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IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT _____________________________________________________________________________________________ ESTUDO DA C OMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA RELATÓRIO FINAL O conteúdo deste documento é de exclusiva responsabilidade da coordenação técnica. Não representa a opinião do Governo Federal. Dezembro de 1993

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Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT

_____________________________________________________________________________________________

ESTUDO DA COMPETITIVIDADEDA INDÚSTRIA BRASILEIRA

RELATÓRIO FINAL

O conteúdo deste documento é de exclusivaresponsabilidade da coordenação técnica.Não representa a opinião do GovernoFederal.

Dezembro de 1993

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CONSÓRCIO

Instituições Consorciadas

INSTITUTO DE ECONOMIA/UNICAMPINSTITUTO DE ECONOMIA INDUSTRIAL/UFRJ

FUNDAÇÃO DOM CABRALFUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO EXTERIOR

Instituições Associadas

SCIENCE POLICY RESEARCH UNIT - SPRU/SUSSEX UNIVERSITYINSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - IEDI

NÚCLEO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NACIT/UFBADEPARTAMENTO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - IG/UNICAMP

INSTITUTO EQUATORIAL DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

Instituição Colaboradora

COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE - CEPAL

Instituições Subcontratadas

INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA - IBOPEERNST & YOUNG, SOTEC

COOPERS & LYBRAND BIEDERMANN, BORDASCH

Instituição Gestora

FUNDAÇÃO ECONOMIA DE CAMPINAS - FECAMP

Contratado por:

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EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA

Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)

João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)

Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)

Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)

Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)

Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)

Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)

João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)

Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)

David Kupfer (UFRJ-IEI)

Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)

Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE) Abílio dos Santos (FDC)

João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI) Pedro da Motta Veiga (FUNCEX)

COMISSÃO DE SUPERVISÃO

O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:

João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)

Lourival Carmo Mônaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)

Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)

Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)

Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)

Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)

Eduardo Gondim de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)

Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)

Guilherme Emrich (BIOBRÁS) Renato Kasinsky (COFAP)

José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)

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CONSULTORES

Achyles Barcelos da Costa José Rubens Dória PortoAlessandra Genu Dutra Amaral Josef BaratAna Célia Castro Leda GitahyAndré Furtado Lucia Helena SalgadoAnne Posthuma Márcia LeiteArmênio de Souza Rangel Márcio Wohlers de AlmeidaAzuete Fogaça Margarida BaptistaCarlos Eduardo Carvalho Maria Angélica Covelo SilvaCarlos Kawall Leal Ferreira Maria Lucia WerneckCarlos Medeiros Maria Tereza Leopardi MelloCarlos P. Monteiro Bastos Mario Ferreira PresserCelso Luis Rodrigues Vegro Martin BellClaudio Schuller Maciel Maurício Mendonça JorgeClaudio Salm Mike HobdayClélio Campolina Diniz Newton MullerDenis Barbosa Nilton A. NarettoEdson Peterli Guimarães Octávio de BarrosEduardo Rappel Odair Lopes GarciaEduardo Strachman Oswaldo Ferreira GuerraEli Roque Diniz Pablo FajnzylberElizabeth Loiola Pedro da Motta VeigaFernando Sarti Peter RohlFlavio Rabelo Reinaldo GonçalvesFrancisco Teixeira Renato BaumannGermano Mendes de Paula Renato DagninoHelena Lastres Ricardo BielschowskyHélio Nogueira da Cruz Roberto de SouzaJacob Frenkel Roberto VermulmJavier Alejandro Lifchtz Ronaldo Seroa da MottaJoão Bosco M. Machado Ruy de Quadros CarvalhoJoão Luiz Pondé Sebastião José Martins SoaresJoão Paulo Garcia Leal Sergio Francisco AlvesJohn Wilkinson Sergio Luiz M. Salles FilhoJorge Nogueira de Paiva Britto Sergio Robles Reis de QueirozJosé Carlos Miranda Simão CopeliovitchJosé Eduardo Pessini Sonia DahabJosé Maria F. J. da Silveira Sulamis DainJosé Roberto Ferro Vahan AgopyanJosé Roberto Rodrigues Afonso Vicente Bastos

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CONSULTORES AD HOC

Álvaro de Lima Veiga José A. OrtegaAlvaro Manoel José Carlos de Souza BragaAndrea Calabi Joseph RamosArturo Huerta Gonzalez Luis O. FaçanhaChristopher Freeman Luiz Afonso SimõesEduardo Pereira Nunes Maria da Conceição TavaresEros R. Grau Mauro ArrudaFrançois Chesnais Michael MortimoreHoward Rush Nelida JessenHyman Minsky Paulo Eduardo VelhoIan Miles Raul GreenJacques Mazier Ricardo Ffrench-DavisJorge Katz Wilson Peres

COORDENAÇÃO DOS SERVIÇOS DE APOIO

Rosângela de Oliveira Araújo Marcia Rodrigues BarbosaSusete Regina Cação Ribeiro Luiz Antonio M.B. Galvão

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ............................................. i

APRESENTAÇÃO ......................................... 1

- Os Objetivos e o Processo de Elaboração do Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira ........ 2- Competitividade Sistêmica e Empresarial ............ 3- Fatores Determinantes da Competitividade ........... 5- Análise da Indústria e Análise dos Fatores Sistêmi- cos ................................................ 7- Desenvolvimento dos Trabalhos ...................... 9- Apresentação dos Capítulos ......................... 10

INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE? 13

- A Indústria Brasileira no Início dos Anos 90 ....... 14- Políticas de Competitividade nos Países da OECD .... 21- Políticas de Competitividade nos Países em Desenvol- vimento ............................................ 27- A Construção Deliberada da Competitividade como Objeto de Políticas Públicas ....................... 29- O Desafio do Aprendizado Competitivo no Contexto de Acelerada Mudança Tecnológica ...................... 31- Estabilização Macroeconômica e o Desafio do Desen- volvimento Competitivo ............................. 33- Estilo e Requisitos da Política de Desenvolvimento Competitivo ........................................ 35- Novos Temas e Desafios ............................. 38- A Contribuição do ECIB para uma Política de Competi- tividade ........................................... 40

PARTE I: DIMENSÃO SISTÊMICA DA COMPETITIVIDADE ....... 44

1. CAPACITAR-SE PARA ENFRENTAR UM CENÁRIO GLOBAL COM- PETITIVO .......................................... 45 - A Integração da Economia Mundial: Obstáculos e Oportunidades para o Brasil ..................... 45 - O Mercado Financeiro Global e os Países em Desen- volvimento: Os Riscos de Sobrevalorização Cambial 47 - O Novo Perfil e os Novos Determinantes dos Inves- timentos Diretos ................................ 49 - O Jogo Complexo e Difícil das Negociações Glo- bais ............................................ 50 - O Brasil em Face da Globalização Financeira ..... 52 - O Brasil em Face das Novas Formas de Investimento Direto .......................................... 54 - O Impacto dos Processos de Regionalização sobre as Exportações Brasileiras ...................... 55 - Mercosul ........................................ 57 - Abertura Comercial, Papel das Importações e seu Monitoramento sob uma Política Comercial Equili- brada ........................................... 58

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- Os Desafios da Diplomacia Econômica e o Papel do Setor Privado ................................... 61 - Recomendações de Política ....................... 62

2. OS FUNDAMENTOS SOCIAIS DA COMPETITIVIDADE ......... 67 - Introdução ...................................... 67 - Competitividade e Qualidade dos Mercados Internos nos Países Desenvolvidos ........................ 69 - Crise e Degradação da Base do Mercado Brasileiro 71 - A Coesão Social como Fundamento da Competitivi- dade ............................................ 74 - Educação ........................................ 77 - As Relações de Trabalho ......................... 85 - O Papel dos Consumidores e da Qualidade do Mercado 88 - Os Novos Desafios ............................... 89

3. SUPERAR A FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E A AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO ........................................ 91 - Estágios de Industrialização Brasileira e Capaci- tação Tecnológica ............................... 91 - Contraste com os Requisitos de Capacitação Tecno- lógica Decorrentes das Transformações em Curso nos Países Desenvolvidos ........................ 98 - Superação da Fragilidade Tecnológica e da Ausên- cia de Cooperação ............................... 102

4. INFRA-ESTRUTURAS E COMPETITIVIDADE ................ 108 - Papel das Infra-Estruturas na Promoção das Condi- ções Sistêmicas de Competitividade .............. 108 - Fatores de Estrangulamento ...................... 110 - Superação dos Principais Obstáculos à Competiti- vidade nas Infra-Estruturas ..................... 114

5. A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO: REFORMA TRIBUTÁRIA E FINANÇAS INDUSTRIALIZANTES ... 119 - Reorganização do Financiamento para Sustentar a Retomada do Investimento Público e Privado ...... 119 - Recuperação das Finanças do Estado .............. 120 - A Articulação de um Novo Padrão de Financiamento 125

PARTE II: DIMENSÃO EMPRESARIAL DA COMPETITIVIDADE .... 136

1. INTRODUÇÃO ........................................ 137

2. O NOVO MODELO DE EMPRESA .......................... 138

3. ESTRUTURAS VITORIOSAS E AS DEFICIÊNCIAS BRASILEIRAS 140

4. O SENTIDO DEFENSIVO DAS ESTRATÉGIAS ............... 144

5. RECOMENDAÇÕES ÀS EMPRESAS E PROPOSTAS DE POLÍTICA: AVANÇAR EM DIREÇÃO À GESTÃO COMPETITIVA ........... 148 - Organização e Gestão ............................ 148 - Capacitação para Inovação ....................... 149 - Capacitação e Desempenho Produtivo .............. 156 - Recursos Humanos ................................ 166

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PARTE III: DIMENSÃO ESTRUTURAL DA COMPETITIVIDADE .... 173

1. FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS DA COMPETITIVIDADE ........ 174 - O Estímulo de Mercados Dinâmicos e Exigentes .... 174 - A Necessidade de Configurações Industriais Compe- titivas ......................................... 177 - A Importância da Promoção da Concorrência ....... 184

2. COMPETITIVIDADE ESTRUTURAL DA INDÚSTRIA BRASILEI- RA ................................................ 187 - Panorama Geral .................................. 187 - Classificação dos Setores Analisados ............ 192

3. SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA ................ 196 - Diagnóstico ..................................... 196 - Proposições - Dinamização das Fontes de Competi- tividade ........................................ 221

4. SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS ............. 236 - Diagnóstico ..................................... 236 - Proposições - Elevação Contínua e Generalizada da Competitividade .............................. 261

5. SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO ........... 272 - Diagnóstico ..................................... 272 - Proposições - Especialização Competitiva ........ 291

PARTE IV: DIRETRIZES PARA O DESENVOLVIMENTO COMPETI- TIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA .. ............. 305

1. INTRODUÇÃO ........................................ 306

2. SÍNTESE DAS PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES PARA A COMPE- TITIVIDADE SISTÊMICA .............................. 308 - Estabilização: O Primeiro Passo em Direção a uma Trajetória de Desenvolvimento Competitivo ....... 308 - Reformas e Recuperação da Capacidade de Orde- nação ........................................... 309 - A Recuperação dos Investimentos Infra-Estruturais e a Construção da Confiança ..................... 310 - Finanças Industrializantes para Reduzir os Custos de Capital ...................................... 310 - Zelar pela Convergência entre Eqüidade e Competi- tividade ........................................ 311

3. O NOVO PAPEL DO ESTADO ............................ 312 - O Estado Promotor da Competitividade ............ 312 - O Novo Estilo: Parceria, Participação e Transfe- rência .......................................... 313 - O Desenvolvimento de Agências e Quadros Técnicos Capacitados ..................................... 314 - Restauração da Capacidade de Planejamento ....... 315 - Desenvolvimento da Capacidade de Regulação ...... 315 - Reorientação dos Instrumentos de Fomento ........ 318 - Aperfeiçoamento do Programa de Privatização ..... 320

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4. A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA EMPRESARIAL ........... 323 - Um Balanço dos Ajustes Efetuados ................ 323 - Avançar em Direção à Gestão Competitiva ......... 324 - Um Caminho Realista de Transformação ............ 326

5. ESTRATÉGIAS DE COMPETITIVIDADE PARA OS SETORES DA INDÚSTRIA ......................................... 331 - Reativação do Mercado Interno: Alavanca para a Competitividade .................................. 331 - O Escopo do ECIB e a Natureza das Estratégias Se- toriais ......................................... 332 - Os Setores com Capacidade Competitiva ........... 333 - Os Setores com Deficiências Competitivas ........ 335 - Os Setores Difusores de Progresso Técnico ....... 336 - Estratégias Competitivas e Intensidade das Polí- ticas Públicas .................................. 339

6. EPÍLOGO ........................................... 341

ANEXO I - SÍNTESE DA PROPOSTA DO SISTEMA DE INDICADO- RES DA COMPETITIVIDADE .................... 342

ANEXO II - RELAÇÃO DAS NOTAS TÉCNICAS DO ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA .. 380

ANEXO III - QUADROS-RESUMO DE RECOMENDAÇÕES DIRIGIDAS AOS ATORES SOCIAIS ...................... 385

BIBLIOGRAFIA ......................................... 496

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iESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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PREFÁCIO

A cultura empresarial fruto do desenvolvimento industrialorientado para a substituição de importações vem sofrendoprofunda adaptação para fazer face às mudanças introduzidas pelapolítica de inserção competitiva. O processo de abertura,resposta à necessidade da globalização em competitividade,revelou disfunções oriundas da forte intervenção governamental nosentido de promover a industrialização do país. Muitas dasconseqüências eram antecipadas, pois crescemos sim, mas em faltade visão estratégica e integrada dos complexos componentesresponsáveis pelas vantagens competitivas da indústria.

A capacidade competitiva se estabelece no contexto de umambiente competidor e próximo às regras do livre mercado. Acompreensão desse fenômeno e suas interações é fundamental paraorientar as empresas ameaçadas de perderem a capacidade desobrevivência em virtude da queda dos mecanismos protetores.

As alterações nos mecanismos e instrumentos de políticaindustrial, a partir de 1990, criariam ambiente, estranho àmaioria das empresas, no qual as forças da competitividade semanifestaram de foram intensa. O Programa Brasileiro de Qualidadee Produtividade - PBQP e o da Capacitação Tecnológica, querefletem anos de experiências, introduziram novas conceituaçõesno uso da tecnologia de processo, produtos e serviços. Apesar daefetividade das ações, era necessário avaliar as fraquezas dosistema e tirar vantagens dos fatores e culturas existentes noambiente industrial.

O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira foiviabilizado pelo Governo, no âmbito do Ministério da Ciência eTecnologia através do PADCT da Secretaria de TecnologiaIndustrial, com objetivo de identificar a participação dascondicionantes da competitividade dentro de um horizonte doprincípio do século 21. Embora guarde semelhança com estudos comoMade in USA e Made in France, sua engenharia foi moldada naexperiência brasileira através de discussão aberta dos temas, emecanismos especiais de disseminação dos resultados e dassugestões geradas ao longo de mais de 2 anos de trabalho. OConsórcio autor dos estudos, selecionado por licitação entreoutros candidatos competentes, foi acompanhado, durante ostrabalhos, pela Comissão de Supervisão, de amplo espectro deexperiência, que emitiu diretrizes, debateu e avaliou todos ostrabalhos. O Estudo foi contratado pela FINEP com recursos daparcela nacional do PADCT.

Os resultados, já debatidos em seminários, são agora,consolidados, trazidos a público. Espera-se que sejam analisadose utilizados pelo Governo, empresas, sindicatos, associações declasse, educadores, imprensa, academia, etc. O tema, é evidente,não se esgota. O Estudo não pretende ser completo nem final.Continuados estudos e debates, inclusive sobre setores a montantee a jusante, movimentarão novos fachos de luz iluminando oscenários.

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iiESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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A introdução descreve a metodologia e aponta a estatísticados trabalhos, trazendo o que acreditamos dará a confiança que sebuscou no Estudo.

São tantos os temas envolvidos que não se tentouhierarquizá-los e queremos aqui destacar alguns deles.

A competitividade pode ser vista como a produtividade dasempresas ligada à capacidade dos governos, ao comportamento dasociedade e aos recursos naturais e construídos, e aferida porindicadores nacionais e internacionais, permitindo conquistar eassegurar fatias do mercado.

O Estudo analisa os fatores formadores da competitividade eapresenta propostas para ações de governo, das empresas, dostrabalhadores e da sociedade. A abertura comercial e o fim docontrole de preços criaram uma política de competição. Mas, comoverifica-se nos países da OECD e nos "Tigres Asiáticos", medidasde governo suplementaram as forças de mercado, e impõe-se noBrasil tornar a política de competição em política decompetitividade.

O Estado Brasileiro está doente e urge a sua reestruturaçãopara termos uma Nação que abrigue empresas competitivas. AConstituição de 1988, a ser revista em 1994, enfraqueceu a União,particularmente pelo enfraquecimento do Poder Central versusEstados e Municípios e pelo enfraquecimento do Executivo versus oLegislativo e o Judiciário. Esta é importante causa da atualinstabilidade. A reconstrução política-fiscal-administrativa-ética da União é fundamental, para que haja um Governo Centralcapaz de criar um ambiente estrutural, legal e conceitual,favorável à economia com eqüidade e capaz de gerir, comburocracia equipada e competente, o processo de abertura. Semmoeda estável e sem voz ativa nas mesas internacionais, corremoso risco, em vez de avançarmos, de percorrermos o caminho devolta.

A Constituição de 1988 traz na Ordem Econômica problemasonerosos à competitividade. Assim, a diferenciação do trato docapital nacional e estrangeiro, a configuração dos monopólios deempresas estatais, as dificuldades da previdência, o sistematributário oneroso e desequilibrado, são temas a serem revistospara que a Constituição, além de cidadã, seja competitiva.

O Estudo analisa ainda a necessidade de maior privatizaçãode funções produtivas e de serviços públicos conjugada comaperfeiçoamento das funções reguladoras do Estado, para tratardos interesses públicos versus os oligopólios.

A carência de dados estatísticos e de indicadores dedesempenho confiáveis limita o acompanhamento da evoluçãoindustrial, da distribuição social dos benefícios e do estado daarte da tecnologia. Os dados disponíveis no geral estãodefasados, refletindo um período ultrapassado. Não dispomos dematriz - "insumo-produto" - atualizada.

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iiiESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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Muitos dos dados foram coletados na década de 70 ou noinício de 80, quando o tecido industrial era distinto do atual. OPaís necessita, urgentemente, ter um sistema atualizado deinformações que instiguem indagações e inovações, embasem estudose possibilitem comparações dos nossos resultados com os dosnossos competidores. A visão prospectiva é essencial para criar epreservar vantagens competitivas de nossas empresas,particularmente do ponto de vista tecnológico.

A inovação é motor do desenvolvimento. É o fator de grandepeso na sobrevivência das empresas em um ambiente competitivo. Ainovação agregada a processos, produtos e serviços só traráresultados favoráveis se acompanhada da tecnologia de gestão.Essa tecnologia "soft" permitirá maximizar seu potencial econseqüentemente redução de custos. O PBQP tem oferecidoresultados positivos às vezes surpreendentes. Entretanto, seusganhos são limitados na origem. Neste estágio precisamos estarpreparados para a reestruturação do processo.

A reestruturação produtiva depende fortemente daincorporação contínua dos conhecimentos em produtos e processo.Rompe a barreira da estagnação. É impensável a modernização daindústria se não forem ampliadas as bases geradoras doconhecimento. Investimentos em ciência e tecnologia são caminhosseguros para a capacidade de reestruturação. O Brasil necessitarecompor seus investimentos em C&T de modo a alcançar níveiscompatíveis com aqueles feitos pelos países desenvolvidos e os"tigres asiáticos". Os conhecimentos e a tecnologia se tornamcada vez mais restritos e de difícil acesso. As empresas devemaumentar sua presença como geradoras de conhecimentos e suaaplicação. É necessário ultrapassar a barreira de 1% do PIB eminvestimentos em C&T e estabelecer a meta de 2% na virada doséculo. Novos instrumentos precisam ser agregados aos incentivosfiscais para promover maior participação das empresas.

A reestruturação industrial levará à inserção das empresasno mercado competitivo aproveitando nichos para os quaisapresentam vantagens competitivas. Essa reestruturação precisaser considerada com a visão abrangente e holística damodernização, tecnologia e emprego. Nesse aspecto, o Brasil agoraé privilegiado pois encontra-se em transição entre a otimizaçãoprodutiva pela gestão da qualidade total e a reestruturação. Onível de desemprego causado pela modernização é baixo secomparado com aquele observado em países desenvolvidos. Aautomação rígida não foi ainda incorporada ao processo deprodução, sendo tempo para a adoção da automação preservandopostos de trabalho. O maior ou menor impacto ficará nadependência da formação do trabalhador qualificado e polivante.Neste campo de idéias, o Estudo analisa a baixa formação decapital fixo no Brasil, necessário à criação de empregos, epropõe medidas indutoras para voltar este nível a 25% do PIB.Observa-se que o aumento da produtividade, baixando custos,aumentará as vendas, e os novos lucros, reinvestidos,possibilitarão novos empregos, aliviando a tensão "produtividade-desemprego".

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ivESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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A política industrial executada ao longo dos anosdesconheceu o papel relevante das micros, pequenas e médiasempresas na inovação tecnológica e como geradora de empregos. Amassificação do atendimento às MPME permitirá a criação de novosempregos, aproveitamento da mão-de-obra excedente fruto damodernização, maior flexibilidade produtiva e viabilização dacadeia de fornecedores qualificados. O enfoque do MPME exigiránova postura e instrumentos adequados para aumentar esseimportante requerente na área produtiva e de serviço. O SEBRAE,após a reformulação, deverá desempenhar relevante papel nessatarefa.

A educação é o foco de nova política orientada para acompetitividade, com ação voltada para a qualidade de vida dotrabalhador e melhor distribuição de renda. Desnecessário seriaressaltar que a capacitação tecnológica existe nas pessoas e nãosó nos equipamentos. Essa compreensão deveria ser o "leitmotif"de um país que busque um desenvolvimento equilibrado esocialmente justo. A valorização dos recursos humanos, através daeducação básica, técnica e continuada dos trabalhadores, é oelemento central da mobilização para a competitividade. Todos ospaíses que romperam a barreira do desenvolvimento atribuíramespecial atenção à educação. Precisamos reconhecer a nossa falha.Temos mais de 20 milhões de analfabetos ou com deficiênciaeducacional na população trabalhadora.

Estes baixos níveis educacionais exigem, de imediato, açãocorretiva para manter a capacidade de enfrentar os novos temposno ambiente competitivo. Convém recordar que a mão-de-obranecessária na primeira década do século 21 já está no mercado. Asociedade como um todo, não só o Governo, deverá ser mobilizadapara garantir o acesso à educação básica a todos os brasileiros,ao mesmo tempo em que colabora com o aprimoramento da qualidadedo ensino. Sem mudança não haverá justiça social e o preço a serpago poderá ser elevado.

Caberá à Gestão Empresarial - responsável em última análisepela produtividade e competitividade -, atualizando-se com asmodernas técnicas de administração, assumir junto ao seu grupointerno, junto ao Governo e junto à sociedade a condução doprocesso competitivo. Líderes poderão empolgar-se com a causa egentes poderão entusiasmar-se com ela. Pois não há outra opçãopara aumentar a "renda per-capita", que é quase sinônimo de"produtividade".

A Comissão de Supervisão do Estudo da Competitividade daIndústria Brasileira, na impossibilidade de nominar todos aquelesque contribuíram para o sucesso deste trabalho, agradece aosempresários, trabalhadores, cientistas e representantes doGoverno pela dedicação nos vários eventos realizados.

Em particular manifesta seu pleito de reconhecimento peloapoio dado pelos ex-Secretários de Ciência e Tecnologia, Drs.JOSÉ GOLDEMBERG, EDSON MACHADO e HÉLIO JAGUARIBE, ao Ministro daCiência e Tecnologia, Dr. JOSÉ ISRAEL VARGAS e ao Secretário deTecnologia do MCT, Dr. JOSÉ PAULO SILVEIRA.

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vESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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Agradece do mesmo modo ao Consórcio autor dos estudos e aosconsultores que deram a sua valiosa colaboração. Deixa a certezade que este Estudo é um importante estágio no processo dareestruturação competitiva de nossa indústria. Todo um trabalhode fôlego, indicando soluções e propondo ações está à disposiçãopara que possa ser utilizado pelos diferentes setores. Oacompanhamento da política através dos indicadores ofereceráoportunidades para contínuo aproveitamento.

O povo brasileiro, com vitalidade, peleja, avança, constrói,ama a sua família e a sua Nação. Quer e pode continuar em suahistória de progresso e paz. É o que concluímos deste trabalho.

Lourival Carmo Mônaco João Camilo PennaComissão de Supervisão

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APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

OS OBJETIVOS E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ESTUDO DACOMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB)realizou uma ampla pesquisa dos determinantes e das condiçõescompetitivas atuais e esperadas na indústria brasileira. Seuobjetivo é subsidiar a formulação de estratégias dedesenvolvimento competitivo e propor instrumentos e linhas deação necessárias à sua implementação, bem como induzir o debate eaumentar o grau de conscientização da sociedade brasileira,visando introjetar no funcionamento da economia a buscapermanente da competitividade.

Para isto, foi necessário:

- Diagnosticar a competitividade da indústria nacionalatravés da análise de seus fatores determinantes e da dinâmicatecnológica e de mercado;

- Identificar limitações e potencialidades de incorporaçãopela empresa brasileira de práticas competitivas contemporâneas;

- Delinear estratégias e sugerir linhas de ação einstrumentos para o enfrentamento dos desafios competitivos.

Mas, muito além dos trabalhos de pesquisa e consultoria, oECIB tomou a forma de um processo direto de discussão com osatores sociais relevantes para a competitividade: empresários,trabalhadores, autoridades governamentais, servidores públicos,acadêmicos. Sob a orientação da Comissão de Supervisão, queacompanhou todos os passos do Estudo, esse processo de discussãoganhou ênfase e densidade. Todas as Notas Técnicas, com seusresultados e proposições, passaram pelo crivo de intensasdiscussões com os próprios atores sociais, através de suaslideranças mais representativas. Por conseguinte, as NotasTécnicas na sua versão final incorporaram os aperfeiçoamentos eas críticas pertinentes, ensejadas pelo rico processo dediscussão efetuado1.

Assim, o ECIB não é apenas resultado de um estudo técnico,mas - à imagem e semelhança do que deve ser o processocompetitivo - constituiu-se num fórum aberto e pluralista dedebate e de criação coletiva. Por isso, espera-se que as suaspropostas e recomendações continuem sendo objeto de avaliaçãosocial para que venham, efetivamente, subsidiar a formulação eexecução de uma sólida política de desenvolvimento competitivopara o Brasil.

1 Estes documentos foram discutidos em 33 seminários (organizados por complexos

industriais e blocos temáticos), ao longo de todo o período de execução do projeto.Foram distribuídos 4.500 Resumos Executivos para convidados. Estes semináriossignificaram 274 horas de discussão dos resultados e recomendações com 1.862convidados (empresários, técnicos de governo, trabalhadores e cientistas).

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A seguir, serão detalhados os conceitos, o quadro analítico,o escopo do projeto e os esforços realizados para a suaconsecução. Ao final, serão apresentadas as partes e os capítulosque compõem este relatório.

COMPETITIVIDADE SISTÊMICA E EMPRESARIAL

Estão superadas as visões econômicas tradicionais quedefiniam a competitividade como uma questão de preços, custos(especialmente salários) e taxas de câmbio. Esta concepção levou,no passado, a políticas centradas na desvalorização cambial, nocontrole dos custos unitários de mão-de-obra e na produtividadedo trabalho, com o objetivo de melhorar a competitividade dasempresas em cada país. Nas duas últimas décadas, os países que semostraram competitivamente vitoriosos (Alemanha e Japão)afirmaram-se no mercado internacional, apesar de teremexperimentado fortes incrementos nos seus custos salariais e deterem enfrentado longos períodos de relativa sobrevalorizaçãocambial.

As transformações econômicas dos anos 80 e 90 ampliaram, emtodos os fóruns especializados, a noção de competitividade dasnações. Uma definição particularmente influente foi proposta em1985, pela Comissão da Presidência dos EUA sobre CompetitividadeIndustrial:

"Competitividade para uma nação é o grau pelo qual ela pode,sob condições livres e justas de mercado, produzir bens eserviços que se submetam satisfatoriamente ao teste dos mercadosinternacionais enquanto, simultaneamente, mantenham e expandam arenda real de seus cidadãos. Competitividade é a base para onível de vida de uma nação. É também fundamental à expansão dasoportunidades de emprego e para a capacidade de uma nação cumprirsuas obrigações internacionais".

Essa abordagem reconhece que a competitividade internacionalde economias nacionais é construída a partir da competitividadedas empresas que operam dentro e exportam a partir das suasfronteiras. Ao mesmo tempo, identifica a competitividade daseconomias nacionais como sendo algo mais do que a simplesagregação do desempenho de suas empresas. Estudos da OECDmostraram que as estratégias empresariais - com e sem sucesso -seguiram padrões específicos de acordo com cada país, sugerindoque as características do sistema econômico afetam os fatores decompetitividade e, portanto, influenciam o desempenho dasempresas.

Conseqüentemente, parece adequada a noção de competitividadesistêmica como modo de expressar que o desempenho empresarialdepende e é também resultado de fatores situados fora do âmbitodas empresas e da estrutura industrial da qual fazem parte, comoa ordenação macroeconômica, as infra-estruturas, o sistemapolítico-institucional e as características sócio-econômicas dosmercados nacionais. Todos estes são específicos a cada contextonacional e devem ser explicitamente considerados nas açõespúblicas ou privadas de indução de competitividade.

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Ao final da década de 70, estudos sobre competitividadetornaram-se freqüentes sem que uma definição precisa e de largaaceitação deste conceito estivesse disponível. Tampouco haviamsido desenvolvidas metodologias apropriadas para a sua análise.

Com relação ao tratamento conceitual, boa parte dosespecialistas vê a competitividade como um fenômeno diretamenterelacionado às características apresentadas por uma firma ou umproduto. Estas caraterísticas relacionam-se ao desempenho nomercado ou à eficiência técnica dos processos produtivos adotadospela firma, conforme a filiação teórica de quem examina oassunto. Para os autores que privilegiam o desempenho, acompetitividade se expressa na participação no mercado (market-share) alcançada por uma empresa ou um conjunto delas,particularmente o montante de suas exportações no total docomércio internacional da mercadoria em questão. Já para os queassociam competitividade a eficiência, seus indicadores devem serbuscados em coeficientes técnicos (de insumo-produto ou outros)ou na produtividade dos fatores, comparados às best-practicesverificadas na indústria.

Ambos os enfoques, no entanto, são muito restritivos, poisabordam o tema de modo estático, permitindo apenas o exame decomo os indicadores se comportaram até um determinado momento. Seobservados dinamicamente, tanto desempenho quanto eficiência sãoresultados de capacitações acumuladas e estratégias competitivasadotadas pelas empresas, em função de suas percepções quanto aoprocesso concorrencial e ao meio ambiente econômico onde estãoinseridas.

Nessa visão dinâmica, a competitividade deve ser entendidacomo a capacidade da empresa de formular e implementarestratégias concorrenciais, que lhe permitam conservar, de formaduradoura, uma posição sustentável no mercado. Na análise daindústria, foram considerados como competitivos os setores onde amaior parte da produção ocorre em firmas competitivas, tomando-secomo referência os padrões internacionais.

O sucesso competitivo passa, assim, a depender da criação erenovação das vantagens competitivas por parte das empresas, emum processo onde cada produtor se esforça por obterpeculiaridades que o distingam favoravelmente dos demais, como,por exemplo, custo e/ou preço mais baixo, melhor qualidade, menorlead-time, maior habilidade de servir à clientela, etc.

O sucesso implica, também, que as empresas mostrem-se aptasnão apenas a adotar estratégias competitivas adequadas, mas aimpor correções de rumo quando necessário. Para isto, asespecificidades do mercado e do ambiente econômico e asmodificações esperadas nas formas de concorrência são alguns doselementos que devem nortear as firmas na seleção de suasestratégias. O conhecimento destas especificidades ajuda ainferir quais vantagens competitivas irão se traduzir em maioresvendas e rentabilidade.

Qualquer que seja a sua fonte, as vantagens competitivasusualmente requerem tempo para serem alcançadas. Essa

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característica é particularmente aplicável às vantagensassociadas à inovação e, portanto, a análise da competitividadedeve levar em conta a cumulatividade das vantagens competitivasadquiridas pelas empresas.

Também é necessário que a empresa detenha capacidade paraimplementar a estratégia, sendo esta fundada não somente nacapacitação técnica, mas também no desempenho passado da firma,que se traduz em capacidade financeira, relações com fornecedorese usuários, imagem conquistada, diferenciação de seus produtos,grau de concentração do mercado, etc.

FATORES DETERMINANTES DA COMPETITIVIDADE

O desempenho competitivo de uma empresa, indústria ou naçãoé condicionado por um vasto conjunto de fatores, que pode sersubdividido naqueles internos à empresa, nos de naturezaestrutural, pertinentes aos setores e complexos industriais, enos de natureza sistêmica, conforme mostra a Figura 1.

FIGURA 1FATORES DETERMINANTES DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA

Os fatores internos à empresa são aqueles que estão sob asua esfera de decisão e através dos quais procura se distinguirde seus competidores. Incluem os estoques de recursos acumuladospela empresa, as vantagens competitivas que possuem e a suacapacidade de ampliá-las. Pode-se citar, entre outros, acapacitação tecnológica e produtiva; a qualidade e produtividade

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dos recursos humanos; o conhecimento do mercado e a capacidade dese adequar às suas especificidades; a qualidade e amplitude deserviços pós-vendas; as relações privilegiadas com usuários efornecedores.

Os fatores estruturais são aqueles que, mesmo não sendointeiramente controlados pela firma, estão parcialmente sob a suaárea de influência e caracterizam o ambiente competitivo que elaenfrenta diretamente. Integram esse grupo aqueles relacionados:

- às características dos mercados consumidores em termos desua distribuição geográfica e em faixas de renda; grau desofisticação e outros requisitos impostos aos produtos;oportunidades de acesso a mercados internacionais; as formas e oscustos de comercialização predominantes;

- à configuração da indústria em que a empresa atua, taiscomo grau de concentração, escalas de operação, atributos dosinsumos, potencialidade de alianças com fornecedores, usuários econcorrentes, grau de verticalização e diversificação setorial eritmo, origem e direção do progresso técnico;

- à concorrência, no que tange às regras que definemcondutas e estruturas empresariais em suas relações comconsumidores, meio ambiente e competidores; o sistema fiscal-tributário incidente sobre as operações industriais; práticas deimportação e exportação e a propriedade dos meios de produção(inclusive propriedade intelectual).

Os fatores sistêmicos da competitividade são aqueles queconstituem externalidades stricto sensu para a empresa produtiva.Também afetam as características do ambiente competitivo e podemter importância nas vantagens competitivas que firmas de um paístêm ou deixam de ter frente às suas rivais no mercadointernacional. Podem ser de diversas naturezas:

- macroeconômicos, como taxa de câmbio, oferta de crédito etaxas de juros;

- político-institucionais, como as políticas tributária etarifária, as regras que definem o uso do poder de compra doEstado e os esquemas de apoio ao risco tecnológico;

- regulatórios como as políticas de proteção à propriedadeindustrial, de preservação ambiental, de defesa da concorrência eproteção ao consumidor;

- infra-estruturais, tais como disponibilidade, qualidade ecusto de energia, transportes, telecomunicações e serviçostecnológicos;

- sociais, como a situação da qualificação da mão-de-obra(educação profissionalizante e treinamento), políticas deeducação e formação de recursos humanos, trabalhista e deseguridade social, grau de exigência dos consumidores;

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- referentes à dimensão regional, como os aspectos relativosà distribuição espacial da produção; e

- internacionais, como as tendências do comércio mundial, osfluxos internacionais de capital, de investimento de risco e detecnologia, relações com organismos multilaterais, acordosinternacionais e políticas de comércio exterior.

As considerações expostas indicam que, para avaliar a"capacidade de formular e implementar estratégias", é fundamentalverificar em que se baseia essa capacidade. Isto significaidentificar os fatores relevantes para o sucesso competitivo -sejam internos à própria firma, ao setor ou sistêmicos -,verificar a sua importância setorial no presente e a que se podeesperar no futuro próximo e avaliar o potencial das firmas dopaís com relação a eles. Alcança-se, assim, uma abordagemdinâmica do desempenho competitivo da empresa, integrada ao examede seus fatores determinantes.

ANÁLISE DA INDÚSTRIA E ANÁLISE DOS FATORES SISTÊMICOS

A execução do Estudo da Competitividade da IndústriaBrasileira (ECIB) foi operacionalizada através da constituição dedois blocos de estudos: Análise da Indústria e Análise dosFatores Sistêmicos. Procurou-se, ademais, investigar ainterdependência entre os fatores estudados, promovendo, ao longodo desenvolvimento do ECIB, estreito relacionamento dosconsultores entre e intra-blocos. O setores industriais e temasanalisados estão apresentados no Anexo II.

Na Análise da Indústria, foram estudados os complexosindustriais nacionais e selecionados 33 setores - responsáveispor cerca de 50% da produção industrial do país - para oaprofundamento da análise. Os critérios para a seleção de setoresforam:

- relevância na estrutura industrial brasileira;- existência de vantagens comparativas reveladas;- capacidade potencial de difusão de competitividade aos

demais setores produtivos através do fornecimento de insumos;- capacidade potencial de difusão de competitividade aos

demais setores produtivos através do fornecimento de bens decapital (inclusive de base eletrônica);

- capacidade de distribuição dos ganhos de produtividade ede ampliação do mercado interno.

A avaliação da indústria foi decomposta em seis passos:

- identificação dos fatores determinantes do sucessocompetitivo no setor e definição das estratégias competitivasdominantes verificadas, assim como mudanças esperadas naindústria internacional;

- seleção dos fatores mais relevantes, agrupando-os emempresariais, estruturais e sistêmicos. Obteve-se daí um mapapara a definição de quais capacitações e desempenhos sãorelevantes para o sucesso competitivo da empresa em seu setor de

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atuação e, portanto, das estratégias competitivas que devem serimplementadas;

- diagnóstico da competitividade das empresas brasileirasatravés da avaliação de capacitações, estratégias e desempenhosnos aspectos identificados como relevantes para a competitividadeno setor;

- análise dos fatores determinantes da competitividade nosetor - empresariais, estruturais e sistêmicos -, considerando emque medida favorecem ou constituem restrições à competitividadedas empresas brasileiras; avaliação da situação presente e a quese pode esperar num futuro próximo;

- hierarquização dos principais obstáculos e oportunidades àcompetitividade da indústria nacional;

- proposição de estratégias e ações para o desenvolvimentocompetitivo dos setores, divididas em ações relacionadas aosfatores empresariais, estruturais e sistêmicos, identificando-seos instrumentos relevantes e atores a serem mobilizados.

A Análise dos Fatores Sistêmicos teve como objetivoinvestigar as implicações sobre a competitividade de fatoresdeterminantes não relacionados diretamente ao setor de atuaçãodas empresas. Realizada em paralelo à Análise da Indústria, aAnálise dos Fatores Sistêmicos consistiu de estudos temáticossobre estes fatores. Foram definidos termos de referência paracada um, contendo objetivo, escopo e resultados esperados. Ostrabalhos temáticos tiveram como referência os contextosinternacional e nacional, apresentaram detalhamento em nívelsetorial quando pertinente e proposições de política endereçadasaos atores relevantes.

Todos os documentos produzidos, tanto no âmbito da Análisedos Fatores Sistêmicos como da Análise da Indústria, contêm:avaliação internacional e perspectivas, análise da situaçãobrasileira, indicadores e proposição de políticas.

O ECIB ressentiu-se da falta de estatísticas nacionais,particularmente do Censo Econômico de 1990. A constituição dabase empírica para avaliação da competitividade da indústria foiconstituída por uma ampla pesquisa de campo e por entrevistasrealizadas pelos consultores, além do recurso a dados de fontes eperiodicidades variadas, em um esforço de compor um quadro o maiscompleto possível.

A pesquisa de campo foi feita de modo a permitir a avaliaçãoda estratégia, capacitação e desempenho competitivo da indústriae seus determinantes. Foi aplicado um questionário a uma amostrade cerca de 1500 empresas das quais obteve-se respostas para 661.A amostra foi estratificada segundo os setores selecionados,valor da produção e variáveis indicativas de porte. Ela éprobabilística e não-proporcional para garantir a possibilidadede análise de cada setor e comparação entre os segmentos. Foramincluídas com probabilidade 1 algumas empresas pré-selecionadas

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(empresas líderes), otimizando o número de empresas selecionadaspor segmento analisado.

As informações sobre a situação presente e as expectativasde futuro dos representantes das empresas foram complementadaspor 350 entrevistas abertas junto a especialistas setoriais e aempresas líderes e não-líderes em atividade no Brasil. Estasentrevistas também cobriram setores ou atividades para os quais aconfiguração de amostras probabilísticas não se mostrou adequada.Incluem-se aí empresas dos setores de biotecnologia e software.

DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS

A realização de pesquisa tão abrangente e complexa exigiu aconjugação de conhecimentos de especialistas em diversas áreas edemandou capacidade gerencial e administrativa para garantirunidade, qualidade e convergência de esforços na direção dosobjetivos. Estes pontos guiaram a composição da equipe técnica edo Consórcio.

Estiveram diretamente envolvidos no ECIB 82 especialistas,sendo 36 doutores, 41 mestres e 5 bacharéis. A experiênciaanterior destes especialistas garantiu um estoque inicial deconhecimentos acumulados que possibilitou obter, com segurança erapidez, o aprofundamento, sistematização, organização eavaliação crítica das informações relativas à competitividade daindústria nacional e de seus determinantes.

O consórcio foi montado com a finalidade de reunirInstituições com capacitação comprovada em suas áreas específicasde atuação e visões diferenciadas com relação ao tema. Pretendeu-se, assim, que suas vantagens individuais fossem sinergicamentefortalecidas durante a execução do trabalho.

Coordenaram o Consórcio o Instituto de Economia daUniversidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), o Instituto deEconomia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro(IEI/UFRJ), a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior e aFundação Dom Cabral. A coordenação dos estudos internacionaisesteve a cargo do Science Policy Research Unit (SPRU), Universityof Sussex. Integram ainda o Consórcio: Instituto de Estudos parao Desenvolvimento Industrial (IEDI); Núcleo de Política eAdministração de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal daBahia (NACIT/UFBa); Departamento de Política Científica eTecnológica (IG/UNICAMP); Instituto Equatorial de CulturaContemporânea. Participaram ainda, como instituição colaboradora,a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) e comoinstituições subcontratadas: Instituto Brasileiro de OpiniãoPública e Estatística (IBOPE); Coopers & Lybrand Biedermann,Bordasch; Ernst & Young, Sotec.

O ECIB contou com a valiosa colaboração técnica do PNUD(United Nations Development Programme) e da Agência Brasileira deCooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE). Caberegistrar, ainda, o apoio do Parlatino - ParlamentoLatinoamericano, da BBTur - Viagens e Turismo e da Varig/Rio-Sul,

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para a realização de eventos organizados pela Coordenação doECIB.

Durante o período de execução (agosto 92/dezembro 93), foramproduzidas 96 Notas Técnicas, totalizando cerca de 10.000páginas. Em 1992, foram produzidas 13 Notas Técnicas preliminares(por complexos industriais e blocos temáticos) com o objetivo deavançar diagnósticos e proposições. Em 1993, foram produzidos 33Estudos Setoriais e 30 Estudos Temáticos, sintetizados em 13documentos por complexos industriais e blocos temáticos, além deuma Nota Técnica sobre Indicadores de Competitividade, de 5 notastécnicas extras e deste relatório final.

APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Este relatório foi concebido de modo a apresentar acompetitividade da indústria brasileira em suas três dimensões:sistêmica, empresarial e estrutural. Em todos os capítulos, sãoapresentados o cenário internacional e a situação brasileira esão feitas recomendações de política que fortaleçam acompetitividade da indústria.

Na INTRODUÇÃO estão indicados os desafios competitivos que aindústria brasileira enfrenta frente às mudanças tecnológicas ede mercados no cenário internacional e as ações que vêm sendoimplementadas pelos países da OECD e por países emdesenvolvimento para a promoção da competitividade. Sãoapresentados os fundamentos e as diretrizes de uma políticabrasileira de promoção do desenvolvimento competitivo industrial,destacando-se as relações entre estabilização e competitividade.

A PARTE I trata dos principais fatores sistêmicos que afetama competitividade industrial. O primeiro capítulo apresenta umadiscussão sobre os obstáculos e oportunidades para o Brasiladvindos da crescente globalização das atividades econômicas e doacirramento da concorrência em escala mundial. Num ambiente derápida mutação tecnológica, o cenário global apresenta desafiosextremamente importantes que condicionam a competitividade daindústria brasileira e que devem ser analisados de maneiraprofunda.

Reconhecendo que a competitividade de qualquer economiaencontra-se cada vez mais fundada em condições sistêmicas denatureza social, e repousa no bem-estar de sua população, ocapítulo 2 discute os fundamentos sociais da competitividadebrasileira.

O capítulo 3 trata dos desafios tecnológicos da indústriabrasileira. A baixa capacidade inovativa do setor industrialherdada do período de substituição de importações contrasta com aênfase em esforço tecnológico próprio perseguida, sem exceção,por todos os países que têm alcançado posição competitiva nocenário mundial. Desta maneira, o desenvolvimento tecnológicodeve-se constituir num dos pilares centrais de qualquer modelonacional de competitividade.

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O papel das infra-estruturas - notadamente de transportes,energia e telecomunicações - na competitividade brasileira é oobjeto do capítulo 4. A profunda deterioração da base física e daqualidade desses serviços no Brasil constitui sério entrave aoesforço de reestruturação competitiva da indústria.

Finalmente, o capítulo 5 discute a necessidade de seconstruir um novo padrão de financiamento para sustentar aretomada do investimento público e privado. Sublinha-se aimportância da reforma fiscal e tributária para a recuperação dasfinanças do Estado e da aproximação entre as esferas financeira eindustrial para promover o surgimento de finançasindustrializantes.

A PARTE II discute a necessidade de modernizar a estruturaempresarial e melhorar a gestão competitiva das empresasbrasileiras. À luz de um modelo de empresa competitiva (capítulo2) e da análise das estruturas vitoriosas e das deficiências daestrutura empresarial brasileira (capítulo 3), são analisadas asestratégias competitivas (capítulo 4). O capítulo 5 formularecomendações às empresas e propostas de política com vistas aavançar em direção à gestão competitiva, abrangendo os aspectosde organização e gestão, capacitação para inovação, capacitaçãoprodutiva e desempenho competitivo e os recursos humanos naindústria nacional.

A PARTE III é dedicada à análise da influência dos fatoresestruturais na competitividade da indústria brasileira. Noprimeiro capítulo, são definidos os fundamentos estruturais dacompetitividade: as características dos mercados, da configuraçãoda indústria e da regulação da concorrência que induzem aconstituição de setores industriais competitivos.

No capítulo seguinte, à luz dos diagnósticos, os setoresanalisados são divididos em três grupos: setores com capacidadecompetitiva, setores com deficiências competitivas e setoresdifusores de progresso técnico. Os dois primeiros foram definidosem função da proporção da produção setorial gerada por empresascompetitivas. O terceiro, subconjunto dos setores comdeficiências competitivas, foi destacado pela função que estessetores exercem na matriz industrial e por sua influência nacompetitividade do conjunto da indústria.

Os três capítulos seguintes tratam de cada um destes gruposde setores, avaliando oportunidades e ameaças nas três dimensõesestruturais consideradas: mercado, configuração da indústria econcorrência. Ao final de cada um é definida a estratégia a serperseguida por uma política de desenvolvimento competitivo e asações prioritárias para sua execução.

A PARTE IV sintetiza os resultados do ECIB e apresenta asdiretrizes para o desenvolvimento competitivo da indústriabrasileira. São inicialmente resumidas as principaisrecomendações para a promoção da competitividade sistêmica eidentificados dois grandes desafios: a reconstrução do Estado e areestruturação do sistema empresarial. Finalmente, são analisadas

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as estratégias de competitividade para os setores da indústria eo papel das políticas públicas.

O ANEXO I apresenta uma síntese da proposta do ECIB deimplementação de um sistema de acompanhamento da competitividadee sugestões ao sistema nacional de estatísticas. Propõe-se umconjunto de indicadores, organizados em três grandes grupos -desempenho, eficiência e capacitação. O objetivo é permitir aopoder público e aos atores sociais envolvidos com a construção dodesenvolvimento competitivo compreender de forma adequada oestágio atual e as perspectivas da competitividade na economiabrasileira, contribuindo para o equacionamento dos problemas, odesenho de políticas e a aferição de seus resultados.

O ANEXO II apresenta a relação das notas técnicas elaboradasno âmbito do ECIB.

O ANEXO III reúne os quadros-resumo apresentados em todas asNotas Técnicas do ECIB, contendo as principais recomendaçõesdirigidas ao Governo, às empresas, aos trabalhadores, àsorganizações não-governamentais e à academia.

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INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE?

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INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE?

A INDÚSTRIA BRASILEIRA NO INÍCIO DOS ANOS 90

O Brasil passou por uma extraordinária transformaçãoindustrial durante as três décadas que se seguiram ao final da 2ªGuerra Mundial. Num período em que a economia mundial era marcadapor intenso crescimento, o desempenho brasileiro foiimpressionante, mesmo se comparado a outros países. Conformemostrado na Tabela 1, o setor manufatureiro brasileiro alcançoutaxa média de crescimento do valor adicionado de 9,5% ao anodurante o período 1965-1980. Tal desempenho foi apenassuplantado, entre os países em desenvolvimento, por Coréia do Sul(18,99%), Cingapura (11,41%) e Indonésia (10,20%) e foisignificativamente melhor que a média dos países desenvolvidos(4,66%) e em desenvolvimento (6,55%) durante o mesmo período.

TABELA 1PAÍSES SELECIONADOS - MUDANÇAS ESTRUTURAIS E INDUSTRIALIZAÇÃO

1965-1980------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS ÍNDICE DE MUDANÇA ESTRUTURAL TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA DO VALOR

NO SETOR MANUFATUREIRO* ADICIONADO NO SETOR MANUFATUREIRO------------------------------------------------------------------------------------------------------------NICs EuropeusEspanha 24,73 6,78Iugoslávia 12,01 6,94Portugal 21,61 7,18Grécia 13,56 7,00

NICs AsiáticosÍndia 20,89 2,59Coréia do Sul 31,37 18,99Hong Kong 9,87 6,05Cingapura 48,32 11,41Indonésia 19,52 10,20Filipinas 10,95 5,45Tailândia 17,69 7,98Malásia 15,86 8,12

NICs da América LatinaBrasil 30,03 9,50México 14,83 7,09Argentina 15,90 3,12Colômbia 10,90 6,36

Médias GlobaisDesenvolvidos 10,90 4,66Em Desenvolvimento 13,83 6,55Mundo 10,60 4,85------------------------------------------------------------------------------------------------------------* O índice de mudança estrutural da UNIDO mede a alteração da participação de 16 setores

manufatureiros no valor adicionado da indústria entre 1965 e 1980. Um índice reduzidoindica a ocorrência de pequena mudança na estrutura de produção industrial do respectivopaís ao longo do período, enquanto um índice elevado constitui evidência de grande mudançaestrutural.

Fonte: UNIDO (1985).

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A estrutura industrial brasileira - que evoluiu sob umaestratégia ampla e permanente de proteção, promoção e regulação -tinha alcançado, em 1980, um alto grau de integraçãointersetorial e diversificação da produção. De acordo com oCenso Industrial de 1980, os complexos químico e metalmecânico(inclusive bens de capital, bens de consumo durável e o setorautomobilístico), que representavam 47,5% da produção industrialtotal em 1970, foram em 1980 responsáveis por 58,8% do produtototal da indústria. A estrutura industrial resultante não erasignificativamente diferente da maior parte das economias daOECD. De fato, em 1980, as três economias mais desenvolvidastinham, aproximadamente, dois terços da sua produção industrialoriginada destes setores: 64,4% no caso dos EUA, 64,5% no Japão e69,8% na Alemanha Ocidental.

Porém, diferentemente do ocorrido em tais países - e emoutros que perseguiram, com sucesso, a industrialização no mesmoperíodo, como a Coréia do Sul -, as empresas industriaisbrasileiras, com poucas exceções, não desenvolveram capacitaçãoinovativa própria. O esforço tecnológico acumulado ao longo doprocesso de substituição de importações limitou-se àquelenecessário à produção propriamente dita. A insuficientecapacitação das empresas nacionais para desenvolver novosprocessos e produtos, aliada à ausência de padrão nítido deespecialização da estrutura industrial brasileira e à suadeficiente integração com o mercado internacional, constituíam-se, já naquele momento, em elementos potencialmentedesestabilizadores do processo de industrialização brasileiro.

A crise macroeconômica (dívida externa e conseqüentedesorganização das finanças públicas) imobilizou o Estado,inviabilizando a formulação de uma política industrial etecnológica que se seguisse à política de substituição deimportações. Num quadro de crescente instabilidade macroeconômicae aceleração inflacionária, processa-se um ajuste industrialdefensivo, com contração de investimentos, estagnação da produçãoe queda da renda per capita.

O retrato mais flagrante desse processo de crise e deparalisação do desenvolvimento se expressa na queda substancialda taxa agregada de investimento (formação bruta de capital fixo)nos anos 80 e no início dos 90. O país vem investindo muito aquémde suas potencialidades e em certas áreas (especialmente nasinfra-estruturas) o investimento não repõe a depreciação e odesgaste efetivo dos equipamentos e bens. Comparado ao desempenhode outros países (desenvolvidos e em desenvolvimento), os númerosbrasileiros são preocupantes, como se pode observar na Tabela 2.

Entre 1980 e 1992, a indústria de transformação teve suaprodução reduzida em 7,4%. Evidentemente, conforme se depreendedo Gráfico 1, a crise da indústria brasileira ao longo do período1980-92 não se deu de maneira uniforme. As categorias que maissofreram foram as de bens de capital (queda de 44% no período) eduráveis de consumo (queda de 8%); exatamente aquelas quelideraram o crescimento no período anterior. Auxiliada pelamaturação dos investimentos da segunda metade dos 70 e dinamizadapelas exportações de commodities, a categoria de bens

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intermediários apresentou crescimento modesto (6% entre 1980 e1992). Finalmente, os bens de consumo não-duráveis cresceramapenas 8% no período.

TABELA 2PAÍSES SELECIONADOS - FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO EM

PERCENTAGEM DO PIB1971-1992

(%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS 1971-75 1976-80 1981-85 1986-90 1991-92------------------------------------------------------------------------------------------------------------EUA 18,5 19,9 19,2 18,0 15,4Japão 34,4 31,0 28,6 29,8 31,2Alemanha 23,5 21,0 20,4 19,9 21,6Itália 23,7 23,4 21,8 20,0 19,5

Espanha 23,0 20,8 20,3 22,2 23,1

Coréia 22,9 30,1 28,5 30,8 36,7Malásia 23,3 25,5 34,0 27,2 35,5*Indonésia 17,9 20,6 28,1 32,6 35,1*

Brasil 25,4 22,4 19,6 22,0 18,2------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Refere-se ao ano de 1991.Fonte: FMI, Estatísticas Financeiras Internacionais.

GRÁFICO 1BRASIL - ÍNDICES DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL POR CATEGORIA DE USO

1980-1993

(1980 = 100)

19801981198219831984198519861987198819891990199119921993

130

120

110

100

90

80

70

60

50

IT BI BK BCD BCnD

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Notação: IT - indústria de transformação; BK - bens de capital; BI - bens intermediários; BCD- bens de consumo duráveis; BCnD - bens de consumo não-duráveis.Fonte: FIBGE.

Apesar do crescimento observado em 1993 a indústria nãorecuperou o nível de produção verificado no triênio 1987-89 e ataxa agregada de investimentos continuou relativamente deprimida,conforme mostra a Tabela 3. Simultaneamente, as exportaçõescresceram 23% e as importações subiram acentuadamente (+60,9%) nomesmo período. É relevante assinalar a forte queda do emprego(-21,2%) e o seu crescimento quase irrelevante em 1993 apesar dasignificativa expansão do produto industrial neste ano.

TABELA 3BRASIL - EMPREGO E PIB INDUSTRIAL, EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO E

INVESTIMENTO1987-1992

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO UNIDADE 1987-89 1992 1993 1993/92 1993/87-89------------------------------------------------------------------------------------------------------------Emprego industrial milhões pessoas 6,12 4,79* 4,81* +0,4% -21,2%PIB industrial Índice 100 85,9* 94,5* +10% -5,5%Exportação US$ milhões 31.465 36.103 38.810 +7,5% +23,3%Importação US$ milhões 15.973 20.578 25.706 +25% +60,9%Investimento % PIB 23,2 17,5 19,2* +10% -17,2%------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Estimativa.Fonte: FIBGE e BACEN.

Em resumo, no primeiro triênio dos anos 90 a indústria foisubmetida a uma crescente exposição ao ambiente competitivointernacional, característica que certamente continuará nospróximos anos, e apresentou forte tendência de diminuição doemprego. Em outras palavras, a queda no emprego industrial nosperíodos de depressão tem sido seguida por aumentos menores, emtermos absolutos e relativos, do nível de emprego durante osperíodos de recuperação. Tal tendência, à semelhança do ocorrido,em maior ou menor escala, nos países industrializados, apontapara uma situação de desemprego estrutural no setor industrialcujas conseqüências são objeto de crescente preocupação no planointernacional.

As empresas industriais responderam de maneira diferenciadaao longo dos dois períodos que apresentaram mais intensadepressão durante quase década e meia de estagnação (1980-83 e1989-92). No primeiro, as empresas se ajustaram fundamentalmenteno plano financeiro-patrimonial, reduzindo significativamenteseus níveis de endividamento. Contrabalançaram a redução deprodução e demanda com crescentes ganhos não-operacionais.

O segundo reajuste, realizado num quadro de aberturacomercial, tem sido caracterizado por reestruturações da produçãopropriamente dita: concentração nas linhas de produtoscompetitivas; redução do escopo das atividades industriais

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realizadas internamente à empresa; "terceirização" de diversasatividades; compactação dos processos produtivos com cortesubstancial do emprego; programas de qualidade, etc.

Em comparação com os padrões internacionais, no início dadécada de 90 uma boa parte da indústria brasileira opera comequipamentos e instalações tecnologicamente defasados, apresentadeficiências nas tecnologias de processo, exibe atraso quanto àstecnologias de produto e dispende pequena fração do faturamentoem atividades de P&D. Demonstra, ainda, limitada difusão dossistemas de gestão de qualidade, tanto de produtos quanto dosprocessos de fabricação e apresenta relativa lentidão na adoçãodas inovações gerenciais e organizacionais, do tipo just-in-time,quick response, total quality control e outras. Enquantointernacionalmente as empresas intensificam laços de colaboração,a maior parte da indústria brasileira ressente-se de ausência deinteração intensa entre usuário e produtor e carece derelacionamento mais cooperativo entre fornecedores e produtores.Finalmente, apresenta, em geral, um padrão anacrônico de relaçõesgerenciais/trabalhistas, que ainda encara o trabalho como umcusto e não como um recurso primordial da produção, dando poucaatenção ao treinamento e à formação de operários polivalentes.

As exceções estão principalmente localizadas nas empresas demaior porte, de setores intermediários, de bens duráveis e bensde capital, nas quais ao longo dos últimos anos nota-se crescenteeficiência econômica. Considerando-se, no entanto, o elenco decaracterísticas apontadas acima, a maior parte das empresasindustriais brasileiras, principalmente aquelas produtoras debens não-duráveis e de menor porte, apresenta, ainda, baixosníveis de produtividade e custos elevados - o que prejudica suacapacidade de competir em preços. Apresenta ainda outrasdeficiências: lentidão de resposta a modificações na demanda,baixa flexibilidade na produção, deficiências de qualidade edesempenho dos produtos. Essas deficiências limitam a capacidadeda indústria de competir através de novos lançamentos,sofisticação, qualidade e diversidade dos bens e serviçosofertados.

Além das defasagens técnicas e organizacionais das empresas,é relevante destacar deficiências relacionadas à estruturaindustrial e aos fatores sistêmicos, que também se agravaram aolongo da crise, e que não podem deixar de ser objeto depreocupação: a defasagem da estrutura empresarial brasileira,especialmente no tocante ao grau de centralização do capital, doperfil setorial de atividades dos grupos econômicos e,particularmente, do atraso organizacional e de qualidade dasestratégias empresariais; a existência de um tecido industrialincapaz de transmitir qualidade, produtividade e progressotécnico ao longo das cadeias produtivas; a precariedade da baseeducacional brasileira, especialmente em face dos requisitosexigidos pelos novos processos produtivos; o distanciamentoentre sistema produtivo e sistema bancário-financeiro, marcadopela ausência de crédito e financiamento de longo prazo e peloreduzido grau de endividamento como proporção dos ativosempresariais; e a profunda deterioração da capacidade regulatóriado Estado, enfraquecido pela crise fiscal e financeira, impotente

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para articular a retomada do crescimento econômico e parafomentar o avanço da competitividade nacional, sem aimplementação prévia de reformas.

A situação brasileira contrasta com a rapidez e aprofundidade das inovações tecnológicas em curso nas economiasdesenvolvidas, configurando um panorama preocupante. Há umaincontornável urgência histórica: é preciso enfrentar e resolvera crise econômica, com a formulação simultânea de um projeto dedesenvolvimento competitivo que restabeleça na sociedadebrasileira a esperança e a confiança em si própria.

A erosão da competitividade do Brasil manifesta-se na perdade importância do país no comércio internacional na segundametade da década de 80 (Tabela 4).

TABELA 4BRASIL - PARTICIPAÇÃO NO COMÉRCIO MUNDIAL

1978-1992(US$ bilhões correntes)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO EXPORT. EXPORT. % IMPORT. IMPORT. %

MUNDIAL BRASIL MUNDIAL BRASIL------------------------------------------------------------------------------------------------------------1978 1224,0 12,7 1,0 1260,0 15,1 1,21979 1552,9 15,2 1,0 1583,6 19,8 1,31980 1892,1 20,1 1,1 1946,3 25,0 1,31981 1857,9 23,4 1,3 1928,8 24,1 1,21982 1728,4 20,2 1,2 1806,6 21,1 1,21983 1677,5 21,9 1,3 1751,1 16,8 1,01984 1777,5 27,0 1,5 1858,9 15,2 0,81985 1799,4 25,6 1,4 1890,2 14,3 0,81986 1992,1 22,3 1,1 2061,7 15,6 0,81987 2358,2 26,2 1,1 2410,3 16,6 0,71988 2696,5 33,8 1,3 2772,3 16,1 0,61989 2909,1 34,4 1,2 3001,5 19,9 0,71990 3326,2 31,4 0,9 3429,6 22,5 0,71991 3437,2 31,6 0,9 3556,2 23,0 0,61992 3644,9 36,1 1,0 3768,6 23,1 0,61993 3736,0 38,7 1,0 3862,8 25,7 0,7------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: FMI, Internacional Financial Statistics Yearbook, 1988 e 1993 (ago.).

Embora o perfil das exportações brasileiras tenha evoluídono sentido de maior presença de produtos industrializados, ainserção atual da indústria brasileira no mercado internacional,coerentemente com o quadro acima descrito, caracteriza-se pelaexportação de commodities intensivas em recursos naturais e/ouenergia e de bens intensivos em mão-de-obra barata: por exemplo,commodities como celulose, papel, suco de laranja, farelo de sojae minérios semiprocessados têm tido excelente desempenhoexportador.

Deve-se, todavia, considerar que, mesmo nesses produtos, acompetitividade brasileira pode vir a ser ameaçada, uma vez que atendência do mercado internacional é de crescente sofisticação ede segmentação em especialidades.

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O desempenho recente mostra que esse tipo de inserçãoapresenta limites tendo em vista a saturação dos mercados e atendência declinante dos preços. O rápido crescimento dacapacidade produtiva em outros países do Terceiro Mundo comsalários tão baixos quanto os brasileiros, mas que apresentamcrescentes níveis de qualificação, tende a reduzir acompetitividade de produtos intensivos em trabalho.Particularmente, uma enorme ameaça potencial emerge naquelespaíses e setores onde baixos custos salariais (como aqueles daChina) são combinados com altos níveis de qualificação técnica ecapacidade de comercialização internacional (acumuladas porempresas do sudeste asiático, como as coreanas). Ao mesmo tempo,muitos países têm aumentado o investimento em setores industriaisintensivos em recursos naturais e em energia, resultando numexcesso de capacidade mundial. A concorrência internacional emtais setores será particularmente intensa por muito tempo.

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Este quadro de graves desafios não deve ser subestimado. Aperda de posição do Brasil no ranking de exportadores mundiais nasegunda metade dos anos 80 é expressiva e fala por si: o paíscaiu da 17ª posição em 1985 para a 23ª em 1992, sendoultrapassado pela Dinamarca, Malásia, Austrália, Cingapura eoutros países (Tabela 5). A erosão da competitividade brasileirafoi expressiva em vários segmentos da indústria de transformaçãode maior valor agregado, notadamente na área automobilística e debens de capital.

TABELA 5COMÉRCIO MUNDIAL DE MERCADORIAS - PRINCIPAIS EXPORTADORES

Valor, participação porcentual e posição no ranking1980, 1985 e 1992

(US$ bilhões)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 1992 1985 1980PAÍS Valor % Ranking Valor % Ranking Valor %Ranking------------------------------------------------------------------------------------------------------------EUA 448 12,3 1 218 11,9 1 225 11,71Alemanha 422 11,6 2 183 10,0 2 192 10,02Japão 339 9,3 3 177 9,7 3 130 6,83França 235 6,5 4 101 5,6 4 116 6,04Reino Unido 190 5,2 5 101 5,5 5 110 5,75Itália 178 4,9 6 76 4,2 8 78 4,18Países Baixos 139 3,8 7 77 4,3 7 85 4,47Canadá 134 3,7 8 90 5,0 6 67 3,59Bélgica-Luxemburgo 122 3,4 9 53 2,9 9 64 3,410Hong Kong 119 3,3 10 30 1,6 13 19 1,018Taiwan 81 2,2 11 30 1,7 10 19 1,017China 80 2,2 12 27 1,5 14 18 0,921Coréia do Sul 76 2,1 13 30 1,7 12 17 0,922Espanha 64 1,8 14 24 1,3 18 20 1,115Cingapura 63 1,7 15 22 1,2 19 19 1,019Suíça 61 1,7 16 27 1,5 16 29 1,512Suécia 56 1,5 17 30 1,7 11 30 1,611Arábia Saudita 47* 1,3 18 27 1,5 15 109 5,76Áustria 44 1,2 19 17 0,9 22 17 0,923Austrália 42 1,2 20 22 1,2 20 21 1,114Malásia 40 1,1 21 15 0,8 26 12 0,726Dinamarca 39 1,1 22 17 0,9 23 16 0,924Brasil 36 1,0 23 25 1,4 17 20 1,016

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Noruega 35 1,0 24 19 1,1 21 18 1,020México 27 0,8 25 16 0,9 25 15 0,825África do Sul 23 0,7 26 16 0,9 24 25 1,313

26 países 3152 86,5 1484 81,0 1504 78,3Mundo 3645 100,0 1831 100,0 1922 100,0------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Refere-se ao ano de 1991.Fonte: FMI, International Financial Statistics Yearbook, vol. XLVI, 1993, p. 108-111.

É verdade, por outro lado, que existem exceções notáveisneste quadro desfavorável. Algumas empresas líderes em váriossegmentos conseguiram um bom desempenho exportador e, movidaspelas exigências da competição no mercado internacional,desenvolveram capacitação tecnológica própria em produtos,operando com padrões best practice de qualidade e produtividade.

Mas a competitividade internacional da indústria de um paíscomo o Brasil não pode repousar em duas centenas de empresaslíderes, ilhas de excelência. É urgente a articulação de umapolítica de competitividade, dentro de um projeto nacional dedesenvolvimento competitivo, capaz de acelerar a difusão dasinovações técnicas e organizacionais no sistema industrialbrasileiro.

POLÍTICAS DE COMPETITIVIDADE NOS PAÍSES DA OECD

A pretensa necessidade de retração completa do Estado nodomínio industrial não encontra correspondência nas políticasefetivamente implementadas nos países mais avançados. Segundodocumento oficial da OECD (1992a), em praticamente todos ospaíses membros os governos têm considerado imperativocontrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior (redução debarreiras tarifárias) mobilizando uma gama de instrumentos,visando melhorar a competitividade de suas empresas, tanto no quese refere às exportações quanto em relação aos mercados internos,cada vez mais abertos à concorrência externa.

O principal constrangimento aos investimentos públicos defomento às condições sistêmicas da competitividade e aos outrosprogramas de natureza tecnológica, setorial ou regional decorreuda crise fiscal do Estado e da dificuldade de financiar despesasde médio e longo prazo. Mas não se deve confundir estasrestrições advindas da crise fiscal - reais e sérias - com umadesistência de intervenção do Estado no campo da competitividade.Com efeito, no Japão, na Alemanha, na França e, hoje, nos EUA, osestados nacionais agem pragmaticamente na defesa ou no reforço dacompetitividade industrial.

Mas é mister observar que as políticas de competitividadehoje praticadas nos países da OECD diferem substantivamente daspolíticas industriais do pós-guerra. Estas se orientaraminicialmente para a reconstrução do sistema produtivo e para arestauração do setor privado (Europa e Japão) e para areconversão industrial para fins civis (EUA). Nos anos 50 e 60,essas políticas (na Europa e no Japão) apoiaram o desdobramento e

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a intensificação do desenvolvimento industrial e o fortalecimentodas suas grandes empresas e bancos. Nos anos 70, ganhou peso aquestão do ajustamento energético (em face dos dois choques depreços do petróleo) e iniciaram-se vários programas setoriais dereestruturação. Começou a ganhar força, ainda no fim dos anos 70,a preocupação em fomentar o desenvolvimento das novas tecnologiasde uso genérico. No caso americano, o fomento industrial esteveassociado ao esforço permanente de sustentação da sua liderançatecnológica no campo militar.

Na primeira metade da década de 80, sob a hegemonia doneoliberalismo, verifica-se significativo recuo das políticasindustriais tais como vinham sendo praticadas. Programassetoriais foram desativados e os orçamentos de fomento reduzidos.Mas, pressionados pela concorrência externa e influenciados peloexemplo japonês, os governos nacionais começam a redefinir suaspolíticas na segunda metade dos 80. As políticas industriaisconvencionais são substituídas por políticas de competitividade,mais abrangentes e caracterizadas por novos ingredientes.

As novas políticas de competitividade incluem alguns dosinstrumentos tradicionais da política industrial e também umnúmero maior e mais complexo de novos mecanismos. Na prática, aspossíveis combinações desses instrumentos dá um caráter ad hocmuito pronunciado às políticas.

Por um lado, a pressão da concorrência externa sobre osoligopólios locais é considerada positiva na maior parte dospaíses. Porém, uma série de fatores continuam a influir sobre asações dos governos. Entre estes, destaca-se a preservação doscomponentes principais da soberania nacional, particularmente odomínio e algum grau de autonomia parcial em "tecnologiascríticas". A "racionalidade" neste caso combina consideraçõesmilitares e industriais, cujo mix varia de acordo com o país.Outros fatores importantes incluem a questão do emprego, abalança comercial, a questão ambiental e o desenvolvimentotecnológico, particularmente através de projetos cooperativosenvolvendo parceria entre empresas e instituições de pesquisa.Este último, apesar de ainda incipiente, está presente em váriospaíses da OECD, particularmente nos países nórdicos e na França(OECD, 1992a).

É importante, ademais, reconhecer que as políticascomerciais, de investimento, tecnológicas e de regulação daconcorrência devem ser consideradas de maneira integrada,conjuntamente, e não separadamente. A interface entre taispolíticas é particularmente visível nas políticas de apoio àexportação e no erguimento das barreiras não-tarifárias. Estas,ao oferecer a alguns setores proteção efetiva, compensam aquelaque foi perdida como resultado da eliminação das tarifas e são,de fato, instrumentos setoriais de política de competitividade.Em casos mais sofisticados, elas se dirigem a melhorar odesempenho e permitir o aprendizado nos mercados domésticos parasatisfazer novos requisitos de segurança, qualidade e padrõesambientais.

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Tendo em vista pressões no âmbito do GATT e de outrosorganismos internacionais, a crise fiscal dos governos centrais eum certo reconhecimento do caráter interativo e localizado dosprocessos de aquisição de competência tecnológica (especialmenteno caso das novas tecnologias), tem sido observada claratendência de deslocamento das políticas e do respectivo apoiofinanceiro do nível federal ou central para o âmbito local ouregional (os estados, no caso dos EUA). Tendo em vista que estadescentralização ou regionalização das políticas pode seconstituir em fator desagregador da coesão nacional - em face dacompetição entre diversas regiões -, aos governos centrais temcabido o importante papel de coordenação dos diferentes esforçosregionais.

Ao lado da regionalização, as novas políticas valorizam epromovem sistematicamente a cooperação entre os agenteseconômicos (e entre estes e o Estado) e levam em conta anecessidade de mobilização simultânea e de forma coordenada dasdiversas instâncias governamentais responsáveis por políticasespecíficas.

Tendo em vista que a cooperação e outras formas de capturade externalidades adquirem importância crescente, pode-seclassificar algumas formas de fomento à competitividade de acordocom as relações entre os agentes envolvidos, públicos e privados.Elas representam a oferta de externalidades e de oportunidades decooperação. Referem-se a:

a) infra-estruturas e serviços públicos;b) investimentos imateriais em educação, treinamento e P&D;c) articulação de nexos cooperativos entre agentes através

de programas, projetos mobilizadores, incentivos, etc. Significaarticular empresas, instituições de pesquisa pura e aplicada,infra-estruturas tecnológicas, etc. em torno a sistemas locais ouregionais de inovação;

d) promoção da parceria entre o sistema financeiro e asempresas inovadoras. Trata-se da criação de condições fiscais,financeiras e institucionais que incentivem os bancos e agentesfinanceiros a apoiar a inovação, alargando o horizonte temporal eabsorvendo parte dos riscos.

Fundamentados no tripé descentralização das políticas,cooperação entre os diversos agentes e mobilização coordenada dasdiversas instâncias responsáveis, os principais instrumentosutilizados atualmente pelos países industrializados no quadro desuas políticas de competitividade podem ser classificados emquatro categorias:

- poder de compra do setor público;- intervenção direta para a reestruturação de setores, sobleis ou regulamentos temporários;

- requisitos de desempenho para o investimento de riscoestrangeiro;

- subvenções, incentivos e auxílios fiscais-financeiros,diretos e indiretos.

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Os dois primeiros instrumentos (poder de compra eintervenções reorganizadoras) são utilizados de maneira seletiva,visando setores específicos. O terceiro refere-se aregulamentações e requisitos informais estabelecidos para filiaisde empresas estrangeiras e dizem respeito ao seu desempenho emcertos quesitos, tais como compra de insumos e componenteslocais, obtenção de um equilíbrio entre importações e exportaçõesnas trocas intrafirma entre matrizes e filiais e de um desempenhomínimo em termos de exportações fora das relações intrafirma.Tais medidas, tradicionalmente associadas aos países emdesenvolvimento, têm sido crescentemente utilizadas a partir dosanos 80 por países da OECD, inclusive pelos EUA (neste caso nãoem nível federal mas, sim, em nível estadual).

Finalmente, as subvenções e os auxílios fiscais-financeirosdiretos ou indiretos à indústria constituem, hoje em dia, oinstrumento de política industrial mais utilizado pelos países daOECD. Tais subvenções e auxílios incluem instrumentos definanciamento direto, que transferem recursos a determinadascategorias especiais de empresas e setores, e incentivos fiscais,que conferem privilégios temporários às empresas que sequalifiquem para atividades de P&D ou cumpram outros requisitos.

O banco de dados da OECD sobre os programas de apoio àindústria que envolvem auxílio financeiro contabilizou 879programas em vigor no período 1986-89. Para 739 destes programas,foi possível estimar o custo líquido para o governo que, para operíodo em análise, alcançou aproximadamente US$ 262,7 bilhões(Tabela 6). Tal montante representa cerca de 2% a 3% do valoradicionado do setor manufatureiro dos países membros.

Os dados permitem constatar que, ao longo dos anos 80, ofomento ao investimento industrial, de caráter genérico diminuiu,principalmente em razão de reformas fiscais que reduziramincentivos generalizados. Tal tipo de apoio, que em 1986 eraresponsável por 55% do montante de recursos públicos alocados aosprogramas de apoio à indústria, respondia por apenas 28% em 1989.

A era do auxílio indiscriminado cede lugar a políticas comfoco bem definido, onde o critério da eficiência e da avaliaçãodos resultados (custos versus benefícios) tornou-se regraimperiosa. Assim, como contrapartida, medidas focalizadas defomento à competitividade aumentaram significativamente. Estaspodem ser classificadas em três grandes blocos: 1) aquelasvisando especificamente a concorrência externa; 2) as de apoio àsatividades de P&D e à difusão tecnológica; 3) as que sedirecionam a salvaguardar o tecido industrial dos países da OECD,freqüentemente sob a forma de programas de desenvolvimentoregional (Tabela 6).

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TABELA 6OECD - PROGRAMAS DE APOIO AO SETOR INDUSTRIAL

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBJETIVOS DE POLÍTICA PROGRAMAS % DO CUSTO ESTIMADO PARA O ESTADO

Nº Nº * 1986 1987 1988 1989---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------A) Aumentar a Concorrência Externa 258 227 16,7 27,3 26,1 28,9 - auxílio à exportação 91 80 8,4 15,2 16,4 19,9 - medidas setoriais 130 118 5,9 9,2 8,6 7,7 - apoio a empresas em dificuldade 37 29 2,4 2,9 1,1 1,3

B) P&D e Difusão Tecnológica 159 144 9,0 10,9 9,4 11,5

C) Salvaguarda do Tecido Industrial 339 277 19,6 24,7 28,0 31,2 - políticas industriais regionais 162 136 13,7 17,2 17,8 22,2 - apoio a pequenas e médias empresas 117 87 3,3 4,6 4,8 5,2 - apoio ao emprego e form. profissional 60 54 2,6 2,9 5,4 3,8

SUBTOTAL (A+B+C) 756 648 45,3 62,9 63,5 71,6

D) Apoio Geral ao Investimento 123 91 54,7 37,1 36,5 28,4

TOTAL 879 739 100,0 100,0 100,0 100,0---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CUSTO LÍQUIDO PARA O ESTADO (US$ bi)Subtotal (A+B+C) 35,5 42,9 42,5 38,1Total (A+B+C+D) 74,6 68,1 66,9 53,1---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Número de programas para os quais a OECD dispõe de informações sobre o custo líquido para oEstado.Fonte: OECD (1992a).

As medidas de suporte à capacidade de concorrência externacompreendem, em primeiro lugar, aquelas destinadas a favorecer asexportações. Estas foram as que mais cresceram no períodorecente, evidenciando a determinação dos países da OECD depreservar (e ampliar) suas posições de mercado. Elas comportamvantagens fiscais e financeiras e cobrem dois tipos de medidas:aquelas que financiam os clientes estrangeiros de fabricantesnacionais e as que visam reforçar o campo de ação internacional ea capacidade de exportação de fabricantes locais, especialmenteatravés de medidas de apoio direto (inclusive logístico).

Outro tipo de medidas dentro deste bloco são as de cortesetorial, de natureza defensiva, dirigidas a setores em declínioou expostos a acirrada concorrência internacional. A maior partedos programas setoriais direciona-se aos setores siderúrgico,têxtil, naval (setores em declínio), automobilístico,aeroespacial e eletrônico (arquétipos de setores expostos a umaconcorrência internacional aguçada).

Finalmente, verificam-se as medidas de apoio a empresas emdificuldades: em numerosos casos os Estados intervêm quandocertas empresas com particular importância econômica e socialpassam por dificuldades financeiras devidas à concorrênciainternacional. Um apoio financeiro excepcional é oferecido a taisempresas com a finalidade de evitar o seu fechamento e deauxiliá-las num processo de reestruturação.

O segundo bloco de medidas refere-se ao apoio às atividadesde P&D e à difusão tecnológica. Apesar de ser há muito utilizado,o tipo e a forma de apoio a P&D mudaram substancialmente ao longodos anos 80. Anteriormente constituía-se fundamentalmente de

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subvenções pagas às empresas sob a forma de contratos de P&D comvistas à obtenção de resultados específicos, prolongando-se, emcaso de sucesso, sob a forma de compras governamentais. Hoje emdia, em quase todos os países da OECD, o apoio fiscal sistemáticoàs atividades de P&D das empresas é o instrumento de política demais ampla utilização.

Entre as razões que explicam essa mudança encontram-se aperda de atratividade dos grandes programas e o fato de que,podendo enquadrar-se na categoria de falhas do mercado, taismedidas não infringem as regras do GATT e da CEE.

O levantamento da OECD identificou três tipos de programasde apoio às atividades de P&D. O primeiro, de caráter geral, visaobter reduções nos custos de P&D para as empresas, sobretudoatravés de vantagens fiscais. Normalmente, têm sidocomplementados por subsídios suplementares se tais atividades sãoefetuadas sob certas condições (projetos de cooperação comuniversidades e centros de pesquisas, projetos internacionais,etc.). A tendência mais importante é a de encorajar asmodalidades mais interativas. O segundo tipo, apoio a tecnologiasespecíficas, tende a se concentrar num número relativamentepequeno de áreas tecnológicas, principalmente em informática enovas formas de energia. Finalmente, o terceiro tipo visareforçar os investimentos em P&D de certas categorias deempresas. Estes programas, que aumentaram significativamente aolongo dos anos 80, visam, na maior parte dos casos, estimular oacesso de tais empresas a resultados de P&D já existentes naeconomia.

O terceiro bloco de medidas refere-se àquelas que visamresguardar o tecido industrial. Em primeiro lugar, encontram-seas políticas industriais regionais (os programas deste tipo - 162- foram aqueles que mais cresceram, no âmbito dos países da OECD,ao longo da década de 80). Estas são utilizadas em duascircunstâncias. Em primeiro lugar, no caso de regiõesconfrontadas com déficits estruturais de emprego, tendo em vistasua especialização setorial anterior em indústrias como aconstrução naval, siderurgia e têxtil. As medidas buscamencorajar e facilitar a conversão industrial e a diversificaçãodos recursos locais de capital e trabalho. No segundo caso, o deregiões subdesenvolvidas, tenta-se promover um processo dedesenvolvimento passível de auto-sustentação.

O segundo tipo de programa deste bloco valorizaespecialmente o apoio a pequenas e médias empresas. Num contextode aumento do desemprego e de crescente esgarçamento do tecidoindustrial no final dos anos 80 e início dos anos 90, essesprogramas tiveram sua importância aumentada. Incluem programasque oferecem vantagens extensivas ao universo de pequenas emédias empresas, em termos de diminuição de custos(essencialmente através de tratamento fiscal), programas deestímulo a certas ações específicas locais/setoriais por parte detais empresas, tendo em vista um interesse econômico (criação deempregos) ou tecnológico (inovação), e medidas de caráter geralmas dirigidas ao reforço de atividades específicas, tais como

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P&D, programas de automação e recursos para consultoria em gestãoe organização.

Finalmente, o apoio ao emprego e à formação profissional temsido um dos objetivos principais dos diversos países da OECD. Asiniciativas compreendem programas dirigidos a todas as empresas edestinados a auxiliar o financiamento de atividades de formação(através de renúncia fiscal) e programas mais específicos emfavor do investimento e da criação de emprego. São realizados pormeio de subvenções dirigidas à massa de salários das empresas oua certos grupos de assalariados que se defrontam com perspectivasde desemprego de longo prazo ou a jovens trabalhadores recrutadospela primeira vez ou, finalmente, aos assalariados mais idosos.

À guisa de conclusão é relevante sublinhar que as políticasde competitividade são complexas. Combinam descentralização,cooperação e mobilização de instâncias administrativas e agênciasdiversas. Não são factíveis sem uma elevada capacidade decoordenação e exigem que as políticas industriais, tecnológicas,de comércio exterior e de regulação de concorrência estejamafinadas entre si. A simples enunciação destas característicasexpressa o grau de desafio envolvido na tarefa de articular, noBrasil, uma política de competitividade.

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POLÍTICAS DE COMPETITIVIDADE NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

No que se refere a países em desenvolvimento, deve-seenfatizar que, no âmbito dos países do sudeste asiático,políticas industriais e tecnológicas têm sido praticadasextensivamente, mesmo ao longo da década de 80. Maisrecentemente, a agenda de políticas de competitividade para taispaíses na década de 90 tem como pilar central a promoção de P&D,inovação e difusão tecnológica para o setor industrial (OECD,1992a). As previsões são de que, através de diversos programascentrados nas novas tecnologias, a Coréia do Sul passe a gastar3,5% do PNB em ciência e tecnologia em 1996 e 5,0% em 2001. Damesma maneira, crescimentos significativos são planejados paraCingapura (2% do PIB em 1995) e Taiwan (2,5% do PIB em 1996).Medidas específicas de corte setorial (por exemplo, parasemicondutores, software e televisão de alta definição, naCoréia; petroquímica, em Cingapura; e indústria têxtil, emTaiwan) e de apoio a pequenas e médias empresas, políticas deconcorrência e de reforma regulatória constituem os outrospilares das políticas de competitividade em tais países.

Nos países latino-americanos diminuiu, nos anos 80, a margemde manobra para a implementação de políticas industrializantesnos moldes das décadas anteriores. A orientação da políticaindustrial foi subordinada às prioridades da gestãomacroeconômica, submetida às restrições derivadas da crise doendividamento externo: geração de superávits comerciais, reduçãodos investimentos públicos e controle da inflação.

Ao longo dos anos 80, os países da região com estágios maisavançados de industrialização (Argentina e México, além doBrasil) beneficiaram-se da expansão do comércio internacional, davalorização do dólar e da relocalização de atividades dasmultinacionais, e aumentaram suas exportações de produtosindustriais. As exportações dos setores intensivos no uso derecursos naturais (alimentos, papel, siderurgia, alumínio,petroquímica, etc.) cresceram significativamente, impulsionadaspela disponibilidade de recursos naturais, pela implantação decapacidade produtiva eficiente desde o final dos anos 70 (emgrande parte através de programas coordenados e financiados pelosEstados Nacionais) e pela implementação de diversos mecanismos defomento.

Nos anos 90, sob a inspiração das instituições multilaterais(FMI e Banco Mundial), os países latino-americanos vêmimplementando programas de estabilização que procuraram sebeneficiar das condições do mercado financeiro internacional para"lastrear" suas moedas. Simultaneamente, vêm sendo realizadas"reformas estruturais", que redefinem a participação do Estado naeconomia e aumentam os graus de abertura comercial e financeira.

Nesse contexto, a necessidade e a legitimidade das políticasindustriais têm sido objeto de intenso debate político eideológico. De modo geral, a orientação dominante privilegia ofomento da concorrência, através da abertura comercial, dadesregulação e da privatização. Os programas que estabelecem

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diferenciação entre setores tendem a ser questionados em funçãode seu caráter "discriminatório".

Chile, Argentina e México são correntemente apontados comoexemplos bem-sucedidos de programas de estabilização com reformasestruturais liberalizantes. A análise dos impactos dessesprogramas sobre a competitividade da indústria argentina emexicana é particularmente relevante para o Brasil em função deesses países terem atingido estágios relativamente avançados deindustrialização no contexto regional.

Tanto na Argentina quanto no México a utilização da taxa decâmbio como principal instrumento da estabilização provocousignificativa valorização da moeda local. O efeito mais imediatoda perda de competitividade provocada pela sobrevalorização docâmbio tem sido o surgimento de expressivos déficits comerciais,compensados pela entrada de capitais em ambos países. No entanto,as características dos fluxos de capital, predominantementeespeculativos e de curto prazo, fragilizam a posição do balançode pagamentos e podem ameaçar os resultados da estabilização2.

Além da valorização do câmbio, outros fatores contribuempara a geração de déficits comerciais. A recuperação do níveldoméstico de atividades e o fraco dinamismo dos mercadosinternacionais de commodities intensivas em recursos naturais -que constituem, desde os anos 80, item importante da pautamexicana e argentina - têm obstaculizado o crescimento dasexportações. A abertura da economia estimulou a importação debens de consumo e de equipamentos e incrementou o conteúdoimportado dos bens finais produzidos localmente. Houve, alémdisso, perda de competitividade dos setores cujos custos sãoonerados fortemente pelos preços dos serviços, uma vez que ospreços dos non tradables aumentaram significativamente acima dosoutros.

Os problemas acima listados revitalizaram o debate sobre anecessidade e a orientação da política industrial em ambospaíses. Ainda que de maneira incipiente e casuística, México eArgentina começam a se preocupar com políticas de competitividademais abrangentes que incorporam inclusive elementos dediferenciação setorial. O caso da Argentina, em função doMercosul, é particularmente relevante para o Brasil.

Estudo recente sobre a competitividade da indústriaargentina (Kosacoff, 1993) analisa os impactos do plano deestabilização e registra que houve, a partir de 1991, recuperaçãodo nível de atividade, impulsionada pelos setores automobilísticoe eletrônico. Os setores de insumos básicos, voltadosprincipalmente para o mercado internacional, tiveram desempenhofraco e os setores têxtil e de bens de capital sofreram forteconcorrência por parte das importações.

2 Uma avaliação preocupante a respeito dos influxos de capitais de curto prazo sobre as

economias de países em desenvolvimento (Chile, Colômbia, Egito, México, Tailândia) foiefetuada recentemente pelo próprio Fundo Monetário Internacional (vide "RecentExperiences with Surges in Capital Inflows", FMI, Washington DC, dec. 1993).

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O governo argentino tem tentado neutralizar os efeitosnegativos da valorização do câmbio através de medidascompensatórias: aumento "temporário" das tarifas de importação(taxa estatística), tarifa zero para as importações de bens decapital (com compensação tributária para os fabricantes locais deequipamentos), redução de tarifas de importação com contrapartidade metas de expansão das exportações (Regime de EspecializaçãoIndustrial), mudanças na legislação trabalhista, redução seletivados encargos sociais (diferenciada por setor e por região), entreoutras.

Adicionalmente, têm sido utilizadas medidas "defensivas"para setores selecionados, através de ações antidumping no setorsiderúrgico, da elevação de tarifas e do estabelecimento derestrições quantitativas nas importações de papel e de produtostêxteis.

O estudo ressalta que as estratégias das empresasindustriais têm consistido predominantemente na implementação dereestruturações de tipo "defensivo", com baixo nível deinvestimento, fechamento de plantas, aumento do conteúdoimportado e redução do emprego. O resultado, do ponto de vista doconjunto da indústria, tem sido um aprofundamento do "processo dereestruturação desarticulada" experimentado pela indústriaargentina desde meados dos anos 70. O caráter "regressivo" desseprocesso contrasta com o caráter modernizador e expansivo dareestruturação nos países desenvolvidos e nos países asiáticos.

Nesse contexto, a indústria automobilística é apontada comouma exceção que ressalta a possibilidade de se promoverreestruturações "ofensivas" através de programas setoriais. Oregime para o setor contempla o aumento do conteúdo importado dosprodutos finais, a concessão de vantagens para as montadoras(tarifas reduzidas) na importação de veículos e restriçõesquantitativas para as importações (percentagem do mercadodoméstico). O crescimento da produção e do emprego no setorautomobilístico tem revigorado o debate sobre a necessidade eviabilidade de estabelecer programas semelhantes para outrossetores industriais.

Em resumo, políticas setoriais passaram a emergir de formaimprovisada, em resposta a pressões de interesses particulares eà necessidade de manter empregos cada vez mais ameaçados pelasobrevalorização da taxa de câmbio. São, contudo, políticas decaráter ad hoc, sem constituir uma estratégia coerente earticulada para o conjunto da indústria.

A CONSTRUÇÃO DELIBERADA DA COMPETITIVIDADE COMO OBJETO DEPOLÍTICAS PÚBLICAS

A mudança de paradigma técnico-econômico expressa-se naliderança do complexo eletrônico como segmento dinamizador docrescimento industrial - papel desempenhado, até os anos 70, porsetores da metalmecânica. A microeletrônica, em particular,tornou-se a principal indutora do progresso técnico. A velozincorporação dos avanços da microeletrônica tem sido viabilizadapela espetacular redução dos preços relativos da capacidade de

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processar e armazenar informações. Entre 1975 e 1989, a reduçãoreal dos preços relativos da capacidade de processamento(bits/dólar) alcançou a impressionante taxa de 25% ao ano. A cadanova geração de chips de memória ou de processamento lógicoaumenta exponencialmente a capacidade e os preços tendem a caircom a produção em larga escala e rápida difusão. Assim, novosprodutos mais potentes, mais velozes e com maiores potenciais deaplicação são gerados incessantemente. Reduziu-se o ciclo de vidados produtos do complexo eletrônico e acelerou-se a velocidade desua difusão.

A incorporação de equipamentos de automação industrial cadavez mais poderosos, baratos e rápidos vem transformando ossistemas fabris, redefinindo padrões de eficiência, qualidade eprocessos de produção. A participação dos equipamentoseletrônicos nos investimentos em máquinas e equipamentos nos EUA,por exemplo, cresceu de 16,3% em 1980 para 35,2% em 1989. Aaceleração das formas de inovação técnica e organizacionalacirrou a competição nas estruturas de mercado, redefinindo suascondições. A intensificação da concorrência propiciada pelosavanços da microeletrônica tendeu a encurtar o ciclo de vida dosprodutos e a elevar os volumes de investimento em P&D. Acapacidade de competir em velocidade de resposta (lead times) vemse tornando crítica em muitos setores. A sustentabilidade dasconfigurações industriais passou a depender de novos fatores.Mais do que as economias de escala de natureza estática - emalguns setores verificou-se redução do tamanho ótimo das plantas- as fontes dos ganhos competitivos estão associadas àpossibilidade de diluir os custos de projeto, desenvolvimento eteste de novos produtos em vendas de grandes lotes e às economiasde escala dinâmicas decorrentes do acúmulo de experiências(conhecimentos) por parte da empresa, a partir da repetiçãoconsecutiva das atividades de vendas, produção, projeto e P&D(Freeman & Oldham, 1991).

Importa aqui sublinhar que os custos crescentes de P&D, osriscos elevados decorrentes do encurtamento dos ciclos de vidados produtos (e dos processos) e as vantagens da cooperaçãotecnológica pré-comercial são fatores passíveis de fomentoestatal - que podem acelerar/inibir o ritmo de inovação. Não épois surpreendente que a cobertura dos riscos, a oferta desubsídios e financiamentos especiais, a indução de projetoscooperativos, o suporte à reestruturação de setores e o fomentode condições sistêmicas benignas - articuladas por políticas decompetitividade - venham sendo deliberadamente perseguidas pelosEstados-nacionais. O aguçamento da competição mundial manifesta-se, assim, na construção deliberada da competitividade, atravésde estratégias conjuntas dos Estados-nacionais e respectivossetores privados.

A percepção de que políticas deliberadas podem moldar aaquisição de competitividade nas economias nacionais(especialmente para os setores difusores de progresso técnico)tem implicação direta sobre as negociações concernentes à "novaordem econômica internacional". Três aspectos têm particularimportância para países em desenvolvimento como o Brasil:

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a) a introdução da propriedade intelectual como temacompulsório da agenda de negociação;

b) a pressão para que os serviços venham a ser reguladospela nova organização mundial de comércio que sucederá o GATT;

c) a atração planejada de investimentos diretos em novasbases, uma vez que os fatores "construídos" de competitividadesão cada vez mais relevantes na determinação destesinvestimentos.

Em outras palavras, mais além do potencial dos respectivosmercados internos, a formação de condições benígnas e deexternalidades favoráveis (parceiros aptos, fornecedoreseficientes, força de trabalho capacitada, infra-estrutura) passoua ser objeto de políticas deliberadas de competitividade. Nospaíses em desenvolvimento, contudo, o processo de aprendizadotecnológico enfrenta obstáculos de monta.

O DESAFIO DO APRENDIZADO NO CONTEXTO DE ACELERADA MUDANÇATECNOLÓGICA

A indústria brasileira defronta-se, como visto, com umsistema internacional de produção e comércio que se encontra emconstante mutação, sendo totalmente diferente dos anos 60 e 70. Oproblema não é simplesmente que agora existe um maior número denovas tecnologias, mas sim que os padrões mundiais de produção,difusão e comercialização de tecnologias subjacentes àcompetitividade da indústria estão mudando muito mais rapidamentedo que nas décadas anteriores. Essas mudanças, além de aprofundara eficiência dos processos, têm: (i) diminuído o tempo entregrandes descontinuidades tecnológicas, (ii) reduzido o ciclo devida de novos produtos e (iii) ampliado a diversidade de pequenasdiferenciações de produtos. Ao mesmo tempo, tais mudanças,centradas em produtos e em processos, têm sido direcionadas àredução de custos ambientais por unidade de produto industrial.

Particularmente, a incorporação das novas tecnologias emprodutos, processos e sistemas organizacionais requer umenvolvimento direto do usuário no design e desenvolvimentotecnológico. Tais especificações de sistemas não são facilmentetransferíveis na forma de bens de capital ou blueprints. Suaintrodução eficaz, portanto, requer um mínimo de desenvolvimentotecnológico local. Em segundo lugar, a maior parte das aplicaçõesdas novas tecnologias envolve sistemas e redes de informação, oque traz à tona a importância das externalidades advindas denetworking, com a difusão progressiva trazendo custostransacionais decrescentes e benefícios a todos os usuários e nãoapenas a adotantes marginais.

Apesar da falta de dados sistematizados, é plausível que aimportância da capacitação em engenharia esteja aumentando, emfunção dos novos requisitos da mudança tecnológica. Estatendência manifesta-se na importância crescente das atividadesinovativas localizadas, concentradas em pólos setoriais/locais ebaseadas em elementos do conhecimento que são menos padronizadose mais tácitos.

