiva recomenda uma forte ênfase na gestão. O Estado tem de estabelecer as linhas
de gestão e criar espaço para que os gestores lidem com os empreendedores. Em segundo lugar, o Estado
tem de desenvolver instrumentos de mercado e de transparência, também nos sectores em que os
, em que a modernização do sector
público é realizada em três etapas (Harding e Preker 2003: 27-28). A primeira etapa é a alienação das
actividades comerciais do governo; a segunda etapa tem lugar quando as infra-estruturas são privatizadas
ou tornadas "independentes” por parte do Estado; a terceira etapa é o movimento em curso de
implementação das reformas de mercado nas funções essenciais do Estado, nos serviços sociais e nos
serviços de saúde. A previsão é de que haverá um movimento para uma crescente privatização e
terciarização da saúde. Esta tendência irá retirar algumas responsabilidades políticas e financeiras dos
ombros do Estado.
3 Trata-se de uma perspectiva teórica que deriva da combinação de diferentes contributos teóricos propostos por H.D. Lasswell, H. A. Simon e D. Easton na década de 1960.
3
mercados não existem, a fim de promover os objectivos da política de saúde. Em terceiro lugar, há uma
necessidade de promover a autonomia organizacional, onde as empresas e outras unidades
organizacionais independentes promovem a produção e a prestação de serviços, mas onde o papel do
Governo é o de comprar, regular e controlar. Estes três tipos de reformas da NGP e alguns exemplos da
sua aceitação e impacto em diversos contextos nacionais serão examinados pormenorizadamente nas
páginas seguintes.
Gestão
A administração profissional e a gestão das profissões são relevantes no debate sobre o impacto da NGP
nos hospitais públicos. Embora as primeiras iniciativas implementadas no Reino Unido tenham surgido
na década de 1960 e digam respeito à gestão dos hospitais, foi o Relatório Griffiths de 1983 que levou ao
desenvolvimento de um programa consistente para transformar o SNS numa organização semelhante a
qualquer grande empresa privada. Os hospitais eram geridos por gestores com responsabilidades por um
orçamento descentralizado. Poucos foram os médicos que se ofereceram para assumir cargos de gestão, e
a maioria destes vieram a ser preenchidos pelos administradores ou gerentes com o velho estilo importado
do sector privado (Kirkpatrick et al. 2009). Surge assim, uma nova classe de gestores do SNS, tornando
mais difícil atribuir aos médicos funções de gestão. Este facto vem reconhecer a emergência de uma
segunda geração de reformas de gestão que procura trazer os médicos de novo à gestão, a chamada
reforma da gestão clínica (Kirkpatrick et al. 2009).
Noutros casos, como nos países escandinavos, as reformas da NGP foram menos propensas a impulsionar
a médicos e enfermeiros para cargos de gestão. Isto aconteceu em parte porque a primeira geração de
reformas da NGP, desenvolveu uma estrutura de gestão dual em que os médicos e os enfermeiros
conseguiram criar as suas próprias hierarquias profissionais. No entanto, a ideia de que a gestão deveria
ser concebida como uma profissão, independente da noção tradicional de profissão, tem sido amplamente
divulgada e institucionalizada através dos programas de gestão de desenvolvimento nacional (Jespersen e
Wrede 2009).
Na reforma de saúde de 1992, a Itália introduziu uma mudança na administração da saúde de uma gestão
política - representativa para uma gestão técnica - gerencial (Mattei, 2009). Também em França, a
reforma sanitária de 1996 estabeleceu uma posição mais forte para os administradores hospitalares
(Freeman e Moran, 2000). Em Portugal, entre as principais inovações introduzidas entre 1995 e 2001,
destaca-se o incentivo a uma maior produtividade e satisfação dos clínicos gerais através de um novo
regime remuneratório experimental que tinha em consideração as condições do desempenho profissional;
uma maior descentralização no planeamento e controlo das unidades de saúde (Campos, 2001). Na
Alemanha, no final de 1990, houve reformas em Hamburgo e Berlim, que transformaram o papel do
director médico - primus inter pares- no de um assistente da equipa directiva. Nos países da Europa
continental e do sul da Europa empreenderam-se reformas de gestão após o Reino Unido, Portugal, Itália,
Dinamarca e a Suécia, e, talvez, devido à representação contínua dos políticos locais e dos representantes
dos trabalhadores em conselhos dos hospitais, pelo menos em França e na Alemanha, têm havido menos
exigências nos modelos de gestão clínica.
4
Transparência e Medição do Desempenho
Conceitos centrais na prática das reformas são a separação entre entidades financiadoras e
prestadoras de cuidados e a introdução de alguma forma de «mercado» ou de mecanismos de
competição nos sistemas públicos. A separação entre as instituições que financiam os cuidados face
às que os prestam tem várias vantagens, designadamente as de permitirem maior competição do lado
da oferta, incrementando a eficiência na prestação, a possibilidade de escolha e a sensibilidade face
às necessidades dos utentes. No entanto, essa separação, em si, não garante necessariamente o
aumento de competição entre os agentes nem assegura a formação de algum tipo de quase-mercado (Le
Grand e Bartlett, 1993) ou mercado planeado (Saltman e Von Otter, 1989 e 1992).