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Em face deste padrão, não é surpresa que as políticaspúblicas na maior parte dos países avançados venham tendo umpapel significativo na aceleração da difusão das novastecnologias - estimulando em particular a emergência defornecedores e usuários eficientes e promovendo o desenvolvimentode ligações produtor-usuário.

A alocação insuficiente ou inexistente de recursos nessadireção implica, para os países de industrialização recente,crescentes dificuldades nos seus esforços de aquisição detecnologia das economias industriais mais avançadas. Emparticular, os seguintes pontos têm sido lembrados:

- com a inovação dependendo cada vez mais de níveiscrescentes de gastos em P&D, pagamentos maiores tendem a sernecessários para o licenciamento e outras formas de acesso àsnovas tecnologias;

- mudanças nos sistemas de propriedade intelectual nospaíses avançados, especialmente no que se refere à inclusãonestes sistemas de áreas tecnológicas anteriormente excluídas(por exemplo, software e biotecnologia), junto com pressões paraa adoção de tais regimes pelos países em desenvolvimento;

- as características das novas tecnologias fazem com queestas sejam inerentemente mais difíceis de se transferir, dado oalto grau de conhecimento tácito e específico a elas associado;

- a proliferação de acordos de colaboração entre empresaspara desenvolver novas tecnologias, combinada com a crescenteimportância da pesquisa básica, dificultam o acesso dos países emdesenvolvimento, até o momento praticamente excluídos dessesacordos de cooperação.

Evidentemente, se existem esses obstáculos e barreiras àaquisição de tecnologia, eles não parecem ser intransponíveis ouimpermeáveis. O exemplo da Coréia é instrutivo: mesmo com oaumento da dificuldade de acesso, os pagamentos coreanos portecnologia importada têm continuado a crescer substancialmente -quase dobrando entre 1987 e 1991. Além das características dastecnologias envolvidas, das empresas ofertantes e da concorrênciainternacional, parecem ser fundamentais as capacitaçõestecnológicas das empresas importadoras de tecnologia, junto comoutros elementos de poder de barganha que elas possam acumular.

O poder de barganha do importador de tecnologia (inclusive oacesso a mercados) parece ter influência significativa nadisposição de fornecedores potenciais em participar de acordos detecnologia. Porém, conforme também ilustrado pela experiênciacoreana, o intenso e significativo aumento de gastos em P&D porparte das empresas daquele país foi condição sine qua non paraque elas melhor negociassem a aquisição de tecnologia externa.

A superação da fragilidade tecnológica do sistemaempresarial brasileiro coloca-se, portanto, como um desafiofundamental. Sem uma mudança radical das estratégias privadas, deforma a internalizar a inovação técnica e a capacitação comoatividades empresariais permanentes e estruturadas não serápossível enfrentar o desafio da competitividade. Num contexto derápida transformação, insinua-se o risco de aprofundamento da

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heterogeneidade técnica e competitiva da estrutura industrialbrasileira, com reflexos indesejáveis de agravamento dasdisparidades sociais e regionais. Por conseguinte, sãonecessários programas de mobilização, difusão e acúmulo decapacitação gerencial e tecnológica das empresas em todos osníveis, setores e regiões. Incentivos fiscais, financeiros,informação e assistência são instrumentos que devem serutilizados de forma vigorosa, como será descrito no Capítulo 3 daParte I.

ESTABILIZAÇÃO MACROECONÔMICA E O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTOCOMPETITIVO

Na construção de um projeto nacional de desenvolvimentocompetitivo, a crise e a obsolescência do Estado brasileirocolocam-se como obstáculos fundamentais em face da sua inépciapara: a) ordenar o quadro macroeconômico, impondo um mínimo deestabilidade monetária e de preços; b) desenvolver e articular ascondições sistêmicas de competitividade.

É desnecessário ressaltar que a estabilização macroeconômicaé condição indispensável para uma estratégia de desenvolvimentocompetitivo. Mas, de outro lado, a própria estabilização serávulnerável e efêmera se não se desdobrar numa retomadasustentável do desenvolvimento.

O processo latente de hiperinflação inviabiliza o cálculoeconômico de médio e longo prazo, tolda os horizontes, tornaintolerável o custo de capital. A sociedade em geral anseia pelaestabilização mas, de outro lado, qualquer das opções de políticaimplica perdas e riscos para diferentes agentes econômicos e oseu poder de veto ou de burla, no atual contexto político-institucional, não é desprezível.

Não se trata apenas de "derrubar" a inflação e reprimi-latemporariamente. É fundamental resolver a estabilização fixandoelementos básicos de confiança na moeda, nas finanças públicas,na gestão de câmbio e na sustentabilidade do crescimento. Porexigir soluções simultâneas e complexas, a estabilização requer aformação de um consenso mínimo entre um conjunto de forçassociais e políticas e exige um Estado capaz de coordenar a suabusca.

A essência de um programa de ataque simultâneo e abrangenteàs causas do processo inflacionário, socialmente respaldado, estána criação de um jogo de soma positiva, só alcançável pelatransição da estabilização em retomada organizada do crescimento.Nas condições brasileiras, nenhum tipo de programa deestabilização pode lograr êxito sem uma reversão coordenada dasexpectativas e sem a adesão dos agentes econômicos, especialmentedos price makers e dos exportadores.

A negociação de acordos de renda, emprego e principalmentede reestruturação e ampliação da capacidade produtiva em fórunstripartites pode ser um instrumento auxiliar para solidarizarinteresses. O desbloqueio simultâneo das condições definanciamento dos grandes sistemas de infra-estrutura (energia,

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transportes e telecomunicações) pode ajudar a fixar confiançaatravés de parcerias público-privadas. Enfim, a solidificação dehorizontes de investimento é fundamental pois, sem eles, ficadifícil reverter os comportamentos defensivos de pricinginflacionário antecipatório e aceleracionista.

Há um conjunto de reformas indispensáveis. É essencialcaminhar para um ajuste fiscal duradouro através de uma profundareestruturação do gasto público. Sem a supressão dos desvios,desperdícios e redundâncias e sem o aumento da eficiência doaparelho público, especialmente na área social, ficará difícilconcretizar uma indispensável elevação do nível macroeconômico dearrecadação. O aperfeiçoamento do sistema tributário e o iníciode uma reforma do financiamento público e privado são, também,pilares fundamentais. O ajuste fiscal, o equacionamento dasdívidas intra-setor público, o saneamento das instituiçõesfinanceiras públicas, as engenharias financeiras e asprivatizações são condições fundamentais para neutralizar eminorar as pressões monetárias expansionistas, infundir confiançaquanto à solidez das contas públicas e ancorar a liquidez dosistema financeiro. São, todas, condições para eficácia dapolítica monetária.

A efetivação do conjunto de medidas e reformas acimafortifica a possibilidade de fixar uma ancoragem múltipla,baseada na pactação ou na imposição consentida de freios aoprocesso inflacionário (em uma ou em mais de uma etapa). O pontocentral está na compreensão de que sem a retomada do investimentoprodutivo não há saída possível para qualquer programa deestabilização e, portanto, para ser bem-sucedido esse programadeve associar estabilização e crescimento organizado da economia.

É importante advertir que o sucesso da estabilização (aindaque por etapas) tende a provocar um rápido processo deremonetização, o que exigiria ação imediata do Banco Centralatravés do aumento do compulsório sobre depósitos à vista. Paraque o controle da expansão do crédito, no contexto daestabilização, não seja estéril, é preciso combiná-lo com medidasde direcionamento dos empréstimos para os setores prioritários dapolítica industrial, em operações de prazos mais longos e jurosreduzidos. O desdobramento de finanças industrializantes é chavepara induzir e dar suporte às decisões de investimento e,portanto, para sustentar o desenvolvimento competitivo.

Finalmente, é mister assinalar que a gestão do nível da taxade câmbio real é extremamente relevante para a estabilização. Oelevado volume atual das reservas de divisas é benfazejo para aestabilização à medida que permite ao Banco Central esfriarqualquer movimento especulativo sobre a taxa de câmbio. Este fatoconstitui um pólo de estabilização de expectativas, na vertentecambial, e representa um trunfo importante para um programa deestabilização. A possível ancoragem de preços, salários e câmbio

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pode basear-se no atual patamar da taxa de câmbio real3, mas devesinalizar claramente que uma trajetória de sobrevalorização nãoserá referendada. Se a fixação temporária da taxa de câmbioimplicar certo grau de sobrevalorização, regras previamentenegociadas de correção da defasagem devem ser aplicadas.

Idealmente, a política cambial deve ser passiva no curtoprazo para auxiliar a ancoragem, cabendo à política monetária umpapel ativo. À medida que se fixe a estabilização e as decisõesde investimento ganhem corpo, ensejando a redução das taxas dejuros, será desejável que a política cambial se torne mais ativapelas seguintes razões: a) pelas pressões que a elevação do nívelde utilização de capacidade produtiva exercem sobre asexportações e sobre a balança comercial; b) pela necessidade desustentar reservas elevadas (para dissuadir especulação cambial)até que se fixe a estabilização; c) pela necessidade de sinalizarincentivo à competitividade internacional da indústria, tornandosólidas e permanentes as estratégias de exportação no momento emque o mercado interno se reaquecer.

Em resumo, a opção por uma política de estabilizaçãoabrangente, com ataque simultâneo a várias frentes, não éacidental mas deriva do objetivo de integrar políticamacroeconômica e política de competitividade. Neste sentido, valeressaltar alguns pontos essenciais a esta última, que devemcondicionar a primeira:

1º) evitar a sobrevalorização da taxa de câmbio, quefragiliza o balanço de pagamentos, promove a desindustrializaçãoe desincentiva as estratégias de exportação;

2º) evitar a recessão continuada com taxas de juroselevadas, que obriga as empresas à retração dos investimentos e àprática do defensivismo financeiro e de pricing;

3º) aceitar a política de rendas como instrumentoindispensável à estabilização, especialmente numa economiafortemente indexada, e conferir a esta maior alcance eabrangência, o que não significa minimizar a importância daspolíticas monetária, fiscal e cambial;

4º) fixar como eixo central da política de estabilização aretomada organizada e sólida do crescimento. Por crescimentoorganizado entenda-se um crescimento: a) inicialmente moderado ecauteloso; b) sustentável pela recomposição dos investimentospúblicos e privados (e não por bolhas de consumo); c) financiadopor fontes não-inflacionárias; d) baseado na cooperação pactuadaentre os agentes sob a coordenação do Estado, na forma de um jogode soma positiva.

ESTILO E REQUISITOS DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO COMPETITIVO

3 O patamar da taxa de câmbio real considerado confortável pelas Notas Técnicas do ECIB (ver

NTs "Câmbio, Custos e Competitividade: Política Cambial e Estabilidade Macroeconômica" e"Câmbio, Custos e Competitividade: Uma Análise a Partir dos Preços e dos Custos deProdução Setoriais").

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O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB)analisou empresas e setores que representam 50% da produção dopaís, com o objetivo de especificar as precondições e proporlinhas de política para o desenvolvimento competitivo daindústria brasileira. Inspirado na experiência dos paísesdesenvolvidos, especialmente na dos vitoriosos, mas alertadopelos fracassos, o ECIB procurou escapar dos ideologismos e dosfalsos dilemas. Tendo a competitividade como critério, asproposições de políticas buscam uma rota equilibrada entreabertura e proteção; entre grau de especialização e preservaçãoda base industrial existente; entre expansão das exportações edesenvolvimento do mercado interno; entre a intervenção do Estadoe a vigência das forças de mercado. Como visto anteriormente, énecessário, também, conciliar a estabilização com um projeto decrescimento sustentável.

Essa sustentabilidade implica, entre outras condições, abusca permanente da competitividade e da capacitação tecnológicada estrutura industrial brasileira. Assim como nos paísesdesenvolvidos, as políticas públicas precisam estar coordenadas earticuladas para assegurar condições sistêmicas estimulantes.Dentro desta ótica, o desenvolvimento competitivo deve assentar-se em três pilares:

1º) em políticas que articulem: ordenamento macroeconômico;desenvolvimento de infra-estrutura, educação, sistema de ciênciae tecnologia; política de comércio exterior; programas setoriaisde reestruturação produtiva e tecnológica; implementação deregulações que induzam comportamentos competitivos; e ações defomento e estímulo à modernização das empresas e das relações detrabalho;

2º) num novo estilo de desenvolvimento fundado em novasrelações entre Estado, Setor Privado e Sociedade; para isto énecessário ampliar espaços e renovar pautas de negociação entreos agentes econômicos, orientados para o desenvolvimentocompetitivo da indústria;

3º) na legitimação e busca de coesão social em torno aosobjetivos da competitividade, de tal forma que o comportamentodos atores sociais fundamentais (empresários e trabalhadores) seoriente para a distribuição eqüitativa dos ganhos e benefíciosdeste processo.

Novas relações devem substituir a liderança unilateral doEstado por uma parceria efetiva entre Estado, Setor Privado eSociedade. O Estado deve coordenar e suprir falhas de mercado,planejar e sinalizar, minimizando as funções de controle,especialmente aquelas baseadas na prática discricionária daburocracia e ampliando seletivamente seu papel de regulação eindução de comportamentos virtuosos. O Estado deve, também,substituir os mecanismos extraordinários de proteção e asregulamentações restritivas que criam privilégios. Coordenação deações e de objetivos entre os agentes; fomento e indução àcompetitividade; ação estruturante e de estímulo a novascapacitações e condutas devem tomar o lugar do dirigismo, doarbítrio burocrático e das regulamentações vedatórias.

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As exigências da rápida mudança tecnológica e do ambientecompetitivo internacional impõem uma nova agenda de política decompetitividade que, conforme a experiência dos países avançados,baseia-se no tripé cooperação, descentralização e mobilizaçãocoordenada das diversas instâncias responsáveis por sua execução.Mas, no caso brasileiro, esses desafios colocados pela terceirarevolução industrial confrontam-se com sérias distorções efragilidades, que não representaram empecilhos na etapa anteriorde industrialização via substituição de importações.

Dentre tais fragilidades, ressalta a falta de educação e dequalificação de parcela significativa da força de trabalho.Diferentemente do período anterior, calcado em métodostayloristas e fordistas de produção, o advento de novastecnologias e práticas produtivas e concorrenciais colocou porterra a possibilidade de o país continuar a se desenvolver sem umgrau satisfatório de educação e de capacitação de seustrabalhadores, suficiente para levá-los a participar ativamentedos processos de produção. O desafio educacional é urgente edifícil. Urgente porque não é possível elevar substancialmente aescolaridade média da população em menos que uma década e meia. Àmedida que se postergam soluções efetivas para a crise do sistemaeducacional brasileiro, posterga-se também o horizonte temporalde superação do problema - adentrando já nas primeiras décadas doséculo XXI.

Outra fragilidade histórica de grande magnitude é a profundadesigualdade social, com exclusão de uma imensa massapopulacional do padrão moderno de consumo. Mais grave ainda temsido a continuada degradação da base do mercado interno desde aeclosão da crise econômica no início dos 80. Sem uma política demelhoria progressiva da distribuição da renda e da riqueza, semsalários reais crescentes, sem compartilhamento dos ganhos deprodutividade, fica difícil engajar os atores sociais na buscapermanente da competitividade e fica prejudicada a instauração derelações de trabalho modernas, negociadas, sem conflitosestéreis.

A busca da competitividade requer um mínimo de coesão sociale de legitimação dos seus objetivos e isto requer oreconhecimento explícito das contradições e dos efeitos perversos- de forma a estabelecer políticas compensatórias. Sem isso, oacúmulo dos efeitos deletérios tende a minar as bases dasustentação social e política da competitividade.

Neste ponto, é indispensável advertir, novamente, para atensão existente entre emprego e competitividade. Com efeito, apartir do final da década de 70 há uma tendência caracterizadapelos seguintes movimentos: em períodos de depressão, a queda nonível de emprego é consistentemente maior do que a queda no nívelda atividade industrial; nos períodos de recuperação que seseguem, porém, o crescimento do nível de emprego mostra-se muitoinferior àquele observado na produção industrial. Evidentemente,o resultado líquido de tais movimentos é uma tendência dediminuição no nível de emprego industrial. Conforme apontadoanteriormente, os países mais avançados têm respondido a este

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desafio através de uma bateria de programas visando retreinar aforça de trabalho e prepará-la para buscar alternativas deemprego no setor serviços ou na formação de micro e pequenasempresas. Se esses programas não forem suficientes, ocorrerá umainevitável mobilidade social descendente, com acúmulo de mal-estar social.

No Brasil, esta mesma tendência com relação ao empregoindustrial já vem sendo observada no período recente. É crucialreconhecê-la e incluí-la explicitamente na nova agenda dequestões relevantes para um projeto nacional de desenvolvimentocompetitivo.

NOVOS TEMAS E DESAFIOS

O desenvolvimento competitivo impõe, portanto, uma novaagenda para as políticas públicas. Uma parte dela já ganhou amploreconhecimento e aceitação e, em vários casos, existem agências eorganismos públicos capacitados para executá-las. O Brasil possuibancos públicos poderosos, especialmente o BNDES, instrumento-chave para a política industrial. Possui também um sistema mistocomo o SEBRAE para o fomento às micro e pequenas empresas. Dispõede uma burocracia experiente e de boa qualidade na áreadiplomática. Conta com sistema de ciência e tecnologia (FINEP,CNPq e demais instituições do Ministério da Ciência e Tecnologia,de outros Ministérios e Estados da Federação) que, apesar deestar seriamente combalido pela crise fiscal, pode serrevigorado. Dispõe de estruturas como o INMETRO, o INPI e outrasinstituições no Ministério da Indústria, Comércio e Turismo.Dispõe, ademais, de poderosas empresas públicas (Petrobrás,Sistema Eletrobrás, Sistema Telebrás e outras) que, apesar defragilizadas pela crise, podem ser reorganizadas, admitindo-secrescente parceria com o setor privado. Conta, ainda, com osistema SENAI e outras instituições de ensino técnico, nas váriasinstâncias da administração.

As políticas públicas já consagradas e as instituiçõesexistentes certamente necessitam de reformas e aperfeiçoamentospara atuarem coordenadamente, articuladas por uma política decompetitividade. Ao longo das notas técnicas do ECIB e doscapítulos seguintes são apresentadas sugestões nesta direção.

Nesse tópico, interessa ressaltar os novos temas, funções ecapacitações para os quais não existe tradição no país ou acapacidade pública e privada de implementação é muito incipienteou insuficiente. São eles:

a) Regulação e Promoção da Concorrência;b) Regulação de Monopólios Públicos;c) Descentralização Coordenada de Políticas;d) Implementação dos Mecanismos Modernos de Comércio

Exterior (antidumping, salvaguardas);e) Regulação e Controle Ambiental;f) Implementação dos Direitos do Consumidor;g) Atração de Investimentos Diretos Estrangeiros e Indução

de Condutas "Virtuosas";h) Utilização Eficiente do Poder de Compra;i) Indução de Atividades Privadas de P&D.

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A criação de capacidade de formular e implementar aspolíticas e a regulação necessária nos campos supracitados vaialém de reformas convencionais. É indispensável que se promova odesenvolvimento institucional e organizacional do Estado paratorná-lo apto a enfrentar os novos temas e desafios. Avalorização e capacitação dos quadros técnicos do setor público ea criação de capacidade de formulação de políticas, decoordenação e de descentralização, constituem tarefasabsolutamente necessárias.

Cada um desses novos desafios foi objeto de Notas Técnicasespecíficas ou consta das Notas de Síntese dos Blocos Temáticosdo ECIB e são comentados neste Relatório, nos capítulos da ParteI e especialmente na Parte IV, onde se discute as novas tarefasdo Estado. Representam as áreas mais frágeis e incipientes queprecisam ser desenvolvidas para respaldar a dimensão sistêmica dapolítica de competitividade. Mas não é só. A articulação dasações de competitividade no plano setorial depende, em várioscasos, do funcionamento eficiente destas novas áreas de política.Em alguns setores, a inexistência de condições efetivas deregulação da concorrência por parte do poder público permite aprática incontestada de condutas anticompetitivas. Em outrossetores, o rápido desenvolvimento de capacitação institucional deregulação e planejamento dos monopólios públicos é essencial paraacompanhar a flexibilização destes, com introdução do princípioda concorrência (sendo o monopólio público separado do monopóliodas empresas estatais). Dispensa maior comentário a urgênciaquanto ao aparelhamento efetivo do Estado para a operação daspolíticas de antidumping e de salvaguardas. O avanço dacapacidade regulatória e de operacionalização da políticaambiental é importante para que a indústria brasileira se ajustevelozmente aos novos padrões e não venha a ser vítima das novasbarreiras "verdes" no comércio internacional. Convém lembrar aproteção ao consumidor, importante como elemento de garantia dacidadania mas também para impedir a degradação da pauta deprodutos do mercado interno que se seguiu à queda da renda dapopulação e para servir como valioso elemento de alavancagem dacompetitividade externa.

O uso e a capacidade de coordenação do poder de compra, emnovas bases, que exijam eficiência e ao mesmo tempo estimulem acriatividade e a capacitação dos fornecedores, constituem umgrande desafio, assim como é desafiante a indução efetiva dasatividades de P&D no setor privado, dado que estas precisam serintrojetadas e absorvidas como estratégias permanentes dasempresas. Sem o apoio destes instrumentos de política, ficaseriamente comprometida a possibilidade de fomentar odesenvolvimento dos setores difusores do progresso técnico. Damesma forma, coloca-se o desenvolvimento de parceiros nacionaisaptos e capacitados, condição-chave para a atração doinvestimento direto estrangeiro e para a realização de acordos decooperação tecnológica. A capacitação pública e privada paralidar com os novos determinantes dos investimentos estrangeirosde risco precisa ser urgentemente desenvolvida e coordenada comoutras políticas.

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Há, ainda, o desafio da descentralização, fundamental para aformação de pólos, networks locais/regionais, para odesenvolvimento de novas especializações competitivas -essenciais para evitar que a competitividade agrave a já elevadaconcentração espacial das atividades industriais e de serviçossofisticados.

Para concluir, deve ser novamente sublinhado o difícildesafio na área da educação. O fracasso reiterado, a ineficiênciaenraizada, as resistências corporativas, o desperdício, amanipulação política, a desvalorização do docente, acentralização e a burocratização constituem um conjunto deobstáculos difíceis de remover. Embora seja um desafio antigo, aquestão da educação se reveste agora de importância e urgência.Ela constitui, talvez, o mais importante e o mais difícil dosdesafios de uma política de desenvolvimento competitivo.

A CONTRIBUIÇÃO DO ECIB PARA UMA POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE

As seções anteriores demonstraram a natureza complexa daspolíticas atuais de competitividade: além de compatibilidade coma política macroeconômica, elas requerem no mínimo estreitacoordenação das políticas de desenvolvimento industrial etecnológico, de infra-estruturas e comércio exterior e contêminevitáveis implicações sobre as políticas agrícola, de serviços,desenvolvimento regional, ciência, educação e emprego. Pressupõemum Estado ágil e capacitado para lidar com novos temas e desafiosdentro de um novo estilo de atuação. Requerem a participação e ainiciativa criadora dos atores sociais relevantes: empresários etrabalhadores.

A contribuição do ECIB - sintetizada nas páginas que seseguem - foi a de identificar e de delinear, na atual situaçãobrasileira, as políticas e as reformas institucionais necessáriaspara formular estratégias coerentes de desenvolvimentocompetitivo. O grau de profundidade das reformas, o grau deurgência daquelas mais relevantes e a natureza das ações depolítica nos planos setorial e sistêmico foram descritas e estãoresumidas nos capítulos que se seguem. Mais além, em 63 NotasTécnicas Setoriais e Temáticas foram propostas - em detalhe -políticas e medidas específicas. Estas foram debatidas elegitimadas em fóruns de discussão democraticamente constituídos,com a presença de trabalhadores, empresários, acadêmicos,consumidores e autoridades de governo, através da realização de33 seminários.

Com o cuidado de não viesar o Estudo com a visão própria dasua equipe técnica e de sua coordenação, respeitandorigorosamente os resultados do processo de discussão nosworkshops, neste relatório são apresentados os requisitos,condições e diretrizes indispensáveis a uma política decompetitividade. Em alguns momentos, advertências explícitas sãocolocadas, especialmente em face de determinadas opções depolítica que sinalizam contra ou mesmo inviabilizam o esforçopró-competitividade.

O leitor não encontrará, neste relatório final, a ordenaçãode prioridades setoriais e temáticas. Isto porque a equipe

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técnica reconhece que a priorização e a escolha das ênfases devemser resultado de processo eminentemente político, portanto forado escopo deste Estudo. Nele, entretanto, podem ser encontradossubsídios valiosos para que, dada uma opção política referendadademocraticamente, seja efetuada a escolha das prioridades, de suaconcatenação e seqüência e do grau de intervenção estataldesejado.

É evidente que o quadro de crise hiperinflacionária latentee de desorganização das finanças públicas obstaculiza a adoção deestratégias competitivas ousadas, de natureza "ofensiva".Reversamente, a superação dos impasses macroeconômicos deve sercoerente com a articulação de condições sistêmicas de estímulo aodesenvolvimento competitivo. Neste sentido, para que o paísavance em direção ao aprofundamento dos processos dereestruturação produtiva, organizacional, financeira e gerencial,é urgente e precedente a implementação de determinadas reformas.São elas:

- a reforma tributária;- a reforma das competências fiscais, dentro de uma revisão

do pacto federativo;- o desdobramento do crédito e dos financiamentos de longo

prazo (finanças industrializantes);- o desenvolvimento de uma nova institucionalidade que

estimule parcerias público-privadas, especialmente nasinfra-estruturas.

A precedência destas reformas justifica-se pela necessidadede recompor a capacidade de ordenação macroeconômica do Estado eo estado de confiança dos agentes econômicos, para sustentar umprograma de estabilização e abrir caminho para o desenvolvimentocompetitivo.

Mas, como foi antes ressaltado, a recomposição da capacidadede ordenação no plano macroeconômico não é suficiente, porquantoo Estado carece de profunda reforma - para suprimir suas partesobsoletas e apodrecidas e para criar novas competências que ohabilitem a enfrentar a agenda de temas e desafios dacompetitividade. Portanto, o desenvolvimento institucional eorganizacional do Estado, com a formação de quadros técnicosaptos, é também requisito de urgência indiscutível.

Uma política de desenvolvimento competitivo requer, além dearticulação de condições sistêmicas estimulantes, ação concertadasobre as configurações industriais e suas respectivas estruturasde mercado e de produção. Isto abrange políticas setoriais eprogramas horizontais de difusão que, em boa medida, devem serdescentralizados. Em todos os casos, as políticas devem promovera competição e a inovação, combinando concorrência e cooperação,com regras que promovam a distribuição eqüitativa dos benefíciosentre os parceiros.

Na Parte III do presente relatório, são analisadas eefetuadas recomendações para blocos de setores industriais,agrupados pela natureza dos problemas e das políticas propostas:

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- setores com capacidade competitiva;- setores com deficiências competitivas;- setores difusores de progresso técnico (estes encontram-

se, em geral, bastante fragilizados).

Esta agregação dos setores por tipo de desafio e de política- explicitando as ameaças e oportunidades comuns - visa facilitara priorização e a enfatização das áreas onde a intervençãopública e liderança privada podem resultar em benefícios degrande repercussão. Não é desejável entrar em detalhes, nestecapítulo introdutório, a respeito das proposições e dos objetivosde política por bloco de setores, dado que é necessáriopercorrer, antes, os passos de diagnósticos e análise das suascaracterísticas. Estas proposições aparecem na Parte III e foramresumidas na Parte IV deste relatório.

As ações e programas de modernização endereçados às empresas- no plano microeconômico - estão desenvolvidas na Parte II ebasearam-se na importante pesquisa de campo realizada pelo ECIB.Elas dizem respeito à gestão, à capacitação produtiva,tecnológica, inovacional e de recursos humanos. Reconhecendo asassimetrias entre as empresas e a disseminação desigual eheterogênea das práticas modernas de gestão e de capacitaçãoinovativa, procurou-se recomendar programas horizontaisdiferenciados e descentralizados, de forma a acelerar avelocidade de difusão.

Assim, a contribuição do ECIB para a formulação de umapolítica de competitividade reside principalmente napossibilidade de - a partir dele - serem construídas opçõescoerentes de desenvolvimento industrial e tecnológico,fundamentadas em prioridades políticas legitimamente definidas.Com efeito, o grau e a abrangência da intervenção estatal (versuspapel dos mercados); a natureza mais ou menos distributiva daspolíticas; a opção por políticas mais ou menos ativas de suporteaos setores irradiadores de tecnologias de ponta, genéricas; e ograu mais ou menos profundo de exposição ao comércio mundial(isto é, participação das exportações e importações no PIB)constituem opções prévias de natureza política, associadas aprojetos distintos de desenvolvimento para o país. Dadas essasopções é possível, em cada caso, utilizar os resultados do ECIBpara coordenar os fatores sistêmicos, alinhar as prioridadessetoriais e formular programas horizontais de difusão, de modocoerente. Vale ressaltar que o ECIB permite também esclarecer oslimites e condicionantes a serem observados, para que se mantenhaa consistência de cada opção.

Em resumo, uma política de desenvolvimento competitivo parao Brasil precisará sinalizar e articular de forma coordenada osfatores sistêmicos, com políticas setoriais de reposicionamento,mudança contínua e de reestruturação profunda em alguns casos. Acomplexidade do contexto setorial e os requisitos de coordenaçãosão efetivamente muito grandes. Mas não se deve esquecer que acompetitividade não pode ser uma tarefa unilateral do Estado.Incumbe ao setor privado a missão insubstituível de liderar oprocesso, num quadro de parceria e cooperação com o Estado e numambiente de negociação e participação dos trabalhadores.

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A compreensão desta característica fundamental da políticade competitividade permite relativizar as dificuldades decoordenação e de eficácia das ações. As políticas e regrasfuncionam quando são aceitas, compreendidas e desejadas por todosos agentes, o que requer um mínimo de legitimidade política e decooperação. Na ausência destas, tudo se torna difícil, acoordenação fica emperrada e a eficácia das políticascomprometida. Por isso, a condição para articular no Brasil umapolítica de desenvolvimento competitivo começa com uma ampladiscussão e com a formação de um consenso social e político emtorno aos seus objetivos. O Brasil é viável: vale a penaempreender esse intento.

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PARTE I: DIMENSÃO SISTÊMICA DA COMPETITIVIDADE

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1. CAPACITAR-SE PARA ENFRENTAR UM CENÁRIO GLOBAL COMPETITIVO

A INTEGRAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL: OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES PARAO BRASIL

Do final da 2ª Guerra Mundial aos anos 80, a integração daeconomia mundial atravessou dois períodos distintos.

Ao longo das décadas de 50 e 60, a integração foi lideradapela transnacionalização das grandes empresas americanas, numcontexto de hegemonia dos EUA. As grandes empresas européias, porseu turno, reagiram ao desafio americano e iniciaram movimentospróprios de transnacionalização nos últimos anos da década de 50.O Brasil beneficiou-se dessa rivalidade para atrair e negociar aentrada de investimentos estrangeiros em condições favoráveis,notadamente durante o ciclo expansivo 1956-60 sob o Governo doPresidente Kubitschek. Investimentos diretos externos em setoresdinâmicos (automobilística, mecânica, material elétrico)contribuíram para modificar o perfil da indústria brasileira.

No fim dos anos 60 e início dos 70, a crise do dólarenquanto moeda-pivô do sistema internacional (provocada pordéficits externos americanos) foi acompanhada por crescentedesregulamentação financeira, o que ensejou a notável expansão do"euromercado". Este mercado livre de crédito internacional -alimentado pela oferta de petrodólares após 1973 - ganhou fortepoder de gravitação, caracterizando uma nova fase de integraçãoda economia mundial. O Brasil conectou-se intensamente a essemercado, através da contratação de empréstimos, para sustentar oúltimo ciclo de substituição de importações (insumos básicos,não-ferrosos, papel-celulose, bens de capital), sob o governo doPresidente Geisel. Esta política de endividamento externo foiposteriormente duramente atingida pela alta de juros flutuantesexternos e por perda na relação de trocas.

A partir da metade dos anos 70 e com força crescente nadécada de 80, a mudança tecnológica se acelera e transforma asestruturas industriais, sob o impacto da veloz difusão dastecnologias de informação, baseadas na microeletrônica. Oaprofundamento da desregulamentação financeira e o simultâneodesenvolvimento de redes telemáticas mundiais integram osmercados financeiros e de capitais - diluem-se as fronteirasentre os diversos sistemas financeiros nacionais e o euromercado,na direção de uma verdadeira globalização das finanças. Aemergência de um novo paradigma tecnológico e a globalizaçãofinanceira são os traços mais marcantes dos últimos 15 anos.

Estreitou-se ainda mais a integração da economia mundial,enquanto a revolução tecnológica se difundia de forma desigualentre as principais economias avançadas. Seis outras grandestendências devem ser destacadas: 1) a emergência do complexoeletrônico como carro-chefe do dinamismo das novas tecnologias deinformação e telecomunicações, epicentro do processo de inovaçãonos países avançados; 2) a transformação dos métodos de produção,principalmente com a difusão de automação industrial flexível eintegrada e de novas técnicas organizacionais que implicam

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mudanças significativas nos processos fabris, nas relações detrabalho e nos requisitos educacionais da mão-de-obra; 3) asinovações nas formas de gestão e de organização empresarial, como avanço das formas de interligação e integração intra e inter-empresas (sendo inclusive estabelecidos novos padrões derelacionamento entre produtores, fornecedores e usuários,incluindo consumidores finais); 4) a forte aceleração dosinvestimentos diretos no exterior, conduzindo a uma crescenteinterpenetração patrimonial entre os grandes grupos econômicosdos países desenvolvidos; 5) o rápido crescimento do comérciointernacional, em particular do comércio interindustrial (e,dentro dele, do comércio intrafirma); 6) a emergência de novasformas de concorrência entre grupos de empresas, através daproliferação de redes de cooperação, alianças tecnológicas eoutras alianças competitivas, especialmente nos oligopóliosmundiais.

É relevante sublinhar que o estreitamento da integração seprocessou fundamentalmente entre as economias da OECD. Aacumulação de capitais nas economias avançadas extravasoudefinitivamente as fronteiras nacionais, sob a égide daglobalização financeira. A forte interpenetração patrimonial,através dos fluxos de investimento direto das grandes empresas,concentrou-se dentro da OECD (encampando alguns poucos países emdesenvolvimento asiáticos), em detrimento do sentido Norte-Sul.Intensificou-se significativamente o comércio intra-industrial.Muitas transnacionais iniciaram movimentos de descentralização deatividades de P&D no âmbito da OECD. Ganhou corpo dentro destastendências centrípetas a constituição de blocos regionais(projeto Europa Unida, NAFTA, estreitamento das relações no blocoasiático).

As grandes transformações e a crescente integração daeconomia mundial na década de 80 afetaram o Brasil de formamultiplamente desfavorável - ao contrário da tradição histórica.As razões são conhecidas:

a) a "crise da dívida" marginalizou o país do mercadofinanceiro internacional, segregando a economia brasileira daglobalização financeira até o início dos anos 90;

b) a desorganização das finanças públicas decorrente da"crise da dívida" minou a capacidade ordenadora do Estado abrindoo caminho para uma violenta instabilidade inflacionária, o queafastou os investimentos externos de risco;

c) a perda de dinamismo da economia brasileira, comestagnação dos investimentos, associada a condiçõescrescentemente difíceis de acesso das exportações brasileiras aosmercados dos países desenvolvidos, conduziram a uma defasagem naabsorção das transformações tecnológicas e organizacionais e auma perda de posição do país no comércio internacional;

d) a intensificação das fricções comerciais, com crescenteintegração da economia mundial e exercício cada vez maisagressivo de pressões unilaterais (EUA), reduziu os graus deliberdade das políticas nacionais de desenvolvimento. O Brasilfoi alvo de crescentes restrições e constrangimentos na segundametade dos anos 80.

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O objetivo deste capítulo é identificar os obstáculos e asoportunidades que o quadro mundial antepõe à competitividade daeconomia brasileira, visando sugerir políticas e iniciativaspúblicas e privadas. É importante detectar as mudanças recentesmais relevantes e projetar as tendências para a década de 90,analisando-se os prováveis impactos sobre a economia brasileirapara extrair lições e recomendações. Neste sentido, as seguintesquestões serão abordadas adiante: a) a reabertura dos mercadosfinanceiros internacionais aos países em desenvolvimento (nocontexto da globalização financeira); b) os determinantes dosinvestimentos diretos estrangeiros e seus novos fatores deatração; c) o jogo das negociações comerciais globais e aevolução dos processos de regionalização.

O MERCADO FINANCEIRO GLOBAL E OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: OSRISCOS DE SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL

Um dos aspectos mais notáveis do início dos anos 90 para ospaíses em desenvolvimento - especialmente para a América Latina -foi o ressurgimento de um espaço crescente no mercado financeiromundial.

É particularmente relevante assinalar a abertura do mercadofinanceiro à emissão de títulos originários de países que haviamexperimentado interrupções no serviço de suas respectivas dívidasexternas nos anos 80. No caso destes países, a presença crescenteno mercado financeiro global ocorreu por meio da colocação depapéis securitizados (bônus). Os países em desenvolvimento quenão haviam sido atingidos pela crise da dívida e que mantiveram oacesso ao mercado financeiro ampliaram o lançamento de bônus etambém de novos empréstimos bancários.

TABELA 1PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO - EMISSÃO DE BÔNUS

1989-1993(US$ bilhões)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO 1989 1990 1991 19921993*

------------------------------------------------------------------------------------------------------------Países em Desenvolvimento 4,7 6,2 12,0 23,331,5 América Latina 0,8 2,6 6,7 12,015,0 Países Asiáticos 1,0 1,6 3,1 6,0n.a. Europa Oriental 2,1 1,8 1,9 4,6n.a.

Emissão Global de Bônus 255,8 229,9 297,6 333,7365,0

Participação % dos PEDs 1,9 2,7 4,0 7,08,6

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Estimativa (1º semestre de 1993 x 2).Fonte: Euroweek; Financial Times; International Financial Review; OECD e UNCTAD para o 1ºsemestre de 1993.

Este acesso crescente e cada vez mais favorável aos mercadosfinanceiros decorreu do significativo afrouxamento das condiçõesde crédito com forte redução das taxas de juros, verificada nospaíses desenvolvidos após 1990, com o advento de uma fase desensível desaceleração do crescimento econômico mundial. Umquadro de recessão, desemprego elevado e inflação minguanteinduziu a adoção de políticas de juros baixos e crédito fácil,especialmente nos EUA. O espraiamento da recessão no Japão e naEuropa em 1991 levou à redução progressiva da taxa de jurostambém no Japão. O caso europeu ficou seriamente problematizadopela unificação alemã, que provocou tensões inflacionáriasinternas e aumentou muito as necessidades de financiamento dogoverno federal alemão, levando o Bundesbank a adotar umapolítica monetária restritiva com juros elevados. O resultado éconhecido: a recessão e o desemprego se agravaram na Europa e oacalentado cronograma-Maastritcht de unificação monetária entrouem colapso.

Mas a permissividade creditícia nos EUA e no Japão,associada a taxas de juros de curto prazo negativas, alimentaramuma situação de sobreliquidez internacional: nas palavras deHyman Minsk (em reunião de trabalho com a coordenação do ECIB em05/10/93), a conjuntura atual é de "dinheiro à caça de taxaselevadas de retorno" (money chasing yield).

De fato, tem sido impressionante o crescimento dos fluxosabsolutos, a dilatação dos prazos de maturidade, a diversificaçãodos instrumentos e o aumento da liquidez, no que concerne àpresença dos países em desenvolvimento no mercado financeirointernacional.

A disponibilidade de financiamento tem sido crescentementeaproveitada por agentes privados (em 1992 representaram 42% dototal, contra apenas 8% em 1989). Na América Latina, essemovimento foi liderado pelo México, Argentina e Venezuela. Aparticipação de empresas brasileiras despontou a partir do finalde 1991 e tem crescido firmemente desde então, como será vistoadiante.

As experiências recentes de estabilização na América Latinaancoradas na taxa de câmbio, com sobrevalorização crescente esustentada e com déficits elevados em conta corrente financiadospor entradas maciças de capital não são inteligíveis sem acompreensão desta notável reversão dos fluxos de capitaisfinanceiros em direção aos países em desenvolvimento. Entretanto,cabe ressaltar que uma mudança futura nas condições financeiras ede juros internacionais, concomitantemente a uma provávelrecuperação da economia mundial pós-1994, pode modificar estequadro e, evidentemente, não se pode deixar de registrar aindesejável vulnerabilidade de financiar elevados déficits de

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balanço de pagamentos com a entrada de capitais voláteis, decurto prazo. Há uma armadilha potencial montada: a fácil evolumosa entrada potencial de capitais financeiros capaz desustentar uma taxa de câmbio sobrevalorizada por um períodosuficientemente longo para infligir danos graves àcompetitividade industrial e, posteriormente, propiciar umareedição da crise do endividamento.

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O NOVO PERFIL E OS NOVOS DETERMINANTES DOS INVESTIMENTOS DIRETOS

A significativa aceleração do fluxo de investimento diretoestrangeiro, ao longo dos anos 80, marcou a emergência do Japãocomo principal investidor internacional e a passagem dos EUA paraa posição de absorvedor líquido. De fato, no final dos anos 70,os investimentos diretos japoneses correspondiam a apenas 8% dototal dos países da OECD, ao passo que, no final dos 80, esteíndice alcançou 42%, dos quais aproximadamente 70% concentradosno setor de serviços.

Excetuando-se os investimentos diretos associados àinterpenetração patrimonial (fusões e aquisições), osinvestimentos diretos estrangeiros não têm envolvido massasconsideráveis de capitais como no passado. Além de ocorrer emmenor volume, a direção destes fluxos também se alterou,concentrando-se ainda mais no sentido Norte-Norte. Entre 1986 e1988, por exemplo, os investimentos diretos estrangeirosrealizados nos EUA e na Europa somavam mais de 55% da totalidadedesse tipo de aplicação (Saunders et alii, 1991). Taiscaracterísticas refletem mudanças nos parâmetros das firmastransnacionais no tocante à decisão de investir no exterior.

Até o início da década de 70, as empresas transnacionaisoptavam pelo controle acionário do empreendimento. Estabeleciam-se independentemente do grau de desenvolvimento do paíshospedeiro, procurando maximizar a "quase-renda" resultante daposse de um "ativo único" (Vernon, 1977). Com o crescimento doscustos de P&D nos setores mais dinâmicos e a simultânea reduçãodo ciclo de vida dos produtos, a partilha dos gastos e riscostecnológicos, comerciais e financeiros através de novas formasassociativas de investimento tornou-se um ingrediente importantedas estratégias das firmas transnacionais (Oman, 1989). As novasmodalidades de investimento direto, que podem assumir as formasde joint-ventures, contratos de turnkey, acordos delicenciamento, subcontratação, dentre outros, apresentam em comuma propriedade minoritária do empreendimento, tendendo apermanecer, como atribuição do investidor estrangeiro, ofornecimento do know-how e dos demais ativos intangíveis. Apreferência por parcerias implica alteração da divisão de riscose responsabilidades vis-à-vis as formas tradicionais deinvestimento direto estrangeiro. Doravante, cabem aos parceiroslocais riscos e responsabilidades financeiras, produtivas egerenciais.

Para as firmas transnacionais, portanto, as novas formas deinvestimento representam uma diminuição da relaçãoriscos/remuneração da aplicação realizada. A subcontratação, emparticular, através da constituição de networks tecnológicos eindustriais, emerge como forma privilegiada de organizar asrelações intra e interfirmas, evitando os custos mercantis detransação e a rigidez da excessiva integração vertical. Para ospaíses hospedeiros, estas formas de empreendimento implicammaiores atribuições: tanto no que se refere ao setor público, quealém dos tradicionais requisitos de estabilidade macroeconômica einstitucional deveria, ainda, tornar acessível infra-estruturaindustrial, científica e tecnológica, quanto no que tange ao

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setor privado local, cuja capacitação competitiva torna-seessencial para atração do investidor estrangeiro.

Em resumo, muito embora os obstáculos ao comércio exteriorainda funcionem como indutores dos investimentos diretos dastransnacionais, é crescente a ênfase nas vantagens competitivaslocais. Estas vantagens há muito deixaram de ser estáticas(dotação dos fatores) e cada vez mais são vantagens comparativasdeliberadamente construídas, de natureza dinâmica, decorrentes depolíticas públicas, da configuração sociocultural (fatoressociais) e da aptidão dos parceiros locais (Dourrile, 1990). Aatração de investimentos estrangeiros, especialmente os de maiorconteúdo tecnológico, passou a ser objeto de intensa competição,através da oferta de condições e de vantagens competitivas"construídas". Políticas industriais, políticas comerciais efomento tecnológico passam a ser objeto de competição regulatóriana concorrência locacional por "bons investimentos" (OECD,1992b).

Essas constatações não podem deixar de ser tomadas em contana formulação da política brasileira com relação ao capitalestrangeiro, a ser abordada mais adiante.O JOGO COMPLEXO E DIFÍCIL DAS NEGOCIAÇÕES GLOBAIS

A difusão desigual do novo paradigma competitivo entre ospaíses desenvolvidos, os fortes desequilíbrios comerciaisremanescentes entre os principais parceiros e as diferençasinstitucionais e de natureza das políticas industriais e decomércio exterior refletem-se na agenda das negociações globais."Administração do comércio" como forma de compensar assimetrias,múltiplas fricções de interesses nacionais e regionaisobstaculizando as negociações no GATT e pressões unilateraisexplícitas desenham um quadro cheio de contradições e incertezasquanto ao futuro do sistema multilateral.

Entre os países desenvolvidos houve acordo, em linhasgerais, quanto à inclusão de novos temas (propriedadeintelectual, serviços, medidas de atração de investimentosdiretos) no âmbito da Rodada Uruguai, indicando a ampliação doescopo de atuação do GATT. Historicamente constituído parasupervisionar o comércio de bens, o sistema passará a monitoraras políticas relacionadas aos novos temas. Esta convergênciaentre os países desenvolvidos resultou da percepção generalizadade que comércio e investimentos diretos estão intimamentecorrelacionados, assim como os serviços e os fluxos detecnologia.

Dentro desta visão, as políticas públicas que regulaminvestimentos, serviços e fluxos de tecnologia não podemcontinuar subtraídas da agenda multilateral, hoje restrita àspolíticas comerciais (Agosin & Tussie, 1992). A linha divisóriaentre as políticas comerciais e as outras políticas é cada vezmais difusa (Tussie, 1991). Temas e objetivos de política atéentão considerados de interesse exclusivamente doméstico passam aser fonte de fricções internacionais. Reconhece-se,crescentemente, sob pressão, as demandas por convergência quantoàs regras e aos instrumentos de promoção de vantagens

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comparativas. Neste sentido, pode-se afirmar que as iniciativasde regionalização constituem tentativas preliminares deharmonização de regras e políticas econômicas entre os paísesenvolvidos.

Porém, esta convergência de conceitos entre os paísesdesenvolvidos não se traduz automaticamente em consenso quando sedesce à especificação das regras e condições setoriais. Ossubsídios à agricultura continuam sendo um sério pomo-de-discórdia, além de vários outros pontos específicos. O futuro domultilateralismo não dependerá apenas da letra dos acordos deconclusão da Rodada Uruguai. O regionalismo e o unilateralismosão realidades concorrentes que receberão maior ou menor impulsonos anos 90 dependendo da evolução das condições macroeconômicas,dos desequilíbrios comerciais, dos esforços de coordenação no G-7e da evolução dos projetos de integração regional.

Decerto as condições de conclusão da Rodada Uruguaideterminam o novo escopo do multilateralismo e de seu papelrelativo enquanto instância de gestão das regras do sistemainternacional. A situação macroeconômica e o desempenho comercialdos membros da OECD influenciarão a capacidade de adaptação e devalidação das novas regras internacionais por parte dos paíseslíderes. O grau de solidez dessas novas regras, por sua vez,condicionará a possibilidade de resistência dos governosnacionais, dadas as demandas protecionistas ou de administraçãodo comércio bilateral. A evolução concreta dos processoseconômicos e financeiros de integração permitirá, por fim, umaavaliação do papel e da solidez da regionalização e, emparticular, do grau de conflito entre tais iniciativas e oprocesso global de liberalização.

Os cenários que se conformam atualmente parecem indicar que"o sistema mundial de comércio do futuro não nascerá de umaruptura drástica com o presente" (Ricúpero, 1993). Ao que tudoindica, tenderão a coexistir com o multilateralismo e suasinstituições, processos de regionalização, sistemas de comércioadministrado e iniciativas de integração profunda.

O multilateralismo continuará a cumprir um papel relevantemas dificilmente exercerá uma hegemonia inconteste sobre asoutras instâncias. É certo que deverá ser reforçado com aconclusão da Rodada Uruguai através da incorporação - ainda queparcial - da agricultura e dos têxteis ao GATT, peloaperfeiçoamento do sistema de resolução de controvérsias, pelaintrodução do "Trade Policy Review Mechanism", assim como peloaperfeiçoamento das normas de subsídios, antidumping esalvaguardas. A recém-criada Organização Mundial do Comércio deveter jurisdição sobre os "novos temas", sendo politicamente maispreparada para lidar com as políticas de construção deliberada decompetitividade das indústrias nacionais.

A principal ameaça à continuidade da liberalizaçãomultilateral do comércio internacional vincula-se às perspectivasde descoordenação macroeconômica entre os países da OECD e, emparticular, do grau de desequilíbrio das relações comerciaisentre os EUA e o Japão. A exacerbação da descoordenação pode

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estimular o recurso a estratégias unilateralistas, como sugere arecente revalorização, por parte dos EUA, da Seção Super-301, doTrade Act.

Por outro lado, o desgaste do multilateralismo e os elevadoscustos políticos do unilateralismo ampliam o incentivo paraacordos preferenciais, zonas de livre comércio e uniõesaduaneiras que, com nuances, vêm proliferando em todos oscontinentes. Com efeito, se a agenda de harmonização é premente,sua aplicação é mais simples em grupos limitados de países comcaracterísticas econômicas e sociais homogêneas. Este tipo deestruturação é possível no interior de blocos desenvolvidos, ondeos padrões de renda per capita são convergentes. Outrapossibilidade é a formação de zonas hierarquizadas depreferencialização a partir dos núcleos desenvolvidos, encampandoeconomias periféricas relativamente heterogêneas.

Para os países em desenvolvimento, essa expansão das zonasde preferencialização tende a acirrar as pressões para querenunciem ao uso de certos instrumentos e mecanismos de políticaindustrial e de comércio exterior, aceitando novas disciplinas emáreas que se encontravam fora do escopo das negociaçõesinternacionais (Agosin & Tussie, 1992). O Brasil já tem sidorecorrentemente pressionado a aceitar essas novas disciplinas emvárias áreas. Exatamente por isso o Estado brasileiro precisarácapacitar-se e reaparelhar-se para lidar com um quadro restritivode pressões de diversos tipos (unilaterais, regionais,multilaterais). Nas próximas seções, serão destacados osconstrangimentos e obstáculos que a diplomacia econômicabrasileira precisará enfrentar, junto com o setor privado, paradar suporte ao desenvolvimento competitivo da indústriabrasileira.

O BRASIL EM FACE DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA

A conjuntura de sobreliquidez mundial pós-1990, no contextode globalização financeira, modificou substancialmente o acessodos países em desenvolvimento aos mercados financeiros e decapitais. A abrangência da globalização e a elevada mobilidadedos capitais em busca de retorno tornam o isolamento praticamenteimpossível. A convivência com a globalização financeira éinevitável mas, por isso mesmo, deve ser encarada com cautela. Deum lado, o acesso aos mercados representa um novo grau deliberdade para alavancar financiamentos para projetos deinvestimento. O Brasil pode e deve tirar proveito disso parasolidificar um horizonte de investimentos sinalizadores,especialmente nas áreas de infra-estrutura que necessitamurgentemente de expansão. Esta nova fronteira de inversões éimportante para fixar a confiança do setor privado e viabilizar aestabilização com desenvolvimento competitivo. O potencial decaptação de recursos externos para parcerias público-privados,para projetos do setor público e também para novos investimentosdo setor privado constitui um fator positivo relevante. Paratirar proveito dele, no entanto, o país deve manter os controlessobre os fluxos cambiais, com o objetivo de captar poupançasestáveis de médio e longo prazo, compatíveis com condiçõesequilibradas de serviço (i.e. de remuneração e retorno desses

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capitais). De outro lado, a convivência com a globalizaçãofinanceira deve evitar a entrada não-regulada de capitais decurto prazo, eminentemente especulativos, cuja volatilidade podecomprometer no futuro a solidez do nosso balanço de pagamentos.

O potencial de entrada de capitais no país é muito elevadoenquanto perdurar a situação mundial de sobreliquidez com taxasde juros reduzidas, considerando que México, Argentina, Chile eVenezuela têm recebido volumes consideráveis e que seusrespectivos mercados de capitais se encontram relativamentesaturados. A experiência brasileira de reaproximação do mercadointernacional nos últimos dois anos é significativa e esteverelacionada aos seguintes fatores: a) maior liberalidade degestão da conta de capital, com flexibilização dos prazos econdições de permanência dos recursos externos no país e reduçãodas incertezas quanto ao retorno do capital aplicado; b) odiferencial de taxas de juros - que, descontada a variaçãocambial no período, foi superior a 25% em 1992; c) a difusãocrescente de instrumentos de securitização que aumentam aatratividade das aplicações.

Os baixos níveis de endividamento do setor privadobrasileiro, o represamento dos investimentos das empresastransnacionais, ao longo da década passada, e a presençaagressiva de bancos brasileiros e estrangeiros captando recursosexternos para repasse ao mercado local, a custos menores que ataxa doméstica, completam o quadro explicativo. As empresas e osbancos estrangeiros operando no Brasil foram os principaisagentes de captação e de absorção de recursos externos,totalizando 57,4% do total captado, frente a 14,1% do privadonacional.

No bojo desta reconexão ao mercado financeiro internacional,o padrão de financiamento externo da economia brasileira vemsofrendo mudanças importantes. Embora tenham se registradoingressos líquidos negativos de recursos oriundos das agênciasgovernamentais, dos organismos internacionais e dos créditos defornecedores, nota-se importante expansão dos empréstimosinterempresas (Resolução 63), de recursos provenientes dosmercados de bônus (majoritariamente destinados a empresasestatais), de ingressos através de commercial papers (em que pesea seletividade que o lançamento desses papéis envolve) e dacaptação via fixed e floating rate notes (que viabilizaram aentrada de US$ 4 bilhões em 1992). No total, o Brasil logroucaptar e absorver um total de US$ 14,8 bilhões em 1992. Cabeobservar crescimento das reservas, com contrapartida deendividamento interno, alta de juros e especulação com aarbitragem atraindo capitais de curto prazo.

Percebe-se, portanto, a emergência de um novo padrão definanciamento externo, em que a captação via títulos correspondea cerca de 50% dos recursos externos, cabendo posiçãocomplementar aos créditos privados (interempresas e bancos), aoscréditos de agências e organismos internacionais e finalmente aoscréditos de fornecedores e investimentos diretos estrangeiros,situando-se esses últimos entre 10% e 15% do total. Istosignifica que o investimento direto, em suas modalidades

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tradicionais (societário em moeda e bens), cuja participaçãohistórica foi de até 20%, não pode mais ser encarado como canalimportante de financiamento do desenvolvimento ou de programas deestabilização. A sua relevância deve ser buscada em outrasdimensões, tais como contribuir para o avanço da competitividadebrasileira, através de comportamentos "virtuosos" em matéria denetworkings e parcerias tecnológicas, como será tratado adiante.

Importa reter, neste ponto, a cautela que deve cercar areconexão do país aos circuitos financeiros internacionais. Ofácil acesso a novos recursos externos pode ser extremamentepositivo para suportar investimentos e, por isso, pode auxiliar aestabilização. Mas pode, também, dependendo da opção de políticamacroeconômica, constituir-se em fator de sobrevalorizaçãosustentada da taxa de câmbio, com forte redução do saldo dabalança comercial sendo compensada pela entrada de capitais.Neste último caso, poder-se-ia estabilizar o processoinflacionário por algum tempo, porém à custa de um substancialdesajuste industrial e comercial.

O BRASIL EM FACE DAS NOVAS FORMAS DE INVESTIMENTO DIRETO

A parcela de investimento direto estrangeiro direcionadapara os países em desenvolvimento reduziu-se de 26,4% do totalpara 17,4% entre 1980/85 e 1990. Ademais, a distribuição espacialdos networks tecnológicos que se difundem atualmente é ainda maisconcentrada: "mais de 90% destes arranjos se fazem entre empresasoriginárias de países do G-5" (Ernest, 1991). Há, portanto, umatendência à exclusão dos países "extra-OECD" em relação aosbenefícios da cooperação tecnológica entre as grandes empresas.

O impacto da alteração dos determinantes do investimentodireto estrangeiro sobre a economia brasileira pode ser percebidopela análise da evolução setorial dos estoques e fluxos. Daobservação dos estoques, depreende-se que: a) aumentourapidamente a participação dos setores ligados a atividadesprimárias (agricultura, pecuária, etc.), não obstante a suapequena participação no estoque total; b) cresceu, a partir de1985, o estoque de investimentos de setores tradicionais(têxteis, vestuário, calçados, madeira, bebida, etc.), ao mesmotempo que diminuiu a participação do estoque de investimentos dosetor de transporte; c) diminuiu a participação do setoreletroeletrônico.

Já a observação dos fluxos recentes de investimento revelaque, em 1991-1992, os investimentos diretos estrangeiros naindústria "tradicional" corresponderam a 28,64% do total, contra10,85% do período 1981-1985. Os segmentos menos favorecidos foramo automobilístico e o eletrônico, não obstante a participaçãodeste último ser originalmente reduzida, ao passo que os maioresbeneficiados foram as indústrias de química de base e papel ecelulose. A preferência dos investidores por setores decompetitividade revelada evidencia a aversão ao risco e apercepção da erosão da competitividade brasileira em outrossetores. Assim, à exceção do ramo químico, os investimentosconcentraram-se em setores relacionados a recursos naturais e/oude baixa intensidade de valor agregado.

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Da análise acima, percebe-se que o investimento estrangeirotendeu a corroborar as tendências em curso no sistema industrialbrasileiro. A modificação desse perfil dos investimentosestrangeiros dependerá, certamente, de uma mudança nas condiçõesde competitividade e de crescimento da indústria brasileira. Nãoserá, apenas, a possível expansão do mercado interno mas,crescentemente, as condições internas de competitividade quepermitirão a atração dos investidores. A vigência de condiçõessistêmicas benignas, a existência de parceiros nacionais aptos ea formação de externalidades locais positivas são fatorescentrais para atração das novas formas associativas deinvestimento. Neste sentido, a política de competitividade étambém uma política de preparação de condições de atração docapital estrangeiro. É dentro desta percepção que o país deveformular uma política específica de estímulo à formação deparcerias com os investidores industriais estrangeiros.

O IMPACTO DOS PROCESSOS DE REGIONALIZAÇÃO SOBRE AS EXPORTAÇÕESBRASILEIRAS

O impacto da regionalização sobre as perspectivas deexportações brasileiras deve ser examinado em quatro direções: aformação do Nafta, a evolução da integração européia, o blocoasiático e o Mercosul.

Embora os impactos do Nafta sobre as exportações brasileirastendam a ser mínimos no curto prazo, dada a manutenção derestrições ao acesso de produtos mexicanos nos EUA, em umhorizonte mais longo "o deslocamento das exportações brasileiraspode atingir patamares significativos, não só como resultado daeliminação gradual das tarifas e demais barreiras ao comércio[mas também] da reestruturação industrial em curso no México [aqual] ganhará impulso significativo com o provável aumento dofluxo de investimentos norte-americanos resultante daimplementação do Nafta" (Machado, 1992).

Outro efeito para a economia brasileira relacionado ao Naftarefere-se à "Iniciativa para as Américas" e à ampliação da áreade preferencialização que ela suscita. Para o Brasil, a expansãodessa zona de preferências comerciais significaria a participaçãoem uma integração assimétrica cujos custos derivariam daexposição da indústria brasileira à competição de um país queapresenta níveis médios de desenvolvimento e de produtividademuito superiores e da eventual perda de eficiência e bem-estar,proveniente da integração bilateral, vis-à-vis a alternativa deliberalização multilateral.

Quanto à integração européia, é importante salientar que asrelações entre a CEE e os países em desenvolvimento sãotributárias de um complexo sistema de preferências comerciais ede restrições às importações e que este sistema é um dos doisfatores que condicionam a capacidade dos diferentes países emdesenvolvimento de se manterem no mercado europeu. O outro fatoré a qualidade da oferta de exportação e o perfil deespecialização desses países. No caso dos latino-americanos, ascaracterísticas dos produtos exportados e o perfil da

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especialização produtiva enfrentam uma situação desfavorávelfrente à hierarquia de acesso aos mercados da CEE.

A ampliação da CEE para países do Sul da Europa também podeafetar a competitividade das exportações de outros países emdesenvolvimento como o Brasil. Este é o caso, em particular,daqueles países cuja oferta se assemelhe às de Portugal, Espanhae Grécia, ou de países do Mediterrâneo que dispunham, até omomento, de um acesso ao mercado comunitário mais amplo que ospaíses da península ibérica. A concorrência em setores de bens deconsumo (como calçados, têxteis e vestuário), produtosintermediários (como papel e celulose, aço, madeiras e couro) ebens de capital (mecânica) tende a se acentuar e pode-se suporque, em alguns desses setores, medidas protecionistas sancionemcompromissos intra-CEE, compromissos esses movidos pela intençãode reduzir os custos de ajustamento das economias menosdesenvolvidas da Comunidade.

Ainda do ponto de vista da Europa, outro tema que adquirerelevância para a avaliação das possibilidades de exportaçãobrasileira refere-se à possível integração do Leste Europeu àComunidade. De uma maneira geral, Hungria, República Tcheca ePolônia parecem habilitadas a desenvolver capacidade exportadoraexpressiva em produtos intensivos em recursos naturais e energiae em certos segmentos da indústria, intensivos em mão-de-obra masde reduzido conteúdo tecnológico, como é o caso da siderurgia,metalurgia dos não-ferrosos, têxteis e segmentos de máquinas eequipamentos. São setores da indústria brasileira que poderiamvir a ter maior acesso ao mercado europeu, o que pode serfrustado pela concorrência do Leste.

As dificuldades apontadas não devem, entretanto, levar a umaatitude de abandono da Europa enquanto mercado alvo. Apenasindicam que os esforços de venda, informação e negociação terãoque ser redobrados, por parte do governo e dos exportadoresbrasileiros.

No espaço da Ásia Oriental, as políticas japonesas dereestruturação dos anos 70 estimularam a relocalização daprodução para países da sua periferia em que a relação entrecustos de fabricação e linha de produto fosse mais adequada. Osinvestimentos diretos japoneses, essencialmente trade-oriented,deram assim origem a um fluxo de comércio entre NICs, países daASEAN e Japão, configurando uma rede de solidariedade empresariale de complementaridade econômica. Esta rede é o fundamento do quese vem apelidando de "Bloco do Pacífico".

No contexto de constituição "informal" deste blococomercial, há certo consenso de que somente os países asiáticosteriam condições de integrarem-se ao processo. As exportaçõesbrasileiras para a região devem sofrer dois tipos de competição.Os países asiáticos de renda média e estruturas produtivasconcentradas em manufaturas de médio/alto conteúdo tecnológicoconcorrerão com o Brasil nos produtos mais nobres da pauta deexportações. Já os países da ASEAN, do subcontinente indiano e daChina concorrerão nos segmentos de menor valor agregado onde ocusto da mão-de-obra ainda representa um forte determinante da

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competitividade. Mais uma vez, é relevante assinalar que seránecessário empenho e criatividade por parte das empresas e dogoverno para penetrar em brechas de mercado e gerar oportunidadesde negócio na Ásia.

MERCOSUL

Quanto ao Mercosul, abstraindo-se o atual desequilíbrio daparidade cambial argentina, é importante considerar quatroaspectos distintos:

a) Nos setores em que cada país preserva vantagenscomparativas absolutas, a eliminação das barreiras ao comérciointra-regional deverá implicar relocalização geográfica dedeterminadas atividades. Este é o caso, por exemplo, datriticultura brasileira, que deverá sofrer forte concorrência doproduto argentino.

b) Nos setores em que são observados desníveis acentuados decompetitividade (por exemplo, papel e celulose e siderurgia),será necessário implementar reestruturações industriais nosoutros países de forma a permitir a convivência com o mercadointegrado ou, no caso de estas reestruturações revelarem-seinviáveis, será desejável estabelecer cronogramas de phase-outatravés de programas de desmobilização. Será em qualquer hipóteseindesejável permitir que os produtores recorram a acordosrestritivos (comércio negociado) para proteger a produção localdeficiente.

c) Há setores em que a integração propiciará o aprimoramentodas vantagens comparativas. Estes segmentos são aqueles em que severifica a ocorrência de comércio intra-industrial, como, porexemplo, petroquímicos e automóveis, cujo desenvolvimento serábeneficiado por ganhos de escala e especialização produtiva.

d) Finalmente, existem setores para os quais não existecorrespondência nos parceiros, em virtude da estrutura brasileiraser mais completa e diversificada. Esta categoria pode sersubdividida em duas: 1) setores para os quais a alíquotatarifária brasileira é baixa e, portanto, de fácil negociaçãopara fins de fixação de tarifa comum; 2) setores para os quais atarifa brasileira é relativamente elevada, em razão dedeficiências competitivas. Dado que a política brasileira dedesenvolvimento competitivo desses setores requer proteçãotarifária diferenciada por algum tempo à frente, será importanteobter dos parceiros tolerância para com a alíquota brasileira.Este é o caso dos bens de capital e dos bens do complexoeletrônico.

A conclusão das negociações para fixação da tarifa externacomum (TEC) não pode deixar de considerar condições mínimas deinteresse brasileiro, notadamente no que se refere aodesenvolvimento dos setores difusores do progresso tecnológico,cuja presença na matriz industrial é fundamental para oencadeamento de efeitos dinamizadores e para a consolidação dacompetitividade do conjunto da indústria.

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Até o presente, cerca de 85% da lista de produtos já tem umatarifa externa comum (TEC) acordada, que passará a vigir a partirde 1995. Para os outros casos, será fixado um prazo deconvergência, sob regime de zona de livre comércio (e não deunião aduaneira). No que toca aos bens de capital, é necessárioaproximar as tarifas nacionais ao longo do prazo de convergência(de 1995 a 2001) para um patamar mínimo viável para a indústriabrasileira. Enquanto o Brasil reduziria gradativamente a suatarifa os parceiros aumentariam as suas até atingir esse patamar.O mesmo procedimento deve ser aplicado aos bens de informática,sendo neste caso, o período de convergência dilatado para o ano2006 em função das atuais diferenças4.

Mas, além da fixação da TEC é essencial a observância doprincípio da reciprocidade, mantendo-se uma margem efetiva depreferência comercial entre os parceiros, inclusive para os bensde maior conteúdo tecnológico. Igualmente importante é a fixaçãodo "regime de origem", de modo a assegurar um mínimo deindustrialização local para os produtos mercosul. Neste caso, asregras brasileiras já estabelecidas para o "processo produtivobásico" (mínimo de operações industriais realizadas no país)devem servir de base para o regime de origem comum.

A convergência deve ser evidentemente buscada em váriasoutras esferas, isto é, sistemática tributária, tratamento aocapital estrangeiro, política creditícia, normas técnicas elegislação pertinente. Finalmente, é crucial estabelecer umsistema de estabilização das paridades cambiais reais, dentro deuma faixa máxima de flutuação total não superior a 15%, de formaa evitar desequilíbrios comerciais desvinculados das condiçõesreais de competitividade. Sem a fixação de um sistema deestabilização das paridades relativas, o processo de integraçãoperderá consistência - a racionalidade econômica ficarádistorcida, com o risco de ampliação das pressões protecionistascasuísticas.

ABERTURA COMERCIAL, PAPEL DAS IMPORTAÇÕES E SEU MONITORAMENTO SOBUMA POLÍTICA COMERCIAL EQUILIBRADA

Os efeitos da reforma comercial empreendida pelo governobrasileiro entre 1991 e 1993 (eliminação das restrições não-tarifárias e implantação de um cronograma progressivo de reduçãodas tarifas aduaneiras) começaram a se fazer sentir desde fins de1992. A redução inicialmente prevista da tarifa aduaneira (Tabela2) foi antecipada em fevereiro de 1992, de modo que as alíquotasprevistas para janeiro de 1993 entraram em vigor em outubro de1992 e as alíquotas previstas para janeiro de 1994 vigoraram apartir de julho de 1993.

4 No caso dos bens de capital, a posição brasileira é de um patamar de 14%. O Brasil

reduziria sua tarifa, hoje de 20%, e a Argentina e os outros parceiros subiriam assuas. A tarifa argentina é hoje nominalmente zero, existindo porém uma "taxaestatística" de 10%. A proposta argentina é de que a TEC seja de 12%. No caso dos bensde informática, a divergência é muito maior. A tarifa brasileira hoje admite o nívelde 35%, sendo a argentina igual a zero. A dificuldade de fixar um nível para aconvergência recomenda a dilatação do prazo em cinco anos adicionais (2006).

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TABELA 2BRASIL - TARIFAS MÉDIA E MODAL PREVISTAS PELO CRONOGRAMA DE

REDUÇÃO TARIFÁRIA1990-1994

------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO TARIFA MÉDIA TARIFA MODAL DESVIO PADRÃO------------------------------------------------------------------------------------------------------------1990 32,2 40 19,6Janeiro 1991 25,3 20 17,4Janeiro 1992 21,2 20 14,2Janeiro 1993 17,1 20 10,7Janeiro 1994 14,2 20 7,9------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Horta, Piani & Kume (1991:76). Extraído de: Leal (1993:40).

O impacto do programa de redução tarifária sobre asimportações (exclusive petróleo) vem sendo significativo,especialmente após a última rodada de queda das tarifas em junhode 1993. Com efeito, apesar da relativa desaceleração dasatividades econômicas no segundo semestre (de 1993), asimportações demonstraram tendência persistente de ascensão(Tabela 3).

TABELA 3BRASIL - IMPORTAÇÕES DE MERCADORIAS

1990-1993(US$ milhões)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO 1990 1991 1992 1993 TAXA DECRESCIMENTO (jan-set) Jan/set-/Jan-set(93/92)------------------------------------------------------------------------------------------------------------TOTAL 20661 21041 18656 20578 27,98 Bens de Consumo 2941 3072 2179 2446 22,90 Matérias-Primas 7053 7930 7163 7606 30,52 Petróleo e Derivados 4735 4073 3282 4191 8,25 Bens de Capital 5932 5966 6032 6335 40,12 Mat. Transporte 756 995 1549 1283 117,56 Veículos 422 634 1224 891 111,03

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Outros 334 361 325 392 146,21 Máqs. e Mats.Elet. 5176 4971 4483 5052 24,77 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SECEX/MICT, jan. 1994.

A elevação do patamar das importações industriais dentro dareforma comercial é um objetivo válido e desejável, na medida emque permite:

a) substituição de certos componentes, peças e matérias-primas de elevado custo de produção no país, cuja agregação localonerava fortemente o preço final dos produtos;

b) introdução mais rápida de produtos novos com coeficienteselevados de peças e componentes importados;

c) importação mais ágil de bens finais altamentesofisticados (especialmente bens de capital e equipamentos deinformática), cuja produção não é economicamente viável no país.

Estes efeitos positivos, à medida que se reduz o grauexcessivo de fechamento do sistema industrial às importações,devem no entanto ser monitorados para evitar efeitos negativos deoutra natureza, que podem advir de uma tendência continuada eacelerada de elevação das importações, a saber:

a) desestímulo à produção no país das partes e componentesde produtos novos, cuja escala de produção e condiçõestecnológicas estão ao alcance de fornecedores brasileiros. Asignificativa elevação das importações de peças e componentesocorrida na área automobilística (Tabela 3) indica claramente queeste risco já se coloca de forma efetiva;

b) vulnerabilidade à prática de dumping por parte deprodutores estrangeiros, especialmente de insumos industriais ematérias-primas onde a existência de elevada capacidade ociosa noplano mundial tem ensejado, com freqüência, tais ocorrências;

c) desestímulo ao processo de learning e de produção no paísde bens e serviços de maior conteúdo tecnológico que, apesar desofisticados, estejam ao alcance da capacitação de produtores jáinstalados ou potencialmente interessados em produzir no Brasilem função da escala e das expectativas de evolução futura domercado local.

A política de importação deve procurar combinar os efeitospositivos acima mencionados com a minimização dos efeitosnegativos. Neste sentido, a política tarifária não deve serencarada como um instrumento rígido. As autoridades econômicasprecisam estar permanentemente alertas para, preservando a

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abertura comercial e os compromissos internacionais, evitarcondições desleais de penetração de produtos importados. Nafixação da tarifa, em cada caso é fundamental considerar o ônusdas condições sistêmicas, particularmente enquanto perdurarem nopaís condições tributárias diferencialmente onerosas, taxas dejuros mais elevadas e outras condições infra-estruturaisdesfavoráveis (custos de transporte, comunicações, entre outras).A aplicação de tarifas que estimulem a produção local de novosprodutos, componentes e peças em condições competitivas ou queprotejam a produção ameaçada por concorrência desleal (sempre comcronogramas cadentes ao longo do tempo), a imposição temporáriade direitos compensatórios e o acionamento de medidas desalvaguarda e antidumping compõem o arsenal de mecanismoslegítimos de defesa da política comercial.

A utilização destes mecanismos e a fixação dos diferenciaistarifários (especialmente entre produtos finais, peças,componentes e matérias-primas) devem ser regularmente discutidosnas respectivas câmaras setoriais, com o objetivo de assegurarcondições equilibradas dentro das cadeias de produção. Esta é,além de tudo, uma precaução importante para a autoridadeeconômica, na medida em que a discussão aberta na câmara setorialtende a evitar exageros de proteção e a fixar compromissos deredução tarifária ao longo do tempo. É dentro das diretrizesacima que a política tarifária (política de importações) devefuncionar como um instrumento de promoção da competitividadebrasileira.

Mas, além dos limites colocados pela minimização dosmencionados efeitos negativos, o nível agregado das importaçõesdeve ser objeto de monitoramento do ponto de vistamacroeconômico, tendo por objetivo a solidez do balanço depagamentos. Dado que o influxo de capitais de curto prazo nãoconstitui base confiável e adequada para a cobertura doscompromissos internacionais do país, é indispensável a manutençãoao longo do tempo de um saldo positivo mínimo na balançacomercial (entre 2,5% e 3% do PIB). A manutenção deste saldorequer a sustentação continuada do crescimento das exportações,para permitir o crescimento paralelo das importações a uma taxasemelhante. Não é conveniente, portanto, permitir que o velozcrescimento recente das importações projete-se para o futuro deforma a reduzir substancialmente ou reverter o resultado dabalança comercial para uma posição deficitária. Neste cenário, opaís ver-se-ia obrigado a queimar reservas ou a depender daentrada de capitais de curto prazo, colocando-se em posiçãocrescentemente vulnerável.

Medidas de política para sustentação do crescimento dasexportações serão objeto de proposições logo adiante, mas nesteponto é importante sublinhar o papel-chave da taxa de câmbio parauma administração equilibrada da política comercial, tendo emconta a solidez do balanço de pagamentos. O programa deestabilização não deve ancorar-se de forma permanente numa taxafixa ou rígida de câmbio, sob pena de consolidar uma indesejável

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trajetória de sobrevalorização cambial. Neste caso, serápraticamente impossível represar o forte crescimento que vem severificando nas importações e evitar que se agrave oenfraquecimento já observado do desempenho das exportações.

OS DESAFIOS DA DIPLOMACIA ECONÔMICA E O PAPEL DO SETOR PRIVADO

À luz das considerações anteriores, é possível concluir queo quadro internacional traz mais obstáculos do que oportunidadespara a economia brasileira. Ao contrário de etapas históricasanteriores, quando as transformações da economia mundialfavoreceram espontaneamente o Brasil, a etapa atual de mutação dosistema internacional exigirá capacitação e iniciativa paracontornar as restrições e capturar as oportunidades.

A ampliação do escopo do GATT, as pressões dos paísesdesenvolvidos e a intensificação do processo de integração tendema reduzir o grau de autonomia dos Estados nacionais naimplementação de políticas de desenvolvimento competitivo. Estecontexto sublinha duas conclusões importantes:

a) a necessidade de reaparelhar e capacitar o Estadobrasileiro para enfrentar esses desafios, sob um novo estilo euma nova agenda;

b) a relevância do exercício de um papel ativo por parte dosetor privado e da capacitação deste para cumpri-lo, de formaarticulada à ação do Estado.

A intervenção do Estado, antes baseada em instrumentos deproteção e na concessão indiscriminada de subsídios fiscais efinanceiros à exportação, deve evoluir em direção à coordenação eao fomento estruturante, com ênfase na difusão das inovaçõestécnicas, organizacionais e financeiras e na capacitaçãotecnológica das empresas. A indução de desempenhos virtuosos(prática de P&D, treinamento, qualificação dos trabalhadores)exige novos mecanismos de estímulos, diferenciados e seletivos. Éessencial que o Estado seja capaz de articular e promover ascondições sistêmicas da competitividade através de novaspolíticas em vários campos (social, regulatório, tecnológico,fiscal-financeiro, etc.). Para tal, os instrumentos, as agênciaspúblicas e os mecanismos regulatórios necessitam serredesenhados. As políticas de natureza sistêmicas (horizontais)devem preceder e articular coerentemente as políticas de cortesetorial, dentro de uma hierarquia de prioridades.

No plano doméstico, é fundamental assegurar coordenação econsistência entre as diversas políticas de construção dacompetitividade. No plano externo, além do reforço à capacidaderegulatória, é urgente assegurar a sua operacionalização de modoproficiente (por exemplo, em matéria de antidumping esalvaguardas), considerando: a) o fato de que a reciprocidade sefirma com princípio nas relações internacionais; b) a emergênciada Organização Mundial do Comércio, para a qual é preciso estarpreparado e capacitado; c) o desafio de levar adiante aharmonização de políticas no Mercosul, assegurando minimamente osinteresses do país; d) a necessidade de parcerias público-privadas para atrair investimentos diretos e induzir

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comportamentos inovadores (por exemplo, networks industriais etecnológicos).

O peso dos fatores sistêmicos e da atuação do Estado nãoelude, porém, a importância da missão do setor privado. Atransformação de ameaças em oportunidades no atual cenáriointernacional e o aproveitamento de "janelas" de oportunidade ede "nichos" de competitividade dependem, em grande parte, dacapacitação empresarial para criar sinergias, mobilizar recursos,negociar contratos e acessar mercados. As novas formas deinvestimento direto, de negociação comercial, de aquisição detecnologia e de financiamento internacional requerem um papelativo das empresas. Estas precisam capacitar-se com urgência parafazer frente a esses desafios.

RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA

Serão propostas, a seguir, recomendações de medidas depolítica econômica destinadas a reforçar a capacidade do país delidar com os condicionantes internacionais na segunda metade dosanos 90. Referem-se a quatro temas básicos, quais sejam: a)diplomacia econômica; b) política de comércio exterior (câmbio,exportação e importação); c) gestão dos fluxos de investimento efinanciamento externo; d) políticas domésticas com impactos sobrea estratégia internacional, especialmente a regulação daconcorrência interna.

Diplomacia Econômica

O multilateralismo deve ser reforçado como prioridade dadiplomacia econômica brasileira. Para o Brasil, é desejável que otratamento das tensões e dos conflitos econômicos internacionaisse processe nos foros em que a geração de regras e de disciplinasquanto ao uso de instrumentos de política industrial etecnológica tenda a seguir um padrão menos restritivo do queaquele que emerge de negociações bilaterais. A opção por estaestratégia pode ser fundamentada, ainda, na vocação de globaltrader e de global host que o país possui.

Esta opção básica deve apoiar-se numa "linha auxiliar"calcada na ativação da política externa brasileira para ocontinente americano. Uma política externa ativa para a regiãodeveria pautar-se, hierarquicamente, em:

- uma política para consolidação do Mercosul baseada nafixação de um mecanismo de regulação das flutuações cambiais(faixa de variação máxima de 15%); na negociação de uma estruturatarifária comum que não signifique uma mudança brusca da atualestrutura brasileira e que busque ao longo do tempo o equilíbriodas condições de competitividade no espaço integrado; aconvergência das políticas industriais entre os parceiros visandoo desenvolvimento de novas vantagens comparativas em bens eserviços de maior valor agregado;

- uma política para os demais países da ALADI, que busquepotencializar as exportações brasileiras para a América Latinaatravés de acordos de cooperação econômica; e

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- uma política frente às iniciativas norte-americanas nocontinente, que procure, junto com parceiros do Mercosul, abrirconversações com os EUA para explorar as condições, aspossibilidades e os custos de uma futura negociação, evitando,como isso, o imobilismo e uma postura de automarginalização.

Essas diretrizes mencionadas, que têm no Multilateralismoseu eixo de atuação principal e em uma política ativa para aAmérica Latina sua principal linha auxiliar, deveriam, ainda, sercomplementadas por políticas específicas para a CEE e para ospaíses asiáticos, em que pesem as dificuldades previsíveis emacessar comercialmente tais mercados. No campo dos investimentosde risco e da cooperação tecnológica, porém, é possível entreveroportunidades interessantes de parceria que devem ser exploradasde forma ativa por parte das empresas, com apoio da diplomaciabrasileira.

Política de Comércio Exterior

A política de comércio exterior mais compatível com oscondicionantes internacionais apresentados anteriormente deveestar pautada numa firme promoção de exportação, com condiçõessistêmicas alinhadas favoravelmente; com a rápidaoperacionalização dos "mecanismos modernos de proteção" contrapráticas desleais de comércio e, ainda, por medidas destinadas asuprir falhas de mercado.

As medidas sistêmicas de sinalização e de supressão dasdistorções internas são: i) desoneração tributária dos produtosexportados, de modo a promover a competitividade-preço dasmercadorias nacionais, e ii) a manutenção de uma taxa de câmbioreal estável, garantindo que esse fator não provoque elevação dospreços dos produtos locais no mercado externo e conceda, aoagente privado, um horizonte mínimo de planejamento das suasatividades. A taxa de câmbio, como visto, não deve constituir-senuma âncora rígida do programa de estabilização sob pena deinviabilizar todo e qualquer esforço pró-competitividade. Atransição da estabilização para a retomada sustentável docrescimento exigirá a correção das defasagens cambiaisexistentes, para estimular a sustentação das exportações à medidaque se aquece a atividade econômica, com expansão do mercadointerno.

As medidas destinadas a suprir falhas de mercado e acompensar a atuação de governos estrangeiros sobre suasexportações constituem a política de promoção de exportaçõesestrito senso. São elas: i) aperfeiçoamento e efetivação de umsistema de financiamento de exportações, incluindo a provisão deseguros e garantias, compensando falhas dos mercados financeirose de seguros internacionais, mundialmente reconhecidas, bem comoa atuação de governos estrangeiros nessa área; ii)reestruturação e valorização do aparato institucional público degestão do comércio exterior brasileiro; iii) desenvolvimento deum sistema de difusão de informações e de marketing dos produtosnacionais. Quanto a esse último ponto, sugere-se a progressivatransferência das atribuições do setor público para o privado,

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através da constituição do Centro Brasileiro de ComércioExterior, financiado por receita de 0,5% do valor FOB dasimportações.

Quanto ao monitoramento das importações, mantida a aberturacomercial, é indispensável para evitar crescimento exagerado (quecomprometa a manutenção de um superávit comercial mínimo) e paraprecaver-se de práticas desleais de comércio. A políticatarifária deve ser encarada de forma flexível para lidar comsituações específicas visando manter o estímulo àindustrialização no país, particularmente enquanto perduraremcondições sistêmicas desfavoráveis (impostos elevados edistorções tributárias, altas taxas de juros, custos detransporte, etc.).

No que toca aos instrumentos não-tarifários de proteção(códigos antidumping, anti-subsídios e de medidas compensatóriasdo GATT), recomenda-se desenvolver rapidamente a capacitaçãotécnico-financeira do Departamento Técnico de Tarifas (DTT),responsável pela implementação dessas medidas, assim como iniciarurgentementea discussão acerca de um Código Brasileiro deSalvaguardas.

O objetivo central da política de comércio exterior deve sero de ampliar o peso relativo das transações internacionais,dentro de limites compatíveis com a dimensão continental e com otamanho do mercado interno. A título de ilustração, asexportações que hoje representam 8,5% do PIB podem crescer paracerca de 11% (o que significa manter uma taxa média de expansãode 10% ao ano nos próximos cinco anos, com o PIB crescendo namédia 5% ao ano). As importações, por sua vez, podem ascender dosatuais 5,6% do PIB (fim de 1993) para cerca de 8%, comcrescimento anual médio de 13% ao ano nos próximos cinco anos. Emoutras palavras, não é recomendável manter o ritmo atual decrescimento acelerado das importações (25% ao ano em 1993, sendode 35% ao ano para as importações exclusive petróleo), o quecoloca em relevo a necessidade de uma gestão realista da políticacambial no futuro.

Gestão dos Fluxos de Financiamento e Investimento Estrangeiros

Em seção anterior, advertiu-se para o risco de entradamaciça de capitais especulativos de curto prazo, propondo-se aadoção de uma política de controle e supervisão da entrada decapitais. Esta política, de competência do Banco do Central, devevisar o equilíbrio a longo prazo do balanço de pagamentos,assegurando condições de correspondência entre ativos eobrigações cambiais. Devem ser incentivados os financiamentos aocomércio exterior, à capitalização de empresas públicas e àconcretização de novos investimentos. Por outro lado, deve sermonitorada e regulada a entrada de capitais financeiros de curtamaturação em termos de volume, fluxo e condições para evitarinstabilidades e expansões monetárias indesejadas. A política dereservas cambiais deve considerar essas "exigibilidades" de curtoprazo mantendo contrapartidas suficientes. A política cambial -que deve assegurar a estabilidade do patamar real da taxa decâmbio, tendo em conta o regime cambial global (isto é, as

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posições relativas do dólar, marco e iene) - não deve ser afetadaou condicionada pelo movimento de capitais nem servir paraincentivar "ganhos" de capital provenientes de swaps cambiais.

No que toca à atração e indução dos investimentos diretosestrangeiros, deve-se considerar as seguintes proposições,detalhadas na Parte IV deste relatório:

- a criação de externalidades favoráveis ao investimentodireto estrangeiros através do desenvolvimento de parcerias,associações e projetos conjuntos com empresas brasileiras. Comoressaltado anteriormente, o investimento direto vem demonstrandopreferência por formas associativas que lhe permitam compartilharriscos, conhecimento do mercado local, rede de assistência, etc.Portanto, a presença de parceiros aptos, qualificados, comcapacitação técnica e gerencial constitui fator de atração decapitais. Neste sentido, a política de competitividade, aodesenvolver a capacitação das empresas do país, estará criandocondições para o florescimento de parcerias com investidoresexternos;

- a regulamentação e implementação dos direitos depropriedade intelectual, de forma equânime e estável, tende a serfator positivo para a atração de capitais e parcerias em áreas dealto conteúdo tecnológico;

- a revisão de restrições setoriais remanescentes(mineração, telecomunicações e petróleo), assegurada a regulaçãocompetente e eficaz do interesse público, à luz das alternativasde joint ventures e parcerias;

- acesso das empresas de capital estrangeiros a benefícios eincentivos da política de competitividade, com a contrapartida dedesempenho inovativo (formação de networks, prática de P&D,cooperação tecnológica, etc.).

Políticas de Regulação da Concorrência

A política de regulação da concorrência afeta o desempenhocompetitivo em duas vertentes:

- ao coibir desvios de conduta segundo critérios de bem-estar social e abusos econômicos a partir do domínio de condiçõesprivilegiadas de mercado e/ou de superioridade tecnológica;

- ao promover a competição, ampliando a contestabilidade dasposições de mercado, induzindo comportamentos competitivos queaceleram a capacitação e a inovação. O desenvolvimento deempresas eficientes, capazes de exportar e competirinternacionalmente esta correlacionado à existência de rivalidadeno mercado interno. Neste sentido, devem estar coordenadas aspolíticas de concorrência e de comércio exterior.

O Brasil está adequadamente equipado, em termos delegislação, para lidar com tais questões. O problema maior resideno déficit de institucionalização da política de concorrência ena dificuldade de sua implementação.

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2. OS FUNDAMENTOS SOCIAIS DA COMPETITIVIDADE

INTRODUÇÃO

A competitividade tornou-se um imperativo do cenáriocontemporâneo, no bojo do processo de rápida mudança tecnológicae de globalização financeira. A compreensão - e o adequadoenfrentamento - dos desafios trazidos por este conjunto detransformações deve começar pelo reconhecimento de suacomplexidade e pelo reconhecimento de seus fundamentos sociais.

A construção da competitividade, coetânea à 3ª RevoluçãoIndustrial, não pode prescindir de fundamentos sociais, comoeducação básica universalizada, elevada qualificação da força detrabalho, novas formas de organização do processo de produção,relações de trabalho cooperativas e mercados que exigemqualidade. Em suma, fundamentos que significam um mínimo deeqüidade na sociedade. De outro lado, é essencial reconhecer queos processos espontâneos de busca da competitividade, através dojogo das forças de mercado, tendem a provocar efeitos adversos emmatéria de emprego e salários (e portanto de eqüidade social).

As transformações econômicas recentes têm produzidodesemprego crescente nas principais economias industrializadas.Nem mesmo o período de continuado crescimento dos anos 80 foicapaz de reduzir o número de desempregados naqueles países, quehoje supera os 30 milhões. A persistência destes efeitos adversosem grandes proporções e por longos períodos - inclusive decrescimento econômico - é reveladora da impossibilidade desuperá-los simplesmente pelo automatismo das decisões privadas.As recentes propostas de grandes empresas de evitar numerosasdemissões por meio de redução da jornada semanal de trabalhorepresenta também o reconhecimento do problema. A solução, noentanto, está a aguardar a discussão e implementação demecanismos mais abrangentes, como a redução de todas as jornadasde trabalho ou o retardamento do ingresso no mercado, que podemambos estar associados - promoção da formação profissional eprolongamento da vida escolar.

Ao lado do desemprego crescente e da capacidade da indústriade crescer de forma muito elástica em relação aos empregosindustriais, as características dos empregos criados pelaexpansão da atividade econômica desde os anos 80 e alguns dosnovos parâmetros das relações de trabalho têm representadosalários médios declinantes para o conjunto dos assalariados:entre 1973 e 1990 o salário médio semanal nos EUA reduziu-se deUS$ 318 para US$ 258, em valores constantes de 1982 (Mead, 1990,citado em Lopes et alii, 1993). Ao mesmo tempo, tem havido umcrescente distanciamento entre os segmentos do topo da pirâmidesocial e os menos favorecidos. Estas tendências diferenciamradicalmente os anos 80 dos períodos anteriores de expansão, emque se verificava um crescimento intenso dos empregos e dossalários - em termos reais, ou seja, acima da inflação, e acimado crescimento da produtividade - e em que as distâncias sociaiseram progressivamente encurtadas. O enfrentamento destes efeitos

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sociais adversos tem sido tímido e de resultados nulos oulimitados nos países desenvolvidos.

Portanto, uma vez que a competitividade depende crucialmentede fundamentos sociais, mas a sua busca pode produzir efeitossocialmente adversos, é necessário buscar formas de harmonizaradequadamente as dimensões econômicas e sociais dos alicerces dacompetitividade, por duas razões: para evitar os efeitos sociaisadversos da busca da competitividade e para que aqueles alicercesnão sejam frágeis e efêmeros.

No caso brasileiro, somam-se aos novos elementos que estãopresentes no sistema econômico internacional - desempregoestrutural, salários decrescentes e crescente desigualdade - osda herança histórica das fases anteriores do desenvolvimentobrasileiro. O intenso e duradouro crescimento que antecedeu acrise dos 80 foi incapaz de eliminar o desemprego estrutural epromover a incorporação da população a formas contemporâneas deexistência econômica. Também não foi capaz de promover a elevaçãodos salários. Portanto, as desigualdades sociais - muito elevadase de origem remota - acentuaram-se fortemente.

O desafio da busca da competitividade é, portanto, imenso nocaso brasileiro. Este desafio desdobra-se em duas dimensõesbásicas. A incompatibilidade do quadro social existente com oalcance da competitividade exige a superação da herança históricae o resgate de imensas frações da população. Ao mesmo tempo, énecessário reconhecer as dificuldades que decorrem da busca dacompetitividade como objetivo prioritário. Estas dificuldadesexigem o reconhecimento preliminar dos novos problemas sociaisque podem emergir e o seu enfrentamento de modo conjunto com abusca do desenvolvimento com competitividade.

A competitividade encontra-se cada vez mais fundada emcondições sistêmicas de natureza social, que abrangem quatrodimensões essenciais:

a) o reconhecimento e a legitimação política e social dosobjetivos de competitividade, o que requer um compromisso mínimoentre competitividade e eqüidade;

b) a qualidade dos recursos humanos envolvidos nos processosprodutivos e na gestão das empresas, em matéria de suaqualificação, escolaridade, capacitação e grau de iniciativa;

c) a maturidade, respeito e mútuo reconhecimento entrecapital e trabalho em matéria de negociações trabalhistas, queresultam em sistemas de remuneração que distribuemeqüitativamente os ganhos de produtividade;

d) o envolvimento amplo e consciente dos consumidores quantoàs exigências de qualidade e de conformidade dos produtos àsnormas de saúde, meio ambiente e segurança e à padronizaçãotécnica envolvida.

Estes aspectos são tratados detalhadamente nas seçõesseguintes, mas é necessário reconhecer que eles têm uma dimensãounificadora, traduzida em sinergia, em influências positivas decada um sobre os demais. O sistema produtivo voltado para odesenvolvimento com competitividade é o mesmo que ocupa

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trabalhadores qualificados e portanto se preocupa com a educaçãoe o sistema educacional. O trabalhador qualificado, ocupado emfunções densas e exigentes e cuja atividade é retribuídaadequadamente preocupa-se com o seu aprimoramento pessoal e com aeducação familiar, assim como tem possibilidades de ascender apadrões de consumo superiores em termos dos tipos de produtos edos seus respectivos atributos, tornando-se um consumidor queseleciona os produtos e serviços e exige qualidade. O sistemaeconômico voltado para o desenvolvimento com competitividadetende, portanto, a irradiar os parâmetros da qualidade,garantindo normas institucionalizadas e exigindo o cumprimento deparâmetros que vão muito além e são mais importantes do quesimples normas legais.

COMPETITIVIDADE E QUALIDADE DOS MERCADOS INTERNOS NOS PAÍSESDESENVOLVIDOS

A idéia de que mercados internos amplos, sofisticados eexigentes estimulam a criação de novos produtos e promovem adiferenciação de atributos e qualidades dos bens e serviços não énova. Linder (1961) explicitou claramente esta hipótese,posteriormente desdobrada por Vernon (1966) para a teoria dociclo de produto. As "décadas de ouro" do pós-guerra alargaram ouniverso dos mercados de alta renda nos países desenvolvidos. Adifusão acelerada do "padrão americano" de produção e consumo,com transnacionalização das grandes empresas, políticaskeynesianas de sustentação do crescimento e a ampliação dosmecanismos de seguridade social (Welfare State), conduziu a umaconvergência da renda per capita nos países ricos (Tabela 1). Apresença de um mercado sofisticado e exigente, indutor dolançamento de novos produtos e da diferenciação dos já existentesdeixou de ser um privilégio americano. Vernon (1979) reconheceueste fato e adaptou a sua teoria para explicar a liderançajaponesa e européia na criação de novos produtos a partir dosanos 70.

TABELA 1PAÍSES INDUSTRIALIZADOS SELECIONADOS - RENDA PER CAPITA

1960, 1977 e 1990(US$ norte-americanos)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS 1960* 1977** 1990**

------------------------------------------------------------------------------------------------------------Japão 1607 5670 23801Alemanha 4699 8160 23742EUA 5693 8520 22062

Canadá 4637 8460 21638França 3622 7290 21013Itália 1885 3440 18987Inglaterra 2905 4420 17083------------------------------------------------------------------------------------------------------------ * Dólares de 1977.** Dólares correntes.

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Fonte: Banco Mundial e Keizai Koho Center.

O intenso desenvolvimento econômico e social alcançado pelasprincipais economias capitalistas no pós-guerra criou ascondições para: a) o crescimento sustentado do emprego e dossalários reais (acima inclusive do crescimento médio daprodutividade), encarecendo relativamente o preço médio dotrabalho mas, de outro lado, viabilizando o acesso crescente dasmassas trabalhadoras ao consumo de bens e serviços(democratização do consumo); b) a formação desses mercadosinternos amplos, que garantem grandes escalas de produção(atendidas as necessidades básicas das populações em matéria dehabitação, saneamento, saúde, alimentação), e com padrões dedistribuição de renda relativamente equilibrados propiciou arápida difusão dos bens de consumo típicos da 2ª RevoluçãoIndustrial (bens duráveis de consumo) com notável barateamento(redução dos seus preços relativos) e quase universalizaçãodestes bens e serviços entre as unidades familiares.

A difusão dos bens duráveis de consumo mais característicosdo padrão industrial prevalecente no pós-guerra deu-se primeironos produtos mais acessíveis (como bicicletas e rádios) e sódepois se estendeu aos mais caros (automóveis e televisores).Formou-se, portanto, uma base de consumo ampla e acessível agrandes parcelas da população, base que depois foiprogressivamente alargada, com a incorporação de novos ítens àcesta de consumo "típica". Em 1960, na Europa, apenas 1/3 dasresidências dispunha de refrigerador; 10 anos depois, mais de 3/4possuíam esse item, que em 1980 praticamente estava generalizado(93%). A lavadora teve uma trajetória semelhante. Todos osexemplos mostram uma ampla incorporação da população aos ítensmais característicos do padrão no nível de renda médiaprevalecente, para depois esta incorporação se estender, de formaacelerada, a outros ítens.

TABELA 2BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - DIFUSÃO DO AUTOMÓVEL

1957-58, 1980 e 1988(Habitantes/Veículo)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS 1957-58 19801988------------------------------------------------------------------------------------------------------------EUA 3,2 1,41,3Alemanha 27,8 2,51,9Japão 500,0 3,12,3

Canadá 5,3 1,81,6França 14,3 2,52,2

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Itália 55,6 3,02,3Inglaterra 13,9 2,82,3

Austrália 6,8 2,01,7Suécia 11,4 2,72,2Espanha 200,0 4,23,1

Argentina 55,6 6,65,7Brasil 142,9 12,111,4México 83,3 12,711,0------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: NIESR (1957-58) e ANFAVEA (1980 e 1988).

A universalização da educação básica, a difusão dascomunicações de massa e a própria intensificação dos esforços demarketing aprofundaram crescentemente a consciência e aseletividade da escolha dos consumidores, tornando os mercadosmais exigentes e sofisticados em matéria de qualidade, segurançae salubridade dos bens e serviços.

A convergência dos padrões de renda e consumo com crescenteintegração da economia mundial através dos investimentos diretosexternos e do comércio internacional provocou o acirramento e aampliação do alcance da concorrência no plano global. Aemergência de novos competidores globais e a aceleração damudança tecnológica nos anos 80 tornaram a concorrência maisampla e intensa, estimulando as empresas a desenvolverem novasvantagens competitivas para sustentarem suas estratégiasindividuais de expansão. Nesta busca de diferenciação devantagens competitivas intensificou-se a velocidade de lançamentode novos produtos e/ou o desenvolvimento de novos atributos dosprodutos existentes, visando responder com presteza àspreferências e sinalizações dos consumidores. Além dos produtosem si, as estratégias de resposta e de adequação às preferênciasdos consumidores levaram ao desenvolvimento de serviços de apoio,de assistência técnica e de complementação das necessidadesdestes. Neste sentido, não apenas acirrou-se a concorrência comomodificou-se quantitativamente o seu escopo. Além de preço,muitos novos atributos tornaram-se essenciais: qualidade,confiabilidade, serviços associados, relacionamento com osusuários/consumidores, pontualidade de entrega, etc.

A qualidade crescente dos produtos e os seus ciclos deconcepção, desenvolvimento e vida comercial cada vez mais curtostornaram-se vitais para as empresas nas suas estratégias deconcorrência, fazendo-as depender de forma crescente - e agoracrucial - de recursos de qualidade na etapa produtiva e em todasas demais etapas concatenadas diretamente (matérias-primas,componentes, máquinas e equipamentos, instalações) e

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indiretamente, o que inclui a infra-estrutura física da economia,os recursos humanos de que a sociedade dispõe e o ambiente socialem seu conjunto. Entre os novos aspectos que se valorizam, está aprópria qualidade - quer dizer, os atributos específicos dosprodutos e serviços - e também a capacidade de desenvolver ealcançar novos atributos em prazos menores e com custosdecrescentes.

CRISE E DEGRADAÇÃO DA BASE DO MERCADO BRASILEIRO

É imenso o abismo que separa a sociedade brasileira dassociedades desenvolvidas em matéria de eqüidade e de incorporaçãodas massas aos padrões contemporâneos de consumo. A formação deuma verdadeira sociedade de consumo de massas ficou truncada aolongo do desenvolvimento brasileiro - a herança histórica de umasociedade que experimentou três séculos e meio de escravismo comelevadíssima concentração da riqueza deixou a sua marca. Mas,além disso, o desenvolvimento capitalista ao longo do século XXmanteve sempre a característica básica de uma modernizaçãoconservadora e restrita:

a) o rápido desdobramento da industrialização no pós-guerranão se traduziu em salários reais crescentes senão para umconjunto restrito de trabalhadores. A forte migração rural-urbanae inter-regional atuou como um freio permanente à subida dossalários-de-base e do próprio salário mínimo;

b) a ausência de reformas institucionais distributivas(reforma agrária, reforma urbana), a política salarialconservadora (especialmente nos vinte anos de regime autoritário)e a inépcia e dissipação dos recursos das políticas públicas nãoauxiliaram a reversão dos fatores estruturais de desigualdade;

c) não se formou, portanto, uma sociedade minimamenteigualitária, onde a ampla democratização das oportunidadespermitisse a ascensão social firme e progressiva da população debaixa renda. Durante as etapas de crescimento acelerado nos anos50, 60 e 70, a ascensão social pela criação de novos empregosfuncionou de forma positiva mas parcial e limitada, tendoestagnado nos anos 80 com a crise econômica. O grave fracassoqualitativo do sistema educacional frustrou o avanço em direção àuniversalização do ensino básico;

d) a rápida urbanização e a metropolização caóticaacumularam imensas carências básicas em termos de habitação,saneamento, transportes e saúde. Nos anos 80, a pauperização dasmassas populacionais marginalizadas ampliou-se: o desempregocombinado com inflação galopante expropriou os rendimentosmonetários das camadas de baixa renda, agravando a concentraçãojá elevadíssima da distribuição de renda nacional. O Brasil é,hoje, uma sociedade segregada: possui uma restrita elite de altase médias rendas (10 milhões), uma classe média relativamentepequena (15 milhões de habitantes), uma classe trabalhadorapauperizada (80 milhões, incluindo-se as suas famílias) e umestamento marginalizado de miseráveis (40 milhões de indivíduos).

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Os resultados destes fatores em termos distributivos podemser verificados nas Tabelas 3, 4 e 5.

TABELA 3BRASIL - NÚMERO DE FAMÍLIAS E PARTICIPAÇÃO NA RENDA

POR ESTRATO SÓCIO-ECONÔMICO1989

------------------------------------------------------------------------------------------------------------FAIXAS DE F A M Í L I A SRENDASALÁRIO MÍNIMO Número %%------------------------------------------------------------------------------------------------------------Até 2 s.m. 9879464 28,84,5De 2 a 5 s.m. 10643814 31,015,6De 5 a 10 s.m. 6476817 18,820,3De 10 a 20 s.m. 3912694 11,424,5Mais de 20 s.m. 2809927 8,235,2------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: PNAD, 1989.

A degradação do mercado interno brasileiro nos anos 80 e noprimeiro triênio dos anos 90 sinalizou numa direçãodiametralmente oposta ao que ocorria nas sociedadesdesenvolvidas: ao invés de seletividade e de exigência crescentede qualidade por parte dos consumidores, o mercado internopauperizado absorveu tolerantemente bens e serviços de "baixo"preço e reconhecidamente de baixa qualidade, sacrificando osdemais atributos. As estatísticas de empobrecimento da base dapopulação brasileira são inequívocas: caiu o consumo per capitade tecidos, de calçados, etc. Este empobrecimento do mercado estápatente no consumo de produtos básicos: o consumo per capita detecidos é de apenas 1/3 do nível dos países industrializados; oconsumo de sapatos reduziu-se de uma média de 3,5 pares por anoem 1985 para 2,4 pares em 1990, com a agravante de que aproporção de tipos inferiores (plástico) aumentou de forma muitosignificativa. A mesma tendência pode ser constatada em diversosoutros tipos de produtos, incluindo os básicos (como alimentos) eos eletrodomésticos.

Existem evidências de que produtos de qualidade inferior edurabilidade limitada foram "desenvolvidos" e introduzidos paraatender a segmentos de demanda da população empobrecida. Há mesmosegmentos da indústria que sobrevivem com produtos barateados aqualquer custo, inclusive com recurso crescente a práticas demercado predatórias e sonegação fiscal.

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Estudos setoriais do Estudo da Competitividade da IndústriaBrasileira (ECIB) constataram diversos exemplos de que apauperização da base do mercado interno viabilizou oflorescimento de produtos industriais deliberadamente degradados(por exemplo, autopeças do mercado "paralelo", materiais deconstrução abaixo das especificações mínimas de qualidade, bensduráveis - eletrodomésticos - simplificados com materiais debaixa durabilidade, etc.).

Além do empobrecimento da base do mercado interno, odesempenho deficiente do sistema educacional não contribuiu parao aumento do nível e da qualidade da escolaridade da população,dificultando a capacidade de informação e de escolha seletiva porparte dos consumidores de baixa renda.

É essencial compreender que o desenvolvimento competitivo daindústria brasileira só pode ocorrer se for acompanhado pelaincorporação da base da sociedade ao sistema moderno de consumo.O crescimento dos salários reais e a melhoria da distribuição derenda se, de um lado, implicarão o encarecimento relativo dofator trabalho, de outro permitirão o alargamento do mercadointerno, viabilizando a difusão ampliada de muitos bens eserviços hoje restritos às classes de alta renda. A elevação darenda média de base do mercado trará consigo importantes efeitospositivos. Permitirá o aumento das escalas de produção de váriosprodutos e a produção eficiente de muitos bens e serviços"populares" (por exemplo, eletrodomésticos, áudio, televisão,automóveis, vestuário, etc.) com qualidade crescente; posto que amelhoria das condições do mercado de base tende a exigirqualidade dos produtos e a superar a situação atual em que opreço é o único critério de escolha, freqüentemente em detrimentoda qualidade e da confiabilidade.

Mas, além desses efeitos positivos, o alargamento do mercadointerno e a redução da desigualdade social viabilizam outrofator-chave para o desenvolvimento competitivo: a coesão social ea legitimidade em torno aos seus objetivos.

A COESÃO SOCIAL COMO FUNDAMENTO DA COMPETITIVIDADE

A eleição da competitividade como objetivo social amplamenteaceito envolve o reconhecimento igualmente amplo de que oprocesso não termina no aumento da eficiência e da participaçãodas empresas nos mercados interno e externos, mas se apóia tambémna ampliação da participação de toda sociedade nos frutos dessesaumentos.

O aumento da participação da sociedade nos resultados dodesenvolvimento com competitividade pode ocorrer diretamente, pormeio de emprego, salários e qualidade das relações sociais e detrabalho, ou indiretamente, na forma de novos produtos eserviços, privados e públicos, do aprimoramento da qualidade dosprodutos e serviços já existentes, bem como do bem-estar socialde uma forma geral, o que não necessariamente se explicita nasestatísticas tangíveis.

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Só por meio desta vinculação entre desenvolvimento comcompetitividade e benefícios sociais é possível pleitear e contarcom a adesão da sociedade ao processo de busca e construção dodesenvolvimento com competitividade, numa fase de desenvolvimentoeconômico e social em que os processos produtivos e econômicos deuma forma geral têm, para ter sucesso, que ir muito além da meraparticipação compulsória que decorre da existência de relaçõesformais de trabalho.

O engajamento dos trabalhadores é fundamental para acapacidade de colaborar, de participar da produção de formacriativa, compreendendo e aceitando como válidos os processosprodutivos, seus objetivos, fundamentos e resultados. Para queeste engajamento se efetive é preciso, porém, que a busca dacompetitividade seja harmonizada e vinculada a outros objetivossociais, como a redução da exclusão social e a ampliação daparticipação, a eqüidade crescente, o aumento dos benefíciossociais imediatos e a percepção de benefícios futuros. Nesteaspecto, dificilmente o quadro brasileiro poderia ser maisdesfavorável. Como é sobejamente conhecido, a distribuição derenda no Brasil é uma das piores do mundo (Tabela 4).

É importante sublinhar a distância entre os rendimentos dapopulação da base do mercado de trabalho e as possibilidades emtermos de renda média. Isso pode ser observado pela comparação dosalário mínimo do Brasil e de outros países com as respectivasrendas médias (Tabela 5).

TABELA 4BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - DISTRIBUIÇÃO DE RENDARendimento Médio dos 10% mais Ricos Relativamente

aos 20% mais Pobres------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS ANO 10+/20- ANO10+/20-------------------------------------------------------------------------------------------------------------Japão 1969 6,9 19795,1Alemanha 1973 9,3 19846,9EUA 1972 11,8 198510,6

Canadá 1969 10,0 19878,5França 1970 14,1 19798,1Itália 1969 12,1 19798,0Inglaterra 1973 7,5 19867,4

Suécia 1972 6,5 19815,2Espanha 1974 8,9 1980-817,1Coréia do Sul 1976 9,6

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Brasil 1972 50,6 198338,5------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Banco Mundial.

TABELA 5BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - RENDA PER CAPITA, SALÁRIO

MÍNIMO MENSAL E ANUAL E PROPORÇÃO ENTRE O SALÁRIOMÍNIMO ANUAL E A RENDA PER CAPITA

1990------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS RENDA PC S.M. MENSAL S.M. ANUALSMA/RPC (US$) (US$) (US$)(%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------Brasil 3000 60 72024,0Uruguai 2620 80 96036,6EUA 22062 680 816037,0Argentina 2160 98 117654,4México 2010 100 120059,7Espanha 9330 600 720077,2------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: IBGE e DIEESE (com informações do Banco Mundial e dos Serviços Diplomáticos).

Mas, além do engajamento dos trabalhadores, é imprescindívelque os empresários e as instituições públicas participemativamente da construção da competitividade. O desenvolvimentocompetitivo não se coloca como opção, mas como exigênciaincontornável. O reconhecimento desta realidade e sua traduçãonum objetivo social comum - embora não anule diferenças econflitos sociais - só pode realmente orientar as ações dosatores econômicos na medida em que cada um dos respectivos papéisseja reconhecido, aceito e respeitado pelos demais atores.

Isto envolve, como ponto de partida, a aceitação da empresacomo um espaço da maior relevância, não apenas para os indivíduosdiretamente envolvidos, mas para o sistema econômico e para asociedade. A empresa deve tornar-se cada vez mais um espaço noqual os empresários e os trabalhadores, reconhecidas erespeitadas as suas diferenças, superam a dimensão confronto ereelaboram ou reforçam a cooperação, que fornece a base para aqualidade, a produtividade, a eficiência, enfim, para a criaçãode novas riquezas, que efetivamente revertam também em favor dostrabalhadores e da sociedade.

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Este processo envolve a canalização das energias dasempresas, instituições privadas e públicas para a cooperação noprocesso de fixação de metas que possam ser cumpridas, justamentepor serem uma construção que contemplou os anseios e aspossibilidades de cada um dos setores sociais e segmentosenvolvidos. Evidentemente, isto não pode ser obra do acaso, nemalcançado por mero acidente. É, pelo contrário, uma construçãosocial, uma engenharia complexa, que requer coordenação eficaz.Esta coordenação eficaz só pode ser obtida pela ação pública,quer dizer, do conjunto dos atores no espaço público,contemplando os interesses diretamente envolvidos em cada questãoespecífica e os da sociedade em seu conjunto. Da mesma forma,deve ser afastada ou atenuada a preponderância do imediatismo, emfavor de uma conciliação das soluções que equacionam as urgênciase produzem resultados duradouros e sustentáveis.

A experiência das Câmaras Setoriais deve ser aproveitada eaprimorada à luz dos resultados já apresentados e também daspotencialidades que elas podem oferecer nesta perspectiva. AsCâmaras Setoriais são um espaço de explicitação dos interesses edemandas sociais, que poderiam resvalar nos interessescorporativos menores, mas que devem ser harmonizadas com aracionalidade de longo prazo e funcionar com critérios detransparência. Neste caso, superados aqueles problemas, asCâmaras poderiam ser ampliadas numa institucionalidade superior,de compatibilização das diversas demandas específicas e decoordenação das ações.

Estas tarefas impõem a necessidade da redefinição das açõesdos atores e das instituições, como também da sua qualificaçãopara este processo. A empresa só pode ser eficiente e legitimar-se perante a sociedade como uma peça fundamental na medida em queseus dirigentes e trabalhadores estejam preparados para a novaagenda.

Há três exigências fundamentais para a construção de novosambientes competitivos a partir das empresas e locais detrabalho, permeáveis à eleição desse objetivo como legítimo: (i)trabalhadores educados e qualificados, (ii) empresas comobjetivos e métodos reconhecidos como socialmente válidos e (iii)relações de trabalho densas e dinâmicas. Nenhuma destasexigências, isoladamente, é suficiente; só as três podem,conjuntamente, produzir resultados efetivos.

Os processos de trabalho só podem ganhar a densidade e asnovas dimensões ligadas à qualidade e ao dinamismo comtrabalhadores qualificados e desejosos de participar. Mas de nadaadianta dispor de trabalhadores qualificados se nas empresas,além das assimetrias intrínsecas ao sistema social, ostrabalhadores enfrentam ainda o autoritarismo das gerências e aausência de reconhecimento por parte dos dirigentes superioresdas empresas.

Da mesma forma, as empresas só podem aproveitar todos osbenefícios da participação e cooperação dos trabalhadores nosprocessos de trabalho quando estes são capazes de reconhecer na

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empresa e no trabalho a existência de uma dimensão na qual essacooperação pode resultar simultaneamente em maiores benefíciosindividuais e coletivos, sem contudo representar perda deidentidade enquanto ator social. São estes os contornos na novaagenda sócio-política: a busca de um processo de contínuoaprimoramento das qualidades da produção, do trabalho e daeducação, que exige o reconhecimento dos atores de que os seusrespectivos lugares e papéis são diferentes, mas que apesar dissoexiste uma dimensão em que os interesses podem ser convergentes.

A produção, quando se destina à satisfação das aspiraçõesmateriais e culturais da sociedade, interessa a todos. Só podeocorrer de forma eficaz e competitiva quando incorpora o trabalhocomo realização das potencialidades dos trabalhadores enquantoseres humanos que desejam desenvolver-se e progredir. Isto requerformas ativas de participação no processo e nos seus resultados.Além disso, exige cada vez mais trabalhadores capazes e cidadãoscom discernimento, incorporados de forma permanente aos processoseconômicos e à vida social. Isto representa muito mais do quequalificação - é educação, para o trabalho e para odesenvolvimento humano.

EDUCAÇÃO

A crise educacional brasileira aparece hoje com umagravidade que a aproxima de um verdadeiro desastre. Há, noBrasil, mais de 30 milhões de analfabetos, mas o quadro dodesastre educacional vai além: mais de 2/5 das pessoas com idadeigual ou superior a 10 anos não alcançou o quarto ano deescolarização e 3/5 não passaram do quarto. Entre a população comidade entre 10 e 17 anos, 3/5 estudam, 13% trabalham e estudam, enada menos de 16% já abandonaram os estudos e apenas trabalham. Ocontraste com o cenário internacional é gritante e muitopreocupante. Há pelo menos 25 anos que a tarefa dauniversalização da educação básica e secundária foi alcançada namaior parte dos países avançados. Os dados mostram que apopulação adulta desses países tinha, já em 1970, cumpridoaproximadamente 10 anos de vida escolar (Tabela 6), permitindoque as preocupações principais se deslocassem para oaprimoramento da qualidade e a formação de cientistas.

Em quase todos os países industrializados, a escolarizaçãojá foi universalizada e a população adulta ultrapassou há muitotempo o período médio de dez anos de desempenho efetivo.

A comparação da situação educacional brasileira com a deoutros países, assim como a sua análise individualizada, permitemidentificar claramente problemas de duas ordens. Em primeirolugar, os países industrializados, assim como os países deindustrialização recente mais bem-sucedidos no cenáriointernacional, conseguiram democratizar o acesso à educação,partindo da base: erradicaram o analfabetismo e garantiram oacesso generalizado à escola básica, depois à secundária e,finalmente, avançaram fortemente sobre a formação superior e aciência e a tecnologia. O exemplo mais eloqüente deste movimentoé o da Coréia (Tabela 7), que partiu de uma situação muitodesfavorável e em poucos anos generalizou o acesso à educação

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elementar, básica e média, e presentemente já não coletaestatísticas sobre alfabetização, problema superado.

TABELA 6PAÍSES SELECIONADOS - ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO

ENTRE 25 E 64 ANOSNúmero de Anos por Nível de Ensino

1970------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS PRIMÁRIO SECUNDÁRIOSUPERIOR------------------------------------------------------------------------------------------------------------Alemanha 4,00 5,13 0,23EUA 5,80 4,75 1,05Japão 6,00 3,98 0,44

Canadá 5,83 4,15 0,56França 5,00 4,31 0,56Inglaterra 6,00 4,12 0,29Itália 4,40 2,27 0,24

Bélgica 6,00 3,68 0,62Dinamarca 5,00 4,25 0,45Finlândia 6,00 2,59 0,39Holanda 6,00 2,70 0,44Noruega 7,00 1,81 0,47Suécia 6,00 2,68 0,65------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Maddison (1982).

TABELA 7CORÉIA DO SUL - INDICADORES EDUCACIONAIS E DO SISTEMA

DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA1953, 1970 e 1987

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO 1953 1970 1987------------------------------------------------------------------------------------------------------------Alfabetização (%) 22 89 99Escolaridade Elementar (6-11 anos) (%) 60 103 100Escolaridade Básica (12-14 anos) (%) 21 53 99Escolaridade Média (15-17 anos) (%) 12 29 83Escolaridade Superior (%) 3 9 26Cientistas e Engenheiros (nº) 4157 65687 361330------------------------------------------------------------------------------------------------------------Laboratórios de P&D de Empresas 1 455Pesquisadores (nº) 5320 52783- Institutos de Pesquisas Públicos 2477 9184- Universidades 1918 17415- Indústria 925 26104

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------P&D/PNB 0,1 0,3 0,9------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Dosi & Freeman (1992).

Em relação a isto, a situação brasileira tem ainda problemasmuito graves, patentes, de forma gritante, em todos os níveiseducacionais: no analfabetismo, na qualidade da educação básica eno fato de que apenas uma pequena parte da população teve acessoao secundário.

Há, ainda, o problema da eficácia e da qualidade do ensino,traduzido no número declinante de matrículas por série escolar enas elevadas taxas de reprovação e de evasão. Os indicadores dedesempenho do ensino agravam muito este quadro.

TABELA 8BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS

a) Relação Matrículas/População (1985)------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO MATRÍCULAS POPULAÇÃO NA FAIXA ETÁRIA %------------------------------------------------------------------------------------------------------------Primário (7 a 14 anos) 20.187.990 24.251.162 83,2Secundário (15 a 19 anos) 1.998.225 13.869.631 14,4Superior 1.367.609 - -------------------------------------------------------------------------------------------------------------b) Matrículas por série (1973, 1983 e 1985)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ªTotal------------------------------------------------------------------------------------------------------------1973 33,5 17,3 13,4 11,0 9,1 6,8 5,2 3,7100,01983 28,3 16,8 13,5 11,0 11,0 8,0 6,4 5,0100,01985 27,2 18,2 13,6 11,0 11,1 7,9 6,2 4,8100,0------------------------------------------------------------------------------------------------------------c) Taxa de Reprovação (1973, 1983 e 1984)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ªTotal------------------------------------------------------------------------------------------------------------1973 27,2 19,5 12,5 11,4 18,2 16,3 13,0 8,819,0

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1983 34,2 24,3 19,9 16,3 31,0 27,2 21,2 14,226,01984 28,6 23,6 19,4 16,3 32,1 25,6 20,3 13,824,9------------------------------------------------------------------------------------------------------------d) Taxa de Evasão (1973, 1983 e 1984)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ªTotal------------------------------------------------------------------------------------------------------------1973 11,9 7,7 6,8 5,9 2,3 2,4 4,5 3,57,61983 8,4 10,9 11,2 10,7 18,1 14,0 17,1 15,611,91984 20,0 13,9 12,3 11,6 20,1 17,7 17,1 14,015,3------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: MEC/SEEC.

Dados recentes (apresentados pelo Prof. Sérgio CostaRibeiro) mostram que, embora o acesso ao primário sejapraticamente generalizado, o tempo médio de permanência nos 8anos regulares é de 8,7 anos - de 6,4 anos para os que abandonamsem concluir e de 11,8 anos para os que concluem. Entre os queconcluem, 34% dos ingressantes, apenas 2 a 3% o fazem semrepetência. Nada menos do que o equivalente a 21 anos de ensinosão necessários para cada aluno que completa o ensino primário.

A comparação do quadro educacional brasileiro com paísesmais próximos também é muito pouco animadora, como mostra aTabela 9, para os países do Mercosul, o Chile e o México.

TABELA 9PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO SELECIONADOS - ANALFABETISMO

E NÍVEL DE ENSINO1970-1990

------------------------------------------------------------------------------------------------------------a) Analfabetismo (%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAÍS 1970 1980 1990------------------------------------------------------------------------------------------------------------Brasil 33,8 25,5 18,9Argentina 7,4 6,1 4,7México 25,8 16,0 12,4Chile 11,0 8,9 6,6Uruguai 6,1 15,3 11,9Paraguai 19,9 12,3 9,9------------------------------------------------------------------------------------------------------------b) Primeiro Grau

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------IDADE 1970 1980 1988/1991------------------------------------------------------------------------------------------------------------7-14 78,7 98,9 108,06-12 113,6 111,4 111,66-12 105,5 120,9 115,36-13 104,8 112,7 99,46-11 112,1 107,0 107,57-12 104,9 103,7 109,5------------------------------------------------------------------------------------------------------------c) Segundo Grau------------------------------------------------------------------------------------------------------------IDADE 1970 1980 1988/1991------------------------------------------------------------------------------------------------------------15-17 15,7 33,6 39,013-17 44,6 56,0 68,812-17 22,0 48,6 49,514-17 37,9 61,5 74,012-17 60,9 58,9 83,913-18 15,3 29,6 30,7------------------------------------------------------------------------------------------------------------d) Terceiro Grau------------------------------------------------------------------------------------------------------------IDADE 1970 1980 1988/1991------------------------------------------------------------------------------------------------------------15-17 5,1 11,9 11,213-17 14,9 21,6 40,812-17 5,8 14,9 13,114-17 9,7 10,8 18,812-17 10,0 17,3 50,413-18 4,4 7,4 4,8------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: CEPAL-ONU, Anuário Estatístico de America Latina e Caribe, 1992.

A situação brasileira é, no entanto, mais grave do quedeixam antever as estatísticas sobre a cobertura educacional,pois o avanço quantitativo ocorreu sem concomitante aprimoramentodos conteúdos e do aprendizado, e freqüentemente representou umagrande degradação. Exatamente por este quadro, de verdadeirodesastre, é que as propostas para a superação da atual fasecrítica do sistema educacional brasileiro são profundas eabrangentes. Em nenhum caso, as propostas podem excluiriniciativas, só somá-las.

A superação da verdadeira calamidade educacional impõealguns desafios. O principal destes desafios é o do necessário

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reconhecimento de que a educação pública é fundamental; e vaimuito além de escola pública, no sentido de estatal e gratuita. Aeducação é pública quando ela cumpre simultaneamente algunsrequisitos: quando educar e ser educado tem reconhecimentosocial; quando o sistema educacional não discrimina socialmente eé capaz de ajudar na superação das diferenças e distânciassociais; quando o educar atende a objetivos econômicos e sociais,sendo capaz de formar trabalhadores e cidadãos, aptos tanto parao trabalho como para a vida, cada vez mais complexa, emsociedade.

A tarefa de reconstruir a escola pública passa peloenvolvimento amplo, das instituições propriamente escolares e dasociedade. Este envolvimento inclui a definição das novasnecessidades educacionais, de formação e qualificação, passa pelagestão das instituições escolares e alcança também oaproveitamento adequado dos recursos utilizados e dos resultadosobtidos.

Há um novo perfil de trabalhador que só pode ser alcançadocom um sistema educacional renovado. O novo trabalhador tem queter conhecimentos básicos sólidos, grande capacidade deaprendizado, de ser treinado e treinar-se para o exercício defunções constantemente renovadas e reformuladas, ter iniciativapara defrontar-se com o imprevisto, cada vez mais comum nassituações cotidianas, e ter polivalência e capacidade decomunicação. Por isso, o sistema educacional, ao lado das tarefastradicionais de melhorar a qualidade do ensino básico e ampliar acobertura do segundo grau, tem que ser capaz de renovar-se nosentido de privilegiar novas aptidões, especialmente odesenvolvimento daquelas que, de forma dinâmica, podem serconstruídas em paralelo às modificações nos processos deprodução.

É evidente que estes requisitos representam novas exigênciassobre o sistema educacional. O sistema educacional terá, pararesponder a estas exigências, que modificar-se profundamente.Terá que ser capaz de produzir importantes modificaçõesinstitucionais e políticas. O professor está no centro doprocesso educacional e tem que ser valorizado no essencial dassuas tarefas, que está na sala de aula, a partir de cujodesempenho terá que ser premiado, de forma diferenciada, com baseem índices de rendimento, levando em consideração a sua qualidadee o seu trabalho de retreinamento. Para que isto seja possível, agestão escolar tem que ser simplificada e desburocratizada, comdescentralização, municipalização e democratização, formas devincular a instituição escolar à comunidade.

Em termos das proposições para educação e qualificação, amultiplicidade de questões que decorrem da análise do panoramaeducacional brasileiro torna necessária a determinação deprioridades de ação, que deverão orientar o tratamento da relaçãoentre educação e qualificação profissional, de acordo com osnovos padrões de competitividade. A determinação destasprioridades ocorre a partir de seis recomendações básicas:

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a) No que se refere aos recursos humanos, o maior problemada indústria brasileira, como todas as pesquisas mostram, é abaixa escolaridade dos trabalhadores, o que resulta emdificuldades de adaptação aos novos requisitos, mesmo quando setrata de treinamentos operacionais.

b) É preciso que se estabeleçam novas formas de articulaçãoentre o sistema produtivo e o sistema educacional, visando,simultaneamente, a elevação da escolaridade da população e aqualificação dos recursos humanos.

c) Estas novas formas de articulação devem privilegiar arepartição de responsabilidades entre escola e empresa. O Estado,através dos sistemas públicos de ensino, deve se dedicar àuniversalização da educação básica - ensino de 1º e 2º Graus deeducação geral, que é a base da qualificação. A qualificação dostrabalhadores deve ser assumida em comum pelas empresas eorganismos dos trabalhadores, levando em conta os seus múltiplose diferentes interesses.

d) A qualificação profissional diz respeito, agora, à possede uma escolaridade básica, de educação geral. Nesse sentido, asempresas, diretamente ou por intermédio de suas instituiçõeseducativas (SESI e SESC) e de formação profissional (SENAI eSENAC), devem oferecer oportunidades de ensino supletivo deeducação geral aos trabalhadores adultos semiqualificados e depouca escolaridade, que encontram problemas para o retorno àrotina escolar.

e) Os recursos públicos vinculados por lei à Educação devemfinanciar a educação geral (o ensino regular de 1º e 2º Graus),enquanto os gastos com a qualificação (incluindo a formaçãoespecífica oferecida nos cursos técnicos de 2º Grau) deverão serassumidos pelas empresas.

f) Os sindicatos de trabalhadores devem participar da gestãodos sistemas públicos de ensino e das instituições de formaçãoprofissional, especialmente no que se refere à implantação deprogramas de requalificação da mão-de-obra.

A proposta começa pelo aspecto básico, que é a formação deprofessores, e inclui: a extinção dos atuais cursos deHabilitação ao Magistério; a recriação das redes estaduais deEscolas Normais; reformulação dos Cursos de Pedagogia; a criaçãode poucas e boas Escolas Normais Superiores; a descentralizaçãodos cursos de Licenciatura; o apoio, nas Universidades, aoscursos de Ciências Básicas (Matemática, Física, Química eBiologia) e das Ciências Humanas/Sociais que oferecemLicenciaturas; a revalorização da Prática de Ensino nos Colégiosde Aplicação e nos Cursos Normais. Além disso, deve contemplartambém a reciclagem de professores, com as seguintes ações:fortalecimento dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento doMagistério (CEFAMs), para atividades permanentes de atualização eretreinamento de professores do ensino básico; expansão dasatividades de Extensão Universitária voltadas para a reciclagemde professores do ensino básico; e criação de mecanismos deincentivo à reciclagem e atualização permanente (bolsas,progressão funcional). Finalmente, há que considerar arevalorização da carreira, com as ações: elevação dos saláriosatuais; estruturação de Planos de Carreira, com mecanismos deprogressão funcional vinculados tanto à qualificação quanto aodesempenho em sala de aula; e incentivos salariais à permanência

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em regência de classe, de modo a desestimular o abandono dassalas de aula, em troca de funções burocráticas; incentivossalariais especiais aos professores do ensino básico dedicados aoatendimento dos segmentos mais problemáticos; responsabilidadefinanceira da União na complementação dos salários dosprofessores do 1º Grau, nas regiões e localidades que não tenhamrecursos suficientes para o financiamento dos novos planos decarreira, desde que o Estado ou Município em questão já estejaaplicando na Educação a totalidade dos percentuais exigidos porlei (para isto, a legislação atual, que proíbe a União derealizar tal iniciativa, precisa ser alterada).

Além das ações específicas para o Magistério, outras medidasdevem ser tomadas, relativas à estrutura e ao funcionamento doensino básico: expansão do atendimento ao pré-escolar; aumento dajornada escolar, nos sistemas públicos, nas quatro primeirasséries do 1º Grau; revisão dos conteúdos curriculares do ensinode 1º e 2º Graus, com vistas, no 1º Grau, ao atendimento daaquisição de competências básicas - raciocínio, linguagem,capacidade de abstração, etc. - fundamentais à participação doindivíduo na sociedade moderna; no 2º Grau, além da continuidadedesses objetivos, acrescente-se o da oferta de uma sólida base deconhecimentos técnico-científicos; definição de um padrãonacional mínimo de educação básica; extinção das diferenciaçõescurriculares entre as escolas de 2º Grau de educação geral eaquelas atualmente dedicadas ao ensino técnico; na rede pública,a prioridade no ensino médio deve ser para o 2º Grau regular, deeducação geral, com ampliação das vagas em horário noturno, emlocais acessíveis, para atender aos jovens trabalhadores, cujademanda por este nível de ensino tem aumentado muito.

No que se refere ao ensino superior, as principais propostassão: reforço dos cursos de Ciências Básicas; aumento da oferta devagas, nas Universidades Federais; combate à excessivafragmentação profissional e à especialização precoce; inclusão dedisciplinas das "Humanidades" nos currículos de graduação dasEngenharias; retomar e implementar de fato a idéia de CicloBásico, no intuito de fornecer uma formação universitáriaabrangente, não especializada; a pós-graduação deverá se tornarmais flexível nos seus conteúdos e na sua estrutura; abertura daUniversidade, especialmente a pós-graduação, para profissionaiscom grande experiência, em condições de contribuir para a geraçãode conhecimentos, ainda que não possuam o currículo normalmenteassociado à carreira universitária; concentração de esforços daExtensão Universitária na colaboração com programas dereciclagem profissional em todos os níveis; e, para viabilizarestes objetivos, a autonomia universitária deve vir acompanhadade práticas de gestão mais profissionais, com vistas à maiorcaptação de recursos próprios, tanto através de melhor gestão dopatrimônio, como de maior cooperação com o sistema produtivo.

As propostas para a qualificação profissional incluem:incentivar as novas modalidades de cooperação entre o setorprodutivo e as Universidades, participar no esforço de melhoriado ensino público de 1º e 2º Graus, efetivar a abertura deoportunidades educacionais nos espaços fabris (escolas anexas àsfábricas) e criação de facilidades para que seus empregados menos

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escolarizados possam completar sua educação básica, a gestão dosprogramas empresariais de formação profissional deve contar com aparticipação de representantes dos trabalhadores. Além destas, háum conjunto de medidas que dizem respeito às instituiçõeseducativas administradas por órgãos representativos das empresas,que se referem à sua adequação aos novos requisitos dequalificação profissional e à colaboração que através delas podeser dada ao esforço de elevação da escolaridade básica dostrabalhadores: utilização da capacidade instalada da rede doSESI - pela sua menor dimensão e maior disponibilidade derecursos - em programas de apoio aos sistemas públicos deensino, para o desenvolvimento de projetos experimentais, visandoa produção de inovações pedagógicas para posterior difusão narede pública; utilização dos espaços ociosos do sistema SENAI, emparceria com toda e qualquer agência capaz de oferecer educaçãobásica, regular ou supletiva, para a oferta de oportunidades deeducação geral aos jovens e adultos pouco escolarizados; aberturadas instituições de formação profissional aos menosescolarizados, empregados ou não, em programas deprofissionalização que contemplem também a oferta de educaçãogeral; reestruturação dos cursos regulares das instituições deformação profissional, privilegiando o desenvolvimento de uma"cultura tecnológica", com a substituição das disciplinasinstrumentais por uma base sólida de conteúdos técnico-científicos amplos; preservação dos recursos provenientes dascontribuições sobre a folha de pagamentos exclusivamente para asatividades que atendam aos interesses gerais da indústria, com ostreinamentos do tipo firm specific financiados integralmentepelas empresas demandantes; colaboração dos Centros deDesenvolvimento Tecnológico do SENAI com as empresas naexperimentação e difusão de novas técnicas de organização dotrabalho, com vistas a diminuir os riscos e as incertezasinerentes aos programas de reestruturação.

Quanto ao papel - decisivo - dos sindicatos e instituiçõesrepresentativas dos interesses dos trabalhadores, é fundamentalque o acesso da população em geral a um ensino básico dequalidade seja considerado um item estratégico nas conversações enegociações entre sindicatos e Governo. A maior oferta deoportunidades de complementação da escolaridade básica e deformação profissional, inclusive em programas de requalificação,deve merecer maior atenção dos sindicatos nas pautas denegociação e as entidades sindicais devem participar da gestãodas instituições de ensino, tanto nas agências de formaçãoprofissional como nas redes públicas, assim como da formulação eacompanhamento da implementação de planos e políticas de educaçãobásica regular, nos três níveis da administração pública. Alémdisso, e conforme o previsto no projeto da LDB, as entidadessindicais devem buscar participar, nas instituições de ensinosuperior, da definição de ações e projetos que atendam aosproblemas do ensino básico, principalmente no que se refere àsnecessidades de atualização e requalificação de trabalhadores.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO

As grandes transformações que estão ocorrendo nos processosprodutivos - industriais em particular, mas também nos serviços -

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colocam grandes desafios para o trabalho. As transformaçõestecnológicas são um desafio permanente. Os processos produtivos,no passado, mudavam apenas lentamente; e o mesmo ocorria com assuas exigências para com a qualificação dos trabalhadores.Atualmente, em face das novas tecnologias e da rapidez dastransformações que elas acarretam, assim como da necessidadecrescente de qualidade, o sistema produtivo tem que ser capaz dedar respostas rápidas e aprimorar-se constantemente. Isto teminúmeras exigências, sobre cada um dos atores e, em especial,sobre a sua interação.

O sistema produtivo assentado na distribuição de tarefasentre os diversos participantes (trabalhadores diretos,supervisores, gerentes), de forma estática, com responsabilidadesbem delimitadas e estritamente hierarquizadas, é um entrave àbusca dos novos atributos. Cada um dos participantes do processoprodutivo, cuja hierarquia rígida está sendo diluída, tem agoranovas tarefas. Nestas, destaca-se a interatividade, que se iniciacom a capacidade de compreender e formular problemas, é apoiadana capacidade de comunicar-se e estende-se à busca coletiva desoluções.

Isto só pode ocorrer, no entanto, a partir de mudançassubstanciais nas relações autoritárias e de distanciamento queainda reinam no chão-da-fábrica e entre este e as funções queeram entendidas como superiores. Os trabalhadores envolvidos maisdiretamente na produção têm que ser estimulados a terparticipação mais efetiva, inclusive com novos esquemas deremuneração do desempenho e por produtividade, mas as demaiscamadas - gerências médias e supervisores - têm que ser capazesde descentralizar decisões, de assumir os ônus dos esquemasparticipativos, de entender os processos interativos comonecessariamente em ambos os sentidos e mais democratizados.

Além disso, a participação efetiva dos trabalhadores envolveo seu reconhecimento e valorização coletiva. É impensável que ostrabalhadores sejam individualmente estimulados à participaçãoenquanto lhes é negado o direito à organização coletiva. Istocoloca desafios para as empresas: a aceitação do diálogopermanente e institucionalizado com os trabalhadores e suasmúltiplas organizações de representação. Esta aceitação envolve oreconhecimento de que existe - e continuará a existir - oconflito, mas também a participação e a cooperação.

É também neste contexto que a agenda das relações sociais etrabalhistas coloca hoje o contrato coletivo. Compreende-se que ocontrato coletivo é, no contexto das relações trabalhistasexistentes no Brasil, um avanço significativo, capaz deconsolidar as práticas mais modernas e propiciar einstitucionalizar novos avanços. O contrato coletivo, no casobrasileiro, em que o mercado de trabalho tem característicasmuito diferenciadas (segundo os setores de atividade econômica,as regiões, as empresas), deverá levar em conta esta diversidade.Para isso, terá que ser implementado em níveis diferentes earticulados: sobre uma base nacional comum, contemplando asdiferenças e especificidades setoriais (setores mais ou menosmodernos, organizados e avançados), regionais (regiões mais ou

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menos desenvolvidas) e empresariais (empresas maiores ou menores,mais ou menos organizadas). Portanto, o contrato coletivo é umainstituição reguladora do mercado e das relações de trabalho aser implementada de forma a garantir uma base de direitosuniversais, protegendo os setores e segmentos maisdesarticulados, de forma concomitante com acordos e cláusulasadicionais para os setores mais organizados e avançados. O papelda Justiça do Trabalho deve ser repensado nesse contexto etransformado num instrumento de arbitragem pública livrementeacessado pelas partes. A implementação dessas recomendaçõespoderá exigir alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas(CLT).

O contrato coletivo, contudo, para ser uma proposta modernae coerente com o desenvolvimento econômico e a competitividade,requer dos atores sociais e dos trabalhadores em particular novasresponsabilidades, como uma visão articulada para odesenvolvimento nacional, propostas de política industrial paraos setores de atividade econômica e as cadeias produtivas, assimcomo propostas para as estratégias das empresas e para asunidades fabris.

Em termos das proposições para as relações de trabalho e aproteção social, propõe-se um conjunto de encaminhamentos parauma Comissão Tripartite de Revisão do Sistema de Relações deTrabalho e para as Câmaras Setoriais. Estas devem serconsideradas um locus privilegiado para acordos parciais esetoriais entre trabalhadores, empresários e governo nas questõesrelativas tanto a uma política negociada de rendas quanto paraquestões relativas à difusão de novas tecnologias e métodosorganizacionais. No que concerne às políticas sociais, asrecomendações sugeridas podem e devem ser encampadas nestesfóruns, mas se dirigem mais exatamente à instância legislativa,tendo em vista, inclusive, a proximidade das reformasconstitucionais.

O contrato coletivo de trabalho deve ser entendido comoinstrumento básico e definidor das relações capital-trabalhovisando um crescente envolvimento e reciprocidade entre aspartes. Ele deve a) explicitar e buscar formas de resoluçãonegociada dos conflitos; b) criar um clima favorável à difusão denovas técnicas de automação industrial e técnicas organizacionaisatravés de maior envolvimento dos trabalhadores e maioresperspectivas de qualificação; c) dar maior estabilidade noemprego concomitante a uma maior flexibilidade funcional; d)promover a participação dos trabalhadores nos resultados dasempresas e a diminuição do leque salarial e das hierarquias.

Quanto aos mecanismos de proteção social, deverá haver adefinição das competências públicas e privadas, através de: a)manutenção de um sistema público de seguridade incluindo aprevidência social, o sistema de saúde universal e assistênciasocial; b) descentralização/municipalização das ações de saúde eassistência social; c) efetivação de medidas de controlegerencial e fiscalização do processo de concessão de benefíciosprevidenciários; d) revisão da aposentadoria por tempo de serviçocom a instituição da exigência de idade mínima cumulativamente ao

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número de contribuições; e) redefinição das aposentadoriasespeciais; f) revisão do número de benefícios e maiorseletividade na sua concessão; g) introdução de mecanismos deseletividade na oferta de alguns serviços médicos; h)coexistência da previdência pública básica com a previdênciacomplementar pública ou privada, fechada ou aberta; i)regulamentação de esquemas privados de seguridade:estabelecimento de regras de funcionamento, de aplicação derecursos no caso da previdência e do alcance do atendimento nocaso da saúde; j) estabelecimento de laços de complementaridadeefetivos entre previdência pública e privada a partir denegociações coletivas descentralizadas, guardados os limitesestabelecidos pela negociação; k) redefinição do seguro-desemprego, incorporando-o a um plano mais abrangente de amparoao trabalhador com vistas a formação, treinamento e reciclagem. OFAT, principal fonte de recursos, deve permanecer no BNDES e dasua gestão devem continuar a participar os trabalhadores.

Em termos de recomendações às empresas, é fundamental oreconhecimento da importância das comissões de trabalhadores emnível de empresa e do direito das comissões e representação dossindicatos à livre informação sobre a política das empresas. Paraisso, propõe-se: a) no exercício da gestão participativa, há quelevar em consideração o fato de que a persistência de condiçõessociais - incluindo de trabalho e de vida - muito adversasdificulta que a participação possa ocorrer de forma informada,imprescindível para conferir-lhe efetividade e resultadosadequados; assim, é necessário que a busca de formas de gestãoparticipativa esteja ancorada na superação das carências maisgraves e dificuldades mais prementes que ainda atingem amplossegmentos da população trabalhadora; b) a participação dostrabalhadores nos fundos de pensão e nos planos de saúde dasempresas; c) a redução do níveis hierárquicos e do lequesalarial; d) a introdução de esquemas de remuneração porresultados negociados com os empregados da empresa, semsubstituir ou complementar a remuneração salarial devida (nostermos do Substitutivo do Projeto de Lei nº 4580 de 1990); e) oenvolvimento de todos segmentos da força de trabalho em programasde treinamento para a qualidade; f) a renovação e reciclagem dasgerências intermediárias, visando obter maior colaboração dessessegmentos para um gerenciamento mais participativo.

O PAPEL DOS CONSUMIDORES E DA QUALIDADE DO MERCADO

A qualidade dos recursos humanos de que dispõe a sociedadeevidentemente depende do sistema educacional e da preocupação dasempresas e demais instituições sociais, incluindo os sindicatospatronais e de trabalhadores, para com o tema, mas vai muitoalém. Da mesma forma que o sistema produtivo precisa detrabalhadores bem formados, aptos para tarefas cada vez maiscomplexas e cambiantes, também a competitividade depende deconsumidores qualificados, exigentes, capazes de reconhecer evalorizar atributos dos produtos e serviços para além de preço equantidade.

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Como visto anteriormente, dispor de mercados amplos edinâmicos representa uma vantagem competitiva importante, mas queno Brasil permanece inexplorada e deformada, pela segregaçãosocial. O Brasil possui um mercado efetivo que é, apesar de tudo,ainda muito significativo, mas poderia ser muito maior e melhor,se convenientemente desenvolvido e aprimorado. Este mercado, noentanto, divide-se entre alguns segmentos, excessivamentediferenciados e muito afastados, pelas distâncias sociais, quecriam verdadeiros abismos entre as formas básicas - ecrescentemente empobrecidas - de consumo e outras formas deconsumo, consideradas mais contemporâneas, e que são efetivamentediversificadas e diferenciadas.

Evidentemente, esta segmentação do mercado de consumo reduzou até mesmo elimina muitos dos efeitos - positivos sobre acompetitividade - que a posse de um mercado amplo e dinâmicodeveria ter sobre o conjunto do sistema econômico. Um mercadoamplo e dinâmico é muito mais do que apenas um mercado grande ecom elevado crescimento. Um mercado amplo e dinâmico é um mercadode muitos produtos, muitas preferências, muitas variaçõespotenciais e escolhas efetivas, capaz de desenvolver-se ao longodo tempo, tanto pela incorporação de novos consumidores como pelacriação de novas preferências, de novas exigências, de novosatributos.

Enfim, um mercado amplo e dinâmico é principalmente aqueleem que os consumidores são capazes de evoluir e criar demandas,em que as empresas são capazes de aproveitar-se dos "insumos" querecebem dos consumidores e ambos vão, de forma interativa,enriquecendo e dinamizando a produção e os mercados. Nesteprocesso, desenvolve-se concomitantemente a aderência dosconsumidores aos produtos, às marcas e aos produtores e sãopercebidas e aproveitadas novas possibilidades comerciais emoutros mercados. A identificação de novas oportunidades dedesenvolvimento dos produtos existentes, o próprio lançamento denovos produtos e o constante aprimoramento dos produtosexistentes são, portanto, aspectos de um processo muitoimportante que não se confina aos limites da produção.

O papel da identificação dos consumidores com os produtos emarcas locais é extremamente importante também em vários outrossentidos. Primeiro, pelo fato de permitir um relacionamentoduradouro, estável e positivo entre produtores e consumidores,com todos os efeitos potencialmente sinérgicos já indicados.Segundo, como mostram as experiências internacionais (por exemploo Japão), a fidelidade dos consumidores perante os fabricantescumpre também as funções de proteção dos fabricantes locais (comouma barreira não-tarifária), seja contra práticas predatórias deprodutores externos, ou simplesmente dando-lhes, pela inércia dasdecisões dos consumidores, tempo suficiente para eventualmentereagirem ao lançamento de novos produtos ou a mudanças nascondições de produção que alterem de forma significativa oscustos e os preços dos produtos. É claro que esta postura não é ados consumidores estritamente objetivos que são descritos noslivros (antigos e novos mas antiquados), e supõe indivíduosconscientes, consumidores capazes de identificar-se com marcas,

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histórias passadas e possíveis desenvolvimentos futuros. Mais umavez, também neste caso a competitividade envolve dimensões quehabitualmente são excluídas das análises econômicas mais rígidas,mas que são intrínsecas aos comportamentos humanos e dosindivíduos nos atos de consumo.

Haveria argumentos contrários àqueles aqui apresentados eindicando que a economia brasileira, a sua população e os seuspadrões de consumo estão ainda numa fase que torna remotos eimprováveis os efeitos-qualidade que podem advir de consumidorese padrões de consumo exigentes. A globalização do consumo seriauma tendência de países industrializados muito avançados, muitodistantes da realidade brasileira. No entanto, é necessárioantepor a estes argumentos o fato de que os padrões - superiorese cada vez mais internacionalmente aceitos - de qualidade não sereferem apenas aos produtos sofisticados, que no Brasil estãorestritos a limitados segmentos da população. Pelo contrário, ospadrões superiores e internacionalizados de qualidade estãopresentes num número cada vez maior de produtos, em alguns casoscom força legal (normas de segurança e ambientais), em outrossimplesmente pelo fato de os consumidores - diretamente ou poração da influência de um outro produtor - já puderam ter acessoa eles e os preferiram.

OS NOVOS DESAFIOS

A superação do déficit competitivo brasileiro passa,portanto, por um amplo conjunto de desafios, em todos os casosinadiáveis. Começa pela mudança cultural e de postura dos atoressociais, incluindo os trabalhadores, os empresários, osconsumidores e as instituições governamentais e públicas, que têmagora que voltar-se para novas tarefas e exigências. A primeira,mais básica e mais importante, é a do desafio educacional,associado à integração e ao avanço social. É necessárioreconhecer e enfatizar que o desenvolvimento competitivo não podeser alcançado enquanto estão excluídos largos contingentes dapopulação e subsistem em atividades marginais outras importantesfrações. A integração dessas parcelas da população à economia e àcidadania é fundamental e concorre no sentido de promover odesenvolvimento de um mercado interno amplo e dinâmico, capaz dedesenvolver-se no sentido das exigências internacionais, cada vezmais amplas e rígidas, associadas a qualidade, segurança erespeito ao meio ambiente e aos recursos naturais. É também estemercado que poderá desenvolver consumidores aptos à interaçãodinâmica com as empresas, seja dotando-as de estímulos einformações para o desenvolvimento de novos produtos e atributos,seja antepondo barreiras temporárias à ação predatória de rivais.

No seio das empresas e do trabalho, o desafio é o danecessidade de novas organizações sindicais e trabalhistas,adequadas ao dinamismo da fase atual de desenvolvimento daeconomia e da sociedade. As organizações dos trabalhadores e dasempresas não podem alhear-se das tarefas e exigências daeducação, que para atingir o patamar necessário aodesenvolvimento de um padrão moderno - em termos de qualidade eabrangência - tem necessariamente que contar com a participaçãodireta e indireta de todos os atores sociais, individualmente

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(pais, famílias, dirigentes de sindicatos e empresas) ou de formacoletiva (associações de pais e mestres, de moradores, entidadessindicais e empresariais), pois a educação só cumpre a suafinalidade social quando se torna um objetivo social envolvente,a cuja tarefas todos os atores sociais aderem.

Por último, deve-se sublinhar o fato de que odesenvolvimento competitivo pode ser compatível com um projetosocial de ampliação das oportunidades de emprego, remuneração equalidade de vida, mas tem para isso que incorporar de formaexplícita esses objetivos. O desenvolvimento com competitividadepode criar empregos novos e melhores, assim como qualidade detrabalho e de vida, mas tem para isso que estar ligada a umconjunto de diretrizes e objetivos capazes de criar perspectivasde crescimento econômico e redução das distâncias sociais.

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3. SUPERAR A FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E A AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO

ESTÁGIOS DE INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA E CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA

Até o início da década de 50, o desenvolvimento industrialno Brasil caracterizou-se pelo reduzido grau de sofisticaçãotecnológica e pela simples importação de tecnologia,principalmente incorporada aos bens de capital.

A partir da metade dos anos 50, com a crescente proteção domercado nacional a importações, começaram a ser introduzidos nopaís os segmentos produtores de bens de consumo duráveis e debens intermediários de maior complexidade tecnológica, cuja basetécnica, em nível mundial, já se encontrava em adiantado grau dematuração. A estratégia industrial seguida para tal introduçãodeu-se basicamente através do investimento direto de empresasestrangeiras principalmente no segmento de duráveis e doinvestimento estatal nos segmentos de maior prazo de maturação emaiores requerimentos de capital. Ao longo do processo desubstituição de importações, a incorporação e difusão detecnologias mais modernas se deu através de constante busca detecnologias estrangeiras por parte de um número relativamentereduzido de empresas líderes. Avolumou-se a importação explícitade tecnologia e serviços tecnológicos, sem que se manifestasse deforma sistemática esforço tecnológico interno paralelo ousubseqüente ao processo de compra externa de tecnologia.

Durante os anos 50 e 60, o Brasil montou sua baseinstitucional para o desenvolvimento científico e tecnológico,com a criação do CNPq e da CAPES no início do período e da FINEPe do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -FNDCT, no final dos anos 60. A constituição de tal baseinstitucional e a alocação de volumes significativos de recursospara a área foram extremamente importantes na condução dapolítica de ciência e tecnologia nos anos subseqüentes.

A partir de meados da década dos 60 assistiu-se à criação devários institutos de pesquisa e de centros de P&D de caráterpúblico. Mais de metade dos institutos de pesquisa tecnológicaindustrial existentes no país foram implantados no período 1966-80 e, a partir de 1967, criou-se a maioria dos centros depesquisa das empresas estatais.

No entanto, mesmo na última fase do ciclo de substituição deimportações, a capacitação tecnológica não se colocava comorequisito efetivo. O esforço tecnológico interno restringia-sebasicamente ao uso e aprendizado das práticas de produção, sendono máximo necessária a adaptação de processos, matérias-primas eprodutos. Como exemplo pode-se mencionar que, no último bloco deinvestimentos "substitutivos" (o II PND), o fator-chave era aescala de produção (como nos casos dos investimentos emsiderurgia, metais não-ferrosos e papel e celulose) e apenas o

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desenvolvimento do setor de bens de capital requeria um esforçotecnológico endógeno mais profundo.

O sucesso desse último estágio de industrialização, juntocom a rápida absorção das práticas convencionais de produçãoeficiente e de um mínimo de aprendizado em engenharia, transmitiua impressão de que o país havia queimado etapas. Ao final dosanos 70 e princípio dos 80, a estrutura industrial brasileiraapresentava elevados graus de diversificação da produção, porémcom insuficiente capacitação tecnológica interna. Tal situaçãolevou também a que se estabelecesse no país uma demandatecnológica fundamentalmente centrada nos chamados serviçostecnológicos correntes (constituindo-se basicamente de análises eensaios) e uma oferta de P&D em grande parte dissociada dosistema produtivo instalado (ver Figura 4).

Diferentemente da experiência de outros países, onde aindustrialização foi acompanhada por significativo esforço em P&Dpor parte de firmas locais e pela constituição, de formaarticulada com a indústria, de uma infra-estrutura de serviçostecnológicos, a industrialização brasileira não exerceu pressãodireta significativa sobre a oferta interna de tecnologia. Assim,apesar de importante, a política de desenvolvimento científico etecnológico, implementada à margem da política industrial, geroucomo principais resultados a montagem de uma infra-estruturacientífico-tecnológica no país e o fortalecimento da formação depesquisadores.

A crise externa e interna iniciada neste período expôs aincipiência de grande parte dos esforços privados internos emP&D; da demanda privada por serviços tecnológicos; e adependência, por parte do sistema de C&T, do Estado e empresasestatais. Salientaram-se, também, as conseqüências negativas dadicotomia institucional entre os órgãos encarregados de formulara política de C&T e aqueles responsáveis pelo desenvolvimentoindustrial. A fragilidade tecnológica estrutural do país ficoumais clara ainda diante das dificuldades de internalizar e gerarcapacidade de inovação no complexo eletrônico.

Houve, contudo, um significativo número de experiências bem-sucedidas em áreas específicas, demonstrando as potencialidadesdas estratégias tecnológicas autônomas sob certas condições. Taiscasos salientam principalmente a importância da existência desegmentos industriais que, percebendo as oportunidadesapresentadas por investimentos em tecnologia como fator deaumento da competitividade, desenvolveram estratégiascomprometidas, a longo prazo, com P&D e que foram efetivamentecapazes de explorar mercados "customizados", onde as relaçõesfornecedores-produtores-usuários são fundamentais. Dentre estescasos, salientam-se principalmente as experiências das empresasestatais nas indústrias aeroespacial, de telecomunicações,petróleo, energia elétrica e siderurgia; e de algumas empresasprivadas nos segmentos de ligas especiais e de automaçãobancária.

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Nos anos 80 e início dos 90, acentuou-se a instabilidademacroeconômica, acelerou-se o processo inflacionário e a crise doEstado, resultando na exacerbação das estratégias defensivas enum maior enfraquecimento do esforço de desenvolvimentocientífico e tecnológico. Verificou-se, portanto, umsignificativo retrocesso em face da: a) oscilação e crise dosistema de C&T; b) desarticulação dos investimentos das empresaspúblicas e correlato enfraquecimento dos seu centros de P&D; c)desmontagem das estruturas, estagnação e até recuo dos gastostecnológicos do setor privado, os quais já eram bastanterarefeitos.

No Brasil, o setor público constitui-se na principal fontede recursos para C&T, responsável por cerca de 80% dos dispêndiosnesta área. Com o desequilíbrio financeiro do setor público,observa-se a paulatina redução dos orçamentos para C&T com oprogressivo enfraquecimento político e financeiro da infra-estrutura para pesquisa científica e tecnológica montada nos anos70. Tal situação agrava-se ainda mais ao considerarem-se os dadossobre execução financeira efetiva dos orçamentos para C&T.Estima-se que, nos últimos anos, o nível de execução financeiraefetiva tenha se situado em torno de 50% a 60% dos orçamentosiniciais destinados à área de C&T. Dois fatores principaiscontribuíram para tal: o retardamento dos repasses devido àpolítica deliberada de contingenciamento da liberação dosrecursos (adotada em 1991) e a exarcebação do processoinflacionário. A conseqüência mais séria de tal enfraquecimento éa evasão de importantes pesquisadores destas instituições e aobsolescência dos laboratórios e equipamentos de pesquisa.

Como exemplo da redução do orçamento governamental para C&T,a Figura 1 mostra a evolução da execução financeira consolidadado Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT), destacando-se aoscilação e redução, ao longo do período 1980-93, dos recursos doFNDCT - o principal fundo de financiamento à infra-estrutura deC&T -, mesmo com o recente reforço (transitório) dos recursosadvindos do programa de privatização; e da FINEP - a principalagência de fomento ao desenvolvimento tecnológico -, com exceçãode breve período de recuperação na segunda metade da década de80. O programa de bolsas do CNPq surge como o único instrumentoque apresenta crescimento no período, tendo em vista aimplantação do programa RHAE a partir de 1988.

A rarefação dos gastos tecnológicos do setor privadobrasileiro, aliada à relativa exigüidade de suas atividadestecnológicas, representam, dentro deste quadro geral, importantedeficiência competitiva. Dentro deste setor, ressalvando-sealguma dezenas de exceções notáveis, a capacitação tecnológicalimita-se ao domínio das práticas convencionais de produção e aoaprendizado incipiente das engenharias de processo, adaptação edesenvolvimento de produtos.

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FIGURA 1MCT - EXECUÇÃO FINANCEIRA DOS GASTOS

1980-1993(US$ milhões de 1991)

0

200

400

600

800 FNDCT PADCT Finep CNPq-bolsas serv. dívidapessoal+enc.MCT outros

Ano

US$ milhões

Nota: Valores da série 1980-92 em dólares médios de 1992; valores de 1993 em dólares médiosmensais estimados.Fonte: Secretaria da Ciência e Tecnologia/MCT, Relatório Estatístico, 1980/92.

Utilizando-se os dados obtidos através de entrevistas aempresas pelo ECIB, nota-se que os dispêndios industriais médioscom P&D e treinamento de pessoal como fração do faturamento sesituam em níveis próximos a 0,7% e 0,5%, respectivamente.Comparando-se as médias do triênio 1987-89 com 1992, nota-seligeiro aumento do índice relativo a treinamento, evoluindo de0,41% para 0,49%; com os gastos relacionados a P&D mantendo-serelativamente estagnados (passando de 0,7% do faturamento para0,74%)5.

5 Deve-se lembrar que, tais indicadores superestimam a intensidade tecnológica média das

empresas brasileiras. Por um lado, a amostra de empresas incluídas na pesquisa decampo apresenta um viés no sentido de que os setores analisados são mais intensivos emexportação do que a média da indústria. Por outro lado, percebe-se, na análise dosquestionários, uma superestimação do índice por parte dos respondentes, que tendem aincluir como gastos em P&D, atividades que não se enquadrariam numa definição estritade tais atividades. O que os dados da pesquisa de campo revelam de fato é que, aolongo do período em análise, não tem havido aumento significativo de tais gastos porparte das empresas pesquisadas. Dados mais abrangentes obtidos no censo de 1985

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Dentre as 495 empresas que responderam ao item específico àintensidade tecnológica (gastos em P&D/faturamento) na pesquisado ECIB, observa-se que mais de metade, 54%, informou nada haverinvestido na área em 1992. Conforme mostra a Figura 2, cerca de25% investiram menos de 1% de seus faturamentos; 9% investiramentre 1% e 2%; 3% das empresas investiram entre 2% e 3%; e as 9%restantes investiram acima de 3%.

FIGURA 2AMOSTRA DE EMPRESAS - DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS

SEGUNDO RELAÇÃO GASTOS EM P&D/FATURAMENTO1992

(Nº Total de Respondentes = 495)

54%

25%

9%

3%9%

0

0,01 a 1

1,01 a 2

2,01 a 3

acima de 3

Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Segundo os dados obtidos, dentre as empresas que realizamgastos em P&D, cerca de 20% são pequenas empresas (possuem até100 empregados), 40% possuem porte médio (entre 101 a 500empregados), 13% possuem porte médio/grande (entre 501 a 1000empregados), 20% são grandes empresas (entre 1001 e 3000empregados) e 7% são megaempresas (mais de 3000 empregados).

A Figura 3 mostra a distribuição das empresas segundotamanho e intensidade tecnológica. Note-se ainda que as empresasque apresentaram maiores níveis de intensidade tecnológicapertencem aos setores de automação industrial, telecomunicações,

indicam que, naquele ano as empresas brasileiras gastavam 0,4% de suas vendas líquidasem P&D (Matesco, 1993). Por outro lado, uma pesquisa mais específica, baseada em 42sócios da ANPEI (e que, portanto somente inclui empresas que realizam atividades emP&D) indicam que a média de gastos em P&D por faturamento, por parte de tais empresas,situou-se em 1,1% em 1991 (e 1,6% se considerados os gastos em P&D e engenharia). Dequalquer forma, vale destacar que, à exceção destes resultados baseados em amostragemtão específica quanto os sócios da ANPEI, os demais índices situam-se todos bem abaixodas médias internacionais, não apenas de países mais avançados, como também de várioscom situação semelhante à brasileira, conforme veremos a seguir.

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eletrônica de consumo e computadores (ver análise mais em detalhena Parte III deste relatório).

FIGURA 3AMOSTRA DE EMPRESAS - DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS QUE INVESTIRAM EM

P&D SEGUNDO TAMANHO E INTENSIDADE DO INVESTIMENTO1991-1992

(Nº Total de Casos = 469)

pequena

média

média/grande

grande

muito grande

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180

acima de 3

2,01 a 3

1,01 a 2

0,01 a 1

0

Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Os dados da pesquisa de campo do ECIB também mostram que,dentre os serviços técnicos contratados pelas empresas aterceiros no Brasil, prevalecem itens tais como: consultoriagerencial, consultoria para qualidade, testes e ensaios,consultoria em marketing, estudos de viabilidade, etc. Ofornecimento de tecnologia, que aparece como o 7º item emimportância dentre os serviços contratados no país, representa omais importante dos serviços contratados pelas empresas noexterior. Conforme mostra a Figura 4, em contraste com o queacontece com os demais casos, cerca de metade das empresas queresponderam contratar tecnologia de terceiros, o faz através defornecedores estrangeiros6.

6 Já os dados levantados pela ANPEI indicam que mais de 72% dos royalties e assistência

técnica pagos por seus associados em decorrência da aquisição de tecnologia deterceiros são remetidos a fornecedores no exterior, enquanto cerca de 27% referem-se afontes nacionais.

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No entanto, cabe ressaltar que, adicionalmente à crise e atédesmantelamento de algumas estruturas internas de C&T, mesmo ofluxo de importação de tecnologia (via licenciamento e outrosmeios) diminuiu sensivelmente, estreitando ainda mais asoportunidades de aprendizado das empresas brasileiras (ver Figura5).

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FIGURA 4AMOSTRA DE EMPRESAS - CONTRATAÇÃO DE TECNOLOGIA, SERVIÇOS

TECNOLÓGICOS E CORRELATOS NO PAÍS E NO EXTERIOR1992

0

50

100

150

200

250 exterior

Brasil

Nota: Um total de 345 empresas responderam a este item, 329 tendo respondido que adquiremtais serviços no Brasil e 142 que o fazem no exterior.

Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

FIGURA 5BRASIL - IMPORTAÇÃO DE TECNOLOGIA EXPLÍCITA

1980-1991(US$ mil de 31/12/91)

1980 1982 1984 1986 1988 1990

0

100

200

300

Imp. de Tecnol.

Anos

Nota: Inclui assistência técnica, marcas, patentes e serviços técnicos (projetos, montageme supervisão) e exclui leasing de máquinas e equipamentos.

Fonte: Indicadores de C&T no Brasil, CNPq-MCT/NPCT-UNICAMP, out. 1993.

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Além destes entraves - que poderiam ser caracterizados comorelacionados à origem e história do sistema nacional de inovação-, a indústria brasileira enfrenta um mundo no qual as basestecnológica e organizacional para a competitividade sãototalmente diferentes das décadas anteriores, o que contribuisignificantemente para o aumento do contraste entre o quadrointernacional e o brasileiro.

CONTRASTE COM OS REQUISITOS DE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICADECORRENTES DAS TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

A dinâmica tecnológica internacional mudousignificativamente na década dos 80. Apesar da grande variedadede inovações radicais e incrementais específicas em quase todo osetor industrial, existe evidência de uma mudança de paradigmadas tecnologias intensivas em capital e energia e de produçãoinflexível e de massa (baseadas em energia e materiais baratos)dos anos 50 e 60 para as tecnologias intensivas em informação,flexíveis e computadorizadas dos anos 70 e 80. As indústriastecnologicamente maduras foram rejuvenescidas, ao mesmo tempo emque emergiram outras novas (lideradas pelas tecnologias deinformação e comunicação - TIC), as quais tornaram-se a base dorápido desenvolvimento tecnológico, da produção e do comérciointernacionais.

Esta revolução tecnológica está afetando, embora de formadesigual, todos os setores e novos requerimentos têm sidoimpostos à economia como um todo, envolvendo, além de importantesmudanças tecnológicas, várias mudanças organizacionais einstitucionais. Dentre as características mais importantes donovo paradigma e dos efeitos da difusão da tecnologia deinformação através da economia estão:

- a intensificação da complexidade das novas tecnologias, asquais são baseadas ainda mais fortemente no conhecimentocientífico; como conseqüência, as inovações vêm dependendo deníveis crescentes de gastos em P&D;

- aceleração dos novos desenvolvimentos, implicando uma taxade mudança mais rápida nos processos e produtos. Como umaconseqüência, as empresas mais competitivas em nível mundial vêmbuscando, não mais simplesmente a especialização em produtos eprocessos específicos, mas sim adquirir "competências nucleares"(core competences) nas chamadas tecnologias genéricas como formade se manterem permanentemente aptas a acompanhar o intensodinamismo destas novas áreas;

- papel central da fusão de tecnologias como peçafundamental do crescimento de novas indústrias e dorejuvenescimento de outras. Ressalta-se, em particular, acaracterística que as tecnologias de informação e comunicaçãopossuem de permearem todo o conjunto das atividades econômicas(setor industrial, serviços, comércio, etc.);

- maior velocidade, confiabilidade e baixo custo detransmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidadesde informação;

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- novos métodos de P&D onde os sistemas de base eletrônicacumprem importantes papéis na aceleração da geração de novosconhecimentos, na aquisição de conhecimentos existentes e nodesenvolvimento de novas configurações. Ressalta-seprincipalmente a utilização de inúmeras redes de informação,assim como de sistemas tais como CAD (computer-aided design) eCAE (computer-aided engineering);

- mudanças fundamentais na estrutura organizacional,particularmente de grandes empresas (incluindo aquelas baseadasno uso de sistemas eletrônicos em organização e administração),gerando maior flexibilidade e maior integração das diferentesfunções da empresa (pesquisa, produção, administração, marketing,etc.), assim como maior integração de empresas (destacando-se oscasos de integração entre usuários, produtores, fornecedores eprestadores de serviços) e destas com outras instituições;

- mudanças nos processos de produção com a introdução desistemas tipo: CAM (computer-aided manufacturing), FMS (flexiblemanufacturing systems) e CIM (computer integrated manufacturing),que permitem a automação, flexibilização, integração e otimizaçãodos processos produtivos com o monitoramento e controle on-linede quantidade e qualidade de produção;

- mudanças no perfil dos bens de capital requeridos pelosistema de C&T e de produção e também no perfil dos recursoshumanos, passando-se a exigir um nível de qualificação muito maisamplo da mão-de-obra;

- aprofundamento do nível de conhecimentos tácitos, nãocodificáveis e específicos de cada unidade industrial e ampliaçãoda necessidade de investir em intangíveis (software dedicado,treinamento e qualificação, organização e coordenação do processode produção e sua interação com as atividades de P&D, marketing,etc.), tornando-se a atividade inovativa ainda mais "localizada"e específica (com importantes aspectos da tecnologia ligados aoaprendizado inovativo e à produção que não são nemcomercializáveis nem passíveis de transferência);

- novos requerimentos por regulação e desregulação.

Como reflexo das tentativas de contrarrestar os impactosnegativos dos desajustes causados pela mudança de paradigma eagilizar a reestruturação industrial, nos últimos dez anos vem seobservando uma intensificação da competição entre empresas epaíses. Neste processo, a capacidade de rapidamente gerar,introduzir e difundir inovações passou a exercer papelfundamental para a sobrevivência das empresas e até para deslocarrivais de posições aparentemente inexpugnáveis. Tal situaçãocolocou ainda mais clara a importância da inovação comoinstrumento central da estratégia competitiva das empresas. Comoconseqüência principal assistiu-se ao significativo aumento dosgastos de P&D nos países mais avançados e em países que, como aCoréia do Sul, têm aumentado significativamente a suacompetitividade nos últimos anos, conforme indica a Figura 6.

Outro importante contraste entre a tendência dos países maisavançados e o caso brasileiro refere-se ao engajamento do setor

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empresarial nos esforços de P&D. Tal engajamento reflete aeleição, conforme destacado acima, da inovação como instrumentocentral da estratégia competitiva das empresas e se evidenciaatravés da análise da participação dos gastos do setorempresarial nos gastos totais de P&D.

FIGURA 6PAÍSES SELECIONADOS - GASTOS TOTAIS EM P&D/PNB

1975, 1985-87 e 1989

EUA Japão Reino Unido

FrançaAlemanha

Itália Brasil

Coréia do Sul

0

1

2

3

19751985-87 1989

percentual

Fonte: Nelson (1993) e OECD (1993).

Enquanto no Brasil tal participação tem se situado em tornode 20%, nos países avançados a mesma é superior a 40%, chegando aalcançar, no Japão, mais de 70%. Tendência semelhante tem semostrado no caso dos chamados Tigres Asiáticos. Caso exemplarneste sentido é o da Coréia do Sul, onde a participação dosgastos em P&D do setor privado nos gastos totais evoluiu de 34%em 1971, para 36% em 1976, 58% em 1981 e 81% em 1988.

Uma vez que as novas tecnologias vêm confrontando a maiorparte das empresas com a quebra de suas trajetórias anteriores, anecessidade de informação sobre futuros desenvolvimentos tornou-se ainda mais crucial. A participação em arranjos de colaboraçãotornou-se de importância crítica para que o processo de inovaçãoocorra de forma efetiva e particularmente para prover um maisrápido acesso a capacitações tecnológicas que não estejam bemdesenvolvidas dentro da empresa. Portanto, o acesso a uma amplabase científica e tecnológica, que constituía uma vantagem emfases anteriores, tornou-se uma necessidade vital. Comoconseqüência, o grau de competitividade de uma determinada

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empresa passou a refletir cada vez mais a eficiência das redes ousistemas nos quais tal empresa se insere.

Assim, o terceiro e correlato aspecto da tendênciainternacional contrastante com o caso brasileiro relaciona-se àrápida proliferação de novos acordos, consórcios e programas decolaboração tecnológica entre empresas; principalmente norte-americanas, européias e japonesas, as quais foram responsáveispor 90% dos acordos de cooperação registrados nos anos 80.Comparado com a década dos 70, o número de alianças tecnológicasmais do que sextuplicou na década subseqüente. Com a exceção doschamados Tigres Asiáticos, a participação de empresas de paísesmenos desenvolvidos nestes novos arranjos de cooperaçãocientífico-tecnológica tem sido apenas marginal. Adicionalmente,a maior parte dos acordos envolvendo empresas destes paísesconcentra-se, ainda, em projetos relacionados a tecnologiasrelativamente maduras e estáveis.

A constituição de redes de inovação tornou-se entãocaracterística marcante dos anos 80 nos países avançados epassaram a ser vistas como um dos componentes fundamentais nonovo desenho da estratégia competitiva industrial, tendo seconcentrado nas novas áreas de tecnologia genérica (tecnologia deinformação e comunicação, biotecnologia e materiais avançados). Oadvento da tecnologia de informação tanto gerou necessidades decolaboração, quanto propiciou os meios técnicos para oaprimoramento das networks. Ao mesmo tempo em que o novoparadigma requer mais colaboração dentre empresas e entre estas eas instituições de pesquisa, as tecnologias da informação ecomunicação facilitam isto, por tornarem viável a rápidacomunicação e transmissão de dados, a utilização de bancos dedados e de patentes, etc., e ainda favorecendo rápidas mudançasnas estruturas de pesquisa, produção e comercialização. Portanto,ao se viabilizar gradualmente o potencial para interligação dossistemas de informação de diferentes organizações (com odesenvolvimento e a difusão de redes computadorizadas), ocorrerammudanças na relação entre as mesmas.

Além destes marcantes contrastes entre a situação dos paísesmais desenvolvidos e a brasileira, é importante frisar que asalterações descritas acima resultaram também na redefinição dascondições de acesso, aquisição e utilização de novas tecnologiasatravés de canais internacionais por parte dos países emdesenvolvimento. A necessária reestruturação da indústriabrasileira coloca-se hoje, portanto, num quadro no qual a basetecnológica e organizacional para a competitividade é totalmentediferente daquela dos anos 60 e 70.

Assim, os países em industrialização vêm encontrandoatualmente crescentes problemas nos seus esforços para adquirir eintroduzir inovações geradas pelas economias industriais maisavançadas. Acima de tudo, vale destacar que, além dos aumentos nacomplexidade e especificidade das inovações e dos gastos em P&D,aumentaram também significativamente as conseqüências econômicas

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e políticas de se haver colocado como cerne da estratégiacompetitiva: a) as indústrias intensivas em tecnologias e b) acapacidade de rapidamente gerar, introduzir e difundir inovações.

Por outro lado, num ambiente muito dinâmico, os níveis decompetitividade são rapidamente erodidos e a base para se entrarem novos mercados torna-se rapidamente inadequada para se manterneles, se expandir dentro deles ou se diversificar além deles.Portanto, projetos de importação de tecnologia (assim comoqualquer outra atividade pontual e estanque) podem contribuirapenas temporariamente às posições competitivas em trajetórias demudanças tecnológicas aceleradas e contínuas.

Outra característica correlata do atual contextointernacional que tem também afetado significativamente ascondições de acesso a novas tecnologias por parte dos países emdesenvolvimento são as mudanças na estrutura de produção ecomércio internacional, com a formação de blocos regionais decomércio, onde, dentre outras coisas, se incentivam as parceriasprodutivas, comerciais e tecnológicas.

Conseqüentemente uma das conclusões fundamentais desteestudo é que não se trata apenas de reverter a tendência deretração das atividades tecnológicas no Brasil. O esforçonecessário à superação da atual fragilidade tecnológica nacionalrequer também a indução de uma mudança fundamental nasestratégias industriais. No cerne de tal mudança estão obviamenteos objetivos de buscar o aprendizado e a capacitação cumulativose persistentes em engenharia de processos e produtos e a práticade P&D. Acima de tudo, ressalta-se que a internalização deatividades e objetivos tecnológicos precisa tornar-se umadimensão significativa e permanente das estratégias do setorempresarial. Embora a consciência das empresas quanto ao papel-chave da capacitação tecnológica já venha crescendo, os riscos eas incertezas inerentes à inovação requerem a intervençãofomentadora do Estado.

SUPERAÇÃO DA FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E DA AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO

Papel do Estado

Num plano geral, cabe ao Estado manter condiçõesestimulantes de concorrência (no mercado interno, via política depromoção da concorrência, e com as importações, via políticatarifária) que obriguem as empresas a buscarem melhores padrõesde qualidade, excelência dos serviços e atualização dos seusprodutos. Cabe também ao Estado fixar estratégias por meio daidentificação de áreas críticas, reduzir riscos epromover/consolidar as trajetórias das inovações através daindução de decisões de investimento, financiamentos e do uso dopoder de compra das empresas.

Reconhece-se que a adaptação estrutural da economia tenderáa se transformar num processo lento e doloroso se deixado por si

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só, principalmente em períodos de mudanças tecnológica eindustrial tão fundamentais como o atual. O papel do governoestimulando a renovação, ajudando a quebrar a resistênciadaqueles blocos maduros de desenvolvimento arraigados a antigastrajetórias tecnológicas e apoiando a formação de novastrajetórias é particularmente importante.

Como um reflexo de tal reconhecimento, observa-se ocrescimento real nos orçamentos governamentais de P&D na maiorparte dos países da OECD na última década (o que tem sidoacoplado a outras medidas para estimular o investimentoempresarial em P&D). Além deste crescimento, tem se verificadouma mudança na estrutura geral das políticas governamentais deapoio ao setor industrial. O aspecto mais significativo destamudança é a diminuição do auxílio genérico ao investimentoprodutivo visando a diminuição do custo de capital através desubsídios, com o conseqüente aumento de medidas mais localizadascomo o apoio a P&D e a atividades relacionadas à criação deconhecimento.

Juntamente com a maior importância conferida às atividadestecnológicas, eleitas como elemento fundamental da novaestratégia competitiva, uma diferença quanto ao enfoque dasdiretrizes de política adotadas fizeram-se notar. Adotando umenfoque sistêmico, o principal objetivo da atual políticagovernamental para C&T nos países mais avançados tem concentrado-se em: a) rapidamente identificar importantes oportunidadestecnológicas futuras; b) aumentar a velocidade na qual ainformação flui através do sistema; c) rapidamente difundir asnovas tecnologias; d) aumentar a conectividade das diferentespartes constituintes do sistema de C&T para ampliar e acelerar oprocesso de aprendizado.

Tais objetivos têm sido perseguidos de maneira conjunta,especialmente através da mobilização de redes de inovação, a qualtem se constituído no objetivo central da política governamentaldos países mais avançados nos anos recentes. No final dos anos80, 4/5 do orçamento do governo japonês para P&D foram alocadospara projetos de colaboração tecnológica enquanto cerca de 2/3 doorçamento de pesquisa da Comunidade Européia foi desembolsadonesta forma para a promoção das novas tecnologias genéricas.

Obviamente, seria um erro acreditar que a mera adoção depolíticas de desenvolvimento industrial e tecnológico, por maisbem concebidas e executadas, possam livrar as economias demercado de suas atuais dificuldades. Do mesmo modo, deve serressaltado que independentemente de quão bem outras partes dosistema estejam operando, a base para o desenvolvimento e aacumulação de tecnologias, evidentemente, situa-se na empresa e,conforme mostra a experiência internacional, na empresa nacional,tendo em vista as limitadas possibilidades de desenvolvimentotecnológico criativo nas subsidiárias de empresas estrangeiras.Portanto, a importância desses arranjos em qualquer sistemanacional de inovação está em promover os meios para tal

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acumulação, facilitando o acesso às fontes de novas tecnologias eincentivando as empresas a realizarem sua própria acumulaçãotecnológica.

Por outro lado, também reconhece-se que programascooperativos são insuficientes para sozinhos transformar acapacidade inovativa das empresas. Para efetiva utilização dosresultados de pesquisa desenvolvida externamente requer-se odesenvolvimento de capacitação suficiente dentro dessas empresas.Onde falta tal capacitação interna, pesquisa cooperativageralmente não tem trazido resultados à indústria.

A própria habilidade de formular um problema ou projeto depesquisa, selecionar, avaliar, negociar e, finalmente, adotar umanova tecnologia requer substancial capacitação técnica dentro daempresa. As empresas que vêm investindo maciçamente em P&Dinterno têm destacado não apenas as vantagens de tal estratégiarelativas à geração direta de inovações, mas também à manutençãoe ampliação de sua capacidade de reconhecer, assimilar e explorarinformações externamente disponíveis.

Assim, as várias formas de aquisição de tecnologia deterceiros (incluindo acordos de cooperação, licenciamentos eoutras formas de transferência de tecnologia interempresas) nãopodem ser vistas como possíveis substitutos para atividadesinovativas endógenas. Portanto, concomitantemente com o aumentodas formas de colaboração, tem que haver por parte das empresasum esforço igualmente significativo de construir/reforçar suaspróprias bases internas de pesquisa e desenvolvimento. Por outrolado, aproveitar as diversas fontes de tecnologia externas àsempresas (sejam aquelas obtidas através de importação, sejam osresultados gerados por acordos de colaboração) pressupõe nãoapenas capacidade empresarial interna de inovação, mas também aexistência de externalidades tecnológicas condizentes em termosde formação de recursos humanos, infra-estrutura física e deinformação e comunicações.

Neste sentido, ressalta-se o importante papel dos fatoressistêmicos, favorecendo e aperfeiçoando a capacidade deacumulação tecnológica das empresas, tais como: um forte sistemade educação superior, um ativo sistema acadêmico e de pesquisaindustrial, uma força de trabalho tecnicamente bem treinada eabundante e um forte mercado interno. Adicionalmente, o papelfomentador e catalítico do governo na promoção do processocumulativo de aprendizado é também particularmente enfatizado.Portanto, a intensidade na qual é possível fazer uso dasdiferentes fontes de tecnologia dependerá da organização dapesquisa na indústria e, em outros aspectos sociais eorganizacionais, do sistema nacional de inovação.

De fato, muitas das vantagens que novos paradigmas técnico-econômicos tornam possíveis dependem de extensas mudançasestruturais e institucionais envolvendo o sistema de educação etreinamento, o próprio sistema de C&T, o sistema de relações

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industriais e administrativas, os mercados de capitais e ossistemas financeiros, o padrão de investimento, a moldura legal epolítica e o contexto internacional no qual se dá o fluxo decomércio e investimento e onde as tecnologias são difundidas.

Diretrizes Gerais de Política Tecnológica

As principais conclusões do Estudo Competitividade daIndústria Brasileira ressaltam que um potencial de extremaimportância deixou de ser plenamente utilizado pela indústriabrasileira como fator de aumento de sua competitividade: asoportunidades apresentadas por investimentos no desenvolvimentode capacidade inovativa e em processos criativos de aprendizadoconjunto. Seis macrodiretrizes destacam-se como pontosfundamentais para a superação da fragilidade tecnológica e aausência de cooperação no sistema de inovação brasileiro:

a) desenhar uma estratégia nacional de desenvolvimentocientífico e tecnológico efetivamente articulada às estratégiasde desenvolvimento industrial, das atividades relacionadas aosetor de serviços e outras correlatas (educação,telecomunicações, energia, transporte, etc.). Da mesma forma,deve-se buscar garantir que a implementação desta estratégia dar-se-á de forma coerente e articulada;

b) estimular o setor privado (produtivo e financeiro) areforçar suas atividades relacionadas à educação, ciência etecnologia, incentivando as instituições privadas a incluíremtais atividades dentro de uma dimensão significativa e permanentede suas estratégias; e estimulando e atraindo investimentosprivados para estas atividades;

c) aumentar a conectividade entre os diversos agentes dosistema de C&T e induzir a cooperação como forma de expandir eacelerar o processo de aprendizado conjunto. Tal cooperaçãodeverá envolver os diversos tipos de empresas - buscando-seprincipalmente explorar as interfaces existentes nas cadeias defornecedores (de insumos, bens de capital e demaisintermediários), prestadores de serviços, produtores e usuários.Deverá ser igualmente estimulada a cooperação entre empresas eentidades de pesquisa, prestadores de serviços tecnológicos,instituições governamentais e qualquer outra entidade ou conjuntode entidades que possam contribuir positivamente no esforço dedinamização tecnológica do setor industrial;

d) estabelecer políticas especiais de fomento à capacitaçãocientífica e tecnológica em áreas associadas às tecnologiasgenéricas de natureza estratégica (como a tecnologia deinformação e a biotecnologia), buscando-se também promover fusõescom e entre áreas tecnológicas mais maduras e dominadas no país,como por exemplo mecatrônica, farmoquímica, etc.;

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e) promover uma rearticulação em novas bases da infra-estrutura tecnológica estatal e privada de forma diretamentecoordenada com a iniciativa empresarial.

f) implantar um sistema para a identificação deoportunidades científicas e tecnológicas e apoiar a montagem e oreforço de programas que garantam: a rápida disseminação deinformações científicas e tecnológicas; a efetiva difusão dosconhecimentos e tecnologias de interesse do setor produtivo; e adisseminação das possibilidades reais de resposta da competênciatécnico-científica instalada no país aos problemas da produção.

Mecanismos Propostos para Mobilização das Atividades Tecnológicasdo Setor Empresarial

Um elenco de meios e instrumentos deve ser criado/acionadopara influir decisivamente sobre a conduta empresarial em matériade esforço tecnológico. A mobilização de tais meios einstrumentos não pode ser moderada ou marginal. Buscandoestimular uma maior e mais efetiva participação do setor privadonas atividades tecnológicas, e reconhecendo-se os altos riscos ecustos ligados aos investimentos em tecnologia por parte domesmo, faz-se necessário estabelecer diferenciais significativosem termos de:

- um sistema de incentivos fiscais a P&D mais incisivo, compossibilidade de tratamento mais profundo nas áreas de altatecnologia (que exigem elevada proporção de gastos de P&D sobrevendas, como, por exemplo, química fina e biotecnologia);

- o desdobramento de um sistema de crédito diversificado(ajustado a setores, estruturas empresariais e estágios doprocesso de inovação) com prazo e taxas de juros efetivamentevantajosas;

- o desenvolvimento de novos instrumentos baseados emrecursos de origem privada, tais como venture-capital, debênturesespeciais e participações de risco. Isto levaria a umenvolvimento de instituições financeiras poderosas (incluindobancos, companhias de seguro e outros investidoresinstitucionais), assim como os fundos de previdência privada e deamparo ao trabalhador, os quais no Brasil, ao contrário do queocorre em vários países, ainda não financiam nem são usados parafinanciar atividades de P&D.

Propõe-se que sejam criados espaços para uma maiorparticipação dos setores produtivos na definição de prioridades econcepção de estratégias para implementação da política de C&T; eque seja condicionada a concessão de incentivos a contrapartidase comprometimento das empresas com investimentos efetivos em P&D.

Para que seja acelerado e ampliado o processo de aprendizadoconjunto, propõe-se que sejam apoiados: a) os projetosmobilizadores de cooperação tecnológica entre os diferentescomponentes do sistema de C&T; b) as instituições promotoras egestoras de cooperação. Sugere-se ainda que a constituição de

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arranjos cooperativos seja enquadrada como condição prioritáriapara usufruto de benefícios, acesso a crédito, etc.

Ressalta-se particularmente o objetivo de promover autilização criativa e estimuladora do poder de compra das grandesempresas públicas e privadas para demonstração de oportunidades,aglutinação de interesses, mobilização de esforços e indução dearticulação e cooperação tecnológica entre seus diversosfornecedores de bens e serviços e entre estes e demais entidadesdo sistema de C&T.

Deve-se buscar também promover, de maneira diretamentearticulada (financeira e tecnicamente) com a iniciativaempresarial, a reformulação e reengajamento da infra-estrutura deP&D já instalada no país. Tal estratégia deverá envolver: a) arenovação das capacitações dos quadros técnicos dos centros depesquisa e a superação da obsolescência de seus laboratórios; b)a reformulação dos meios de gestão e das áreas de atuação dosmesmos; c) o estabelecimento de incentivos diferenciais queestimulem as diversas instituições de pesquisa e as empresas aefetuarem contatos mais estreitos.

Propõe-se ainda incentivar a realização de programas depadronização, normalização e certificação apoiados pelainiciativa privada (preferencialmente por associaçõesempresariais com metas definidas e comprovação de capacidade degestão).

É evidente a necessidade de reformular e capacitar asinstituições para estas novas tarefas, engajando-as de maneiraefetivamente coordenada. Isto inclui o próprio MCT (e suasagências FINEP e CNPq), a CAPES, os institutos e centros depesquisa estatais, como também o Banco do Brasil, o BNDES, oSEBRAE e os organismos estaduais. A reestruturação dasinstituições-chave do planejamento, coordenação e fomento aodesenvolvimento científico e tecnológico deve compreenderprincipalmente: a flexibilização de suas capacidades operacionaise financeiras; e a capacitação para operar/dinamizar novas formasde apoio que busquem aumentar (a) a difusão dos conhecimentos edas novas tecnologias; e (b) a conectividade dos diferentesatores e, portanto, o processo de aprendizado conjunto,enfatizando-se principalmente a exploração e o fortalecimento dasligações entre pesquisadores, fornecedores, produtores eusuários.

Fundamental faz-se a articulação efetiva do MCT einstituições ligadas diretamente à área de C&T com congêneres emáreas correlatas e principalmente aquelas encarregadas dapolítica de desenvolvimento industrial. Tal poderá ser alcançadoatravés da instituição de mecanismos permanentes de articulaçãoinstitucional entre as diversas esferas institucionais envolvidas(como por exemplo aquelas atualmente a cargo/vinculadas ao MCT,MICT, Miniplan, MEd, Minicom, MME, etc.) ou através da unificaçãodas principais dentre estas instâncias governamentais (como por

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exemplo com a criação do Ministério de Indústria, Serviços eTecnologia, congregando as ações das esferas atualmente ligadasao MCT e ao MICT, com outras também de vital importância àproposta de articulação, como por exemplo o BNDES e demaisagências). Qualquer que seja a forma adotada (Conselho no âmbitoda Presidência da República, Câmara Interministerial ouunificação ministerial), salienta-se a necessidade da implantaçãode um mecanismo de coordenação da política de C&T.

Propõe-se ainda que seja ampliado o envolvimento dosorganismos estaduais atuantes na área de C&T e, sobretudo, que sebusque a descentralização administrativa, através de um maiornível de participação dos Estados nesta área.

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4. INFRA-ESTRUTURAS E COMPETITIVIDADE

PAPEL DAS INFRA-ESTRUTURAS NA PROMOÇÃO DAS CONDIÇÕES SISTÊMICASDE COMPETITIVIDADE

Os sistemas de infra-estrutura física e de prestação deserviços essenciais à atividade econômica - notadamente detransportes, energia e telecomunicações - têm um papel crucial napromoção das condições sistêmicas da competitividade industrial,ao proporcionar as chamadas externalidades às empresas que atuamno país, tanto voltadas ao mercado externo quanto interno. Aprofunda deterioração da base física e da qualidade dessesserviços no Brasil, após mais de uma década de instabilidademacroeconômica, colapso do financiamento e do investimentopúblicos e da base institucional desses sistemas, constituem umsério entrave ao esforço de reestruturação competitiva daindústria.

É inegável que as infra-estruturas desempenharam com êxitofunções de apoio à industrialização brasileira, tendo contribuídodecisivamente para a consolidação do mercado nacional, aintegração territorial, o processo de urbanização acelerado dastrês últimas décadas e o rápido crescimento econômico. Superadaessa etapa e esgotados os instrumentos fiscais, financeiros einstitucionais, predominantemente públicos, que o sustentavam, osistema de infra-estrutura defronta-se com um novo desafio,inadiável e difícil pela magnitude dos recursos e complexidadedas ações que envolve: o de dar um suporte essencial àcompetitividade da indústria.

Embora os pontos de estrangulamento e deficiências no volumee qualidade dos serviços oferecidos sejam numerosos e graves nasdiferentes infra-estruturas, ressalta, para as necessidades decurto prazo da competitividade industrial brasileira, adegradação das condições operacionais dos transportes eatividades conexas (armazenagem e terminais, portuários eoutros), que oneram seriamente as exportações, assim como ospreços domésticos. O colapso dos mecanismos de financiamento nãoapenas reduziu ao mínimo os novos investimentos como,principalmente, tornou precária a conservação e operação dossistemas de transportes já existentes.

No caso das rodovias sob responsabilidade federal, destaca-se que cerca de 35% da malha viária encontrava-se em 1990 em mauou péssimo estado, contra 34% em estado regular; e que a frota decaminhões manteve-se praticamente estagnada em torno de 950 milveículos na década, elevando-se a idade média dos caminhões para12 anos em 1990. As ferrovias, por sua vez, apresentam um quadrode estagnação na capacidade de transporte de carga; deterioraçãonas vias permanentes e sistemas de apoio, no material rodante ede tração, com envelhecimento crescente; e redução dos trabalhosde conservação e manutenção. Os portos, elemento decisivo nacriação de externalidades competitivas, têm apresentadodeficiências sérias, menos na oferta de serviços - que não têmocasionado grandes congestionamentos - do que na sua eficiênciaoperacional, muito abaixo dos padrões internacionais e

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responsável por substancial elevação de custos, que chegam aatingir níveis de 3 a 6 vezes acima dos praticados em grandesportos estrangeiros. Por fim, a navegação de cabotagem permaneceestagnada, enquanto a hidroviária tem apresentado algumasiniciativas bem-sucedidas (sistemas Tietê e Taquari) e constituiimportante alternativa, eficiente e moderna, para desafogar otransporte interno de cargas em face de uma recuperação docrescimento econômico.

No que se refere ao setor energético, os ônus àcompetitividade ainda não são muito visíveis, mas podemmanifestar-se a médio prazo, à medida que a capacidade instaladaseja plenamente ocupada e a crise de financiamento do setor, aolado da deterioração tarifária, mantenham bloqueados osinvestimentos necessários. Assim, estima-se que a capacidadeatual de geração de energia elétrica, de cerca de 55 GW, e osacréscimos a serem trazidos pelas obras em andamento, deprogramação insegura, venham a ser insuficientes já em 1997 paraatender a utilização de capacidade ociosa hoje existente nasindústrias e de novas cargas provenientes de possível retomada dodesenvolvimento. A maior contribuição que se espera para acompetitividade é a pronta garantia pelas autoridades e pelasconcessionárias de que não haverá racionamento localizado ougeneralizado. No caso do petróleo, as metas há muito projetadasde produção de 1 milhão de b.p.d. também têm sidosistematicamente adiadas por insuficiência de investimentos,enquanto os projetos de investimento na produção de álcool foramreduzidos a partir de meados dos anos 80, uma vez atingida aprodução de 200.000 b.p.d., superando a meta de 170.000 b.p.d. Arepartição inadequada das modalidades de energia, notadamenteentre os derivados de petróleo, e entre estes e a energiaelétrica, acumulou distorções ao longo de mais de uma década, querepresentam soluções economicamente ineficientes e custoselevados e impõem a adoção de políticas integradas parareformular o setor e a matriz energética.

Por último, o setor de telecomunicações não escapou à regrageral de virtual estagnação da capacidade instalada e degradaçãoda qualidade dos serviços. Se não constitui um entrave imediato àcompetitividade, tal situação pode vir a comprometer as condiçõessistêmicas de longo prazo da competitividade, que são justamenteintensivas nesse tipo de serviços modernos. No quadrointernacional, a situação da telefonia brasileira é desvantajosatanto em número de terminais - 10,6 milhões (11º no rankingmundial) - quanto, principalmente, no indicador de densidadetelefônica, de apenas 7,1/100 hab. (37º lugar no ranking). Suadistribuição regional é muito desigual, refletindo asdesigualdades de renda; mas nem por isso os grandes centrosurbanos estão satisfatoriamente atendidos, uma vez que no últimoqüinqüênio o tráfego interurbano vem crescendo a 14% ao ano e ointernacional a 23%, indicando um risco crescente decongestionamento do tráfego comercial que acompanha odesenvolvimento e a modernização do país, e que é o maisrelevante para a competitividade industrial. No mesmo sentidoaponta o extraordinário aumento no tráfego de comunicações dedados (87% ao ano entre 1988 e 91), para o qual é particularmenteimportante a qualidade e confiabilidade do serviço, além do

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próprio congestionamento. Quanto a este último (entre outrosindicadores de produtividade), o sistema Telebrás estima umasubstancial recuperação nos últimos anos, mas que ainda o situanum patamar distante do padrão internacional.