A introdução de um mercado interno, ou de um quase-mercado, procura introduzir a concorrência através
de mecanismos de tipo mercado (MTM) para melhorar a eficiência e a efectividade do sector público,
estimulando a produtividade, o controlo de custos, a flexibilidade da gestão e a capacidade de mudança.
Na área de saúde, os MTM no Reino Unido foram anunciados e implementados pelo governo de Margaret
Thatcher no início de 1990. Doravante, os intermediários, tais como os fundos para os Médicos de
Medicina Geral ou a Autoridade de Saúde, foram destinados à aquisição de cuidados de saúde em nome
dos doentes. Modelos similares de contratos entre financiadores e prestadores foram introduzidos na
Nova Zelândia e em muitos municípios da Suécia. Em Portugal, a nova lei de gestão hospitalar e o
processo de empresarialização de 34 hospitais, iniciado no final de 2002, apontam para que venha a
estabelecer-se um mercado misto no sistema de saúde. No entanto, o tecido de prestadores é ainda
dominado por instituições públicas com reduzida autonomia organizacional de facto e o sistema
caracteriza-se por uma forte centralização, rigidez nas relações hierárquicas e ausência de mecanismos de
efectiva negociação mutuamente responsabilizadores (Harfouche, 2009).
Alterações nos sistemas de pagamentos também foram uma parte fundamental das reformas da NGP.
Estes sistemas abrangem um vasto conjunto de possibilidades, desde a definição de enquadramentos
legais para preços praticáveis, autorizações formais para investimentos, fórmulas de financiamento e
política de licenciamentos e acreditação até aos mecanismos de pagamento dos prestadores,
estabelecimento de contratos-programa, penalizações e/ou recompensas financeiras ou outros
incentivos em termos de financiamento como meios de favorecer certas acções dos regulados
(Saltman, Figueras e Sakellarides, 1998). Do ponto de vista dos reformadores, era visto como
problemático que certos tratamentos para os doentes fossem realizados em detrimento de outros doentes
que poderiam ter uma necessidade mais urgente de tratamento. Modelos anteriores tinham incentivado os
hospitais do SNS a manter longas listas de espera, enquanto, nos sistemas corporativos, os custos eram
desnecessariamente elevados. Os novos sistemas de pagamento que foram introduzidos eram de Grupos
de Pagamento relacionados com o Diagnóstico (DERs), como na Alemanha, ou sistemas baseados em
ideias semelhantes, como o sistema de "pagamento por resultados" implementado na Inglaterra. Estes
sistemas recompensam os prestadores pela produtividade, já que um aumento na actividade,
posteriormente poderá fazer aumentar o pagamento. Eles também fornecem ao pagador e ao prestador
informações cruciais sobre a sua actividade.
Quando os especialistas constataram a expansão internacional do sistema (Grupos de Pagamento baseado
no Diagnóstico) DRG, encontraram uma expansão extraordinária da sua utilização numa base global. Em
5
geral, a experiência é que uma vez que o instrumento é introduzido, ele tende a assumir múltiplos
objectivos, apesar de que os efeitos serem um pouco diferentes, mas, no longo prazo, é provável que seja
usado para fins semelhantes (Kimberly et al. 2008). Também tem havido uma convergência para enfatizar
os direitos dos doentes e a livre escolha dos hospitais, juntamente com a introdução de novos regimes da
qualidade e o desenvolvimento padronizado de directrizes clínicas. A qualidade dos dados torna possível
avaliar as alterações da eficácia ao longo do tempo e comparar o desempenho institucional. A fim de
tornar possível aos doentes a escolha de hospitais, é preciso exigir aos hospitais que prestem ao público
informações correctas, uma série de critérios nacionais de qualidade, assim como a introdução e avaliação
de inquéritos de saúde realizados junto dos utentes, que são produzidos regularmente. Os hospitais são
avaliados numa base regular e, às vezes são classificados. Tais classificações e normas têm sido objecto
de crítica, mas as autoridades responderam com a promessa de melhorá-los, a fim de atingir os objectivos
definidos.
Autonomia Organizacional e a separação de funções
Em traços gerais, as reformas desencadeadas pela NGP procuraram introduzir a autonomia organizacional
dos prestadores, as competências de gestão e novas formas de regulação destes sistemas mais
descentralizados. De acordo com os defensores da NGP, a condição indispensável para que o sector da
saúde seja eficaz é estabelecer organizações prestadoras mais especializadas, para gozar de uma certa
autonomia e flexibilidade. Os reformadores têm procurado desenvolver novos organismos de saúde que
não fazem parte da cadeia de comando público - governamental, mas que no entanto estão sujeitas à
intervenção política4
Na maioria dos países, o objectivo tem sido a criação de sistemas de gestão de saúde e de planeamento a
nível regional. Embora a regionalização seja vista mais como um meio para a devolução, pode,
historicamente, ter sido ainda mais importante como um meio de centralização. Estes processos de
centralização são destacados por Daniel Fox (1986) na sua teoria de "regionalismo hierárquico”. Isto é, a
tentativa com base em critérios científicos, de estabelecer uma divisão do trabalho e uma hierarquia de
estatuto entre os hospitais dentro de uma determinada área geográfica. A criação das regiões de saúde
foram, no entanto, um processo muito politizado, particularmente em sistemas com uma forte tradição de
autonomia local e onde as relações entre o centro e a periferia tinham sido importantes nos processos de
construção do Estado-nação. É o caso da Noruega, um país que passou por uma grande reforma hospitalar
em 2002. A justificação desta reforma baseava-se nas ideias da NGP, isto é, na necessidade de
desenvolver hospitais com maior autonomia, maior capacidade de gestão e mais critérios de desempenho.