FATORES DE ESTRANGULAMENTO

Financiamento

Assim como a construção e expansão da infra-estrutura hojeexistente foi realizada mediante a alocação sustentada derecursos de longo prazo, tanto externos como públicos, denatureza fiscal e orçamentária, a crise do endividamento externoe a crise fiscal do Estado brasileiro, juntamente com a tendênciarecessiva, ao longo dos anos 80, no tempo em que se generalizou aimposição de tarifas irreais subsidiadas, levaram à estagnaçãodos investimentos em infra-estrutura e conseqüentemente à suaprogressiva deterioração. A recuperação e a renovação demecanismos institucionais de financiamento de longo prazo e aadoção de tarifas realistas constituem, portanto, condiçõesindispensáveis para a superação dos obstáculos que tal situaçãocoloca à competitividade sistêmica da indústria.

A persistência da estagnação dos investimentos em infra-estrutura justifica o diagnóstico de esgotamento do modeloanterior, institucional e de financiamento. Com efeito, no setorde transportes, enquanto tais investimentos representaram cercade 1,5% do PIB nos anos 70, reduziram-se à faixa de 0,5-0,7% nosanos 1987-90. O transporte rodoviário foi o mais atingido, tendo-se reduzido substancialmente sua participação nas dotações doMinistério dos Transportes. Na área de energia, o fim dasvinculações orçamentárias (imposto único sobre combustíveis elubrificantes, empréstimo compulsório da Eletrobrás) e acontenção tarifária levaram eventualmente ao estrangulamento dacapacidade de investir, embora este processo tenha sido menosrápido e intenso no sistema petrolífero. Por último, os serviçosde telecomunicações, apesar de sua maior rentabilidadeoperacional frente aos demais segmentos de infra-estrutura, quefavorece o autofinanciamento, tiveram suas necessidades deexpansão e modernização contidas pela compressão tarifária, pelaredução acentuada e recente extinção dos recursos fiscais (FNT) epelas severas restrições à captação de recursos de terceiros, quehaviam chegado a representar quase 50% dos investimentos nasegunda metade dos anos 70.

Tais restrições, em grande parte comuns aos diferentessegmentos de infra-estrutura, sugerem uma abordagem abrangente econjunta para a reestruturação dos seus mecanismos definanciamento, compreendendo:

a) a recomposição da capacidade de autofinanciamento comrecursos próprios de origem tarifária, adotando tarifasrealistas, compatíveis com os custos e a remuneração dosinvestimentos;

b) a recomposição de recursos próprios por meio dereestruturação patrimonial, com melhor aproveitamento de ativos,inclusive mediante programas de privatização;

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c) a recuperação de financiamentos externos bilaterais (comparticipação de fabricantes nacionais no fornecimento deequipamentos) e multilaterais de longo prazo;

d) o estímulo a expansões pelo setor privado, diretamente ouem parcerias, e a captação de recursos internos e externos nosmercados de capitais, incluindo emissão de bônus e de títulossecuritizados;

e) a vinculação orçamentária nos vários níveis de governo aprogramas federais de longo prazo, com orçamento plurianual deinvestimentos, nos segmentos em que a base de recursos foressencialmente pública.

Coordenação/Regulação

A crise fiscal do Estado brasileiro nos anos 80 foiacompanhada, como se sabe, de uma drástica perda de eficácia e decapacidade de planejamento e definição de prioridades para a açãopública, que atingiu os diferentes segmentos. Ressaltam, nessecontexto, a falta de coordenação entre agências e empresaspúblicas e a descontinuidade administrativa na implementação deprogramas e projetos.

Nos diferentes segmentos desponta, em primeiro lugar, anecessidade de um planejamento integrado das ações públicaspertinentes, tendo em vista a função estruturante que osinvestimentos em infra-estrutura cumprem em relação à organizaçãodas atividades econômicas. No que diz respeito ao setor detransportes, tal integração possui dupla dimensão: a integraçãoentre meios logísticos - na coleta, distribuição, armazenagem,escoamento e sistemas portuários -, envolvendo a concepção decorredores de abastecimento interno e de exportações e a maiorênfase na intermodalidade dos meios de transporte; e a integraçãoentre as regiões produtivas, baseada em projetos de estruturaçãoeconômica espacial entre fronteiras agropecuárias, centrosindustriais, centros urbanos de consumo e áreas de apoio aosportos, tendo em vista especialmente ampliar a eficiência noescoamento de grãos do cerrado e de produtos para os mercadosexternos, inclusive os do MERCOSUL.

No âmbito do setor de energia, têm-se acumulado distorçõesque refletem a perda da capacidade de planejamento segundo umaconcepção integrada dos seus problemas, indispensável à fixaçãode prioridades para a área. Entre outros exemplos, mencione-se,no caso dos combustíveis, a crescente utilização de óleo dieselpara transportes de cargas e passageiros, que obrigou aadaptações onerosas na estrutura de refino de petróleo e àexportação gravosa de excedentes crescentes de gasolina, assimcomo os riscos concretos de escassez de álcool combustível após odeclínio do Proálcool desde 1985. No caso da geração de energiaelétrica, os programas de eletrotermia com tarifas privilegiadas,levando à intensificação excessiva do uso de energia elétrica porunidade de produto na produção industrial de benseletrointensivos. Por último, impõe-se uma reformulação da matrizenergética tendo em vista a redução da intensidade energética naprodução, com maior eficiência e cuidado com o meio ambiente nageração de energia, na sua transformação (produção e consumo) eno seu transporte e distribuição, bem como a introdução de novos

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energéticos como o gás natural. Os já conhecidos estudos deconservação de energia elétrica, que podem economizar de 10% a25% na indústria, e os recém-revelados desperdícios de 20% a 30%de óleo diesel, facilmente recuperáveis, exigem programas deenorme prioridade.

Nas telecomunicações, é essencial retomar a sistemática deplanejamento de longo prazo, tendo em conta as dimensõesquantitativas e principalmente qualitativas envolvidas naprogramação de sua expansão. A avaliação das perspectivas dedemanda de serviços de telecomunicações inclui aspectos de grandecomplexidade. Se o estabelecimento de metas para a expansão darede telefônica básica constitui tarefa relativamente simples, omesmo não se aplica à previsão dos demais serviços não-telefônicos, que além das considerações tecnológicas e de custos,envolve uma avaliação por parte das empresas usuárias quanto aestratégias de segurança, controle, flexibilidade e gerenciamentode redes.

A montagem de um sistema de planejamento permitiriaestabelecer metas de longo prazo não só confiáveis tecnicamentecomo sustentáveis financeiramente em termos dos recursosnecessários ao investimento, podendo ainda proporcionar umambiente favorável à atração da participação privada e à formaçãode parcerias. Some-se a isso a existência de diferentes opções demodelos de sistemas de telecomunicações no plano internacional ea constante pressão das agências financiadoras pordesregulamentação, justificando assim a premência da tomada dedecisões estratégicas na ampliação e modernização do atualsistema de telecomunicações, e notadamente na construção de umainfra-estrutura de teleinformática indispensável ao alcance de umnível de oferta e um padrão tecnológico de serviços detelecomunicações compatíveis com as exigências contemporâneas decompetitividade sistêmica.

O Quadro Institucional

A reorganização institucional, voltada entre outrosobjetivos à compatibilização das atribuições entre diferentesesferas e agências de governo, à descentralização de suas ações,à ampliação da participação privada mediante parcerias econtratos de concessão e à flexibilização dos monopóliosestatais, constitui um dos principais desafios a seremenfrentados na reestruturação da infra-estrutura, nos seusdistintos segmentos.

O caráter público dos serviços e a predominância hojeestatal da propriedade e da gestão dos ativos e dos organismos eagências impõem uma revisão profunda do quadro jurídico-institucional que lhes dá suporte, diante da falência dosmecanismos de coordenação e decisão da administração públicafederal direta e indireta. Tal esforço envolve o estabelecimentode formas adequadas - eficazes e não-redundantes - derelacionamento institucional, a modernização e desregulamentaçãodas bases de suporte legal e a revisão das estruturasorganizacionais. A inadequação destes elementos institucionais -administrativos, legislativos e financeiros - e a ausência de

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regras estáveis de longo prazo têm-se colocado como um sérioentrave à prestação, em níveis eficientes, dos serviços básicosde infra-estrutura.

No plano comum aos três setores da infra-estrutura, taltrabalho de revisão compreende as seguintes diretrizes básicas:

a) a reestruturação dos organismos estatais de administraçãodireta e indireta, com a redefinição de seus papéis, de forma aassegurar a capacidade de planejamento e a racionalidade de longoprazo dos sistemas de infra-estrutura;

b) o estabelecimento de mecanismos institucionais queassegurem a capacidade de regulação pública dos sistemas deinfra-estrutura, inclusive mediante a criação de órgãosreguladores independentes;

c) o estabelecimento de legislação e regras estáveis de modoa induzir terceirizações, privatizações e parcerias com o setorprivado;

d) o estabelecimento de regras estáveis de fixação e revisãotarifárias, que resguardem as empresas prestadoras dos serviçosdas políticas de estabilização restritivas de curto prazo;

e) a superação do impasse financeiro representado pelasdívidas acumuladas pelas empresas públicas entre si e com o setorprivado.

Em nível mais específico dos segmentos de infra-estrutura,merecem destaque os seguintes aspectos relacionados ao nível decentralização da estrutura institucional e sua adequação àsmudanças técnicas e econômicas em curso:

a) o desenvolvimento industrial e a expansão do transporterodoviário nas últimas décadas deram lugar a formasdescentralizadas de organização no setor rodoviário, em oposiçãoàs formas centralizadas e estatais nos setores ferroviário eportuário. Neste último, uma legislação obsoleta dificultou suamodernização em termos tecnológicos e organizacionais. A ausênciade planejamento integrado e de coordenação de investimentos nasdiversas modalidades de transporte dificultaram sua expansão emodernização;

b) o desenvolvimento industrial e a expansão da infra-estrutura de energia elétrica, de um lado, e o desenvolvimento dosistema de transportes e da utilização de combustíveis líquidos,de outro, condicionaram a intensidade e os rumos da gestãoestatal nos setores elétrico e do petróleo. Da mesma forma que nocaso dos transportes, a ausência de planejamento integrado e decoordenação dos investimentos nas diferentes modalidades foramobstáculos à sua expansão com maior eficiência na geração,produção e distribuição de energia;

c) o imperativo de centralização e coordenação dastelecomunicações e a evolução histórica da intervenção públicalevaram a uma divisão de trabalho no sistema estatal, em que acomunicação interestadual e internacional passou a ser feita deforma centralizada (Embratel) e a comunicação local e intra-estadual executada no âmbito dos estados (empresas-pólo).Atualmente, verifica-se o início da oferta de serviços de "valoradicionado", através de aplicativos, por parte das empresasprivadas; a progressiva digitalização das funções de comutação e

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transmissão; e a consolidação dos sistemas de interconexão emrede. A exigência de acompanhar a complexidade crescente destesnovos meios e serviços e a tendência internacional deconvergência tecnológica entre telecomunicações e informáticaconduzem à necessidade de mudanças de ordem regulatória eorganizacional.

SUPERAÇÃO DOS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS À COMPETITIVIDADE NAS INFRA-ESTRUTURAS

São relacionadas a seguir as principais prioridades emedidas estratégicas e de políticas públicas necessárias paracada um dos setores de infra-estrutura, com o objetivo de atenderàs exigências de condições sistêmicas adequadas para acompetitividade industrial brasileira.

Transportes

Para a reestruturação e superação de estrangulamentos dosetor de transportes, destacam-se como mais urgentes e/ouimportantes as seguintes diretrizes e linhas de ação:

a) Programa emergencial de recuperação e restauração dostrechos críticos das rodovias federais, para o que se requersuperar as limitações impostas pela Constituição de 1988, quedificultam o financiamento com recursos vinculados à esferafederal, redefinindo-se as atribuições da União e dos estados edelegando-se a estes últimos a operação, gestão e financiamentodos trechos correspondentes das rodovias federais, preservando-sepadrões técnicos unificados. Parcerias com a iniciativa privadamediante concessões para trechos com elevado tráfego constituemlinha de ação complementar importante para tal programa derecuperação e de operação economicamente viável.

b) Programa emergencial de reaparelhamento da malha básicado sistema ferroviário, no que se refere a vias permanentes,terminais, material rodante e de tração e sistemas de apoio. Ainsuficiência de recursos públicos orçamentários impõe soluçõesinstitucionais alternativas, envolvendo a regionalização, a cisãoe a privatização em moldes realistas da RFFSA e da FEPASA. Oaproveitamento de ativos imobiliários, oficinas e outrasfacilidades de prestação de serviços em moldes comerciaisconstitui fonte adicional relevante de recursos e receitas quefavorecerão sua viabilidade econômica. A liberação das tarifas ea adoção de soluções específicas para distintas regiõescomplementa o quadro de uma estratégia voltada à rentabilidadeempresarial sempre que esta for viável.

c) Mudanças no quadro jurídico-institucional do sistemaportuário e um programa de recuperação da navegação de cabotageme de longo curso, com maior integração porto-navio, são as linhasbásicas de ação para o setor de transporte marítimo/hidroviário.Quanto ao primeiro aspecto, aguarda regulamentação a Lei nº 8630de 25/02/93, aprovada pelo Congresso Nacional, que oferecesoluções aos principais problemas portuários brasileiros, aodescentralizar a operação dos portos, extinguir os privilégiosauferidos pelas Cias. Docas e pelos sindicatos, facilitar a livre

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negociação de serviços, autorizar a construção e exploração deinstalações portuárias privadas e, finalmente, permitir readaptaras tarifas portuárias às novas condições de operação com custosreduzidos. No que se refere à recuperação da navegação, propõe-secomo diretrizes básicas, além da modernização da legislação demovimentação de cargas nos portos, a modernização tecnológica naestocagem, manuseio e embarque/desembarque de cargas, reduzindo apermanência dos navios, reformulação do apoio governamental àindústria de construção naval e aos armadores, a exemplo depaíses desenvolvidos, aumentando a utilização da capacidadeinstalada e a participação e competitividade do transportemarítimo nacional. A operação da navegação interior deve serestendida a outras empresas de transporte e autônomos, de forma aestimular sua descentralização e ampliação da escala.

d) Para o conjunto do setor de transportes, ressalta, comojá indicado antes, a importância do planejamento integrado,especialmente envolvendo a integração entre meios logísticos eregiões produtivas, com ênfase na coordenação entre esferas degoverno, entre suas agências e empresas e destas com o setorprivado; e na promoção da intermodalidade. Por outro lado, nadefinição de mecanismos de financiamento e de captação derecursos alternativos destacam-se: proposta de vinculaçãoorçamentária a Programas Nacionais de Longo Prazo, associados aum orçamento plurianual de investimentos, evitando os riscos dedescontinuidades decorrentes de cortes orçamentários; e asmencionadas medidas de regionalização, delegação de funçõesoperacionais e de conservação aos estados, privatização deempresas, concessão de serviços de operação à iniciativa privadae realização de parcerias.

Energia

A adequação do setor de energia às necessidades de maiorcompetitividade industrial requer um conjunto integrado demedidas, em que se destacam:

a) Recuperação das concessionárias regionais e estaduais deenergia elétrica, no que diz respeito à eficiência operacional eà administrativa, que deixam a desejar, assim como no queconcerne à capacidade instalada, em face do grande número deobras inconclusas de usinas, especialmente aquelas cujo custo deconclusão é baixo. A hegemonia da hidreletricidade deverápermanecer a médio prazo no Brasil, mas os custos elevados definanciamento colocam limites à sua expansão em grande escala,abrindo espaço para pequenas e médias usinas. Paralelamente, abusca de alternativas termelétricas de baixo custo e poucopoluentes permanece válida, ainda que em proporções poucoexpressivas.

b) Maior participação do setor privado nas atividades degeração e distribuição de energia elétrica para uso público, sejapela intensificação dos programas de autoprodução, co-geração egeração independente - que já vêm sendo parcialmente apoiados noâmbito do BNDES, embora ainda com montantes de recursos limitadosem relação às necessidades do setor -, seja pela privatização deempresas estatais e concessões, objeto do P.L. nº 179/90 do

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Senado (nº 62 da Câmara) ora em tramitação. O acesso dosprodutores de energia ao sistema de transmissão é de fundamentalimportância para atrair produtores privados e para promover aconcorrência entre os produtores estatais (legislação a respeitoestá sendo anunciada pelo Governo). A complexidade das questõestécnicas, jurídicas e financeiras e a dimensão estratégicaenvolvidas na privatização de empresas deste setor recomendam quequalquer que seja a solução institucional adotada, busque-sepreservar tanto a capacidade de planejamento integrado quanto acapacidade de regulação pública do setor.

c) Recomposição, via tarifas e ajustes de débitos, dacapacidade de autofinanciamento do setor petróleo, que, embora emsituação financeira menos dramática que o elétrico, apresentarestrições ao investimento por insuficiência de geração derecursos próprios. Débitos cruzados da DNC junto à Petrobrás -que já ultrapassam US$ 3 bilhões nas contas petróleo, derivados eálcool - e desta junto a órgãos e empresas de governo, gerandoprovável crédito superior ao valor referido, impõem um acerto decontas públicas a fim de ampliar a disponibilidade interna derecursos dessa empresa para investimentos.

d) Formulação de política energética clara e flexível paraos combustíveis líquidos e gasosos no país. O programa deinvestimentos da Petrobrás basicamente consolida a estrutura deconsumo final de combustíveis do país nos anos 80, com o seu pesoacentuado e crescente de óleo diesel. A incorporação do gásnatural poderá permitir melhor equacionamento entre oferta edemanda de derivados mediante alterações na estrutura de refino,assim como reduzir o déficit de GLP, embora esbarre ainda emconflitos de jurisdição entre Petrobrás e estados quanto àdistribuição do gás natural, que devem ser superados na revisãoconstitucional, mediante supressão do § 2º do Art. 25 daConstituição Federal. A superação das indefinições estratégicasquanto à substituição de energéticos por gás natural pressupõeuma reformulação da política de preços dos combustíveis,fortemente subsidiados, que praticamente inviabiliza a desejávelsubstituição pelo gás natural.

e) Linhas de ação gerais e específicas voltadas ao setorcomo um todo, objetivando definir programas de conservação deenergia, bem como fixando prioridades da política energética,destinadas principalmente à preservação do meio ambiente; aoaumento da eficiência nas várias etapas de geração e distribuiçãode energia; na redefinição dos perfis de oferta e demanda damatriz energética; e na reversão da tendência à intensificação nouso industrial e de consumo final de energia. Reforçar a atuaçãoda Secretaria Nacional de Energia e restabelecer um órgãocolegiado assemelhado à Comissão Nacional de Energia, semprejuízo da necessária descentralização operacional do setor, sãoprovidências favoráveis à recomposição da capacidade, hojedeteriorada, de planejamento estratégico do setor de energia.

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Telecomunicações

Com o objetivo de dar apoio à competitividade sistêmica numaperspectiva de médio e longo prazos, as principais linhas de açãoseriam:

a) Expansão, melhoria da qualidade e oferta de novosserviços de telecomunicações, abrangendo os serviços básicos, atelefonia avançada e os serviços não-voz (comunicação de dados,imagem, multimídia e outros serviços avançados). Com o objetivoinicial fixado na melhoria da qualidade e em ganhos deprodutividade dos serviços existentes, o desempenho do sistemamostrará sensível progresso, seja no descongestionamento delinhas, seja na redução do número de defeitos, o que por sua veztenderá a estimular o crescimento e diversificação da demanda -esta possivelmente também favorecida pela retomada dedesenvolvimento do país com upgrading de sua inserçãointernacional. De um lado, a ampliação da rede básica tendo emvista sua universalização é um requisito primordial e consensualpara o desenvolvimento sócio-econômico e, por extensão, para acompetitividade sistêmica. De outro, a difusão do uso detecnologias de informação no âmbito das telecomunicaçõespromoverá a aceleração do ciclo de aprendizado dessas tecnologiasna produção e no consumo, no âmbito do mercado interno.

b) Ampliação e diversificação dos mecanismos definanciamento, acompanhados de recomposição tarifária, sãoindispensáveis para viabilizar os objetivos acima indicados. Acaptação de recursos mediante colocação pela Telebrás deeurobônus e ADR, entre muitas outras possibilidades de formasalternativas de financiamento, vem sendo implementada comsucesso. No âmbito interno, é importante explorar o potencial definanciamento do sistema BNDES, que entretanto está atualmenteimpossibilitado de financiar as empresas estatais do sistema -assim como dos demais - em função da Resolução 1718/89 do BancoCentral, que o impede de financiar empresas públicas. Éconveniente examinar a possibilidade, senão de eliminar taldispositivo, de excluir sua aplicação ao sistema detelecomunicações, considerando-se inclusive a atratividade erentabilidade potenciais de grande parte dos investimentos dosetor a serem financiados. No que se refere às tarifas, éfundamental dar prosseguimento à recuperação já iniciada em 1993,de modo a favorecer a acumulação de recursos próprios dasempresas, dando ênfase à tarifação de acordo com o perfil dademanda, que nesse setor é particularmente diferenciada.

c) Utilização do poder de compra do sistema detelecomunicações como instrumento de política pró-competitiva.Empregado com sucesso no passado, quando da implantação dosistema, decaiu substancialmente nos anos 80, seja por excesso defornecedores, seja por instabilidade dos investimentos e daspolíticas de compras. O exercício desse instrumento no presentecontexto deve subordinar-se às diretrizes da política industriale tecnológica, privilegiando a capacitação tecnológica e ainternalização progressiva e seletiva de novas tecnologias,notadamente de engenharia de softwares e microprocessadores;requerendo a adequação a normas e padrões técnicos e de

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qualidade; e estabelecendo critérios para a distinção entrecompras locais e importações.

d) Aumento da participação do setor privado, medianteformação de alianças estratégicas e parcerias das estatais dosetor com a iniciativa privada, tendo em conta não só asvantagens de flexibilidade e de aporte de recursos daí derivadas,como principalmente os atrativos que os novos serviços detelecomunicações apresentam em termos de perspectivas de mercadode alta renda em rápida expansão. As modalidades de parceriaincluem, entre outras, joint business e joint ventures, leasing,planta comunitária e turn key com pagamento vinculado à receita.A privatização de ativos e empresas, nos vários níveis dosistema, é um caminho que comporta diferentes modelos possíveis,implementados em outros países, requerendo por isso uma decisãopolítica subordinada a uma prévia definição de um modelo detelecomunicações para o país. Basicamente, trata-se de levar emconta as diferenças econômicas e de rentabilidade entre os doisgrandes segmentos do setor - a rede básica de telefonia e osserviços de "valor adicionado" - de forma a evitar que aprivatização se concentre neste último segmento, relegando aosetor público os ônus, correspondentes a elevados custos egrandes volumes de investimento com retorno mais lento,associados à rede básica.

e) Seja qual for o modelo institucional adotado, é essencialrecuperar a capacidade de planejamento e de regulamentaçãopública do setor. Além da atualização da legislação pertinente,através de nova lei de telecomunicações que estabeleça regrasclaras e estáveis para atrair investidores privados na área, éconveniente a criação de uma estrutura autônoma de regulamentaçãovis-à-vis o poder executivo, a exemplo de outros países, com aatribuição de arbitrar conflitos entre agentes do setor e osusuários e definir e administrar os princípios regulatóriospertinentes. A insuficiente experiência brasileira nesse camporecomenda estudar as várias modalidades existentes em outrospaíses antes de implantar essa estrutura regulatória.

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5. A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO: REFORMATRIBUTÁRIA E FINANÇAS INDUSTRIALIZANTES

REORGANIZAÇÃO DO FINANCIAMENTO PARA SUSTENTAR A RETOMADA DOINVESTIMENTO PÚBLICO E PRIVADO

O agravamento da crise econômica nos anos 80 e no primeirotriênio dos anos 90 expressou-se de forma dramática na retraçãoda formação bruta de capital fixo para níveis inferiores àsnecessidades mínimas de manutenção e de reposição do capital,notadamente nas áreas de infra-estrutura. O desenvolvimentocompetitivo requer a retomada da taxa de investimento para cercade 25% do PIB, de forma compatível com a sustentação docrescimento econômico num ritmo de 5% ao ano.

Esta necessária elevação da taxa agregada de inversão fixaexige a mobilização de meios adequados, não-inflacionários, definanciamento. Como foi observado na Nota Técnica "CondicionantesMacroeconômicos da Competitividade", apesar de ter ocorridorecuperação dos níveis agregados de poupança sobre o PIB, essarecuperação foi absorvida pela transferência de recursos para oexterior, pelos encargos da dívida interna (transferências para osetor financeiro) e pelo aumento dos preços relativos de bens decapital e obras públicas. Ou seja, o esforço adicional depoupança não correspondeu a uma elevação do investimento realsobre o PIB, que vem oscilando entre 17% e 19% nos últimos anos.

A capacidade de poupança corrente do governo contraiu-sefortemente na década de 80, evoluindo para uma posição negativanos últimos anos, como se pode verificar na Tabela 1. A erosão dacapacidade de poupança pública deveu-se à contínua deterioraçãoda carga tributária bruta (nos três níveis de governo) comsimultânea ampliação das transferências financeiras (jurosinternos e externos) e previdenciárias. Como resultado, a receitatributária líquida reduziu-se de 15,6% do PIB nos anos 70 paraapenas 7,5% nos últimos anos. O lado da despesa mostra contenção,tendo a massa salarial do setor público crescido muito pouco(apesar do aumento expressivo do número de funcionários com forteredução do salário real médio). Os investimentos públicos(exclusive estatais), no entanto, foram duramente penalizados -reduzidos a menos da metade - em prejuízo das condiçõessistêmicas da competitividade.

Simultaneamente à crise das finanças públicas, o setorprivado também arrefeceu seus investimentos, desendividou-se epassou a aplicar suas disponibilidades em títulos públicos. Osistema de financiamento privado mostrou-se carente deinstrumentos, regras estáveis e de uma institucionalidadesuficiente para canalizar as poupanças e criar crédito em prazose condições estimulantes para os investimentos. Ao contrário, apossibilidade de obter rendimentos financeiros com elevadaliquidez e risco zero passou a inibir permanentemente oinvestimento produtivo. A tendência à hiperinflação, a incertezae os efeitos dos sucessivos "choques" de política econômicalevaram a uma pronunciada regressão da intermediação financeirana segunda metade dos anos 80.

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TABELA 1BRASIL - CONTA CORRENTE E FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL DO GOVERNO

CONSOLIDADO, EM PERCENTAGEM DO PIB1970-1992

(%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ITEM 1970-78 1979-82 1983-87 1988-92*------------------------------------------------------------------------------------------------------------1. Carga tributária bruta 25,4 24,7 23,1 21,9

2. Transferências ao setor privado 9,3 12,1 12,5 14,5 2.1.Juros internos e externos 0,6 1,4 3,1 3,5 2.2.Previdência, assistência e subsídios 8,7 10,7 9,4 11,0

Receita total líquida (1-2) 16,1 12,6 10,5 7,5

4. Despesas correntes (exclusive transferências) 10,2 9,6 9,8 10,8 4.1.Pessoal e encargos 7,3 6,7 6,5 8,0 4.2.Bens e serviços 2,9 2,9 3,2 2,8

5. Poupança em conta corrente (4-3) 5,9 3,0 0,7 -3,3

6. Formação bruta de capital fixo 3,8 2,4 2,2 1,5

7. Necessidade de financiamento (6-5) -2,1 -0,6 1,5 4,8------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Estimativa.Fonte: FIBGE/DECNA. Extraído de: Longo (1993:48).

Em síntese, a crise econômica retrata-se de forma inequívocana profunda desarticulação do sistema de financiamento público eprivado. A retomada de um nível minimamente satisfatório deinvestimento e poupança agregados exige: a) a recuperação dasfinanças do Estado; b) a criação de finanças industrializantes.

Estes dois pilares essenciais para a construção de um novopadrão de financiamento, capaz de sustentar os investimentosrequeridos pelo desenvolvimento competitivo, serão objeto destecapítulo.

RECUPERAÇÃO DAS FINANÇAS DO ESTADO

Reforma Fiscal e Pacto Federativo

A Constituição de 1988 não modificou substancialmente aestrutura de arrecadação tributária, mas alterousignificativamente a partilha dos tributos em favor dosmunicípios e estados em detrimento da União. Como se podeverificar na Tabela 2, a participação da receita disponível daUnião no total da arrecadação tributária reduziu-se de 68,1% em1980 para 54,8% em 1990, enquanto a participação dos estadossubiu de 23,1% para 29,3% e a dos municípios praticamenteduplicou (de 8,7% para 15,8%).

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TABELA 2BRASIL - DISTRIBUIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA DISPONÍVEL

1970-1990(%)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS TOTAL------------------------------------------------------------------------------------------------------------1970 60,7 29,1 10,1 100,01975 68,2 23,4 8,6 100,01980 68,1 23,1 8,7 100,01985 62,7 26,2 11,0 100,01990 54,8 29,3 15,8 100,0------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Longo (1993:56).

A reforma fiscal deve visar o fortalecimento das finanças daUnião - na revisão tributária -, principalmente através datransferência de encargos e atribuições para as esferassubnacionais. À desconcentração dos recursos tributários devecorresponder uma descentralização efetiva de competências. Essadescentralização não é apenas desejável na área das políticassociais (educação e saúde), mas deve também abranger outras áreasde infra-estrutura. Como será visto na Parte IV do presenterelatório, a descentralização é um vetor importantíssimo para apolítica de competitividade, especialmente no que se refere àconstrução de externalidades positivas e outras condiçõesbenignas para a formação de redes de cooperação no planolocal/regional.

A reforma do pacto federativo deve estimular, por outrolado, a autonomia dos estados e municípios no plano dos impostosde natureza local, induzindo-os à maior busca de arrecadaçãoprópria.

Mas, além das mudanças necessárias no regime federativo, éfundamental que seja empreendido um grande esforço de austeridadee economia de custeio em todos os níveis - com legislaçãopunitiva e preventiva para todas as formas de desvio edesperdício de recursos públicos. Esse esforço é uma precondiçãopara a legitimação social e política da recuperação daarrecadação tributária agregada. Reformas administrativas,transparência, probidade e principalmente eficiência na prestaçãodos serviços estatais são postulados indispensáveis à evoluçãodemocrática da vida pública brasileira.

Necessidade e Condições da Reforma Tributária

A recuperação das finanças do Estado exige a implementaçãourgente de uma reforma tributária, com fortalecimento da União.Os requisitos para recuperação das condições de competitividadesistêmica, dados os encargos financeiros e as necessidadesrepresadas de investimento público - num país de dimensão

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continental, com graves carências sociais acumuladas -, tornamnecessária a elevação da arrecadação tributária macroeconômicapara a vizinhança de 30% do PIB. Este nível só poderá seralcançado por etapas, no contexto de uma reforma tributáriaequânime e racionalizadora, com a economia estabilizada, sobcrescimento organizado e sustentável.

Mas do ângulo do ECIB, a reforma tributária deve atentarpara o critério da competitividade. Isto é, não diz respeitosomente ao tamanho da carga tributária mas também à suasistemática, estrutura e compatibilidade com os blocos decomércio com os quais o país transaciona, sem descuidar daeficiência do sistema arrecadador. A pesquisa realizada demonstraque a carga tributária brasileira é baixa e pouco dinâmica tantopara seu próprio padrão histórico como na comparação com"capitalismos tardios" europeus, como a Itália e a Espanha, comos quais se igualava no início dos anos 70.

É, além disso, desequilibrada e relativamente incompatívelcom o padrão tributário internacional, sobretudo europeu, em suaestrutura e sistemática tributária, principalmente no que serefere ao peso excessivo das ditas "contribuições sociais" sobreo faturamento, que impedem a desoneração fiscal plena dasexportações e protegem involuntariamente as importações, as quaisrecebem tratamento tributário mais compatível com acompetitividade nos seus países de origem.

TABELA 3OECD, CEE E BRASIL - COMPOSIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA

------------------------------------------------------------------------------------------------------------ITEM OECD (1990) CEE (1990) BRASIL (1991)------------------------------------------------------------------------------------------------------------Receita como Percentagem do TotalImpostos diretos 38,9 35,1 18,7Impostos sobre propriedade 5,6 4,6 2,4Seguridade social 23,9 28,2 31,4Impostos indiretos 30,3 31,4 44,6Outros 1,3 0,7 3,0Total de impostos 100,0 100,0 100,0

Receita como Percentagem do PIBImpostos diretos 15,12 14,32 4,65Impostos sobre propriedade 2,18 1,88 0,60Seguridade social 9,30 11,50 7,79Impostos indiretos 11,80 12,80 10,99Outros 0,50 0,30 0,75Total de impostos 38,90 40,80 24,78------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: OECD e CEE: Knoester (1993); Brasil: Contas Nacionais.

A composição da carga, ao contrário dos paísesdesenvolvidos, é desequilibrada, sendo a tributação da renda e do

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patrimônio de pequeno significado, frente ao peso relativo dos"ditos" encargos sociais (destinados ou não à seguridade) e dosdemais tributos indiretos.

Quanto à incidência microeconômica, grande parte dasdistorções deriva da inflação. Entre elas, no caso dos impostossobre valor agregado, a sistemática de cobrança de impostosbaseada nos saldos mensais entre créditos e débitos tributáriospenaliza aqueles setores com maiores ciclos de produção, os queatuam com contribuintes substitutos, além dos que destinam grandeparcela da produção para as exportações, dada a não-indexaçãoe/ou monetização dos créditos tributários.

O recurso aos impostos sobre o faturamento, em situaçõesinflacionárias, aumenta o peso dos efeitos em cascata, agravandoo impacto final da tributação sobre a elevação de preços,impedindo a desoneração de grande parte da carga nas exportaçõese, finalmente, agravando a heterogeneidade setorial daincidência, de acordo com a complexidade das cadeias produtivas.

A conseqüência é uma enorme dispersão da carga tributáriaentre setores, regiões, produtos e até entre empresas de um mesmosetor, o que faz frutificar a revolta dos contribuintes, fomentaa evasão fiscal e produz efeitos não intencionais na configuraçãoda carga, tornando inócua a política tributária nacional.

Do ângulo da competitividade, os requerimentos derivados dainternacionalização e globalização dos sistemas econômicos sãomúltiplos. Parte-se da necessidade de minimização das diferençasde tratamento tributário entre países, para neutralizar suainfluência sobre a mobilidade de bens, serviços, mão-de-obra ecapital. Assim, a harmonização tributária é uma necessidade tantopara os países como para os blocos de comércio. Esta harmonizaçãonão se refere apenas ao tamanho mas, principalmente, àsistemática tributária.

No caso do Brasil, a profunda desigualdade social dificultaa materialização de um sistema baseado na eqüidade vertical ehorizontal e na abrangência das bases de tributação, favorecendoa combinação perversa de baixa carga tributária macroeconômica ealta incidência sobre aqueles que são objeto da tributação, o queamplia as resistências quanto ao necessário aumento da receita.Além disso, torna mais complexa a concepção de um sistema deproteção social que atenda em simultâneo demandas contraditóriasdos contribuintes (base estreita, porém muito necessária) e doscidadãos, financiados com recursos, hoje cadentes, do GovernoCentral.

Diretrizes para a Reforma Tributária

A reforma tributária deve ter como princípio geral aampliação das bases de incidência, com distribuição mais equânimee harmonização ao padrão internacional. As diretrizes erecomendações que se seguem buscam não apenas a elevação da

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arrecadação agregada, mas também uma otimização racionalizadoracom ênfase nos seguintes pontos:

- equalização das incidências impositivas;- harmonização e adequação aos padrões internacionais;- estímulo ao investimento e à competitividade (tratamento

às exportações e às atividades de P&D);- aperfeiçoamento da eficácia do sistema, em particular

sobre a fiscalização e sobre os bancos de dados relacionados àtributação.

A racionalização e otimização do sistema tributáriorecomenda a seleção, dentre as possibilidades adaptativas dopadrão tributário dominante no mundo desenvolvido, das bases detributação que possam gerar recursos e ao mesmo tempo atenuar asdesigualdades na incidência tributária, no plano interpessoal,entre setores de atividade e entre empresas.

Para estes objetivos, é preciso rever a área dos impostossobre valor agregado (IVA) e das contribuições sociais.

a) Revisão dos impostos sobre valor agregado (IVA)

i) Eliminação da discriminação contra o capital, ao qualatualmente é negado crédito tributário sob a prática do créditofísico. Transformação do ICMS em um IVA sobre o consumo, e inícioda transformação do IPI na mesma direção.

ii) Implementação plena do princípio de destino nasexportações, estimulando a competitividade da economiabrasileira.

iii) O número de alíquotas deveria ser limitado,compreendendo uma alíquota normal, uma alíquota reduzida parabens essenciais e uma alíquota superior, para bens de luxo.Alíquotas diferenciais poderiam apenas ser aplicadas às etapasfinais do processo produtivo, sendo as etapas intermediáriastributadas à alíquota normal.

iv) Plena aplicação do princípio do destino para asimportações, através da aplicação da alíquota normal do IVA.

v) Ampliação da base do ICMS, por meio de sua fusão com oISS. Como este é um imposto relevante para grandes municípios,preservação de uma lista de serviços mínima na competênciamunicipal.

vi) Imunidade do ICMS para exportação de semi-elaborados.vii) No caso do IPI, a reforma deveria contemplar a sua

substituição por um IVA federal sobre o consumo e pela criação deimpostos seletivos sobre fumo, bebidas e automóveis. Asubstituição do IPI por uma base mais ampla e uma só alíquota, dotipo consumo, cobrindo a indústria e também os serviços prestadosà indústria. Agricultura, comércio e serviços não prestados àindústria serão isentos e exportações terão alíquota zero.Créditos plenos serão concedidos para bens de capital.

b) Criação da contribuição sobre valor adicionado (CVA)

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A introdução de uma "contribuição sobre o valor adicionado"(CVA), no conceito lucro bruto menos salários, deveria seradotada em substituição ao COFINS, ao PIS-PASEP e à contribuiçãosobre o lucro líquido das empresas, os dois primeiros tributos emcascata. Numa economia em que a distribuição funcional da renda(entre salários e lucros) é extremamente desigual, na faixa dos30% e 70%, respectivamente, se justificaria a atual divisão daparticipação de empregados e empregadores (1/3 e 2/3) natributação sobre a folha de salários, bem como a intenção deescolher como base alternativa ao faturamento alguma proxy darepartição da renda observada no Brasil, como a CVA, parafinanciar a Seguridade Social.

c) Revisão dos incentivos fiscais, visando sua aproximação àpolítica de competitividade

i) Substituição da sistemática de concessão a priori deincentivos fiscais pela concessão de subsídios segundo cronogramade realização de investimentos.

ii) Eliminação dos incentivos setoriais e regionais e suasubstituição por subsídios a projetos e cadeias virtuosas deinvestimentos, proporcionais à capacidade de geração de melhoriade qualidade e produtividade, e ganhos de competitividade. Adimensão regional e setorial de projetos prioritários apenasacrescentaria elementos adicionais à comparação entre projetos.Substituição das atuais instâncias de concessão automática deincentivos por colegiados com capacidade de consulta, articulaçãoe decisão voltadas para as prioridades da política industrial etecnológica e capazes de avaliar a eficiência dos investimentos.

d) Recomposição da receita pública

i) O valor do contencioso jurídico, da evasão e da sonegaçãofiscal que se associa à instabilidade das regras tributárias e àperda de poder coercitivo do governo nos últimos anos recomenda aregularização prévia das relações do governo com o empresariado,através da estabilidade das regras de tributação e dorestabelecimento da capacidade de fiscalização da ReceitaFederal.

ii) significativo esforço deve ser dedicado aoaperfeiçoamento dos atuais sistemas de fiscalização, comcruzamento de cadastros, entre impostos e níveis de governo,einformatização dos sistemas de informação.

iii) O aprimoramento do sistema de informação dependeriatambém da elaboração de estatísticas tributárias adequadas que,organizadas sob a forma de sistemas de indicadores, subsidiariamas decisões de política tributária, em conexão com a aquisição decompetitividade sistêmica.

A ARTICULAÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO

A recomposição das finanças do Estado é simultaneamentecondição-chave para a credibilidade da estabilização e para a

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sustentação da retomada dos investimentos públicos. As reformasestruturais básicas para o desenvolvimento competitivo transitam,assim, pela articulação de um sistema de financiamento capaz decanalizar a liquidez sistêmica para o apoio aos investimentos. Osetor público, equilibrado e financeiramente fortalecido,certamente contribuirá para firmar um horizonte deprevisibilidade para o cálculo privado, assim como a recuperaçãodos investimentos governamentais induzirá a realização deinvestimentos privados associados.

A conseqüência mais importante, contudo, deve ser a rupturada chamada "ciranda financeira", que assegura juros elevados,pronta liquidez e ausência de risco às poupanças privadas. Ofortalecimento financeiro do Estado deve suprimir,definitivamente, esta anomalia, estabelecendo uma relaçãopositiva entre as taxas de juros e os respectivos prazos dematuridade das operações (yield curve positivamente inclinada,isto é, aos prazos mais longos (curtos) devem corresponder taxasde juros mais elevadas (baixas)). A inversão da perversa relaçãovigente, que premia as aplicações de curto prazo, sem risco, deveser alvo primordial do novo padrão de financiamento, pois oobjetivo é financiar o investimento produtivo com "custo" maisbaixo, ancorando a liquidez sistêmica no investimento e naprodução (e não na "ciranda financeira").

Neste sentido, os instrumentos básicos de dívida públicadevem obrigatoriamente considerar a diferenciação dos prazos etaxas de juros, segundo a natureza das operações (isto é, títulosde curto prazo de regulação de liquidez; títulos de médio e longoprazos do Tesouro destinados ao apoio a projetos de investimentocom taxas internas de retorno compatíveis com taxas de jurospróximas aos padrões internacionais).

Em outras palavras, dever-se-ia perseguir uma diferenciaçãode prazos e de atributos dos títulos públicos de forma que ostítulos de curto prazo, dotados de maior liquidez, fossemnegociados no mercado monetário com taxas de juros reaisadequadas para as operações de regulação da liquidez da economia.Os títulos da dívida pública de médio prazo deveriam funcionarcomo ativos de instituições financeiras no âmbito das aplicaçõescompulsórias dos bancos e como aplicações dos demaisinvestidores, submetidos ao regime de repactuação de taxas epassíveis de redesconto no Banco Central. Os títulos de longoprazo, negociáveis no mercado secundário, seriam destinadosespecialmente aos investidores institucionais com o propósito definanciar o investimento.

Esta estratégia requer uma nova articulação, muito maisestreita, entre o setor público e o setor privado, não apenas noque toca à canalização das disponibilidades líquidas para ofinanciamento dos investimentos mas, também, através deparcerias, privatizações, investimentos associados e daconstituição de empresas conjuntas (privadas, com aval público)dedicadas à promoção de projetos de mútuo interesse, conformeserá desenvolvido adiante.

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Mas, além disso, é também fundamental superar o divórcioentre banco e indústria. O desenvolvimento competitivo docapitalismo brasileiro requer a aproximação - com sinergia ealavancagem mútua - entre os sistemas financeiro e industrial. Éindispensável criar uma solidariedade saudável entre as duasesferas, através de parcerias estáveis ou de participaçõesacionárias orgânicas, que induzam o capital bancário-financeiro adar suporte a investimentos competitivos e à reestruturação dosgrupos empresariais brasileiros, para que estes ganhem escala evitalidade para enfrentar os desafios do comércio e dosinvestimentos em escala global.

Esta proposta de tornar interdependentes os segmentosfinanceiro e industrial assenta-se na análise dos modelos bem-sucedidos do capitalismo desenvolvido.

Ausência de Finanças Longas: Restrição Estrutural

A experiência internacional aponta duas vias alternativastrilhadas pelos países capitalistas avançados para combinarestabilidade monetária, crescimento, difusão de progresso técnicoe financiamento: ou construíram vinculação estreita entre bancose indústrias (Alemanha e Japão), ou dispuseram de um eficientemercado de capitais como base do padrão de financiamento (EUA eInglaterra). O processo de industrialização brasileiro efetivou-se sem que se lograsse constituir um sistema de créditodiversificado em termos de instrumentos e de prazos, capaz decompatibilizar liquidez, estabilidade e investimento real, nem,tampouco, implantar um mercado de capitais forte e abrangente,para suprir os requisitos de financiamento interno.

Por não financiar a longo prazo, a não ser por canaispúblicos, o sistema de crédito brasileiro é um fator de bloqueioao investimento industrial. O crédito privado no Brasil é caro econcentrado no curto prazo. É pouco expressiva a ofertavoluntária de empréstimos de médio e longo prazos pelo sistemabancário interno e, também, a possibilidade de financiamento poremissão de ações e de outros títulos de dívida em face dadimensão acanhada do mercado de capitais. Nos últimos anos, estesproblemas combinaram-se com a elevada liquidez do mercado decurto prazo, fruto da persistente redução do endividamento dasempresas e da prática quase contínua de juros reais elevados comoinstrumento de políticas gradualistas de controle inflacionário.

A ausência de um sistema de crédito diversificado e odesajuste fiscal e financeiro do Estado constituem, portanto,restrições básicas ao crescimento com estabilidade e comreestruturação do sistema produtivo. Assim, o esforço de ajustefiscal e patrimonial do Estado só conduzirá à estabilização seocorrer, em simultâneo, uma ampla reforma das finanças daeconomia, que supere a peculiaridade de um sistema definanciamento centrado em instrumentos indexados e de curtíssimoprazo, que rapidamente incorporam as inflações corrente eesperada às taxas de juros.

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Os Círculos Viciosos e seu Rompimento

A persistência de juros reais altos induziu uma estratégiade ajustamento das empresas centrada na redução drástica doendividamento e na busca de excedentes líquidos, de forma atransformar os juros altos em fonte de receita financeira. Destaforma, do ponto de vista microeconômico, o juro alto não pode sertido apenas como fonte de custos e perda de competitividade paraa indústria. Em muitos casos, representa importante componente dereceita, além de constituir parâmetro central de cálculo para ocusto de uso do capital.

Agentes privados líquidos, desajuste intertemporal dereceitas e despesas públicas, existência de instrumentosfinanceiros indexados e de curto prazo e emissão de títulospúblicos para financiar a contrapartida do influxo de divisas sãoelementos suficientes para gerar taxas de inflação com grandeindependência do comportamento real das variáveis macroeconômicasfundamentais à formação de preços.

É indiscutível que o declínio da inflação é condiçãonecessária à diminuição do custo de capital. Entretanto, dada asituação de regressão financeira em que se encontra a economiabrasileira, não é garantido que um processo de estabilização crieautomaticamente financiamento de longo prazo. As engenhariasfinanceiras ficam dificultadas em face da demanda diminuta porcréditos (apesar do potencial de investimentos ser elevado) e emface da oferta de crédito ser inibida pela falta de horizontes delongo prazo e, ainda, pela inexistência de uma fronteira dinâmicade investimentos.

Em suma, não adianta atacar só os fatores que afetam a taxade juros se, paralelamente, não se produzir uma mudança nosfatores que influenciam a eficiência marginal do capital, isto é,as perspectivas de rentabilidade futura dos ativos reais. Estatransição das expectativas em direção ao crescimento sustentável,com efetivação de decisões de investimento, ditará o ritmo deredução da taxa de juros compatível com o ajustamento simultâneodo grau de liquidez sistêmico. A mudança de expectativascondiciona, também, a possibilidade de desdobrar um espectrotemporal positivamente inclinado para a taxa de juro. A induçãodas decisões de investimento, por seu turno, requer aimplementação de uma política de competitividade industrial. Comoinstrumentos-chave dessa política destacam-se o crédito e areforma dos mercados financeiro e de capitais.

Liberalização Versus Constituição de uma Base Financeira Interna

Diante da globalização financeira é hoje impensável umareestruturação à margem do mercado de capitais mundialmenteintegrado. O desafio é como montar uma estratégia de inserção queatraia capitais de risco para investimentos fixos, contenhamecanismos limitantes à especulação internacional e que, ao mesmotempo, sirva para promover o avanço tecnológico e odesenvolvimento competitivo. É oportuno lembrar que aliberalização cambial e financeira pode converter-se numa grandearmadilha que conduz a uma sobrevalorização estrutural da taxa de

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câmbio. Mais ainda, ela pode inibir completamente odesenvolvimento de uma base interna de financiamento de longoprazo ao estimular uma irreprimível extroversão das operações deendividamento dos agentes econômicos. Ao invés de auxiliar, elapode inviabilizar o desenvolvimento do sistema financeiro depaíses como o Brasil. A liberalização financeira só pode ser útilse for acompanhada pelo desenvolvimento de uma base financeiradoméstica diversificada e razoavelmente ampla. Por isso, énecessário cercar de cautelas o processo de liberalização docâmbio e das regras de financiamento.

Esta base financeira interna pode ser constituída através dareorganização do sistema público de financiamento; da redefiniçãodo funding e das estratégias do sistema bancário, capacitando-o àoferta de crédito e financiamento longos (securitizáveis); e dadinamização dos investidores institucionais.

Neste contexto de redefinição, o processo de financiamentodas inversões deveria associar banco e indústria, criando novasformas de parceria e/ou de participação societária em novasestruturas corporativas. Contudo, o desenvolvimento de finançasindustrializantes não ocorreria na ausência da emissão econtratação, pelo lado das empresas, de dívidas e financiamentos,revertendo o processo deliberado e profundo de desendividamentocaracterístico da década passada e expresso na Tabela 4, quecompara os níveis de leverage no Brasil e nos paísesdesenvolvidos.

TABELA 4PAÍSES SELECIONADOS - SETOR EMPRESARIAL NÃO-FINANCEIRO

DÍVIDA TOTAL/ATIVO TOTAL(Leverage)1975-1989

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO 1975 1980 1985 19871989------------------------------------------------------------------------------------------------------------Alto-EndividamentoJapão 0,85 0,84 0,81 0,72n.a.Alemanha 0,65 0,66 0,63 0,620,60França 0,70 0,69 0,71 0,67n.a.Itália 0,68 0,68 0,64 0,610,60

Baixo-EndividamentoEUA 0,45 0,44 0,48 0,510,52Inglaterra 0,54 0,53 0,53 0,530,52Canadá 0,61 0,59 0,58 0,570,56

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Brasil 0,53 0,54 0,46 0,420,31

Brasil 1000 SAsTotal 0,33 0,31 0,280,16Capital Estrangeiro 0,25 0,19 0,150,10Capital Nacional 0,23 0,12 0,130,10Estatais 0,39 0,39 0,340,19------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: OECD Financial Statistics and National Flow-of-Funds Statistics, preparadas por C.E.V.

Borio para o B.I.S. (B.I.S. Economic Papers in 27-May 1990 - Leverage and Financing ofNon-Financial Companies).Brasil (1000 SAs): Bacic & Carpintéro (1993), com dados da Conjuntura Econômica para oano de 1975.

Uma outra forma de retratar o afastamento entre banco eindústria está expressa na Tabela 5, que demonstra osignificativo processo de contração dos empréstimos ao setorprivado como percentagem do PIB. Com a exceção de 1986 (PlanoCruzado), quando a estabilização com aquecimento econômico epermissividade nos controles de crédito ensejaram forte expansãodos empréstimos (especialmente da categoria "outros"), observa-sesignificativa retração na década de 80 e ligeira recuperação nobiênio 1992/93.

TABELA 5BRASIL - EMPRÉSTIMOS DO SISTEMA FINANCEIRO AO SETOR PRIVADO

(EXCLUSIVE HABITAÇÃO) EM PERCENTAGEM DO PIB1975-1993*

(%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO INDÚSTRIA AGRICULTURA OUTROS** TOTAL------------------------------------------------------------------------------------------------------------1975*** n.d. n.d. n.d. 33,81980 11,5 5,8 10,8 28,21985 4,0 1,7 5,6 11,31986 5,6 3,4 12,6 21,61989 4,8 1,5 3,5 9,81990 5,1 2,0 3,4 10,51991 4,9 2,2 3,6 10,71992 6,2 2,6 5,4 14,21993**** 6,6 2,6 6,5 15,7------------------------------------------------------------------------------------------------------------ * Estoque do fim do exercício (dezembro). ** A categoria outros inclui comércio, serviços, financiamentos e pessoas físicas. *** Para 1975, utilizou-se estimativa do total, adotando-se o IGP como deflator.

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**** Refere-se a junho.Fonte: Banco Central (elaboração ECIB).

Tampouco a viabilização da oferta de finanças longas podeprescindir de reformas no atual marco institucional. Seránecessário assegurar um mínimo de retaguarda aos bancos privadosatravés de um sistema de refinanciamento, nucleado pelo BNDES,para a eventualidade excepcional de descasamentos ou problemas deserviço das operações de longo prazo, especialmente nasconjunturas de recessão. Este sistema deve operar sob regras deacesso bem delimitadas e dentro de tetos fixados comtransparência. Uma das formas pode ser a aquisição pelo BNDES depapéis securitizados pelos bancos, tendo como lastro as suascarteiras de ativos de longa maturação.

Mas, além das mudanças institucionais e do sistema desuporte ao crédito e às operações longas de capitalização dasempresas industriais, é também indispensável reorganizar erecuperar o sistema de crédito e de dívida pública, de forma agarantir e ampliar o financiamento aos setores público e privado(e às suas parcerias) com custos de capital substancialmentereduzidos.

Medidas de Desbloqueio no Curto Prazo

O desbloqueio das restrições de financiamento poderiainiciar-se, a curto prazo, a partir dos seguintes expedientes:

a) Ampliação de engenharias financeiras que objetivem tantotransformar os ativos de longo prazo contra o setor público emcréditos detidos contra o setor privado, quanto reduzir o custode captação. Exemplos destas engenharias são a securitização dedebêntures lastreadas na venda futura de bens e serviços oriundada operacionalização de projetos concretos de investimento; asecuritização de papéis lastreados em ativos; a emissão de bônusque podem ser trocados, num determinado prazo, por ações de umaoutra empresa - o BNDES, por exemplo, poderia emitir bônus com aopção de trocá-los por ações de uma empresa por ele controlada; ea venda de bônus com opção de compra de ações ou de ativos daempresa emitente.

b) Continuidade do processo de ajuste patrimonial do Estado,mas atentando para sua coerência com os objetivos básicos dapolítica de competitividade para cada um dos setores produtivos.As soluções resultantes do Programa Nacional de Desestatizaçãodevem considerar a conveniência de obter configuraçõesindustriais competitivas e sustentáveis. Devem, também, gerarexternalidades e sinergias positivas para os setores a montante ea jusante nas respectivas cadeias industriais. É neste contextoque devem ser repensadas a orientação do Programa Nacional deDesestatização e as moedas de privatização nele envolvidas (verParte IV). As possíveis transformações dos ativos de longo prazocontra o setor público detidos pelos bancos em créditos detidoscontra o setor privado devem subordinar-se a estes critériosgerais de ajuste patrimonial.

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c) Explorar de forma mais ampla as captações de longamaturação no mercado internacional de crédito, como forma debaratear o custo de capital. As empresas brasileiras poderiam,por exemplo, utilizar o mercado de eurobônus através da emissãode bônus conversíveis em ações. No vencimento, a empresaliquidaria sua dívida em dinheiro ou, à opção do investidor,daria ações como pagamento. Poderiam, ainda, trocar suas dívidaspor ações de outra empresa; ou, ainda, emitir bônus com warrants.Trata-se de um bônus com uma parte destacável e transacionada nomercado secundário que dá direito ao investidor de comprar açõesda empresa, fazendo com que a taxa de empréstimo se reduza.

Estas ações imediatas, embora sejam possíveis e necessáriasmesmo em um contexto inflacionário como o atual, estão longe deser suficientes à definição de um novo padrão de financiamento.Para tal, faz-se mister a definição de um conjunto de reformas delongo prazo que ensejem: o saneamento patrimonial e a redefiniçãodo perfil dos bancos públicos de desenvolvimento; odesenvolvimento dos fundos de pensão, da seguridade privada, dosfundos de seguro e do mercado de capitais; a diversificação deinstrumentos e prazos de operações dos bancos privados e aoperacionalização de financiamento conjunto de bancos públicos eprivados; o incentivo à formação de alianças bancário-industriaissob a forma de estruturas corporativas inovadoras e oaperfeiçoamento das operações de seguro e de garantia.

O Saneamento das Instituições Públicas

A necessidade de saneamento patrimonial e de redefinição doperfil dos bancos públicos de desenvolvimento justifica-se à luzde sua imprescindibilidade para determinadas operações eatividades de elevado risco. Estas tem passado historicamentepelas instituições especiais de crédito, que cumprem papelespecífico mesmo em países onde o sistema financeiro privado e omercado de capitais já estão maduros. A deterioração financeirados bancos públicos brasileiros resultou da crise do setorpúblico e da interrupção das fontes externas de financiamento.Tendo grande parte de seus ativos concentrados no setor público,muitos bancos oficiais passaram a enfrentar problemas crescentesde liquidez, tornando-se, freqüentemente, inadimplentes norecolhimento das reservas bancárias.

O ponto principal a ser enfrentado é a necessidade dereverter-se uma situação em que os bancos oficiais apresentam umperfil deteriorado de ativos de longo prazo e em que nãoencontram financiamento adequado dado o encurtamento de prazosvigente nos mercados de captação. A recorrente negociação dasdívidas existentes contra o setor público, fruto da continuidadeda crise fiscal do Estado, impede que os ativos longosgradativamente sejam amortizados, permitindo que os recursossejam canalizados para apoiar novas operações.

Neste sentido, a mera renegociação da dívida do setorpúblico junto aos bancos oficiais, embora necessária, não ésuficiente para reverter a situação destas instituições,especialmente em um contexto recessivo em que as receitastributárias ficam estagnadas. O saneamento patrimonial destas

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instituições deve ser procurado a partir de dois conjuntos demedidas: 1) da consolidação das dívidas intra-setor público,gerando redução dos estoques de ativos existentes; 2) datransformação dos ativos de longo prazo contra o setor públicodetidos pelos bancos em participações acionárias ou em créditoslongos detidos contra o setor privado, nos moldes das operaçõesenvolvendo as moedas de privatização no âmbito do ProgramaNacional de Desestatização.

Em paralelo a este tipo de operação, gerou-se um mercadosecundário de moedas de privatização, negociadas com deságios,onde passou a ser possível obter liquidez na venda de ativosanteriormente ilíquidos. Sendo possível, por exemplo, adquirirmoedas de privatização com financiamentos longos, pode-secombinar uma compra a prazo destas moedas por uma empresa privadacom uma venda à vista das mesmas no mercado secundário, obtendo-se um financiamento de longo prazo. A compra de moedas deprivatização a prazo pode ser feita também por empresa que busquerefinanciar passivos de curto prazo junto a bancos efornecedores, os quais podem converter tais moedas em liquidez nomercado secundário.

A importância dos expedientes acima está em possibilitar ofinanciamento de longo prazo, melhorando, ao mesmo tempo, asituação patrimonial das instituições financeiras públicas. Aviabilidade destas operações depende da transformação da dívidapública bancária em títulos negociáveis (registrados na CETIP) edo desenvolvimento de um mercado secundário que dê liquidez aestes papéis.

No contexto dos bancos públicos, cabe especial destaque aoBNDES, instituição-chave à implementação de uma políticaindustrial de corte vertical. Para tanto, é imprescindívelequacionar de forma duradoura e estável suas fontes de funding epossibilitar a revisão das restrições existentes aos empréstimospara o setor público (por exemplo, aos setores de energiaelétrica e de telecomunicações). Estas condições são necessáriaspara que o Banco possa implementar políticas por cadeiasindustriais, empreender fomento a networkings e voltar afinanciar projetos de infra-estrutura, apoiando as parceriaspúblico-privadas que deverão emergir nestas atividades.

No caso dos grandes projetos de infra-estrutura nossegmentos de energia e de transporte, dada a dificuldade de seviabilizar financiamentos para as empresas estataissobreendividadas, é necessário buscar avançar no projectfinancing, ou seja, criar instrumentos financeiros securitizadoscujo retorno é vinculado ao próprio projeto. A obtenção derecursos internos seria mais viável adotando-se o financiamentovinculado ao empreendimento, servindo de lastro à emissão de umtítulo negociável (debênture), eventualmente garantindo-se umprêmio ao investidor caso a rentabilidade do empreendimentosuperasse a mínima garantida por lei.

Investidores Institucionais: Base das Finanças Longas e doMercado de Capitais

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Outro ponto vital, na constituição de finançasindustrializantes, é o papel que pode ser desempenhado pelosinvestidores institucionais. A observação da experiênciainternacional revela que os fundos de pensão e as companhiasseguradoras, como também os fundos de investimento de curtoprazo, têm rapidamente ocupado o papel outrora praticamenteexclusivo dos bancos no financiamento de longo prazo.

O crescimento do patrimônio dos fundos de pensão - ao ladodos demais investidores institucionais - é fundamental para darsustentação ao alongamento de prazos e ao crescimento do processointerno de securitização. Neste sentido, será necessárioimplementar um sistema de previdência complementar obrigatório emregime de capitalização com formato de contribuição definida;estimular os regimes de previdência complementar abertos efechados voluntários e avançar na definição dos fundos deprevidência complementar em regime de capitalização do setorpúblico estadual, ligados à implementação do regime único dofuncionalismo. O crescimento do patrimônio destes fundos éfundamental para dar sustentação ao crescimento do processointerno de securitização.

A organização de entidades próprias de previdência privadapor grandes grupos pode e deve ser estimulada: embora pequenasnum primeiro momento, elas poderão transformar-se com o decorrerdo tempo em fontes de capitalização estável, a longo prazo,ampliando a capacidade da instituição financeira própria dogrupo. A organização de entidades de previdência privadacomplementar para um conjunto de empresas médias pode serestruturada, em bases associativas, sob a liderança dainstituição financeira.

Ao lado da definição quanto à previdência complementar, éimportante ter em consideração o papel dos fundos de curto prazo(FAF e FIC) na alavancagem do investimento produtivo. Aimportância destes fundos está em possuírem dimensionamentosligados ao financiamento da competitividade industrial (10% dopatrimônio do FAF destinados à compra de Títulos deDesenvolvimento Econômico) e ao setor agropecuário (25% dopatrimônio do FIC destinados à aquisição de títulos mercantisrepresentativos de commodities).

O desenvolvimento dos fundos deve ocorrer em paralelo com ummaior dinamismo do mercado de capitais. Destaca-se a importânciade se proceder a um duplo movimento: de um lado, a liberalizaçãoexterna monitorada com cautela e a desregulamentação do mercadode capitais de modo a torná-lo mais atrativo e eficiente; deoutro, um maior rigor contra práticas especulativas lesivas, quecontribuem para afastar o pequeno e o médio investidor. Aexperiência internacional recomenda, ainda, uma legislaçãorigorosa contra o uso da informação privilegiada (insidertrading), como um dos expedientes fundamentais para darcredibilidade ao mercado acionário.

Vale, ainda, destacar o papel fundamental do mercado decapitais na transferência e transformação de riscos, aspectodecisivo em decorrência da situação brasileira de desequilíbrio

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patrimonial entre os setores público e privado. Neste contexto,entende-se que o conceito de securitização de recebíveis assumeimportância vital. A essência do conceito é que uma empresa quenão seja um excelente risco pode, entretanto, ter parte de seusativos ("os recebíveis") líquidos e de risco reduzidos outornados praticamente nulos. Os recebíveis são transferidos parauma outra pessoa jurídica (special purpose company), ficando comolastro da emissão de debêntures inteiramente garantidas pelosfluxos de receitas dos recebíveis. Esta tática pode viabilizar ofinanciamento das concessionárias do setor público, vinculado aprojetos de investimento a partir da securitização de recebíveiscomo contas de luz e água; a utilização de parte das reservasinternacionais como garantia de emissão de títulos de longo prazono mercado internacional para financiamento de projetos de infra-estrutura e a securitização das carteiras de empréstimos de longoprazo dos bancos oficiais e privados, como critério parabeneficiar-se de redesconto seletivo junto ao Banco Central.

O desenvolvimento de um mercado interno de bônus, debênturese papéis securitizados requer a existência de um sistema seletivode refinanciamento de liquidez que lhes assegure credibilidade.Eventualmente nucleado pelo BNDES, com o suporte do BancoCentral, este sistema permitirá que esses títulos possamgradativamente ser aceitos para compor o porta-fólio de fundos deinvestimento e dos demais investidores. Imagina-se que o recursoa esse sistema seletivo deva ser, tal como verificado no contextointernacional, um expediente transitório, que tenderá a perderimportância a partir do momento em que houver crescimento dapoupança financeira e em particular dos investidoresinstitucionais.

O Papel do Crédito Bancário

O suporte ao investimento produtivo não pode dependerunicamente da emissão direta de títulos de dívida das empresas oude capitalizações efetuadas através de operações de underwriting.Este tipo de financiamento é conveniente e acessível às empresaslíderes, consideradas como "bom" risco pelos mercados. Para asempresas não-líderes ou para empresas novas, pouco conhecidas(ainda que de elevado potencial), este tipo de captação direta derecursos não é possível a custos razoáveis. É, portanto,indispensável o desenvolvimento de linhas de crédito de longoprazo para apoiar os investimentos privados. Nos paísesdesenvolvidos, onde as operações de endividamento empresarialdireto, através de papéis securitizados, cresceramsubstancialmente, o crédito bancário ainda continua representandoum papel fundamental. No caso brasileiro, parece sensato ocaminho misto, isto é, estimular a emissão direta de dívidas pelavia da securitização e desenvolver, simultaneamente, operaçõeslongas de crédito pelo setor bancário privado.

A estabilização da economia oferece uma base mínima parainiciar este processo, na medida em que provoque um fortemovimento de remonetização. Este movimento precisa serneutralizado pelo Banco Central para evitar expansão exagerada docrédito de curto prazo. O instrumento adequado para esse fim é a

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taxa de depósito compulsório sobre a base de depósitos à vista dosistema bancário.

No entanto, considerando que a estabilização deve induzirnovos investimentos (para que ela própria se fixe e seja bem-sucedida), coloca-se a questão de como oferecer funding adequado.Assim, o controle do crédito não deve ser estéril, sendoconveniente direcioná-lo para investimentos dos setoresprioritários da política de competitividade industrial, comoperações de prazo longo e juros compatíveis. Para isso, énecessário que a regulamentação legal permita a imposição decontroles quantitativos e a fixação de obrigatoriedades, emtermos de prazos, tipos de operação e prioridades setoriais.

A indução à realização de operações longas numa determinadaproporção pelos bancos privados não deve, entretanto, penalizá-los. É conveniente assegurar a criação de um mecanismo de suportepara a eventualidade de descasamentos e/ou de dificuldades deserviço desses créditos longos, notadamente nas conjunturas derecessão. O BNDES poderia ser o núcleo desse sistema derefinanciamento, cuja utilização deve ser excepcional e seletiva,com critérios de acesso bem definidos. Este papel é natural, namedida em que o BNDES tem experiência na administração decarteiras de longa maturação e, também, na medida em que venhadesenvolver operações em parceria com o sistema bancário privado,em regime de cofinanciamento ou de emissão de garantias.

É evidente que o BNDES deve ter, antes, estabilizado suasfontes próprias de funding, que não devem ser inadvertidamentedesmontadas pela reforma tributária. A plena operação dessesistema certamente exigirá que o Banco Central lhe ofereçasuporte, se necessário, dentro de regras estritas e garantidas.

Outra área relevante para a ampliação dos mercados internos,necessária à competitividade em vários setores, é o desdobramentode operações de crédito aos consumidores, usuários e clientes,sob diversas modalidades, em condições acessíveis.

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PARTE II: DIMENSÃO EMPRESARIAL DA COMPETITIVIDADE

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1. INTRODUÇÃO

A relativa inadequação da estrutura empresarial brasileiraaparece com clareza em várias dimensões: a) no perfil setorialpouco diversificado e convencional dos grupos econômicosnacionais e seu pequeno tamanho relativo, no plano mundial, emtermos de patrimônio ou de faturamento; b) no divórcio entrebanco e indústria, com ausência de crédito e de mecanismos definanciamento de longo prazo, com taxas de juros compatíveis;c) no nível deficiente de capacitação e desempenho produtivo e naherança de estruturas hierárquicas de gestão avessas àparticipação dos trabalhadores e à integração horizontal dasatividades departamentalizadas na maioria das empresas,especialmente pequenas e médias; d) nos obstáculos à cooperaçãoentre produtores e fornecedores ou entre produtores e usuários;e) na rarefação da capacidade inovativa.

Apesar de um promissor movimento de mudança, essascaracterísticas ainda são predominantes. Este movimento positivode transformação deve ser, entretanto, acelerado. Como será vistoadiante, a indústria brasileira, apesar de mover-se em direção àsnovas formas de organização gerencial e produtiva, o faz a partirde patamares insatisfatórios e com velocidade insuficiente. Com aexceção de um número reduzido de empresas líderes, os gruposempresariais não parecem ainda preparados para a magnitude dosriscos e desafios colocados pela rápida mudança tecnológica,forte pressão competitiva global e crescentes exigências dosusuários.

Mas, antes de enveredar em recomendações de reforma dosistema empresarial brasileiro, é indispensável entender o modeloemergente de empresa competitiva e analisar o ajuste recente daindústria no contexto da instabilidade macroeconômica dos anos 80e início dos 90.

Todavia, é preciso enfatizar que, ao longo do ECIB, oretrato que se fixa é o de um sistema industrial que, apesar dasimensas dificuldades macroeconômicas e políticas e da adoçãoforçada de estratégias defensivas, demonstrou notável capacidadede adaptar-se e de renovar-se com vitalidade. Fica a sensação deque a economia industrial brasileira amadureceu na crise e queestá preparada para retomar o desenvolvimento competitivo secontar com um Estudo capaz de ordenar a estabilização,reorganizar o financiamento e coordenar de forma benigna osfatores sistêmicos da competitividade.

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2. O NOVO MODELO DE EMPRESA

Durante as três décadas subseqüentes à 2ª Guerra Mundial, aseconomias de escala na produção e na distribuição em massa debens padronizados, sob a liderança e hegemonia do "sistemaamericano", ensejaram à grande corporação empresarial inegávelsucesso. Regimes administrativos hierarquizados e divisãoespecializada de tarefas resultaram em grandes empresasmultidivisionais, subdivididas em pirâmides multidepartamentais,com vários níveis de supervisão, linhas verticais de comando ebaixo grau de comunicação horizontal.

Nos anos 80, contudo, a emergência de um novo formatoorganizacional compatibilizou grandes escalas com a possibilidadede diferenciar e sofisticar produtos e tornou obsoletas asorganizações fortemente verticalizadas e hierarquizadas. O Quadro1 ilustra algumas das características destas mudanças.

QUADRO 1EVOLUÇÃO DO FORMATO ORGANIZACIONAL DAS EMPRESAS COMPETITIVAS

Processos Decisórios

Crescente descentralizaçãoDecrescente número de níveis hierárquicosCrescente participação dos trabalhadores nas decisões e nos ganhos das empresas

Fluxos de informação

HorizontalizaçãoCrescente intensidade

Produtos

Crescente atendimento às especificações dos clientesCrescentes esforços de desenvolvimento

Processos Produtivos

Busca de melhoria contínuaCrescente flexibilidadeBaixos níveis de estoquesMenores tempos mortos

As mudanças em curso têm um eixo, a cooperação: a) dentro dasunidades fabris, a cooperação com e entre a força de trabalho,materializada em uma nova atitude gerencial e em técnicas deorganização celular dos processos de trabalho; b) entre empresas,pela formação de sistemas de cooperação em rede (networks) entrefornecedores e produtores, entre produtores-usuários-consumidorese até entre empresas rivais em torno a projetos pré-comerciais dedesenvolvimento tecnológico.

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A cooperação é uma maneira inovadora de lidar com as"imperfeições" de mercado: isto é, as relações de mercado são,por essência, baseadas nos interesses individuais das empresasparticipantes e, portanto, são antagônicas, não-cooperativas.Apesar de atuarem como forma não-coercitiva (não-burocrática) decoordenação econômica, os mercados não funcionam,automaticamente, como indutores de cooperação. A formação deredes de cooperação enseja, portanto, a possibilidade dedesenvolvimento de novas formas de organização empresarial,superiores àquelas baseadas em hieraquias verticalizadas. Acooperação auto-responsável é superior à supervisão-hierarquizada, pois:

a) permite a supressão de vários níveis de gerênciaintermediária e supervisão, na medida em que os trabalhadoresassumem a responsabilidade de otimizar os fluxos de produção e namedida em que se concretize a descentralização dos processosdecisórios;

b) possibilita a desverticalização de atividades produtivase de serviços, dada a formação de nexos estáveis de cooperaçãocom fornecedores;

c) viabiliza respostas mais velozes e adequadas àsnecessidades dos usuários/consumidores (redução dos lead-times);

d) propicia a redução das incertezas tecnológicas einovacionais e acelera o desenvolvimento de novosprocessos/produtos na medida em que se conjuguem recursos eespecializações em torno a projetos pré-comerciais de P&D;

e) enseja a descentralização de responsabilidades com aparticipação e engajamento dos trabalhadores, a partir do chão-de-fábrica, na busca de ganhos de produtividade e qualidade;

f) intensifica a comunicação horizontal com redução dadepartamentalização rígida e o incremento das relações entre asfunções de marketing, desenvolvimento, engenharia, produção,suprimento.

Em resumo, este conjunto de características sublinha ainequívoca obsolescência do modelo vertical-hierarquizado deorganização empresarial. Os desafios competitivos contemporâneosimpõem à gestão empresarial a tarefa de definir, implementarpolíticas - de organização e operação - indutoras decomportamentos orientados para a melhoria contínua de produtos eda eficiência de processos. A busca de melhoria contínua implicauma gestão empresarial comprometida com investimentos permanentesem aprendizado.

Neste contexto, são necessárias ações explícitas para que aforça de trabalho esteja orientada para criar, adquirir etransformar conhecimentos, e modificar comportamentos paraincorporar novos conhecimentos. A participação extensiva eintensiva da força de trabalho nos processos de aprendizadorequer a ampla disseminação de atitudes empreendedoras em toda aorganização.

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3. ESTRUTURAS VITORIOSAS E AS DEFICIÊNCIAS BRASILEIRAS

É inegável o sucesso e a rápida difusão do novo modelo deorganização e gestão. O mesmo não se pode dizer quanto àestrutura e ao perfil de atividades de grandes grupos econômicos.Sob condições iguais de gestão, são mais dinâmicas e competitivasas estruturas financeiramente sólidas, com um perfil deatividades que gera sinergias internas. Os sistemas empresariaiscompetitivamente vitoriosos são aqueles em que a excelência dagestão se combina com duas características específicas daestrutura: a) centralização do capital em grupos multissetoriaiscom forte presença de indústrias líderes em crescimento e eminovação tecnológica (por exemplo, complexo eletrônico);b) articulação solidária entre banco e indústria, com aorganização bancária funcionando como "pulmão" financeiro dogrupo multissetorial.

O perfil multissetorial de atividades com forte presença desegmentos líderes em matéria de inovação e crescimento permite acriação recorrente de novos projetos e oportunidades deinvestimento. A articulação com o setor financeiro fornece osuporte necessário para concretizá-los. Como resultado, os gruposempresariais competitivos são dinâmicos - crescem, mantém arentabilidade e ocupam novos espaços.

Essas estruturas empresariais praticam estratégias centradasna inovação, seja para capturar mercados pela introdução de novosprodutos (e, concomitantemente, de novos processos), seja parareduzir lead times, seja para produzir com máximo yield físicopara poder competir em preços (quando necessário). A busca desinergia interna, através de redes horizontais de informação ecomunicação, dentro de um perfil de atividades industriais e deserviços que se complementam e se reforçam mutuamente, emergecomo objetivo central dos grupos econômicos modernos.

No Brasil, a estrutura empresarial é muito heterogênea.Empresas estrangeiras de todos os portes e origens atuam em todosos setores, comandando os mais dinâmicos. As empresas estataiscomeçam a se retirar da cena da produção e o setor privado passaa ocupar novos espaços. Mesmo assim a presença estatal, noBrasil, ainda continuará sendo relevante no futuro em váriossetores produtivos ou de infra-estrutura, como produtor,operador, concessionário, gestor ou controlador. As empresasnacionais estão presentes na maioria dos setores mas,relativamente às empresas de outros países, elas são de menorporte, têm prevalência em setores tradicionais, não estãoassociadas ao setor financeiro e apresentam baixo nível decapacidade em gestão. Estas características serão detalhadas aseguir.

O formato organizacional das empresas estrangeiras,naturalmente, corresponde ao padrão da casa matriz e adiversidade de origens implica diversidade de orientaçõesorganizacionais. Estas empresas vieram para o Brasil paraexplorar oportunidades do mercado interno e aquelas quedirecionam suas vendas para outros mercados o conseguiram por

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construir sólidas bases produtivas internas. Estas empresasdemonstram intenção de permanecerem no país e, nos últimos anos,têm realizado esforços de modernização.

No longo prazo, a extensiva internacionalização da produçãolocal pode ser vista como fonte de oportunidades para odesenvolvimento competitivo do país, desde que aqueles fatoresque sustentam a competitividade a longo prazo (investimento fixoe em inovação tecnológica) sejam priorizados pelas filiaisestrangeiras. Neste sentido, todas as ações destinadas a"enraizar" ainda mais estas empresas no país devem serincentivadas. No atual estágio de evolução industrial, atençãoespecial deve ser dada aos investimentos que produzamexternalidades positivas para fornecedores locais e aosdispêndios locais em automação, novas técnicas organizacionais epesquisa e desenvolvimento.

A contribuição das empresas estatais para o desenvolvimentocompetitivo do país não é desprezível. Do ponto de vista de suaárea de atuação, elas devem se preparar para enfrentar mercadoscrescentemente abertos à competição, mesmo que estes sejamsujeitos a regulações. Adequar-se aos fatores de sucessocompetitivo de seus mercados necessariamente implicará mudançasnos formatos organizacionais destas empresas.

As empresas estatais, salvo honrosas exceções, apresentamsérios problemas relativos à intermitência da gestão executiva,pela utilização extensiva de critérios político-partidários nadefinição de postos de dirigentes. Neste contexto, é importanteque a gestão das empresas estatais seja profissionalizada, nosentido de dotá-las de um corpo dirigente estável e tecnicamentehabilitado, sejam estes originários ou não dos quadros deempregados. O formato organizacional das estatais não tem porquenão evoluir na direção da empresa competitiva contemporânea:buscar melhoria crescente por meio do investimento no aprendizadocontínuo. O poder de compra das estatais constitui instrumentopoderoso de desenvolvimento de fornecedores aptos. Isto requerpolíticas de compra que privilegiem insumos com atributos quefavoreçam a competitividade das empresas estatais.

O contraste da situação da estrutura empresarial do setorprivado nacional, principalmente as empresas líderes, em face dastendências acima descritas, torna inequívoco o atraso brasileiro.Este atraso pode ser constatado pelo pequeno tamanho absoluto erelativo dos grupos empresariais de capital nacional, em termosde vendas ou de patrimônio. Também existem deficiênciasrelacionadas ao perfil setorial pouco diversificado, composto poratividades industriais convencionais, com a conspícua ausênciados setores motores da inovação tecnológica.

Os grupos empresariais nacionais, que já eram relativamentepequenos em dimensões comparativas internacionais (em termos depatrimônio e de faturamento) no fim dos anos 70, tornaram-seainda mais defasados quando comparados aos grupos empresariaisdos países desenvolvidos ou, até mesmo, aos grandes grupos depaíses de industrialização recente, como a Coréia (Tabelas 1 e2).

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TABELA 1FATURAMENTO DAS GRANDES EMPRESAS COREANAS

1980, 1985 e 1992(US$ milhões)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------EMPRESA 1980 1985 1992------------------------------------------------------------------------------------------------------------Samsung 3.798 14.193 49.560Daewoo nd 8.698 28.334Lucky-Goldstar 4.452 9.860 ndSugyon Group 1.708 3.689 14.610Hyundai 5.540 14.025 8.606Pohang Iron & Steel 1.568 2.376 7.881Sunkyong 1.449 6.437 14.530Hyonsung 1.950 2.390 6.335Korea Explosives 1.201 2.750 ndKia Motors nd nd 4.385------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Fortune.

TABELA 2FATURAMENTO DAS GRANDES EMPRESAS BRASILEIRAS

1980, 1985 e 1992(US$ milhões médios)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------EMPRESA 1980 1985 1992------------------------------------------------------------------------------------------------------------Votorantim 1.097 1.081 2.097Ipiranga 1.843 nd 2.090Klabin 275 420 1.622Hering 424 937 1.510Sadia 425 832 1.490Brasmotor 96 426 1.192Gerdau 518 630 1.149Cofap 142 208 844Vicunha 174 382 799Villares 387 388 688Antartica 300 307 670Suzano 241 217 484Ultra 277 105 355Dedini 184 218 282Alpargatas 513 501 ndPerdigão 185 317 ndMachline 245 234 nd------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Gazeta Mercantil.

Mais significativa, porém, é a comparação dos perfis deatividades. O sistema empresarial das economias líderes apresenta

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uma forma multissetorial de concentração onde é marcante apresença dos segmentos industriais irradiadores da inovaçãoeconômica. Por exemplo, um grande número de grupos empresariaisjaponeses contém dentro de si uma configuração específica do tipo"complexo eletrônico", abrangendo os equipamentos de automação,microeletrônica, bens de consumo eletrônico, equipamentos deprocessamento de dados, de telecomunicações, etc. Contam,ademais, com atividades "convencionais" em indústrias que mantémdinamismo de mercado acima da média, tais como a automobilísticae petroquímica. Configuram, portanto, grupos empresariais dotadosde elevado grau de sinergia interna, seja na dimensão tecnológica(e técnica), expressa pela complementaridade das suas atividadesindustriais e de serviços; seja na dimensão gerencial-organizacional, pela elevada intensidade de cooperação,intragrupo, em vários planos. Os chaebols coreanos vêm copiandoeste tipo de estrutura, perseguindo um processo de diversificação"virtuoso" com forte prioridade para a busca de sinergiasinternas.

Ao fim dos anos 70, antes da grande crise dos 80, aestrutura empresarial brasileira ainda não havia sequerdesenvolvido os atributos do modelo multidivisional de gestãoprofissionalizada. Muito embora a profissionalização estivesseavançando em áreas especializadas (por exemplo, finanças,marketing, produção), ainda predominava o comando familiar sobreas empresas e grupos econômicos nacionais. A peculiaridade da leibrasileira das sociedades anônimas (possibilidade de dois terçosde ações preferenciais sem direito a voto) consagrou um regimefechado e pouco contestável de controle das grandes empresas decapital aberto. Assim, o modelo hierárquico-verticalizado foisendo implantado com características conservadoras, sem que sedesenvolvessem estruturas corporativas modernas.

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4. O SENTIDO DEFENSIVO DAS ESTRATÉGIAS

Nos anos 80, a forte crise cambial, a estagnação econômicacom inflação crescente, a incerteza e os juros elevados induzirama um processo de ajuste das empresas líderes cujascaracterísticas são bem conhecidas: retração dos investimentos,desendividamento deliberado, ampliação das exportações,acumulação de recursos líquidos e realização de receitas não-operacionais.

Este ajuste reativo-defensivo não contribuiu para acelerar amodernização das estruturas e dos padrões de gestão. Com exceçãodas empresas que obtiveram considerável sucesso exportador,fixaram-se as características conservadoras já descritas. Mesmoassim, alguns poucos grupos econômicos tentaram evoluir emdireção a um perfil dinâmico de atividades intensivas eminovação. No decorrer dos anos 80, dos 23 maiores gruposnacionais, 9 avançaram em direção a setores intensivos emtecnologia. No entanto, em face do agravamento da instabilidademacroeconômica na segunda metade dos anos 80, 5 destesretrocederam intensamente nestas estratégias, enquanto os outros4 tiveram suas posições fragilizadas (Ruiz, 1993). De outro lado,foi restrita a difusão das inovações organizacionais - não maisque duas centenas de empresas líderes iniciaram movimento demodernização produtiva e de suas estruturas administrativasainda na segunda metade dos anos 80.

A grande mudança de sinalização, legislação e induçãogovernamental no início dos anos 90 (retórica neoliberal,abertura comercial, desregulamentação, re-regulamentação,privatização, etc.), simultânea à forte recessão que permeou oprimeiro triênio da década, acelerou uma nova etapa designificativo ajuste do sistema empresarial.

Neste contexto, a indústria brasileira revela estratégiasmuito sensíveis a um mercado fortemente afetado pelainstabilidade econômica. Os dados da pesquisa de campo do ECIBmostram que a retração do mercado interno foi considerada pelasempresas como o principal fator determinante das estratégiasempresariais, seguido do grau de exigência dos consumidores(Tabela 3).

A sobrevivência obrigou à rápida implementação de ajustes -vários deles cirúrgicos, abruptos e emergenciais - em trêsplanos: a) redução dos níveis hierárquicos, com substancialreorganização e enxugamento das estruturas administrativas,buscando-se absorver velozmente o novo modelo de organizaçãoempresarial; b) reestruturação produtiva com adoção de novastécnicas de produção enxuta e compacta e novos lay-outs, visandoreduzir estoques, aumentar eficiência e qualidade e obterflexibilidade; c) seleção das linhas de produtos, visando aconcentração nas áreas de competência (core competences)comprovada, abandonando-se produtos/linhas de baixa escala e/oude reduzido potencial competitivo, dada a perspectiva de aberturacomercial.

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TABELA 3AMOSTRA DE EMPRESAS - FATORES DETERMINANTES DAS ESTRATÉGIAS

(Nº Total de Respondentes = 614)------------------------------------------------------------------------------------------------------------PRINCIPAL MOTIVAÇÃO DA ESTRATÉGIA COMPETITIVA % DE EMPRESAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Retração do mercado interno 71,8Avanço da abertura comercial no setor de produção da empresa 21,8Avanço da abertura comercial nos setores compradores da empresa 11,1Crescente dificuldade de acesso a mercados internacionais 13,2Globalização dos mercados 26,4Formação do Mercosul 20,0Novas regulamentações públicas 12,4Surgimento de novos produtos no mercado interno 17,4Surgimento de novos produtores no mercado interno 14,0Exigência dos consumidores 49,5Elevação das tarifas de insumos básicos 22,0Diretrizes dos programas governamentais 8,1------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

É evidente que esse tipo de ajuste estratégico, nos trêsplanos, implicou supressão não-reversível de postos de trabalho,estabelecendo-se uma tensão entre desemprego e preservação dacapacidade competitiva (sobrevivência) do sistema empresarial.

As estatísticas oficiais (IBGE) mostram que o nível deemprego industrial é, hoje, semelhante ao de 1970 e muitoinferior ao nível máximo, atingido em 1980. Recentemente (1992-93), a recuperação do nível da produção industrial final foialcançada sem recuperação do nível de emprego, o que se traduziuno aumento da produtividade física pelo terceiro ano consecutivo.Este aumento de produtividade está parcialmente associado àmodernização industrial e à disseminação de novas práticasgerenciais mas, também, ao aumento - em alguns casos muitoexpressivo - de insumos e componentes intermediários importados.

Neste contexto, as empresas, apresentando cautela nosinvestimentos em capital fixo, privilegiam investimentos emmodernização, em contraposição àqueles destinados à expansão decapacidade (Tabela 4).

TABELA 4AMOSTRA DE EMPRESAS - DIREÇÃO DO INVESTIMENTO

1992(Nº Total de Respondentes = 483)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------TIPO DE INVESTIMENTO % DE RESPOSTAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Modernização 63Ampliação 26

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Ambos 11------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Os planos de investimento das empresas líderes do painel deempresas investigado pelo ECIB revelam que, no futuro próximo,tais empresas não esperam modificações substanciais no quadroatual. Conforme ilustra a Tabela 5, estas empresas mantêm eesperam manter estáveis os níveis de investimento em capitalfixo. Este quadro revela que são poucas as perspectivas decrescimento quantitativo. Como será observado ao longo destetrabalho, o estágio de desenvolvimento da indústria brasileirarequer, para os próximos anos, mudanças qualitativas nosprocedimentos de compra/produção/venda, de modo a otimizar acapacidade produtiva existente.

TABELA 5AMOSTRA DE EMPRESAS - INVESTIMENTO MÉDIO NAS EMPRESAS LÍDERES

1990-1998(Nº Empresas Líderes Respondentes = 166)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------PERÍODO VALOR (US$ mil) VARIAÇÃO %------------------------------------------------------------------------------------------------------------1990/92 37.2061993/95 36.244 -2,591996/98 35.735 -1,40------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Neste quadro, não causa surpresas o fato de as empresas seapoiarem em recursos próprios para financiar seus investimentos(Tabela 6). É muito tímida a disposição da indústria de buscaralternativas no sistema financeiro, principalmente as formas maisavançadas de financiamento, como captar recursos no mercadoexterno, ainda um campo restrito a poucas empresas nacionais.Este quadro é, ao mesmo tempo, negativo e positivo. Por um lado,esta preferência por recursos próprios revela limites restritos àdisposição ao investimento. Por outro lado, caso ocorra reversãode expectativas com aumento do grau de confiança do empresárionas perspectivas da economia brasileira, as empresas demonstramter espaço para se endividarem (com fins de investimento), sendo,potencialmente, de baixo risco para o sistema financeiro.

TABELA 6AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE FINANCIAMENTO DOS

INVESTIMENTOS EM CAPITAL FIXO(Nº Total de Respondentes = 644)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO % DE RESPOSTAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Apoiar-se em recursos gerados pela linha de produtos 74

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Apoiar-se em recursos gerados por outras áreas do grupo 16Recorrer ao crédito público 27Recorrer ao crédito privado interno 24Recorrer ao crédito externo 17Recorrer a joint-ventures 6Captar recursos nos mercados de valores internos 11Captar recursos nos mercados de valores externos 4------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nota: A soma das percentagens ultrapassa 100% em virtude de múltiplas respostas permitidas.Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Em resumo, o desajuste macroeconômico e a instabilidade nosanos 80 e a forte recessão no primeiro triênio da década de 90não permitiram a adoção de estratégias "ofensivas" demodernização acelerada do sistema empresarial brasileiro: aestrutura dos grandes grupos nacionais não avançou em direção aum perfil moderno de atividades de elevada densidade tecnológicae de rápido crescimento; aprofundou-se o divórcio entre banco eindústria; o tamanho econômico dos grupos de capital nacionalpraticamente não cresceu - em contraste com as grandes empresasde outros países em desenvolvimento.

O sentido "defensivo" das estratégias empresariais não deve,entretanto, ser interpretado como paralisia e incapacidade deadaptação. Ao contrário, as empresas reagiram com grandevelocidade às oscilações do quadro econômico e às sinalizações dosistema político-institucional. Deve-se salientar, porém, que asmedidas de ajuste adotadas pouco contribuíram para a correção dasdificiências mais graves do sistema empresarial brasileiro. Afragilidade desse sistema vis-à-vis os rivais tenderá, pelocontrário, a agravar-se, a menos que as empresas alterem aorientação geral do ajuste e adotem estratégias que priorizem areorganização e a gestão competitivas, a capacidade de inovação,a eficiência produtiva, a capacitação de recursos humanos e acooperação com os trabalhadores.

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5. RECOMENDAÇÕES ÀS EMPRESAS E PROPOSTAS DE POLÍTICA:AVANÇAR EM DIREÇÃO À GESTÃO COMPETITIVA

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

Nos setores situados na base dos complexos metalmecânico,agroindustrial, celulose, química e material de construção, aexistência de empresas nacionais é extensiva. Para estas, odesafio competitivo está em mover-se para segmentos de mercado demaior valor agregado. Ao evoluírem nesta direção, a concorrênciaserá crescentemente acirrada. Mesmo assim, existem amplasoportunidades para serem capturadas, pois as empresas têm porteeconômico significativo e experiência nos mercados (inclusiveinternacionais), já que um grande número delas tem inserçãointernacional positiva. A manutenção do sucesso competitivo, noentanto, implica organizações mais intensivas em esforçotecnológico e vendas, incluindo alianças comerciais etecnológicas e atração de capital de terceiros no país e noexterior.

No complexo eletrônico e na indústria de bens de capital,convivem empresas estrangeiras, especializadas ou de grande portee diversificadas, e empresas nacionais, em geral verticalizadas ediversificadas mas desconectadas de grandes grupos econômicos oucasas bancárias, salvo exceções bem conhecidas, como no caso dealgumas empresas eletrônicas e de bens de capital. Em geral, paraas empresas nacionais ainda prevalecem organizações familiares eformatos empresariais competitivamente incipientes. O desafiocompetitivo para estas empresas não é trivial, implicandoprocessos de fusão, especialização, busca de parcerias com outrasempresas, inclusive estrangeiras ainda ausentes do mercadobrasileiro, e incremento da capacidade de gestão competitiva.Ações nestas direções devem partir de empresas individuais,grupos ou associações de empresas. É inevitável a participação deagências de governo, como o BNDES e os bancos estaduais eregionais de desenvolvimento, assim como casas bancáriasprivadas, no financiamento destes processos de reestruturação.Deste modo, cabe a estas agências o desenvolvimento de propostastécnicas e o desenvolvimento de engenharias financeirasadequadas.

Nas indústrias de consumo final, dos complexosagroindustrial e têxtil/calçados e móveis, prevalece grandevariedade de empresas em termos de porte e é natural eeconomicamente sadio que assim seja. No entanto, assim como nocaso do complexo eletrônico e de bens de capital, para asempresas brasileiras as relações propriedade/gestão constituemuma fragilidade competitiva pronunciada.

As empresas de capital nacional são, em sua maioria,empresas familiares. Esta característica pode ser positiva para acompetitividade, como ocorre em Taiwan, mas também pode sernegativa caso interesses familiares afetem a condução dosnegócios.

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As empresas médias ou grandes estão em transição para o quese convencionou chamar de "administração profissional". Paraestas empresas, promover a excelência da gestão pode ou nãorequerer executivos contratados no mercado, sendo precedente aresolução da questão sucessória. Neste caso, não há comoprescrever recomendações genéricas, a não ser a necessidade doinvestimento na qualificação técnica da alta gestão destasempresas, independentemente de sua origem.

O caso das pequenas empresas é distinto: não há como eporque separar a propriedade da gestão e a interferência deinteresses familiares nos negócios. O desafio para este grupo édistinto: é transitar de uma forma de gestão baseada naexperiência para uma gestão que, além da experiência, sejacapacitada tecnicamente.

Em conclusão, no âmbito da gestão, por se constituíremaspectos relacionados à definição dos contornos e dascaracterísticas das empresas, as políticas públicas pouco podeminterferir. Este é, por excelência, um espaço de decisão privada.Neste sentido, para serem competitivas as empresas devem buscar aeficácia da gestão, visando:

- coerência externa: posicionamento estratégico de acordocom os fatores de sucesso no mercado;

- coerência interna: integração entre estratégia,capacitação e desempenho.

As ações complementares recomendadas pelo ECIB são:

- aprimoramento dos currículos universitários e de escolastécnicas de formação de administradores;

- disseminação de experiências de sucesso empresarial nasCâmaras Setoriais, associações de classe e meios de comunicaçãode massa;

- criação de bancos de dados para difusão de informaçõessobre fatores e indicadores de competitividade;

- promoção de programas de gestão para pequenas empresas,através da ampliação das atividades de instituições como SEBRAE,com crescente envolvimento de Estados, Municípios e associaçõesempresariais;

- financiamento e apoio a instituições não-lucrativas deformação empresarial.

CAPACITAÇÃO PARA INOVAÇÃO

A importância da inovação tecnológica para a competividade éinequívoca. O progresso econômico da empresa está intimamenteligado à sua capacidade de gerar progresso técnico. No contextointernacional, empresas líderes e inovadoras não mais definemestratégias e competências visando exclusivamente odesenvolvimento de linhas de produtos. Visam crescentemente criarcapacitação em áreas tecnológicas nucleares - core competences -de onde exploram oportunidades para criar e ocupar mercados.

No Brasil, a situação é distinta. Conforme visto no capítulo3 da parte I, a intensidade de dispêndios é baixa e os esforços

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tecnológicos são concentrados em poucas empresas, em geral degrande porte, de poucos setores. Das 660 empresas entrevistadaspelo ECIB, apenas metade realiza dispêndios em P&D e, para estas,os esforços são baixos, em torno a 0,7% do faturamento, eestáveis, não tendo mudado desde o final dos anos 80. Deve sermencionado que estes dispêndios podem incluir gastos com outrasatividades, como pequenas adaptações técnicas em produtos, queinternacionalmente não seriam consideradas P&D strictu sensu.

É importante apontar ainda que, como mostra a Tabela 7, ogrupo de empresas com dispêndios acima da média em 1992 aumentouseu envolvimento com P&D desde 1987/89. Ao contrário, as empresassituadas abaixo da média não declararam aumentos substanciais noinvestimento em P&D. Deste modo, para este painel de empresas,notam-se sinais de polarização entre aquelas que privilegiam ounão as atividades de P&D em suas estratégias competitivas. Paraas empresas menos capazes, está em xeque a possibilidade desustentar sua capacidade competitiva no longo prazo, já que ainovação tecnológica é elemento decisivo na competição.

TABELA 7AMOSTRAS DE EMPRESAS - DISPÊNDIOS EM P&D

1987-89 e 1992(Nº de Empresas)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------EMPRESAS COM DISPÊNDIOS EM 1992 EM RELAÇÃO A 1987/89 O DISPÊNDIO EM 1992

Diminui Aumenta Permanece Igual Total------------------------------------------------------------------------------------------------------------Abaixo da faixa média (entre 0 e 0,66%) 26 34 271 331Na faixa média (entre 0,67 e 0,805) 0 1 7 8Acima da faixa média (acima de 0,81%) 19 61 42 122Total 45 102 314 461------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

A necessidade de fortalecimento da infra-estruturatecnológica foi apontada unanimente pelos estudos setoriaisdesenvolvidos neste projeto. A especificação do tipo detecnologias adquiridas pelas empresas pode ser útil para definiro estágio de evolução em que se encontram e quais áreas deveriamser apoiadas por políticas de fomento. Os dados apresentados pelaTabela 8 revelam que a aquisição de tecnologias/serviços porparte das empresas pesquisadas concentra-se, predominantemente,em atividades pouco sofisticadas. Consultoria de apoio à gestão equalidade e serviços de testes e ensaios são priorizados pelasempresas, em sua relação com a infra-estrutura localizada nopaís. No exterior há, efetivamente, a busca por novastecnologias, pela aquisição de projetos básicos e detalhados.