. Oficialmente, a política tem de intervir apenas em questões de princípios, mas
tornou-se evidente que é difícil distinguir entre as questões de pormenor e as questões de princípios.
Quando falamos de princípios: que critérios deveriam reger as decisões de despesa pública? As
controvérsias sobre os níveis e as prioridades orçamentais originam-se não somente numa incapacidade
em fazer face aos princípios de acção social, como também de falha na sua formulação (Saltman e
Figueras, 1997).
4 Max Weber especificou três características fundamentais da organização burocrática baseada na cadeia de comando público -governamental: (i) As funções são claramente definidas; (ii) A autoridade é limitada e hierarquizada; (iii) Os procedimentos, direitos e encargos são formalizados. A organização opera de acordo com regras gerais mais ou menos estáveis, mais ou menos abrangentes e que podem ser apreendidas.
6
A reforma, no entanto, também tem fortalecido o controlo do Estado de uma forma mais explícita do que
têm feito outras reformas na Europa. Em Portugal, por exemplo, a regionalização da administração dos
serviços de saúde com a criação de cinco administrações regionais de saúde, teve desenvolvimentos
significativos e deu maior autonomia e poderes para coordenar a actividade dos hospitais (Asensio, 2008).
Na Itália houve uma luta entre o Estado central e as regiões. A Itália passou de uma reforma da saúde em
1992, que se estabeleceu em favor das regiões. Os distritos de saúde italianos também foram
estabelecidos como «empresas públicas autónomas», dirigida por gestores gerais e não por comissões
locais (Freeman 2000: 43, 68). Reformas semelhantes em outros países "têm induzido processos de
ampliação das áreas ou localidades, assim como têm induzido processos de descentralização, agregando
as administrações locais e os grupos de interesse, bem como têm desagregado as administrações
nacionais" (Freeman 2000: 80).
Conselhos de Hospitais com gestão mais empresarial foram introduzidos em muitos países. Na Noruega,
os reformadores defenderam uma representação mais forte dos gestores com experiência em empresas
privadas, que supostamente seriam capazes de melhorar a governação económica dos hospitais. Outros
países, como a Alemanha e a França, têm mantido os representantes das autoridades locais nos conselhos
de fiscalização. As fundações do SNS, introduzidas no Reino Unido em 2003, representaram uma ruptura
com uma das principais características do SNS britânico; designadamente, até este ponto, as Foundation
Trusts do SNS eram directamente responsáveis perante o secretário de Estado da Saúde. No novo modelo,
foi criado um Conselho de Governadores ou Board of Governors e o conselho de administração é
directamente responsável perante ele. O conselho de governadores é composto por membros eleitos de
confiança. Este novo sistema de delegação de responsabilidades para os actores locais destina-se a
substituir a responsabilização política tradicional (Mattei, 2009). Um dos aspectos mais problemáticos
deste novo tipo de responsabilidade participativa é que o conselho de governadores pode passar a ser
dominado por grupos específicos de clientes, cujos interesses estão concentrados e são intensos5
Principais Divergências e Convergências das Reformas da NGP
(Sartori,
1987).
Existem variações interessantes nos respectivos países europeus em termos de até que ponto eles
introduziram os instrumentos e as ideias das reformas associadas com a NGP e a forma como as
introduziram. Por exemplo, a separação financiador - prestador e o incentivo a maior descentralização e
autonomia organizacional no sistema de saúde ganham relevância sobretudo em países, como Portugal,
com sistemas do tipo beveridgeano, ou seja, em que o financiamento da saúde assenta basicamente
nos impostos e a prestação de cuidados é tipicamente assegurada por instituições pertencentes ao sector
público e geridas de acordo com as suas regras (integração financiador - prestador). Estes mecanismos
foram menos utilizados nas reformas posteriores realizadas na Dinamarca e na Noruega. Em alguns casos,
por exemplo, no Reino Unido, o objectivo do modelo financiador - prestador foi o desenvolvimento da
concorrência. Na Suécia, por outro lado, tais acordos foram utilizadas para promover uma maior
responsabilização e transparência na utilização dos recursos.