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TABELA 8AMOSTRA DE EMPRESAS - TECNOLOGIAS/SERVIÇOS

TECNOLÓGICOS ADQUIRIDOS1991-1992

(% de Empresas)------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO NO BRASIL NO EXTERIOR------------------------------------------------------------------------------------------------------------Projeto básico 22,8% 27,5%Projeto detalhado 19,5% 26,1%Estudos de viabilidade 28,6% 16,2%Testes e ensaios 45,0% 30,3%Metrologia e normalização 23,7% 9,2%Certificação conformidade 20,0% 15,5%Consultoria em marketing 31,3% 10,6%Consultoria gerencial 55,9% 13,4%Consultoria em qualidade 49,2% 23,2%

Número de respondentes 329 142------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Assim, os serviços da infra-estrutura tecnológica demandadospelas empresas estão relacionados, essencialmente, ao apoio àcapacitação produtiva. No caso de aquisição de tecnologias forado país, é essencial a confiabilidade e rapidez dos serviços deinformação tecnológica. Esta qualificação é importante, poisserve para orientar e focalizar as ações de política para ofortalecimento da infra-estrutura tecnológica do país.

Estas recomendações genéricas devem ser especificadassetorialmente. Isto porque a intensidade e a direção do esforçoinovativo necessário para as empresas sustentarem competitividadenão é aleatória, guardando relação com a natureza e o estágio deevolução da tecnologia relacionada à sua atividade industrial.Este detalhamento será feito a seguir, para os diversos setoresanalisados pelo ECIB.

A intensidade dos dispêndios setoriais no Brasil guardarelação com o contexto internacional: os setores do complexoeletrônico e de bens de capital apresentam maiores níveis dedispêndios. No entanto, como mostra a Tabela 9, foram as empresasdestes setores as que apresentaram maior queda nos dispêndiosentre finais dos anos 80 e 1992.

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TABELA 9GASTOS EM P&D POR SETOR

1987-89 e 1992(P&D/faturamento; média ponderada)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------SETOR 1987-89 1992------------------------------------------------------------------------------------------------------------Óleos vegetais 0,05 0,07Beneficiamento de café 0,10 0,08Abates 0,06 0,20Suco de frutas n.d. 1,00Laticínios 0,46 0,51Petroquímica 0,59 0,33Defensivos 1,94 2,10Fertilizantes 0,32 0,03Fármacos 1,70 1,11Siderurgia 0,15 0,20Alumínio 0,86 1,45Equipamentos de energia elétrica 0,94 0,89Máquinas-ferramenta 1,80 1,77Autopeças 1,59 1,96Máquinas agrícolas 3,22 2,65Minério de ferro 1,77 1,92Computadores 2,88 1,65Equipamentos para telecomunicações 2,74 2,38Eletrônica de consumo 2,03 2,13Automação industrial 5,19 6,25Fiação de algodão 1,57 0,63Tecelagem de algodão 0,52 0,42Calçados de couro 0,69 1,69Confecções 0,75 1,38Celulose 0,97 1,26Papel 0,42 0,54Cimento 0,08 2,00Móveis de madeira 0,22 0,12-----------------------------------------------------------------------------------------------------------Nota: Os dados das indústrias de refino de petróleo e automobilística não foram apresentados

por permitirem a identificação dos respondentes.Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Nos setores do complexo eletrônico, existem oportunidades aserem exploradas em certas áreas de competência já estabelecidas,o que requer a manutenção da capacitação já adquiridaprincipalmente em: automação bancária, centrais telefônicas demédio porte, integração de sistemas de automação industrial edesign de circuitos integrados dedicados, ainda que neste últimocaso sua produção seja contratada no exterior. O licenciamentoexterno é utilizado pelas empresas e nota-se maior probabilidadede absorção efetiva de tecnologia nos casos onde as empresasinvestiram em capacitação tecnológica local. As alianças para odesenvolvimento tecnológico em parceria com sócios internacionaisainda é muito incipiente, sendo necessária maior disposição

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empresarial para monitorar e capturar oportunidades tecnológicasdisponíveis no mercado internacional.

Nos setores de bens de capital mecânicos, as empresasapresentam elevados níveis de dispêndios em P&D e pelo menosmetade do pessoal ocupado é de nível superior. Os esforços sãodirigidos para o desenvolvimento de novos produtos e apresenta-seuma forte tendência à incorporação de controles microeletrônicosnos equipamentos mecânicos. No entanto, a recuperação dos níveisde dispêndios está associada ao incremento da demanda industrialpor equipamentos, o que requer disposição do empresariado para oinvestimento. Enquanto estes não se concretizam de modoextensivo, a sustentação da capacitação tecnológica do setor debens de capital mecânicos depende de programas de desenvolvimentotecnológico de empresas isolados ou cooperativos, direcionadospara nichos de mercado ainda dinâmicos.

No caso do complexo automotivo, existe capacitação localpara desenvolvimento de produtos em algumas ilhas de excelênciabem conhecidas, inclusive nas montadoras que realizam esforços deadaptação de projetos e onde um terço dos empregados em P&D temnível superior. Como as relações fornecedores/montadoras tendem aser cada vez mais próximas, as empresas precisam desenvolverprogramas conjuntos de desenvolvimento de componentes,utilizando-se dos incentivos fiscais que privilegiam este tipo deatividade.

Na base do complexo metal mecânico - minério de ferro,siderurgia, alumínio -, foram identificados dois desafios:enobrecer produtos e diminuir os níveis de emissão de poluentes econsumo energético. Esses desafios podem ser enfrentados pelasempresas. Para estas duas áreas existe capacitação mínima epressão crescente para realização de maiores esforços, o que devefavorecer um envolvimento mais ativo das empresas com oinvestimento tecnológico.

Para o enobrecimento de produtos, além das adaptações daslinhas existentes, podem ser necessários novos processosindustriais e equipamentos. O desenvolvimento de novos processosestá aquém da capacitação local. Portanto, será necessária acompra de novas tecnologias. Reduzir os prazos de efetivaabsorção destas através de investimentos em processos deaprendizado torna-se vital para a competitividade.

Pela pressão nos mercados externos ou pela implementação deregulações internas, o investimento antipoluição será crescenteno futuro. Isto requer introjetar parâmetros ambientais nosprocessos decisórios das empresas - assim como o são custo equalidade -, desenvolver capacidade de gestão ambiental interna,adquirir novos equipamentos menos poluentes e pesquisar novastecnologias. Estas atividades implicam capacitar quadros técnicose desenvolver pesquisas cooperativas com outras empresas(inclusive concorrentes), fornecedores de equipamentos e centrosde pesquisa no país e exterior.

Assim como no caso do complexo metalmecânico, os setoressituados na base dos complexos de papel e celulose, material de

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construção (cimento, por exemplo) e químico enfrentam o desafiode se tornarem menos "ecodelinquentes" e mais eficientes noconsumo energético. Tanto no manejo de matérias-primas e deflorestas quanto nos processos industriais, as empresas tendem adar crescente importância à gestão ambiental como atividadefuncional e a desenvolver pesquisas tecnológicas para minimizaçãodo impacto ambiental de suas atividades. Para o suporte destasatividades internas, as empresas necessitam dois tipos deatividades externas: a) aproximação com fornecedores deequipamentos e serviços para desenvolvimento tecnológicoconjunto; b) cooperação com outras empresas para a constituiçãoou fortalecimento de centros de pesquisa especializados.

Nos setores na base do complexo agroindustrial - sucos,soja, etc. -, não existem desafios tecnológicos nos processosindustriais e os produtos são relativamente homogêneos. Para ossetores produtores de alimentos, o desafio competitivo é penetrarnovos mercados, de maior valor agregado. Assim, ao evoluírem parase tornarem empresas processadoras de alimentos, o esforço paradesenvolvimento de novos produtos deverá ser crescente. Emalgumas áreas, como engenharia genética para suínos e aves einseminação artificial para bovinos, as tecnologias são dominadaspelas empresas e a manutenção desta capacitação é necessária.Duas outras áreas requerem maior atenção: tecnologias paraincremento da produtividade agrícola e tecnologias de conservaçãode alimentos.

Para estas áreas, a biotecnologia - tradicional ou genética- e a química fina são fundamentais e merecem atenção nasestratégias tecnológicas empresariais. Além dos dispêndios emcentros cativos das empresas, também são necessáriosinvestimentos em pequenas empresas de base tecnológica - aindaincipientes em número e capacitação - e, principalmente, apoioaos centros de pesquisa públicos e privados existentes. Ou seja,as empresas deveriam promover investimentos cooperativos empesquisa tecnológica. Os centros do sistema EMBRAPA merecemparticular atenção pois a capacitação de vários deles, apesar dereconhecida até internacionalmente, nos últimos anos tem sofridoos efeitos da instabilidade econômica.

Na agroindústria, existem excelentes condições para asempresas se posicionarem agressivamente nos mercados, a partir dodesenvolvimento de tecnologias de produto. Elas revelamcompetitividade nos mercados externos, possuem porte econômicofavorável e contam com uma infra-estrutura tecnológicadesenvolvida, em que pesem os retrocessos recentes. Como o seudesafio é agregar valor, estão reunidas as condições mínimas parao avanço nesta direção.

No complexo têxtil-calçados, a inovação é gerada por outrossetores - bens de capital e química. Não causa surpresa o fato deque, apesar de declararem gastos na faixa de 0,5 a 1,0% dofaturamento, somente 15 a 20% do pessoal ocupado é de nívelsuperior. O desafio para estas empresas é, então, desenvolvercapacidade de adaptação de novos insumos - normalmente de basequímica - e equipamentos de base microeletrônica, de modo adiminuir os tempos de aprendizado. Para as empresas de pequeno

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porte, a ação associativa para compartilhar equipamentos, empólos regionais, pode reduzir custos de investimento.

Em resumo, a capacitação em inovação é essencial parasustentar a competitividade em um ambiente de acirramento daconcorrência e, principalmente, para preparar o setor industrialpara um contexto de retomada de crescimento. O apoio aodesenvolvimento tecnológico tem prioridade central nas políticasindustriais de todos os países da OECD. As engenhariasfinanceiras são cada vez mais sofisticadas, as ações focalizamgrupos de tecnologias ou setores intensivos em pesquisa edesenvolvimento e, crescentemente, privilegiam-se programasassociativos ou cooperativos. A intenção programática da Coréiade dispender 5% do seu PIB, no ano 2.000, com ciência etecnologia é evidência suficiente para demonstrar estaimportância. O eventual fracasso nos resultados de esforçosapoiados por instituições públicas não implica retirada dofomento, mas avaliações dos erros para ajuste das ações futuras.

Dado o quadro de rarefação dos investimentos em P&D, depoucos projetos de desenvolvimento tecnológico cooperativos ebaixa interação da indústria com a infra-estrutura tecnológica,propõe-se a expansão gradual da capacidade inovativa, sustentadapelo investimento privado, em áreas focais onde existam demandapor novas tecnologias e capacitação mínima para sustentar oesforço inovativo.

A avaliação setorial indica que empresas e agências defomento deveriam promover ações pró-ativas nas áreas de:

- projetos de equipamentos, de componentes microeletrônicose software para as indústrias de bens de capital mecânico eeletrônico;

- P&D de produtos, especialmente para empresas expostas àconcorrência internacional nos mercados domésticos e externos ouaquelas que, em suas estratégias competitivas, buscam nichos demercado mais sofisticados;

- tecnologias e serviços ambientais, principalmente paraindústrias de processo contínuo;

- pesquisa e difusão de tecnologias agrícolas, biotecnologiae química fina para aumentar a produtividade da agricultura, demodo a sustentar a competitividade das agroindústrias, docomplexo papel e celulose e das indústrias têxtil, vestuário,calçados e móveis;

- informação tecnológica sobre oportunidades no Brasil e noexterior para investimento e desenvolvimento tecnológico.

As ações para viabilizar o desenvolvimento tecnológico poráreas focais incluem:

- utilização de incentivos fiscais e crédito (FINEP, BNDES,bancos de desenvolvimento estadual) com prioridade e condiçõesfavorecidas para programas cooperativos, contra demonstração decapacidade de gestão tecnológica, isto é, procedimentosoperacionais que organizem e rastreiem projetos dedesenvolvimento tecnológico;

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- elevação dos níveis de dedução fiscal na lei de incentivosà P&D para áreas de alta tecnologia;

- programas de capacitação de pessoal de alto nível, emprogramas de parceria empresa/institutos de pesquisa/CNPq/CAPES eagências estaduais e reforço aos centros de excelência nas áreasprioritárias;

- utilização do poder de compra do setor público;- programas de fomento para empresas de base tecnológica,

através de parcerias entre BNDES, FINEP, SEBRAE e empresasprivadas de venture capital, incluindo apoio à gestãoempresarial;

- reforço do Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica daIndústria (PACTI) como instância de coordenação; para suaoperacionalização, a focalização do desenvolvimento tecnológicodeveria ser detalhada pelas comissões setoriais do programa.

CAPACITAÇÃO E DESEMPENHO PRODUTIVO

Produção

Assim como a base tecnológica é específica às váriasatividades industriais, também o são os elementos constituintesda capacitação produtiva que assegura desempenho compatível comos fatores de sucesso competitivo setorial. No entanto,internacionalmente, no nível da produção, está em franca difusãoum conjunto de inovações genéricas que vêm elevandosistematicamente os patamares de eficiência industrial.

Os equipamentos de base microeletrônica e as novas técnicasorganizacionais constituem os principais instrumentos de mudançanos processos produtivos. Sua importância decorre do fato deestes representarem inovações aplicáveis à maioria das atividadesindustriais, mesmo que áreas de introdução, forma específica deutilização, taxas de difusão e intensidade de uso variemconsideravelmente entre empresas, setores e países.

Equipamentos de base microeletrônica são utilizadosdiretamente na produção ou para monitorar, processar informaçõese controlar etapas de um processo produtivo, desde a fase deprojeto. Os mais conhecidos são: computadores de apoio a projetoou produção, robôs, controles númericos programáveis,controladores lógico-programáveis e sistemas digitais de controledistribuído.

Dentre as novas técnicas organizacionais, incluem-se just-in-time, células de produção, círculos de controle de qualidade,técnicas de controle estatístico de qualidade, etc. Tambémexistem normas (como a ISO 9.000) que constituem um receituáriogenérico de procedimentos que auxiliam a empresa a se orientarpara a produção com qualidade. Estes procedimentos e técnicasinstrumentalizam parcialmente a adoção da "filosofia" daqualidade, já que esta, por definição, implica atitudes ecomprometimentos dos agentes produtivos não circunscritos ainstrumentos, incorporando também atitudes, comportamentos eaptidões da força de trabalho.

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Os benefícios da automação e das novas técnicasorganizacionais são convergentes e implicam elevação dospatamares de eficiência produtiva sendo, portanto, bastanteextensivos, como demonstra o Quadro 2. Este quadro reflete aavaliação de executivos de empresas brasileiras com experiêncianestas inovações, mostrando claramente as principais vantagensobservadas com a introdução de automação e novas técnicasorganizacionais.

QUADRO 2MUDANÇAS OBSERVADAS APÓS A INTRODUÇÃO

DE AUTOMAÇÃO E NOVAS TÉCNICAS ORGANIZACIONAISDIMINUIÇÃO AUMENTO

Custos correntes Qualificação mão-de-obraCustos do produto TreinamentoPrazos de entrega Qualidade do produtoPerdas de insumos Nível tecnológico do produtoDown time Adequação do fornecedor a novas especificaçõesEstoques intermediários Capacidade de produção

Flexibilidade do processoDisponibilidade de informações

Fonte: SENAI (1992).

Em geral, assim que uma empresa implementa projetos demodernização - de introdução de automação ou técnicasorganizacionais -, são auferidos ganhos imediatos e expressivos,sem a realização de esforços substanciais. Estes ganhos, em geralderivados da eliminação de fontes de ineficiência bastanterelevantes, são importantes economicamente e servem parademonstrar a validade dos investimentos nestas inovações.Entretanto, ganhos sustentados de eficiência e qualidade somenteocorrem no longo prazo, quando há alta intensidade de uso deinovações em termos de número de operações cobertas outrabalhadores envolvidos. Isto implica disposição para a busca demelhoramentos contínuos, incorporada firmemente nas rotinasformais e informais de cada empresa.

Atualmente, no Brasil, diante de um ambiente hostil, marcadopela instabilidade econômica e crescente concorrência comprodutos importados, as estratégias empresariais dirigidas aprocessos produtivos visam, preferencialmente, a redução decustos, conforme mostra a Tabela 10.

TABELA 10AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO

(Nº Total de Respondentes = 638)------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO % DE RESPONDENTES------------------------------------------------------------------------------------------------------------Reduzir custo de estoques 46,3%Reduzir consumo/aumentar rendimento das matérias-primas 44,3%Reduzir consumo/aumentar rendimento energético 6,7%

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Reduzir necessidades de mão-de-obra 32,4%Promover desgargalamentos produtivos 26,1%Reduzir emissão de poluentes 5,8%Não há estratégia definida 10,8%------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

A Tabela 11 apresenta uma série de variáveis (número deníveis hierárquicos, prazo médio de produção e entrega, taxas dedefeitos, devolução de produtos e rotação de estoques) utilizadaspela pesquisa de campo do ECIB que visam obter uma estimativa dodesempenho produtivo das empresas consultadas. Observa-se que,apesar de apresentarem patamares elevados, as diferentesvariáveis mostram uma evolução positiva entre finais dos anos 80e 1992, principalmente as que medem prazos médios de entrega eprodução. Comparados às best-practices internacionais, onde asmargens de tolerância são claramente mais baixas, estes dadosrevelam a existência de apreciável espaço para melhorias quepodem implicar ganhos econômicos e competitivos significativos.

TABELA 11AMOSTRA DE EMPRESAS - DESEMPENHO PRODUTIVO

1987-89 e 1992------------------------------------------------------------------------------------------------------------VARIÁVEL (Unidade) 1987-89 1992 VARIAÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------------------------Níveis hierárquicos (nº) 6,17 5,46 -11,5Prazo médio de produção (dias) 29,99 22,24 -25,8Prazo médio de entrega (dias) 42,17 30,45 -27,8Taxa de defeitos (%) 6,79 5,57 -18,0Taxa de devolução de produtos (%) 0,96 0,89 -7,3Taxa de rotação de estoques (%) 41,38 33,96 -17,9------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

É importante apontar, no entanto, duas constataçõesrelevantes. Primeiro, os processos de melhoria contínua devem seravaliados em função da velocidade de evolução dos indicadores. Osdados revelam que a intensidade do ajuste produtivo ainda podeser mais expressiva. Segundo, as taxas de melhoria sãodiferenciadas entre empresas e setores. O ajuste produtivo atingetodos os setores industriais mas, como demonstram as notastécnicas setoriais, ele não é extensivo em cada um deles,principalmente onde prevalecem pequenas empresas e produtores debens finais.

Estas duas constatações indicam que as estratégias nadireção da eficiência produtiva podem ser aprofundadas poraquelas empresas que já iniciaram o processo de ajuste e adotadaspor um maior número de empresas industriais.

O ajuste produtivo para racionalização tem origem namobilização de recursos técnicos e humanos das empresas e paraestes devem ser focalizadas ações para o seu fortalecimento.

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Conforme mostra a Tabela 12, os dispêndios em engineeringaumentaram entre 1987/89 e 1992 de 1,2% para 1,45% dofaturamento. Os esforços em engineering são particularmenteelevados nas indústrias de insumos básicos (siderurgia,petroquímica, etc.), nos setores produtores de bens duráveis, nasempresas exportadoras e nas pequenas e grandes empresas. Noentanto, somente 25% dos empregados nestas atividades têm nívelsuperior. Estes dados revelam a existência de um mínimo de massacrítica com uma base de formação profissional apta para realizarestas atividades e que deveriam possuir melhor qualificação. Estaconstatação é extremamente importante pois indica a possibilidadede tornar o processo de busca de eficiência e qualidade maisabrangente e intensivo.

TABELA 12AMOSTRA DE EMPRESAS - DISPÊNDIOS EM ENGINEERING

1987-89 e 1992------------------------------------------------------------------------------------------------------------

% MÉDIA PONDERADA VARIAÇÃODISCRIMINAÇÃO 1987-89 1992 (%)------------------------------------------------------------------------------------------------------------Painel 1,22 1,45 18,9%Por intensidade de exportações até 5% 1,04 0,98 -5,8% 5%<X<30%. 1,31 1,48 13,0% 30%<X<50% 0,72 0,42 -41,7% acima de 50% 2,11 4,18 98,1%Por tamanho das empresas segundo as vendas Pequenas (até US$ 10 milhões) 0,89 1,25 40,4% Médias (US$10<X<100 milhões) 1,27 1,37 7,9% Grandes (+ US$ 100 milhões) 1,22 1,48 21,3%Por categoria de uso Bens de capital 2,05 1,86 -9,3% Insumos básicos 1,26 1,94 54,0% Bens de consumo duráveis 1,79 2,21 23,5% Bens de consumo não-duráveis 0,52 0,47 -9,6%------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

Os métodos e instrumentos pelos quais usualmente é atingidaa racionalização dos processos variam muito. Aqueles maisconhecidos e genéricos - equipamentos de automação, controleestatístico de processo e certificação da empresa pela ISO 9000 -estão quantificados nas Tabela 13 e 14. Os resultados agregadosindicam baixa intensidade no uso destas inovações, mas umaevolução positiva desde finais da década passada.

TABELA 13AMOSTRA DE EMPRESAS - SITUAÇÃO EM RELAÇÃO À ISO-9000

(% de Empresas)------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO Não está Iniciou Certificado ou próximo

mobilizado esforços a certificação n------------------------------------------------------------------------------------------------------------Painel 43,1% 42,0% 14,8% 633Por intensidade de exportações

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até 5% 51,1% 40,5% 8,5% 284 5%<X<30% 15,9% 55,9% 28,3% 145 30%<X<50% 14,6% 46,3% 39,0% 41 acima de 50% 34,1% 47,7% 18,2% 44Por tamanho segundo as vendas Pequenas (até US$ 10 milhões)65,3% 29,0% 5,7% 245 Médias (US$ 10<X<100 milhões)22,3% 63,6% 14,1% 206 Grandes (+ US$ 100 milhões) 10,8% 42,2% 47,1% 102Por categoria de uso Bens de capital 12,2% 54,4% 33,3% 90 Insumos básicos 13,8% 53,8% 32,3% 65 Bens de consumo duráveis 10,3% 51,7% 37,9% 58 Bens de consumo não-duráveis63,4% 33,1% 3,5% 372------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

TABELA 14AMOSTRA DE EMPRESAS - INTENSIDADE DE USO DE AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL

(AI) E CONTROLE ESTATÍSTICO DE PROCESSO (CEP)(% de Respondentes)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------INOVAÇÃO/TIPO DE EMPRESA INTENSIDADE DE USO*

1987-89 1992baixa média alta n baixa média alta n

------------------------------------------------------------------------------------------------------------Painel: AI 84% 13% 3% 566 74% 19% 7% 583 CEP 82% 11% 8% 543 69% 18% 14% 553Por Categoria de UsoBens de Capital: AI 70% 23% 7% 90 62% 28% 10% 90 CEP 80% 15% 5% 85 67% 19% 14% 86Insumos Básicos: AI 64% 27% 8% 59 51% 29% 20% 59 CEP 81% 12% 7% 59 60% 28% 12% 58Bens de Consumo Duráveis: AI 81% 19% 0% 47 58% 36% 6% 53 CEP 69% 20% 12% 51 27% 42% 31% 52Bens de Consumo Não-Duráveis: AI93% 6% 1% 324 86% 11% 4% 333 CEP85% 8% 8% 306 78% 11% 11% 315Por intensidade de exportações:até 5%: AI 85% 13% 2% 261 80% 13% 7% 268 CEP 84% 9% 7% 246 70% 14% 15% 249entre 5,01% e 30%: AI 75% 21% 4% 134 60% 32% 8% 139 CEP 73% 17% 10% 132 60% 23% 16% 134entre 30,01 e 50% : AI 83% 9% 9% 35 61% 25% 14% 36 CEP 76% 18% 5% 38 62% 28% 10% 39acima de 50%: AI 79% 13% 8% 39 62% 26% 13% 39 CEP 77% 13% 10% 39 62% 23% 15% 39Por tamanho segundo as vendas:Pequenas (até US$ 10 milhões): AI93% 6% 1% 220 87% 10% 3% 228 CEP86% 8% 5% 203 78% 14% 8% 207Médias (US$ 10 <X< 100 milhões): AI82% 15% 3% 188 69% 25% 7% 191 CEP 77% 13% 10% 183 62% 17% 21%

185Grandes (+ US$ 100 milhões): AI 58% 33% 9% 91 45% 34% 21% 95 CEP 73% 19% 7% 94 51% 34% 15% 97------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Intensidade de Uso: AI = % operações controladas por dispositivos microletrônicos

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CEP = % empregados que trabalham com controle estatístico de processo baixa intensidade = até 10% média intensidade = entre 11 e 50% alta intensidade = acima de 50%Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

As empresas exportadoras, de maior porte, dos setoresprodutores de bens intermediários, de equipamentos mecânico oueletrônicos e de bens duráveis apresentam melhor capacitação nouso destas técnicas do que empresas direcionadas para o mercadointerno, de menor porte e, principalmente, de setores produtoresde bens finais. Esta é a caracterização sintética daheterogeneidade da capacitação produtiva da indústria nacionalque será detalhada a seguir a partir dos documentos setoriais.

A heterogeneidade no desempenho produtivo é exarcebada em umcontexto de mudanças nas formas de produzir. Não se podedesconhecer a existência de dificuldades para adoção de inovaçõesorganizacionais naquelas empresas que eram mais avançadas nautilização de "velhas" técnicas, como métodos de controle detempos e movimentos. Este é o caso de empresas produtoras demáquinas agrícolas, de bens eletrônicos de consumo,telecomunicações, automobilística e autopeças. Para estas, odesafio é mudar procedimentos e rotinas de organização e gestãoda produção que antes significavam as melhores práticas. Reforçareste processo de mudança é uma tarefa do empresário e as açõesmobilizadoras do PBQP deveriam focalizar a reciclagem dos níveistécnicos das empresas.

Empresas exportadoras e, ao mesmo tempo, de indústrias deprocesso contínuo - siderurgia, alumínio, petroquímica - revelamesforços significativos para introduzir um conjunto de normas deprocedimentos que as habilitam a evoluírem em direção àincorporação da filosofia da qualidade total em suasorganizações. O desafio para estas empresas é se transformarem emlearning organisations e ampliarem sua capacitação para a área dainovação tecnológica.

Conforme mencionado acima, as indústrias alimentares, devestuário, têxtil e material de construção assemelham-se emtermos de nível de capacitação produtiva. Nestes setores,prevalece um contexto de polarização entre "maiores e melhores" e"menores e piores". As grandes empresas destes setores estãotransitando para uma administração "profissional"; têmequipamentos relativamente atualizados tecnologicamente; operamtanto no mercado interno como (crescentemente) no mercadoexterno; conhecem e estão cada vez mais empenhadas no uso denovas técnicas organizacionais e utilizam extensivamentecampanhas de marketing para reforçar as suas marcas no mercado.Nas empresas de menor porte, ocorre o oposto.

A fraca capacitação produtiva de um conjunto extenso deempresas destes setores revela fragilidades competitivas. Estemau desempenho é traduzido em atributos do produto desfavoráveispara o consumidor, afetando negativamente o poder de compra dosconsumidores e obstruindo um processo de reprodução econômica

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indutor do crescimento e do bem-estar. Estas são razões mais quesuficientes para justificar ações corretivas, através deinstrumentos de política industrial e tecnológica. No entanto, aação pública é dificultada por existirem estágios de evoluçãodiferenciados dentro dos setores.

Uma primeira alternativa, dedutível da clivagem por portedas empresas, seria incentivar processos de concentraçãoeconômica ou promover importações. Esta última alternativa deveser considerada pelos formuladores de política como instrumentode indução à evolução da capacidade competitiva das empresaslocais. A primeira alternativa deve ser descartada, por trêsrazões. Primeiro, é característica estrutural destes setores apossibilidade técnica e econômica da existência de variadosportes. Segundo, o contexto internacional também é de variedade efaz parte da estratégia industrial de todos os países da OECD avalorização da pequena empresa, principalmente as de consumofinal. Terceiro, estas empresas são social e economicamenterelevantes para o Brasil por serem intensivas em emprego.

Conforme já destacado, a existência de consumidoresexigentes conformaria condições necessárias para induzireficiência nos processos e a adequação ao uso dos produtos. Paraisto, uma política para a competitividade pode contribuir atravésda utilização de instrumentos de regulação e fomento.

As ações regulatórias dizem respeito à segurança, saúde,responsabilidade civil, proteção ambiental e fiscalizaçãotributária. A legislação brasileira na maioria destas áreas éadequada, faltando capacidade de implementação das agênciasresponsáveis. Aparelhar técnicamente estas instituições,orientando-as para a promoção de condutas competitivas é arecomendação do ECIB.

A experiência internacional mostra que estas regulamentaçõessão mais efetivas quanto existe a mobilização de consumidores, emgeral com alto nível de renda e informação. Assim também devemser incentivados o desenvolvimento e as ações de organizaçõesnão-governamentais de defesa do consumidor, meio ambiente, etc.sem fins lucrativos. Para estas, é necessária a alocação derecursos para programas de mobilização e conscientização dosconsumidores. Estes programas devem ter metas muito bem definidase as instituições devem comprovar capacidade de gestão.

As ações de fomento, em um contexto de diferenças entreempresas em termos do estágio de evolução do ajuste produtivo,devem ser direcionadas para programas de melhoria contínuaatravés do estímulo a processos de aprendizado.

Esta recomendação aponta para programas descentralizados,intensivos em coordenação, envolvendo múltiplos atores einstrumentos. Cabe reforçar o Programa Brasileiro de Qualidade eProdutividade (PBQP) como instância de coordenação, envolvendo umnúmero crescente de instituições públicas e privadas locais.Também é importante assegurar sua articulação com instituiçõesfinanceiras, de modo a potencializar a sua penetração extensivapelo sistema industrial.

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Para as empresas mais avançadas, é necessário aprofundar adifusão de inovações organizacionais e de automação industrial,além da atualização de equipamentos específicos a cada atividadeindustrial. Para isto, são úteis:

- programas setoriais de certificação, normalização emetrologia, apoiados pela iniciativa privada;

- crédito público de longo prazo para investimentos emmodernização, contra metas de capacitação e desempenho;

- desenvolvimento de sistemas de leasing industrial parasistemas de automação industrial;

- apoio em condições favoráveis para integração de sistemase para programas cooperativos em cadeias produtivas.

Para as empresas que iniciam o processo de ajuste, sãoquatro as possíveis ações de fomento:

- Apoio à infra-estrutura de treinamento e, principalmente,de serviços técnicos especializados. Instituições como SENAI,SEBRAE, associações de classe, governos estaduais e municipaisdevem compartilhar os custos financeiros de programas decapacitação produtiva. A participação do governo federal deve serminoritária;

- Apoio a programas setoriais de certificação e normalizaçãopromovidos e sustentados por associações empresariais. Asinstituições financeiras públicas poderiam desenvolver linhas decrédito para programas desta natureza com metas definidas ecomprovação de capacidade de gestão;

- Apoio à aglomeração de empresas em pólos industriaisespecializados. Programas com este propósito devem ter comoobjetivos: expandir a infra-estrutura de treinamento e prestaçãode serviços técnicos para facilitar a ligação eletrônica entrefornecedores, produtores e clientes e o compartilhamento deequipamentos eletrônicos para design de produtos. Neste caso,existe um amplo espaço de atuação para empresas regionais detelefonia e para a Embratel. Também pode ser útil a instalação deescritórios de compras de insumos e vendas de produtos, ampliandoo acesso aos mercados e fortalecendo o poder de barganha dasempresas junto a fornecedores e clientes;

- Apoio ao extensionismo industrial, isto é, odesenvolvimento de redes descentralizadas de consultoresindependentes ou organizações não-lucrativas, habilitados pararealização de diagnósticos, formulação e acompanhamento deprojetos de capacitação gerencial e produtiva e organizadas porregião, tipo de empresa ou problema. Preferencialmente, as açõesdestes agentes deveriam abranger grupos de empresas e aparticipação financeira destas deve crescer na ordem direta dograu de detalhamento do projeto. Neste sentido, estas açõesmobilizadoras - que devem ser coordenadas pelo PBQP - requerem aalocação de recursos principalmente de origem estadual, municipale de associações empresariais.

Estratégias de Vendas e de Relações com Fornecedores

Para se posicionarem favoravelmente frente à concorrência,as empresas devem incorporar aos seus produtos aqueles atributosque são valorizados pelo cliente: preço, marca, prazo de entrega,

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conteúdo tecnológico, conformidade a especificações técnicas,adequação ao uso, durabilidade e assistência técnica. Estesatributos têm importância distinta, conforme o mercadoconsiderado. Eles variam de acordo com a complexidade da função aser desempenhada pelo produto, o ritmo de mudanças possíveis, ademanda real e efetiva dos mercados, as normas que regulam osmercados, as tradições dos consumidores e produtores, etc.

Conforme mostra a Tabela 15, para o mercado externo aelevada conformidade técnica e o baixo preço são os atributos dosprodutos perseguidos pelas empresas. Para estes mercados, então,são necessários esforços explícitos para demonstrar ao cliente aadequação ao uso dos seus produtos. Ao contrário, no mercadointerno a preferência por marca e baixos preços indica esforçosdas empresas para associar a imagem da empresa às preferênciasdos consumidores. Neste sentido, as empresas brasileiras dedicamatenção especial aos esforços de vendas: o dispêndio com vendasdas empresas entrevistadas pelo ECIB é da ordem de 4,7% dofaturamento e, naturalmente, é mais alto nos setores produtoresde bens de consumo (em torno a 8% do faturamento).

TABELA 15AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE PRODUTO PARA OS MERCADOS

INTERNO E EXTERNO(% de Respostas)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO MERCADO INTERNO MERCADO EXTERNO------------------------------------------------------------------------------------------------------------Baixo preço 29,7 36,0Forte identificação com a marca 28,4 37,6Pequeno prazo de entrega 22,9 20,9Curto tempo de desenvolvimento de produtos 4,9 2,7Elevada eficiência da assistência técnica 7,6 4,4Elevado conteúdo/sofisticação tecnológica 10,7 16,9Elevada conformidade a especificações técnicas 23,2 48,4Elevada durabilidade 12,9 4,9Atendimento a especificações dos clientes 24,1 28,0Não há estratégia definida 8,6 4,0

Número de respondentes 590 245------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

A atenção com os níveis de preços no mercado internojustifica-se pela existência de consumidores com baixo poder decompra. A restrição da renda implica consumidores sensíveis aopreço em detrimento a outros atributos do produto. A naturezadeste mercado direciona as empresas para a simplificação dosprodutos, o que é inevitável desde que associada à adequação aouso.

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No escopo deste projeto, diretamente relacionadas compolíticas para a competitividade, são recomendadas a retomada dofinanciamento ao consumidor, a exposição gradual à concorrênciaexterna (desde que não predatória à produção local) e aimplementação da legislação de promoção da concorrência e dedefesa do consumidor.

Com relação às mudanças nas relações entre empresas, osnovos atributos do formato organizacional das empresascompetitivas contemporâneas modificam as suas fronteiras,alterando radicalmente as normas que regulam sua relação comfornecedores e clientes. As decisões quanto ao que produzirinternamente às empresas e quanto à aquisição de insumos (o que ecomo adquirir) são, cada vez mais, tomadas em parceria comfornecedores. A competitividade das empresas dependecrescentemente de sua proximidade com fornecedores, em termos dedesenvolvimento conjunto de produtos, troca de informação pormeios eletrônicos, fluxos de entrega que minimizam estoques,garantia assegurada de desempenho de insumos e estabilidade noscontratos.

No Brasil, verifica-se excessiva verticalização das empresasrelativamente à prática internacional, principalmente emindústrias de montagem. Uma razão, bem conhecida há tempos, é ainexistência de uma rede de fornecedores aptos a incorporar emseus produtos os atributos considerados relevantes pelosusuários.

Na verdade, a natureza das relações fornecedores/clientespreocupa as empresas, como mostra a Tabela 16.

TABELA 16AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIAS DE COMPRA DE INSUMOS E

RELACIONAMENTO COM FORNECEDORES

------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESTRATÉGIA DE COMPRA DE INSUMOS % DE EMPRESAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Menores preços 71,7%Menores prazos de entrega 21,6%Maior eficiência da assistência técnica 3,8%Maior conteúdo tecnológico 5,4%Maior conformidade às especificações técnicas 44,4%Maior durabilidade 8,4%Maior atendimento de especificações particulares 14,1%Não há estratégia definida 8,5%

Número de respondentes 611------------------------------------------------------------------------------------------------------------RELAÇÕES COM FORNECEDORES % DE EMPRESAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Desenvolver programas conjuntos de P&D 27,2%Estabelecer cooperação para desenvolvimento de produtos e processos 48,8

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Promover troca sistemática de informações sobre qualidade e desempenhodos produtos 68,6Manter relacionamento comercial de LP com fornecedores fixos 58,2%Realizar compras de fornecedores certificados pela empresa 46,7%Realizar compras de fornecedores cadastrados pela empresa 36,9%Realizar compras de fornecedores que oferecem condições mais vantajosasa cada momento 36,2%

Número de respondentes 287------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

A busca de menores preços é a principal meta das políticasde compras, seguida da conformidade às especificações técnicas.Esta preocupação está refletida nas taxas de rejeito de insumos,que evoluíram positivamente entre 1987/89 e 1992, de 2,42% para1,36%, uma queda de 43,8%. No entanto, os patamares ainda sãoelevados, indicando a possibilidade de melhorias.

Neste sentido, as empresas revelam intenção de ter maiorproximidade com fornecedores, através de troca sistemática deinformações e contratos comerciais de longa duração. Apesardisto, são poucas as intenções de desenvolvimento de programasinterativos como esforços conjuntos em P&D.

Pode-se elogiar as empresas brasileiras pela engenhosidadeem resolver internamente os seus problemas de abastecimento. Noentanto, isto implica dispersão de esforços, o que é ineficaz nolongo prazo, por não favorecer ganhos de escala e especialização.Estão ocorrendo, em todos os setores, processos dedesverticalização, mas ainda de forma são tímida e lenta, e aterceirização afeta principalmente os serviços. Não existemindícios de surgimento amplo de redes de subcontratação de partese componentes.

A busca de relações entre fornecedores e usuários queprivilegiem a minimização de tempos mortos nos fluxos de entregae a qualidade de insumos constitui um forte desafio para oconjunto das empresas brasileiras. Relações desta natureza sãoviabilizadas em prazos de maturação longos, são intensivas emprocessos de "tentativa e erro", envolvem recursos financeirossubstanciais e podem ser instrumentalizadas de várias formas:just-in-time, troca eletrônica de informações, hierarquização defornecedores, etc. Estes desafios são de difícil superaçãoatravés de políticas públicas, por envolverem decisões sobre"como e com quem fazer", que são, por definição, decisõesprivadas.

No entanto, antecipando as recomendações que virão à frente,as seguintes ações podem ser exploradas: incentivo a negociaçõesinterindustriais em fóruns públicos ou privados; incentivos aprogramas de normalização setorial e promoção de grupos detrabalho para definição de programas de subcontratação, amparadospor linhas de crédito específicas.

RECURSOS HUMANOS

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A participação efetiva na busca dos objetivos competitivosda empresa e a atuação consciente em direção ao aprendizadocontínuo só podem ser exigidos de um trabalhador que tenhaalcançado graus razoáveis de satisfação material em termos de suarelação com o trabalho. Estabilidade no emprego, mesmo que suatarefa mude frente às flutuações da demanda, remuneraçãoadequada, participação na organização da produção, nos processosdecisórios e nos benefícios dos ganhos de eficiência, segurançaem face dos riscos de invalidez ou incapacidade e expectativaspositivas frente ao futuro constituem um conjunto decondicionantes internos às empresas indispensáveis para que ostrabalhadores se motivem a co-participar dos desafioscompetitivos da empresa contemporânea.

O acirramento da concorrência requer da força de trabalhoaptidões e atitudes que favoreçam sua maior integração noprocesso produtivo. Neste contexto, o trabalho não é visto comoitem de custo, mas como um ativo que deve ser valorizado; otreinamento é intensivo; prevalece a multifuncionalidade pois hánecessidade de conhecimento de todo o processo produtivo e évalorizada a capacidade criativa de resolução de problemas.

Na verdade, as qualificações e atributos não "aumentam", masse transformam. A nova base de conhecimentos para operar sistemasprodutivos que utilizam automação e novas técnicasorganizacionais está descrita no Quadro 3.

QUADRO 3A NOVA BASE DE CONHECIMENTOS DA FORÇA DE TRABALHO;

Automação IndustrialAtributos Raciocínio lógico

ConcentraçãoConhecimento técnico geralCoordenação motoraDestreza manualHabilidade para aprender

Conhecimentos EletrônicaInformáticaGeometriaMecânicaManutenção

Formas de aquisição Formação profissionalExperiência profissional

Novas Técnicas Organizacionais

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Atributos Comunicação verbalComunicação escritaRelacionamento com vários níveis

hierárquicosAspiração profissional

Conhecimentos Conhecimento geralProcesso global fabricaçãoGestão da produçãoEstatística

Forma de aquisição Educação geralFonte: SENAI (1992).

A implantação de inovações pode se dar em diferentesambientes sociais, moldando, por sua vez, resultados socialmentediferenciados. Uma mesma inovação pode ser usada de forma aconcentrar conhecimentos e processos decisórios na gerência, oude forma a distribuir estes recursos entre vários postos detrabalho. Esta segunda forma, além de mais eqüitativa, possui aseu favor uma potencialidade de redução de conflitos, sendo,também por isto, tecnicamente mais eficiente.

Esta questão remete às relações entre eficiência e sistemasde relações industriais, que não são triviais. Neste contexto, éimportante identificar novos ítens que compõem as agendas denegociações pró-competitividade entre empresários etrabalhadores. A experiência internacional aponta para:

- requalificação e formação profissional com ênfase nasmelhorias qualitativas das tarefas;

- redução de jornada de trabalho;- flexibilização negociada do contrato de trabalho;- negociação da introdução de novas formas de organização do

trabalho.

Em resumo, as práticas internacionais mais avançadasindicam, nas relações entre empresa e trabalho, a valorização detodos os espaços de representação e a pauta de negociaçãoextrapola o salário para também incorporar a integração empresa-força de trabalho. No âmbito da formação profissional, sãorealizados esforços para transformar o perfil de qualificação dotrabalhador, na direção da ampliação de sua base de conhecimentose capacidade de intervenção sobre processos produtivos, paraviabilizar a melhoria contínua da eficiência produtiva.

No Brasil, as relações capital-trabalho são muitoheterogêneas entre setores e empresas. Genericamente, no iníciodos anos 90, o país pode ser caracterizado pela presença derelações capital-trabalho atrasadas, baixa incorporação dossegmentos subalternos, oferta insuficiente de proteção social einstitucionalização precária dos instrumentos de representação deinteresses. Estas dimensões, de certo modo, amarram num mesmotecido social tanto os trabalhadores incorporados nas empresasmodernas quanto aqueles envolvidos em atividades desestruturadase informais.

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Notam-se posturas empresariais favoráveis à negociação doprocesso de modernização com os sindicatos, à semelhança daprática internacional contemporânea. Mas a prevalência é decomportamento nitidamente anti-sindical, baseado na definição deregras de modo unilateral, portanto, a não disposição dasempresas em negociar a modernização produtiva. Nestes casos, emgeral, as empresas tendem a buscar o envolvimento dostrabalhadores a partir de benefícios individuais, ao mesmo tempoque rechaçam qualquer forma de organização operária nos locais detrabalho.

A opção por uma ou outra alternativa depende não só daempresa mas também da capacidade de organização dos sindicatos ea extensão em que a modernização, e portanto a competitividadeindustrial, é uma questão relevante para os trabalhadores. Emgeral, onde os sindicatos são organizados e comrepresentatividade abrem-se possibilidades para a negociação. Masainda se nota o despreparo dos sindicatos para negociar estasquestões, ou seja, uma prática sindical rígida de oposição aprocessos de modernização, o que inviabiliza a resoluçãonegociada de conflitos.

Os setores industriais com maior prática de negociação sãoos metalúrgicos e aqueles relacionados ao complexo químico. Apauta de negociação destes setores inclui: acesso à informaçãosobre projetos de modernização, estabilidade no emprego ereciclagem e treinamento da mão-de-obra. Os setores onde anegociação vem sendo mais difícil são: têxtil, vestuário ecalçados, mobiliário e cimento. Em cada um destes setores, aspráticas empresariais diferem bastante de uma empresa a outra.

Com relação ao emprego, os resultados do ECIB não sãodiferentes das evidências de todas as pesquisas de empregoindustrial feitas no país. A pesquisa de campo mostrou que entre1987/89 e 1992 o emprego médio por empresa sofreu uma queda de16%. Segundo a FIESP, entre dezembro de 1992 e agosto de 1993 aprodução na indústria paulista aumentou 46,6%, enquanto o númerode postos de trabalho aumentou apenas 0,1%. A queda dos níveis deemprego é preocupante pois está ocorrendo não só a eliminação deempregos que eventualmente poderiam ser retomados comcrescimento, mas também a extinção de empregos, pela introduçãode novas técnicas organizacionais menos intensivas em emprego,redução de níveis hierárquicos e mudanças das estruturas decargos e salários.

Dos setores examinados pelo ECIB, somente a indústria dealumínio apresentou um crescimento forte do emprego, o que éexplicado por níveis de produção que se aproximam do limite dacapacidade instalada. Pelo menos 1/3 do emprego foi cortado nossetores de bens de capital mecânico e eletrônico e bens deconsumo final. Para o primeiro conjunto de setores, estárefletida a inibição da indústria ao investimento em capitalfixo. Já na indústria de bens de consumo final, grande parte daqueda nos níveis de emprego pode ser explicada pelo processo deterceirização das empresas que vem ocorrendo com forteintensidade. Deve-se deixar claro que esta terceirização muitas

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vezes está associada à informalização do trabalho,"descarregando" as empresas de suas obrigações sociais, conformeserá indicado na análise setorial.

A questão do emprego, portanto, constitui um problema nãotrivial. O progresso industrial é poupador de mão-de-obra e aelasticidade emprego-produto está diminuindo drasticamente emtodos os países e setores industriais. Mesmo no Japão a práticade estabilidade no emprego, considerada um ativo competitivofundamental, está sendo crescentemente erodida.

No Brasil, o emprego industrial ocupa algo em torno a 10% dapopulação econômica ativa e as características do mercado detrabalho brasileiro, principalmente do setor terciário, sãodesconhecidas. Ao mesmo tempo, mirar no exemplo externo nãoajuda, pois as especificidades do mercado de trabalho brasileirosão grandes e as tendências internacionais são muito incertas.Além disto, existem amplas possibilidades de expansão do mercadointerno, o que demanda expansão da produção industrial local. Naverdade, a expansão do mercado interno é, com certeza, a maiorvantagem competitiva para o setor industrial, indicandopossibilidades de ampliação do emprego industrial, ainda que ataxas inferiores àquelas observadas no passado. Deste modo, aquestão do emprego industrial é complexa, impossível de serresolvida, no curto prazo, por fórmulas simples. Por ser de longamaturação, recomenda-se que as instituições e atores sociaisiniciem a avaliação do mercado de trabalho imediatamente.

A estratégia de gestão de recursos humanos das empresasentrevistadas pelo ECIB (Tabela 17) revela que, se por um ladoexiste a preocupação positiva com a polivalência - o que amplia oespaço de intervenção do trabalho -, por outro lado não existe adisposição formal de garantir a estabilidade do emprego. Dito deoutro modo, as empresas indicam a necessidade do envolvimento damão-de-obra com os seus objetivos competitivos, mas não pretendemformalizar seu compromisso com a estabilidade do emprego.

TABELA 17AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE RECURSOS HUMANOS

(Nº Total de Respondentes = 643)------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO % DE RESPONDENTES------------------------------------------------------------------------------------------------------------. Definir postos de trabalho de forma estreita e rígida 6%. Definir postos de trabalho de forma estreita mas incentivar os trabalhadores a executarem tarefas fora da definição dada 22%. Definir postos de trabalho de modo amplo visando alcançar polivalência 47%. Não definir rigidamente os postos de trabalho de modo que a gama de tarefas varie consideravelmente 7%. Não há estratégia definida 18%------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

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Um grande obstáculo encontrado pelas empresas para aimplantação de processos de modernização está associado àincapacidade de desenvolver uma política de recursos humanoscapaz de garantir a motivação e participação da força de trabalhonos diversos programas. Isto vale tanto para as alta e médiagerências quanto para o chão-de-fábrica.

O envolvimento dos trabalhadores nos processos de decisãonão é alto. Em 1992, das 661 empresas consultadas, 443 utilizamcírculos de controle de qualidade (CCQs) envolvendo até 10% dosempregados, 59 envolvem entre 11 e 50% dos empregados e, emapenas 41, acima de 50% dos empregados participam de CCQs. Éimportante apontar que, comparado ao período 1987-89, não ocorremavanços substanciais no uso de círculos de controle de qualidade.

Do lado da gerência, são ainda incipientes os passos nadireção de atividades em equipe e/ou interfuncionais. Aparticipação do pessoal da produção é dificultada não só pelobaixo nível de escolaridade dos trabalhadores como também pelaresistência das gerências médias. A transferência de poderdecisório para os trabalhadores é vista pela gerência comdesconfiança e, por isto, ocorre a insistência em formas decontrole tradicional. Não são raros os casos onde a soluçãoencontrada pela alta administração foi o afastamento dos gerentesmais refratários aos programas de modernização.

Com relação ao treinamento, a pesquisa do ECIB indica umaelevação tímida do investimento na melhoria da qualificação damão-de-obra. O investimento em treinamento era da ordem de 0,4%do faturamento em 1987/89, elevando-se para 0,5% em 1992. Naqueleperíodo, 42% das empresas não realizavam qualquer tipo detreinamento e, em 1992, este grupo corresponde a 37%.

As empresas dos setores produtores de equipamentos(eletrônicos e mecânicos), assim como aquelas que exportam acimade 50% do faturamento, são aquelas que mais gastam comtreinamento. As grandes empresas, que exportam entre 30 e 50% dofaturamento e produzem bens de consumo duráveis e não-duráveis,são as que apresentam menores gastos.

No entanto, como revela a Tabela 18, são poucas as quetreinam 100% dos empregados e a preferência é clara pela formaçãoda gerência.

TABELA 18AMOSTRA DE EMPRESAS - NÚMERO DE EMPRESAS QUE REALIZAM TREINAMENTO

SISTEMÁTICO DE TODOS OS EMPREGADOS POR FUNÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------------------------DISCRIMINAÇÃO Nº EMPRESAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Gerência 51Profissionais técnicos 24Trabalhadores qualificados 19Operadores/empregados 23

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.

As entrevistas realizadas nos diversos setores revelou umnúmero significativo de empresas que não quantificam o montantedispendido em treinamento. Outro elemento observado foi quemuitas empresas parecem ainda não ter dado importância a ítenscomo: a) o incentivo e a motivação para treinar; b) a existênciaou não de recompensas tangíveis em termos de maior remuneração,ou menos tangíveis, como o status mais elevado atribuído a umtrabalhador qualificado.

Em resumo, a competitividade contemporânea demanda que asempresas considerem a força de trabalho como recurso e não comocusto. A parceria capital-trabalho é conquistada em processos denegociação, que dependem da disposição e atitude dos atoresenvolvidos. A medida objetiva do grau de intensidade da parceriaé definida pelo grau de participação dos trabalhadores nosprocessos decisórios.

A construção de parcerias capital-trabalho é prerrogativados atores envolvidos. Respeitando-se esta premissa, o ECIBrecomenda que empresas e representantes de trabalhadores busquemampliar os espaços e renovar as pautas de negociação. Para asempresas, cabe promover novos atributos e qualificações e aparticipação dos trabalhadores em seus processos decisórios. Paraisto, são necessárias as seguintes ações:

- buscar formas de resolução negociada de conflitos;- reconhecer comissões de representantes de trabalhadores

organizados, se couber, por sindicatos;- avançar para a estabilidade associada à flexibilidade

funcional;- promover a participação dos trabalhadores nos resultados

da empresas e nos processos decisórios;- negociar com representantes de trabalhadores e sindicatos,

onde couber, os projetos de modernização;- envolver toda a força de trabalho em programas de educação

e treinamento;- renovar e reciclar as gerências intermediárias;- renovar currículos de treinamento para incorporar

inovações organizacionais e automação industrial;- reciclar o corpo de treinadores.

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PARTE III: DIMENSÃO ESTRUTURAL DA COMPETITIVIDADE

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1. FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS DA COMPETITIVIDADE

O ESTÍMULO DE MERCADOS DINÂMICOS E EXIGENTES

Mercados Internos Dinâmicos

Mercados internos dinâmicos estimulam as empresas à buscacontínua de competitividade e permitem a obtenção de economias deescala e escopo que efetivamente viabilizam esta maiorcompetitividade. A constante renovação do parque industrial, coma introdução de novos equipamentos e das tecnologias atualizadasneles incorporadas, assim como a instalação de novas plantas, éum processo natural em mercados que se expandem.

Em mercados pouco dinâmicos, embora plantas e equipamentosmenos eficientes sejam alijados da indústria, as empresas demaior sucesso se expandem preferencialmente através da aquisiçãodaquelas de pior desempenho, ocupando suas parcelas de mercadosem ampliar a capacidade produtiva, sem renovar o parqueindustrial. Equipamentos ociosos e expectativas incertas oupessimistas não induzem investimentos produtivos. Empresas queatuam em mercados estagnados tendem a introduzir inovaçõespontuais, substituindo equipamentos apenas em etapas críticas doprocesso produtivo e adotando parcialmente novos métodos detrabalho. Principalmente em indústrias de processo contínuo, aatualização tecnológica exige muitas vezes grandes blocos deinvestimento, inviabilizados na ausência de perspectivasfavoráveis de crescimento das vendas.

Principalmente em indústrias de elevadas escalas produtivas,altos níveis de capacidade ociosa inviabilizam a operação,pressionando as empresas a exportarem a qualquer preço de modo amanter o nível de atividade de suas plantas. Quando essa situaçãoé enfrentada simultaneamente por diversos países, o mercadointernacional torna-se um escoadouro da produção residual,definindo preços no mercado internacional usualmente inferioresaos vigentes nos mercados internos. Nesses momentos, adependência do mercado externo compromete a rentabilidade e odesenvolvimento competitivo das indústrias que não contam com umabase de mercado interno suficientemente ampla. Essa situação temcaracterizado os mercados de produtos siderúrgicos epetroquímicos, dentre outros.

Se o crescimento do mercado viabiliza investimentos,consumidores exigentes quanto a padrões de qualidade e desempenhoestimulam a busca de capacitação e eficiência produtiva por partedas empresas. Consumidores bem informados, aptos a expressar nomercado sua demanda por produtos que atendam adequadamente a suasnecessidades, induzem as empresas a adotar estratégias ofensivas,voltadas para a superação de suas limitações de modo a respondera níveis crescentes de exigências.

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Elevação do Conteúdo Tecnológico dos Produtos

O movimento das empresas líderes internacionais na direçãodo upgrading de produtos reflete estratégias de dinamização demercados com tendências a estagnação.

Observa-se nos países desenvolvidos claros sinais desaturação do consumo per capita de produtos básicos, o que éagravado por taxas de crescimento populacional negativas oupróximas de zero. Altos níveis de renda, entretanto, favorecem odinamismo em segmentos específicos de mercado. A busca destesmercados tem levado as empresas líderes a desenvolveremestratégias de desenvolvimento de novos produtos, da introduçãode novos atributos ou melhoria de características visuais ou dedesempenho em produtos antigos, enfim, reduzindo o ciclo de vidados produtos e promovendo a "descomoditização" dos básicos.

As empresas líderes têm buscado a obtenção de vantagenscompetitivas baseadas em sua maior capacitação tecnológica,agilidade de resposta a mudanças no mercado e capacidade deatendimento a rigorosas especificações de atributos do produto.Além de mais dinâmicos, os mercados de produtos de maior conteúdotecnológico permitem margens de rentabilidade mais elevadas. Emcontrapartida exigem investimentos em P&D de produtos e, emdiversos casos, também de processos, assim como novosequipamentos.

Esta tendência está presente em praticamente todos ossetores estudados: na "descomoditização" dos produtos alimentaresagrícolas, no enobrecimento dos siderúrgicos, na ênfase emdesign, estilo e moda nos produtos do complexo têxtil e naindústria de móveis, na proliferação de novos modelos naautomobilística e em bens eletrônicos de consumo, nasespecialidades e pseudo-commodities químicas, na "customização"dos bens de capital e, sem dúvida, na constante introdução denovos produtos e crescente ritmo de obsolescência de produtos emtodo o complexo eletrônico.

Mesmo no mercado interno brasileiro, a globalização dospadrões de consumo é uma forte tendência. A despeito dadesiguldade na distribuição de renda, o dinamismo apresentado noBrasil pelos mercados de produtos diet, cigarros com baixosteores de nicotina e óleos alimentares mais saudáveis (canola),por exemplo, atestam este processo. Em alguns segmentos, amanutenção de linhas de produtos que já se encontram em fasedescendente de seu ciclo de vida pode significar até mesmo aextinção de empresas (pode-se citar o exemplo de alguns produtosde papel, como cartões para copos, que estão sendo substituídospor artigos baseados em outros tipos de papéis ou em outrosmateriais).

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A elevação do conteúdo tecnológico da pauta de produtos dospaíses líderes exacerbou na divisão internacional do trabalho ogap tecnológico em relação à pauta de produção dos países emdesenvolvimento. O apoio a setores-chaves na difusão do novoparadigma constitui o cerne das políticas industriais etecnológicas dos países desenvolvidos e as empresas locais destasindústrias recebem todo tipo de estímulos, inclusive paraexportações. A globalização dos setores intensivos em tecnologiatem-se aprofundado, em geral, com exclusão dos países emdesenvolvimento.

A presença sistemática em mercados internacionais representacertamente estímulo à competitividade. A maior concorrência, adiversidade de consumidores, geralmente com elevados níveis deexigência, e possibilidades de expansão independentes daconjuntura dos mercados domésticos induzem e viabilizamestratégias competitivas por parte das empresas.

Em países de pequenas dimensões as empresas de maiorcapacitação voltam-se naturalmente para o mercado internacional.Sua presença em mercados onde a concorrência é cada vez maisacirrada pela globalização exige esforços contínuos de aumento decompetitividade. As estruturas industriais destes países tendem aser especializadas e apresentam elevados coeficientes de aberturaexterna.

Já em países com grande mercado interno a estruturaindustrial tende a ser mais completa e o horizonte de acumulaçãoinicial para a expansão das empresas locais é o mercadodoméstico. Em geral, é a partir de posições consolidadasinternamente que as empresas se lançam internacionalmente.Mercados internos de grandes dimensões possibilitam a auferiçãode economias de escala e escopo e propiciam o aprendizadonecessário para o enfrentamento de condições de concorrência emambientes menos favoráveis.

Além de mais completa, a indústria desses países tende a sertambém mais diversificada em termos de capacitação e desempenhodo que em países pequenos, multiplicando-se oportunidadesderivadas de fatores como acesso privilegiado a grupos deconsumidores ou atendimento a requisitos específicos da demandalocal. Em países continentais há maiores possibilidades desobrevivência para empresas aquém da best-practice, de vez que emmuitos casos as ineficiências produtivas podem sercontrabalançadas pelas vantagens da proximidade produtor/clienteou na habilidade de servir o mercado.

A transição da indústria mundial para o novo paradigmatécnico-industrial vem dificultando a inserção internacional depaíses em desenvolvimento. O desemprego, resultante basicamenteda crescente utilização da automação flexível e de novas técnicas

Presença Sistemática no Mercado Internacional

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organizacionais e dos extraordinários ganhos de produtividade daídecorrentes, atingiu taxas historicamente desconhecidas nospaíses desenvolvidos. O elevado desemprego sanciona medidasprotecionistas às indústrias locais, especialmente as queempregam grandes contingentes de pessoas, como as indústrias doscomplexos têxtil e agroindustrial e a indústria automobilística -todos os países desenvolvidos sujeitam as importações de produtosdestes setores a fortes restrições, inclusive quantitativas.

Paralelamente, a difusão do antigo paradigma gerou excessode capacidade produtiva em commodities com a entrada de diversospaíses em desenvolvimento na produção de petroquímicos básicos,produtos siderúrgicos, celulose e outros. Deparando-se com umademanda relativamente estagnada, a conseqüente queda de preços eacirramento da concorrência tornou comuns práticas de dumpingpara o escoamento da produção, políticas de sustentação de preçosinternos e apoio a exportações (principalmente nas cadeias debase agropecuária) e aumento generalizado de medidasprotecionistas. O desenvolvimento de estratégias comerciaisofensivas e de maior aproximação com clientes tornaram-sefundamentais para a penetração em novos mercados ou manutenção deposições no comércio internacional. A crescente adoção desistemas de qualidade total e a incorporação de progresso técnicovisando tanto a redução contínua dos custos de produção como aintensificação do ritmo de lançamento de novos produtos cada vezmais vem se constituindo em pré-requisito para o sucessomercadológico.

O fortalecimento das barreiras não-tarifárias ao comérciopor parte dos países desenvolvidos já afeta e poderá vir a afetarcom maior intensidade no futuro a inserção externa de países deindustrialização tardia como o Brasil. Seja por pressão dosmovimentos sociais, seja por pressão dos produtores locais, alegislação nesses países tem-se tornado mais rígida quanto aprodutos e processo que potencialmente apresentem ameaças ao meioambiente e à saúde e segurança dos consumidores.

O processo de formação de blocos econômicos regionais, sepodem representar maiores dificuldades às exportaçõesbrasileiras, podem também oferecer novas oportunidades,especialmente no âmbito do Mercosul.

A NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÕES INDUSTRIAIS COMPETITIVAS

Desde o final da década de 70 a indústria mundial tem sidopalco de um vigoroso processo de mudança estrutural, comoresultado da crescente adaptação dos grupos empresariais e dosmodelos de organização da produção a um novo cenário competitivointernacional, mais technology-based e mais globalizado. Naprática, a mudança do paradigma tem se refletido no surgimento denovas fontes de competitividade e na perda de importância dasvantagens competitivas tradicionais, como as baseadas nasdisponibilidades de recursos naturais ou de energia.

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O aprofundamento da integração financeira e comercial aonível global trouxe fortes repercussões sobre os padrões deconcorrência vigentes nas diversas indústrias. A difusãoacelerada das novas tecnologias de base microeletrônica e dosnovos métodos gerenciais obrigaram a uma profunda revisão dosconceitos de organização da produção, principalmente em função davalorização da contribuição das economias de escopo na criação devantagens competitivas. Em termos das configurações industriaismais adequadas para o enfrentamento desse novo cenáriocompetitivo, os seguintes elementos centrais devem serconsiderados.

Porte Empresarial e Integração Produtiva que Permitam EstratégiasCompetitivas Agressivas

As mudanças trazidas pelos novas tecnologias de automaçãoflexível e métodos organizacionais fizeram com que à exploraçãodas economias da produção em larga escala, que desde o pós-guerraconstituía o alvo central das estratégias competitivas, viesse ase somar a obtenção de economias de escopo como fonte decisiva decompetitividade. As empresas voltaram-se para processos dereestruturação, reduzindo o leque de produtos ofertados visandouma maior especialização e, principalmente, maior integração dasatividades produtivas. A diversificação concêntrica, pautada emlinhas-de-produto afins em termos da base tecnológica ou da áreade comercialização, tornou-se uma fonte de lucros mais sólida doque a verticalização ou a dispersão de capacitações em portfoliosde produtos com baixa sinergia, mesmo que isoladamente atrativosem termos da lucratividade proporcionada.

Setores tradicionalmente intensivos em escala -particularmente as indústrias de processo contínuo produtoras deinsumos básicos, como a petroquímica, siderurgia, alumínio,celulose - sofreram reestruturações através de intenso processode fechamento de plantas e de fusões e absorções entre empresas,findo o qual resultaram estruturas industriais não só maisconcentradas como também mais integradas. Nessas novasestruturas, várias das grandes empresas européias, americanas oujaponesas que dominavam o comércio internacional de commoditiesabandonaram parcial ou totalmente a produção de semi-elaborados,voltando-se para famílias de produtos de maior valor adicionado,com elevado conteúdo tecnológico, muitas vezes especificados deacordo com necessidades particulares da clientela, em um processodenominado de "descomoditização".

Na indústria de petróleo, as experiências de diversificaçãotentadas na década de 70 não se consolidaram, fato que levou asgrandes empresas a retornarem para a base tecnológica original.Isto foi feito por meio de um reagrupamento empresarial de grandeextensão. As grandes empresas procuraram atuar na comercializaçãointernacional de petróleo e investir na verticalização de suasatividades dentro da cadeia petrolífera. Já as empresas nacionaisdos países filiados à OPEP vêm buscando a penetração no mercadodos países desenvolvidos. A nova postura dessas empresas é

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condizente com a implementação de uma política de integração dasatividades de refino e comercialização em curso. O movimentogeral de integração a jusante é fator decisivo para atenuarriscos.

Na indústria petroquímica internacional consolidaram-segrupos integrados em todo o complexo químico, alguns delesatuando desde a extração de petróleo até a química fina,constituindo megaempresas que realizam vendas superiores a US$ 20bilhões anuais. Para essas megaempresas o balanço adequado entrediversificação e integração é fundamental, tendo o objetivo deencontrar uma "medida certa" entre esses dois elementosconstituído o cerne de todo o movimento de reposicionamentoestratégico ocorrido na década de 80.

Na siderurgia, uma importante vantagem da indústria japonesaé o seu elevado grau de concentração industrial. A produção dascinco grandes usinas japonesas é equivalente à das quinze maioresusinas européias. Mas as usinas japonesas não apoiam as suasvantagens competitivas apenas na produção em plantas "gigantes".O sucesso competitivo da indústria japonesa reside na excelênciade sua pesquisa industrial. Desprovida, internamente, dosprincipais insumos para a fabricação do aço (minério de ferro ecarvão mineral), a indústria japonesa é líder de mercado pelarecorrente incorporação de novas tecnologias de processo eproduto.

Na indústria de celulose, as escalas ótimas das plantasduplicaram, atingindo, segundo algumas estimativas recentes, acasa das 500.000 t/ano. As empresas líderes de celulose e papelnorte-americanas, as maiores do mundo, atuam em geral nosdiversos segmentos de papel, com grandes plantas industriais, esão empresas internacionalizadas, possuindo plantas em diversospaíses. Outro aspecto importante destas empresas é o seu opotencial de mobilização de recursos financeiros, que lhesconfere uma grande capacidade de promover modificações eadaptações necessárias rapidamente. Esta é uma característicacuja importância cresceu muito nos últimos anos, em função doprocesso de fusões e aquisições que ocorreu na década de oitenta.

No caso dos países escandinavos, a perda de competitividadeem custos para países como os EUA, Canadá e Brasil levou àverticalização em direção à produção de papel. Isto se deuatravés da integração das plantas existentes e de processosvigorosos de reestruturação patrimonial, através da aquisição deempresas e pela fusão e/ou criação de joint-ventures. No finaldos anos 80, o resultado deste processo eram empresas bemmaiores, mais internacionalizadas, com grande potencialfinanceiro, liderança tecnológica, maior valor agregado dosprodutos e liderança de mercado, em particular, na distribuição.

Nas agroindústrias, o processo de reestruturação dasempresas envolveu um decidido reposicionamento estratégico emdireção à segmentação de mercados, com as empresas apostando na

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lucratividade dos produtos diet, light, semiprontos ou outrasopções para o consumidor. Guardadas as devidas proporções, estemovimento não difere significativamente da busca de"descomoditização" que tem caracterizado as indústrias de insumosbásicos.

Dentre os setores intensivos em escala analisados peloEstudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB) o únicoque não se encontra em uma trajetória de "descomoditização" é ode extração e beneficiamento de minério de ferro, uma vez quequando comparado a outras indústrias, esse setor apresentaprogresso técnico pouco dinâmico e reduzida gama de produtosofertados. As vantagens competitivas na mineração de ferrocontinuam fundamentalmente baseadas naquelas advindas daseconomias de escala proporcionadas por elevados volumes decapital, em particular, para levar a cabo a infra-estruturanecessária ao escoamento da produção, uma vez que a eficiência dalogística de transporte é central para assegurar rapidez econfiabilidade do prazo de entrega. O formato mina-ferrovia-portopróprios tornou-se o sistema-padrão de operação eficiente nosetor, exigindo das empresas enorme capacidade de acumulaçãointerna e externa de capital visando consolidar ou expandir ainfra-estrutura física requerida pelas exportações.

Fortalecimento de Redes Cooperativas Horizontais

Também nos setores de menor intensidade de capital acompetitividade tem se pautado cada vez mais na incorporação deprogresso técnico em substituição às vantagens tradicionaisderivadas dos baixos custos salariais ou das matérias-primas.Isso tem implicado o aumento do peso relativo dos investimentosassociados a construção de capacitação em P&D de processos eprodutos, formação de mão-de-obra, aperfeiçoamento gerencial,desenvolvimento de softwares, entre outros.

Nas configurações industriais em que o pequeno porteempresarial dificulta a exploração das novas fontes decompetitividade, é cada vez mais frequente o surgimento de formasde cooperação horizontal, seja através do fortalecimento de pólosregionais de produção, geradores de economias de aglomeração,seja através da formação de alianças estratégicas entre empresas,principalmente com vistas a dar suporte a intensificação dosesforços de P&D.

Nas indústrias do complexo têxtil, em particular, com acrescente utilização da informática através de CAD/CAM (computeraided design e computer aided manufacturing) no ramo deconfecções e calçados, o fator tecnológico é fundamental paraexplicar movimentos de reorganização da produção em duas direçõesrelevantes.

Da parte das empresas líderes dos países de industrializaçãoavançada, passou a predominar a prática de subcontratar outras

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firmas (muitas vezes em países em desenvolvimento) para aprodução de determinados lotes de produtos ou apenas para arealização da fase mais intensivas em trabalho, como a costura(outward processing).

Da parte das empresas não-líderes internacionais, mecanismosvisando ampliar as capacitações tecnológicas e gerenciais paraconjuntos de empresas envolvendo iniciativas atenuadoras de suasdesvantagens de escala têm sido utilizados com grande freqüência.A concentração regional típica do complexo têxtil criaoportunidades ideais para a estruturação de pólos de confecçõesou calçadistas como mecanismo central para reestruturaçãosetorial no segmento das pequenas e médias empresas. Há váriostipos de projetos normalmente contemplados na formação de pólospara as indústrias do complexo: centrais de compra de matérias-primas, centrais de marketing, programas de capacitação derecursos humanos, desenvolvimento e implantação de sistemas degestão e controles gerenciais, implantação de sistemas de CAD/CAMpara uso compartilhado, organização de eventos, centros deinformação de tendências de moda e tecnologias.

A aglutinação de empresas nos pólos em torno de projetoscomuns, além de propiciar condições adequadas à elevação daeficiência produtiva e gerencial, pode também facilitar asrelações tanto com fornecedores como melhorar o acesso a mercadosinexplorados pelas deficiências de escala. A formação de gruposde pequenas e médias empresas organizadas em pólos tende aviabilizar o fornecimento a grandes empresas, inclusive,facilitando o estabelecimento de verdadeiras parcerias. Aexperiência da formação do pólo de vestuário da região da EmíliaRomana, na Itália, demonstrou a capacidade transformadora desteinstrumento de desenvolvimento empresarial. Esta região tornou-seimportante exportadora de vestuário através da atuação do sistemade redes horizontais de empresas.

Situação similar é experimentada pelo setor moveleiro. Nonível internacional tem se desenvolvido um padrão de organizaçãoda indústria de móveis com reduzida verticalização da produção, oque tem possibilitado uma maior especialização em cada uma dasetapas do processo de produção. Na Itália, que tal como ocorre nocomplexo têxtil é o país-líder na produção de mobiliário, asmaiores empresas dedicam-se, primordialmente, à montagem e aoacabamento de móveis a partir de peças e componentes produzidospor um grande número de pequenas empresas que trabalham em regimede subcontratação. Há, no total, cerca de 33.000 empresas que, emsua imensa maioria, empregam menos de 10 pessoas. Poucas são asempresas com mais de 500 empregados. O sucesso de Taiwan deve-se,em grande medida, também a uma reduzida verticalização daprodução. Este novo modelo industrial contrasta fortemente com aindústria de móveis tradicional em que cada unidade produtivacongrega inúmeros processos de produção e obtém umamultiplicidade de produtos.

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O mecanismo utilizado para minimizar a verticalização, emaximizar a eficiência e a escala de produção envolve ofortalecimento de pólos moveleiros, congregando numa mesma regiãouma multiplicidade de empresas que ao invés de se dedicarem aproduzir o mesmo tipo de mobiliário sem nenhuma divisão detrabalho, estabelecem mecanismos de cooperação horizontal quefacilitam sua integração como fornecedores de empresas maiores,assim como amplia o acesso a grandes distribuidores e ao mercadoexterno.

A formação de alianças estratégicas entre as principaisempresas líderes em nível internacional é outra tendênciafundamental observada no contexto internacional. Os projetosESPRIT e EUREKA, por exemplo, constituem uma resposta daComunidade Econômica Européia favorecendo suas empresas líderesdos setores de eletrônica de consumo a enfrentarem o incrementodos custos de P&D derivado das mudanças tecnológicas em curso,como a tendência à digitalização materializada na televisão dealta definição e na multimídia.

Intensificação da Cooperação Vertical para Otimizar CapacitaçõesProdutivas e Tecnológicas nas Cadeias Industriais

A intensificação da cooperação vertical, proporcionada pelodesenvolvimento de novas formas de articulação entre o conjuntode agentes econômicos atuantes nas cadeias produtivas, é outrotraço marcante das configurações industriais competitivas. Essasnovas formas de cooperação vertical abrem espaço para relaçõesintersetoriais fortemente sinérgicas articulando empresas,fornecedores e clientes, criando assim condições estruturaisadequadas para o incremento da competitividade de todos osagentes envolvidos.

De acordo com as formas de integração produtiva vigentesentre empresas de uma mesma cadeia produtiva, definem-sehorizontes variáveis para a elevação dos níveis decompetitividade. Nas formas mais simples de cooperação, como asproporcionadas por esquemas de cadastramento ou certificação defornecedores ou, ainda, outros métodos de garantia da qualidade,o incremento de competitividade é associado à melhoria daqualidade dos produtos ou a redução de custos de insumos que aadoção dessas práticas proporciona. Os horizontes se alargam àmedida que aumenta a intensidade da cooperação existente entreempresas. Programas de qualificação de fornecedores e deassistência técnica a clientes, indutores de interaçõestecnológicas, podem propiciar uma aceleração do ritmo deintrodução de inovações de processo e de produto. Em um estágiosuperior de cooperação, pode ter lugar a própria reestruturaçãoda cadeia de produção, através da redivisão de trabalhointerempresas. Processos de terceirização ou subcontratação daprodução, desde que tecnologicamente racionais, podem propiciarque a cadeia produtiva caminhe em direção a graus ótimos deespecialização, que permitam significativas reduções de custos deprodução e incrementos da qualidade em todos os seus elos.

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Um exemplo avançado da construção dessas redes é dado pelaindústria automobilística no Japão. A cadeia de suprimentojaponesa opera, principalmente, com base em vínculos verticaisentre empresas que desempenham diferentes papéis, hierarquizadasem três ou quatro níveis. Os fornecedores de primeiro nívelcomunicam-se diretamente com a montadora, fornecendo sistemas decomponentes ou subconjuntos pré-montados. Essas empresas, dotadasde forte capacitação inovativa, conduzem o desenvolvimento eplanejamento do produto, gerenciam a pirâmide de suprimento efornecem o subconjunto pré-testado e pronto para instalação. Asempresas de segundo nível, que tendem a ser especializadas emfabricação - normalmente sem muita qualificação em tecnologia deproduto, mas com forte competência em tecnologia de processo -fornecem componentes, peças isoladas e materiais para as empresasde primeiro nível. Essas empresas, por sua vez, contratam outrasde terceiro ou quarto nível para o seu suprimento de peças emateriais isolados.

A estrutura de fornecimento acima descrita permite a reduçãodo número de fornecedores diretos das montadoras. A maioria dasmontadoras japonesas comunica-se com aproximadamente 300fornecedores do primeiro nível que, por sua vez, subcontratamcerca de 10.000 pequenas e médias empresas. Segundo informaçõesreferentes a meados da década de 80, enquanto uma montadorajaponesa comprava peças de motores de 25 fornecedores primários,que subcontratavam 912 empresas, as quais eram abastecidas por4960 fornecedores de terceiro nível, as montadoras norte-americanas e européias, em contraste, trabalhavam com cerca de1000 e 2000 fornecedores (a indústria de autopeças norte-americana conta com cerca de 15000 pequenas e médias empresas).

A construção de amplos networks, envolvendo produtores,fornecedores, clientes e entidades tecnológicas tem caracterizadoas configurações competitivas vitoriosas em praticamente todos ossetores da atividade industrial.

Para as indústrias baseadas em insumos primários onetworking tem envolvido crescentemente a produção agropecuária.Seja devido à busca de maior agregação de valor por parte daagroindústria alimentar, seja pela necessidade de redução decustos das matérias-primas ou das perdas por não conformidade porparte das indústrias têxtil, de calçados, de móveis de madeira ede celulose. A constituição de uma base agrícola e florestaladequada tem implicado aumento do conteúdo tecnológico dessasatividades, de forma similar ao processo em curso na áreaindustrial. Percebe-se uma atuação bastante decidida de gruposlíderes agroindustriais na geração e transferência de tecnologiaspara os produtores agrícolas.

Alguns fatores têm se mostrado decisivos para a constituiçãodos laços entre empresas que garantam a elevada solidariedaderequerida para o adequado funcionamento dessas redes verticais.

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Um primeiro fator, e talvez o mais importante, é acapacidade das empresas líderes de desenvolver relações de longoprazo com os seus fornecedores (recorrendo a poucos fornecedorespor produto) baseadas na confiança e comunicação, ao invés doestímulo à concorrência entre (muitos) fornecedores para reduzirpreços. Em muitos casos, as empresas mantêm participaçãoacionária nos seus fornecedores ou envolvem-se em esquemas departicipações acionárias cruzadas. Verifica-se, também, aformação de associações para compartilhar os custos dedesenvolvimento tecnológico de produtos ou para obter economiasde escala na produção. Intercâmbios de pessoal técnico, deprojetos ou de informações e outras iniciativas associadas ao quetem sido denominado de processo de aprendizado por interação sãocada vez mais freqüentes na indústria mundialmente.

Fundamentais também são os desenvolvimentos nas técnicas degestão da produção, com o contínuo aprimoramento dos métodos degarantia da qualidade, de quick response, a intensificação daspráticas de just-in-time externo, enfim, inovações queproporcionam um grande aumento da confiabilidade nas relaçõesprodutor-fornecedor. Em várias indústrias, o processo dedesverticalização baseado em subcontratação de fornecedoresproporcionado por essas técnicas teve forte impactoreestruturante.

O terceiro fator que cumpre papel preponderante na soldagemdessas redes verticais é a infra-estrutura tecnológica. O aumentoda intensidade das trocas de mercadorias entre empresas valorizaas atividades ligadas à chamada tecnologia industrial básica poismetrologia, normalização e certificação da qualidade sãoexternalidades fundamentais para assegurar confiabilidade nessasrelações de compra e venda. A cooperação mais intensa envolvetambém maior nível de trocas de tecnologias, razão pela qualconstata-se o aumento do espaço de atuação de entidadestecnológicas cujo escopo de atuação, além das atividades de P&Dpropriamente ditas, tem se ampliado em direção a áreas ligadas adifusão de informações tecnológicas, treinamento de recursoshumanos e outras.

Em países com vocação agrícola, a infra-estrutura depesquisa e desenvolvimento de novas variedades de sementes, novastécnicas de cultivo ou, ainda, de manejo das safras, tem serevelado essencial para a competitividade da agroindústria, umavez que a maior dispersão econômica e geográfica característicada agricultura restringem a viabilidade da P&D in-house(intramuros), delimitando um importante campo para a atuação dasentidades tecnológicas.

A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA CONCORRÊNCIA

Participar com sucesso do jogo competitivo exige dasempresas não somente grande solidez financeira e capacidade demobilização de recursos produtivos, mas uma "mentalidade"decisória decididamente voltada para o longo prazo. A despeito

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das incertezas que cercam as atividades de P&D ou a adoção deestratégias empresariais inovadoras, as vantagens do pioneirismono lançamento de novos produtos ou do desenvolvimento de novasformas de articulação com os clientes favorecem as empresas comgrande propensão a assumir e capacidade de absorver riscoscompetitivos elevados.

Simetricamente, empresas que se acomodam com obtenção delucros "fáceis", imediatistas, advindos de práticas oportunistaspropiciadas por distorções nas condições de competição, sãopunidas com a perda de capacidade competitiva a longo prazo.

Ao fazer da existência de ambientes concorrenciais de granderivalidade inter-empresarial uma precondição para acompetitividade, essas transformações definem um novo papel paraa promoção e regulação da concorrência na política industrial. Seo objetivo é assegurar o dinamismo e incrementar o ritmo deinovação, cabe à política industrial assegurar uma pressãocompetitiva ajustada para proporcionar a maximização dainovatividade sem comprometer, no entanto, a capacidade desobrevivência das empresas.

Entre as mudanças institucionais mais significativas nocenário internacional destaca-se o deslocamento nas formas deatuação do Estado - que se torna progressivamente maisregulatório do que intervencionista. Isso implica, de um lado,maior ênfase na adoção de procedimentos gerais e estáveis, sempreque possível de caráter legislativo, ao invés de medidas decaráter administrativo, ad hoc e discricionárias, ao sabor daspolíticas momentâneas dos órgãos governamentais executores; deoutro lado, menor ênfase na intervenção direta do Estado naesfera industrial, embora sem prejuízo de ações específicas decunho estruturante naquilo que envolve conflitos de interessesmais complexos e alcance público estratégico, como a articulação,mediação e eventualmente, gestão de processos de reestruturaçãoprodutiva ou patrimonial de setores ameaçados por condiçõesadversas de competitividade.

Os principais instrumentos regulatórios que afetam a criaçãoe o fortalecimento do ambiente competitivo são a defesa daconcorrência e do consumidor, a defesa do meio ambiente, o regimede proteção à propriedade intelectual e de controle do capitalestrangeiro. A estes agregam-se as políticas tarifária e decomércio exterior, incluindo os mecanismos não-tarifários, aaplicação das leis anti-dumping e anti-subsídios e do código desalvaguardas comerciais.

As políticas de promoção da concorrência mostram-se maiseficazes quando a ênfase da regulação dirige-se diretamente aomercado, recaindo sobre as condutas das empresas e nãointerferindo sobre a estrutura da indústria. No novo quadroregulatório, marcado em certa medida, pela desregulamentação eliberalização do funcionamento do mercado mas também pelapresença dominante do oligopólio, trata-se de reconhecer o maior

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potencial competitivo de estruturas concentradas em certossetores ou de estratégias associativas entre empresas e garantira rivalidade entre os grandes grupos empresariais, dotando oEstado de capacidade administrativa de monitoramento das práticasconcorrenciais e, quando necessário, intervenção. O enfoquemoderno da legislação de defesa da concorrência volta-se para afirme coibição dos abusos da posição dominante e de práticasrestritivas comuns em estruturas oligopólicas, com efeitospredatórios sobre concorrentes, consumidores e parceiroscomerciais (fornecedores ou compradores), admitindo a existênciae a normalidade de posições dominantes de mercado.

Do ponto de vista do sistema de comércio mundial, os anos 90se caracterizam pela disputa entre modelos alternativos depolítica comercial, contrapondo a formação de blocos regionaisprotecionistas e a tendência à liberalização dos fluxoseconômicos internacionais.

A conclusão da Rodada Uruguai do GATT ampliou o escopo domultilateralismo e seu papel relativo enquanto instância deprodução de regras. No entanto, a situação macroeconômica e odesempenho comercial dos países da OECD, em especial a evoluçãodos fluxos de comércio entre os EUA e o Japão, influencia acapacidade de adaptação dos países da OECD às novas regras dojogo da competição internacional e, por esta via, condiciona acapacidade de resistência dos governos destes países às pressõesprotecionistas e às demandas pela proliferação de medidas deadministração do comércio bilateral. Apenas a evolução dosprocessos de integração em curso na Europa e na América do Norteexplicitará melhor o papel econômico e político das iniciativasde regionalização e, em particular, o grau de conflito entre taisiniciativas e o processo de liberalização dos fluxosinternacionais de comércio e investimento.

De modo geral, o quadro é desfavorável para os países emdesenvolvimento. As políticas comerciais dos países da OECD têmsinalizado para um crescimento da proteção aos produtos de altoconteúdo tecnológico e para a agregação de novas barreiras não-tarifárias, como as apoiadas em normas ambientais, àquelas játradicionalmente aplicadas a produtos nos quais os países emdesenvolvimento mostram-se competitivos.

Por outro lado, a intensificação da agressividadecompetitiva das empresas tem estimulado o recurso ao dumping ououtras práticas desleais de comércio como estratégia de conquistade mercados. Diante desse quadro, a capacitação das agênciaspúblicas na operação dos instrumentos não-tarifários de proteçãoao mercado interno, como a legislação anti-dumping, os direitoscompensatórios e a aplicação de salvaguardas comerciais, ganhamespecial importância.

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2. COMPETITIVIDADE ESTRUTURAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

PANORAMA GERAL

A heterogeneidade de capacitações competitivas é elevada naindústria brasileira, principalmente nos setores voltados para oconsumo pessoal interno e nos principais fornecedores dessessetores, agravada pela disparidade nos níveis de renda e consumoda população. Setores produtores de bens intermediários, baseadosem recursos naturais e voltados para a exportação, concentram amaior parte das empresas competitivas do país.

Com 150 milhões de habitantes e cerca de US$ 2.700 de rendaper capita, o Brasil representa um dos maiores mercados do mundo.Esta é a principal vantagem competitiva do país, fator básicoresponsável pela existência atual de um parque industrialcomplexo e diversificado e pela instalação, ao longo dos anos, deempresas transnacionais de todas as procedências.

O potencial deste mercado é ainda mais amplo, restringindo-se o consumo efetivo pela marginalização de parcela significativada população e pela crescente desigualdade na distribuição darenda. Cerca de 30% da população brasileira vive em condições depobreza absoluta, estando portanto excluída do mercado; dosrendimentos do trabalho, em 1990, os 50% de menor remuneraçãoapropriavam-se de apenas de 8,4% do total, podendo-se inferir alimitação da pauta de consumo destes trabalhadores.

Os dados nacionais de consumo por habitante para todos osprodutos, inclusive básicos, como alimentos e vestuário, sãomuito inferiores aos de países com níveis semelhantes de rendaper capita. A grande maioria dos setores industriais vemenfrentando, em todos os segmentos, estagnação do mercado, o quese traduz em ociosidade de equipamentos (cerca de 20% nasempresas entrevistadas pelo ECIB) e baixos níveis deinvestimentos. Neste contexto, existe potencial de crescimentoque poderá minimizar um possível trade off entre competitividadee emprego, em uma situação inversa à dos países desenvolvidos.

Se as dimensões do mercado interno brasileiro representam aprincipal vantagem competitiva do país, o baixo dinamismoapresentado na última década pode ser considerado um dos maioresobstáculos à competitividade da indústria no momento atual.

A instabilidade no crescimento do produto nacional na décadade oitenta e a forte recessão do início dos noventa indicam que omercado brasileiro não representou estímulo à competitividade daindústria. Historicamente, nunca a formação de capital constituiuuma proporção tão pequena do produto (17,5% em 1992), o quemostra a insuficiência do investimento agregado para a renovaçãoda estrutura produtiva, especialmente numa época em que sedifunde internacionalmente um novo paradigma industrial. A

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retração do mercado chega a colocar em risco a sobrevivência dossegmentos produtores de bens de capital.

Como conseqüência da estagnação, as empresas adotaramestratégias de sobrevivência que seguiram basicamente trêsetapas: iniciou-se com um profundo ajuste patrimonial, no começodos oitenta, envolvendo redução do endividamento e aumento dereceitas não operacionais, através da realização de aplicaçõesfinanceiras em detrimento de investimentos produtivos; prosseguiucom a redefinição de mercados, buscando as empresas o aumento deseus coeficientes de exportação (estratégia que apresentaespecificidades setoriais, tendo sido particularmente intensa emdeterminadas indústrias, como calçados, siderurgia,automobilística, petroquímica e abate de aves, entre outras);finalmente a terceira etapa, já ao final da década, atingiu oprocesso produtivo.

Este último ajuste teve seu início nas empresas líderes eainda está em processo de aprofundamento e difusão porpraticamente toda a indústria brasileira. Como mencionado naParte II, de acordo com a pesquisa de campo realizada, 72% dasempresas apontou a retração do mercado interno como principalelemento considerado na formulação das estratégias adotadas. Oajuste produtivo consiste basicamente em uma estratégia defensivade racionalização da produção, visando reduzir custos, sejaatravés da introdução parcial e localizada de equipamentos deautomação industrial e de novas técnicas organizacionais doprocesso de trabalho, seja através do "enxugamento" da produção,com redução de pessoal (queda de 15% no emprego direto, contraredução de apenas 1,3% no faturamento das empresas pesquisadas,entre 1992 e a média 1987/89) e eliminação de linhas de produção(movimentos de desverticalização, subcontratação eespecialização).

Embora não tenha ocorrido renovação e atualização extensivado parque industrial, o ajuste empreendido aumentou a eficiênciae evitou a desindustrialização (a menos de áreas específicas,como no caso do setor de microeletrônica), o que pode serconsiderado um sucesso quando se compara o Brasil a outros paísesda América Latina. Do ponto de vista da competitividade, oaumento de produtividade e da qualidade dos produtos, a reduçãodos prazos de produção e entrega e o início de utilização denovas técnicas de organização certamente são positivos.

É preocupante, por outro lado, que apenas 18% das empresasentrevistadas tenha informado utilizar equipamentos de últimageração, enquanto para metade da amostra o equipamento maisimportante da produção tenha mais de dez anos. Do mesmo modo, aindústria brasileira tem investido valores irrisórios nodesenvolvimento de produtos e apresenta, em geral, defasagensimportantes neste campo em relação à indústria internacional. Aocontrário das líderes mundiais, as estratégias empresariais, comraras exceções, enfatizam pouco a diferenciação de produtos, asegmentação de mercados e a introdução de inovações.

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Diversos fatores podem ser responsabilizados por estasituação, podendo-se destacar: a instabilidade da demandainterna, o baixo poder aquisitivo da população, sua carênciaeducacional e desinformação, a exacerbação da aversão ao riscopor parte das empresas, a redução do investimento produtivo aoestritamente necessário à manutenção das operações e o fechamentoexcessivo da economia brasileira até recentemente, que implicouausência de alternativas à oferta interna e também ausência decontato com mercados mais exigentes, para diversos segmentos.

No ajuste defensivo atual, em várias empresas o"enxugamento" da produção levou ao abandono de linhas de produtosde maior nível tecnológico, que incorporam maior valoradicionado, em favor de produtos mais padronizados,caracterizando um processo oposto à tendência internacional, odowngrading da produção. Neste ajuste produtivo foramprivilegiadas faixas médias e baixas do consumo e equipamentosbásicos à produção. Enfim, a estrutura produtiva orientou-se paraa produção relacionada aos segmentos sujeitos a menores riscos nomercado, provocando um significativo descolamento da estruturaindustrial nacional em relação aos segmentos mais dinâmicos napauta de consumo dos países industrializados e no comérciointernacional.

Além do baixo conteúdo tecnológico e conseqüente pequenaagregação de valor nos produtos privilegiados na estruturaprodutiva nacional, destaca-se a permissividade para com aineficiência que prevalece na indústria brasileira. De um lado,existe a passividade do consumidor final, que prioriza preçoacima de qualquer atributo, gerando tolerância para com a faltade qualidade e não-conformidade de produtos, com reflexosnegativos também a montante das cadeias produtivas; de outro, ainflação crônica gerou uma "cultura" nociva à competitividade sobdiversos aspectos.

A persistência de inflação elevada, além da redução domercado pela corrosão dos salários e da incerteza que introduz nocálculo econômico e nos planos de investimento do setorprodutivo, tem ainda dois efeitos que devem ser ressaltados:aumentos de custos derivados de ineficiências são repassados aospreços com muito mais facilidade em situações inflacionárias,postergando-se a solução de problemas, inclusive porque ganhos ouperdas de produtividade podem ficar minimizados diante devariações nas taxas financeiras ou nos índices acordados para oreajuste de preços dos produtos. E, diante de preços relativosmuito instáveis, é também difícil aos compradores estabeleceremparâmetros para sua ação no mercado - determinadas empresas podempraticar preços superiores aos de seus concorrentes, adiantando-se nos reajustes, sem serem punidas no mercado. Existe assim uma"permissividade" em relação à ineficiência associada à culturainflacionária.

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Com relação ao desempenho competitivo no mercadointernacional, o Brasil possui uma pauta de exportaçõesdiversificada em termos de setor de origem dos produtos, emboraconcentrada em bens de consumo intermediário (participação decerca de 70% no valor exportado nos últimos vinte anos). O pesodos produtos manufaturados vem aumentando sistematicamente,evoluindo de cerca de 30%, em meados dos anos 70, para mais de60% em 1992, período em que também dobrou a participação dossemimanufaturados.

Embora a indústria no país, desde seus primórdios, sejamuito internacionalizada, contando com forte presença de empresastransnacionais, poucos setores foram estruturados visando omercado mundial. Mesmo entre os setores que apresentam atualmentealto coeficiente de exportações, encontram-se realmentedirecionados ao mercado externo apenas alguns segmentos deinsumos metálicos (como minério de ferro e alumínio) e daagroindústria (café e sucos), além da celulose de mercado (nãointegrada à produção de papel). Com a instabilidademacroeconômica e perda de dinamismo do mercado interno a partirdo final dos anos 70 diversas empresas buscaram se ajustar àconjuntura adversa direcionando a produção para o mercadointernacional.

É inegável o excelente desempenho brasileiro no comércioexterno, como atestam tanto saldos comerciais sustentados esuperados apenas por países como Japão, Alemanha e China, como ocrescimento do quantum exportado - cerca de 70% ao longo dadécada passada, quando o volume mundial do comércio aumentoupouco mais de 40%. Entretanto, é preocupante que as exportaçõesdos setores de melhor desempenho estejam concentradas emcommodities, que apresentam tendência a um baixo dinamismo,excesso estrutural de oferta e queda generalizada de preços (verTabela 1).

TABELA 1ÍNDICES DE PREÇOS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS

COMPLEXOS SELECIONADOS1981-1992

(1980 = 100)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO MUNDO BRASIL AGROINDÚSTRIA PAPEL/CELULOSE QUÍMICA------------------------------------------------------------------------------------------------------------1981 99,3 96,0 86,7 94,8 100,41982 95,5 91,4 78,1 88,5 93,71983 90,8 86,6 77,9 77,5 83,21984 88,4 89,1 85,2 86,9 83,61985 86,9 83,0 75,3 73,4 79,21986 94,9 86,1 87,7 80,9 63,61987 104,6 86,7 74,3 98,4 71,41988 110,1 96,4 86,3 109,3 75,31989 111,3 98,6 81,1 118,9 79,01990 122,4 97,7 70,3 114,6 80,8

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1991 ... 94,4 64,4 98,9 78,21992* ... 91,1 65,9 96,1 71,3------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Dados até junho.Fonte: Pinheiro, A. Castelar, IPEA e FEA/UFRJ, mimeo, 1993.

Além da redução de rentabilidade no mercado internacional decommodities, na maioria destas indústrias têm aumentado asescalas ótimas de produção. Neste sentido, as dimensões domercado interno constituem uma variável fundamental para acompetitividade, na medida em que determinam a escala deoperação, a capacidade de acumulação e a possibilidade dedesenvolvimento de novos produtos e aplicações. Essadiversificação, por sua vez, guarda relação não só com o tamanhoabsoluto do mercado mas também com a distribuição de renda.

De modo geral, é pequeno o porte das empresas brasileirasquando comparado a padrões mundiais. Com raras exceções, osprincipais grupos econômicos nacionais são significativamentemenores que os grupos líderes sediados em países avançados oumesmo em alguns países de industrialização recente (ver Tabela 2da Parte II). Apenas como termo de comparação, o maior grupobrasileiro com atuação no complexo eletrônico é cerca de vintevezes menor que o maior conglomerado coreano; a indústriapetroquímica brasileira em conjunto tem um faturamento que écerca de um quarto do obtido por uma das megaempresas químicasinternacionais. No complexo celulose-papel, apenas quatroempresas brasileiras aparecem na lista das 150 maiores do mundono setor, mesmo assim entre os últimos colocados do ranking.

Embora não seja correto deduzir que essas diferenças deporte empresarial impliquem de per se fragilidades competitivasindistintamente em toda a estrutura industrial brasileira, éinegável que impõem dificuldades adicionais para as empresasbrasileiras no enfrentamento da concorrência internacional.

Em vários setores, constata-se a excessiva pulverização docapital como um sério limitante ao desempenho competitivo dasempresas. Práticas de cooperação horizontal, como a formação depólos regionais ou outras formas de aglomeração geográfica e/outecnológica da produção são pouco freqüentes no país. Do ponto devista da articulação das empresas nas cadeias industriais, aindústria brasileira, em parte devido à prolongada recessão,ressente-se da ausência de uma maior solidariedade entrefornecedores e clientes. É excessiva a verticalização daestrutura industrial, implicando perdas de especialização eociosidade em atividades produtivas. A intensificação dacooperação vertical entre fornecedores, produtores e clientes éum dos principais desafios para o aumento da competitividadeestrutural da indústria brasileira.