7
Os analistas também observaram uma grande variação na forma como os países utilizam instrumentos de
controlo da qualidade. Esta consiste basicamente na avaliação, por uma entidade externa, do
cumprimento, pela organização, de um conjunto de normas e critérios escritos que avaliam a organização
e os procedimentos utilizados com o objectivo de gerar um desempenho de qualidade (Scrivens, 2000)
O controlo da qualidade baseia-se essencialmente na criação de padrões e critérios desejáveis a
respeitar pelas entidades reguladas, sujeitas a avaliação externa. Essa variação evidencia-se mesmo em
países com sistemas semelhantes, como a Dinamarca e a Noruega. Na Dinamarca, a autonomia da
profissão médica tem sido mantida no programa nacional de controlo da qualidade, enquanto os
programas da qualidade introduzidos na Noruega procuram desafiar a tradicional autonomia da profissão
médica.
Uma força para a convergência pode ser encontrada na tendência para desenvolver um instrumento
internacional e transnacional para a troca de ideias. Isso permite que os países e as instituições aprendam
com as experiências de uns e de outros. Ao nível transnacional, as organizações internacionais e os
organismos intergovernamentais são portadores de ideias. No campo da saúde, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) têm sido fundamentais, mas cada
vez mais, organizações, que não são especificamente orientadas para a saúde, como a OCDE e o Banco
Mundial, também têm promovido a mensagem da reforma da saúde. Assim, tem havido uma mudança
para lidar com os aspectos sociais e políticos da saúde com um maior foco de atenção sobre as questões
técnicas e de gestão (Mattei 2009, Schiller et al. 2009). Durante a década de 1990, o Banco Mundial
começou a elaborar programas de reforma para os países em desenvolvimento. Estes sistemas, no entanto,
foram duramente criticados (Okuonzi 2004, Homodesa e Ugalde, 2005).
A inspiração para a NGP e consequente convergência também vem de “think tanks” e de grupos de
interesse com objectivos semelhantes nos diferentes países, assim como do movimento da medicina
baseada na evidência que levou à institucionalização de um conjunto de organizações que procuram
influenciar o processo de decisão em saúde (Hansen e Rieper 2009).
Os principais objectivos das reformas são limitar os custos através da introdução de diferentes meios de
"gerir cuidados de saúde". No entanto, existem muitas diferenças entre países quanto aos tipos de
reformas de NGP que foram implementadas. As reformas funcionam de forma diferente dependendo da
natureza do sistema de saúde específico no qual elas são introduzidas. As reformas podem ser vistas não
só como consequência de uma mudança política numa direcção neo-liberal, mas também como uma
tentativa de defender o sector da saúde pública contra a privatização. Mas é importante referir que os
governos com diferentes composições políticas têm procurado reformar os cuidados de saúde da mesma
maneira. Durante a era da NGP, todos eles tendem a ver o predomínio profissional como um problema,
defendendo que é necessário limitar a influência dos profissionais.
A expressão "triângulo de ferro" foi usada para indicar que a profissão médica dominou a investigação
científica, a administração central e a prestação de serviços. Esta constelação do poder profissional foi
considerada como um importante motor para a expansão das despesas do Estado de Bem-estar.
Consequentemente, novos desenhos de organização e novos instrumentos de direcção foram introduzidos
para reduzir o impacto do "sector profissional" na prestação de serviços. É sobre a história da ascensão e
queda da classe profissional que será discutido o próximo ponto.
8
O Papel dos Profissionais de Saúde
A perspectiva dos profissionais da saúde, surgiu como uma crítica ao que foi apresentado como a teoria
das profissões (Parsons 1964, Freidson 1970). Segundo esta teoria, o Estado e as profissões eram
entendidos como fenómenos opostos, sendo o Estado uma ameaça à autonomia dos profissionais (Ellen
Immergut, 1992). Os críticos desta teoria argumentam que os profissionais fazem parte da formação de
qualquer Estado, além disso, é a relação entre o Estado e as profissões que deveria ser a questão - chave
no estudo das profissões (Johnson, 1972, Burrage e Thorstendahl 1990). Os médicos foram únicos em
negociar um “poder regulador” com o Estado. Uma das consequências deste tipo de regulação foi que a
profissão médica tornou-se "auto-regulada", ou mesmo numa parte integrada do Estado, especialmente
nos países da Europa continental. A premissa da perspectiva dos profissionais de saúde é que qualquer
estudo sobre a emergência dos sistemas de saúde deverá centrar-se na relação entre os médicos e o
Estado, sendo possível construir uma história única para cada caso dos Estados-nação (Johnson et al.
1995, Dent, 2003).
Na história da emergência dos sistemas centrados nos hospitais escandinavos, por exemplo, a ênfase é
colocada sobre o aumento simultâneo da burocracia da saúde e da profissão médica, pois eles são vistos
como parceiros duplos no centro do Sistema Nacional de Saúde (Erichsen 1995). Esta questão da
ascensão e queda dos médicos auto-regulados tem sido muito conhecida (Berg, 1997). A "subida" aqui
refere-se à crescente autonomia da medicina e à gestão médica como uma "extensão da clínica médica
dentro do Estado" até a década de 1970 (Berg, 1997). Desde então, a sua posição tem sido ameaçada pela
NGP. Tem surgido um movimento que visa estabelecer a eficácia e a qualidade dos serviços médicos.
Este movimento oferece à medicina a esperança de que o seu trabalho pode ser colocado mais
directamente sobre o altar da racionalidade científica, mas correndo o risco de incursões de peritos
externos em seu domínio" (Hafferty e Light, 1995). O foco, então, nesta questão dos profissionais de
saúde, está em saber como as profissões lidam com os desafios da NGP, e como as reformas promovem
mudanças nas redes dos profissionais de saúde e a forma como as profissões são regulamentadas. Essa
questão pode ser uma narrativa da transformação dos papéis das profissões na sociedade, enquanto
enfrentam os desafios da NGP.
Profissionais da Saúde e os Desafios da NGP
Quais são os principais desafios que a NGP representa para os profissionais de saúde? Em primeiro lugar,
há um desafio constituído pelas estruturas de gestão unitárias. Isso desencadeou alguns episódios
dramáticos no Reino Unido na sequência do Relatório 1983 Griffith6
6 Em Inglaterra, e com base no Relatório Griffiths, elaborado em 1983, procedeu-se à completa reformulação do sistema de gestão do Serviço Nacional de Saúde britânico, fortemente centralizado e baseado no princípio da solidariedade. Os quatro níveis de gestão que o sistema comporta (nacional, regional, distrital e unidades hospitalares) passaram a ser assegurados e exercidos por um general manager, por via de regra não funcionário público, com o qual o Estado celebra um contrato especial de gestão por quatro anos. Nas 612 unidades hospitalares que o sistema integra, um gestor profissional constitui o único centro de imputação de responsabilidades executivas, revestido de poderes de direcção e controle sobre os corpos clínico, de enfermagem e administrativo. O novo sistema de gestão veio substituir o tradicional modelo tripartido (um médico, um enfermeiro e um administrativo), tendo a fase da sua aplicação terminado em 1985.
, mas também na Noruega em 2003,
quando os médicos resistiram à ideia de que qualquer outro profissional que não fosse médico poderia ser
nomeado como director clínico de um hospital. Na Noruega, houve uma ronda de negociações sobre a
questão entre a Associação Médica Norueguesa e o Ministério da Saúde. O presidente da associação
9
médica alegou que o resultado foi uma vitória para o ponto de vista da sua organização (Byrkjeflot,
2005). O Ministério da Saúde, segundo ele, tinha ido muito longe, ao exigir que as organizações
hospitalares deveriam colocar apenas médicos qualificados em cargos de gestão. Mas seria, na verdade,
que o facto de colocar a profissão médica no centro do sistema de saúde reforçaria a sua posição? Tem
sido argumentado que isto foi o que aconteceu depois da reforma estrutural na Dinamarca. Na Dinamarca,
o sistema público hospitalar encontra-se desencentralizado nos níveis provincial e municipal, achando-se
os poderes de gestão centrados na figura do director do hospital, funcionário administrativo designado
pelo município. Apenas na cidade de Copenhaga foi adoptado o modelo de gestão de tipo tripartido: um
médico, um enfermeiro e um administrativo, designados pela respectiva municipalidade. O medo corrente
entre os enfermeiros dinamarqueses era certamente a ideia de que a gestão unitária implica que eles
percam alguma influência, como resultado da implementação em regiões e hospitais cada vez maiores
(Jespersen, 2005). Na República Federal da Alemanha, o sistema de gestão hospitalar encontra-se
descentralizado em Estados federados e, dentro destes, desconcentrado ao nível regional e municipal.
Não existe sistema tipo comum a todos os Estados federados, podendo, no entanto, tipificar-se a gestão
em dois grandes grupos. No primeiro, existe um director de hospital directamente responsável perante o
Estado federado e designado por este, sendo, a título consultivo, ouvida a comissão médica.
No segundo verifica-se o modelo tradicional de gestão tripartida: um médico, um enfermeiro e um
administrativo, nomeados pelo Estado federado ou pelo município. Num e noutros casos, o controle de
gestão dos hospitais públicos é rigorosamente efectuado de acordo com o orçamento anual, funcionando a
regra de dedução do montante dos défices de execução orçamental nas dotações orçamentais do ano
seguinte.
Em segundo lugar, instrumentos como o controlo da qualidade, a medicina baseada em evidências e um
sistema de livre escolha dos hospitais claramente representam desafios para a profissão médica. Os
médicos procuram preservar, por um lado, o elevado nível de confiança que o Estado lhes concedeu, e por
outro lado, a confiança do público e dos meios de comunicação. Eles também precisam de desenvolver
estratégias para manter a sua posição predominante dentro dos respectivos sistemas de saúde e evitar o
enfraquecimento da sua posição como resultado de diferenciar a sua profissão em muitas funções. Os
novos regimes de saúde na Europa procuram desenvolver uma abordagem mais especializada, uma
estrutura diversificada e baseada em evidências para a prestação de cuidados de saúde, e podem depender
da profissão médica para desenvolver e fornecer os critérios de qualidade e os argumentos necessários
para a tomada de decisões legítimas.