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Ao aumento da importância da infra-estrutura tecnológicacomo externalidade na acumulação e difusão de capacitaçãotecnológica empresarial não tem correspondido igual aumento daprioridade concedida à área. Ao contrário, nos últimos anosobservou-se uma deterioração parcial da infra-estruturatecnológica devido ao escasseamento de recursos públicos e aosbaixos níveis de investimentos privados. Também a realização depesquisa associativa não se difundiu entre as empresasbrasileiras. O distanciamento entre centro de pesquisa eindústria diminuiu em alguns setores, principalmente devido àcriação de entidades tecnológicas setoriais e a implementação deprogramas mobilizadores. No entanto, nas atividades de P&D hácarências de capacitações específicas e duplicações em outras enão se conseguiu reduzir a histórica inelasticidade da oferta detecnologia industrial básica no país, evidenciando asdificuldades de coordenação de esforços, em particular nadefinição dos horizontes para os dispêndios privados.

Na área da promoção da concorrência, o Brasil dispõe de umalegislação relativamente avançada que ainda carece de maiorcapacidade de implementação. Condutas desleais de concorrênciatêm proliferado no período recente, mormente aquelas movidas pelosetor informal que, com o aprofundamento da recessão, vem seexpandindo a taxas aceleradas. Em certos setores, o Estado tem semostrado passivo diante de práticas de abuso de poder econômiconocivas a outras empresas ou consumidores. Em outros, as ameaçasde dumping nas importações não encontra uma estruturaadministrativa apta a coibir a sua ocorrência com a necessáriaagilidade. A ausência de um aparato de normalização ecertificação de conformidade dos produtos na dimensão requeridapelo porte da indústria brasileira implica, muitas vezes, acomercialização de produtos inadequados, implicando riscos àsaúde e segurança da população ou desperdícios para os usuários.

Iniciativas de desregulamentação da atividade econômicarelacionadas à liberalização de preços e desburocratização, assimcomo a estabilização das regras de proteção da propriedadeindustrial e de incentivo ao desenvolvimento da indústriaeletrônica nacional constituem pontos positivos das reformasrecentes do modelo de atuação do Estado. O mesmo não pode serdito do processo de privatização das empresas estatais, pois omodelo adotado não foi definido de forma a incorporar asnecessidades de reestruturação competitiva dos setoresenvolvidos.

O sucesso obtido por algumas câmaras setoriais no aumento dodinamismo e na melhoria do desempenho competitivo de algunssetores mostrou o potencial dessa instância como instrumento decoordenação de preços e de decisões empresariais. No entanto,para a maior parte dos setores, não se tem conseguido viabilizariniciativas dessa natureza, persistindo graus elevados deconflito ao longo das cadeias industriais e entre capital etrabalho.

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Finalmente, desequilíbrios existentes no sistema tributárionacional têm trazido conseqüências nefastas sobre a concorrênciano mercado interno. A incidência de impostos em cascata,defasagens no recebimento dos créditos fiscais ou tributaçãoantecipada das vendas a prazo sem a devida proteção contra osefeitos da inflação ou e a intensificação de episódios de "guerrafiscal" entre unidades da federação induzem decisões empresariaisdistorcidas em relação às práticas concorrenciais promotoras decompetitividade.

CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES ANALISADOS

Em vista das especificidades dos diversos setores analisadospelo ECIB, as considerações apresentadas na seção anteriorpermitem apenas delinear os contornos gerais da competitividadeestrutural da indústria brasileira. Cada um dos 34 setoresindustriais estudados apresenta particularidades quanto aodesempenho, estratégias adotadas e capacitação e requer medidasespecíficas para a ampliação de sua competitividade. As notastécnicas setoriais detalham diagnósticos e propostas para osdiversos setores; as notas técnicas por complexo industrialhierarquizam e destacam elementos e proposições comuns aocomplexo ou a subconjuntos de setores, bem como questõesparticulares de maior relevância no complexo.

Para possibilitar uma visão mais abrangente dos diagnósticose das proposições da política de desenvolvimento competitivo noque se refere aos fatores estruturais da competitividade daindústria os setores estudados foram agrupados em três conjuntos:setores com capacidade competitiva, setores com deficiênciascompetitivas e setores difusores de progresso técnico. O Quadro 1discrimina os setores enquadrados em cada categoria, bem como ocomplexo industrial a que pertencem.

QUADRO 1CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Agroindustrial óleo de soja; café; suco de laranjaComplexo Químico petróleo; petroquímicaComplexo Metal-Mecânico minério de ferro; siderurgia; alumínioComplexo Celulose e Papel celulose; papel------------------------------------------------------------------------------------------------------------

SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Agroindustrial abate; laticíniosComplexo Químico fertilizantesComplexo Metal-Mecânico automobilística; autopeçasComplexo Eletrônico bens eletrônicos de consumo

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Complexo Têxtil têxtil; vestuário; calçados de couroComplexo Materiais cimento; cerâmicas de revestimento; plásticosde Construção para construção civilComplexo Papel e Celulose gráficaExtra-Complexo móveis de madeira------------------------------------------------------------------------------------------------------------

SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Eletrônico informática; telecomunicações; automação industrial;softwareComplexo Metal-Mecânico máquinas-ferramenta; equipamentos para energia

elétrica;máquinas agrícolas

Complexo Químico fármacos; defensivos agrícolasExtra-Complexo biotecnologia------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O critério básico utilizado na classificação foi acapacitação competitiva dos setores, tal como avaliada nosdiagnósticos setoriais. Devido à importância crucial dos setoresdifusores de progresso técnico para o desenvolvimento competitivoda indústria, considerou-se oportuno destacá-los em um conjunto àparte. Estes setores constituem a base do novo paradigma técnico-industrial, constituindo a fonte de inovações e progresso técnicopara as demais indústrias. Sua presença na estrutura industrial,mesmo que em um número bastante restrito de segmentos, éindispensável para um avanço significativo na competitividade daindústria como um todo e para uma melhor inserção futura do paísna divisão internacional do trabalho. Por sua condiçãoestratégica, toda política industrial de países desenvolvidosinclui apoio especial a esses setores, na forma de incentivosfiscais, restrições a importações, financiamentos favorecidos,participação em projetos de pesquisa, uso do poder de compra dogoverno, etc. Cabe observar que em relação ao critério básico, noBrasil todos esses setores apresentam deficiências competitivas.

Os Setores com Capacidade Competitiva apresentam, em geral,níveis elevados de eficiência produtiva e excelente desempenho nocomércio externo. Além de se beneficiarem da ampla base derecursos minerais, agrícolas, florestais e energéticos disponívelno país, possuem boa capacidade de gestão de processos, escalastécnicas adequadas e elevado grau de atualização tecnológica deequipamentos.

A capacitação competitiva desses setores, entretanto, estáconcentrada principalmente em commodities, produtos padronizados,de baixo valor agregado e que enfrentam excesso de oferta mundiale estagnação de mercados, o que significa preços declinantes nocomércio internacional. A expansão externa também é dificultadapelo processo recente de ampliação das barreiras técnicas aocomércio por parte dos principais mercados. A evolução para

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mercados mais dinâmicos, através do enobrecimento de produtos edo upgrading da pauta de exportações encontra obstáculos nasdeficiências de capacitação em pesquisa e desenvolvimento,inclusive agrícola. Em vários desses setores, a despeito deoperarem com escalas técnicas adequadas, as empresas brasileirasapresentam integração produtiva, comercial e financeirainsuficientes quando comparadas às empresas líderesinternacionais.

Foram considerados Setores com Deficiências Competitivasaqueles que têm a maior parte da produção realizada por empresaspouco competitivas. Estão incluídos nesse grupo tanto os setoresem que empresas de elevada competitividade convivem com empresaspouco capacitadas como setores em que todas as empresasapresentam deficiências competitivas. Como exemplo do primeirocaso tem-se o setor de abate, em que, especialmente no segmentode abate de aves, encontram-se empresas que podem serconsideradas líderes internacionais, ao lado de abatedourosclandestinos, que operam até mesmo sem condições mínimas dehigiene. No segundo grupo tem-se, por exemplo, a indústriaautomobilística, em que todas as empresas operam com umdistanciamento significativo em relação à best-practiceinternacional.

A deficiência competitiva é a situação que predomina naindústria brasileira. A maior parte dos setores está voltadaapenas para o mercado interno que, se por suas dimensõesrepresenta a principal vantagem competitiva do país, pela reduçãodo poder aquisitivo, crescente desigualdade na distribuição derenda e alijamento do mercado de parcelas significativas dapopulação não tem representado estímulo à competitividade daindústria.

A instabilidade e degradação do mercado tem inibidoinvestimentos - predominando equipamentos obsoletos e elevadosníveis de capacidade ociosa nos setores aqui considerados - erestringido a introdução de inovações de produtos. Apesar daretração do mercado ter induzido estratégias de racionalização daprodução e aumento de eficiência em diversas empresas, motivoutambém a difusão de práticas não-competitivas. Especialmente nossetores dos complexos têxtil, agroindustrial e de materiais deconstrução multiplicaram-se estratégias de competição predatóriaàs empresas com maior capacitação através da informalização, comdegradação das condições de trabalho e sonegação fiscal etrabalhista, além de reduções de custo pela deterioração daqualidade dos produtos. Networkings virtuosos, fontes relevantesda competitividade estrutural desses setores, são muitoincipientes no Brasil, tanto no que se relaciona aos esquemas decooperação horizontal ou vertical entre empresas, quanto àintegração da indústria com a infra-estrutura tecnológica.

Os Setores Difusores de Progresso Técnico representam umsubconjunto daqueles com deficiências competitivas. Englobam amaior parte do complexo eletrônico, os produtores de bens de

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capital do complexo metal-mecânico, a química fina (tendo-seestudado os segmentos de fármacos e defensivos agrícolas) e abiotecnologia (selecionando-se as aplicadas à agroindústria).

Os setores de bens de capital, incluindo os eletrônicos,foram os mais afetados pela instabilidade da economia brasileira,na medida em que a retração de investimentos amplifica, para osprodutores de equipamentos, a retração dos demais mercados. Ademanda por bens de capital foi ainda negativamente afetada peladeterioração das finanças púbicas, constituindo o Estadoimportante cliente de diversos segmentos, e pelas condiçõescrescentemente adversas do financiamento de longo prazo no país.Por outro lado, ocorrendo efetivamente o desenvolvimentocompetitivo da indústria brasileira, o mercado potencial, emtamanho e diversidade, representado pela atualização do parqueprodutivo nacional abre perspectivas muito favoráveis ao setor debens de capital.

Existe no país um nível satisfatório de capacitaçãoprodutiva e disponibilidade de recursos humanos qualificados emalguns segmentos, resultantes do aprendizado acumulado pordiversas empresas. Há entretanto sérias deficiências dearticulação, seja na cadeia produtiva, com fornecedores de peçase componentes (destacando-se a debilidade do setor demicroeletrônica), seja com clientes, fator fundamental para odesenvolvimento de produtos mais adequados às necessidadesespecíficas dos usuários e indispensável para a elevação dacompetitividade tanto nos produtores como nos utilizadores debens de capital. Em diversas empresas, principalmente na área debens eletromecânicos, a falta de especialização leva à diluiçãode esforços em linhas muito diferenciadas de produtos e éexcessiva a verticalização produtiva.

Apresenta-se a seguir, para os três conjuntos de setores,diagnósticos e propostas de política de desenvolvimentocompetitivo referente aos fatores estruturais da competitividade.

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3. SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA

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SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Agroindustrial óleo de soja

cafésuco de laranja

Complexo Químico petróleopetroquímica

Complexo Metal-Mecânico minério de ferrosiderurgiaalumínio

Complexo Celulose e Papel celulosepapel

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

DIAGNÓSTICO

Os setores com capacidade competitiva apresentam níveiselevados de eficiência produtiva e conformidade dos produtos,atendendo adequadamente às necessidades do mercado interno ealcançando desempenho positivo no comércio externo.

Estes setores são os principais responsáveis pela geração dedivisas na economia brasileira. A indústria de petróleo é a únicaa não apresentar saldos elevados na balança comercial, o que deveser atribuído às características da ocorrência do óleo bruto nopaís. No entanto, existe competitividade no abastecimento domercado interno e a Petrobrás é líder mundial na tecnologia deprospecção de petróleo em águas profundas.

O Brasil detém liderança internacional indiscutível emminério de ferro e responde por mais de 70% das exportaçõesmundiais de suco de laranja concentrado. Possui a terceiracolocação em reservas mundiais de bauxita, o que garante sólidaposição no mercado internacional do alumínio. De formasemelhante, as possibilidades da base florestal brasileiraasseguram boa participação do país no comércio internacional decelulose. As empresas destes setores já adotam estratégiasagressivas de comercialização e têm boa penetração nos maioresmercados mundiais.

O Brasil é ainda o maior produtor e exportador mundial decafé e, embora venha perdendo participação, tem condições demanter liderança neste mercado. Também nos produtos do complexosoja o Brasil perdeu espaços na década de 80, mas ainda ocupa

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posição de destaque e as perspectivas são de recuperação dehegemonia, com a consolidação da produção no cerrado.

Na siderurgia, as exportações brasileiras atingem cerca de30% do comércio internacional de aços planos, mas neste setor,assim como na petroquímica e na produção de papel (que apresentambom desempenho externo, embora não liderança), tem importânciafundamental um mercado interno estável que garanta patamaresmínimos de ocupação da capacidade instalada.

O principal fator determinante da competitividade dossetores com capacidade competitiva da indústria brasileira é obaixo custo das matérias-primas, resultante da disponibilidade deboas reservas de recursos naturais, tanto em quantidade como emqualidade, e em condições de exploração favoráveis. Osinvestimentos realizados na indústria são relativamente recentes,configurando plantas atualizadas em termos de tecnologia. Asescalas técnicas adequadas do parque industrial instalado e oaprendizado acumulado na área de gestão dos processos produtivoscompletam os fatores explicativos do bom desempenho alcançado.

No entanto, esses setores têm a maior parte de sua produçãoconcentrada em commodities. O baixo dinamismo e o excesso deoferta mundial desses produtos, com a conseqüente queda de preçosnos mercados internacionais, aliados à ampliação das barreiras aocomércio impõem limites à expansão externa. É pequeno o porte dasempresas nacionais quando confrontadas às líderes internacionaise pouco expressivo o investimento direto brasileiro no exterior,o que dificulta a ampliação da participação do país nestesmercados. A evolução para segmentos mais dinâmicos, de produtoscom maior valor agregado e conteúdo tecnológico, encontraobstáculos nas deficiências do investimento em P&D e nadesestruturação dos sistemas nacionais de pesquisa, especialmentede pesquisa agrícola.

Mercado

De modo geral, os setores com capacidade competitiva daindústria brasileira conseguiram desenvolver e sustentar posiçõesrelevantes no comércio internacional, como atestam os elevadossaldos de balança comercial proporcionados nos últimos anos.

Insumos metálicos

Nos segmentos de insumos metálicos, o Brasil é grandeexportador de commodities, mercado onde é forte a concorrência empreço e onde a margem de contribuição é muito pequena, levando aque muitas vezes se realizem exportações a preços nãocompensadores. Nesse mercado, a instabilidade de preçosinternacionais tem sido grande e o mercado se encontra comexcesso de oferta e preços em declínio. O fenômeno da

. Inserção externa

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207ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

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volatilização dos preços tem afetado particularmente o mercadointernacional de alumínio primário.

Por outro lado, é menos relevante a presença brasileira nomercado internacional de produtos metalúrgicos especiais, no qualé maior a margem de contribuição.

O setor de extração de minério de ferro possui coeficientede exportação de aproximadamente 75%, o que corresponde a 32,6%do comércio mundial (35,2% no minério de ferro pelotizado). Aindústria siderúrgica brasileira detém cerca de 7,5% do comérciointernacional de aço; verifica-se, no entanto, que a participaçãobrasileira é muito maior em semi-acabados (cerca de 30,9% dasexportações mundiais de aços planos) do que em produtos com maiorvalor agregado, como chapas galvanizadas (1,4%). O coeficiente deexportação de alumínio primário chega a 69%, sendoinsignificantes as exportações de produtos transformados. Os trêssetores, em conjunto, geram para o país uma receita de exportaçãopróxima de US$ 7 bilhões/ano.

A capacitação produtiva é maior nas fases iniciais doprocesso de produção, tanto no setor de alumínio como emsiderurgia. Na laminação e na produção de transformados, ossetores mostram menor capacitação e, sobretudo, um mix pouconobre de produtos e heterogeneidade de desempenho entre empresas.Há pouco investimento em P&D de produtos e é restrita aincorporação de equipamentos eletrônicos de automação nas etapasfinais dos processos produtivos, fatores indispensáveis paraavançar na direção de enobrecimento de produtos. Ademais, hápouca interação com consumidores, o que representa pouco estímuloà geração de produtos específicos para cada cliente, de acordocom suas necessidades. Também não é desprezível o efeito darecessão, que inibe investimentos dos clientes e sua modernizaçãoem termos de equipamentos, utilização de insumos e produtosfabricados.

Do ponto de vista do gerenciamento da qualidade, o segmentode insumos metálicos é dos que mais avançou na indústrianacional, esforçando-se as empresas, inclusive por força de suainserção internacional, na direção da implementação das normas dasérie ISO 9000. Embora o êxito de programas de qualidade eprodutividade dependam, em grande medida, do envolvimento doconjunto dos trabalhadores e do estabelecimento de novas relaçõesentre capital e trabalho, esta é uma área ainda carente.Dificuldades financeiras têm levado as empresas até mesmo areduzir atividades de treinamento.

A liderança brasileira em minério de ferro é inconteste etende a se reforçar com o crescimento do mercado de pelotas. Osseus principais concorrentes neste segmento, Canadá e Suécia, nãodemonstram condições de superar as vantagens competitivas daindústria brasileira. Também é muito improvável a entrada emoperação de novos empreendimentos (greenfields) neste segmento,de modo que a expansão do demanda deverá ser absorvida pelos

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produtores atuais. A grande vantagem dos produtores brasileirosde pelotas advém do fato de conseguirem operar nos dois mercadosrelevantes (europeu e japonês). Suécia e Canadá praticamente sóexportam para a Europa, enquanto Austrália, Chile e Peru apenaspara o Japão.

O maior desafio para a competitividade da mineraçãobrasileira é o dinamismo da siderurgia asiática. O Brasil édistante do Sudeste Asiático, onde estão, exatamente, os únicospaíses que apresentam altas taxas de crescimento da produçãosiderúrgica. Austrália e, em menor grau, Índia, Chile, Peru eVenezuela poderão se aproveitar deste diferencial. No tocante aomercado chinês, uma desvantagem adicional é trazida pela ausênciade ligações patrimoniais, como as joint-ventures existentes entreempresas australianas e o governo local. As desvantagenslocacionais brasileiras com relação ao mercado importadorasiático devem ser atenuadas pela prática de diversificação desuprimentos recorrentemente adotadas pelos compradores.

A inserção externa da siderurgia brasileira, com exportaçõesnos níveis atuais, resultou mais de uma estratégia defensiva emrelação à retração interna do que de uma situação estrutural. Asiderurgia brasileira, que foi planejada para exportar 10% de suaprodução, com o objetivo de equilibrar a balança comercialsetorial face à necessidade de importação de carvão mineral,apresenta atualmente um coeficiente de exportação que jáultrapassa a 50%.

O direcionamento repentino da produção brasileira para oexterior não permitiu o desenvolvimento prévio de experiênciaprópria no comércio internacional (equipes, promoção edesenvolvimento de clientes) e, num primeiro momento, a maioriadas exportações remunerava apenas os custos variáveis. A despeitodesse problema inicial, pode-se considerar positiva a expansão daindústria brasileira para o exterior.

No caso de retomada do crescimento interno, não é claro ocomportamento a ser esperado das empresas, principalmente depoisda privatização do setor. Se estiverem concentradas nos semi-acabados e seus preços prosseguirem a trajetória declinante, épossível o redirecionamento ao mercado interno. Neste mercado,apesar de ser previsível rentabilidade também reduzida, dada aabertura comercial, as vantagens locacionais melhorariam aposição na concorrência das empresas no país. Por outro lado,caso já tenham evoluído no sentido de produtos de maior valoradicionado e rentabilidade e estabelecido relações sólidas comconsumidores externos, parece provável que procurem expandir-seem ambos os mercados, ampliando capacidade produtiva edesenvolvendo novos produtos.

Petroquímica

Com a estagnação do mercado interno, a petroquímicabrasileira evoluiu de um déficit de US$ 307 milhões, em 1980,

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para um superávit de US$ 609 milhões em 1985, com um crescimentode mais de 300% no valor das exportações. Entre 1981 e 1990, apetroquímica brasileira exportou, em média, 34% de sua produção.

Nesse setor, não só a ampliação do excedente estrutural daoferta mundial dificulta a manutenção no futuro dos superávits nocomércio externo da década passada. O comércio mundial,principalmente nos produtos de maior valor adicionado, é dominadopor poucas grandes empresas com flexibilidade de produção globale elevada capacitação tecnológica. Há entretanto espaço para apetroquímica brasileira na área de pseudo-commodities eespecialidades, principalmente se apoiada num sólido mercadointerno e no estabelecimento de relações estáveis com clientesexternos. O principal obstáculo atual para a maior capacitação emdesenvolvimento de produtos é a estrutura pulverizada e poucodiversificada da petroquímica brasileira, que dificulta arealização de atividades de P&D em níveis capazes de alavancar ainovação tecnológica.

Uma importante vantagem competitiva que pode ser exploradapela petroquímica brasileira é o tamanho do mercado interno.Ocorre que esse mercado, apesar de amplo em termos populacionais,é estreito em poder aquisitivo. Os elevados índices deconcentração da renda nacional impedem que seja aproveitada ainterconexão positiva existente entre níveis de renda e consumopetroquímico, que se materializa nos elevados coeficientes deelasticidade-renda estimados para a maioria dos produtos.

Acreditando-se em uma melhoria da distribuição de renda nopaís, pode-se até considerar que a indústria petroquímica evários outros segmentos químicos a ela ligados estãosubdimensionados. Evidências a esse respeito podem ser dadas porvárias estimativas: o consumo de termoplásticos no Brasil situa-se entre oito a dez quilos por habitante/ano, um patamar 7 vezesinferior ao alemão, 6,4 vezes ao do Japão, 5,6 ao dos EUA, 5,2vezes ao da Itália e 4,7 vezes ao da França; o consumo aparenteda mais importante commodity petroquímica (o eteno) é beminferior no Brasil ao observado em alguns países europeus(Itália, Alemanha, Reino Unido e França), que utilizam a naftacomo principal matéria-prima.

Esses dados não justificam eventuais projetos grandiosos deinvestimentos na petroquímica brasileira; afinal, ela conviveatualmente com uma relação capacidade instalada/consumo aparentedas mais altas do mundo. De 12 empresas petroquímicas brasileirasconsultadas pela pesquisa ECIB, nenhuma indica evolução positivado grau de utilização da capacidade instalada em 1992, quandocomparada com a média do período 1987-89. A utilização decapacidade diminuiu para 7 empresas e manteve-se inalterada paraas outras 5. O que se pretende destacar é que o crescimento darenda nacional implicaria perspectivas favoráveis de ocupação daatual capacidade produtiva deste setor industrial que, por suavez, acarretariam redução de custos, elevação da rentabilidade egeração de capacidade de acumulação. A tão desejada

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modernização/diversificação da pauta de consumo de petroquímicos(upgrading dos produtos) poderia surgir como uma decorrência.

O dinamismo e a competitividade de uma indústriapetroquímica também dependem do crescimento e modernidadetecnológica das indústrias de transformação demandante de seusprodutos. No Brasil, o quadro não é animador. A idade média dasmáquinas e equipamentos é de mais de 11 anos (segundo pesquisarealizada junto a 800 empresas brasileiras), contra 6 anos noJapão. A indústria de transformação de plásticos, uma dasprincipais consumidoras de produtos petroquímicos, possuiequipamentos e máquinas com idade média de 14 anos; um grau deenvelhecimento superior, portanto, à média da indústria como umtodo. Evidentemente, isto dificulta a modernização da pauta deconsumo de produtos petroquímicos no Brasil.

A constituição do Mercosul pode vir a se tornar uma grandeoportunidade de negócios para as empresas petroquímicas em termosda ocupação da capacidade produtiva atual. Apesar de certassuperposições entre as duas indústrias petroquímicas, hácomplementariedades que podem indicar nichos de mercado atrativospara empresários de ambos os países e gerar um maior intercâmbiona área tecnológica e de capitais.

Agroindústrias - soja, café e suco de laranja

As cadeias da agroindústria ressentem-se especialmente dodistanciamento crescente entre a pauta de consumo interno e a dospaíses desenvolvidos. Os mercados domésticos destes paísespassaram por grande mudança na década de 80. À saturação doconsumo e queda de preços de commodities contrapôs-se o aumentodo valor adicionado e redução do volume de matéria-primaincorporada nos segmentos de maior crescimento: pratos prontos esemiprontos, fast-food, refeições institucionais, produtos paramercados segmentados/individualizados (produtos sem calorias,para crianças, etc.) e alimentos "naturais". O ambienteconcorrencial nesses mercados (sobretudo na CEE), bem como acompetitividade internacional dos produtores locais, têm sidosustentados por um conjunto de políticas setoriais que combinamprotecionismo e subsídios. Estas políticas, que sofrem atualmentepressões por mudanças no âmbito do GATT, conseguiramcompatibilizar a defesa de preços e da renda agrícola comestímulo à produtividade.

No Brasil, as políticas adotadas no passado para o complexoagroindustrial visaram sobretudo o controle da inflação e,secundariamente, a autosuficiência alimentar do país. Estaspolíticas têm grande responsabilidade pela pouca modernização dapecuária leiteira e bovina e pela baixa qualidade do trigo e dosegmento de massas. A posterior promoção a exportações favoreceuo desenvolvimento do enclave de suco de laranja e as cadeias desoja e carnes brancas. Estas últimas exemplificam a integração doBrasil na internacionalização do padrão alimentar do pós-guerra,

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na medida em que simultaneamente transformam o mercado interno econquistam liderança na pauta de exportações.

Para a maioria dos setores da agroindústria, um mercadointerno forte é fundamental para a inserção competitiva dinâmicano comércio internacional. A transição para o novo padrãoalimentar tem seu maior entrave no baixo poder aquisitivo dapopulação, não tendo nem mesmo se completado no país adisseminação do padrão alimentar anterior. Também contribui paraesta defasagem o atraso do setor de distribuição nacional, agenteimportante na difusão do novo perfil nos países desenvolvidos.

O descompasso atual entre as pautas de consumo alimentar noBrasil e nos países industrializados se reflete em um complexoagroindustrial competitivo em commodities e pouco desenvolvidonos segmentos que tenderão a ter maior dinamismo. Com a aberturado mercado, já se observou a ocupação de espaços por importações(massas preparadas) e investimento direto estrangeiro (fast-food). Apenas recentemente observa-se o início de estratégias deempresas com tradição em commodities nessa direção, como indicam,por exemplo, a introdução de cafés gourmets e de óleos com baixosteores de gordura saturada. Este processo já está mais avançadono setor de carnes, onde o peso dos produtos industrializados,nulo no início dos oitenta, passou a 25% do faturamento dasempresas líderes do setor; a participação de cortes especiais nasexportações de aves evoluiu de 10%, em 1984, para 30% em 1991.

Nas oleaginosas, o Brasil é o principal exportador mundialde farelo de soja, tendo recentemente perdido a primeira posiçãoem óleo de soja para a Argentina. O mercado interno absorve 70%da produção de óleo e a avicultura brasileira 30% do farelo desoja. A combinação de mercado interno e externo e decompetitividade em grãos e carnes brancas nas empresas líderestorna-as extremamente capacitadas para uma sólida inserçãointernacional, facilitada ainda pelo acesso a mercados propiciadopela presença de empresas multinacionais entre estas líderes.

Embora a primeira colocação do país em rações não estejaameaçada e em óleos esta posição seja recuperável em função daelevada capacitação competitiva existente, existe consenso quantoao declínio da soja no duplo mercado de óleos (pelo deslocamentoda demanda para óleos com baixos níveis de gorduras saturadas) erações (substituição por um leque crescente de alternativas). Asempresas não estão suficientemente sensibilizadas para anecessidade de, a curto prazo, iniciar experiências para adiversificação na direção de outras oleaginosas e, a médio prazo,desenvolver pesquisas de variedades com menor teor de gordurassaturadas.

No suco de laranja, setor voltado praticamente só para omercado externo, não há ameaças à hegemonia brasileira nasexportações, exceto por questões geopolíticas no âmbito do NAFTAque podem favorecer o México. A produção nacional já é voltadapara o atendimento dos consumidores europeus e americanos,

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seguindo rigorosos índices de acidez e de concentração de sólidossolúveis adequados a seus principais mercados.

Apesar do suco de laranja ser das commodities mais dinâmicasno comércio internacional, observa-se aí também uma tendência àsegmentação de mercados, na direção de outras frutas, tendênciaque já começa a ser acompanhada pelas empresas líderes no país. Ofato do setor destinar praticamente toda sua produção ao mercadoexterno limita sua rentabilidade, uma vez que, como ocorre emgeral nas commodities de consumo final, as grandes tradings e osdistribuidores do país importador ficam com a maior parcela dovalor das vendas.

Situação inversa ocorre no café, onde o Brasil possui aterceira posição no ranking dos principais consumidores mundiais,embora o consumo interno tenha permanecido praticamente estagnadopor quase 20 anos. O Brasil vem perdendo participação em funçãoda valorização, no mercado internacional, de atributos comoaroma, sabor, corpo, acidez e outros, em detrimento de preço,elemento principal da competitividade do país. Somente nosúltimos anos outros requisitos têm vindo a se somar ao preço nademanda interna, com a difusão dos coffee shops e do caféexpresso, que exige grãos de maior qualidade. No entanto, osarábicos brasileiros são extremamente apropriados para máquinasde café expresso e o robusta é ideal para a elaboração de blends.Os grãos do cerrado e sul mineiro e o mogiano paulista estãoentre os melhores do mundo e os cafezais das regiões onde nãopode ser obtido produto de qualidade já estão sendo erradicados.Há ainda condições para a produção de extrato de café líquido,produto de maior procura no mercado japonês e utilizado tambémpara café capuccino, sobretudo nos EUA.

A adoção de estratégias internacionais mais agressivas numfuturo próximo é obstruída pelo aprendizado ainda insuficientedetido pela indústria cafeeira. O desenvolvimento do mercadodoméstico, com a verticalização para a torrefação e varejo(através de coffee shops, por exemplo) por parte do setorprodutivo ainda está em seus estágios iniciais e praticamenteinexiste propaganda institucional valorizando o café brasileirono exterior.

O Brasil historicamente tem sido líder nas pesquisascafeeiras. A despeito da desarticulação das atividades depesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e variedades quemarcou a agroindústria brasileira, registre-se os aumentos daprodutividade do café robusta obtidos no Espírito Santo, atravésda maior participação das lavouras clonais.

Nos novos segmentos dinâmicos do complexo agroindustrial,sobretudo no setor de frutas e verduras, o Brasil possui grandesvantagens agrícolas e capacitação potencial na logística dadistribuição, que é o fator-chave nestes mercados. No entanto, ascrescentes exigências de qualidade requerem canais de

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comercialização personalizados, que ligam o produtor diretamentecom o varejo, evitando os traders característicos dos mercados decommodities e a regulação de preços através da bolsa. As empresasainda se mostram pouco capacitadas para desenvolver esses canaisde comercialização.

Além da evolução na direção de produtos de maior dinamismo,para assegurar a competitividade em commodities o desafio maior éa eficiência na articulação das distintas fases da cadeiaprodutiva. O deslocamento da fronteira agrícola para os cerradosevidenciou as deficiências da infra-estrutura na região,especialmente em transporte e opções portuárias.

Com relação ao Mercosul, o temor inicial cedeu lugar a umotimismo cauteloso e já se pode concluir que o Brasil tem claravantagem na capacitação empresarial. A competitividade dasempresas líderes brasileiras só pode aumentar com o acesso aomercado argentino (em processo de modernização) e a suasmatérias-primas agrícolas, e já se observam investimentos nestadireção. Por outro lado, a maior presença de produtos agrícolasargentinos e uruguaios aumentará o patamar de competitividade,exigindo também políticas de diversificação. As Cooperativas doSul já estão liderando este duplo processo de modernização ediversificação.

Papel e Celulose

A recessão do início dos 90 induziu as empresas brasileirasa novos esforços de penetração externa, como se pode verificar naindústria de papel. Entre 1990 e 1992 as exportações de papelcresceram a uma taxa média de cerca de 15% a.a., proporcionandouma receita de quase US$ 1,5 bilhão neste último ano. Asexportações aumentaram 61% em papéis para imprimir e 26% emembalagens, ritmo bem superior ao da expansão do mercado externo,e compensaram as reduções nas vendas internas, de 29% e 7,5%,respectivamente.

Também no complexo papel/celulose as exportações brasileirasestão concentradas em commodities e repete-se o padrão de maiorcompetitividade nas indústrias de base, reduzindo-se capacitaçõese aumentando a heterogeneidade competitiva à medida que secaminha a jusante nas cadeias produtivas. Desde a década de 80 oBrasil é estruturalmente superavitário em celulose. Em papel, osprodutos exportados são basicamente commodities - papéis deimprimir e escrever não-revestidos e embalagens kraft. Em 1991quase 40% da produção se concentrou nestes produtos; nos demaissegmentos predominam as vendas internas. O setor gráfico étradicionalmente deficitário. O mercado mundial vem exibindoevolução relativamente lenta do consumo de papel e excedentesestruturais de celulose.

As empresas brasileiras de celulose e papel apresentaram,durante os anos 80, um dos menores custos de produção do mundo. A

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principal vantagem competitiva das indústrias brasileiras depapel e celulose sempre foi a disponibilidade de florestas e oavanço tecnológico nas atividades associadas a sua exploração,vantagem que vem se reduzindo através da difusão tecnológica.

A qualidade do papel brasileiro ofertado pelas grandesempresas do setor é compatível com o padrão exigido pelosclientes internos e externos e diversas empresas se encontram emprocesso de certificação pela ISO-9000. Já diversos médios epequenos produtores estão ameaçados de exclusão do mercado, namedida em que falta qualidade a seus produtos para atender aosrequisitos derivados do uso de máquinas mais modernas nos setoresgráfico, editorial e de papelão ondulado. O dispêndio comassistência técnica das empresas brasileiras é ainda irrisório,apontando deficiências nas etapas pós-produção e norelacionamento com clientes.

Na pesquisa florestal, as empresas líderes têm capacitaçãopara desenvolver novos produtos e tecnologias. Na área industrialexiste grande heterogeneidade entre empresas. As líderes locaisoperam com escalas adequadas de produção, a despeito de seremempresas relativamente pequenas em relação às líderes mundiais, etêm a vantagem da integração vertical com a floresta. Éentretanto reduzida a automação, que aumenta a velocidade doprocesso, melhora a qualidade do produto e gera maior produção eganhos de eficiência. A defasagem nas plantas de celulose estáconcentrada na área de branqueamento das plantas que aindautilizam o cloro gasoso, embora seja elevado o padrão de controleambiental. As condições de financiamento a longo prazo constituemo grande limite às estratégias de modernização e expansão dasempresas brasileiras e uma de suas principais desvantagens frenteaos concorrentes externos.

A recente crise de preços no mercado internacionaldemonstrou que embora os custos de produção brasileiros sejaminferiores aos dos demais concorrentes, isto não é suficientepara garantir uma posição confortável em um período de forteexcesso de oferta, como a vivenciada em 1991/93. Os estoques dasempresas brasileiras se elevaram a níveis inesperados,demonstrando uma grande dificuldade de deslocar do mercado aprodução de outras empresas.

Petróleo

No setor petróleo, o Brasil é bastante dependente deimportações, embora as reservas provadas tenham duplicado nosúltimos dez anos. Se por um lado o porte da economia brasileira,com seu grande mercado interno, é um fator que favorece o bomdesempenho da Petrobrás, por outro, a falta de uma políticaindustrial e o continuado uso dos preços dos derivados comoinstrumento de política antiinflacionária são fatores que oprejudicam. Os preços dos derivados vêm sendo sistematicamentereajustados abaixo do custo do barril importado, gerandoimportantes dívidas do Tesouro com a empresa. Da mesma forma, as

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sucessivas quedas do valor real do dólar e do preço do petróleo,que ocorrem desde 1986 no mercado internacional, somam-se aosfatores que têm prejudicado o desempenho da indústria de petróleonacional (isso porque a remuneração da empresa tem comoreferência o preço do petróleo importado).

. Barreiras ao comércio

Cabe ainda ressaltar as crescentes restrições tarifárias enão-tarifárias enfrentadas pelas exportações brasileiras nosprincipais mercados internacionais.

Nas principais exportações brasileiras da agroindústria, oJapão apenas recentemente liberou importações de suco de laranja,e ainda assim aplica uma tarifa de 30% sobre o valor importado,tributando também o óleo de soja com alíquota igual. O Itamaratitem tentado a redução destas alíquotas, até agora sem sucesso. OsEUA impõem uma sobretaxa de US$ 492 por tonelada de sucoimportado, o que representa uma parcela crescente do valor, compreços declinantes. O óleo de soja tem tarifa de 22,5% nessepaís, que ainda sujeita o produto a cotas de importação, enquantoas exportações norte-americanas são subsidiadas. A CEE definepreços de suporte para as oleaginosas, ressarcindo os produtoreslocais da diferença em relação ao preço internacional, nummontante que representa atualmente cerca de 40% da renda dosprodutores. Para o suco brasileiro importado pela CEE a alíquotada tarifa é de 19%, enquanto para os países da área preferencialdo Mediterrâneo (Marrocos, Tunísia, Israel e outros) é inferior a5,7%.

Normas de qualidade mais exigentes podem também afetar odesempenho competitivo de setores agroindustriais. Os critériosatuais de qualidade são favoráveis ao Brasil nos setores de sojae suco de laranja. Na próxima década porém, as exigências deverãoatingir insumos industriais (corantes, conservantes), níveis deresíduos químicos nos produtos agrícolas, embalagens e osimpactos ecológicos dos sistemas produtivos. Assim, qualquer eloda cadeia de produção pode comprometer os novos patamaresimpostos por formas legais e/ou voluntárias de regulação. Aadoção de objetivos de qualidade total ainda é incipiente, o quecoloca em dúvida a capacidade de concorrer nos mercados maisexigentes.

Dos insumos metálicos, a siderurgia, pelo excesso de ofertamundial, é um dos principais alvos de barreiras ao comérciointernacional, em especial barreiras não-tarifárias. Destacam-seos acordos de restrição voluntária às exportações e a recorrênciados processos de anti-dumping e direitos compensatórios. O Brasilassinou acordos de restrição voluntárias às exportações com osEUA e CEE. Com relação a esta última, os acordos têm sidonegociados anualmente. No caso norte-americano, pelo segundoacordo, que vigorou até março de 1992, as cotas brasileira eramde 2,1% do consumo aparente, dos EUA. Após seu término, asempresas brasileiras diminuíram num primeiro momento suas

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exportações para aquele mercado visando evitar pedidos de anti-dumping e direitos compensatórios.

Essa estratégia, no entanto, não se mostrou suficiente, namedida em que desde então já foram abertos diversos processoscontra a siderurgia brasileira. Na decisão final da InternationalTrade Comission de julho de 1993, o único produto para o qual foiratificada a sobretaxa foram as chapas grossas. Como taisprocessos tendem a ser disseminar por outros países, como já foio caso do Canadá, a decisão negativa da ITC diminui a perspectivade uma "avalanche de processos" em nível mundial. O Brasil devecontinuar no mercado americano, mas impondo-se uma auto-restriçãode exportações (no nível de suas exportações históricas) comoforma de evitar novos processos de anti-dumping e direitoscompensatórios.

O complexo papel, celulose e gráfica tem sidotradicionalmente, nos países produtores, objeto de políticasindustriais nacionais na área de incentivos florestais e denichos específicos do setor gráfico. Nos últimos anosintensificaram-se as pressões vinculadas a uma maior proteção domeio ambiente, proveniente dos grupos ecológicos e da sociedadecivil em geral. Estas pressões têm-se cristalizado na legislaçãodos países, em particular dos europeus e nos EUA, e na definiçãode especificações técnicas mais rigorosas dos produtos eprocessos.

Nos EUA está em tramitação um projeto que cria um impostosobre o consumo interno de energia, a ser compensado porsobretaxa nos produtos importados intensivos em energia. Ospaíses da CEE, de outro lado, instituíram o "selo verde" em maiode 1992. Tecnicamente, o "selo" não é considerado uma barreiracomercial não-tarifária, pois não impede a comercialização dosprodutos não certificados. Porém a certificação será uminstrumento efetivo de marketing para os produtores que tenhameste perfil, exercendo forte apelo junto ao público consumidor,representando, na prática, importante barreira comercial.

O "selo verde" relativo a papéis de imprimir e escrever esanitários definirá critérios unilaterais relativos ao consumo debase florestal e energia e à produção de efluentes e resíduos nãodegradáveis. Teme-se que estes critérios, baseados na estruturaprodutiva dos países da CEE, não levem em conta as caraterísticasespecíficas dos recursos naturais e da produção dos demais paísese tendam a favorecer os produtores locais. A regulação deveráatingir produtores, como os brasileiros, cujo processo produtivoesteja assentado na fibra virgem e não no papel usado e sejagrande consumidor de energia. Frente a esta situação, grandesprodutores de papel como Canadá, Suécia e Noruega optaram porestabelecer critérios ecológicos nacionais a serem posteriormentenegociados com a CEE, caminho seguido também pelo Brasil.

Configuração da Indústria

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De modo geral, os setores com capacidade competitiva daindústria brasileira apóiam sua competitividade na ampla base derecursos minerais, agrícolas, florestais e energéticos existenteno território nacional. Nas configurações industriais dessessetores prevalecem empresas que operam plantas industriais comescalas técnicas adequadas e elevada atualização tecnológica edemonstram boa capacitação em gestão dos processos produtivos.

No entanto, a insuficiência de porte ou de integraçãoprodutiva das empresas líderes brasileiras têm constituído umgrande obstáculo à dinamização das suas vantagens competitivas.

A menos de poucos setores, como extração e refino depetróleo e minério de ferro, nos demais setores com capacidadecompetitiva __ as indústrias petroquímica, siderúrgica, dealumínio e de celulose e papel, além da cadeia agroindustrial docafé __ um conjunto de desafios competitivos relacionados atransição dessas indústrias em direção a configurações maiseficientes está por ser enfrentados.

Como visto na seção anterior, a competitividadeinternacional alcançada por esses setores em semi-manufaturadosnão se transmite aos produtos de maior grau de elaboraçãoindustrial. Tal fato revela que, se por um lado, essas empresasmostram grande eficiência na exploração das vantagenscompetitivas oriundas das disponibilidades de recursos naturais,por outro, não conseguem cumprir os passos requeridos para atuarcom igual grau de sucesso nos mercados de maior valor agregado.Para tanto, é vital que as empresas se habilitem para um saltoqualitativo em termos de capacitação tecnológica, financeira ecomercial de modo a aproximá-las de seus competidores nosmercados internacionais.

. Porte e grau de integração elevados

Petróleo

Na indústria do petróleo, a Petrobrás é a 22ª empresapetrolífera em volume de vendas (US$ 15,6 bilhões em 1992), o quedemonstra a grande dimensão do seu mercado. Seus investimentos emexploração e desenvolvimento da produção foram de 1,6 bilhões em1992, cifra comparável, em ordem de grandeza, aos investimentosdas majors nos Estados Unidos. Além do porte, a elevadaverticalização é o principal trunfo da Petrobrás, inclusive paraque se apresente como um interlocutor expressivo no mercadointernacional. Quanto a esse aspecto, a Petrobrás ocupa, em nívelmundial, o nono lugar em capacidade de refino, o décimo segundolugar em volume de reservas e o vigésimo lugar na produção depetróleo bruto. Esses números demonstram a adequação do porte eda integração da empresa para atuar competitivamente no setor.

Historicamente, o parque de refino nacional tem se mostradoadequado às necessidades brasileiras. O volume de petróleoimportado tem sido decrescente enquanto os custos atuais de

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produção de US$ 6-10 bbl são comparáveis aos praticados fora daárea dos grandes produtores e inferiores ao preço do mercadointernacional. A parcela substantiva da produção nacional depetróleo (70%) é marítima, acompanhando a tendência mundial.Embora em níveis diferenciados, a Petrobrás detém expressivacapacitação para atuar nos diversos segmentos da cadeiapetrolífera, em particular, no up-stream. Tanto a ampliação dasreservas quanto da produção de petróleo nacional se devem àcapacitação tecnológica da Petrobrás para atuar na área defronteira marítima. A Petrobrás é líder mundial em exploração emáguas profundas, tendo investido 0,7% do seu faturamento em P&Dem 1992, o que a coloca entre as empresas da indústria dopetróleo que mais investem nessas atividades. Também a existênciano país de uma importante rede de fornecedores para a indústriado petróleo, cuja consolidação deveu-se em grande parte à atuaçãoda Petrobrás junto aos produtores locais de bens de capital e deserviços de engenharia, favorece a competitividade do setor.

Minério de ferro

O setor de extração e beneficiamento de minério de ferropode ser considerado um caso atípico dentro da indústria nacionaluma vez que a estrutura industrial existente no Brasil mostra-seextremamente eficiente. O setor é liderado por grandes empresas,que operam com enormes escalas técnicas e econômicas e demonstradeter capacitação para acompanhar as best-practices, como seexpressa na excelência dos produtos ofertados e na inexistênciade gargalos produtivos relevantes. Apresenta excelentes níveis deintegração no que respeita à logística mina-ferrovia-porto, tendoconseguido endogeneizar uma infra-estrutura própria, que permiteo escoamento da produção, sem as dificuldades comumenteenfrentadas pelas outras indústrias nacionais. No caso específicoda Companhia Vale do Rio Doce, o "corredor de exportação"estende-se até o transporte marítimo, através de sua controladaDocenave. Por fim, as empresas brasileiras são muito bemarticuladas com os compradores internacionais, sendo praticamenteas únicas mineradoras a vender tanto no mercado europeu quanto noasiático.

. Deficiências nas Configurações Industriais

Petroquímica

Certamente, os problemas de insuficiência de porte eintegração se manifestam de forma mais grave no setorpetroquímico, devido ao fato de que no Brasil essa indústria nãoconta com vantagens competitivas naturais. O modelo deimplantação da petroquímica brasileira, apoiado na criação deempresas monoprodutoras, com atuação restrita, via de regra, auma geração específica, se foi adequado para a constituição daindústria na fase de substituição de importações, tem se reveladodeficiente no cenário atual de liberalização comercial.

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Para muitos especialistas, a atuação em pequeno número demercados, ao deixar as empresas indefesas diante dasinstabilidades de oferta características do padrão de comérciointernacional de produtos petroquímicos, constitui a principalfragilidade estrutural do setor no país. Com a liberalizaçãocomercial e em um quadro de super-oferta mundial, como o que seprojeta para toda a presente década, as empresas brasileirasestariam pouco capacitadas para competir até mesmo no mercadointerno, apesar da excelência alcançada na gestão dos processosde produção, como evidenciam os excelentes resultados em termosde economia de energia (redução do consumo de energia portonelada produzida de aproximadamente 25% entre 1979 e 1985),melhorias do rendimento industrial e superação da capacidadenominal de produção das plantas proporcionados por operações dedesgargalamento e otimização tecnológica. Pesquisa realizada nopólo de Camaçari constatou que as empresas operavam, em média,25% acima da capacidade definida no projeto, sendo que ointervalo de variação ia de 12% a 65%.

A estrutura da indústria é muito pulverizada: existe umgrande número de empresas monoprodutoras, sem a necessária "massacrítica" para diluir custos fixos e alavancar o esforçotecnológico indispensável para realizar inovações. Osinvestimentos em P&D, quando comparados a padrões internacionais,são insignificantes: em 1984, as empresas controladas eassociadas à PETROQUISA gastaram apenas US$ 10 milhões em P&Dpróprio e contratado. Esse número aumentou para US$ 53 milhões em1989, correspondendo a 0,86% do faturamento. Para as empresaspetroquímicas entrevistadas na pesquisa de campo a relaçãodispêndios com P&D/faturamento, em 1992, foi de apenas 0,33%,menor que a observada no período 1987-89 (0,59%).

Já há alguns anos aponta-se a necessidade de reestruturaçãodessas indústrias com o objetivo de proporcionar graus deconcentração e integração produtivas compatíveis com padrõesinternacionais de competitividade. No entanto, o governo definiuum modelo de privatização que não levou em conta esses objetivossetoriais, não aproveitando a oportunidade de reestruturaçãoindustrial trazida pela privatização e sem estabelecer umapolítica satisfatória para os preços de nafta. A simples retiradada Petroquisa do setor aprofundou a sua pulverização,principalmente porque essa empresa atuava como instância decoordenação entre os diversos projetos, que embora tênue,propiciava um nível mínimo de coordenação do setor, em particularno que respeitava a fixação dos preços da nafta.

Alumínio

Outro setor no qual o grau de integração produtiva daestrutura industrial montada no Brasil mostra-se pouco adequadopara enfrentar a competição internacional é a indústria doalumínio. A despeito de exportar cerca de 70% do alumínioprimário que produz, é baixo o grau de integração "à frente" doconjunto da indústria, dificultando o acompanhamento das

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tendências internacionais de valorização dos produtos. A elevaçãodo grau de enobrecimento dos produtos ressente-se da baixaintensidade do esforço tecnológico consubstanciado em atividadesde P&D, que por sua vez exigiria uma articulação produtiva etecnológica mais estável e fecunda entre as firmas produtoras dealumínio e os setores industriais consumidores do metal, hajavista a baixa capacitação produtiva, tecnológica e gerencial dosetor transformador de alumínio no Brasil.

No caso das empresas multinacionais verticalizadas, aestratégia de diversificação na direção da produção detransformados já está consolidada e tende a ser reforçada. Nestaprodução encontram-se as maiores perspectivas de ampliação dosmercados, através da incorporação de tecnologias mais avançadasdisponíveis nos países desenvolvidos. Esta diversificação tende aser acompanhada por mudanças na estrutura organizacional dessasempresas, que reforcem a autonomia das diferentes atividadescontroladas.

Para as empresas nacionais, o reforço da capacidadecompetitiva passa pela necessidade de promover o fechamento dacadeia produtiva, com a retomada do projeto de produção dealumina; a produção, em simultâneo ao alumínio primário, de ligasque permitam o enobrecimento do produto; e uma maior participaçãoda produtoras de alumínio primário em empreendimentos detransformação de alumínio, de modo a proporcionar uma atuaçãomais incisiva na ponta da indústria (transformados).

Outro aspecto fundamental para a competitividade daindústria do alumínio na atualidade é o crescimento da integraçãopatrimonial com os fornecedores de energia elétrica. A busca demaior eficiência energética se reflete também na disseminação depráticas cooperativas entre a indústria e os fornecedores deenergia, como por exemplo, o atrelamento das tarifas ao preçointernacional do metal, já presente em 30% do total da produçãomundial. Em 1990, a tarifa média de energia elétrica era de 20US$/Mwh para o total da indústria e de 15 US$/Mwh para os paísesexportadores. A energia elétrica é o principal item da estruturade custos dos produtores de alumínio primário, sendo responsávelpor aproximadamente 40% do total dos custos relacionados àgeração do metal. A sustentação da competitividade dos produtoresnacionais de alumínio primário, seja para aqueles que orientamsua produção preferencialmente para o mercado interno ou paraexportações, está fortemente articulada ao preço das tarifas deenergia elétrica.

Siderurgia

Assim como na fabricação de alumínio, as escalas técnicas deprodução das empresas líderes brasileiras do setor siderúrgicomostram-se adequadas ao padrão internacional, fato que, conjugadoao grau positivo de atualização das plantas, é uma das principaisrazões para a obtenção de índices técnicos de desempenhoprodutivo favoráveis. O processo de privatização permitiu avançar

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relativamente na reconfiguração da indústria, embora não osuficiente para viabilizar uma reestruturação mais profunda.

A siderurgia brasileira, que ao contrário das indústrias doalumínio e de extração e beneficiamento de minério de ferro foiconstruída para abastecer o mercado interno, obteve sucesso nomercado internacional, suprindo cerca de um terço do comérciomundial de aços planos.

Essa posição aparentemente favorável não deve ocultar o fatode que a competitividade em custos da siderurgia brasileira cairapidamente na medida em que se caminha em direção aos aços demaior valor agregado. Estudos revelam que, após todos os ajustesnecessários, o diferencial de produtividade entre as usinassiderúrgicas integradas a coque brasileiras e as melhores usinasdo mundo é de 12 a 35% . Na área de laminação, tal diferençaatingiria algo entre 45 e 65%. Apresenta, ainda, índices deeficiência razoáveis (rendimento integrado), igualando-se à médiaeuropéia e ao resultado americano, embora distante dos valorespraticados pelas indústrias japonesa e coreana.

Com relação ao nível de desenvolvimento tecnológico, asiderurgia apresenta uma relação entre investimento em atividadestecnológicas e faturamento de cerca de 0,3%, enquanto o nível dospaíses líderes é de 0,6%. As atividades tecnológicas basicamenteobjetivam a otimização de processo, procurando incrementarrendimentos e reduzir custos, cabendo destacar que o paísconseguiu absorver a tecnologia de operação e manutenção, aadaptação e otimização de processos produtivos. O volume derecursos necessários a atividades de inovação de processos eprodutos e o longo prazo de maturação destes investimentos (dealto risco) são fatores limitantes a tais inversões.

Papel e celulose

No complexo papel e celulose, embora as adequadas escalastécnicas de produção e a integração vertical com a florestaconstituam importantes fatores favoráveis para as empresasbrasileiras, é necessário ressaltar que o pequeno porte dasempresas nacionais se traduz numa restrição à geração de recursospróprios e uma menor capacidade de alavancar recursos deterceiros em relação às mega-empresas que estão se formando nosetor.

Em relação à integração celulose-papel, apesar das vantagensda garantia de mercado para os produtores de celulose e departicipação em um segmento mais rentável e com perspectivas maisfavoráveis de evolução, esta é uma questão que deve serconsiderada com cuidado. Em primeiro lugar, os canais decomercialização já desenvolvidos pelos produtores de celulose nãosão transferíveis para a venda de papel. Em segundo, osprodutores de papel verticalizados no suprimento de insumosflorestais (celulose e madeira) arcam com a imobilização decapital em terras, em atividades de implantação e manutenção de

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áreas florestais e em pesquisa e desenvolvimento neste campo, emparticular no manejo florestal e eficiência nutricional adequadosàs condições específicas de solo e clima de cada área florestal.Em terceiro lugar, a tendência internacional do crescente uso dereciclagem reduz em parte o caráter estratégico do controle nosuprimento de madeira. A oferta de recicláveis é limitada pelogrande volume de exportações de papel pelo Brasil, mas favorecidapela concentração urbana e industrial do país. Estima-se que oconsumo de aparas alcance hoje entre 1,5 e 1,8 milhões de t/anono Brasil (750 mil t/ano em São Paulo). O fornecimento do insumoé problematizado pela flutuação de preços e irregularidade deoferta causados pelo processo de coleta, tratamento edistribuição do material. Tais flutuações geram movimentos deimportação, inclusive em regime de drawback, que representamquase 10% do total consumido de papel usado.

Quanto à evolução para produtos de maior valor adicionado, éprovável que na indústria de papel, assim como em outros setoresindustriais, a participação nos mercados de especialidades sefixe em empresas que disponham de requisitos de tecnologia equalidade, o que, em geral, limita os pretendentes às empresas demédio e grande porte, aptas a realizarem acordos externos ouinovação tecnológica interna. Para as empresas de menor porteapresenta-se o desafio competitivo urgente de modernização,investimento em equipamentos de controle ambiental eespecialização em nichos de produtos mais promissores, poisobservam-se instalações desatualizadas e redução na demanda desuas linhas de produtos, atualmente restritas quase queexclusivamente ao mercado interno e a produtos de menor valoragregado.

Suco de laranja

Nas agroindústrias com capacitação competitiva, suco delaranja, óleo de soja e café, os problemas não dizem respeitotanto à estrutura industrial mas às relações entre indústria eagricultura, que necessitam ser modernizadas.

O setor de suco de laranja fornece um bom exemplo. Aexcelente capacidade competitiva da indústria brasileira de sucode laranja apóia-se no baixo custo da matéria-prima e naqualidade do produto, uma vez que o produto converteu-se emcommodity de alta sofisticação. Adicionalmente, como cerca de 2/3da produção de laranja no Brasil é realizada por produtoresindependentes, a integração conseguida com a agricultura, capazde propiciar fluxos estáveis de fornecimento de matéria-prima,também é fator determinante para o sucesso alcançado.

No passado, o crescimento do setor apoiou-se em umaregulação estatal adequada, a partir de políticas de preçosmínimos e estocagem, na concessão de incentivos fiscais efinanceiros à produção agrícola e industrial que tenderam a serdecrescentes conforme o amadurecimento da indústria. Tambémcontribuiu a consolidação de uma rede de instituições e centros

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de pesquisa públicos voltada para a cultura de citrus, de nívelde capacitação mundialmente reconhecido, que garantiu níveisadequados de segurança fito-sanitária aos pomares.

No entanto, essas condições favoráveis têm sido ameaçadas.Desde fins da década de 80 observa-se a desarticulação da rede depesquisa. O Programa Nacional de Pesquisa, criado em 1990 com oobjetivo de coordenar as diferentes linhas de trabalho, nunca foirealmente implementado. O declínio nos resultados alcançados pelainfra-estrutura pública de pesquisa tem levado ao fortalecimentodas pesquisas nas próprias empresas ou ao estabelecimento deconvênios entre empresas e universidades, mas não em intensidadesuficiente para evitar o surgimento de novas doenças frente àsquais não se consegue o tratamento adequado.

Mais recentemente, as relações agricultura-indústriapassaram a apresentar sinais de deterioração. Tradicionalmente acompra de matéria-prima por parte da indústria processadora eraestabelecida através de contratos de preço fixo, definidos antesdo período de colheita. Em um quadro de elevação dos preçosinternacionais do suco, esta forma de contrato criava um conflitopotencial entre produtores e indústria na determinação do preço"justo", que era resolvido no âmbito da CACEX. As vantagensestavam na segurança de colocação da produção para o agricultor eno controle da matéria-prima que proporcionava à indústria, jáque o produtor se comprometia a vender a totalidade de suaprodução para a empresa contratante. Além disso, a empresacompradora tornava-se titular dos pomares durante o período docontrato, o que lhe permitia controlar os tratamentos culturais,circulação da fruta, colheita e transporte.

A partir da safra 86/87, através de um acordo entre asinstituições do setor, estabeleceu-se o "contrato departicipação", que coloca toda a cadeia produtiva atrelada aodesempenho exportador através da vinculação dos preços da laranjaà cotação do suco na Bolsa de Nova Iorque. O preço da laranjapago aos produtores passou a ser o resultado da dedução dessacotação de uma margem fixa a título de remuneração da produção ecomercialização. Essa sistemática propiciou a elevação do preçoda caixa de laranja de US$ 1,84 em 1986/87 para valoressuperiores a US$ 3 nas safras seguintes.

Porém, o cenário para as próximas safras é de crescimento daoferta mundial, o que implica queda nas cotações internacionaisdo suco. Como a remuneração da indústria e a taxa de rendimentoda fruta têm permanecido quase constantes, o impacto dodecréscimo das cotações do suco será mais desfavorável sobre osprodutores que sobre a indústria. Com isso, os preços a serempagos aos produtores na safra 92/93 devem cair a níveisinferiores aos custos de produção. Esta situação se traduz em umconfronto entre citricultores e a indústria sobre o moldes atuaisdo contrato de participação, uma vez que a atual equação expressaposições estratégicas assimétricas no interior da cadeiaprodutiva.

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A nova conjuntura internacional, além de afetar as práticasde preços, impõe a necessidade de planejamento do plantio. Devidoà situação favorável do passado, a taxa de crescimento dos novospomares foi elevada, o que resultará em uma oferta maior de sucoa partir de 1993, exatamente quando começa a se acentuar a quedade preços. Entretanto, dada a atomização dos produtores (existem20.000 produtores, dos quais 75% possuem menos de 40.000 pés), aestratégia de planejamento do plantio dificilmente poderáacontecer sem uma coordenação externa, isto é, sem a participaçãoda indústria e instituições governamentais. Portanto, se nadécada do 80 a questão central da citricultura foi aprodutividade dos pomares, na década do 90 a conjunturainternacional coloca também o problema do planejamento dosplantios.

A dinamização da competitividade da indústria de sucos lançaainda o desafio de aprofundar a atuação internacional dasempresas brasileiras. Até o presente, as empresas brasileiras têmconcentrado suas atividades na produção e transporte de suco,baseando sua capacitação na venda de grandes volumes a umreduzido número de clientes, de acordo com o modelo tradicionalde exportação de commodities.

Na fase de consolidação da indústria foi importante ainstalação no país das firmas estrangeiras conhecedoras doscircuitos internacionais de comercialização da laranja. Noentanto, a maior proporção do valor agregado (mais de 60%)concentra-se nas atividades de empacotamento e distribuiçãorealizadas no mercado de destino, cabendo aos produtores eprocessadores brasileiros parcela inferior a 30%.

A reestruturação do mercado mundial abre a possibilidade deverticalização na direção do consumo final, a partir doreprocessamento da matéria-prima ou do controle dos canais dedistribuição.

Alguns indicadores permitem entrever que as barreiras àentrada de empresas brasileiras na distribuição do suco nomercado americano tendem a se reduzir no mercado de sucoreconstituído (single-strength). Este mercado apresenta espaçospara a entrada de empresas brasileiras que possuam tank farms. Osistema tank farm foi uma das grandes inovações tecnológicasrecentes no setor, substituindo o sistema de transporteutilizando tambores, com significativa redução de custos. Noentanto, somente as empresas de maior porte possuem estruturaspróprias de transporte tank farm, devido ao alto investimentonecessário para sua implantação (aproximadamente US$ 50 milhões).

Já no mercado japonês, são pequenas as possibilidades deentrada de empresas brasileiras visando processar e comercializarseus próprios produtos. Entretanto, existem oportunidades para aconformação de joint-ventures com empresas japonesas,

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especialmente para empresas que associem exportações com aconstrução de terminais próprios. Essa estratégia está sendoimplementada de forma associativa por duas das grandes empresasdo setor, estando prevista a inauguração de um terminal no portode Toyohashi, a um custo de US$ 30 milhões.

O aprofundamento dessas estratégias de internacionalizaçãoexigirá fortes investimentos e capacitação na área dedistribuição, marketing e vendas.

Soja

Na indústria da soja, o parque industrial brasileiro érelativamente recente e experimentou, além do mais, uma renovaçãocom o deslocamento das plantas para a região Centro-Oeste. Asempresas já passaram por um processo de concentração industrialimposto pelas dificuldades econômicas da década de 1980, o queimplicou racionalização da estrutura produtiva e redução decustos. No entanto, a permanência de elevada capacidade ociosa -cerca de 30% nas empresas pesquidas - ainda é um obstáculo tantoà redução dos custos de produção, quanto à melhoria daprodutividade industrial.

Muitas empresas adotaram estratégias bem-sucedidas dediversificação, integrando diferentes cadeias agroindustriais epenetrando em mercados mais dinâmicos. Sendo assim, as condiçõesexistentes são favoráveis a uma sistemática política de liderançaem custos, o que poderia ajudar a recuperar a hegemoniabrasileira no comércio internacional.

A redução dos recursos destinados ao Sistema EMBRAPAresultou num inadequado atendimento às demandas do complexo soja,especialmente tendo-se em conta as mudanças tecnológicas em cursonas demais oleaginosas, na área de genética e biotecnologia(novas sementes com propriedades diferentes - variedades IdentityPreserved -, pesquisas industriais quanto a odor, paladar, tempode vida na prateleira, pesquisas na área de alimentação humanacom subprodutos de soja, farinha, lecitina, etc.).

Em 1989, foi inaugurado na Faculdade de Engenharia deAlimentos da UNICAMP um moderno e bem equipado laboratório degorduras e óleos para permitir o aprimoramento da qualidade eprodutividade daqueles produtos, incluindo pesquisas embiotecnologia e novas fontes de óleos vegetais. As firmas podemcontratar pesquisas junto a este laboratório, mas as empresaslíderes possuem centros próprios de pesquisa onde desenvolvem etestam novos produtos e processos. Em torno ao Centro de Pesquisada UNICAMP existe o Fórum de Debates Permanente sobre Óleos eGorduras.

As mudanças na política agrícola ocorridas ao longo dadécada de 80 tiveram grande influência na competitividadeinternacional do complexo soja brasileiro. O grande crescimentoda produção de soja na década anterior esteve relacionado, como é

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bem conhecido, com uma política de modernização da agriculturabaseada, sobretudo, no crédito farto e barato. Ao longo da décadaverificou-se uma contínua redução da disponibilidade de recursoscreditícios à disposição dos agricultores. No caso da soja, ocrédito oficial foi sendo substituído (sobretudo nos últimos anosda década) pelo crédito direto da indústria esmagadora ou mesmoda indústria de insumos e máquinas, em troca da entrega doproduto final.

O setor passou por um processo de ajuste que se encontraapenas parcialmente equacionado. O novo padrão de financiamentotem impactos negativos sobre os produtores de soja menosprotegidos, como os agricultores cooperados, por exemplo,reduzindo a incorporação de tecnologias para o incremento daprodutividade. A maior disponibilidade creditícia, sem dúvida,colaboraria para a consolidação da capacidade produtiva docomplexo.

Café

No caso da agroindústria cafeeira, com o decorrer da criseresultante da desregulamentação do setor, ocorreu um processo deseleção entre os cafeicultores, uma vez que inexistiram políticasinternas para sustentação do setor. A reestruturação permitiu quecafeiculturas empresariais com alta produtividade permanecessemno setor, eliminando primordialmente as cafeiculturas familiaresde pequena escala e regiões decadentes. Esse novo perfil daprodução brasileira repercutirá sobre a produtividade e qualidadedo produto.

Apesar de serem, em geral, tecnologicamente obsoletos, osequipamentos utilizados no primeiro e segundo processamentopossibilitam, ainda, um padrão de competitividade razoável.Inovações nos equipamentos, entretanto, podem incrementar aqualidade do produto.

A capacitação gerencial, a modernização dos equipamentos eos baixos preços da matéria-prima constituem o cerne das questõesenfrentadas pela indústria de segundo processamento - torrefaçãoe moagem e solubilização de café. As torrefadoras, voltadasessencialmente para o abastecimento do mercado interno e bastantepulverizadas, iniciam um novo período de atuação empresarial.Após o fim da ingerência governamental sobre o setor, que faziados torrefadores meros prestadores de serviços, o setor passoucrescentemente a incorporar padrões competitivos comuns entreindústrias alimentares de outros ramos produtivos.

A entrada das cooperativas líderes na torrefação e moagem,verticalizando atividades, aumenta a competitividade no setor. Aarticulação direta com os produtores - diferentemente dastorrefadoras que, em geral, articulam-se com os corretores eoutros intermediários - permite às cooperativas oferecer produtosdiferenciados com garantia da manutenção do padrão da bebida.

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A aquisição direta de café verde - dos cafeicultores ou desuas cooperativas - por parte de importantes torrefadoras temmudado o perfil da comercialização do produto em âmbito interno.A supressão de agentes no percurso da transformação do produtopassa a ser uma exigência competitiva no setor e fator deoportunidades.

A transferência tecnológica representa uma oportunidade paraas empresas vinculadas à cafeicultura. Verificam-se, atualmente,esforços internacionais para a obtenção de inovações que melhorema qualidade dos grãos. Dependendo das capacidades empresariaispara estabelecer joint-ventures essas inovações poderãobeneficiar a indústria doméstica.

Concorrência

. Política de concorrência

Os setores de elevada capacidade competitiva, em suamaioria, têm tradição de atuação no mercado internacional,estando portanto expostos a ambientes de elevado grau deconcorrência. O acirramento da competição em commodities e ocrescimento das barreiras ao comércio e de práticasprotecionistas têm forçado a ampliação constante de capacitaçõescompetitivas para a sustentação e elevação dos níveis exportados.

No mercado interno, a política de liberalização comercialnão afetou o mercado da maioria desses setores. Diversos de seusprodutos têm alíquota nula, como papel e celulose, minério deferro, ferro-gusa, sucata e alumínio primário e mesmo assim asimportações são desprezíveis.

Dentre as medidas de desregulamentação adotadas no passadorecente, duas devem ser destacadas como particularmentefavoráveis à competitividade dos setores com capacidadecompetitiva. A primeira refere-se à liberalização dos preçosinternos, fator que afetava especialmente a rentabilidade e,conseqüentemente, investimentos e desempenho competitivo desetores como o petroquímico, de papel e de celulose, além dosiderúrgico. A segunda diz respeito à operação dos portos quedeverá ampliar ainda mais, através do incremento de eficiênciaesperado, a competitividade dos setores exportadores decommodities.

As deficiências e a falta de tradição na operação dosprocedimentos anti-dumping, instrumentos anti-subsídios e medidascompensatórias, entretanto, são fatores que expõem a indústriabrasileira a práticas desleais de comércio. Esse problema afetaparticularmente os setores petroquímico e siderúrgico - dado oexcesso de oferta mundial e a prática de exportações a preços quenão cobrem o custo total -, além das cadeias agroindustriais,fortemente subsidiadas em diversos países. Entre 1991 e 1992foram iniciadas 45 ações anti-dumping e 20 anti-subsídios no

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país, das quais 11 foram aplicadas, concentradas no complexoquímico e na metalurgia; no caso de ações anti-subsídios todas sevoltaram para produtos agrícolas.

A falta de agilidade das instituições responsáveis prejudicaa indústria local. As importações de PVC, por exemplo, aumentaram300% em volume entre 1990 e 1991, impondo aos produtoresnacionais prejuízos estimados em US$ 80 milhões somente no ano de1991. De abril a agosto de 1992 estabeleceu-se uma sobretaxaprovisória. Em janeiro de 1993, a decisão definitiva foi tomada:as importações procedentes dos EUA e México foram sobretaxadasem, respectivamente, 16% e 18%. Nesse intervalo, as importaçõesde PVC voltaram a crescer.

A maioria dos países procura desonerar os tributos de suasexportações. No Brasil, além da desvantagem em preços no comércioexterno causada pela incidência de impostos sobre as exportaçõesnacionais, as importações também são beneficiadas pelo sistematributário brasileiro em relação à produção interna. Além dosimpostos em cascata, como o PIS e a COFINS, não incidirem sobreimportações, o custo financeiro associado aos impostos sobre ovalor adicionado (e recentemente aumentado, pela mudança nasistemática de recolhimento) também onera apenas a produçãodoméstica.

Nas cadeias agroindustriais, ademais, a falta deuniformidade tributária nos distintos setores de produção ecomércio e nas distintas regiões do país, bem como o IPI sobreinsumos utilizados na agroindústria e na agricultura conformam umambiente que desfavorece, na concorrência, determinados segmentosda produção nacional frente a importações ou a segmentos melhorposicionados na cadeia ou geograficamente. O uso da tributaçãocomo instrumento de políticas regionais influencia a localizaçãonão eficiente da agroindústria e promove formas de concorrênciadesleal, com vantagens de custos decorrentes exclusivamente daisenção de tributos. Pode implicar também a má utilização derecursos escassos para incentivos na medida em que o BNDES eoutros órgãos de fomento são solicitados para projetos cujalógica depende desta isenção. A alta carga tributária também levaà concorrência desleal na medida em que estimula a sonegação,prática particularmente grave no setor alimentar.

Em síntese, a inexistência de isonomia tributária e asdemais distorções da estrutura tributária brasileira interferemnas condições de concorrência, influenciando em alguns casosnegativamente o desempenho competitivo da indústria local.

O setor siderúrgico tem sido especialmente afetado pormedidas relativas à regulação da concorrência. Diversas ações dedesregulamentação tiveram impactos positivos sobre acompetitividade do setor: o término do controle de preços do aço(a defasagem foi estimada, em meados de 1991, em cerca de 40%para os aços planos); a extinção da equalização de preços (regimede CIF-Uniforme), que transferia renda das indústrias

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siderúrgicas para consumidores situados fora do eixo Rio deJaneiro/São Paulo/Minas Gerais; o fim da exigência de consumo decarvão mineral nacional, de pior qualidade em relação aoestrangeiro; e a liberalização comercial, que implicou queda depreços de alguns insumos importantes, como ferro-ligas, e maiorfacilidade para a transferência de tecnologias internacionais.

. Participação do Estado

Siderurgia

Os impactos da privatização sobre a competitividade dasiderurgia são menos claros. De um lado, elevou-se o poder demercado dos maiores grupos privados siderúrgicos do país,existindo riscos de práticas de preços mais elevados que osinternacionais com a cartelização e a substituição do monopóliopúblico por privado em alguns produtos; as empresas não alteraramsignificativamente suas linhas de produção, fortalecendo asituação prevalecente de oligopólios ou duopólios em diversossegmentos. Por outro lado, a tendência internacional nacompetitividade da siderurgia é na direção do aproveitamento deeconomias de escala e da maior concentração industrial. Alémdisso, o mercado mundial apresenta excesso de produção e aumentosabusivos de preços podem ser coibidos, dentro de certos limites,por importações.

Outras mudanças associadas à privatização foram: a reduçãodrástica de pessoal que, apesar de socialmente negativo, amplioua produtividade na indústria; a diminuição das despesasfinanceiras, em decorrência do saneamento financeiro pré-privatização (cujos custos foram absorvidos pelo Estado) e damudança do comportamento pós-privatização (incluindo acesso afinanciamentos de longo prazo de bancos públicos); e a maioragilidade administrativa - diminuição de prazos de atendimento apedidos, simplificação dos procedimentos de licitações e,principalmente, maior facilidade de diversificação de atividades.

Petroquímica e petróleo

Nos setores da base do complexo químico a forte integraçãona cadeia produtiva é a principal fonte de competitividade. Noentanto, o modelo de privatização definido pelo Governo para apetroquímica (assim como algumas propostas que vêm sendosugeridas para a Petrobrás) não levou em conta esse objetivo,perdendo a oportunidade de reestruturação industrial aberta pelaprivatização.

Ficou também sem solução o problema de como conciliar osinteresses da Petrobrás e das empresas petroquímicas e defertilizantes em torno a uma política de preços de nafta e gásnatural. Para o setor petróleo, o uso de tarifas públicas comoinstrumento de combate à inflação tem afetado a competitividadeda Petrobrás, na medida em que a empresa não consegue gerar osrecursos necessários a seus investimentos. Para o setor

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petroquímico, o preço da nafta constitui fator fundamental para acompetitividade, na medida em que representa cerca de 70% doscustos totais de uma central petroquímica. A política de preçosadotada após dezembro de 1991 (20% de margem ao preço do petróleodo tipo Brent), apesar de ter tido o mérito de fixar uma regra,definiu um nível de preços incompatível com a obtenção de margensno setor petroquímico brasileiro.

O debate institucional em torno do futuro da indústria depetróleo brasileira se estrutura em torno de algumasalternativas, entre as quais a manutenção do status quo, a quebrado monopólio, parcial ou completa, a privatização, odesmembramento da Petrobrás ou ainda um arranjo entre essas.

A análise das tendências internacionais e o diagnóstico daindústria brasileira do petróleo mostram que, além da integraçãoprodutiva na cadeia petrolífera, prática de preços reais para osderivados e autonomia gerencial são condições fundamentais para oincremento da sua competitividade.

A quebra do monopólio como meio de alcançar uma maiorcompetitividade não é evidente. Mesmo sem o monopólio legal émuito provável que a Petrobrás o mantenha na prática, caso nãoseja desmembrada. Por sua vez, a opção pelo desmembramento daPetrobrás não tem suporte nas características principais deestruturação da indústria internacional. Não se espera dessaopção quaisquer tipos de ganhos competitivos individuais para asempresas que vierem a ser criadas ou para a indústria de petróleoem seu conjunto.

Deste modo, o debate sobre quebra do monopólio deve sercolocado num contexto no qual as variáveis política tarifária eautonomia da Petrobrás sejam as mais relevantes. Também acapacidade do Estado em assumir funções reguladoras,fiscalizadoras e ordenadoras do setor é de suma importância.

Do ponto de vista estritamente industrial, o monopólioassegura níveis de escalas operacionais e de integração da cadeiaprodutiva e um horizonte de planejamento de longo prazofavoráveis à competitividade do setor petróleo. Também reduz osriscos inerentes às lacunas ainda presentes no aparatoregulatório dessa atividade no país.

No entanto, de um ponto de vista mais amplo, a manutenção domonopólio, sem mudanças no relacionamento da Petrobrás com ogoverno, teria como conseqüência mais evidente o cerceamento aopleno desenvolvimento da indústria no país. Historicamente, aautonomia da Petrobrás sempre foi restrita. A política detarifação dos derivados é o principal instrumento de atuação doEstado sobre o desempenho econômico-financeiro da Petrobrás. Dadaa importância central que os recursos próprios assumem para ofinanciamento da empresa, a utilização da empresa comoinstrumento de política antiinflacionária compromete acompetitividade da empresa. A longo prazo, essa situação poderá

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levar a uma contínua perda de capacidade produtiva, implicando anecessidade de importações crescentes de bruto e, até mesmo, dederivados.

A manutenção do monopólio com o estabelecimento de umefetivo contrato de gestão é uma alternativa que pode representarum novo elemento de equilíbrio entre governo e a estatal. Noentanto, a celebração de contratos de gestão no Brasil, emboratenham sido objeto de Lei, tem sido postergada em virtude dedificuldades ligadas à negociação de seus pontos centrais.

A quebra parcial ou completa do monopólio obrigaria a que oEstado passasse a exercer efetivamente o papel de agenteregulador. Até o presente, como Estado e indústria nacional searticulam via monopólio, a empresa estatal desempenhou as funçõesprodutivas e reguladoras do setor. Sem o monopólio, oDepartamento Nacional de Combustíveis, ou outro órgão a sercriado, teria que assumir a regulação. Ficaria também a cargo dogoverno a função ordenadora do setor, envolvendo da mesma forma aestruturação desse serviço no país, tarefa até então executadatambém pela Petrobrás.

As dificuldades inerentes à estruturação de um órgãotécnico-regulador apto a acompanhar as atividades de exploraçãodas bacias e dos campos de petróleo e gás existentes no país,cuidando para que sejam racionais; otimizar os sistemas de refinoe de transporte; e evitar crises de abastecimento e oscilaçõesbruscas de preços podem representar um fator de risco ao serquebrado o monopólio. O Estado deve se capacitar para assumir,entre outras, funções de controle de depleção dos poços, deacompanhamento dos custos de produção para exercer umafiscalização efetiva. Outra área de complexo equacionamento seriaa de garantir a distribuição dos derivados por todo territórionacional sem a desequalização dos preços.

PROPOSIÇÕES - DINAMIZAÇÃO DAS FONTES DE COMPETITIVIDADE

Estratégia

A proposta básica para os setores com capacidade competitivaé que consolidem e ampliem posições no mercado externo e quedinamizem as vantagens competitivas estáticas que já detêm. Paraisto é necessário desenvolver produtos e mercados com maiorpotencial de crescimento e que permitam a obtenção de maioresmargens de rentabilidade.

A manutenção de superávits no mercado de commodities passa aexigir estratégias comerciais mais ativas e a inserção nocomércio internacional de produtos de maior valor agregado requercapacitações específicas e substanciais esforços tecnológicos. Énecessário fortalecer os fatores sistêmicos da competitividade eassegurar o enobrecimento e upgrading da pauta de produtos,através do apoio às atividades de P&D. Em alguns casos, énecessário promover reestruturações industriais ou patrimoniais

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visando a integração produtiva, aumento do porte empresarial e,quando possível, a internacionalização das empresas brasileiras.

Como se trata de setores que já contam com elevadacapacitação competitiva, o aprofundamento da inserçãointernacional dependerá basicamente de estratégias empresariaisadequadas. Cabem ao Estado principalmente atividades decoordenação, com ênfase no apoio a configurações industriais queviabilizem a pesquisa e desenvolvimento de produtos e a expansãoexterna dos setores, bem como garantir condições sistêmicasfavoráveis em termos de câmbio, logística de infra-estrutura ediplomacia econômica.

Ações Prioritárias - Mercado

A posição das empresas nos mercados interno e externo emcommodities deve ser fortalecida pelo estabelecimento de laçosmais sólidos com clientes, buscando reduzir a instabilidadedestes mercados, e ser complementada pelo desenvolvimento deprodutos de maior valor adicionado, de modo a assegurar acompetitividade no longo prazo.

O preço é o elemento decisivo da concorrência no mercado decommodities e há pouco espaço para a compressão de lucros.Margens reduzidas de rentabilidade, acirramento da concorrência equeda generalizada de preços (como forte tendência para ospróximos anos) exigem a estabilidade da taxa real de câmbio paraa sustentação do desempenho externo. A política macroeconômicadeve estar atenta a isto.

Agroindústrias - soja, café e suco de laranja

As empresas líderes dos setores agroindustriais (sucos eóleos) já adquiriram grande experiência internacional. Nestadécada as estratégias competitivas devem focalizar aregionalização (com atenção especial para o Mercosul) e ainternacionalização de suas atividades produtivas (presença naÁsia), assim como a ocupação dos segmentos de maior valoragregado, sobretudo nos serviços alimentares.

O acirramento da concorrência internacional exige o aumentona produtividade e qualidade do setor agropecuário. É, portanto,indispensável a intensificação da pesquisa visando o combate adoenças e pragas, formas mais eficientes de aplicação defertilizantes e desenvolvimento genético de novas espécies comatributos especiais e/ou com maior rendimento agrícola eindustrial. Para a difusão de práticas mais atualizadas naagropecuária brasileira é fundamental a recuperação da excelênciado sistema EMBRAPA e outros institutos de pesquisa. Recomenda-sea articulação entre empresas industriais e produtores rurais em

. Estabelecer laços sólidos com clientes, desenvolver canais decomercialização e disputar mercados de maior valor agregado

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torno a projetos definidos para viabilizar o investimento privadona infra-estrutura tecnológica.

A política agroindustrial deve incluir também um forte apoioàs empresas médias e cooperativas, que podem ocupar comeficiência os mercados de massa, estimulando as empresas líderesa concorrerem nos mercados mais sofisticados, tanto internamentecomo no comércio internacional.

Em relação ao complexo agroindustrial, cabe ainda estimulara competitividade nos novos segmentos dinâmicos, sobretudo nosetor de frutas e verduras. A principal recomendação é o apoio aodesenvolvimento dos canais de comercialização personalizadosexigidos para a venda desses produtos.

O aprendizado através do desenvolvimento do mercado internode produtos de maior valor adicionado (como a verticalização paracoffee shops por parte das torrefadoras, por exemplo) é umaestratégia importante visando maior agressividade futura nomercado internacional.

Insumos metálicos

A agregação de valor ao mix de produtos também é arecomendação central para os setores de insumos do complexometal-mecânico. Para as indústrias siderúrgicas e de alumínio éurgente avançar em termos de aumento de produtividade ediversificação da pauta de produção, enobrecendo o mix deprodução e evitando queda de exportações e de rentabilidade. Alémde fundamental na sustentação de escalas mínimas de operação, omercado doméstico poderia representar importante espaço para oaprendizado no desenvolvimento destes produtos.

A princípio não se propõe que haja grandes esforços nolançamento de novos produtos em nível mundial. Pesquisas nessesentido são muito onerosas e envolvem elevados riscos. Há, noentanto, grande espaço no sentido de introduzir internamenteprodutos já conhecidos no mercado internacional, mas que demandamadaptações em função das especificidades de cada mercado. Paratanto, é fundamental maior aproximação do setor de vendas dasempresas em relação às necessidades de seus clientes e em relaçãoà área de desenvolvimento de produtos das próprias empresas.

Neste sentido, é importante que as empresas intensifiquemesforços para o enobrecimento da pauta de produtos e invistam emequipamentos, sobretudo na automação das fases finais doprocesso. Esses investimentos devem ser estimulados através definanciamentos em condições adequadas, inclusive a programas dedesenvolvimento de produtos que envolvam produtores e usuários, eda depreciação acelerada para efeitos de imposto de renda. Devemtambém ser definidos, com a participação de empresas produtoras,empresas demandantes e governo, programas de normalização ecertificação de produtos, exigindo melhorias técnicas dos

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produtos ofertados. A política tarifária deveria conceder maiorproteção a produtos de maior valor agregado.

A montagem de articulações produtivo-tecnológicas de longoprazo entre empresas produtoras de alumínio e empresasconsumidoras localizadas em setores tecnologicamente dinâmicos émedida importante para o desenvolvimento do mercado interno dometal. Devem ser implementados programas setorializadosorientados à elevação do consumo de alumínio, no qual poderiaminteragir empresas produtoras do metal e empresas das indústriasalimentícia (embalagens e peças laminadas), de construção (peçasextrudadas) e de material de transportes (peças fundidas), quesão os principais consumidores. O processo de adensamento dainteração produtor-usuário deve envolver também consumidores dealumínio de outros países, aproveitando-se a formação de mercadosinter-regionais integrados com o advento do Mercosul.

Para enfrentar o contexto externo desfavorável, é importanterealizar adaptações que permitam explorar de forma mais efetivaoportunidades vislumbradas no mercado. Estratégias maisagressivas de exportação devem voltar-se, preferencialmente, paraa ocupação de nichos dinâmicos do mercado mundial detransformados, acompanhando a tendência internacional decrescente valorização dos produtos. Deve ser fornecido apoiologístico e operacional a acordos de cooperação com empresasdotadas de maior capacitação comercial e mercadológica, visando aentrada no mercado internacional de rodas para automóveis, fios ecabos para transmissão de energia e latas para bebidas, entreoutros produtos em que existam condições favoráveis ao produtobrasileiro. Outros instrumentos importantes para alcançar esteobjetivo são: a eliminação de entraves burocráticos à realizaçãode exportações; a concessão de linhas de crédito seletivas aosexportadores; a manutenção de uma política de realismo cambial; oajuste da carga tributária; a intensificação dos esforçosorientados à certificação dos produtos oferecidos.

Para diminuir a vulnerabilidade das empresas exportadorasbrasileiras em relação às variações de preços do metal primáriono mercado internacional é importante adotar políticas comerciaisque contemplem preferencialmente contratos de longo prazo ereduzam a dependência em relação a tradings na comercialização doproduto no mercado internacional, inclusive através da realizaçãode operações triangulares envolvendo a comercialização debauxita, alumina e alumínio.

Petroquímica

Na petroquímica, as oportunidades no comércio internacionaldependem da ampliação do mercado interno e de incentivos àcriação de estruturas de P&D no interior das empresas, através demedidas fiscais, como as aprovadas recentemente, e definanciamento. O desenvolvimento do mercado doméstico envolvetambém a modernização do parque de transformação de produtos dematéria plástica. Com esse objetivo, é desejável a discussão na

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câmara setorial de formas de propagar os benefícios negociados noâmbito da política de preços de nafta para a indústriatransformadora, favorecendo assim o consumidor final de bensdemandantes de insumos petroquímicos.

A busca de uma maior complementaridade petroquímica noâmbito do Mercosul, cuja concretização pode duplicar o fluxo decomércio entre Brasil e Argentina, hoje concentrado basicamenteem eteno, propeno, polietileno e polipropileno, requer algumasações. A criação de empresas binacionais e a produção integradade etileno por meio de terminais marítimos de recepção edespacho, como proposto pela Associação Petroquímica LatinoAmericana (APLA), seriam medidas positivas. Uma outra açãodemandada por empresários dos dois países é o desgravamentotributário.

Papel e celulose

A manutenção de posições no mercado internacional decommodities pela indústria de papel exigirá consolidar presençaexterna ainda mais agressiva na comercialização e no marketing. Étambém importante acelerar a definição do certificado ambientalbrasileiro, sem o qual ficará vulnerável a posição do país nomercado europeu. O direcionamento da produção de máquinas menorese/ou plantas não-integradas para linhas de maior valor agregado econteúdo tecnológico (especialidades definidas por variações defibras, fillers, cores e tratamento superficial no papel) é umaalternativa complementar importante, e que reduz o risco daconcentração em commodities. A ausência de escala no mercadointerno pode ser compensada pela flexibilidade para atender apedidos em pequenos lotes de produção. Em importantes produtos devocação regional mas de demanda estável devem ser consolidadasparcerias tecnológicas e acordos de fornecimento com clientes,envolvendo grandes e pequenas empresas produtoras de papel.

. Qualificar recursos humanos

Para todos os setores o upgrading de produtos e a elevaçãodos patamares de qualidade indispensáveis à competitividade e auma inserção externa mais favorável exigem maior qualificação derecursos humanos, incluindo "chão-de-fábrica", gerência etécnicos. A educação básica e atividades sistemáticas detreinamento são hoje fatores determinantes de competitividade. Aadoção de processos de trabalho com distribuição deresponsabilidades e ampliação da participação nos processosdecisórios da empresa valorizam o trabalhador e exigem suacapacitação. Nos estudos setoriais e também na pesquisa de camporealizada, no entanto, constatou-se que o treinamento ainda temsido pouco priorizado. É preciso reforçar o treinamento e arequalificação profissional, atribuição das várias esferas deGoverno, instituições especializadas e também das empresas.

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. Adotar estratégias exportadoras mais agressivas

Outro fator de relevância para o enobrecimento da pauta deprodução e de exportação do país é o estreitamento das relaçõescomerciais com clientes e usuários, a evolução nas etapas pós-produção: relacionamento comercial, logística de distribuição eassistência técnica. Para evoluir nesta direção e mesmo naconsolidação e expansão da participação nos mercados decommodities também devem ser apoiadas a formação de joint-ventures com clientes e distribuidores e a constituição deestruturas de comercialização compartilhadas.

Também decisivo para o aprofundamento da inserção brasileirano mercado internacional é a transformação da diplomacia nacionalem instrumento eficaz de apoio às empresas locais. Tanto noâmbito do GATT quanto nas relações bilaterais é necessária umaatuação mais ativa das embaixadas no sentido de forçar revisõesem cotas e tarifas, negociar contenciosos e estabelecer relaçõesfavoráveis a nível bilateral. Compensar subsídios e implementarmedidas de retaliação também integram a diplomacia econômicaativa. A propaganda institucional também pode ter um papelrelevante na consolidação de posições no mercado internacional,como demonstra o sucesso colombiano na associação da imagem dequalidade ao café deste país.

É importante fortalecer a posição brasileira diante desobretaxas, impostos discriminatórios, fixação de quotas e outrasmedidas adotadas nos principais mercados internacionais contra asexportações do Brasil. A CEE tem sido enérgica na defesa de seusinteresses, enquanto esforços insuficientes são feitos peloBrasil contra a sobretaxa americana sobre o suco de laranja, apermanente ameaça de sobretaxação de produtos siderúrgicos ou adefinição unilateral dos critérios do "selo verde".

Maior rigor na aplicação de medidas sanitárias seria umimportante complemento à política tarifária, para as cadeiasagroindustriais, servindo como aviso contra uma eventualdiscriminação às exportações brasileiras.

Ações Prioritárias - Configuração da Indústria

. Estimular a concentração industrial e ampliar a integraçãoprodutiva

A expansão dos setores com capacidade competitiva na últimadécada, motivada centralmente por oportunidades de ocupação demercados internacionais e promovida na ausência de uma políticaindustrial e tecnológica, deu margem a que as configuraçõesindustriais se desarticulassem, não assegurando às empresas anecessária capacidade de controle e organização dos fluxos demercadorias, tecnologias e financiamentos.

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Como norma geral, a dinamização das vantagens competitivasproposta como diretriz da política de competitividade para essessetores exige ajustes nas configurações industriais que,dependendo do caso, podem ser de grande extensão e profundidade.

Insumos metálicos

Na indústria siderúrgica, após o término da privatização dosetor, o espaço para fusões, incorporações e mesmo fechamento dealgumas unidades parece ser muito reduzido. Perdida aoportunidade aberta pelo Programa Nacional de Desestatização, asiniciativas visando a reestruturação da oferta já instalada nãodevem ser muito radicais, e sim buscar otimizar a estruturaexistente.

Os instrumentos de financiamento devem ser coordenados demodo a que a expansão da capacidade produtiva se faça acompanharda melhoria do mix de produtos. Com esse intuito, as recorrentessolicitações de financiamentos públicos para a construção denovas usinas de aço bruto não devem ser atendidas. Essarecomendação é particularmente importante no que se refere àsusinas que fabricam somente produtos semi-acabados, atípicas nasiderurgia mundial. Os projetos de ampliação dessas empresasdeverão ser reanalisados.

Uma reestruturação industrial mais aguda deve envolver aindústria de gusa, uma vez que o pólo guseiro de Minas Gerais émuito fragmentado e apresenta resultados insatisfatórios emtermos do aproveitamento de energia. Este segmento deverá passarpor um processo de concentração, inclusive com a desativação devários alto-fornos, em decorrência da incapacidade de atendimentoà nova Legislação Florestal e dos onerosos investimentosnecessários para aumentar o aproveitamento de energia. Osguseiros possivelmente terão uma sobrevida se os grandesprodutores de aço a carvão vegetal converterem seus alto-fornospara coque. Para promover esta centralização de capitais, osegmento deveria planejar sua reestruturação e contar com acessoa financiamentos do sistema BNDES.

Já para o setor de extração e beneficiamento de minério deferro não se vislumbra a necessidade de reestruturaçãopatrimonial e/ou industrial significativa. Para manter acompetitividade, postula-se a manutenção do status quo, não sepromovendo aumentos na carga tributária e mantendo-se o realismocambial.

A principal diretriz da reestruturação da indústria dealumínio visando incrementar a competitividade setorial é apromoção de um maior grau de integração entre as diversas etapasda cadeia de produção e consumo.

Com relação à verticalização de produtores de alumínioprimário que não estão presentes no mercado de transformados,deve-se buscar uma melhor adequação do mix de produtos gerados às

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necessidades do parque transformador, inclusive através doreforço das atividades de marketing e assistência técnica. Nocaso específico dos produtores de alumínio de origem estatal,cabe acelerar a diversificação visando o enobrecimento deprodutos, acompanhada da reestruturação organizacional e dareorientação de esforço tecnológico. Participações societáriasminoritárias em transformadores independentes e o eventual aportede recursos de agências públicas de fomento podem constituirmeios adequados de direcionar esse processo.

Do lado do parque transformador, é necessária a elevação doporte empresarial e das escalas de produção, partindo-se daidentificação de empresas com capacitação já acumulada paraatuarem como foco de aglutinação de recursos e qualificações.Participações societárias cruzadas entre essas empresas eprodutores de metal primário não-verticalizadas contribuiriampara esse objetivo. Outros instrumentos a serem utilizadosseriam: concessão de aportes de capitais por agências públicas defomento; concessão seletiva de incentivos (fiscais, creditícios,etc.) que estimulem a aglutinação empresarial; montagem de grupossetoriais por segmento de transformados, com a função decoordenar o processo, avaliando os desenvolvimentos realizados apartir de parâmetros de eficiência e capacitação.

É também necessário aprofundar as atividades de reciclagemde alumínio, através de programas institucionais e do apoio àcapacitação tecnológica do segmento produtor de alumíniosecundário. Em particular, seria interessante uma aglutinação derefusores independentes em unidades de maior escala (inclusiverecorrendo-se à concessão de linhas especiais de crédito) e/ouuma diversificação de produtores primários para atividades derefusão, através da montagem de unidades com escalas maiseconômicas.

Petroquímica e petróleo

Nos setores da base do complexo químico a forte integraçãona cadeia produtiva é a principal fonte de competitividade. Nosetor petróleo, essa integração já existe. Tal fato, porém, não éverdadeiro para a petroquímica.

A criação de empresas integradas ao longo da cadeia e com umnível de faturamento na casa dos bilhões de dólares é vista comoessencial à competitividade internacional da indústria. Paratanto, é necessário estimular, através de fusões e absorções, acriação de empresas integradas e de grande porte (faturamentoacima de US$ 1 bilhão), explorando famílias de produtos afins emtermos tecnológicos e/ou mercadológicos, com massa críticasuficiente para diluir custos fixos e realizar investimentossistemáticos em P&D.

Com esse objetivo, seria recomendável que o Executivopromovesse o redirecionamento do processo de privatização, nosentido de que a venda dos ativos estatais fosse um instrumento

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de reestruturação. Essa visão comporta a permanência do sistemaPetrobrás/Petroquisa como ator significativo no setor, embora comseu raio de ação reduzido. Há que se criar empresas de porte,para depois partir para a desestatização.

Por essa proposta, os leilões de privatização sóaconteceriam depois da fusão de empresas. Caso a participação daPetroquisa no capital votante de cada nova empresa conglomeradafor superior ao percentual fixado por negociação entre governo eempresários, a estatal venderia em leilão esse excedente,destinando uma parte para os empregados.

A implementação dessa proposta não é uma tarefa fácil. Alémda dificuldade de compatibilizar os diversos interessesacionários, algo que demandaria um grande esforço de engenhariafinanceira, dever-se-ia evitar a fusão indiscriminada, em umaúnica empresa, de atividades downstream que não possuamafinidades. Afinal, uma das tendências observadasinternacionalmente é a concentração de operações em famílias deprodutos, escolhidos de acordo com critérios de capacitaçãotecnológica e mercadológica.

Quanto à integração refino-petroquímica, considerando-se queo modelo baseado na venda isolada de empresas que orientou asprivatizações já realizadas seja de difícil reversão, sugere-se anegociação entre empresas, trabalhadores e governo, no âmbito deuma câmara setorial, de um acordo de preços de nafta e gásnatural que garanta a estabilidade das suas relações com o setorpetróleo, na tentativa de minimizar os conflitos já existentes, eque tenderão a crescer com a continuidade da privatização nosmoldes atuais.