Em terceiro lugar, dentro da narrativa dos profissionais da saúde, não são as ideias da reforma ou a sua
circulação, que são centrais, mas a maneira como os diferentes actores fazem uso delas na tentativa de
estabelecer a sua autonomia. No caso da regionalização e da reforma empresarial, realmente podem
existir formas pelas quais os médicos podem fazer uso das ideias que beneficiem os seus projectos de
autonomia profissional. Por exemplo, o ensaio de Immergut defende a tese de que a melhor explicação
desses resultados se encontra na análise das instituições políticas de cada país. São elas que estabelecem
diferentes regras do jogo para políticos e para grupos de interesse, buscando aprovar ou bloquear planos
de ação. Regras de jure que compõem o desenho institucional determinam procedimentos que facilitam
ou impedem a tradução do poder político em políticas concretas. Regras de facto que se originam nos
10
resultados eleitorais e nos sistemas partidários alteram a maneira pela qual essas instituições formais
funcionam na prática. O conjunto dessas normas institucionais determina lógicas distintas de tomada de
decisão, que definem os parâmetros da ação do governo e da influência dos grupos de interesse.
O Estado nos Sistemas de Saúde
Uma perspectiva que coloca uma forte ênfase noutros intervenientes no domínio da política da saúde é a
perspectiva do Estado. Esta perspectiva difere das que acabaram de ser analisadas, tanto na sua visão
sobre a forma como o sistema de saúde está inserido na sociedade como pela forma como as reformas da
NGP afectam a governabilidade da saúde.
Tal como a perspectiva dos profissionais de saúde, o Estado também é central na perspectiva do sistema
de saúde. A diferença agora está em que a profissão médica é considerada menos central, e torna-se
apenas em um dos vários actores intervenientes. Uma vez que os hospitais estão incorporados na infra-
estrutura política, económica e física, não devem ser analisados apenas como parte de um sistema médico
ou de um sistema administrativo, mas também como parte das infra-estruturas tecnológicas e dos sistemas
democráticos (Moran 1999: 74).
Freeman distinguiu duas fases na ascensão do Estado nos sistemas de saúde: a primeira fase (1880-1980)
consistiu em estabelecer e universalizar a presença do sector público na saúde. A segunda fase, com início
por volta de 1975, tem-se preocupado em estabelecer novos mecanismos de controlo governamental
(Freeman 2000: 31). A transição da primeira para a segunda fase pode estar associada a um aumento do
custo do sistema de saúde, situação que torna necessária a intervenção do Estado a fim de reduzir o "fosso
da saúde” entre uma demanda crescente de serviços de saúde e a capacidade do Estado para desenvolver a
competência suficiente e o controlo dos custos no sector da saúde pública.
Em comparação com a história da NGP, esta evolução funciona quase em sentido oposto; a história do
"estado do sistema de saúde” é uma história de avanço do Estado e não de retirada do Estado. A NGP
prevê que o Estado vai precisar de privatizar uma grande quantidade das suas actividades actuais,
enquanto o 'Estado do Sistema da saúde " apresenta uma narrativa de um movimento de "um governo
privado" para um Estado em avanço:
Para a contenção de custos, a gestão, a concorrência, os controles da qualidade são todos os
predicados da intervenção do (Estado) público quando anteriormente era visto como uma esfera
de governo privado. Se no passado o papel do Estado no Sistema de saúde era simplesmente o de
financiar e administrar serviços de saúde prestados por profissionais médicos, essas mudanças
implicam que, longe de estar a retirar-se, o Estado tem feito avanços significativos. (Freeman
2000: 75).
11
Uma visão muito semelhante da dinâmica de mudança foi apresentada no sítio oficial da Direcção da
Saúde da Noruega:
Um maior grau de padronização dos processos médicos e do registo electrónico e uma
comunicação de todas as actividades médicas transformou a clínica de um gabinete privado num
palco aberto". Ele atribui ao termo "acompanhamento médico" um significado completamente
novo. Do controlo político próximo através da presença política no modelo de concelho
municipal, este empreendimento tem dado oportunidades ao governo central de obter uma
introspecção autêntica sobre a maioria dos aspectos da produção dos serviços médicos. Assim, é
possível que um governo essencialmente da periférica central consiga exercer um controlo
perspicaz de todo o conjunto do sistema (Hellandsvik 2001).
Qual é a dinâmica após a expansão e desenvolvimento deste Estado "sagaz"? Precisamos de entender a
dinâmica de politização, pois é esta dinâmica que pode levar à expansão do estado da saúde. Como foi
demonstrado em diversos estudos e na reforma recente nos EUA, os políticos que buscam ser de novo
nomeados ou reeleitos dependem fortemente de eventos relacionados com o sistema de saúde. Numa
comparação da agenda política dos EUA e da Dinamarca - países cujos sistemas de saúde estão
organizados de forma radicalmente diferente - Green-Pedersen e Wilkerson (2006) observaram que o
nível de atenção dedicada à política do sistema de saúde aumentou substancialmente nos dois países, mas
que o nível de atenção era o mesmo em todos os sistemas, nos mesmos pontos, ao mesmo tempo. Eles
explicam essa evidência argumentando que a política dos sistemas de saúde afecta a todos. A política da
saúde é sobre a vida e a morte, e é particularmente atraente para os políticos que estão a tentar angariar
eleitores.