Nesse acordo negociado, os preços das matérias-primas (naftae gás natural) seriam fixados a partir de uma política quecontemplasse as lógicas micro e macroeconômica. Do ponto de vistamicroeconômico, deve-se considerar, fundamentalmente, o preço deoportunidade das matérias-primas para a Petrobrás e o seu custode produção. Do ponto de vista macro, deve ser considerado que émais vantajoso exportar petroquímicos do que gasolina em relaçãoà balança comercial e que a inviabilização da competitividade daquímica básica pode fechar fábricas e eliminar postos detrabalho. Porém, a política de reestruturação setorial da químicabásica não deve penalizar a competitividade dos demais setores daeconomia brasileira.

No caso da indústria de petróleo, recomenda-se nãoimplementar propostas que visem o desmembramento da Petrobrás.Como já mencionado, a verticalização é condição essencial para amanutenção da competitividade das empresas atuantes no setor. Odesmembramento, certamente, implicaria perdas competitivas paraas empresas criadas e para a indústria como um todo.

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Papel e celulose

As transformações da configuração das indústrias do complexopapel e celulose exigem redefinir produtos e mercados e adequar osuprimento de insumos. Essas transformações exigem, de início, oreforço financeiro das empresas. É preciso fortalecer as empresasdo ponto de vista patrimonial para que elas possam enfrentar aconcorrência internacional. Na medida em que os recursos decrédito são limitados, as empresas líderes das indústria decelulose e papel devem atrair o apoio financeiro de novosacionistas, grupos nacionais de outros setores (inclusivefinanceiro), investidores institucionais estrangeiros (também viasecuritização de exportações, ainda não utilizada no setor), emesmo de grupos estrangeiros do setor (em eventuais associações eparcerias). A integração entre produtores locais, nos moldes daBahia Sul, deve ser considerada com particular atenção.

É necessário, de outro lado, ampliar o potencial financeirodas médias empresas, fator essencial na alavancagem doinvestimento e de processos de atualização tecnológica.Inicialmente, cabe apoiar iniciativas de reestruturação, fusão edemais formas de associação entre empresas que consolidemcapacidades financeiras mais elevadas e que evitem o alijamentodaqueles impactados por sua obsolescência tecnológica. Parasuperar a eventual não integração com a base florestal, pode-seenfatizar ainda o uso da reciclagem.

O maior uso de reciclados é tendência mundial que deverá serepetir no país, não só pela eventual exigência do importadorestrangeiro, mas por propiciar redução de desperdício e do lixosólido, e garantir também menor necessidade de fibra virgem eassim de imobilização de capital. A irregularidade nofornecimento de papel usado torna necessário reordenar a relaçãoentre usuários e fornecedores, inclusive por meio de contratos defornecimento de médio prazo e articulação de associaçõescooperativas de compra, estocagem, venda e processamento.

Diante dos requerimentos da modernização, da busca de maioreficiência energética e dos desafios ambientais, é necessárioestimular a capacitação tecnológica, em particular na áreaindustrial. O setor precisa construir (ou reconstruir) uma infra-estrutura adequada de pesquisa e desenvolvimento, à altura da suaimportância em nível mundial. Propõe-se, portanto, a criação deum centro de pesquisa e desenvolvimento e/ou a recuperação ereforço das instituições existentes, com participação dasempresas e dos fornecedores de bens de capital, que tambémparticipariam na definição de linhas de pesquisa e nogerenciamento do centro, de forma semelhante ao funcionamento nopassado do CTCP/IPT. Dada a escassez de recursos públicos, ocentro deverá funcionar prioritariamente de financiamentosprivados. No entanto, deve-se utilizar os mecanismos detratamento tributário diferenciado disponíveis na atuallegislação, como por exemplo depreciação acelerada, diferimentodos investimentos, entre outros. O esforço tecnológico

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associativo não pode prescindir da indústria fornecedora deequipamentos e serviços.

Em geral, os equipamentos e tecnologias estão disponíveispara as empresas brasileiras em condições similares aoscompetidores internacionais, porém com preços ainda nãocompatíveis. É urgente mapear cuidadosamente as possibilidadesexistentes hoje e no futuro e as alternativas de configuraçãoindustrial e de interação entre produtores de celulose e papel efornecedores de equipamentos ampliar e induzir açõescooperativas.

Agroindústrias - soja, café e suco de laranja

Para as agroindústrias é necessário a implementação de umapolítica agrícola estável que propicie a incorporação de novastecnologia e aumentos de produtividade. Novos mecanismos deplanejamento do plantio devem ser desenvolvidos, visando também oprocesso de substituição gradativa de culturas.

No caso do setor de suco de laranja, por exemplo, é urgenteevitar a expansão da produção no momento de maior depressão domercado internacional. Uma sugestão é a implementação de umredutor de preços progressivo para as laranjas produzidas a maisde 50 km da indústria. Assim, a própria indústria estabeleceriauma seleção, afastando os produtores marginais.

O âmbito para delinear estratégias de administração econtrole da produção seria um forum que agrupasse as entidadesrepresentativas dos produtores agrícolas e da indústria compropostas de tipo associativo tal como o Florida CitrusCommission, que coordena as estratégias de produção e de vendasde seus associados. A implementação de estratégias cooperativaspermitiria organizar oferta de matéria-prima de forma que acompetitividade nacional não seja prejudicada, tal como acontece,por exemplo, no caso do café e do cacau. Adicionalmente, estaação evitaria que as estratégias dos produtores e da indústria setornem assimétricas, uma vez que as empresas de grande portetendem a se verticalizar ou a formar mercados cativos com osgrandes produtores, enquanto os produtores pequenos começam aarrendar suas terras para o plantio de outros produtos.

Esta medida poderia ser implementada a partir da agilizaçãoe reestruturação da câmara setorial, incorporando representaçãodos produtores agrícolas. Uma atividade inicial é a formação deuma comissão de especialistas do governo, empresas e produtores,para a elaboração de um documento anual sobre as tendênciaseconômicas no setor. Este documento permitiria que os produtoresestimassem seus rendimentos futuros e, portanto, suas estratégiasde plantio, em função das projeções de preços e de consumo.

Para contornar a falta de recursos para a pesquisa agrícolacabe buscar a unificação de centros de pesquisa, a exemplo dareestruturação recentemente promovida no Centro de Citricultura

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Sylvio Moreira, na região de Limeira (SP), a partir da absorçãoda Seção de Citricultura do Instituto Agronômico de Campinas.

O setor privado vem desempenhando atividades de pesquisa porconta própria, mas uma atividade de prospecção tecnológicasistemática, a criação de redes de tecnologia e informação, aviabilização de associações entre empresas, ou mesmo atividadesde extensionismo tecnológico junto às cooperativas e empresasregionais, são as recomendações básicas para a constituição de umnovo sistema institucional de pesquisa pública.

Especificamente para a indústria cafeeira é importante oapoio público para viabilizar culturas alternativas nas regiõesonde não podem ser obtidos produtos de qualidade. No cerrado esul mineiro e o mogiano paulista, onde os grãos estão entre osmelhores do mundo, devem ser utilizados os recursos do Fundo deDefesa da Economia Cafeeira (Funcafé) vinculados a programas deracionalização e revigoramento da lavoura, visando à qualidade,com apoio das instituições técnicas e governos locais. Aspesquisas para o aumento da produtividade do café robusta atravésda maior utilização de lavouras clonais, desenvolvidas comsucesso no Espírito Santo, devem ter continuidade e seusresultados repassados a regiões produtoras na Bahia e Rondônia.

. Incrementar presença internacional

A maior presença internacional dos setores com capacidadecompetitiva requer a realização de investimentos diretos noexterior pelas empresas brasileiras. Deve-se estimular a formaçãode joint-ventures com empresas dos países importadores ou outrasem situação geográfica mais favorável, em particular visando amaior penetração nos mercados asiáticos, os mais dinâmicos naatualidade. A exemplo do que iniciou a ser feito pelosexportadores de suco de laranja, a construção de terminais decarga nos portos de destino, entre outras iniciativas, deve serbuscada como forma de incrementar a competitividade diante daglobalização do mercado internacional.

No complexo agroindustrial, estratégias de atuação conjuntados países do Mercosul em relação a terceiros mercados poderiamfavorecer políticas que enfatizassem a qualidade do produto,ganhos de produtividade com a modernização tecnológica de setoresagroindustriais e a formação de joint-ventures entre empresas.

Por sua vez, é importante incentivar a internacionalizaçãoda Petrobrás dentro do quadro da América Latina e,particularmente, no Mercosul. Embora existam limitações àcapacidade de expansão externa da empresa, decorrentes da maiorordem de grandeza dos recursos requeridos para tal, a expansãopara essa região é, certamente, mais viável por apoiar-se emclaras economias de integração. Acordos como os celebrados entreo Brasil e a Bolívia, para a construção de um gasoduto, sãoindicadores desse potencial. Na esteira desse acordo, a Petrobrás

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pode, inclusive, ampliar seu interesse na exploração e produçãona Bolívia e Norte da Argentina.

. Desbloquear infra-estruturas

Fatores sistêmicos relacionados à infra-estrutura física detransportes e energia são cruciais para a competitividade dossetores analisados. Para as commodities, é urgente a implantaçãode uma logística capaz de compatibilizar os distintos fluxosmateriais e de informações sobre produção, estoques e movimentode produtos, eliminado os tempos mortos e garantindo aconfiabilidade de prazos e condições de entrega.

Para as grandes cadeias agroindustrais, que enfrentam odesafio do deslocamento para o Centro-Oeste, é necessárioimplementar a proposta do Programa de Racionalização doTransporte de Cargas Agrícolas. Este programa, além darecuperação e expansão da malha e estrutura portuária existente,propõe um sistema intermodal que inverte os pesos relativos derodovias e ferrovias.

O setor de minério de ferro, assim como algumas empresasprodutoras de celulose e papel, montaram e operam infra-estruturas próprias, assegurando sua competitividade a despeitodas fragilidades do país nessa área. Com a implementação da novalegislação portuária, será possível reduzir a ociosidade dosterminais próprios, através da operação de cargas de terceiros. Aregulamentação dos procedimentos na troca de energia excedente éimportante para aumentar a autogeração de energia, especialmentedos produtores de celulose e papel, através da utilização daenergia gerada no processo e do aproveitamento de recursoshídricos e florestais próximos às fábricas.

A falta de investimentos em geração e distribuição podetrazer problemas de suprimento de energia, ameaçandoespecialmente a competitividade do setor de alumínio. Propõe-separa este caso específico monitorar a viabilidade de associar osistema de tarifação à evolução do preço internacional doalumínio. Essa iniciativa é comum em outros países e a avaliaçãode sua efetividade para o caso brasileiro pode indicar ou não apertinência de sua adoção. Também é recomendável estimularprojetos de auto-geração e o aumento da cooperação entreprodutores de alumínio e concessionárias de energia.

Para os setores com capacidade competitiva, propõe-se amanutenção de tarifas baixas como principal forma de promoção daconcorrência no mercado interno brasileiro.

Ações Prioritárias - Concorrência

. Permitir a conglomeração, regular condutas dos oligopólios egarantir a concorrência no mercado interno

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Em alguns casos, é interessante a diferenciação de alíquotasna estrutura tarifária, favorecendo produtos com maior conteúdotecnológico e valor agregado. Um instrumento de estímulo àmudança no mix de produção dos setores de insumos metálicos, porexemplo, pode ser a concessão de alíquotas mais elevadas aosprodutos mais nobres.

No âmbito do Mercosul, é necessário harmonizar as condiçõesde competitividade, tanto em termos de tarifas quanto detributos, prevendo-se a aplicação de medidas compensatórias queprotejam os países contra oscilações bruscas do câmbio.

Para alguns produtos siderúrgicos a estrutura tarifáriaargentina é contrária à brasileira. Enquanto no Brasil produtosmais nobres já contam com tarifas mais elevadas, na Argentina amaior proteção está nos produtos semi-acabados. Como se postulaque a proteção tarifária deva incentivar a estratégia deenobrecimento de produtos, a unificação tarifária do Mercosuldeve ser negociada de forma a não comprometer esse esforço demodernização da indústria brasileira.

Especificamente para as cadeias agroindustriais, a frequenteconcessão de subsídios que distorcem as condições de concorrênciano comércio mundial justifica a opção por uma tarifa externacomum no nível máximo permitido pelo GATT. Uma tarifa quecompensasse subsídios permitiria ao Brasil aproveitar acompetitividade dos produtos agrícolas argentinos e contribuiriatambém para acordos em outras áreas. Existe receio de ocorreremconcessões excessivas em relação ao setor agroindustrial comoforma de compensar outros desequilíbrios entre os países daregião.

Na química básica, deve ser buscada uma equalização napolítica de preços das matérias-primas (nafta e gás natural)entre os países do Mercosul, para evitar a concorrência em basesinadequadas. Ademais, seria recomendável que, após a queda dastarifas, fosse definido um acordo de restrição voluntária, com ointuito de proporcionar maior suavidade ao processo de transição,particularmente para os produtos cujo mercado internacionalesteja conturbado por excesso de oferta e guerra de preços. Até olimite dessas cotas a alíquota seria nula.

A maior abertura do mercado brasileiro precisa ser combinadacom maior eficiência na sua defesa contra práticas desleais,recorrendo-se a todos os mecanismos disponíveis no contexto doGATT, automatizando o uso da cláusula de salvaguardas, adeclaração de regime de origem e medidas contra o dumping econsolidando a Lei de Comércio nacional. O grau de proteçãodestes instrumentos depende basicamente da tradição institucionaldos órgãos encarregados de gerenciá-lo, da capacidade de pressãodos grupos que demandam proteção, da orientação geral da políticacomercial dos governos e da existência de contenciosos bilateraisnas relações comerciais. Para tal, o Departamento Técnico deTarifas do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo necessitaser fortalecido.

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É também urgente a revisão do sistema tributário nacional,visando desonerar exportações - eliminando impostos em cascata eICMS da exportação de produtos primários e semi-elaborados - e,principalmente, alcançar a isonomia tributária entre produçãodoméstica e importações, assim como buscar reduzir asdisparidades do trato tributário entre atividades e regiões dopaís.

. Adequar o modelo de atuação do Estado

A privatização aumentou o grau de centralização do capitalno setor siderúrgico. Para evitar possíveis efeitos negativosdesse movimento, como a prática de preços abusivos ou controle dadistribuição, sobretudo nos produtos de baixo valor agregado, hánecessidade de adequação do aparelho de Estado para a defesa daconcorrência. Cabe ao Estado facilitar a concorrência externa,mantendo a liberalização das importações, e aplicar a legislaçãoanti-truste quando necessário.

No setor petróleo, a política de preços públicos é oprincipal instrumento de atuação do Estado sobre o desempenhoeconômico-financeiro da Petrobrás. O estabelecimento de tarifasreais para os derivados, baseadas no preço de importação dopetróleo, é um ponto central para uma política tarifáriaadequada. O estudo do setor indicou que a aplicação estrita desteprincípio permitiria aumentar em 30% o faturamento da Petrobrás,viabilizando o plano de investimento da empresa. No âmbito de umContrato de Gestão, a nova política teria como contrapartida aobtenção de metas de produtividade e redução de custos pelaPetrobrás.

Os benefícios e riscos existentes nos diferentes modelos deregulação da indústria em debate (manutenção ou quebra parcial oucompleta do monopólio, privatização, desmembramento, etc.) devemser motivo de constantes avaliações e de ação reguladora doEstado.

Na hipótese de quebra do monopólio, essa deve ser promovidamediante uma política de flexibilização progressiva. Essaflexibilização deveria se iniciar pelas atividades de risco nosegmento exploração e desenvolvimento, e pela permissão para aformação de joint-ventures, mantendo a Petrobrás o exercício dafunção reguladora. Na medida que a capacidade reguladora doEstado fosse se consolidando, a flexibilização poderia serestendida a outros segmentos.

Independentemente do encaminhamento a ser dado à questão domonopólio, é necessário conferir maior autonomia empresarial paraa Petrobrás através da implantação efetiva do contrato de gestão.Tal contrato poderia, inclusive, regular o engajamentointernacional da empresa sem comprometer o abastecimento domercado interno.

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O aperfeiçoamento do aparato estatal, dotando-o de estruturatécnica-regulatória adequadam, é fundamental para assegurar aimplementação das orientações da política para a atividade.

A estrutura verticalizada atual da indústria do petróleodeve ser mantida. Com relação à atuação a jusante, deve-seprocurar manter níveis de integração patrimonial refino-petroquímica que colaborem para o estabelecimento de uma políticade preços para a nafta e gás natural favorável à competitividadeda petroquímica e da produção de fertilizantes. Caso aprivatização da petroquímica promova a retirada da Petrobrás dosetor, sugere-se a negociação entre empresas, trabalhadores egoverno, no âmbito de um forum tripartite, de um acordo de preçosde nafta e gás natural que garanta a estabilidade das relaçõesentre o setor petróleo e a química básica, na tentativa deminimizar os conflitos já existentes.

Na indústria petroquímica, é importante reduzir aparticipação estatal no controle das empresas, na regulamentaçãoda indústria e no financiamento de novos investimentos. Noentanto, o programa de privatização na petroquímica deve levar emconta a necessidade de reestruturação dessa indústria com oobjetivo de proporcionar graus de concentração e integraçãoprodutivas compatíveis com padrões internacionais decompetitividade.

Para o complexo papel/celulose é importante oestabelecimento de uma política florestal abrangente, consistentecom os planos de investimentos do setor de celulose e de outrossetores usuários. É preciso preservar as áreas com coberturaflorestal nativa remanescentes e desvincular definitivamenteestas áreas da atividade de exploração para produção. Caberealizar o planejamento da ocupação e de zoneamento econômico-ecológico do espaço, que defina, de forma coordenada com asdiretrizes de reforma agrária, áreas propícias à agricultura,pecuária e silvicultura, onde poderiam ser definidos distritosflorestais. Para as áreas aptas à formação de florestas deprodutores integrados e independentes são necessários mecanismosde fomento florestal (crédito e seguro) e apoio dos setoresindustriais consumidores para reduzir a imobilização do capitalda indústria em terras. Faz-se necessário construir umainstitucionalidade adequada, no que diz respeito à regulação e àfiscalização destas atividades, em particular, dosreflorestamentos com fins produtivos.

A utilização de tecnologias de controle ambiental éheterogênea entre as empresas, até mesmo em função do grauigualmente heterogêneo de exigência dos órgãos de controle emcada unidade da federação. Maior definição e uniformidaderegional da legislação teriam efeitos positivos para o equilíbriodas condições de concorrência entre empresas. Também devem serimplementados novos instrumentos de política que não só coibampráticas agressivas ao meio ambiente mas também induzam opoluidor a considerar como um custo a emissão de poluentes. Ao

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mesmo tempo, face às tendências de crescimento da demanda porcrédito para investimentos antipoluição, abre-se um espaçoimportante para que as agências públicas promovam odesenvolvimento de fornecedores locais de tecnologias e serviçosambientais.

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4. SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS

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SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Agroindustrial abate; laticínios

Complexo Químico fertilizantes

Complexo Metal-Mecânico automobilística; autopeças

Complexo Eletrônico bens eletrônicos de consumo

Complexo Têxtil têxtil; vestuário; calçados de couro

Complexo Materiais de Construção cimento; cerâmicas de revestimento; plásticos para construção civil

Complexo Papel e Celulose gráfica

Extra-Complexo móveis de madeira------------------------------------------------------------------------------------------------------------

DIAGNÓSTICO

Foram considerados setores com deficiências competitivasaqueles que têm a maior parte da produção originada de empresaspouco competitivas. Esses setores são responsáveis pela maiorparte da produção e do emprego industrial no país e são, em suamaioria, voltados para o consumo pessoal.

Uma constatação importante proporcionada pelos diagnósticossetoriais realizados é a de que em quase todos esses setores hánúcleos de empresas líderes dotadas de significativa capacitaçãoprodutiva e gerencial, embora a existência de empresas comcapacitação tecnológica para inovação seja menos frequente. Issorevela o fato de que, de modo geral, as deficiências competitivasdesses setores decorrem menos da impossibilidade de superarfragilidades estruturais ou sistêmicas da ecomomia brasileira emais da heterogeneidade de competências empresariais acumuladasentre segmentos de uma mesma indústria e entre empresas de ummesmo segmento.

Empresas líderes nos setores de abate, têxtil, calçados decouro, cerâmicas de revestimento, plásticos para construção eautopeças, por exemplo, apresentam desempenho equivalente àsempresas de maior competitividade internacional e conseguemcombinar vigorosa expansão no mercado interno e externo. A maiorparte da produção destes setores, no entanto, provém de empresas

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pouco capacitadas, que utilizam equipamentos obsoletos,desconhecem práticas gerenciais modernas e não valorizamconceitos de qualidade. Também em setores como laticínios,vestuário, gráfica e mobiliário, prevalece a produção em empresascom deficiências competitivas e é pouco significativa aparticipação no mercado internacional de suas empresas líderes.

O pequeno porte da maioria das empresas desses setoresdificulta o investimento e a adoção de estratégias competitivas ede busca de mercados mais dinâmicos frente à estagnação domercado interno, agravada pelo aumento na desigualdade dadistribuição de renda. O acirramento da concorrência nestemercado e a virtual ausência de redes horizontais ou verticaisque confiram a pequenas empresas melhores condições para superarconjunturas desfavoráveis têm impedido a difusão de práticascompetitivas das empresas de maior capacitação para as demais elevado ao recurso crescente a estratégias não-competitivas desobrevivência. Tem aumentado nesses setores a informalização, asonegação fiscal e a degradação das condições de trabalho e daqualidade dos produtos.

A heterogeneidade competitiva é menor na produção de bens deconsumo duráveis - bens eletrônicos de consumo e automobilística-, seja pela maior intensidade de capital característica destessetores, seja pela presença quase que exclusiva de filiais degrandes empresas multinacionais na indústria local. O nível decapacitação e desempenho destas empresas no país, a despeito deterem apresentado grande evolução positiva nos últimos anos, estáainda aquém da best practice internacional. Especialmente nosegmento de televisores, a profundidade do ajuste recente podeconduzir à capacitação competitiva, embora atualmente ainda sedistancie dos patamares atingidos pela indústria do sudesteasiático.

Também no setor produtor de cimento existe certahomogeneidade. Apesar deste setor possuir capacitação competitivaem tecnologias de processo, foi incluído entre os setores comdeficiências por apresentar preços superiores aos praticadosinternacionalmente, defasagens em termos de tecnologia de produtoe um relacionamento na cadeia produtiva incompatível com aspráticas industriais contemporâneas.

Quanto ao setor de fertilizantes, diversos fatorescontribuem para a existência de deficiências competitivas empraticamente todas as suas empresas. Dentre estes, destacam-se ocusto elevado ou a baixa disponibilidade das matérias-primas; aestagnação da demanda, que implica elevados níveis de ociosidadee desestímulo aos investimentos em melhorias de processos eprodutos; a pulverização excessiva da produção, em particular nosegmento de formulação; e o posicionamento estratégico dasempresas inadequado diante do acirramento da competição no mundoe no Brasil.

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Mercado

Dado o tamanho do mercado interno brasileiro, uma dasprincipais características da maior parte da indústria nacional éo direcionamento para o mercado doméstico. Mesmo entre asempresas de maior capacitação, boa parte tende a encarar omercado externo apenas como alternativa de escoamento da produçãoem fases de maior retração da demanda interna. Com oprolongamento da recessão na década passada, este comportamentofoi parcialmente alterado, mas ainda existe pouco contato commercados internacionais, em geral mais exigentes, mesmo nasempresas líderes de indústrias como a do vestuário ou moveleira.

O baixo poder aquisitivo da população leva a que, paragrande parte dos consumidores brasileiros, o preço seja oatributo mais relevante do produto, priorizado mesmo emdetrimento da qualidade. Como conseqüência, não só as empresaslíderes tendem a se concentrar em linhas de produtos maisbanalizados e de menor valor agregado, estabelecendo parâmetrosde competição relativamente modestos, como abre-se espaço paraempresas com níveis competitivos muito baixos, principalmente emtermos de conformidade a especificações, adequação ao cliente,confiabilidade, durabilidade e desempenho.

O tamanho do mercado interno brasileiro proporciona escalasadequadas para a maioria dos setores com deficiênciascompetitivas, embora o nível de ociosidade de equipamentos (75%de utilização, em média, nas empresas desses setores pesquisadas)prejudique a eficiência técnica e o desempenho econômico degrande parte das empresas. Os setores de bens de consumoduráveis, entretanto, enfrentam efetivamente problemas deinsuficiência de escala, principalmente em decorrência dosaspectos perversos da distribuição de renda, que restringemassimetricamente o consumo de produtos de maior valor unitário emaior conteúdo tecnológico. A ausência de instrumentos adequadosde financiamento ao consumidor agrava esta situação, reduzindoainda mais o mercado de bens duráveis.

O caso das indústrias automobilística (e autopeças) e debens eletrônicos de consumo merece destaque. Na década de 70 osníveis de produção e do consumo interno no Brasil eram elevados emuito superiores aos de países do sudeste asiático, como aCoréia. Atualmente, com a estagnação dos anos oitenta e aincapacidade destas indústrias de se lançarem firmemente nomercado externo, a situação se inverteu. Apenas recentemente, coma retomada de 1993 e o estímulo ao "carro popular" pela renúnciafiscal, a produção de automóveis recuperou os níveis do início dadécada passada, superando a marca de um milhão de unidades. Onúmero de veículos produzidos por modelo no Brasil não alcança asescalas mínimas apontadas em estudos internacionais (cerca de 200mil por modelo), com o agravante, no caso nacional, das plantas

. Dimensões do mercado interno

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apresentarem menor flexibilidade produtiva, requerendo, portanto,volumes ainda maiores de produção.

Em bens eletrônicos de consumo, a abertura acelerada daeconomia mostrou a ausência de condições de competição frente aosbens produzidos para uma escala mundial a partir do sudesteasiático, processo que recaiu principalmente em produtos high-ende aparelhos portáteis, penalizando particularmente a indústrialocal de áudio. O ajuste produtivo recente incluiu uma reduçãosubstancial do número de modelos fabricados, objetivando asempresas, através da maior padronização da produção, auferirmaiores rendimentos de escala. O aumento da importância daqualidade e preços no padrão atual de concorrência elevou aintensidade de capital da indústria (exigindo equipamentos deinserção automatizada, robôs, máquinas de solda com controlesprogramáveis, testadores automáticos de placas, etc.), tornandoas dimensões do mercado, associadas à forma de estruturação daindústria e seu grau de concentração, em condicionantes decisivospara a apropriação de economias de escala e, portanto, para acompetitividade da indústria. No caso de televisores coloridos,de 1986 a 1992 o consumo interno ficou estacionado em cerca de 2milhões de unidades ao ano (ocorrendo forte expansão em 1993),quando todas as avaliações apontam para um potencial de mercadono Brasil entre 4 e 5 milhões de televisores.

Em ambos os setores as economias de escala são importantes,na medida em que viabilizam a automação dos processos produtivose permitem significativas reduções de custos. Não deve também serdesconsiderado o poder de alavancagem destas indústrias sobreseus fornecedores, tendo em vista o peso do segmento de autopeçasna estrutura produtiva brasileira - e, principalmente, na geraçãode empregos industriais -, assim como a fragilidade da produçãonacional de componentes eletrônicos.

A indústria da construção civil, e, conseqüentemente, todo ocomplexo de materiais de construção, foi especialmente afetadapela crise, somando-se à recessão os problemas associados aofinanciamento de longo prazo e a deterioração dos programashabitacionais públicos. A ociosidade em alguns setoresindustriais da produção de materiais e componentes chegou a 50%da capacidade instalada e importantes centros da rede estatal depesquisa e desenvolvimento para a área de construção civil foramdesativados ou passaram por um processo de esvaziamento. Ainstabilidade da demanda não favoreceu a realização de programasde longo prazo visando melhoria da capacitação em produtos ouprocessos. Praticamente todos os setores do complexo ressentem-seda perda de poder aquisitivo do mercado brasileiro, que tornapouco atrativo o lançamento de produtos que acompanhem mais deperto as tendências internacionais, ao mesmo tempo que estimula aprodução em não-conformidade por parte das empresas não-líderes.

. Dinamismo

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A falta de dinamismo e instabilidade, entretanto, afetanegativamente o investimento de todos os setores voltados para omercado interno. Existe nestes setores clara correlação entre aidade dos equipamentos e o último surto de crescimento da rendainterna, podendo-se citar a indústria têxtil como um dos casosmais evidentes.

A redução do poder aquisitivo da população brasileira temlevado ao distanciamento das estratégias adotadas pelas empresasno país em relação às líderes internacionais. As indústrias docomplexo têxtil exemplificam esta situação. A saturação doconsumo nos países desenvolvidos e a "invasão" de produtostêxteis provenientes de países em desenvolvimento têm deslocado aconcorrência cada vez mais para fatores "não-preço". As empresasque conquistam maiores fatias do mercado são as que conseguemflexibilidade para adaptar-se às alterações do mercado,introduzindo constantemente produtos que incorporam intensamenteestilo, moda e design.

No Brasil, o mercado interno não estimulou a adoção deestratégias condizentes com as tendências internacionais. Aheterogeneidade prevalece nas indústrias do complexo, mas agrande maioria das empresas, além de operar equipamentosobsoletos, carece de capacitação para a produção de artigos deboa qualidade e atualização frequente em termos de design.

A diversidade de capacitações e desempenhos nas indústriastêxtil e de vestuário pode ser percebida através dos seguintesdados: em 1989, somente 456 empresas exportaram produtos têxteispara os EUA e a CEE, principais mercados do Brasil; as vintemaiores exportadoras foram responsáveis por 60% do totalexportado, e algumas destas empresas até mesmo avançaram noprocesso de internacionalização, estabelecendo filiais e joint-ventures no exterior.

No conjunto, entretanto, a indústria de vestuário brasileiraapresenta sérias limitações em seus níveis de qualidade eprodutividade. Tendo sua produção quase que totalmente voltadapara o mercado interno (em 1990 as exportações representarammenos de 2% da produção), sofre acentuadamente as conseqüênciasda estagnação dos níveis de consumo da economia nacional. Por nãose tratar de uma indústria intensiva em capital, sua principaldeficiência não se encontra nos equipamentos, mas na grandecarência de métodos gerenciais modernos, que permitam não somenteo aumento da flexibilidade produtiva e atualização de produtoscomo também a redução de custos (e preços), via diminuição dedesperdícios, aumento da qualidade e eliminação do excesso deestoques.

A indústria de calçados, apesar de sofrer, como as demais docomplexo, com a retração do consumo interno, baseou seudesempenho em duas estratégias bem definidas: aumentouexportações e procurou redirecionar as vendas internas para itensde baixo valor unitário. As exportações, que em 1970 somaram

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apenas US$ 8 milhões, atingiram cerca de US$ 1,5 bilhões em 1992.No início da década de 80, as vendas externas respondiam porcerca de 10% da produção total, passando a representar no iníciodos anos noventa cerca de 30%. A mudança na pauta da produçãodestinada ao mercado interno levou à queda da participação decalçados de couro de cerca de 37% em 1974 para 21% em 1990 e aoaumento da participação dos produtos de borracha e matériaplástica, de 40% para 55%, no mesmo período.

. Nível tecnológico dos produtos

Apesar do dinamismo no mercado externo e do aumento no preçomédio dos calçados exportados, indicando o upgrading da pauta,são raras as empresas que vendem com marca própria. Os modelos,assim como os preços, são definidos pelo importador de calçadosbrasileiros, caracterizando um padrão subordinado de inserção nomercado externo. Esta limitação coloca o desafio de resistência àpressão da concorrência de países com menores custos de mão-de-obra, como a China. O segmento de calçados atléticos e dematerial sintético, de maior dinamismo no consumo dos paísesdesenvolvidos e que também vem sendo rapidamente incorporado nopadrão de consumo nacional, apresenta dificuldades para asempresas brasileiras. Especialmente nos calçados atléticos dealta performance, estas dificuldades concentram-se na falta decapacitação em design e desenvolvimento e pesquisa de novosconceitos.

O pequeno desenvolvimento do design no país é também um dosfatores que explicam o desempenho pouco expressivo (embora emexpansão) do setor moveleiro brasileiro no comérciointernacional. Possuindo matéria-prima em abundância edisponibilidade de mão-de-obra, o setor não foi estimulado pelomercado interno a capacitar-se no desenvolvimento de produtos,fator básico do sucesso das empresas dos países líderes nocomércio internacional, como Itália e Alemanha.

Outras indústrias defrontam-se com níveis diferenciados deexigência dos consumidores e adaptam-se à composição da demanda.Na indústria do cimento, a queda nas obras públicas eempreendimentos imobiliários fez com que a participação dosrevendedores no consumo total de cimento alcançasse 77,6% em1991, ficando as usinas de concreto com 8,7%, empreiteiras com4,3% e órgãos públicos e prefeituras com pouco mais de 1% dototal. Na medida em que o pequeno consumidor apresenta baixaexigência de qualidade e pouco pressiona pela redução de preços,a indústria volta-se a esse consumidor em detrimento dosconsumidores industriais (construção civil, pré-fabricados,artefatos de cimento, cimento amianto), adaptando-se às condiçõesdesfavoráveis à competitividade.

O exemplo mais difundido do distanciamento entre os produtosfabricados no Brasil e a pauta internacional se refere àindústria automobilística. Os produtos locais apresentam idademédia de projetos muito elevada em relação a outros países, o que

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se traduz não apenas em produtos defasados para os consumidorescomo também em preços mais elevados. A defasagem no desenho dosveículos dificulta a introdução das novas técnicas de processo deprodução, que possibilitam grandes saltos de produtividade equalidade.

Recentemente, entretanto, com a perspectiva da aberturacomercial e as negociações ocorridas na Câmara Setorial, observa-se a reestruturação das linhas de produção: até 1995, asmontadoras estarão alterando seus modelos, através da introduçãode novos modelos ou de novos desenhos para veículos já produzidosinternamente. Com isto, a idade média dos projetos de veículos noBrasil deverá reduzir-se de três para duas vezes a média mundial.

Por outro lado, a possibilidade de incrementarsignificativamente a produtividade na indústria montadora dependeda instalação de novas plantas, o que somente ocorrerá se houverconfiança de que o atual crescimento do mercado interno éduradouro. A alternativa do mercado externo é restrita, na medidaem que são grandes as barreiras ao comércio internacional. Pelasua relevância econômica e no emprego industrial e capacidade degerar desequilíbrios comerciais entre nações, quase todos ospaíses desenvolvem políticas de comércio exterior específicaspara o setor automotivo: acordos de restrição voluntária,barreiras estruturais, cotas quantitativas ou regras de origem,além de elevada tributação às importações.

O estágio de capacitação de cada segmento do setor deautopeças é distinto, mas nota-se que o esforço recente deaumento de competitividade vem surtindo efeito. Não só ofaturamento do setor vem crescendo bem mais que o das montadoras,como seu coeficiente de exportação, inferior a 6% em 1980, em1991 já atingia 13,5%.

Na indústria automobilística e em alguns segmentos deautopeças, a tecnologia de produto é fundamental. As empresasbrasileiras, ao investirem pouco em atividades tecnológicas,restringem seu poder competitivo. As empresas estrangeirasbeneficiam-se do esforço tecnológico desenvolvido por suasmatrizes, e são poucas as empresas nacionais do setor deautopeças que consideram a estratégia tecnológica como essencialpara a competitividade. Há entretanto possibilidades deaumentarem as restrições ao acesso à tecnologia externa, emfunção da ampliação do global sourcing, da abertura do mercadointerno e do acirramento da concorrência internacional. Nestascondições é possível que a indústria brasileira encontredificuldades para realizar a reestruturação do seu segmentoautomotivo, visando reduzir a defasagem atual.

A especialização das montadoras exclusivamente em carros"populares" pode limitar o desenvolvimento tecnológico, levandotambém as autopeças a se restringirem a produtos de menorconteúdo tecnológico, importando aqueles mais estratégicos. Estapossibilidade corresponde não só à perda de postos de trabalho,

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mas à perda daqueles que exigem maior qualificação e, portanto,de maior remuneração. É importante a adequação da produção dasmontadoras ao perfil da demanda interna; no entanto, a manutençãona pauta da indústria de produtos mais atualizados e com maiorconteúdo tecnológico beneficia, através do aprendizado e dacapacitação das empresas, o conjunto de linhas produzidas.

A maioria das empresas de cadeias agroindustriais no paísdireciona-se unicamente para o mercado interno. O reduzido poderde compra dos consumidores leva à aceitação de produtos de baixaqualidade, em alguns casos até mesmo impróprios para o consumo.De outro lado, a heterogeneidade presente na agropecuáriabrasileira favorece a diversidade competitiva, através da ofertade matérias-primas para a indústria com grande diferenciação dequalidade. Assim, mesmo em setores em que algumas empresasconseguem conjugar eficazmente exportações e vendas internasobtendo altos níveis de competitividade, prevalecem deficiênciasde capacitação na maior parte da produção setorial.

A indústria brasileira de abate, por exemplo, apresentagrande disparidade competitiva, embora o país tenha posição dedestaque no mercado internacional, através de empresasextremamente competitivas. Três empresas são responsáveis pormais de 70% das exportações de aves e têm evoluídoconsistentemente para a maior agregação de valor na sua pauta deprodução, tanto para o mercado interno como externo. Para oconjunto do setor, em relação aos países do Mercosul, o Brasilperde em custos na área bovina, mostra condições equivalentes emrelação a suínos e apresenta nítida vantagem em aves. No entanto,é crescente o abate clandestino e sem condições adequadas dehigiene no país e persiste a ameaça da febre aftosa.

A diversificação e defasagem sazonal em relação aohemisfério norte da agricultura brasileira poderia constituirimportante vantagem competitiva para a indústria local defertilizantes. A diversidade de utilização de práticas agrícolasmodernas e o baixo nível de exigências, entretanto, reduzem opotencial indutor deste mercado. Agrava esta situação ainstabilidade das políticas agrícolas no país, uma vez quesubsídios e financiamentos à agricultura estão entre osprincipais determinantes da expansão ou retração do mercado defertilizantes. Enquanto para o conjunto dos países emdesenvolvimento o consumo de fertilizantes vem se expandindoacentuadamente, no Brasil mantém-se praticamente estagnado desde1977 em cerca de 3,2 milhões de toneladas de nutrientes.

Embora a capacidade de produção de fertilizantes em 1990tenha sido 45% superior à de 1977 (correspondendo a 59% doconsumo aparente nacional), pode-se prever, para os próximosanos, aumento do saldo comercial negativo, basicamente na área depotássio. De modo geral, a produção de fertilizantes no Brasilapresenta lacunas de capacitação e os esforços de modernizaçãorealizados pelo setor têm sido de pouca expressão.

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Configuração da Indústria

A análise das configurações industriais dos setores comdeficiências competitivas permite identificar situações distintasem termos do porte empresarial, níveis de integração produtiva eefetividade da formas de organização da produção em otimizar ascapacitações produtivas e tecnológicas nas cadeias industriais.

. Presença significativa de empresas de padrão internacional

Nos setores de abate, laticínios, produtos fundidos eforjados de autopeças e cerâmicas de revestimento, as empresaslíderes brasileiras apresentam níveis de excelência comparáveisaos dos grandes grupos internacionais.

Abate

O setor de abate e preparação de carnes é dominado porempresas privadas nacionais com faturamento acima de US$ 1bilhão, que alcançam elevados níveis de produtividade e têm tidoo mesmo acesso à tecnologia de processo e aos "pacotes genéticos"das empresas líderes mundiais. Mesmos nas áreas em que asperspectivas de avanço da fronteira tecnológica são mais fortes -novos híbridos, no caso de suínos, e inseminação artificial etransferência de embriões, na área bovina - as empresasbrasileiras estão bem posicionadas.

O surgimento de empresas de padrão internacional, quecaracteriza esses setores, deve-se em grande parte a iniciativasdas próprias empresas objetivando o desenvolvimento decapacitações produtivas e tecnológicas em todos os elos defornecedores e clientes de seus produtos.

No setor de abate, por exemplo, as empresas líderesiniciaram na área de suínos e depois desenvolveram a aviculturacomo eixo dinâmico. Mais tarde, a diversificação se processouhorizontalmente, incorporando a carne bovina, e verticalmente -tanto para trás, nas rações, como para frente, nosindustrializados - enquanto outras empresas fizeram o caminhoinverso, mais ao estilo americano, diversificando de cereais paracarnes. O nível de concentração é mais alto em aves, seguido porsuínos, com o setor de bovinos permanecendo bastante pulverizado.A estrutura cooperativa, apesar de seu alcance sobretudoregional, é importante na indústria.

A rápida modernização do setor de aves decorreu daconvergência de um conjunto de fatores ligados a difusão de novastecnologias (genética e nutrição) apoiadas na capacitaçãoempresarial e em atividades públicas e privadas de pesquisa eassistência técnica. A entrada simultânea nas exportaçõesaprimorou a eficiência nas áreas de planejamento, logística equalidade. As empresas avícolas têm se mostrado inovadoras tambémnas relações com a agricultura, consolidando e continuamenteatualizando sistemas de contrato no fornecimento de aves e

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suínos. No período mais recente, as empresas líderes demonstraramsua capacidade para negociar formas de cooperação em nívelinternacional, sobretudo na conquista de acesso aos mercadosjaponês e da CEE com a consolidação de joint-ventures.

No entanto, observando o setor de abate em seu conjuntopercebe-se que a configuração industrial fortemente competitivaprevalecente no ramo avícola não se reproduz na indústria depreparação de carnes bovinas. O menor ritmo de modernização dapecuária bovina mostra a falta de integração entre o setorindustrial e o abastecimento de matéria-prima, quando comparadocom aves e suínos, e o grau de autonomia e poder econômico que osetor pecuário ainda mantém. Mostram também a falta de umarevolução tecnológica comparável à hibridização ocorrida na carnebranca.

Entre as tendências mais favoráveis para a manutenção eaumento da capacidade competitiva brasileira na área depreparação de carnes bovinas destacam-se a reestruturação emcurso no setor, com a entrada dos grandes grupos de carnesbrancas e oleaginosos, e a concentração dos capitais das empresaslíderes estabelecidas no setor. Em poucos anos de investimento,empresas originárias do segmento de carnes brancas já são líderesno abate de carne bovina. Estas empresas, com faturamento váriasvezes superior ao dos frigoríficos tradicionais, têm sidoresponsáveis por um posicionamento estratégico mais agressivo dosetor, sobretudo na área de industrializados. Este processo,porém, apenas se inicia e enfrenta graves obstáculos na elevadapulverização do setor: o fato de a empresa líder ser responsávelpor menos de 3% do abate total dificulta a introdução de sistemasde integração como os que prevalecem no setor de carnes brancas.

Laticínios

O setor de laticínios evidencia de forma ainda mais nítidaas deficiências competitivas das cadeias industrias originadas napecuária bovina. A despeito da existência de empresasmultinacionais fortes e de cooperativas dinâmicas, os principaisproblemas competitivos decorrem da ausência de solidariedadeentre indústria e pecuária, levando ao estabelecimento derelações conflitivas entre os fornecedores de leite in natura e aindústria processadora.

Tanto no abate quanto em laticínios subsiste um amplosegmento que apresenta patamares bastante baixos decompetitividade. Em lácteos, trata-se de médios laticínios eprodutores de queijo, com o setor mais tradicional recorrendo àclandestinidade como forma de superar a aceleração daobsolescência tecnológica. No abate bovino é grande o peso dosetor informal de abate clandestino e de abatedouros sem câmarade congelamento, estimado em até 40% do total, e que aumentoumuito nos anos 80, depois da elevação das alíquotas do ICMS.

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Cerâmicas de revestimento

No setor de cerâmica de revestimento há um conjunto deempresas dotadas de elevada capacitação produtiva. Embora aindústria seja constituída por um grande número de pequenas emédias empresas, as empresas líderes são de grande porte, uma vezque oito empresas brasileiras figuram entre as 50 maioresempresas do mundo em capacidade de produção.

Dentre os setores do complexo de materiais de construção,esse é, certamente, o que se encontra melhor estruturado para acompetitividade. O setor vem conseguindo nos últimos anos umsignificativo aumento da competitividade de seus produtos nomercado internacional através de um processo de modernizaçãobaseado na busca do atendimento às normas internacionais(inclusive normas ISO 9000) e a criação de um centro tecnológicode caráter nacional. Essa última iniciativa, realizada emparceria com várias instituições de pesquisa, volta-se para apromoção de pesquisa cooperativa e certificação de produtos. Osmaiores problemas que o setor enfrenta referem-se à qualidade damatéria-prima, uma vez que a atividade mineradora é muitoineficiente no Brasil, e à baixa disponibilidade de gás natural(com grande variedade de fontes energéticas utilizadas pelasempresas).

. Heterogeneidade competitiva

Já nos setores têxtil, vestuário, calçados, moveleiro egráfico a heterogeneidade acentuada entre as empresas leva adesempenhos e inserções competitivas muito diferenciados.

Têxtil, vestuário e calçados

Nos setores têxtil e vestuário, apenas as empresas de grandeporte e exportadoras conseguiram reunir as capacitaçõesnecessárias para a competitividade, quando seria importantedesenvolver também as capacidades requeridas num conjunto muitomais amplo de empresas. Semelhante é a estrutura industrial dosetor de calçados. O grupo dominante na indústria é formado porempresas de médio/grande porte, especialmente no setorexportador, sendo grande a dispersão de tamanhos entre asempresas dedicadas ao mercado interno. As empresas do Rio Grandedo Sul, com 1/3 do valor total da produção, são responsáveis poraproximadamente 85% do valor das exportações brasileiras.

Esses setores, estruturalmente caracterizados pela enormefragmentação da estrutura de capital e por grande pulverização daprodução, têm constituído um campo propício para a formação redescooperativas horizontais, como pólos regionais de produção, nosquais se procura compartilhar investimentos competitivos eracionalizar o uso das capacitações existentes. Apesar daexistência de algumas experiências bem sucedidas de constituiçãodesses pólos cooperativos, essas práticas são ainda pouco comuns

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na indústria brasileira, fato que certamente limita o potencialcompetitivo desses setores.

No complexo têxtil, o reduzido grau de integração da cadeiaprodutiva tem se manifestado tanto através de estratégias deverticalização inadequadas como, no contexto atual de aberturacomercial, nos conflitos entre os principais elos da cadeia.Praticamente inexistem processos cooperativos de forma a que osganhos de produtividade derivados da especialização pudessemgarantir melhores condições de competitividade aos participantes.

A principal limitação à ampliação da competitividade docomplexo têxtil brasileiro é a ausência de mecanismos quepromovam maiores capacitações tecnológicas e gerenciais para oconjunto de médias e pequenas empresas, inclusive iniciativasatenuadoras de suas desvantagens de escala, como o acessocooperativado as informações de mercado, equipamentos deautomação microeletrônica (CAD) entre outras.

Esse problema tem se agravado com a intensificação dorecurso à subcontratação de empresas menores nos últimos anos. Asrelações entre as partes geralmente são conflitivas, já que nãosão motivadas por formas evoluídas de gestão, onde ganhos deprodutividade derivados da especialização formam a base darelação contratual. No Brasil, a integração produtiva tem visadoapenas a redução de custos diretos, sem grandes preocupações comqualidade. Freqüentemente é motivada pelas possibilidades decontornar obrigações tributárias e encargos sociais.

Tendo em vista que uma parcela muito pequena das empresas docomplexo têxtil brasileiro possui nível gerencial e tecnológicocomparável com a best-practice internacional, torna-se ainda maisimportante a integração entre os ofertantes de tecnologia e asempresas. Neste sentido, a infra-estrutura tecnológica torna-seum fator-chave na busca de maior competitividade pelas pequenas emédias empresas.

A análise do estágio de atualização tecnológica dosprincipais agentes da infra-estrutura tecnológica prestadora deserviços à indústria têxtil revela heterogeneidade na capacitaçãoda oferta de serviços pelas instituições públicas. De uma formageral, a avaliação indica uma capacitação mediana na prestação deserviços. As razões para essa defasagem estão relacionadas àsrestrições financeiras, que não permitem a modernização dasinstalações e a remuneração dos pesquisadores em níveiscompatíveis com o mercado. Já os laboratórios de prestação deserviços mantidos por empresas multinacionais, produtoras decorantes e de fibras sintéticas e artificiais, podem serconsiderados como bem capacitados. Esses laboratórios dispõem deplantas-piloto de fiação, tecelagem e acabamento de tecidos demodo a desenvolver ensaios para seus clientes.

No âmbito das cadeias produtivas, a indústria de calçadosbrasileira encontra-se em situação vantajosa em relação aos

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demais setores do complexo. Existe junto ao setor um conjunto deatividades de apoio que colocam alguns pólos produtores regionaisem condição privilegiada, mesmo quando se compara com a situaçãoexistente em nível internacional.

O pólo do Vale do Sinos no Rio Grande do Sul, por exemplo, éuma dessas regiões produtoras em que há praticamente todos osrequisitos necessários para a produção de calçados. Nesse póloexiste junto à indústria um conjunto de atividades que fornecemmáquinas, couros, componentes e prestação de serviços, formandoum parque industrial integrado e diversificado. A infra-estruturatecnológica tem se constituído em fator importante nacompetitividade do setor. Esta infra-estrutura é constituída porum conjunto de instituições que prestam assistência emtreinamento de recursos humanos e serviços tecnológicos, comoanálise química e testes físico-mecânicos em materiais, adesivose no calçado. Uma entidade civil sem fins lucrativos, o CentroTecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA), localizado emNovo Hamburgo, e uma rede de escolas mantidas pelo SENAI, entreoutras instituições, permitem ao setor contar com uma infra-estrutura de serviços tecnológicos que, embora ainda nãosuficientemente disseminada em todas as regiões produtoras, temse revelado uma importante fonte de competitividade.

Franca e Birigui, em São Paulo, são pólos tambémtradicionais e em anos recentes Minas Gerais, Santa Catarina ealguns estados do nordeste brasileiro têm-se constituído emlocais importantes na produção de calçados.

Afora o aprendizado e a experiência de produção, acapacitação tecnológica, com a difusão de técnicas CAD e outrasde base microeletrônica, bem como de técnicas organizacionais, decontrole da qualidade e de comercialização são fatoresimportantes para o ingresso no segmento de calçado de qualidade,de moda, design elaborado e modelos variados.

Um dos principais obstáculos à competitividade é a baixaqualidade do couro produzido domesticamente. Há em curso algumasexperiências de parceria entre empresas e curtumes,principalmente através do intercâmbio de pessoal técnico, que têmse mostrado parcialmente eficazes. No entanto, essas formas decooperação não alcançam, ainda, a intensidade e o escopodesejável pois não envolvem ainda todos setores da cadeiaprodutiva (pecuaristas, abatedouros/frigoríficos, curtumes,calçadistas). As deficiências de qualidade do couro originam-senão somente na defasagem tecnológica de muitas empresascurtidoras, principalmente no acabamento mas também nos métodosde criação e no abate do gado.

Móveis

De forma semelhante ao que ocorre no complexo têxtil, nosetor moveleiro predominam pequenas e médias empresas havendopoucas empresas de grande porte. Inclui-se, também, uma

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infinidade de pequenas empresas de caráter tipicamente artesanal.Mesmo entre as empresas líderes há uma disparidade muito grandequanto ao grau de modernização tecnológica. Em geral,equipamentos antigos convivem com equipamentos mais modernos depenúltima e mesmo de última geração, de vez que, tal como ocorrenas indústrias do complexo têxtil, o investimento é divisívelpermitindo que máquinas de diferentes gerações convivam numamesma planta industrial.

No segmento de móveis de madeira retilínios, o menosdefasado, o lay-out da maioria destas fábricas resume-se a linhasde produção seqüenciais e limpas que garantem um fluxo contínuode produção sem desdobramentos laterais e sem a formação deestoques intermediários. Apesar da adequação dos processosprodutivos, a falta de competitividade externa explica-se peloelevado custo de sua matéria-prima básica que é a madeiraaglomerada. Nos demais segmentos (móveis torneados e deescritório) a heterogeneidade tecnológica é bem mais acentuada.

Em geral, a característica básica da organização industrialdo setor é a grande verticalização do processo produtivo. Numamesma unidade fabril convivem inúmeros processos tecnológicos dosquais se obtém uma grande variedade de produtos. Trata-se,portanto, de um modelo industrial radicalmente distinto de paísescomo a Itália. Esta característica deriva, em grande medida, deum mecanismo de defesa das empresas do setor que visam asseguraro fornecimento e a qualidade dos seus produtos.

Apesar de ser uma indústria dispersa por todo o territórionacional, a indústria brasileira de móveis localiza-se,principalmente, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul eSanta Catarina onde estão concentrados 68,5% do valor adicionadototal e 39,8% do emprego total. No estado de São Paulo, aindústria de móveis é extremamente dispersa, espalhando-se pelacapital e pelo interior. Já no Rio Grande do Sul e em SantaCatarina, ela organiza-se em torno de dois pólos industriaismoveleiros: Flores da Cunha e Bento Gonçalves no Rio Grande doSul e São Bento do Sul em Santa Catarina. Este fato confere aosdois estados vantagens comparativas significativas relativamenteàs demais unidades da federação. Estes dois pólos industriais sãoresponsáveis pela maior parte das exportações brasileiras demóveis de madeira.

Os pólos da indústria de móveis já existentes congregam,numa mesma região, uma multiplicidade de empresas que se dedicama produzir o mesmo tipo de mobiliário sem nenhuma divisão detrabalho entre elas. As maiores empresas normalmente sofrem umaconcorrência muito grande de uma multiplicidade de pequenas emicroempresas que lhes copiam o design e trabalham com umaestrutura de custos diferente pois muitas delas pertencem aosetor informal da economia. A cooperação entre elas permitiriapotencializar a competitividade da produção de móveis combenefícios para o setor como um todo.

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A ausência de normas técnicas gerais que regulem asatividades do setor contribuem para esta situação. A existênciade normalização é um elemento chave para permitir oestabelecimento dessa divisão de tarefas. São muito grandes, noentanto, as lacunas da oferta de serviços de tecnologiaindustrial básica para o setor.

. Deficiências competitivas generalizadas

Na maioria dos setores do complexo de materiais deconstrução, fertilizantes, bens eletrônicos de consumo,automobilística e na maior parte do setor de autopeças, asempresas líderes brasileiras não conseguem alcançar níveis decompetitividade comparáveis aos praticados em outros países.Mesmo as filiais de empresas internacionais, que hegemonizam aprodução local em vários desses setores, não repetem no país odesempenho de suas matrizes.

As deficiências competitivas apresentadas por esses setoresno plano de suas configurações industriais têm como principalorigem a baixa integração produtiva ao longo das cadeiasindustriais. Nesses setores, a competitividade dependeintensamente de solidariedade entre fornecedores e produtorespara assegurar os níveis adequados de eficiência e qualidade naprodução e, devido a uma série de fatores detalhados adiante, sãoincipientes as práticas de cooperação vertical na indústriabrasileira.

Bens eletrônicos de consumo

Na indústria de bens eletrônicos de consumo, verifica-se areprodução, no interior das fronteiras nacionais, da estrutura deoferta da indústria internacional: a maior parte das empresaslíderes em nível internacional estão presentes no mercadobrasileiro, seja como subsidiárias integrais, joint-ventures ouatravés do estabelecimento de acordos de transferência detecnologia com empresas nacionais. As posições de liderança sãobem estabelecidas e o setor apresenta um grau de concentraçãoelevado, com as três maiores empresas do setor controlando cercade 50% do mercado interno. Um denominador comum a toda aindústria é a forte dependência frente a fornecedores externos detecnologia.

No entanto, apesar da formação de um parque industrial depeso e fortemente diversificado, capaz de fabricar volumes deprodução expressivos a nível internacional, todos os indicadoresconvergem para a conclusão de que esta indústria saiu da décadade oitenta sem apresentar as condições de competitividadenecessárias para enfrentar a concorrência internacional.

Em resposta às modificações nas condições competitivasvigentes no mercado interno as empresa promoveram um ajusteprodutivo visando fundamentalmente a racionalização e redução decustos a curto prazo, traduzido em:

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- "enxugamento" das linhas de produção tanto pelo abandonode linhas de produtos, principalmente produtos high-end eaparelhos portáteis e diminuição do número de modelos fabricados.

- incremento no conteúdo importado dos produtos fabricados -incremento da relação importações/faturamento das empresas de12,1% em 1989 para 17,3% em 1992 (e 20,6% previsto para 1993) eaumento do conteúdo importado dos principais produtos fabricados- televisão colorida (de 13,5% em 1989 para 35,5% em 1992),videocassete (de 69,8% para 77,4%), sistemas de som (de 16,7%para 36,8%) e toca-discos a laser (de 73,3% para 84,3%);

- introdução de inovações no processo produtivo com ageneralização da utilização de máquinas de inserção automática decomponentes convencionais, introdução de novos equipamentoscomputadorizados. É importante ressaltar, contudo, que osinvestimentos têm caído aceleradamente desde 1991. Neste ano, osinvestimentos das empresas selecionadas atingiram a cifra de US$87 milhões - depois de terem alcançado o valor de US$ 97 milhõesno ano anterior -, declinando para US$ 54 milhões em 1992 e US$49 milhões em 1993 (previsão). Além disso, foi identificada umaforte heterogeneidade nas empresas quanto a seus níveis deautomação do processo produtivo, reflexo, em grande medida, dasdiferenças em suas taxas de investimento.

- terceirização inicialmente das atividades de suporte masenvolvendo de forma crescente etapas do processo produtivo,muitas vezes através de microempresas formadas por ex-funcionários, na maioria dos casos destinadas a comprimir custos.

As repercussões mais visíveis deste ajuste concentraram-seem duas direções. Primeiro, na melhoria efetiva dos indicadoresde qualidade e produtividade das empresas: as três maioresempresas produtoras de televisores coloridos acusaram umincremento de produtividade médio (horas-homem/produto, na fasede montagem) de 2,5 para 1, entre 1989 e 1992; estas mesmasempresas atingiram um declínio de falhas em campo de 17,8% para8,1% nesse período. Segundo, na redução expressiva dos preçosindustriais - 40% em média no mesmo período (24,8% paratelevisores coloridos). A despeito destes avanços consideráveis(realizados num espaço de tempo bastante curto), deve-seressaltar que estes indicadores de preço, qualidade eprodutividade evidenciam estar a indústria brasileira ainda aquémdas condições internacionais de competitividade.

Porém, a direção dada aos movimentos de redefiniçãoestratégica das empresas pode revelar-se inócua ou mesmoprejudicial ao se tomar como objetivo maior a penetração daindústria brasileira no mercado internacional. Neste sentido,merecem referência os impactos exercidos pelo "enxugamento" daprodução industrial e suas repercussões ao longo da cadeiaprodutiva.

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O processo de substituição de componentes nacionais porimportações (ao qual se associou a própria contração da produçãolocal) conduziu a indústria brasileira de componentes a uma crisesem precedentes. A competitividade da indústria brasileira debens eletrônicos de consumo no mercado internacional passa,necessariamente, pela presença de uma indústria local produtorade componentes competitiva, em função do potencial dedesenvolvimento de produtos que atendam necessidades específicas.

A concentração da indústria eletrônica de consumo em Manausdeveu-se à política de incentivos fiscais, que decretou a criaçãode uma Zona Franca nessa região. Não se conseguiu, no entanto,efetivar a articulação do complexo eletrônico. O setor de benseletrônicos de consumo, diferentemente do têxtil ou domobiliário, não apresenta economias de aglomeraçãosignificativas, embora a proximidade geográfica entre a produçãode componentes e o setor montador possibilite importantes ganhoscompetitivos.

De uma forma geral, é possível identificar a atualfragilização das relações fornecedor-produtor como um sérioobstáculo à manutenção ou ampliação da competitividade não só dopróprio setor, como do conjunto do complexo eletrônico. Em umaindústria globalizada e de elevado dinamismo tecnológico como ade bens eletrônicos de consumo, essa desarticulação podeconstituir séria ameaça à sobrevivência da produção local a médioou longo prazos.

Fertilizantes

As deficiências competitivas do setor de fertilizantes sãode natureza distinta uma vez que, no Brasil, essa indústria éainda excessivamente pulverizada. Em função disso, as empresasbrasileiras não possuem escalas empresariais que favoreçam oequacionamento, no ritmo necessário, dos problemas enfrentadospelo parque produtivo nacional. Além disso, o nível de integraçãoé muito baixo, o que, associado ao anterior, impede as empresasbrasileiras de adotarem estratégias tecnológicas, mercadológicase de preço, entre outras, similares às das empresas líderesinternacionais do setor, com reflexos negativos sobre a suacompetitividade.

De modo geral constata-se a existência de lacunas decapacitação na indústria brasileira de fertilizantes. Os esforçosde modernização realizados pela indústria de fertilizantes noBrasil têm sido de pouca expressão, apesar do setor contar comempresas com alguma tradição na área de pesquisa edesenvolvimento. Em conseqüência, o parque produtivo encontra-serelativamente desatualizado, requerendo volumosos investimentospara a recuperação do patamar tecnológico detido há dez anos. Oprincipal foco de defasagem refere-se à utilização deequipamentos de base microeletrônica de controle e otimização deprocessos. Um outro problema é a baixa eficiência energética. Aslimitações decorrentes das baixas escalas operacionais, no

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entanto, têm sido contornadas por programas de otimização dasplantas.

Também é baixo o nível de investimento em P&D da indústria.Um melhor desempenho operacional dos processos produtivos na áreade fosfatados é limitado pela insuficiência dos esforçostecnológicos visando desenvolvê-los internamente, uma vez que astecnologias disponíveis na área não se adequam às especificidadesdas reservas mineralógicas do país.

Algumas empresas do segmento integrado possuem um certonível de experiência em desenvolvimento tecnológico, emparticular nas áreas de beneficiamento e solubilização da rochafosfática nacional. Nas empresas semi-integradas destacam-se asque, através de melhoramentos de processos, conseguiram elevar acapacidade de produção de algumas plantas, atingindo escalasmínimas eficientes. No segmento de empresas formuladoras não seregistra desenvolvimento de atividades tecnológicas no Brasil,sendo a capacitação mercadológica regionalizada a principaldimensão competitiva.

Várias das empresas que ocupam posição de destaque no setorainda se caracterizam por pequeno grau de profissionalização daadministração e pequena experiência em negócios de grande escala.Constata-se nessas empresas um posicionamento estratégicoinadequado para enfrentar a nova realidade vivida pelo setor, naqual prevalece um forte acirramento da competição, no mundo e noBrasil.

É importante observar que o setor de fertilizantes éaltamente beneficiado com o progresso técnico na agricultura,tendo encontrado na EMBRAPA um modelo exemplar de pesquisacooperativa. A formação de redes de pesquisa em fertilizantesenvolvendo empresas, centros de pesquisas e universidades, emboraseja alternativa importante para contrabalançar o virtualdesaparecimento da pesquisa pública, é pouco valorizada no setor,dado o pequeno porte empresarial das empresas brasileiras.

Materiais de construção

Em alguns dos setores do complexo de materiais de construçãotem ocorrido significativa atualização tecnológica como resultadodos esforços de modernização das empresas líderes. Essaatualização vem ocorrendo de forma lenta e gradual, atravésprincipalmente de projetos de implantação e não por substituiçãode equipamentos existentes. A introdução de automação da produçãotem ocorrido por etapas, com foco principal nas operaçõesunitárias mais críticas do processo de produção. Em vários casos,tem havido substituição de matérias-primas e de tecnologias deprocesso tradicionais a fim de minimizar o impacto sobre o meioambiente.

A abundância de matérias-primas no país o coloca em vantagemno panorama internacional, tornando-o pouco dependente de

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importações e possibilitando um potencial de ingresso em muitosmercados que não dispõem desses recursos naturais. Apesar disso,o complexo de materiais de construção não apresenta condiçõescompetitivas gerais. Há dificuldades de atingir padrões dequalidade compatíveis com os produtos dos países líderes e,conseqüentemente, dificuldades de ocupar mercados mesmo que emalguns casos as vantagens de preços sejam significativas. Aprodução em não-conformidade também ocorre amplamente no mercadointerno.

A implantação de centros de pesquisa e desenvolvimentotecnológico setoriais com ênfase no controle da qualidade pormeio laboratorial foi um fator positivo para o incremento dacompetitividade em algumas cadeias do complexo. Também deve sermencionado o esforço de elaboração/atualização da normalizaçãotécnica brasileira.

No entanto, também pode ser identificado um comportamentoheterogêneo entre os setores e obstáculos causados pelo baixograu de integração e, por vezes, relação de conflito entre ossetores que se expressam nas dificuldades de estabelecimento decondições de equilíbrio entre produtores/consumidores nosprocessos de elaboração de normas técnicas, com predominância dosprimeiros e conseqüente surgimento de conflitos de interesses enecessidades.

A indústria do cimento caracteriza-se por um parqueindustrial solidamente estabelecido com predominância de capitalnacional e elevado grau de concentração econômica. Os doismaiores grupos da indústria respondem por mais da metade daprodução. A despeito da existência de capacidade ociosasignificativa, em face da diminuição das atividades de construçãocivil no país, o setor não busca o mercado externo, em função dalocalização das fábricas e condições de infra-estrutura querepercutem no preço final do produto.

A estrutura clássica das empresas produtoras de cimento é ade domínio da extração do calcário e gipsita pela própria empresae compra das demais matérias-primas. A qualificação dos demaisfornecedores através de critérios de qualidade ainda é informalno setor, sem a utilização de sistemas com procedimentospadronizados e documentados. Em alguns casos existem problemasnas relações entre os fornecedores (como na embalagem, porexemplo), mas de um modo geral as relações são estáveis.

O transporte do produto contratado pelas fábricas éatualmente um entrave em potencial, face ao poder de organizaçãodos transportadores que atuam de forma cooperativa e estabelecemsuas condições de preços e prazos e à baixa renovação da frota edas condições das rodovias. Por parte dos consumidores existe aacusação de realização de acordos de preços entre produtores etransportadores. Um aumento da demanda com a reativação daconstrução civil pode transformar a distribuição do produto em umexpressivo "gargalo" para o setor.

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As empresas nacionais de cimento, ao contrário das empresasdos países líderes, investem pouco em P&D. O desenvolvimento eaperfeiçoamento de processos visando à redução do impacto daprodução sobre o meio ambiente e sobre as condições de trabalhoainda é lento em comparação aos países líderes, onde se colocamcomo fatores primordiais de investimento do setor. A liderançatecnológica e organizacional não coincide com a liderança portamanho, uma vez que os grupos que têm maior participação nomercado não apresentam políticas de atualização e modernizaçãotão claras e estabelecidas quanto alguns dos grupos menores.

No âmbito da infra-estrutura de P&D destaca-se a existênciade vasto conjunto de instituições públicas com atuaçãotradicional na área de materiais de construção. No entanto, asdificuldades de obtenção de recursos para o financiamento deprojetos, capacitação laboratorial e atualização da capacitaçãode recursos humanos, bem como a queda dos níveis salariais,geraram um processo de esvaziamento com perda de capacitação. Aintegração dessas instituições com a indústria é, de um modogeral, baixa, havendo, no entanto, registros mais recentes deaproximação entre produtores e pesquisadores através de convêniose projetos, o que é restrito a algumas empresas.

A indústria de tubos e conexões de PVC apresenta grandediscrepância de capacitação entre as empresas líderes e um grandenúmero de pequenas empresas que atuam no setor. Nas questõesrelacionadas à atualização tecnológica e organizacional as açõesempreendidas no setor limitam-se às empresas líderes, que secolocam nessa condição pelo domínio de mercado (duas empresas) epelo atendimento às normas técnicas com programas de qualidadeincipientes (aproximadamente dez empresas). A integração nacadeia produtiva vem sendo buscada pelo setor, embora seja aindadifícil o relacionamento com os fornecedores de matéria-prima(resina de PVC) em termos de preços. Esse desacordo levou a umaumento recente de importações de resina do México e EUA, ao quecorrespondeu reação dos produtores nacionais com solicitação demedidas anti-dumping, afinal concedidas pelo governo.

Automobilística e autopeças

Apesar dos avanços recentes na modernização gerencial etecnológica realizados pelo segmento automotivo e da existênciade alguns segmentos de autopeças que são competitivos, acompetitividade da indústria automotiva brasileira ainda é muitolimitada.

As vantagens fundamentais da indústria brasileira devem-seaos baixos custos salariais, à mão-de-obra flexível e interessadaem aprender, embora carente de qualificação técnica, à capacidadede manufaturar competitivamente mesmo com tecnologias de processoantigas, além de recursos naturais e matérias-primas abundantes erelativamente baratos.

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Em termos da configuração industrial vigente no complexoautomotivo brasileiro existem alguns fatores que inibem a suacompetitividade. As empresas, tanto montadoras como de autopeças,são verticalizadas, fato que as impede de atingir escalas ótimasde produção em uma série de componentes, provocando custos maiselevados e dispersão do esforço tecnológico. O movimento deterceirização observado no setor ainda não atingiu as atividadesprodutivas na dimensão necessária.

Também é elevada a diversificação da linha de produtosquando se tem em conta as dimensões do mercado brasileiro e apequena flexibilidade tecnológica das linhas de produção no país.Caso a expansão do mercado interno ocorrida nos últimos anostenha continuidade, esse problema poderá ser contornado pelodirecionamento dos investimentos para uma maior especializaçãoprodutiva. No entanto, se o mercado interno voltar a manter-seestagnado, somente uma grande reestruturação da ofertapossibilitará o incremento da competitividade da indústria.

Mesmo num cenário de retomada da demanda interna, o segmentoautomotivo necessita enfrentar outra insuficiência estrutural queé a relação entre as montadoras e as fornecedoras de autopeças.Esforços visando a racionalização dessas relações vêm sendorealizados, como atesta um programa de melhoria contínuadesenvolvido por uma montadora que já cobriu 130 fornecedoresdesde o final de 1991. Todavia, essas iniciativas não devem estarexclusivamente voltadas a questões de curto prazo, visando aredução de custos de produção. A redução de custos é sem dúvidanecessária, mas as empresas do segmento automotivo necessitamdesenvolver novos padrões de relacionamento baseados em maiorconfiança e capacitação técnica de ambas as partes. A indústriamundial tem colocado na construção dessas sinergias um dos seuspilares de sustentação da competitividade.

Na indústria de autopeças é grande a heterogeneidade emrelação aos produtos fabricados, ao porte e origem do capital dasempresas e à capacitação técnica, produtiva e gerencial.Componentes centrais, como motores, transmissões, suspensões,sistemas de freio etc., são produzidos pelas próprias montadorase alguns fornecedores cativos, empresas tecnologicamente maisavançadas, que produzem com qualidade; neste segmento atecnologia de produto é muito importante, exigindo grandesinvestimentos em P&D. Em produtos fundidos e forjados o Brasilapresenta competitividade, decorrente de boa capacidade demanufatura das empresas e de baixos custos dos produtossiderúrgicos básicos e da mão-de-obra (sendo um segmentointensivo em trabalho). O segmento de partes estampadas (taiscomo carrocerias, pára-choques e tanques de combustível), com aprodução pulverizada em 126 empresas, apresenta uma configuraçãopouco compatível com as escalas requeridas para um melhordesempenho competitivo. Em produtos de plástico e de borracha acompetitividade é ainda menor devido a problemas de custo equalidade. Finalmente, os produtos que são muito específicos paracertos modelos (tais como assentos, painéis, pára-choques e

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espelhos) sofrem com a baixa escala e encontram dificuldades emserem produzidos com custos competitivos.

Quanto ao uso da eletrônica, o Brasil não é competitivo naprodução de chips, mas a sua importação pode capacitar osprodutores de itens convencionais a produzir bens baseados emeletrônica mais simples, como mecanismos eletrônicos defechamento de portas, diagnósticos de bordo e mostradoresdigitais. Mesmo produtos mais complexos, tais como sistemas defreios ABS e transmissões, podem beneficiar-se de chipseletrônicos importados. Alguns produtores nacionais fabricamcarburadores com injeção de combustível eletrônica com chipsimportados, embora as montadoras geralmente tenham os seuspróprios fornecedores cativos.

A crise econômica do início dos anos 90 produziu fortetransformação na indústria de autopeças no Brasil, tanto setorialquanto internamente às empresas. A reestruturação setorial foibaseada num forte processo de enxugamento pela saída de empresase pela realização de grande número de fusões e aquisições. Comoresultado, o número de empresas reduziu-se de quase 2000 em 1989para aproximadamente 1.200 empresas. No nível das empresas, oprocesso de reestruturação se deu pela redução dos níveis dehierarquia e do quadro de pessoal nas áreas produtiva e gerenciale pelo recurso à terceirização (notadamente de serviços e menosnas atividades produtivas). A reestruturação resultou em um setormais concentrado, favorecendo empresas de maior porte.

Não se observa na indústria brasileira uma tendência clara àhierarquização vertical como ocorre no Japão. Há exemplosincipientes de adaptações desse sistema, porém, com resultadospouco significativos. Em vez de hierarquizar a produção entrevárias empresas da cadeia produtiva, os produtores de componentescontinuam verticalizados, suprindo a maioria dos insumosnecessários. Mesmo assim, o grau de integração vertical já não étão absoluto ou desordenado como anteriormente, porque a criseeconômica e a terceirização dos serviços têm imposto uma lógicacompetitiva ao processo de desverticalização, tornando-o maisestratégico.

No setor de autopeças, que conta com expressiva participaçãode pequenas e médias empresas, a infra-estrutura educacional e detreinamento brasileira é extremamente frágil, embora entidadescomo o SENAI tenham conseguido suprir com rapidez algumas dasnecessidades imediatas de treinamento dos trabalhadores quando daintrodução de técnicas básicas de controle de qualidade.

A gestão familiar presente em um número expressivo deempresas fornecedoras de autopeças tem se tornado um obstáculo àmodernização das empresas e ao estabelecimento de novas relaçõesentre capital e trabalho. A participação dos sindicatos na CâmaraSetorial da indústria automobilística tem demonstrado o interessedos trabalhadores para com questões relativas à competitividadeda indústria. O nível de conflito entre capital e trabalho

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reduziu-se, seja devido à crise econômica que limita o espaçopara reivindicações, seja como decorrência das negociaçõesefetivadas no âmbito da Câmara Setorial. A mão-de-obra no Brasilé relativamente bem qualificada e versátil, mas o padrão deremuneração está bem abaixo do praticado em outros países.

Concorrência

O longo período de instabilidade e recessão econômica,aliado à abertura comercial, tem intensificado a concorrência namaioria dos mercados industriais do país. Estratégias deracionalização da produção, redução de custos e aumento daqualidade expressam a reação positiva de grande parte dasempresas.

. Práticas comerciais inadequadas

Por outro lado, este ambiente tem também estimulado a adoçãode práticas de sobrevivência oportunistas. Em alguns casos, osprodutores optam por vantagens de custo pelo não-cumprimento deobrigações fiscais e trabalhistas (nas empresas ou através deterceirização com informalização) ou então preferem aderir emconjunto a práticas abusivas de preço ou exigências decontrapartidas, ou ainda, de manipulação da qualidade dosprodutos. Com isso, essas empresas não somente se despreocupam dabusca de fontes autênticas de competitividade, apoiadas emtransformações tecnológicas nos processos e na gestão daprodução, como prejudicam o desempenho competitivo das empresasque com elas concorrem e dos demais setores com os quais serelacionam.

A julgar pela intensidade dos conflitos entre produtores eusuários por razões de preço, de qualidade ou ambas, o complexode materiais de construção tem sido um campo particularmenteproblemático da indústria brasileira em relação a esse aspecto.

Na indústria do cimento, a despeito da existência de níveissatisfatórios de capacitação competitiva, os preços elevadospraticados pela indústria acentuaram nos últimos anos osconflitos com consumidores, em particular a parcela representadapela indústria organizada da construção civil, gerandoiniciativas de importação e um grande número de denúncias decartelização e venda casada (venda condicionada à incorporação dofrete no preço final). Em abril de 1993 registravam-se 38denúncias no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),tendo havido a aplicação de penalidades a pelo menos uma empresa.

Para coibir essas práticas, o governo brasileiro conta comuma lei de defesa da concorrência que, em seus aspectos gerais, éconsiderada adequada. Falta, no entanto, maior capacidade deaplicação da lei (enforcement).

Não somente conflitos abertos entre produtores e usuáriosindicam problemas de regulação da concorrência na indústria

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brasileira. A enorme expansão da informalidade no setorindustrial ocorrida nos últimos anos tem introduzidodesequilíbrios nos setores de pequena escala e fracas barreiras àentrada, dentre os quais destacam-se vestuário, calçados, abate,laticínios, móveis, papel, plásticos para a construção civilentre outros.

A estratégia de "terceirização espúria", onde a busca demaior poder de competição reduz-se a evasão de impostos eobrigações sociais, tem contribuído para desarticularcapacitações tecnológicas, humanas e gerenciais da indústria. Aoconstituir-se como verdadeira concorrência predatória às empresasformalmente estabelecidas, com maiores chances de investir emtecnologia, desenvolvimento de produto e treinamento de recursoshumanos, acaba por dificultar a competitividade da indústria comoum todo.

Nas indústrias do complexo têxtil brasileiro, especialmenteem confecções, em grande parte dos casos a terceirização tem sidoespúria, divergindo do processo observado internacionalmente quevisa sobretudo ganhos de flexibilidade através da integraçãodinâmica de unidades empresariais de diferentes tamanhos. Além daconcorrência desleal para com empresas organizadas, este processotem elevados custos sociais, ao manter uma parcela crescente damão-de-obra sem cobertura da legislação trabalhista eprevidenciária. A produção "isenta" de tributos e encargossociais torna não-competitivas em preços empresas que cumprem asobrigações legais, tornando quase inevitável a participaçãodestas no processo de informalização.

O Estado brasileiro tem sido pouco ativo no exercícioefetivo da regulação no que diz respeito à defesa do consumidor.Embora o país disponha de um Código de Defesa do Consumidorbastante avançado mesmo em termos internacionais, sua aplicaçãodeixa a desejar. O reconhecimento da legitimidade deste Código,resultado que foi da mobilização da sociedade, através da atuaçãode associações de consumidores, pode ser comprovada pela rápidaadaptação da indústria e comércio a diversas determinações (comoem relação à discriminação da data de validade, procedência eingredientes dos produtos nas embalagens), mesmo antes de suaregulamentação.

Entretanto, é insuficiente a capacitação pública no controlee fiscalização de produtos e processos produtivos lesivos àintegridade física do consumidor, até porque as atividades denormalização e certificação são ainda incipientes no país, para amaior parte dos setores. Com relação à questão ambiental, asinstituições, critérios e sanções aplicadas são muitodiferenciadas regionalmente, levando a comportamentosheterogêneos entre empresas. Aliam-se a esses fatos a baixaconsciência de cidadania prevalecente no país e a desinformaçãodos consumidores, pouco exigentes mesmo quanto à conformidade dosprodutos.

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Como resultado, não é desprezível na estrutura industrialnacional a presença de produtos e processos que podem serconsiderados simplesmente como inaceitáveis em uma sociedadecontemporânea.

A situação é particularmente grave em determinados segmentosdo complexo agroindustrial, destacando-se, entre os setoresestudados, as indústrias de carnes e laticínios. O abateclandestino ou a fabricação de queijos "caseiros" realizados emestabelecimentos sem condições mínimas de higiene são exemplosclaros deste problema. Apenas no Rio Grande do Sul, que já estáimplementando o Programa Estadual de Inspeção e Fiscalização deCarne, estima-se que o abate clandestino chegue a 1,4 milhões decabeças.

As práticas na pecuária e a deficiência do controle públicona área rural, principalmente com relação à febre aftosa, agravamos problemas sanitários do processamento industrial. Embora osdados possam sofrer um viés pela maior fiscalização no períodorecente, os surtos de aftosa aumentaram 27% em 1992, enquanto naAmérica Latina como um todo declinaram cerca de 8%. Esta ameaça àsaúde da população é inaceitável em países desenvolvidos: ospaíses asiáticos e os EUA só permitem importações de paísescomprovadamente livres de peste suína e aftosa, o que exclui oBrasil, e as exportações para a CEE estão permanentementesujeitas a embargos, mesmo partindo apenas de frigoríficoshomologados para este fim. As exportações brasileiras de suínosforam sustadas nos anos 70, em decorrência da peste suína, tendohavido uma pequena retomada recentemente, sobretudo no âmbito doMercosul.

São crescentes as restrições sanitárias no mercadointernacional, utilizadas não só como defesa das populaçõeslocais, mas também como barreira não-tarifária a importações.Deste modo, além dos riscos a que sujeita o consumidorbrasileiro, a ineficácia de controle e fiscalização prejudicaseriamente o desempenho exportador do país.

A insuficiência de normas ou a tolerância para com seudescumprimento são também comuns na indústria nacional.

No complexo da construção civil, por exemplo, é marcante aocorrência de produção em não-conformidade às normas técnicas,especialmente em tubos e conexões de PVC, cerâmica vermelha epara revestimentos, esquadrias metálicas e de madeira e cal(inclusive ocorrendo na cal mistura de vários tipos de materiaisinertes que lesam o consumidor). Em vários desses setores têmproliferado empresas que produzem a custos baixos por meio dodesrespeito às normas e não-cumprimento da legislação fiscal etrabalhista.

Os mecanismos de redução de custos utilizados pelaconstrução civil e programas governamentais de habitaçãosancionam e agravam este problema, o que tem implicado

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deterioração precoce das edificações, com elevados custos demanutenção para os usuários, ou a produção de edificações que nãoatendem a requisitos mínimos de conformidade. Muitas vezes nãosão respeitados nem mesmo critérios de adequação ao uso queevitem a repetição de casos extremos já vividos no país denecessidade de abandono de unidades ou até mesmo demolição pordeterioração irrecuperável.

No Brasil, ao contrário de outros países onde a indústria demateriais de construção é marcada pela elevada exigência deatendimento às normas técnicas e grande padronização demateriais, prevalece a incompatibilidade dimensional dosmateriais e componentes pelo não-atendimento às normas técnicas,erros de execução e especificações insuficientes de projeto.Estes fatores, juntamente com deficiências de qualificação damão-de-obra, falta de informações para a correta utilização demateriais, embalagens e manuseio inadequados, entre outros, sãoresponsáveis por um dos maiores problemas competitivos docomplexo, o elevado nível de desperdício.

Deve entretanto ser registrado que as empresas do complexocomeçaram recentemente a empreender ações no sentido deestruturar uma política da qualidade e combate à não-conformidadee empreendem esforços de elaboração e atualização da normalizaçãotécnica brasileira, de modo a estabelecer padronizaçãodimensional e possibilitar a redução e controle de desperdícios,bem como assegurar qualidade aos materiais.

Em diversos setores da indústria brasileira, eprincipalmente naqueles voltados para o consumo pessoal, observa-se a questão de normalização insuficiente ou seu não-cumprimentopor várias empresas. Na automobilística, são inúmeras asmodificações que têm que ser introduzidas nos veículosexportados, de modo a adequá-los às exigências de segurança econtrole ambiental dos países de destino. Nos produtos têxteis, aausência de regulação específica permite a oferta de produtosabaixo dos padrões de qualidade, muitas vezes de difícil detecçãopor consumidores no ato da compra. Esta situação não incentiva aelevação da capacitação das empresas e possibilita a concorrênciadesleal de produtos, inclusive importados, de baixa qualidade.

. Tributação

Desequilíbrios do sistema tributário nacional têmconstituído outra fonte de perturbação da concorrência no mercadointerno.

Os impostos "em cascata" oneram proporcionalmente maisempresas situadas a jusante de cadeias produtivas mais extensasem relação às situadas na base ou ao final de cadeias com menosetapas de transformação. Esses tributos recaem também com maiorintensidade em empresas mais desverticalizadas, favorecendo asintegradas. Empresas com ciclos de produção mais longos são maisoneradas pela desvalorização dos créditos fiscais de impostos

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sobre o valor adicionado, não corrigidos, do que as de cicloreduzido. Vendas a prazo incluem empréstimos ao Governo -recolhimento de tributos antes do recebimento do cliente -, o quenão ocorre nas vendas à vista. Enfim, diversas distorções sãointroduzidas na concorrência através do sistema tributárionacional, agravadas por altas taxas de inflação.

Merece destaque um fenômeno relativamente recente naindústria brasileira, a "guerra fiscal" entre unidades dafederação no estímulo à produção corrente ou na atração deinvestimentos. Apesar da concessão unilateral de incentivosfiscais por parte das diversas esferas de governo seradequadamente limitada pela legislação, as taxas elevadas deinflação têm proporcionado meios para contornar as restrições. Autilização do ICMS para incentivar faturamento em certos estados(concessão de crédito ou permissão para pagamento com prazosdilatados e sem correção dos débitos) introduz distorções aoincentivar relocalizações industriais em condições de tratamentotributário instáveis. É oportuna a implementação de políticasregionais, especialmente em apoio a regiões carentes. Existem,entretanto, uma série de instrumentos adequados para atração deatividades econômicas para regiões específicas, indo desdeimpostos e tarifas locais até a concessão de terrenos e infra-estrutura básica. A utilização do ICMS, no contexto de verdadeira"guerra fiscal", provoca desequilíbrios competitivos e introduzno cálculo empresarial fatores locacionais de baixa racionalidadeeconômica e instáveis no tempo, prejudicando a competitividade doconjunto da indústria.

Outra questão importante, especialmente para os segmentosmais intensivos em mão-de-obra, consiste na carga tributáriaoriunda dos encargos sociais. Ao penalizar sobremaneira ossegmentos intensivos em mão-de-obra acaba por constituir-se em umincentivo a estratégias de informalização.

. Política comercial

Cabe, por fim, comentar o processo de abertura recente daeconomia. É positiva a exposição dos produtores locais àconcorrência internacional como forma de introjetar dinamismocompetitivo no mercado interno e coibir práticas abusivas depreços ou de qualidade. Esta exposição, entretanto, exige cuidadocom a possibilidade de ocorrência de dumping nas importações. Osdiagnósticos setoriais realizados permitiram identificar dentreos setores com deficiências competitivas as indústrias delaticínios, bens eletrônicos de consumo e têxtil como as maisameaçadas por práticas desleais de comércio dessa natureza.

Os problemas enfrentados pela indústria têxtil nacionalexemplificam o que ocorre em diversos setores. Há excesso decapacidade produtiva e estoques no mercado mundial, motivadospela estagnação, em nível internacional, da demanda por produtostêxteis e agravados por grandes investimentos realizados porpaíses asiáticos nos últimos anos da década de 80. Parte

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significativa dos excessos de estoques, que os produtoresprocuram colocar em novos mercados mesmo sem realizar lucro,consiste de produtos de fibras artificiais e sintéticas,justamente o segmento mais frágil do complexo têxtil brasileiro,que tem maior competitividade nos produtos baseados no algodão.Há, inclusive, implicações regionais desta ameaça, como a regiãode Americana, no estado de São Paulo, que concentra sua produçãonaquele segmento.

PROPOSIÇÕES - ELEVAÇÃO CONTÍNUA E GENERALIZADA DA COMPETITIVIDADE

Estratégia

Um projeto de desenvolvimento competitivo para a indústriabrasileira necessariamente deve promover a elevação contínua egeneralizada da capacitação produtiva nos setores com maior pesona estrutura industrial do país.

A grande heterogeneidade que prevalece na indústriabrasileira, principalmente nos segmentos voltados para o consumofinal, não é um obstáculo ao incremento generalizado decompetitividade. No que diz respeito à pauta de produção, propõe-se que empresas com maior capacitação busquem excelênciainternacional através da atuação em nichos do mercado interno eexpansão para o exterior em segmentos de maior valor adicionado econteúdo tecnológico. Essas empresas devem buscar evoluir namesma direção proposta para os setores com capacidadecompetitiva. Deve-se procurar maximizar os efeitos de suaoperação tanto nas cadeias a montante, através de seus requisitosem relação a insumos, quanto no aumento dos padrões decompetitividade em seus setores de atuação. Para o grandeconjunto de empresas com menor capacitação, é fundamental aindução e apoio para a elevação geral dos níveis decompetitividade e mesmo procurar dificultar a operação abaixo depatamares mínimos de qualidade e eficiência em custos.

Empresas com pouca capacitação para o desenvolvimento denovos produtos ou com pouco acesso a determinados segmentos demercado podem ser eficientes na produção de produtos comtecnologias difundidas, praticando preços compatíveis com o níveltecnológico destes bens (caso de cooperativas agrícolasregionais, por exemplo). Empresas sem a escala mínima necessáriapara a produção de determinados produtos padronizados, comoocorre em diversos segmentos do complexo têxtil, podemespecializar-se em etapas produtivas que exigem maior agilidade erapidez de resposta, como por exemplo as fases de acabamento.

O acirramento da concorrência interna derivado da recessãojá promoveu maior preocupação com a eficiência produtiva, o quese reflete no ajuste industrial observado. É necessário ampliareste processo, tanto quantitativamente - incorporando maisempresas na busca de racionalização da produção - comoqualitativamente - transformando estratégias defensivas em umabusca agressiva de maior competitividade: introdução de inovações

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em processos e produtos, investimentos em novos equipamentos emudança radical nos processos de trabalho e nas relações comfornecedores e clientes.

A ampliação e aceleração do processo de desenvolvimento decapacitações competitivas requer a promoção de condiçõesfavoráveis, o que, para os setores aqui considerados, traduz-se,em primeiro lugar, no fortalecimento do mercado interno. Como sãoem geral setores predominantemente voltados para a demandadoméstica, a elevação do poder de compra da população e arecuperação dos mecanismos de financiamento ao consumidorconsistiriam os principais estímulos ao incremento de suacompetitividade.

Em segundo lugar, a promoção da concorrência visariaaproveitar as forças do mercado para impor às empresas a elevaçãodos patamares competitivos. Propõe-se manter a indústria expostaà concorrência internacional e coibir práticas desleais ou nãoindutoras de competitividade, para o que é indispensável oreaparelhamento das instâncias responsáveis pela regulação -elaboração, aplicação e fiscalização de normas técnicas elegislação de defesa do consumidor e da concorrência.

Para diversas empresas, principalmente pequenas e médias, oaumento de produtividade e redução de deficiências de qualidadede produtos e processos exige medidas específicas de apoio quebusquem elevar sua capacitação através da inserção em redeshorizontais ou verticais que reduzam desvantagens de porte e decapacitação gerencial.

Considerando a dispersão espacial do consumo e da produçãoda maioria dos setores que apresentam deficiências competitivas,é fundamental a descentralização das ações, com ênfase nasorganizações locais e setoriais. Dada as especificidades dasoportunidades e obstáculos à competitividade que caracterizam osdiversos segmentos setoriais e regiões apenas com ofortalecimento da capacidade local de direcionamento eimplementação das ações pró-competitividade será possívelalcançar a adequada convergência entre a política decompetitividade e os recursos existentes.

Ações Prioritárias - Mercado

O crescimento e melhoria na distribuição de rendarepresentariam as principais contribuições na transformação domercado interno em fator indutor de estratégias competitivas porparte das empresas nos setores analisados, a maior parte delesvoltados para o consumo de massas.

A principal política para a indução de investimentos emequipamentos atualizados tecnologicamente nestas indústrias é uma

. Ampliar mercado interno e aproveitar a diversidade de padrõesde consumo e capacitações competitivas

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política de rendas e emprego. A elevação do poder aquisitivotambém é o elemento básico para tornar o consumidor nacionalexigente quanto a padrões de qualidade, níveis de desempenho deprodutos e preços adequados. Ainda que a durabilidade de um bemrepresente maior economia no médio prazo, ou a relaçãodesempenho/custo seja mais favorável, a falta de disponibilidadede recursos leva a preteri-lo por outros que impliquem menordispêndio imediato.

Maior educação e acesso a informações poderiam, com aelevação do poder de compra da população, traduzir-se eminstrumento eficaz para a impor à indústria comportamentoscondizentes com a competitividade internacional, de buscacontínua de melhoria no desempenho produtivo e introdução deinovações nos produtos de modo a satisfazer crescentemente oconsumidor.

Para os bens de consumo duráveis, o principal instrumento defomento é o crédito ao consumidor visando a ampliação do mercado.Propõe-se a criação de linhas de financiamento com prazosdilatados e juros favorecidos, negociando o governo com o sistemafinanceiro condições para a viabilização destas linhas(redesconto, prazos de float, outros mecanismos). Este créditodeveria exigir contrapartidas dos produtores e poderiaprivilegiar, embora não exclusivamente, produtos do complexoeletrônico (computadores pessoais, softwares, eletrônicos deconsumo) para os quais as economias de escala e escopo sãofundamentais para a competitividade. Entre essas contrapartidasdeveriam estar exigências de agregação local de valor, associadasao cumprimento do processo produtivo básico, e requisitos dequalidade e conformidade.

Também para o setor automotivo é fundamental o financiamentoao consumidor, já que apenas o mercado interno pode proporcionarescala e viabilizar os investimentos necessários na indústria,dadas as enormes barreiras ao comércio internacional e ospatamares já alcançados nas exportações (31,5% da produção, em1992). A manutenção da renúncia fiscal no caso do "carro popular"também deveria estar condicionada à introdução gradual derequisitos de desempenho, relativos a consumo de combustível eníveis de emissão de poluentes, por exemplo, além das cláusulasjá estabelecidas nos acordos na Câmara Setorial.

Para o complexo da construção civil é importante a retomadados programas de financiamento à habitação, acoplada aoestabelecimento de programas de incentivo ao desenvolvimentotecnológico. O poder de compra do Estado poderia ser utilizado nosentido de exigir a adequação dos produtos a fins específicos(especialmente na utilização para obras de caráter social, comoos programas habitacionais para famílias de baixa renda e desaneamento) e incondicional conformidade às normas técnicas, porparte de todos os órgãos contratantes de obras e serviços.

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Também na agroindústria é importante o uso do poder decompra do governo, como forma de garantir não só patamaresmínimos de demanda como para assegurar padrões de qualidade eníveis de preço que induzam ao aumento de competitividade daindústria. Programas de alimentação escolar e voltados para apopulação carente, administrados com envolvimento das comunidadese governos locais, com planejamento, previsões de compra etransparência, têm impacto no complexo agroindustrial,principalmente em regiões menos desenvolvidas. Levando-se emconta que, por exemplo, a demanda institucional já chegou arepresentar cerca de 30% do leite C distribuído no país entre1988 e 90, deve-se evitar a todo custo a interrupção dosprogramas sociais dessa natureza.

Propõe-se ainda a desoneração tributária dos produtosintegrantes da cesta básica, de modo a ampliar o acesso aoconsumo. A política de tabelamento de preços, que visavabasicamente o controle da inflação, mostrou-se extremamenteprejudicial à competitividade do complexo agroindustrialbrasileiro e deve ser evitada.

. Promover exportações

A principal contribuição das empresas para o fortalecimentodo mercado interno seria o incremento de eficiência eprodutividade e o repasse destes ganhos a preços e salários,incluindo formas mais contemporâneas de participação dostrabalhadores nos lucros das empresas.

As exportações, estimuladas através do apoio dos órgãos decomércio exterior, desoneração tributária, difusão de informaçõessobre o mercado internacional e ações setoriais específicas,também podem cumprir o papel de proporcionar maior interação daindústria local com consumidores que normalmente apresentammaiores níveis de exigência. Para empresas que iniciam suainserção externa, o Mercosul pode representar uma oportunidadeimportante, considerando a proximidade e semelhança relativa depadrões de consumo e nível de renda. A constituição de centraisde exportação é indispensável para viabilizar vendas externas deempresas de menor porte e deve merecer apoio dos governos locaise instituições técnicas.

Para as empresas do complexo têxtil, as maioresoportunidades de exportação concentram-se nos esquemas de outwardprocessing ou subcontratação. Naturalmente, este tipo de inserçãointernacional restringe a atividade produtiva local às etapas demenor valor adicionado e retira do país o comando da dinâmica doprocesso industrial, mantidos pelas empresas dos paísescontratantes. Entretanto, vários países em desenvolvimento queinicialmente haviam ingressado no mercado internacional atravésdos segmentos de baixo preço e grande volume conseguiram elevar aqualidade de seus produtos, via capacitação tecnológica eprodutiva, inclusive produzindo com marca própria esubcontratando de países mais atrasados, como ocorreu no caso de

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Coréia, Hong-Kong e Taiwan. A experiência da indústria brasileirade calçados também sugere os benefícios de uma maior inserçãointernacional, advindos de ganhos de escala e de um maior contatocom a best practice internacional. Claramente, o melhoraproveitamento de oportunidades de exportação, viasubcontratação, deve ser acompanhado de políticas de apoiovisando ganhos de produtividade, qualidade e capacitaçãotecnológica endógena.

As sinergias entre o aumento de competitividade dasmontadoras e o setor de autopeças são claras, desde que sejamestabelecidas relações mais favoráveis entre ambos. Para asprimeiras, possibilitando reduzir sua verticalização, além deganhos em custo e qualidade; para o setor de autopeças, buscandocapacitá-lo a participar de sistemas de global sourcing, o querequer escala de produção, eficiência produtiva, qualidade etecnologia de produto. Espera-se que o segmento automotivo tenhacondições de produzir veículos modernos com preços competitivos,sem que haja necessidade de se especializar na produção de"carros populares", com baixo grau de evolução tecnológica.

O diagnóstico das configurações industriais dos setores comdeficiências competitivas indica a fragmentação da estruturaprodutiva e a ausência de solidariedade entre os diversos elosdas cadeias de produção e consumo como fragilidades a seremsuperadas. No entanto, ao contrário dos setores com capacidadecompetitiva, não são recomendadas ações que favoreçam aconcentração econômica. É necessário construir e perseguir umaestratégia de fortalecimento dos nexos entre empresas, através daconstituição de redes horizontais e verticais, respeitando-se adiversidade de configurações industriais em termos de capital dasempresas, origem, localização e portfolio de produtos.

Principalmente para os setores têxtil, vestuário, calçados,gráfica e móveis de madeira, mas também para certos segmentos daindústria de autopeças, apoio especial deve ser dado a pequenasempresas, através de instituições como o SEBRAE, e do incentivo àconstituição de pólos regionais, criação e aperfeiçoamento deestruturas de difusão de informações, treinamento, prestação deserviços técnicos e comerciais, entre outros, que minimizem suasdesvantagens de escala das empresas. Além do acesso privilegiadoa financiamentos e incentivos fiscais, uma forma de apoiar aconstituição e desenvolvimento desses pólos é através doestabelecimento de experiências piloto em locais selecionados,contemplando as várias etapas do processo produtivo, desde comprade insumos à comercialização.