Análise das campanhas eleitorais e dos programas de partido mostram que a saúde se tornou numa
questão muito mais controversa entre os partidos políticos desde os anos 1980. Um relatório sobre a
cobertura da imprensa diária das questões de bem-estar conclui que a saúde é agora o tema predominante.
O Estado social é cada vez mais posicionado como um Estado dos cuidados de saúde. Esta maior atenção
dada à saúde e sua regulamentação podem estar relacionados com o novo papel que a saúde joga na
actualidade, formando estilos de vida individuais e dando inspiração para um novo tipo de consumismo
da saúde, de que os governos podem tirar proveito no seu esforço para restringir o poder dos profissionais
de saúde. Uma grande parte das preocupações da política moderna refere-se às questões relacionadas com
a saúde e em como proporcionar aos cidadãos e consumidores informações sobre os custos, a qualidade e
os critérios utilizados na tomada de decisões sobre os serviços de saúde. Além disso, o debate político
centrou-se na forma como os serviços de saúde são distribuídos regionalmente. Por isso, tem havido um
desenvolvimento, fora do racionamento implícito associado com a tomada de decisões relativas à
autonomia médica, para outro sentido de racionamento explícito associado a uma política para a
implementação das directrizes clínicas, decisão política enraizada na medicina baseada em evidências.
Na maioria dos países, o novo sistema é um pouco mais hierárquico do que o anterior, e isso significa que
os problemas locais podem facilmente acabar por ser problemas que precisam de ser tratados a nível
central.
12
A perspectiva do Estado no Sistema de Saúde a os desafios da NGP
A área da saúde é uma das componentes por excelência do Estado de bem-estar dos países ocidentais,
particularmente os europeus, sendo a dimensão ética fulcral neste âmbito. Os bens «transaccionados»
neste sector são considerados bens de mérito, cujo consumo se entende, por isso, dever ser acessível à
população e mesmo encorajado pelo Estado. Este factor explica grandemente a detenção pelas instituições
públicas de parte considerável dos meios de produção do sector e a desejabilidade de políticas activas de
promoção da equidade no acesso e na saúde.
Além disso, independentemente do sistema administrativo em vigor, se foi estabelecida antes da NGP ou
como parte das reformas da NGP, só raramente o sistema de saúde foi totalmente abandonado ou mudou
radicalmente. Isto deu origem a diversos padrões que foram conservados simultaneamente. Assim,
quando analisamos os sistemas ao longo do tempo, a divisão entre gestão e profissionalismo parece ser
estável. Do ponto de vista do Estado do sistema de saúde, a dependência do percurso que teoriza sobre a
impossibilidade de a política se libertar de padrões precedentes (path dependencies) e responsabilidades
vinculadas a esses sistemas, tornam os sistemas complexos. Isto significa que a probabilidade de que as
reformas da NGP conduzam necessariamente à convergência se revele menor.
Vários analistas contestam a versão da história dada pelos reformadores da NGP com os seus argumentos
para a reforma (Mohan 2003, Harrison e McDonald 2008). Em especial, alegam os reformistas da NGP
que "tem havido um movimento que se afasta de um sistema de comando e controlo para uma maior
descentralização e autonomia, o que é motivo de discórdia. Esta afirmação tem sido questionada em
vários estudos académicos sobre o NHS no Reino Unido, supostamente um dos sistemas mais
centralizados no mundo. Houve muitas críticas da versão NPM da história sobre este ponto. Para
começar, o sistema de Saúde do Reino Unido foi bastante descentralizado quando foi reformado em 1948
com a criação do SNS. A estrutura fragmentada e cheia de conflitos não desapareceu rapidamente.
Elementos do localismo, dos mercados e das parcerias com as comunidades locais "nunca desapareceram,
pelo menos até o governo do novo laborismo (Mohan, 2003). De acordo com Mohan, entre 1948 e 1991,
o NHS era a antítese do sistema de "comando e controle". Uma análise da história do sistema de saúde
descentralizado da Noruega também levanta dúvidas sobre o empenho com que o Estado esteve
envolvido na gestão hospitalar durante o auge dos profissionais de saúde, em relação à situação
contemporânea.
Ao comparar esta forma de desenhar o fluxo dos acontecimentos com a perspectiva dos profissionais de
saúde, pode argumentar-se que os profissionais desempenham diferentes papéis em duas fases em
particular. A perspectiva dos profissionais de saúde, pode ser muito útil durante a fase em que há uma
presença crescente na área da saúde pública, mas na actual fase de reconfiguração político-profissional,
pode ser necessária para permitir a participação de outros actores diferentes, a fim de estudar a reforma de
forma dinâmica. Triângulos de ferro podem, então, ter necessidade de dar lugar a redes mais soltas (Heclo
1978). Todos os tipos de especialistas e as instituições servem agora como facilitadores da mudança. Eles
falam em nome do doente - consumidor e dependem de sistemas tecnocientíficos e de vários dispositivos
e sistemas para o controlo da qualidade, a produção de provas e a acreditação, a fim de adquirir
reconhecimento e autoridade.