Ações Prioritárias - Configuração da Indústria

. Fortalecer os nexos entre empresas através da formação de redeshorizontais e verticais

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Para dar a essa estratégia a necessária funcionalidade, umasérie de ações voltadas para o desenvolvimento da infra-estruturade P&D e de serviços tecnológicos mostra-se de grandeimportância. Por exemplo, é importante a continuação eaprofundamento dos programas do CETIQT/SEBRAE de acompanhamento edivulgação de informações sobre moda e estilo e o desenvolvimentode um projeto para criação de design com característicasculturais nacionais. Para o setor moveleiro, é vital oestabelecimento de normalização técnica, cuja ausência temconstituído um dos principais obstáculos às experiências decooperação entre empresas já em andamento.

Além destas redes horizontais, devem também ser estimuladasredes verticais, entre grandes empresas e seus fornecedores,visando a incorporação de práticas mais competitivas por parte deempresas de menor porte. Nesse sentido, é importante oaprimoramento do nível tecnológico das atividades terceirizadas ea observância das obrigações trabalhistas de forma a nãopenalizar a classe trabalhadora.

Ainda para o complexo têxtil, devem ser adotadas medidas quevisem o equilíbrio e fortalecimento das cadeias produtivasrelacionadas diretamente com os principais segmentos produtoresde seus insumos estratégicos: fibras sintéticas e artificiais,algodão, couros e materiais sintéticos para indústria decalçados.

A queda na produção interna de algodão e os problemas dequalidade, agravados pelos reflexos regionais, justifica adefinição de um programa de recuperação da cultura. Uma políticade curto prazo para a recuperação da produção interna devebasear-se em estímulos fiscais e creditícios e de políticacomercial.

No caso de couros, recomenda-se o reforço das instituiçõesde apoio técnico, que deveriam contar com recursos públicosadicionais, para incrementar suas atividades de disseminação detécnicas modernas e de novas tecnologias disponíveis. Recomenda-se também o estabelecimento de programa de melhoria da qualidade,baseado na atribuição de selo de qualidade para as empresas quepreencherem os requisitos do programa. Este selo de qualidadeconsistiria não somente numa recompensa às empresas com padrõesde qualidade desejáveis, como também facilitaria o reconhecimentodos insumos de qualidade.

No caso dos materiais sintéticos utilizados na indústria decalçados, iniciativas direcionadas a facilitar as importações,como centrais de compras cooperativadas entre empresas produtorasde calçados, deverão gerar maior dinamismo desses segmentos.

Para o setor de bens eletrônicos de consumo, o objetivocentral deve ser o aumento da integração do parque industrial.Para tanto, deve ser promovido o fortalecimento da indústria decomponentes de uma forma funcional às necessidades da indústria

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produtora de bens finais. Isso pode ser alcançado através daincorporação da indústria de componentes na definição de umaestratégia concertada não só para a indústria de eletrônica deconsumo, mas para o conjunto do complexo eletrônico. Aidentificação de componentes potencialmente competitivos, seguidoda realização de acordos informais de compra e o incentivo arealização de acordos de cooperação entre produtores de bensfinais e fornecedores devem guiar a reconfiguração da indústria.

Para o complexo automotivo, além da promoção deprodutividade e qualidade em toda a cadeia produtiva e de avançarna adoção de novas técnicas organizacionais, a objetivo centraldeve ser estimular a cooperação entre as empresas fornecedoras eas montadoras.

Para estimular à hierarquização vertical do setor deautopeças, deveria ser formado um grupo de trabalho para proporum plano de ação, com a participação de agências públicas etrabalhadores. Esse plano deve definir diretrizes para o processode terceirização, encorajando relações cooperativas entreempresas.

No caso do prosseguimento da expansão das vendas de veículospoderá ser positivo o estímulo à entrada de novas empresas naindústria. Com esse objetivo, deve-se permitir a redução inicialdos índices de nacionalização dos veículos para novos entrantes

Uma iniciativa que provavelmente traria repercussõespositivas sobre o ritmo e a profundidade do processo demodernização do complexo automotivo é a implantação de um Centrode Tecnologia, Organização e Gestão para prestação de serviçostecnológicos em todos os níveis às montadoras e aos produtores decomponentes. Levando-se em conta o estágio atual de organizaçãoda complexo automobilístico brasileiro e da institucionalidadeque o cerca, a alternativa mais adequada parece ser aconstituição de uma entidade tecnológica de cunho não-operacional, voltada para a difusão de informações sobre ascapacitações já existentes em Centros de P&D, Institutos dePesquisa e outros elos da infra-estrutura tecnológica.

No abate bovino e na indústria de laticínios é fundamental aredefinição das relações agropecuária-indústria, principalmenteatravés da promoção de especialização da pecuária. Para tanto,deve-se definir critérios de concessão de crédito condicionados amaior tecnificação da criação, promover pesquisas através dosistema Embrapa e criar formas de acompanhar o desenvolvimento depesquisas nas empresas privadas.

No setor de fertilizantes, a competitividade depende damodernização do setor agrícola via aumento da sua produtividade.Cumpre estimular a criação de estruturas próprias de P&D nasempresas, especialmente nos grupos empresariais formados após aprivatização. A recuperação do CEFER/IPT e a retomada daspesquisas agrícolas sobre utilização de fertilizantes é um passo

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fundamental para a modernização produtiva. Também a definição deuma política de preços adequada para o gás natural é fundamentalpara incrementar a competitividade do setor.

Para a indústria do cimento, assim como os demais materiaisde construção, é importante incentivar a integração do setoratravés do estabelecimento de termos de compromisso entre osintegrantes da cadeia produtiva para viabilizar o desenvolvimentotecnológico e organizacional. Para adequar o produto brasileiroàs tendências internacionais e atender as necessidades dosconsumidores em termos de qualidade cabe valorizar a atividade denormalização nas instituições de pesquisa e buscar o equilíbrioprodutores/consumidores na elaboração das normas.

Ações Prioritárias - Concorrência

. Promover a concorrência e inibir práticas não indutoras decompetitividade

O fortalecimento de um ambiente concorrencial indutor decompetitividade exige, mais que ações de desregulamentação,medidas ativas de promoção e regulação da concorrência. Énecessário coibir o abuso de poder econômico e práticas desleaisde comércio, tanto por parte de agentes internos como externos.Para tal é indispensável ampliar a capacitação dos órgãospúblicos para a aplicação eficaz da legislação de defesa daconcorrência e do consumidor. A exposição à concorrência deprodutos importados é benéfica, desde que o país também disponhada agilidade e capacitação necessária para a utilização dosmodernos instrumentos não-tarifários de proteção à indústrialocal contra a concorrência predatória.

Aperfeiçoar sistemas de normalização e fiscalização

Ao mesmo tempo, cumpre avançar nas atividades denormalização e homologação de produtos e ampliar a atuaçãoregulatória do Estado, coibindo e punindo empresas que utilizamprocessos produtivos que colocam em risco a saúde de seustrabalhadores, agridem as legislações sobre o meio ambiente, oucujos produtos não atendam a requisitos de salubridade, segurançaao usuário ou durabilidade mínima.

Principalmente na atuação fiscalizadora, é importante adescentralização, devendo-se incentivar a multiplicação deentidades privadas e públicas nas esferas estaduais e municipaispara a defesa do consumidor. Além da capacitação de pessoaltécnico na administração pública e a reestruturação ereequipamento das instâncias fiscalizadoras, é importante adisseminação de informações sobre diretrizes e procedimentos e oaproveitamento de infra-estruturas já existentes em vários pontosdo território nacional, como por exemplo as da SUNAB.

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A promoção das atividades de normalização deve visar maiorequilíbrio entre interesses de produtores e consumidores nasespecificações brasileiras. Para tanto deve-se incentivar aparticipação nas comissões de estudos da ABNT de especialistas etécnicos de empresas, órgãos públicos e instituições envolvidoscomo produtores, consumidores ou pesquisadores na atividadeespecífica, através da criação de mecanismos que estimulem eviabilizem esta participação. Também deve ser incentivada acriação de Organismos de Certificação Credenciados, entidades semfins lucrativos que se enquadrem nos requisitos estabelecidospelo INMETRO, para a certificação de terceira parte.

Para a elevação dos níveis de competitividade nas cadeiasbaseadas na pecuária é imprescindível o reforço à fiscalização daqualidade dos animais e do processo industrial. Por lei aresponsabilidade pela inspeção sanitária cabe aos estados; seustécnicos, em cooperação com produtores e suas associações, devemintensificar a fiscalização e assegurar a vacinação compulsória.É urgente acelerar a implementação do Programa Federal que prevêa eliminação da febre aftosa até o ano 2.000, bem como eliminar oabate clandestino. Para os setores de carnes e lácteos é tambémimportante a modificação do Regulamento de Inspeção Industrial eSanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), cujos critériosnão acompanham inovações na área de preservação e controle daqualidade.

Reverter a tendência à informalização

Para tentar reverter a tendência ao aumento deinformalização observado em diversos setores, além do apoio àspequenas e médias empresas através de medidas como o incentivo àconstituição de redes cooperativas e organização em pólos,propõe-se: a) criação de linhas de crédito oficiais relacionadas,ou condicionadas, aos recolhimentos tributários e previdenciário;pode-se estudar a possibilidade de concessão de crédito emcondições favorecidas cujos montantes fossem proporcionais aosrecolhimentos fiscais por parte da empresa beneficiada;b) intensificação de programas voltados à capacitação de pequenasempresas; c) revisão do sistema tributário brasileiro, inclusivea base de cálculo das obrigações sociais, de modo a diminuir acarga tributária micro e, conseqüentemente, diminuir os estímulosà informalização; d) incentivo às grandes e médias empresas paraexigirem de suas subcontratadas o cumprimento da legislaçãofiscal e trabalhista; e) principalmente depois do encaminhamentodas recomendações acima, será também necessário reforçar afiscalização de modo a incentivar o cumprimento da legislação.

A experiência internacional demonstra que o papeldesempenhado pelas grandes empresas pode constituir o instrumentode maior eficácia dentre todas as iniciativas para a capacitaçãoe modernização das empresas de menor porte. Ao invés da imposiçãode preços ou aproveitamento de "vantagens" da informalidade,exigências de qualidade, orientação na implementação de práticasprodutivas atualizadas, especificação de produtos, sistemas de

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qualidade, testes, etc. podem levar à modernização de empresascom menor capacitação. O comportamento cooperativo beneficiatambém as grandes empresas, que passam a contar com fornecedorescapazes de assegurar qualidade, prazos de entrega e menorescustos (advindos de aumentos de produtividade), aumentando suacompetitividade.

Aprimorar a política comercial

A abertura da economia a importações pode dar acesso aosconsumidores locais a novos produtos, níveis de preços maisacessíveis, maior assistência aos clientes, menores prazos deentrega ou outras condições mais favoráveis de oferta. Além dasvantagens imediatas de propiciar atendimento mais satisfatório àdemanda, é importante o papel das importações no esclarecimentodos consumidores e na exposição da indústria local à maiorconcorrência.

A diretriz da política comercial deve ser a de sinalizar, deforma permanente, a necessidade dos setores com deficiênciascompetitivas adotarem estratégias dinâmicas de ajuste, baseadasem aumento da capacitação produtiva e tecnológica. Para estessetores as tarifas alfandegárias devem ser mantidas baixas oumesmo nulas. Em hipótese alguma, no entanto, a política tarifáriadeve ser utilizada como mecanismo antiinflacionário.

Por outro lado, é necessária a utilização criteriosa desteinstrumento, não expondo a indústria doméstica a práticasdesleais de empresas que necessitam escoar excedentes de produçãoou que desejam entrar no mercado, adotando estratégiasinsustentáveis no médio prazo. Naturalmente, uma aberturadesindustrializante, com concorrência predatória, não cumpre estepapel. Neste sentido, é fundamental buscar a capacitação dosórgãos da área de política comercial e acelerar a elaboração doCódigo Brasileiro de Salvaguardas, a ser posteriormenteconsolidado com os códigos anti-dumping e anti-subsídios.

No caso concreto de segmentos com evidentes necessidades dereestruturação e que se deseje preservar a produção local porquestões de emprego e viabilidade de recuperação em curto prazo(como parece ser, por exemplo, o caso de produtos têxteisbaseados em fibras sintéticas e artificiais), poderia sercontemplada a aplicação do imposto seletivo, sujeitando o setor acompromissos quantitativos relacionados a metas de capacitação edesempenho, e com prazo definido de vigência.

O fechamento do mercado no passado foi importante paraviabilizar a instalação da indústria automobilística, mas aestagnação do mercado e a proteção continuada durante os anos 80dificultaram o processo de avanço competitivo. Um dos pontos maispolêmicos das proposições da Câmara Setorial para a modernizaçãoe reestruturação do setor é o relativo a cotas restritivas àsimportações de veículos, instrumento utilizado por diversospaíses.

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O projeto prevê a não adoção de cotas, privilegiandomecanismos de proteção via executivo, mais ágeis e eficazes, alémde mais favoráveis a negociações internacionais para o Brasil. Aproteção real que a alíquota de importação atual de 35% permitedepende, além da própria capacidade de competir da indústriadoméstica, de inúmeros aspectos sistêmicos da competitividade,como por exemplo, a estabilidade econômica e política. O processode redução gradual das alíquotas de importação, até atingir 20%no ano 2.000, deve ser monitorado de perto pelo governo ecorrigido sempre que necessário, para evitar o aumento excessivode importações, além de eventuais práticas de dumping.

A utilização de mecanismos não-tarifários de modo nãocolidente com as postulações do GATT implica o recurso ainstrumentos de grande sofisticação e exige grande competênciatécnica e agilidade dos órgãos responsáveis, do mesmo modo que aaplicação dos demais mecanismos que visam assegurar um grauadequado de concorrência entre as empresas.

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5. SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO

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SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO------------------------------------------------------------------------------------------------------------Complexo Eletrônico informática; telecomunicações;

automação industrial; software

Complexo Metal-Mecânico máquinas-ferramenta; máquinas agrícolas; equipamentos para energia elétrica

Complexo Químico fármacos; defensivos agrícolas

Extra-Complexo biotecnologia------------------------------------------------------------------------------------------------------------

DIAGNÓSTICO

Os setores difusores de progresso técnico são os maisameaçados pela prolongada crise econômica brasileira. Exatamentepor estarem vinculados à incorporação de inovações tecnológicasna indústria em geral, esse conjunto de setores, mais quequalquer outro, depende da realização de investimentos. A perdade dinamismo da economia, a deterioração das condições definanciamento de longo prazo e a descoordenação das políticasindustrial e tecnológica nos últimos anos fragilizaramseveramente a capacidade competitiva desses setores.

As indústrias do complexo eletrônico brasileiro atravessamatualmente uma fase de transição, fruto da reformulação dasestratégias competitivas empresariais, de maneira a adequá-las aonovo cenário de crescente integração com o mercado internacional.Ao longo da década de 80, a quase totalidade dos segmentos docomplexo apresentava reduzida competitividade, com a principalexceção da automação bancária e computadores de grande porte.Destaca-se, no entanto, o importante potencial associado àscapacitações tecnológicas desenvolvidas por estas empresas anível das atividades de projeto de produtos e, em menor medida,nos processos produtivos. Além disso, as empresas realizaram umsignificativo processo de aprendizado na montagem de redesnacionais de comercialização e prestação de serviços aosusuários. A partir de 1990, após a revisão da Política Nacionalde Informática, o complexo enfrentou queda no valor das vendas,acompanhada por uma significativa diminuição nos seus preços emargens de lucro, e elevação das importações. Parcela importantedas atividades industriais locais foram desativadas, com asempresas optando pela montagem de kits adquiridos em regime SKD,com base em acordos de distribuição ou transferência detecnologia. Os cortes de pessoal foram acentuados, em particular

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nos departamentos de P&D das empresas nacionais, colocando emrisco uma das principais oportunidades competitivas do complexo,que é a disponibilidade de recursos humanos de alta qualificação.

Embora o ajuste empreendido tenha proporcionadoconsideráveis melhorias nas relações desempenho/preço dosprodutos, a já reduzida competitividade das empresas brasileirasvê-se dificultada pela diminuição do valor localmente agregadonos produtos comercializados.

A problemática enfrentada pelas indústrias de bens decapital eletromecânicos é de natureza distinta. A indústria, quehistoricamente demonstrou possuir boa capacidade de manufatura,corre atualmente o risco de perder parte desta capacitação emfunção, fundamentalmente, da desatualização de seus equipamentos.A indústria não acompanhou a tendência internacional deintensificação dos investimentos em desenvolvimento de processose produtos, sobretudo os voltados para a produção de equipamentosde automação microeletrônica, fato que fez aumentar a defasagemtecnológica, particularmente para os bens de capital seriados.

Dentre os setores produtores de máquinas e equipamentosanalisados, o setor de bens de capital sob encomenda para o setorelétrico demonstra possuir níveis satisfatórios decompetitividade, com a possível exceção da fabricação dedisjuntores. É o que se encontra menos defasado em termos deprocesso - as plantas são relativamente novas e atualizadas e asempresas têm investido em programas de produtividade e qualidade- e de produto - pois os produtos podem ser consideradosrelativamente maduros. Porém, essa competitividade é muitoafetada por fatores sistêmicos como o desequilíbrio financeirodas empresas estatais do setor elétrico, principais demandantesdo setor e da ausência de condições de financiamento àsexportações.

Já no setor de máquinas-ferramenta a competitividade é maiorem produtos seriados convencionais, gerados com base no paradigmatecnológico eletromecânico, e vem se erodindo nos últimos anos.As empresas de origem estrangeira são as que possuem maiorcoeficiente de exportação, uma vez que têm adaptado maisrapidamente suas estratégias ao ambiente de globalização. Asgrandes empresas nacionais encontram maiores dificuldades paraexportar. A sua maior competitividade em máquinas convencionaisobriga as empresas brasileiras a disputarem um mercado que,apesar de ainda significativo, vem crescendo a taxas muitomoderadas e enfrenta forte acirramento da competição.

O setor de máquinas e implementos agrícolas é o que seencontra em pior situação competitiva. É neste setor que astecnologias mais modernas de processo de produção se encontrammenos difundidas e, principalmente, são maiores as defasagens deproduto em relação ao exterior. Isto se verifica de forma maisintensa para os implementos agrícolas que para os produtos maiscomplexos (tratores, moto-cultivadores e colheitadeiras).

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Os setores de defensivos agrícolas e fármacos, assim como aquímica fina em geral, são pouco competitivos no Brasil. Adespeito de alguns avanços em termos da capacitação produtivaocorridos na década de 80, as empresas de capital nacional não semostram aptas a alcançar os níveis de capacitação tecnológica,financeira e de marketing requeridos para atuar nos mercados maisdinâmicos. As empresas de capital estrangeiro, que hegemonizamesses setores no país, adotam uma lógica de atuação global quetende a limitar o desenvolvimento dessas indústrias. Em diversoscasos, a produção realizada localmente se limita a poucas etapasde síntese a partir de precursores importados altamenteelaborados.

Situação semelhante é experimentada pela biotecnologia. Hápouca capacidade de inovação no país e são reduzidos osinvestimentos nessa área, tanto em empresas farmacêuticas quantoagroalimentares. Neste último segmento, são maiores asoportunidades ainda pouco aproveitadas.

Mercado

. Potencialidades e restrições do mercado brasileiro

O fato do Brasil possuir uma malha industrial densa ediversificada proporciona aos fornecedores de bens de capital ummercado potencial amplo e que oferece oportunidades empraticamente todos os segmentos da indústria. A diversificação daagricultura apresenta ainda grande potencial para odesenvolvimento das atividades agroquímicas, o que, somado àcapacitação já atingida em diversas cadeias agroindustriais, abretambém boas perspectivas para biotecnologias nesta área.

Deslanchando-se efetivamente o processo de desenvolvimentocompetitivo da indústria brasileira, a atualização do parqueprodutivo nacional e da infra-estrutura física necessáriarepresentará grande oportunidade para a evolução dos setoresdifusores de progresso técnico.

Os dados relativos à indústria de equipamentos paratelecomunicações, setor básico para a constituição dos networkscaracterísticos do novo paradigma industrial, exemplificam opotencial do mercado brasileiro. No ranking mundial, o Brasilpossui a 12a colocação em número absoluto de terminaistelefônicos. Por outro lado, a penetração destes serviços ainda émuito reduzida no país: existem entre 6 e 7 terminais por 100habitantes (situando-se entre 40 e 100 nos países desenvolvidos);apenas 23% dos domicílios urbanos e menos de 2% dos rurais sãoatendidos pela rede telefônica; a taxa de crescimento da rede,que chegou a atingir 20% a.a. na década de 70, reduziu-se para 6%na década passada. Considerando o objetivo de universalização dosserviços básicos de telefonia, através da expansão da redeinstalada, a crescente demanda por serviços mais sofisticados esegmentados e a expansão nos canais de integração do país com

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redes telemáticas internacionais, a demanda já existente eprojetada exigirá taxas de crescimento da ordem de 15 a 20% a.a.

Não obstante esse potencial, a área mais atingida pelainstabilidade econômica e baixo dinamismo da economia brasileiraforam os bens de capital (Tabela 2). Além dos efeitos da crise doinício dos 90, assim como a do início dos 80, terem sido maisprofundos neste segmento, sua recuperação não acompanha a dosdemais setores, exigindo expectativas positivas para um horizontemais longo de tempo.

TABELA 2ÍNDICES DE PRODUÇÃO FÍSICA

(1981 = 100)------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANO BENS DE CAPITAL INDÚSTRIA DE

TRANSFORMAÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------------------------1985 89 1081986 108 1201987 106 1221988 104 1171989 104 1211990 88 1101991 79 1091992 69 103------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: IBGE.

Ademais, a concretização de investimentos é muito sensívelàs condições de financiamento. Além da amplificação do riscointroduzida pela instabilidade de preços, as atuais condições definanciamento, mesmo as praticadas pelo BNDES, colocam asempresas locais em desvantagem em relação a seus competidoresinternacionais. Um financiamento a custo de TR mais 12% a.a.representou em 1992, por exemplo, variação cambial mais 19% a.a.,quando no exterior obtém-se 7% a.a.

A competitividade das indústrias produtoras de bens decapital é afetada pela queda dos investimentos na economiabrasileira de diversas formas. Os principais efeitos são aineficiência produtiva - operação com ociosidade e distante dasescalas ótimas de produção - e os obstáculos que esta fragilidadecria ao desenvolvimento tecnológico.

As empresas de todos os setores do segmento de máquinas eequipamentos e do complexo eletrônico têm sistematicamentereduzido os recursos destinados a estruturas de longo prazo, comoP&D, atividades de treinamento de recursos humanos, assistênciatécnica e planejamento estratégico. A atualização tecnológica dos

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produtos, um dos principais fatores determinantes dacompetitividade nestes segmentos, fica assim severamenteprejudicada.

No setor de automação industrial, os investimentos em P&Drepresentaram 12,8% do faturamento das empresas em 1989,reduzindo-se para 8,8% em 1992. Na indústria de informática, omercado interno cresceu a taxas médias anuais próximas a 30%entre 1986 e 1990, mantendo as empresas dispêndios com P&D emtorno de 5% ao ano. Entre 1989 e 1992, com a queda estimada em32% no faturamento do setor, os investimentos em P&D tiveram umaredução de 67% e foi desmobilizada a maior parte das equipesdedicadas ao desenvolvimento de produtos. Em vários segmentos debens de capital o dispêndio pelas empresas brasileiras é inferiora 2% do faturamento, valor incompatível com os níveisinternacionais do setor.

Os efeitos negativos a montante das cadeias produtivasacumulam também obstáculos à competitividade nessas indústrias.De acordo com os principais fabricantes de circuitos integradospara aplicações específicas (ASICs), virtualmente deixou deexistir mercado no Brasil para este tipo de componente para aindústria de informática, uma vez que seu projeto é umdesdobramento do projeto do respectivo equipamento. Acomercialização bruta das empresas brasileiras de microeletrônicacaiu de US$ 469 milhões em 1989 para US$ 100 milhões em 1992 e aquase totalidade das empresas estrangeiras suspendeu suasatividades industriais no país.

Especialmente nos bens de capital de base eletromecânica, ainstabilidade do mercado induz à internalização do suprimento edesestimula o estabelecimento de maior cooperação entre produtore fornecedor. Em períodos de súbito aquecimento da demanda, osfornecedores elevam preços, não atendem a prazos de entrega eagravam-se os problemas da qualidade. Em períodos de retração domercado, a produção de componentes pelos próprios fabricantes dosbens de capital reduz a ociosidade de seus equipamentos e evita ademissão de mão-de-obra qualificada. Como as oscilações demercado na economia brasileira são freqüentes, os estímulos àverticalização são permanentes.

Do mesmo modo, o reduzido investimento do conjunto daindústria brasileira levou à excessiva diversificação dasempresas, que buscavam diminuir a ociosidade de sua capacidadeprodutiva através do atendimento a demandas por diversos tipos deequipamentos. Políticas não-seletivas de apoio ao setor e a buscade autosuficiência do país sancionaram este comportamento. Aausência de especialização, além de acarretar falta de escala nasvárias linhas de produção, limita o aprendizado tecnológico.

Dada a crise de mercado enfrentada por esses setores, onível de investimentos em modernização produtiva foi muitoreduzido, o que desatualizou seu parque de máquinas. Ao mesmotempo, a indústria de bens de capital internacional acelerou seus

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investimentos, sobretudo em equipamentos de automaçãomicroeletrônica, o que resultou no aumento da defasagemtecnológica dos processos produtivos da indústria brasileira faceaos produtores internacionais.

A possibilidade técnica, e também comercial, de lançamentode novos produtos de bens de capital depende do comportamento domercado, de investimentos em modernização nos setores usuários, eé nesta perspectiva que a crise econômica vem afetando seriamentea capacitação interna no desenvolvimento de produtos. Empraticamente todos os segmentos de bens de capital ampliou-se nosanos 90 o período de novos lançamentos. Na medida em que é muitobaixa e pontual a modernização da indústria têxtil, por exemplo,não se gera mercado suficiente para que a indústria de máquinastêxteis realize investimentos no lançamento de novos produtos.

Automação industrial

O mercado nacional para equipamentos de automação industrialé cerca de 80 vezes menor que o americano e praticamente nãoexiste exportação. Enquanto no Brasil foram vendidos cerca de5.090 controladores programáveis e 136 sistemas SDCD (sistemasdigitais de controle distribuído) em 1990, por exemplo, nos EUAforam comercializados 400.000 e 3.500 destes equipamentos,respectivamente. Em máquinas-ferramenta, o valor da produção doJapão e Alemanha, principais países produtores, situa-se em tornode US$ 8 bilhões, ao passo que o Brasil produziu, em 1992, cercade US$ 420 milhões.

A maioria das empresas líderes nacionais no setor deautomação industrial possui acordos de transferência detecnologia realizados na vigência da política de reserva domercado. Entretanto, as tecnologias licenciadas nas primeiraslicitações da SEI estão superadas e a segunda leva detecnologias, licenciadas em 1987/89, não chegou a sernacionalizada. Observa-se, de forma geral, desatualizaçãotecnológica dos produtos fabricados no país.

Além disso, produtos mais sofisticados, como os SDCDs, foramos mais afetados pela recessão recente - o valor comercializadode SDCDs passou de US$ 95,5 milhões, em 1989, para US$ 30,6milhões, em 1990 -, devido a seu alto preço, sendo substituídospor soluções envolvendo equipamentos menos complexos, como osSCSs (sistemas de controle e supervisão) e CPs (controladoresprogramáveis). Os fabricantes locais de CPs e de controladoresdigitais dominam a tecnologia dos produtos atuais e possuem umabase instalada razoável. Os fabricantes de SDCDs, que nãochegaram a absorver a tecnologia dos produtos de última geração,têm preferido importar placas montadas ou equipamentos completos.

Equipamentos para telecomunicações

Em equipamentos para telecomunicações, o avanço dacapacitação nacional correspondeu a um processo iniciado com o

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aprendizado na operação e manutenção dos equipamentos de rede eevoluiu até a capacitação hoje existente nas áreas dedesenvolvimento e integração de sistemas, software, projeto desistemas digitais, produção de fibras óticas e de diversosequipamentos demandados pela expansão da rede.

A política de compras do Sistema Telebrás revelou-se deimportância estratégica para o desenvolvimento da indústria. Osetor também se beneficiou das tecnologias desenvolvidas peloCPqD em parceria com as empresas, como foi o caso dosconcentradores e centrais de pequeno e médio portes, a partir dafamília Trópico. Estão presentes neste setor as principaisempresas líderes internacionais, que têm atuado também emparcerias com empresas nacionais, visando estas o acesso a linhasde produtos tecnologicamente mais avançados ou não disponíveis nopaís e, sobretudo, a obtenção de produtos complementares capazesde compor sistemas completos de soluções demandadas pelo mercado.

Informática

A indústria brasileira de informática possui um elevado graude diversificação e desenvolveu uma certa capacitação tecnológicaprincipalmente em projeto de produtos. Dispõe atualmente de redesnacionais de marketing e suporte com pessoal extremamentequalificado (resultante inclusive do desmonte de estruturas deP&D) e tem significativa participação de grandes gruposeconômicos em suas empresas líderes. Carece, entretanto, desinergias com outros segmentos do complexo eletrônico e de maiorexperiência com clientes externos; é reduzida a sofisticação dosusuários locais, sendo pouco difundida a cultura de processamentodistribuído, assim como arquiteturas padronizadas fora dosegmento de microcomputadores.

Como decorrência da combinação de retração profunda deinvestimentos com abertura comercial, os preços da maioria dosequipamentos nacionais reduziram-se substancialmente nos últimosanos. Além de ter sido particularmente intenso nesses setores oajuste de racionalização da produção observado em toda aindústria nacional, ampliou-se grandemente a importação deinsumos e componentes e as filiais de empresas estrangeirasaproximaram os preços praticados no país aos internacionais.Especialmente no complexo eletrônico, houve uma significativaredução do valor agregado localmente nos produtoscomercializados, sendo também mais acentuada a diminuição na suarelação preço/desempenho, superando mesmo o declínio observadointernacionalmente nos produtos do complexo.

A Tabela 3 apresenta dados para o setor de informáticareferentes a 1989 e 1992, ou seja, antes e depois das mudanças naPolítica Nacional de Informática, que ilustram os impactoscausados por esses movimentos.

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TABELA 3DESEMPENHO DAS EMPRESAS DE INFORMÁTICA

1989-1992

DISCRIMINAÇÃO 1989 1992Faturamento Empresas Nac. (US$ Milhões) 2774 2061Faturamento Empresas Estr.(US$ Milhões) 2025 2691Faturamento Total Equip. (US$ Milhões) 4799 4752Importações (US$ Milhões) 882 1498Investimento Empresas Nac. (US$ Milhões) 848 238Investimento Empresas Estr. (US$ Milhões) 1597 374Investimento Total (US$ Milhões) 2445 612Empregos Nível Superior 24113 13343Empregos Total 74390 30919Fonte: Panorama do Setor de Informática Vol. 1 N. 1 Set. 91, para dados de 1989. Dadospreliminares da Automática para 1992.

Bens de capital eletromecânicos

Para o conjunto do setor de máquinas e equipamentos, disporde produtos tecnologicamente atualizados é um importante fator decompetitividade. Nos produtos maduros e de menor complexidadetecnológica, a indústria brasileira tem, em geral, demonstradocompetitividade. Entretanto, este mercado tende a declinarinternacionalmente em função do surgimento de produtos deconcepção mais moderna.

No passado, a engenharia reversa foi utilizada como forma decapacitação no desenvolvimento de produtos menos complexos doponto de vista tecnológico, e a indústria brasileira demonstroucapacidade para realizar adaptações e inovações incrementais.Para a produção de máquinas mais sofisticadas a indústriarecorria ao licenciamento do exterior, principalmente empresasestrangeiras, mas também as nacionais. Muitas vezes olicenciamento não era acompanhado por um esforço endógeno dedesenvolvimento tecnológico, o que mantinha a dependência doexterior.

Com a difusão no mercado internacional da tecnologiaeletrônica integrada à mecânica, a engenharia reversa tornou-semais difícil, fazendo do licenciamento de produtos uma imposiçãonatural. A maioria das pequenas e médias empresas nacionais daindústria de bens de capital, no entanto, não se encontracapacitada para realizar bons contratos de licenciamento,carecendo de conhecimento técnico e comercial sobre as empresasno exterior detentoras de tecnologias. À medida em que váriasmáquinas que incorporam dispositivos microeletrônicos tendem auma maior padronização, a indústria brasileira novamente consegueretomar sua trajetória tecnológica anterior.

A falta de dinamismo da economia brasileira cria um "círculovicioso" onde a fragilidade do mercado dificulta acompetitividade dos setores produtores de bens de capital e, porsua vez, estes segmentos não cumprem adequadamente seu papel de

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difusores de progresso técnico, fragilizando o conjunto daindústria. Ao contrário do que ocorre nos países líderes, ondediversos instrumentos são utilizados para estimular exportações egarantir assim patamares mínimos de demanda e menores oscilaçõesa estes setores estratégicos, no Brasil são insuficientes osmecanismos de fomento a exportações.

Química fina e biotecnologia

As áreas de química fina e biotecnologia, segmentos que,como os bens de capital, têm potencialmente papel chave nadifusão de inovações na indústria contemporânea, são tambémparticularmente afetadas pela instabilidade econômica. O altorisco associado ao desenvolvimento de novos produtos exigeperspectivas positivas e baixos níveis de incerteza.

A produção de fármacos apresenta algumas especificidades.Nos produtos de introdução mais recente, economias de escala sãopouco relevantes, existindo baixa relação entre custos deprodução e custo total. Os gastos com P&D são elevados econcentram-se em poucas unidades internacionais. Já para osprodutos de tecnologia mais madura, em geral genéricos, e queconstituem o segmento de maior potencial competitivo na indústriabrasileira de fármacos, a eficiência produtiva exige escalasmínimas de certo porte. Além disso, tendo os fármacos altarelação preço/volume, só se justifica a instalação de uma plantalocal quando o mercado possui grandes dimensões. Não existe umaavaliação precisa, mas estima-se que menos da metade da populaçãodo país tenha acesso a medicamentos, situando-se o consumo percapita em cerca de US$ 17 por habitante/ano (frente a US$ 182 nosEUA e US$ 256 no Japão). A desarticulação da política de compraspúblicas de medicamentos, com a virtual desativação da CEME,estreitou ainda mais a base de mercado para a indústria.

Na biotecnologia, tanto em empresas especializadas como nosdesenvolvimentos in house, predominam no país projetos relativosà agrobiotecnologia - em áreas como mudas e inoculantes parafixação biológica de nitrogênio - e alimentares, diferentementeda indústria internacional, onde é maior a participação dasbiotecnologias associadas à saúde. Características do mercadonacional explicam esta discrepância: a extensão e diversificaçãoda agricultura brasileira, o peso das cadeias agroindustriais naeconomia e a tradição de pesquisa agrícola no país conferemgrande potencial de desenvolvimento de biotecnologias voltadaspara estas áreas, enquanto são muito reduzidos os investimentosem P&D na indústria farmacêutica local.

Os elementos-chaves da competitividade no mercado deaditivos relacionam-se à conformidade dos produtos e aoestabelecimento de uma rede eficiente de assistência técnica,tendo a competição em preços um papel secundário. O caráterheterogêneo da indústria alimentar no país provoca umasegmentação no mercado de aditivos, permitindo a sobrevivência de

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produtos de preço e qualidade diferenciados. A capacitaçãotecnológica e estratégias voltadas ao cliente são fundamentais.

As oportunidades estruturais no setor de defensivosagrícolas estão também relacionadas à elevada diversificação daagricultura brasileira. Seu aproveitamento, entretanto, exigecompetência das empresas em desenvolver produtos, visando tornaro setor menos dependente das culturas da soja, trigo, cana-de-açúcar, citros e arroz, como ocorre atualmente. A prática dosagricultores de manter fixa a participação do custo dosdefensivos no custo total de produção e as limitações referentesàs técnicas de aplicação de defensivos utilizadas são osprincipais obstáculos à introdução de novos produtos.

Configuração da Indústria

. Reestruturação recente

Nos setores difusores de progresso técnico, embora asescalas empresariais possam constituir fonte relevante decompetitividade, constata-se no plano internacional a existênciade grande número de empresas de médio porte extremamentecompetitivas. Essas empresas compensam a incapacidade deconcorrer em preços em linhas de produtos muito "comoditizadas"pela flexibilidade de seus processos, pela agilidade de respostaàs solicitações do mercado em termos das especificações deproduto e pela grande habilidade de servir a clientela comrapidez e confiabilidade.

Complexo eletrônico

Os diagnósticos setoriais realizados indicam que já existeuma razoável concentração em todos os setores do complexoeletrônico brasileiro, com duas ou três empresas detendo a maiorparte do mercado interno em praticamente todos os seus segmentos.Na indústria de informática, embora o porte econômico dasempresas seja muito pequeno se comparado ao das líderesinternacionais, é significativo o envolvimento de alguns dosprincipais grupos econômicos nacionais, o que confere uma certacapacidade financeira para a realização dos investimentosnecessários para o incremento dos níveis de competitividade.Adicionalmente, as principais empresas transnacionais estão aquiinstaladas, fato que, potencialmente, estimula um maior ritmo deincorporação de tecnologias mais atualizadas.

As principais deficiências apresentadas pelas empresas aonível da produção estão ligadas à limitada experiência em"projeto para a manufatura" e à difusão incipiente deequipamentos automatizados e de técnicas modernas de gestão nosprocessos produtivos.

Também a experiência em atividades de integração de sistemasé muito limitada no Brasil e ainda é restrito o leque de produtoscom projeto nacional. A principal vantagem detida pelo Brasil na

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área de integração de sistemas vincula-se à disponibilidade de umgrande contingente de mão de obra qualificada a um custorelativamente reduzido em termos internacionais. Neste sentido,existe um grande número de engenheiros projetistas de hardware esoftware que, após a desativação da maior parte das equipes deP&D das empresas nacionais, encontram-se desenvolvendo atividadespouco intensivas em tecnologia - muitas vezes de naturezaestritamente comercial - mas que poderiam ser aproveitados naárea de integração de sistemas.

A desmobilização generalizada, no período recente, dasequipes de P&D das empresas nacionais em todos os setores docomplexo eletrônico envolve o risco de sucateamento de um amploconjunto de capacitações acumuladas no período anterior, noâmbito das atividades de projeto de produtos. Ainda mais grave éa situação dos fabricantes que realizaram cortes abruptos na suaárea industrial, eliminando uma grande parte das atividades antesdesenvolvidas, para limitar-se à montagem de kits importados emregime SKD. Nestes casos, existe o risco de se perder a culturaindustrial desenvolvida anteriormente. Principalmente nossegmentos de micros e periféricos, defasagens de capacitação nosprocessos produtivos podem dificultar o avanço para níveis deeficiência compatíveis com os verificados no mercadointernacional, especialmente nas faixas de produtos comtecnologias relativamente maduras, em que as possibilidades deentrada são maiores para os fabricantes nacionais.

O espaço para as firmas não verticalizadas e/ou de menorporte (ou participação de mercado) restringe-se à exploração demercados "verticais" - sistemas de uso específico projetados deacordo com as necessidades de determinados setores usuários(bancos, empresas de telecomunicações, etc.) ou à fabricação deequipamentos baseados no uso inovativo de arquiteturas paralelase componentes de última geração.

A variedade de produtos e tecnologias acessíveis às empresasnacionais através da realização de parcerias externas temassumido proporções inéditas e deverá refletir num fortalecimentorelativo das suas atividades comerciais. Cumpre frisar, noentanto, que a quase totalidade das joint-ventures ocorridas apósa "abertura" apresentou resultados muito limitados no âmbito dosprocessos de transferência de tecnologia do parceiro estrangeiropara o nacional.

Informática

Uma das debilidades apresentadas pela indústria brasileirade informática é o seu reduzido aproveitamento das sinergiaspassíveis de serem obtidas na interação com outros segmentos docomplexo eletrônico. Verificou-se uma relativa desativação darede de fornecedores especializados de partes, peças ecomponentes para a indústria de informática que, graças aosesforços das empresas montadoras, tinha sido constituída noperíodo anterior. Restam alguns fornecedores nacionais de

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componentes microeletrônicos, que mesmo não realizando localmenteo ciclo completo de produção destes últimos e apesar de teremsofrido drásticas quedas nas suas receitas, têm mantido a suainfra-estrutura de projeto, particularmente no caso dos circuitosintegrados para aplicações específicas.

O aumento das compras de componentes no exterior pelasempresas de informática tem sido motivado pela redução dasalíquotas de importação, assim como pelo crescimento dasimportações de produtos em regime CKD ou SKD. A estes fatoresdeve-se somar também a desativação da maior parte das unidadesindustriais locais de fabricantes estrangeiros de componentes e aredução do leque de produtos ofertados pelas empresas nacionais.Deve-se frisar, contudo, que, apesar da substituição dofornecimento local por importações diretas ter significado umaredução dos custos diretos das empresas de informática, ela temacarretado também o surgimento de maiores custos financeiros,como conseqüencia da necessidade de manter maiores estoques decomponentes, dados os maiores prazos de entrega oferecidos nomercado internacional para as empresas brasileiras (em relação àsituação verificada quando as compras eram feitas no país). Deve-se acrescentar também o acréscimo de 3 a 4% nos custos devido ascartas de crédito exigidas no mercado internacional e osproblemas operacionais decorrentes da necessidade de realizar umplanejamento mais apurado das compras. Por estas razões, oretorno, pelo menos parcial, à utilização de fornecedores locaisde componentes é avaliado como uma fonte potencial de ganhos decompetitividade, na medida em que as condições de preço equalidade se tornem compatíveis com as do mercado internacional.

Também desfavorável é o grau de desenvolvimento da infra-estrutura educacional, de ciência e tecnologia e detelecomunicações.

Software

No setor de software, as empresas nacionais são, em geral,pequenas e descapitalizadas, sem recursos financeiros e demarketing significativos. As perspectivas são mais favoráveispara aquelas firmas que operam em segmentos onde é mais fácilseguir uma estratégia de diferenciação de produto, seja emferramentas de desenvolvimento, sistemas de suporte ouaplicativos de uso específico. Aqui as capacitações tecnológicasacumuladas podem ser utilizadas na construção de vantagenscompetitivas a partir de produtos diferenciados e originais.

Uma alternativa para as empresas encontra-se na atuaçãosimultânea como distribuidor de software importado nos mercadosmais padronizados e produtor naqueles segmentos onde produtosdiferenciados são viáveis. Desta forma a empresa pode ganhar umaposição competitiva mais sólida, destacadamente em termosfinanceiros, desde que as linhas de produto sejam complementares.Entretanto, a viabilidade desta estratégia tende a estar restritaaos sistemas de maior porte, onde a comercialização requer

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vendedores mais capacitados e uma linguagem mais técnica naabordagem ao cliente.

Automação industrial

No setor de automação industrial encontra-se em curso umprocesso de reestruturação da oferta que pouco tem contribuídopara a preservação da capacitação em sistemas de automação criadano país. De fato, a crise recessiva e o fim da reserva demercado, em outubro de 1992, provocaram grandes alterações nosetor expressas no grande número de empresas líderes vendidas ouque abandonaram o setor, significando o aumento da importânciadas empresas multinacionais, principais detentoras da tecnologia,com a perda de espaço das antigas líderes nacionais.

Além da concorrência das multinacionais, as empresas decapital nacional têm que competir também com os produtosimportados. Estas empresas não conseguiram tornar-seindependentes tecnologicamente, nem atingir um porte razoável, oque torna mais difícil sua situação.

Equipamentos para telecomunicações

O aumento da presença de empresas estrangeiras também severificou na indústria de tele-equipamentos, tanto pelainstalação de escritórios no país, quanto pela participação emconcorrências diretamente ou em conjunto com empresas jáinstaladas no mercado brasileiro.

Os efeitos da multiplicação das parcerias entre empresasnacionais e estrangeiras, amplamente verificado na estruturasetorial no período recente, ainda são pouco previsíveis. Muitosdestes acordos podem ser classificados como joint-business, cujaefetivação depende do sucesso específico em concorrências ou emoutras encomendas. O efeito positivo está na possibilidade dasempresas aqui instaladas tornarem-se "integradoras" efornecedoras de sistemas completos para as soluções demandadaspelo mercado. O aproveitamento das respectivas estruturas, oacesso e o conhecimento de características específicas do mercadointerno constituem vantagens que podem alavancar estas operaçõesna direção de um upgrading e maior desenvolvimento próprio.

A prática de terceirização de etapas do processo produtivoexpandiu-se fortemente no setor de teleequipamentos, o que podeser observado não apenas pelo crescimento das importações departes e componentes a nível setorial mas sobretudo peladesverticalização radical da produção em alguns casos. Talprocesso introduz o risco destas empresas tornarem-se merasrepresentantes comerciais, sem qualquer desenvolvimento próprio einclusive sem agregar valor interno no resultado das operações.

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Bens de capital eletromecânicos

Ao contrário das indústrias do complexo eletrônico, nosegmento de bens de capital eletromecânicos ainda se constata umapulverização excessiva entre fabricantes dedicados às mesmaslinhas de produtos. O segmento conta com um número relativamentegrande de empresas que detêm uma capacidade instalada superior àspossibilidades de absorção pelo mercado interno ou externo,refletindo o resultado do modelo brasileiro de substituição deimportações, que viabilizou o surgimento de empresas de pequenoporte com baixa capacitação.

O excesso de capacidade instalada é estrutural, não sereferindo apenas à conjuntura atual de retração de mercado. Deveser lembrado que ao longo dos anos 80, com a tendência de quedade mercado, várias fusões e incorporações de empresas já foramrealizadas e outras empresas simplesmente deixaram de existir,elevando o grau de concentração da produção. De certo modo, asempresas resistem a um processo de reestruturação devido aosefeitos perversos da recessão sobre o volume e a regularidade dademanda de máquinas.

A despeito disso, ainda há excesso de capacidade deprodução. No setor de bens de capital sob encomenda para o setorelétrico, apesar de mais concentrado, ainda há um número maior deempresas do que o mercado comporta, o que significa que apulverização de empresas ainda permanece. Em decorrência, asempresas apresentam graus insatisfatórios de utilização dacapacidade instalada, reduzindo as possibilidades de obtenção deeconomias de escala. Na indústria de máquinas e implementosagrícolas se observa o mesmo, existindo, atualmente, umatendência a fusões no seu segmento mais avançado, que é o deprodução de tratores. Na indústria produtora de máquinas-ferramenta, apesar da maior concentração da produção hojeexistente, também há excesso de capacidade produtiva, evidenciadopelos elevados índices de ociosidade das plantas.

Na medida em que o mercado interno é relativamente limitadoe que há excesso de capacidade produtiva, cada empresa seguiu umaestratégia de diversificação da sua linha de produtos,contrariando a tendência internacional. A diversificação de formaalguma representa um estágio avançado da indústria no sentido deproporcionar maior flexibilidade de produção. Ao contrário, asempresas não demonstram possuir flexibilidade e, na realidade,dispõem de um grande patrimônio que se encontra ocioso.

Além dos problemas decorrentes da falta de escala em cadalinha de produtos, a diversificação acaba se constituindo numobstáculo à maior capacitação da empresa na medida em que dilui oesforço tecnológico. A especialização, por outro lado, viabilizaa concentração dos esforços de capacitação tecnológica, comresultados muito mais positivos.

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As empresas produtoras de máquinas e equipamentos geralmenteapresentam ainda elevado grau de verticalização. Esta últimacaracterística também é de ordem estrutural, estando presentedesde as origens da indústria no Brasil.

No período mais recente, as empresas de maior porte têmprocurado caminhar em direção à maior especialização da linha deprodutos. Este movimento é muito claro na indústria de bens decapital sob encomenda para o setor elétrico, onde as empresas vêmreduzindo o número de segmentos de mercado em que atuam,ampliando, porém, o número de produtos dentro de cada segmento.Esta estratégia objetiva a obtenção de economias de escala e deescopo.

No setor de máquinas-ferramenta, as empresas estrangeirastêm procurado se especializar numa gama mais reduzida deprodutos, ofertando para o mercado global e, por outro lado,tendem a complementar a sua oferta de produtos com a importaçãode equipamentos de outras empresas do mesmo grupo empresarial.Nestes casos, as empresas procuram obter economias de escala e deescopo no plano internacional.

No setor de máquinas agrícolas, várias empresas deimplementos estão tentando intensificar a venda de fundidos paraterceiros, visando minimizar os custos fixos decorrentes do altograu de ociosidade. Observa-se, em contrapartida, uma tendência autilizar serviços de terceiros nas etapas de tratamento térmico ede superfície realizados por outras empresas da indústria metal-mecânica, de maior porte, cujos equipamentos são mais modernos.

As empresas de tratores e cultivadores começaram na décadade 80 a desverticalizar a etapa de fundição e iniciaram umprograma de racionalização da capacidade, promovendoreestruturações patrimoniais, desativação de algumas unidadesprodutivas ou investindo na implantação de programas paraformação de redes de fornecedores visando a terceirização decomponentes.

Química fina

A indústria química fina, após alguns avanços obtidos nosanos 80, apresentou uma evolução desfavorável nos anos iniciaisda década de 90.

No setor de defensivos agrícolas, com o fim da proteçãotarifária, várias plantas foram fechadas, configurando uma certadesindustrialização do setor. A natureza de pequena empresaindependente, por vezes familiar (fortemente identificada com apessoa de seu fundador), e a desproporção de tamanho em relaçãoàs concorrentes diretas, divisões agroquímicas de grandecorporações químicas, constituem importante obstáculo àcompetitividade do setor. A pulverização da produção por umnúmero excessivo de empresas de pequeno porte tem levado a váriosmomentos de disputa predatória nos últimos anos e que, caso

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prossigam, podem comprometer a sobrevivência destas empresas. Ofato de algumas dessas empresas estarem entre os poucosprodutores mundiais de certos produtos (trifluralina egliphosato, por exemplo) poderia, após um programa de fusões,abrir espaço para um maior incentivo às exportações, uma vez queo atual percentual exportado não ultrapassa 10% do faturamento,contrastando com os resultados alcançado por firmas congêneressituadas em Israel, Itália e Taiwan.

As grandes multinacionais farmacêuticas atuam de formaverticalizada, abrangendo todos os estágios de fabricação: P&D denovos fármacos, produção industrial de fármacos, produção deespecialidades farmacêuticas (medicamentos) e marketing ecomercialização das especialidades. Centralizam em seus países deorigem os dois primeiros estágios e distribuem pelos diversospaíses a realização dos dois últimos, retirando assim o máximoproveito do comércio intrafirma e do monopólio (temporário)resultante das inovações tecnológicas.

No Brasil, mais de 80% do mercado de medicamentos é ocupadopor empresas estrangeiras e existe baixo nível de integraçãovertical: o segmento químico-farmacêutico é ainda poucodesenvolvido, apesar do crescimento registrado na década de 80,através de avanços realizados por grupos químicos nacionais.Acompanhando estes avanços, de modo geral a capacitaçãotecnológica para a produção de fármacos ampliou-se nos últimosanos. São bons os padrões de qualidade atingidos, bem como aeficiência dos processos, o que é indissociável das atividades deP&D. Em decorrência da grande heterogeneidade de empresas e dainstabilidade do setor, esta constatação não pode sergeneralizada.

Biotecnologia

Com relação à biotecnologia, é muito baixo o nível deatividades sistemáticas de P&D e investimentos em biotecnologiapor parte das empresas já estabelecidas nas áreas de química,farmacêutica, pesticidas, alimentos e sementes. Existe uma amplapredominância do investimento do setor público, sendo que mais de80% das atividades e dos investimentos em biotecnologia estãolocalizados em universidades e instituições públicas de pesquisa,que ademais concentram mais de 90% do pessoal qualificado.

De forma divergente do padrão internacional, é poucoexpressiva a formação de NEBs (novas empresas de biotecnologia),predominando projetos de mais curto prazo, caracterizados pelabusca de nichos reduzidos de mercado e utilização de técnicas comum grau "intermediário" de sofisticação (cultura de tecidos,fermentações, etc).

Devido à inexistência no país de empreendimentos de pesoeconômico, a indústria é formada por micro ou pequenas empresasou centros de desenvolvimento tecnológico que operam em nichosreduzidos de mercados de insumos agrícolas e alimentares (como o

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Centro de Desenvolvimento Biotecnológico de Santa Catarina, umempreendimento misto público/privado). Já nas áreas de saúdehumana e animal encontram-se empresas de maior porte, comprocedimentos tecnológicos e comerciais melhor estabelecidos.

. Relações inter-setoriais

Uma séria deficiência da configuração industrial dos setoresdifusores de progresso técnico no Brasil é a forma ainda tímidacom que as empresas buscam se organizar de modo a otimizar osganhos derivados da maior sinergia na articulações intra e inter-setoriais. Nesses setores, principalmente devido ao encurtamentodos ciclos de produto, esquemas associativos são fundamentaispara propiciar a necessária agilidade às empresas nos seusesforços de desenvolvimento tecnológico e de racionalização doscustos de produção.

Em particular para os bens de capital, tanto oseletromecânicos quanto os de automação digital, a adequação dosprojetos às características do mercado envolve interaçõesprodutor-usuário capazes de propiciar as sinergias requeridas.Também a transformação das empresas em montadoras, que é umaclara tendência internacional da produção de bens de capital, fazda existência de uma rede de fornecedores uma importante fonte decompetitividade estrutural.

Dentre as principais razões que obstaculizam odesenvolvimento de interações verticais mais intensas naindústria de bens de capital está a estrutura deficiente defornecedores. A instalação da indústria de bens de capital noBrasil não se fez acompanhar da estruturação de uma rede defornecedores. A política industrial, ao baratear o investimento,acabou favorecendo a que as empresas produtoras de bens decapital também produzissem seus componentes. Os fornecedoresexistentes não têm capacitação suficiente para garantirqualidade, ser competitivo em preço e cumprir os prazos deentrega acordados. Desta forma, os produtores de bens de capital,mesmo não tendo escala, conseguem produzir peças e componentescom menores custos e melhor qualidade. Alguns conjuntos decomponentes se constituem em setores industriais específicos comosão os casos dos componentes hidráulicos, pneumáticos eeletrônicos e motores. A verticalização existente na indústria demáquinas e equipamentos diz respeito principalmente à fundição eusinagem.

Também ao proteger o produto nacional, limitando aimportação de similar, e ao exigir índices mínimos denacionalização, a política industrial levou a que as empresas demáquinas e equipamentos internalizassem a produção decomponentes, para poderem ter direitos aos benefícios concedidos.

Nos anos 90 alguns desses condicionantes mudaram de sentido.Em primeiro lugar, deve-se destacar a abertura do mercadointerno, que acabou com as restrições não-tarifárias às

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importações e reduziu as alíquotas, viabilizando a importação departes, peças e componentes. De outra parte, o governo brasileiroreduziu significativamente os índices mínimos de nacionalização.Em relação ao comportamento do mercado, a crise atual é tão fortee incerta que tem levado as empresas produtoras de máquinas eequipamentos a adotarem estratégias de terceirização, pararacionalizar a produção e, principalmente, reduzir custos. Omovimento de terceirização ainda é tímido, sendo que avançoumuito mais na área de serviços do que propriamente na áreaprodutiva. A mesma restrição de mercado tem levado algumasempresas produtoras de máquinas e equipamentos a realizaremserviços para terceiros, procurando aumentar o grau de utilizaçãoda sua capacidade instalada. Parte dessas empresas pode vir a seconstituir apenas num fornecedor de partes no futuro, retirando-se da produção de máquinas. Desta forma, a indústria de máquinase equipamentos apresenta atualmente tendência de reduzir o graude verticalização e de nacionalização dos seus produtos.

Concorrência

Para os setores difusores de progresso técnico, a questãochave de uma política de desenvolvimento competitivo é conseguircompatibilizar, de um lado, o amplo acesso a inovações eequipamentos atualizados para o conjunto dos agentes econômicos;de outro, a participação do país nas indústrias intensivas emtecnologia, produzindo bens e serviços, criando espaços para ageração de empregos com elevado nível de qualificação e adequandoessas tecnologias à realidade e necessidades do país.

A criação de vantagens competitivas dinâmicas está cada vezmais associada à geração e incorporação de inovaçõestecnológicas, exigindo políticas ativas que se distanciam dasimples promoção de concorrência nos setores difusores deprogresso técnico. Nos países centrais, a ação do Estado abrangetanto a oferta quanto a demanda. Do lado da oferta, criandocondições favoráveis na educação, incentivando investimentos emP&D, concedendo financiamentos especialmente atraentes,estabelecendo condições de redução de custo e de riscos; eatuando pelo lado da demanda através do uso eficaz do poder decompra do governo, fomentando a modernização e automação doparque industrial e apoiando a inserção externa destes setores.

No passado as políticas industriais brasileiras, inclusivepor força de restrições cambiais, privilegiaram excessivamente oaspecto da oferta, mas sem preocupação com a adaptação dastecnologias às condições locais, e sem promover o desenvolvimentodo mercado interno nem incentivar exportações.

Como resultado, foram desenvolvidos conhecimentos ecompetências que poucos países conseguiram, acumulando-seexperiências, base industrial razoável em determinados segmentose recursos humanos qualificados. Em contrapartida, o parque

. Política industrial

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industrial nacional está, em geral, bastante defasado em relaçãoaos países industrializados.

Entretanto, deve ser relativizada a afirmação de que estadefasagem seja unicamente devida à incapacidade da indústrianacional de bens de capital em atender à demanda interna. Se éverdade que a proteção à indústria nacional permitiu a obtençãode altas margens de rentabilidade através da prática de preçoselevados em relação aos níveis internacionais, o saldo da balançacomercial da indústria de bens de capital mecânicos no Brasil éestruturalmente deficitário (apesar da obtenção de alguns saldospositivos durante a década de 80). A importação de bens decapital sem similar nacional sempre foi estimulada, através doantigo Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) e deprogramas como o BEFIEX.

Mais recentemente a "política industrial" brasileira passoua conferir maior ênfase à demanda, ao acesso a produtos etecnologias desenvolvidos externamente, através da liberalizaçãode importações. A partir de 1990, qualquer usuário passou a poderrequerer alíquota zero para a importação de bens de capital,desde que esta solicitação não seja contestada pela indústriabrasileira fabricante de equipamentos similares. A FINAME temreduzido os índices de nacionalização exigidos para osequipamentos financiados, que atualmente está em 60%. No final de1991 foi aprovada a nova Lei de Informática (Lei n.8248).

Não houve entretanto preocupação com o fortalecimento domercado nem em apoiar o ajuste da indústria instalada às novascondições. O aparato regulatório existente é deficiente naprevenção e repressão a práticas desleais de concorrência, o que,combinado a distorções tarifárias e a incentivos concedidosinternacionalmente aos setores difusores de progresso técnico,colocam, em diversos casos, os produtores locais em posiçãodesvantajosa.

A combinação de retração do mercado interno comliberalização de importações chegou a colocar em risco diversossegmentos da indústria de bens de capital e do complexoeletrônico. Por outro lado, a existência de regras estáveis -como a Lei de Propriedade Industrial, além da Nova Lei deInformática - proporcionou um horizonte menos incerto para aformulação de estratégias empresariais. Além disso, aregulamentação da Lei de Incentivos Fiscais a P&D deve vir arepresentar importante apoio no fortalecimento do mercado dossetores difusores de progresso técnico, além de estimular osnecessários investimentos do próprio setor.

Embora a reserva de mercado para bens de informáticaimplicasse custos mais elevados para os componentesmicroeletrônicos, comparativamente ao mercado internacional, estapolítica gerava fortes estímulos para a indústria de bens decapital avançar na sua capacitação em tecnologias de baseeletrônica, tanto para o desenvolvimento da interface entre aeletrônica e a mecânica, quanto para o desenvolvimento de

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softwares para suas máquinas. O crescimento do setor produtor demáquinas-ferramenta nos anos 80, baseado na produção de máquinas-ferramenta a comando numérico, atesta este fato.

. Inserção externa

Por sua vez, a maior abertura a importações não beneficiousignificativamente os setores produtores de bens de capital namedida em que a grande maioria das empresas brasileiras não contacom escalas suficientes para se abastecer de partes, peças ecomponentes no mercado externo.

Nos setores do complexo eletrônico as importações decomponentes - e mesmo de kits completos SKD - tiveram aumentosubstancial. Custos e preços foram reduzidos, mas também geraçãolocal de valor adicionado, emprego e investimentos, tendodiversas empresas praticamente abandonado atividades industriais,transformando-se em empresas comerciais.

Para o conjunto dos bens de capital, em diversos casos asimportações gozam de condições privilegiadas na concorrência coma produção local. Há produtos importados cujas condições de vendaincorporam esquemas de financiamento externo de longo prazo, comtaxas de juros menores e cobertura superior às oferecidas pelaFINAME. O financiamento externo tem assim retiradocompetitividade da indústria brasileira, mesmo no mercadodoméstico.

Há ainda desequilíbrios na estrutura tarifária nacional. Nosetor de máquinas-ferramenta, por exemplo, a alíquota para aimportação de comando numérico é de 35%, enquanto a de máquina-ferramenta a comando numérico (universal) é de 20%. A importaçãodo equipamento completo pode assim tornar-se vantajosa em relaçãoà produção nacional.

Vários países desenvolvidos protegem seus mercados atravésde mecanismos não-tarifários. No caso do Brasil, o sistema desalvaguardas comerciais ainda é muito precário, não apenas emtermos de legislação, mas também do desaparelhamento do Estadopara tomar iniciativas e apoiar as empresas brasileiras nestaárea.

Especialmente no complexo eletrônico, são freqüentespráticas de dumping, contrabando, sub-faturamento nas importaçõesou não-cumprimento de contrapartidas estabelecidas emcorrespondência a incentivos (principalmente o não-cumprimentodos processos produtivos básicos). Estas práticas desleais decomércio instabilizam e reduzem o já frágil mercado interno ecolocam em desvantagem empresas corretas e que buscam odesenvolvimento da indústria local.

No setor de fármacos, alguns produtos são vendidos nomercado mundial como excedentes de produção, a preços iguais aoscustos variáveis, e mesmo a preços que não mantêm relação com os

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custos de produção (caso dos países do leste europeu). A ausênciade produção interna facilita a prática do transfer-pricing eassim se perde o suposto benefício ao consumidor final permitidopela importação "mais competitiva" das matérias-primas. O preçodos medicamentos produzidos com fármacos importados costuma sermaior, na comparação com outros países, relativamente ao dosprodutos que utilizam insumos locais.

A posição do câmbio argentino e a sobrevalorização docruzeiro contribuíram para que o Brasil realizasse significativasimportações de máquinas argentinas em 1989 e 1990. A situação seinverteu nos anos seguintes, novamente muito em função dasflutuações cambiais. Recentemente, a Argentina reduziu a zerosuas alíquotas para importação de bens de capital, o que anula odireito de preferência para o mercado regional; as máquinasbrasileiras estariam competindo no mercado argentino emigualdades de condições com importações de outros países.

. Zona Franca de Manaus

A implantação da indústria de bens eletrônicos de consumo naZona Franca de Manaus destruiu por completo a indústria entãoexistente no restante do país e ainda hoje cria obstáculos sériosa uma política adequada para o complexo eletrônico. Persiste aameaça a empresas instaladas em outras regiões, caso a políticada Suframa continue a tentar criar vantagens comparativasartificiais, via incentivos, buscando atrair empresas de outrossetores que não o de bens eletrônicos de consumo. No setor deequipamentos para telecomunicações, por exemplo, esta questão vemassumindo destaque, embora este seja um setor com condições dedesenvolvimento competitivo sem o apoio maciço de subsídios, comoseria o caso na hipótese de sua transferência completa para aZona Franca.

. Normalização e qualidade industrial

No que se refere à especificação de produtos, apesar dosesforços recentes de normalização na indústria brasileira de bensde capital, a infra-estrutura existente se encontra subutilizada,sofrendo de falta de recursos financeiros e relativamente isoladadas empresas. É comum na indústria de bens de capital autilização de normas de diversas origens, seja em função da fortepresença de empresas estrangeiras, seja em função daheterogeneidade dos mercados de destino dos produtos, seja aindacomo decorrência da origem da tecnologia de produto.

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PROPOSIÇÕES - ESPECIALIZAÇÃO COMPETITIVA

Estratégia

A política de desenvolvimento competitivo da indústriabrasileira não será eficaz se não tornar os setores difusores deprogresso técnico capazes de contribuir para a modernização doparque industrial. A competitividade estrutural de toda aindústria depende da existência de um forte setor de bens decapital, incluindo a presença de um complexo eletrônico com graude desenvolvimento compatível com os requisitos de modernizaçãoda indústria na atualidade, e da disponibilidade de insumos daquímica fina e da biotecnologia adequados às especificidadeslocais.

A proposta básica é que se busque excelência internacionalem linhas de produtos onde exista potencial de demanda, vantagensda proximidade com clientes e capacitação mínima e, a partirdessa base, evoluir alavancando competitividade para produtosafins. A política de competitividade deve estimular aespecialização setorial, e não empresarial, garantindoseletivamente a competitividade dessas linhas de produto.

Não se propõe que o Brasil seja auto-suficiente em todos aslinhas de produtos, mas que as empresas instaladas no paísatendam, com tecnologias atualizadas e, principalmente, adequadasao mercado local, parcelas relevantes da demanda interna.Importações sempre serão necessárias, sobretudo daqueles bens commaior complexidade tecnológica, para os quais não hajacapacitação interna e escala de produção rentável. Nestes casos,deve-se manter nula a alíquota do imposto de importação,estimulando a necessária complementariedade entre produçãointerna e importações.

O princípio de seletividade sugerido é o de privilegiar osprodutos nos quais a indústria local, por um lado, já acumulouaprendizagem e capacitação e, por outro, onde a competitividadedo produtor e dos usuários se beneficie da proximidade física e,preferencialmente, onde o setor usuário tenha capacitação paraestimular o desenvolvimento de produtos mais competitivos eposssibilidade de manter uma demanda sustentada.

Os diagnósticos realizados indicam que há na indústriabrasileira diversos segmentos onde esses condicionantes sãoatendidos.

No complexo eletrônico, os esforços devem ser concentradosnos segmentos de automação bancária e comercial, impressoras,terminais de exibição, integração de sistemas de automaçãoindustrial e softwares aplicativos. Em telecomunicações, o apoioseletivo deve se direcionar para o projeto Trópico e seusderivados e modens, enquanto na microeletrônica o alvo deve ser oprojeto de circuitos integrados dedicados. Nas tecnologias

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básicas ao complexo deve-se buscar estabelecer projetoscooperados, via consulta com empresas.

Nos bens de capital eletromecânicos, as melhoresoportunidades para os produtores locais parecem encontrar-se nosegmento de máquinas-ferramenta convencionais, tornos e centrosde usinagem a CNC e máquinas especiais. As empresas poderiamainda atuar como fornecedores de suprimentos, de acessórios oucomo "integradoras" de sistemas de automação a partir de máquinaspadronizadas ou de máquinas especiais.

Na química fina, o desafio é incentivar a produção local,dado o alto grau de internacionalização dos segmentos de fármacose defensivos, a fragilidade das empresas nacionais e um quadromundial de intensa mudança tecnológica e empresarial. Aestratégia a ser perseguida deve voltar-se, em um primeiromomento, para a viabilização da produção no país de fármacos edefensivos genéricos, situados aquém da fronteira tecnológicainternacional mas de conteúdo tecnológico elevado, e para aatuação em nichos de mercado. Para tanto, é necessárioreestruturar o Estado para utilizar com coerência o seu poder decompra, normalizar as áreas de alcance social, fiscalizar aqualidade e promover o uso adequado dos produtos. Papelsemelhante deve ser desempenhado pela política agrícola. Apenasem um segundo momento, após os produtores locais terem atingidomaiores níveis de capacitação produtiva e tecnológica edesenvolverem algum poder de barganha junto aos detentoresinternacionais das tecnologias, deve-se partir para estratégiasmais inovativas.

Os mesmos princípios de seletividade devem nortear aspolíticas para as biotecnologias, levando a que se concentreesforços nas áreas relacionadas à agroindústria. Ademais, devemtambém ter-se em conta as capacidades de desdobramento dastecnologias e dos mercados no longo prazo. As prioridadesdefinidas devem ser constantemente revisadas em função do caráterincerto dos impactos econômicos da moderna biotecnologia.

A implementação da estratégia de seletividade por segmentosexige políticas convergentes de fomento ao mercado das linhas deprodutos selecionadas e de apoio à reestruturação setorialvisando uma maior especialização produtiva.

Prioridade em financiamentos, uso do poder de comprapreferencial, proteção tarifária mais elevada e fomento aexportações às linhas de produtos selecionadas necessitam sercompetentemente conectados com iniciativas visando o reforço àestrutura patrimonial das empresas, à desverticalização produtivae ao aumento da cooperação.

O sucesso dessa estratégia implica forte coordenação dosintrumentos de política utilizados e permanente acompanhamento,condicionando a concessão de incentivos a contrapartidas ecomprometimento das empresas com investimentos.

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A escolha das linhas de produtos a serem priorizadas deveser realizada de forma transparente e submetida a constantesreavaliações. Como mostra a experiência internacional, há muitode tentativa e erro na formulação da política industrial paraesses setores. A capacidade de introduzir correções de rumo comflexibilidade e agilidade é indispensável.

Ações Prioritárias - Mercado

Assegurar financiamento

O instrumento estratégico para o fortalecimento do mercadode bens de capital é o financiamento. A carência de financiamentoem volume e condições adequadas afeta tanto a produção - pois sãoelevadas as necessidades de investimentos e longos os períodos deprodução, sobretudo no caso dos bens de capital sob encomenda -quanto a comercialização, pois são bens de elevado valor unitárioe muitas vezes a opção de investir em determinado equipamentoestá ligada às condições de financiamento. Engenhariasfinanceiras que combinem as melhores condições para fornecedorese usuários podem constituir importante instrumento para apromoção da necessária aproximação produtor/cliente.

O BNDES é a única fonte no país de recursos em condiçõesadequadas à viabilização de investimentos. Para os segmentos elinhas de produtos a serem priorizados, as taxas de juros eprazos de carência e amortização devem ser compatíveis com osvigentes a nível internacional. Com esse objetivo, propõem-seduas medidas básicas: elevar para até 80% a participação dosrecursos do BNDES/FINAME nos financiamentos (atualmente em 50% dovalor, quando no passado este órgão chegava a participar com 80%e 90%), para a gama de produtos selecionados como prioritários, efacilitar a criação de novos tipos de financiamento (ampliandopor exemplo o leasing), inclusive com a participação do setorfinanceiro privado. Esta última proposta diz respeito à criaçãode "finanças industrializantes", viabilizando investimentosprodutivos com créditos de longo prazo, mas é particularmenteviável para bens de capital destinados a setores exportadores,com capacidade de alavancagem de recursos externos.

Devem também ser desenvolvidos esforços no sentido deestimular e viabilizar investimentos de empresas de menor porte.É necessário criar mecanismos que possibilitem financiamentos aconjuntos de pequenos produtores - ampliando mercados para bensde capital e incrementando a competitividade desses produtores -,como por exemplo para a compra de equipamentos CAD/CAM parautilização comum em pólos têxteis ou de máquinas agrícolasatravés de cooperativas de produtores.

. Promover integração com usuários, mobilizar o poder de comprado Estado e apoiar exportações para as linhas de produtosselecionadas

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Utilizar poder de compra do Estado

Além do financiamento, outro instrumento relevante para asustentação do mercado e fortalecimento da produção interna,utilizado intensivamente em todos os países desenvolvidos tantopara bens de capital como para os diversos segmentos do complexoeletrônico, é o poder de compra do Estado.

Em setores como equipamentos de telecomunicações, de energiaelétrica, alguns segmentos de automação e diversos bens decapital sob encomenda, que têm no Estado seu principaldemandante, o poder de compra pode ser utilizado com grandeeficácia no aumento da competitividade da indústria. Além dereduzir a instabilidade da demanda, através de planejamento etransparência nas compras, pode expandir o mercado interno einduzir não só ao aumento do conteúdo tecnológico e qualidade dosprodutos no sentido de melhor adequá-los às necessidades do país,como também à redução de preços dos equipamentos. Mesmo que seamplie o processo de privatização nos serviços de infra-estrutura, o poder de regulação do Estado deverá ser mantido e,por conseguinte, seu poder de indução ao aumento decompetitividade de seus fornecedores.

No caso do complexo eletrônico - especialmente computadores,equipamentos de automação e de telecomunicações e software -, autilização do poder de compra do governo serviria a um duplopropósito: de um lado, estimularia a competitividade daindústria; de outro, possibilitaria ganhos de eficiência eprodutividade do setor público, com reflexos na competitividadede toda a economia. Para os produtores, o estímulo se dariaatravés da ampliação do mercado e da imposição de requisitos dedesempenho. Propõe-se tomar como referência para o uso do poderde compra como indutor de competitividade o American TechnologyPreeminence Act de 1991, considerando na geração local de valoragregado a definição do processo produtivo básico. Seriaimportante o estabelecimento de projetos específicos deinformatização na áreas de saúde, educação, previdência, receitafederal e judiciário, além da modernização da infra-estruturafísica do país.

O reequipamento de escolas técnicas e centros tecnológicossetoriais também pode representar benefícios tanto para osprodutores de equipamentos como para o conjunto da indústria. Deum lado, pode contribuir para a reativação das atividades dossetores de bens de capital nas áreas priorizadas. De outro, aampliação e melhoria dos serviços de treinamento técnico teriaefeitos positivos na competitividade de diversas indústrias quese ressentem da qualidade do ensino profissional e dadesatualização dos equipamentos disponíveis na maioria dasescolas. Além da atuação direta do Governo - em suas váriasesferas - no reaparelhamento dessas unidades, indispensável pelasexternalidades geradas em atividades deste tipo, é importantetambém que exerça atividades de coordenação, interessando e

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articulando parcerias com as empresas diretamente interessadasnestes serviços.

Apoiar tecnologias básicas

Há grande convergência quanto a áreas de tecnologia básicacomo suporte a todas as indústrias do complexo eletrônico:componentes microeletrônicos, comunicações óticas, displaysplanos, micromanufatura e software/sistemas. Algumas destas áreaspodem não apresentar interesse imediato por parte da indústria,voltada ao ajuste defensivo de curto prazo. A conjunturadesfavorável do mercado não estimula investimentos nestas áreas.Entretanto, são fundamentais para o desenvolvimento do complexoeletrônico, pelo que devem ser definidos programas prioritáriospara investimentos, com ênfase na área de projeto de circuitosintegrados, com participação conjunta de empresas do setor eforte apoio dos bancos de desenvolvimento e financiadorasoficiais.

Implementar desoneração tributária

A desoneração tributária completa dos bens de capital éprática internacionalmente adotada, como forma de estimular oinvestimento interno. No Brasil, os bens de capital estão isentosde IPI, mas ainda são tributados pelos impostos em cascata e peloICMS, sendo ainda os produtores onerados pela demora noressarcimento dos créditos relativos aos impostos indiretos deseus insumos, problema agravado para os produtos de ciclo longode produção.

Propõe-se assim impostos indiretos com alíquotas zero paraos bens de capital, o que permitirá aos produtores de máquinas eequipamentos se creditarem dos impostos pagos nas suas compras;os créditos fiscais devem ser corrigidos monetariamente oudevolvidos imediatamente.

Promover exportações

Finalmente, as exportações são um recurso importante paramanter o dinamismo tecnológico - garantindo padrõesinternacionais para a produção - e para evitar os efeitos deflutuações excessivas do mercado interno. Na atual conjunturarecessiva, a implementação por parte das empresas e do governo deuma estratégia que vise, a médio prazo, a exportação de umaparcela importante da produção local de equipamentos selecionadospode gerar um horizonte de mercado que facilite a reestruturaçãocompetitiva da oferta. No entanto, a política de promoção dasexportações deve ser entendida como uma estratégia de longo prazoe não como um conjunto de medidas emergenciais e esporádicas.

A produção nacional deve ser capaz de concorrer comimportações de máquinas e equipamentos, estabelecendo uma relaçãode complementaridade entre importação e produção nacional. Nessaestratégia, elevar o coeficiente de exportação do segmento de

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bens de capital é um passo vital para que se alcance as escalasmínimas requeridas e seja possível acompanhar o desenvolvimentotecnológico internacional.

No caso dos bens de capital, a linha de financiamento doFinamex é o mecanismo principal para promover as vendas noexterior. Propõe-se, assim, reativar, ampliando recursos eprazos, as linhas de financiamento Proex e Finamex (estendendo oapoio ao crédito para instalação de estruturas comerciais noexterior, dada a importância em alguns casos da proximidade com ousuário) e, principalmente, direcionar estas linhas a famílias demáquinas selecionadas e a esforços cooperativos (parcerias entreprodutores).

Também importante é a criação do seguro de crédito àexportação, mecanismo existente em todos os principais paísesexportadores e que representa redução de preços e apoiosignificativo à internacionalização da produção.

Esses setores devem contar ainda com apoio comercial porparte do Ministério de Relações Exteriores, além de sebeneficiarem das demais medidas propostas em relação ao conjuntodas exportações nacionais: estabilidade e realismo cambial,desoneração tributária das exportações e melhoria da infra-estrutura física, especialmente portuária.

Estimular absorção de tecnologias externas

O conhecimento do mercado detido pelas empresas nacionais, afamiliaridade com as necessidades específicas das indústriaslocais, as estruturas já montadas de assistência técnica edistribuição constituem um importante patrimônio destas empresas.O aproveitamento deste patrimônio no desenvolvimento de produtosmais adequados à indústria e a facilidade de acesso mútuo podemgerar relevantes vantagens competitivas a produtores e usuários.

Por outro lado, este conhecimento do mercado interno eacesso privilegiado aos usuários podem constituir importanteelemento na formação de joint-ventures com empresas estrangeirasainda não sediadas no Brasil. Para as empresas nacionais, estearranjo pode significar o acesso a tecnologias de produtos maiscomplexos e atualizados e maior desenvolvimento industrial. Paraas empresas estrangeiras, a constituição de joint-ventures podeser importante na medida em que na indústria de máquinas eequipamentos são elevados os custos de comercialização eassistência técnica.

Para que isto se concretize é necessário, fundamentalmente,que as empresas nacionais tomem a iniciativa de identificarpossíveis parceiros. Ao governo cabe apoiar e facilitar asiniciativas empresariais, excluindo do apoio, evidentemente, oscasos em que seja elevado o risco das empresas nacionaistornarem-se meras representantes das empresas estrangeiras, semdesenvolvimento próprio e sem agregar valor interno no resultado

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das operações, como tem ocorrido em algumas parcerias recentes,sobretudo em empresas do complexo eletrônico, nas áreas deinformática e telecomunicações.

. Apoiar seletivamente fármacos genéricos

Contrastando com o que ocorre nos países desenvolvidos, aatuação do Estado brasileiro na área farmacêutica é marcada pelafragilidade institucional e pelo casuísmo na definição depolíticas relacionadas ao setor. Embora não existam estimativasconfiáveis do mercado institucional (variando de 20 a 40%), écerto que representa um peso considerável, que deve ser utilizadopara assegurar um consumo estável e fomentar a competitividade naárea de fármacos. Também deve ser estudada a desoneraçãotributária, ao menos para determinados segmentos da indústria,associados a medicamentos essenciais.

A dimensão dos recursos e as qualificações necessárias pararealizar atividades de P&D de novos fármacos extrapolam ascapacidades das empresas nacionais. Isto não ocorre no caso dosgenéricos, onde se parte de uma molécula já conhecida,restringindo a questão à produção industrial do fármaco, muitomenos exigente em termos dos níveis de competência tecnológica ede investimento requeridos. Esta é, portanto, uma área de atuaçãoacessível às empresas brasileiras, onde se pode pretenderalcançar uma posição competitiva, ao passo que no segmento deprodutos patenteados, concorrendo com as grandes empresas atravésda descoberta e lançamento de novas drogas, não há perspectiva amédio prazo (talvez nem a longo) de adquirir competitividade.

. Definir programa de longo prazo para biotecnologia

Quanto à biotecnologia, também é importante a seletividadeno apoio público a determinados segmentos. Propõe-se priorizar asáreas onde o mercado tenha maior capacitação para absorverinovações tecnológicas no curto e médio prazos e onde seja maioro impacto sobre a competitividade, o que aponta para segmentosrelacionados às agroindústrias. Em alguns casos - como no combatea doenças específicas (caso da laranja), ou o desenvolvimento denovas variedades para mercados em processo de segmentação (café eoleaginosas) - novos patamares de competitividade no complexoagroindustrial exigem a mobilização de esforços para programas depesquisa e desenvolvimento agrícola com uma forte presença dosistema nacional de pesquisa, e da atuação do Estado comoarticulador e coordenador de programas para o aproveitamento domercado potencial existente. Em outras áreas, como carnes (suínoslivres de patógenos, transferência de embriões), o setor privadojá se mostra mais autosuficiente.

A modernização tecnológica de indústrias que já utilizamprocessos biotecnológicos, embora com técnicas tradicionais, é umpasso de curto prazo que apresenta as vantagens de já contar commercados organizados e escala para incorporar novos métodosprodutivos e de possuir uma certa capacitação tecnológica que,

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embora não esteja necessariamente referida ao novo conhecimento,pode ser um importante ponto de apoio para uma estratégia maisglobal de capacitação.

A eficácia das biotecnologias depende da criação de umprograma de longo prazo, descentralizado mas coordenado, queredefina prioridades quanto a: conhecimento científico(priorização de centros de excelência); identificação dos setorescom maior capacidade de absorção das biotecnologias; e um sistemade regulação que não apresente obstáculos para o mercado masaproveite as vantagens comparativas do país em termos de recursosgenéticos e potencial dos mercados. As políticas parabiotecnologia no país devem buscar, em primeiro lugar, adefinição de prioridades de desenvolvimento e devem,necessariamente, ser conduzidas de forma orgânica: financiamento,fortalecimento de mercados, formação de recursos humanos eparticipação de empresários dispostos a empreender projetos decriação de capacitação e de formação de mercados. Os mecanismosexistentes precisam ser reforçados, coordenados e orientados paraprioridades: programas RHAE (Recursos Humanos em ÁreasEstratégicas), PADCT e linhas de financiamento da FINEP, BNDES (eoutros bancos de desenvolvimento), e pólos de tecnologia. Ofortalecimento e adequação de fontes de captação de recursos paraviabilizar o financiamento de risco é contribuição importantepara possibilitar esse avanço.

Ações Prioritárias - Configuração da Indústria

A construção da competitividade nos setores difusores deprogresso técnico requer profundas transformações nas suasconfigurações industriais mas envolve ações de grandedificuldade, para as quais os instrumentos de políticaconvencionais mostram-se pouco eficazes.

Complexo eletrônico

Para as indústrias do complexo eletrônico, uma estratégiaque poderia ser implementada com sucesso é a concentração deesforços na oferta em condições competitivas de serviços deintegração de sistemas. Essa área, que apresenta elevadasperspectivas de crescimento, requer uma intensa interação entreprodutores e usuários e, portanto, a mobilização de recursos parainvestimentos. A aplicação dos incentivos da Lei 8248/91 àsempresas fornecedoras de serviços de integração de sistemas podeacelerar essas iniciativas.

Os organismos financiadores de atividades de P&D no complexoeletrônico devem priorizar projetos que levem ao avanço dafronteira da ciência e da técnica nacionais, que apresentemperspectivas de aproveitamento comercial (principalmente nodesenvolvimento de novas gerações de produtos) e que incluam a

. Estabelecer parcerias visando a racionalização das competênciase a efetiva absorção de tecnologias

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atuação cooperativa de empresas privadas e instituições depesquisa. A implementação de projetos direcionados para aabsorção, em conjunto com empresas privadas, de pacotestecnológicos que permitam o desenvolvimento e/ou fabricação nopaís de novas gerações de produtos deve pautar a atuação do CTI,CPqD e outros centros de excelência existentes. Essasinstituições devem ser reforçadas de modo a se habilitarem acumprir esse papel.

Novos investimentos estrangeiros comprometidos com ainternalização no país não só das atividades relacionadas aoprocesso produtivo básico como também com a realização deesforços de desenvolvimento tecnológico podem contribuir paraesse avanço.

No caso dos computadores de médio e grande porte, porexemplo, a fabricação local destes produtos dificilmente poderáser realizada por empresas nacionais que não disponham deparceiros estrangeiros detentores das tecnologias respectivas, amenos de certos nichos como "servidores" dedicados, supermicrosmultiprocessados com sistemas "abertos", etc. É importanteestimular empresas líderes internacionais, muitas das quais já sefazem presentes no país, mesmo não dispondo, no momento atual, deuma base industrial ativa e atualizada tecnologicamente, arealizar investimentos industriais ou em P&D, preferencialmenteem parceria com empresas nacionais, com vistas a abastecer omercado latino-americano e especialmente o do Mercosul.

Bens de capital eletromecânicos

Para os setores produtores de máquinas e equipamentos docomplexo metal-mecânico, dois modelos de reestruturação setorialpodem ser perseguidos, conforme a situação existente.

Para os segmentos em que há empresas nacionais com tradiçãono mercado mas que enfrentam dificuldades para atualizar a linhade produtos, o modelo mais promissor é a constituição de joint-ventures entre empresas estrangeiras ainda não sediadas no Brasile empresas nacionais de médio porte. O conhecimento do mercadodetido pelas empresas nacionais constitui um patrimônio a serutilizado em negociações deste tipo. Para que isto se concretizeé necessário, fundamentalmente, que as empresas nacionais tomem ainiciativa de buscar identificar possíveis parceiros. Ao governocabe apoiar essas iniciativas empresariais concedendo, porexemplo, financiamentos para a constituição de uma nova empresa.

O segundo modelo é a fusão ou incorporação de empresas jápresentes nos setores de máquinas e equipamentos, explorandolinhas de produtos complementares, mas com faixa de atuaçãorestritas aos mesmos segmentos de mercado. Viabilizar oenvolvimento de empresas de capital estrangeiro nesse processo édifícil porque implica decisões estratégicas das respectivasmatrizes. Já para empresas nacionais, o governo poderia estimularas fusões através de financiamentos, cuidando para que, no caso

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de empresas endividadas, o passivo existente não contamine acaptação de novos recursos para a sua adequação produtiva. Tambéma centralização do capital de empresas nacionais, em sua maioriade pequeno ou médio porte e de estrutura familiar, não é tarefafácil. O sentimento de propriedade e a história de controlesmuito rígidos exercidos pelos proprietários dessas empresas sãofatores que inibem iniciativas deste tipo. Portanto, além definanciamento, o governo deve atuar no sentido de facilitar asnegociações entre as empresas, demonstrando as vantagens dasfusões e incorporações nesta indústria. O que parece serinevitável é a reestruturação do setor de bens de capital, sejarealizada pelo mercado - neste caso, de profundidadeimprevisível, podendo até conduzir a uma desindustrialização - ouentão negociada a partir da vontade política das empresas e dogoverno.

A reestruturação setorial do segmento de máquinas eequipamentos somente será bem sucedida se promover a redução dograu de diversificação e verticalização atual. A reestruturaçãopatrimonial, de per se, contribui para que se alcance maiorespecialização produtiva, mas é essencial que as decisões quantoa novos investimentos se concentrem em um número limitado deprodutos, tal como vem ocorrendo em várias empresas estrangeirase algumas nacionais. Este processo deve ser estimulado e, sepossível, adotado pelo governo como critério para a concessão definanciamentos e incentivos.

Promover a desverticalização exige medidas adicionais, umavez que supõe a existência de redes eficientes de fornecedores,com capacitação técnica, econômica e gerencial. A política dedesenvolvimento competitivo pode contribuir através daimplementação de programas específicos de capacitação. Algumasempresas menores, ainda fabricantes de máquinas e equipamentos,podem vir a se constituir em fornecedores de componentes comcapacitação adequada, abandonando a fabricação de máquinasacabadas.

Para a capacitação de fornecedores é necessária amodernização de equipamentos, que pode ser apoiada comfinanciamento concedido pela FINAME em condições especiais.Programas de gestão empresarial devem ser vistos como forma dedifusão das novas técnicas organizacionais, o que também pode serrealizado com o apoio de empresas de consultoria, mobilizadaspelos órgãos de classe empresariais. As empresas produtoras demáquinas e equipamentos, que intencionam se desverticalizar,podem prestar assessoria a novos fornecedores, no sentido detreinar as empresas a produzir com qualidade e com baixos custos.

A relação entre produtor e usuário de máquinas eequipamentos também precisa ser estreitada para que a indústriaconsiga produzir dentro das especificações necessárias para seusclientes. No caso do setor de bens de capital sob encomenda, namedida em que o governo é o seu grande demandante, esta relação émais fácil de ser desenvolvida. No outro extremo está a indústria

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de máquinas e implementos agrícolas, que tem a sua demanda muitoatomizada, envolvendo um grande número de produtores rurais.Neste caso, as cooperativas agrícolas têm condições de exercer umpapel extremamente importante, constituindo-se em elos entre oprodutor rural e a indústria produtora de máquinas e implementosagrícolas. As cooperativas podem contribuir na especificaçãotécnica dos equipamentos, permitindo a geração de produtos maisadequados às condições sociais do produtor e às condiçõesedafoclimáticas da produção agrícola. Podem ainda sinalizar ovolume de demanda existente e até vir a se constituir emprestadoras de serviços de assistência técnica aos produtoresrurais, principalmente para os implementos de tração mecânica,através de acordos de cooperação com a indústria produtora demáquinas e implementos agrícolas. Esta proposição deve serestudada para se verificar as suas reais possibilidades.

Como princípio geral, a cooperação entre empresas para odesenvolvimento de produtos poderia ser estimulada através daconcessão de financiamento em condições favoráveis e incentivosfiscais especiais para projetos conjuntos de desenvolvimento,sempre priorizando linhas selecionadas de produtos.Principalmente nas tecnologias básicas das áreas de novosmateriais, ótica e microeletrônica, são fundamentais parcerias,dado o volume de recursos e capacitações requeridos. Considerandoo desmonte recente de várias equipes de P&D das empresas, aumentaa relevância da pesquisa cooperativa entre empresas euniversidades e/ou centros de pesquisa.

Química fina

Na química fina é ainda mais crucial uma política industrialativa para seu desenvolvimento. Considerando que não existemvantagens competitivas nítidas para a indústria química finabrasileira, o papel reestruturante do Estado deverá perseguirquatro objetivos complementares: a capacitação produtiva emprodutos genéricos e patenteados sob licença; a integração degrupos químicos nacionais já atuantes na química básica com aquímica fina - especialmente no setor de defensivos no qual asbarreiras a entrada são menores; a verticalização dos gruposquímicos multinacionais instalados no país; a capacitação em P&Dpara a desenvolvimento de produtos em "nichos" de mercado.

Para alcançar esses objetivos, a primeira ação é asinalização clara, para todos os atores envolvidos no setor, deque a química fina é uma prioridade da política industrial. Aretomada de iniciativas semelhantes ao projeto CEME-CODETEC, apósa correção dos problemas verificados no passado, constitui umpoderoso instrumento para estimular a produção de genéricos porprodutores nacionais. A construção de capacitação para produzirem química fina não pode prescindir de uma forte política voltadapara a pesquisa e formação de recursos humanos. A articulaçãoentre institutos de pesquisa e universidades com as empresas é umfator crítico para o desenvolvimento desse setor.

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A renovação da pauta de defensivos agrícolas produzidos nopaís deve priorizar os defensivos com patentes prestes a expirare que se mostrem adequados à agricultura brasileira, uma das maisdiversificadas do mundo. O sucesso dessa renovação depende,centralmente, do aprimoramento das técnicas agrícolas de controleintegrado e da intensificação da interação entre indústria eagricultura. É, portanto, fundamental que a política agrícolaesteja atenta a esse fato. Também o estímulo a fusões ouassociações entre empresas nacionais com linhas de produtoscomplementares, embora difíceis dada a natureza da propriedade docapital no setor, seriam benéficas para acelerar a substituiçãode produtos.

Biotecnologia

Para a biotecnologia é necessário estabelecer pontes entreempresas e instituições de P&D, dado que o pequeno tamanho e/ou afalta de rotina de pesquisa de várias empresas dificilmentepermitiria a realização de pesquisa in house como estratégiapredominante. Por outro lado, merece ser destacada a necessidadede realizar acordos e joint-ventures que permitam a efetivatransferência das novas tecnologias.

Ações Prioritárias - Concorrência

. Equilibrar produção interna e importações de modo a maximizar adifusão de progresso técnico

Para os setores difusores de progresso técnico propõe-sefomento à demanda e apoio ao ajuste competitivo de modo a obter-se excelência internacional em linhas selecionadas de produtos. Aênfase em índices de nacionalização por produto e a busca deauto-suficiência indiscriminada perseguidos nas políticasanteriores devem ser substituídos pela busca de eficiência eprodutividade para competir interna e externamente em preço equalidade nos produtos priorizados.

É necessário compatibilizar o processo de liberalização daeconomia com a preservação da experiência acumulada nos váriossetores difusores de progresso técnico nas linhas de produtos commaior potencial de difusão de competitividade no conjunto daindústria brasileira e onde a proximidade produtor-usuárioproporcione maiores vantagens competitivas a ambos.

Para os produtos eleitos como prioritários é necessário umnível de proteção tarifária compatível com a evolução dasempresas produtoras desses bens. Para aqueles produtos onde nãoexista demanda potencial significativa ou capacitação interna naprodução, o mercado deve ser atendido com importações, e osprocedimentos para a internalização simplificados e agilizados,bem como mantidas alíquotas nulas do imposto de importação.

Quanto ao Mercosul, é urgente o estabelecimento demecanismos compensatórios frente às excessivas variações cambiais

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entre os países da região. A estrutura da tarifa externa comumdeve resguardar produtos priorizados na política industrialnacional. O certificado de origem deve ser rígido para evitartriangulação entre países. Para produtos do complexo eletrônico,deve-se adotar o processo produtivo básico definido internamentecomo referência para concessão de certificado de origem de formapermanente no âmbito do Mercosul e criar mecanismos deacompanhamento do cumprimento das condições.

Práticas desleais de comércio devem ser evitadas, através dodesenvolvimento de mecanismos de salvaguardas comerciais e doaparelhamento das instituições responsáveis.

Complexo eletrônico

A definição do Processo Produtivo Básico (PPB) já impõe umponto de corte nas cadeias produtivas do complexo eletrônico.Essa definição adotou, como ponto de referência, a montagem deplacas de circuito impresso. Como decorrência, o acesso aoscomponentes que não venham a ser feitos no país deverá ser feitovia sourcing mundial. A área de componentes, de forma geral,deixa de ser considerada como prioritária do ponto de vista daprodução local.

Algumas atividades em microeletrônica poderiam ser mantidas,já que essa é uma das tecnologias básicas a todos os setores docomplexo eletrônico. Nesse sentido, deve ser tratada comoprioritária a área de projeto de circuitos integrados dedicados(ASICS) e apoiadas atividades de microeletrônica de uma formageral em universidades e centros de pesquisa, visando apreservação e incremento da experiência acumulada, bem comoinvestimentos já realizados, particularmente no CTI.

No que diz respeito à Zona Franca de Manaus, propõe-seconcentrar o apoio à produção de televisores coloridos, inclusivecom forte apoio para exportação. Para o restante dos produtos docomplexo eletrônico não deve haver diferença de incentivos emrelação ao resto do país.

Bens de capital eletromecânicos

Em relação aos insumos de bens de capital, deve ser apoiadaa formação de associações de empresas de setores maispulverizados para a importação de partes, peças e componentespara a sua produção. Apesar dos esforços recentes de normalizaçãoda indústria brasileira de bens de capital, é necessáriointensificar esta linha de atuação e ampliar a capacitação doscentros de tecnologia na certificação e testes de equipamentos.Além de estabelecer patamares de qualidade para os bens decapital, a atividade de normalização favoreceria o processo dedesverticalização das empresas.

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Fármacos

Na área de fármacos, o apoio à produção de fármacosgenéricos por parte de empresas químicas nacionais e o estímulo àverticalização das multinacionais que atuam no país apenas nosestágios finais dependem, em primeiro lugar, de regras estáveisque tornem atrativa a produção interna frente à importação e dasinalização por parte do Governo de que o desenvolvimento daquímica fina no país representa uma prioridade na políticaindustrial. É preciso reconhecer a necessidade de algumaproteção, não apenas por ser este um setor não consolidado, mastambém para fazer frente a práticas concorrenciais predatórias,freqüentemente observadas no cenário internacional. Além dagradação tarifária, deve-se manter um certo nível de barreiraalfandegária (entre 20 a 40%) para fármacos produzidos no Brasil.

. Definir escopo da atuação do capital estrangeiro e do Estado

Por fim, dois temas que têm se mostrado polêmicos merecemregistro: a regulação do capital estrangeiro e a definição doescopo da atuação do Estado na prestação de serviços de infra-estrutura.

Quanto à regulação do capital estrangeiro, há indíciosseguros de que mais importante do que a natureza da regra é aexistência de regras estáveis que permitam a tomada de decisõesem horizontes longos de tempo. Há importantes espaços para arealização de parcerias entre o capital nacional e internacionale é urgente que as regras que regerão essas parcerias sejamdefinitivamente estabelecidas, criando um ambiente atrativo paraos investimentos estrangeiros e propiciando a efetivatransferência de tecnologia e agregação local de valor.

A privatização dos serviços públicos pode vir a afetar ossetores difusores de progresso técnico, especialmente os deequipamentos para telecomunicações e para energia elétrica(dentre outros bens de capital sob encomenda). Independemente daoperação pública ou privada dos serviços, é indispensável:compatibilidade dos equipamentos de modo a assegurar integraçãonacional dos sistemas; capacitação técnica pública deespecificação e homologação dos produtos visando segurança equalidade dos equipamentos e serviços; e critérios de remuneraçãoda prestação dos serviços ajustados para possibilitar arealização dos investimentos necessários sem prejudicar acompetitividade sistêmica.

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