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Conclusão
Vistas ao nível europeu, as reformas da NGP representam muitas coisas para muitas pessoas e têm
também impactos variáveis sobre os sistemas de saúde. As diferenças nas tradições de governação da
saúde entre os países podem tornar-se mais evidentes, assim como a questão de controlar os custos na
saúde podem tornar-se ainda mais urgentes. Tem havido uma convergência nos sistemas de saúde dos
países europeus, no sentido duma concorrência controlada e isto é importante porque muitas das ideias e
instrumentos utilizados em modernos sistemas de saúde, estão associados com um modelo de governação.
Na medida em que estes modelos são suportados e desenvolvidos por organismos internacionais e
organizações políticas, eles podem trabalhar no sentido de promover uma maior integração dos sistemas
de saúde europeus.
Outras forças de integração são os novos regulamentos europeus, o aumento do comércio internacional
nos serviços de saúde e a tendência associada para o "turismo de saúde". Embora a política da saúde
dependa formalmente da jurisdição de cada país membro, o impacto de algumas doenças, especialmente
nos sistemas do SNS pode ser profunda e de longo alcance. Várias decisões judiciais abriram a
possibilidade para a inclusão de serviços de saúde como "bens livres" dentro de alguns programas de
saúde. Na Europa, a saúde sob controlo do governo não é geralmente considerada como um serviço e,
portanto, não está sujeito à lei da concorrência. Mesmo assim, as recentes decisões a favor dos cidadãos
serem reembolsados por cuidados de saúde prestados em outro país pode ser sinal da mudança. Mas
mesmo que mudem ou não os sinais, o facto é que os hospitais lidam com um grande número de
problemas que são graves e, portanto, de natureza local.
As organizações de saúde dos diferentes países até agora não têm desempenhado um papel importante na
regulação dos sistemas de saúde. Por outro lado, os sistemas médicos foram interligados e influenciados
pelas redes internacionais para o desenvolvimento da profissão e da investigação.
O argumento que todos estes factores engendram não é, portanto, que as reformas da NGP têm mais
probabilidade de conduzir a uma maior divergência, mas que é difícil prever qual será o impacto dos
diferentes tipos de reformas da NGP a longo prazo. Isto é porque as reformas são implementadas de
forma diferente, têm provocado resistências e deram lugar a ideias pós-NGP de como reformar os
sistemas de saúde. As consequências mais amplas e de longo prazo da NGM são difíceis de prever,
especialmente se os analistas se concentrarem principalmente em estudos detalhados de como diferentes
sistemas interpretam as ideias da NGP, ou nos estudos do fluxo e refluxo dos movimentos concretos das
reformas. Por isso, é importante fazer estudos comparados sobre as trajectórias e os padrões evolutivos
dos sistemas de saúde. O estado dos sistemas de saúde e as perspectivas profissionais oferecem visões
alternativas às previstas na literatura específica sobre as reformas da NGP. Eles também se afastam da
literatura neo-institutional sobre a disseminação das ideias de reforma. As duas perspectivas são
adicionalmente úteis para analisar de forma mais explícita a forma como as autoridades do Estado e os
médicos fazem uso das reformas e de como as reformas influenciam os sistemas de saúde e a sociedade
de maneira diferente. Os profissionais ainda são importantes na definição do rumo e ritmo da mudança
organizacional. Os médicos e outros profissionais de saúde estão presentes em todos os níveis da
governação da saúde e vai ser útil explorar em que novas circunstâncias as profissões de saúde, os
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médicos e outros profissionais servem como força para a convergência, em vez de força para a
divergência no desenvolvimento dos sistemas de saúde.
Finalmente, uma das principais preocupações decorrentes da NGP é o problema da responsabilidade. Esta
parte refere-se ao problema da fragmentação do poder e do controlo decorrentes da NGP, mas também à
forte crença na responsabilidade dos gestores, em muitos casos à custa de responsabilidade política e
profissional. Consequentemente, os líderes políticos encontram-se, com frequência, em situações nas
quais eles têm a responsabilidade, sem os respectivos poder e controlo. Este cenário vai de mãos dadas
com o desenvolvimento ao longo prazo do localismo do bem-estar, através do qual os prestadores dos
cuidados de saúde são responsáveis perante as autoridades locais, e perante o controlo do Estado central e
a regionalização. No Reino Unido, há um grande debate sobre o "novo regionalismo", onde a premissa é
que a população local pode tornar-se responsável pelas instituições semi-públicas, como os NHS Trusts
para os cuidados de saúde, e exercer a sua influência através do voto nas eleições para os conselhos da
governabilidade da saúde. Esses acordos não têm tido um grande sucesso até agora, e podem levar a
novas discussões sobre os problemas da arquitectura da responsabilidade no sector da saúde. Os desafios
que a NGP representa para a responsabilização política e profissional na área da saúde, têm sido
formidáveis e poderão ser vistos como uma das principais razões para o debate actual numa era pós-NGP,
também na área de saúde.
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