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Instituto Politécnico de Coimbra
Instituto Superior de Engenharia
"Estudo da influência do declive no processo de erosão de material granular, por acção do vento"
Raquel Almeida de Azevedo Faria
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Instalações e Equipamentos em Edifícios
COIMBRA
2010
Instituto Politécnico de Coimbra
Instituto Superior de Engenharia
"Estudo da influência do declive no processo de erosão de material granular, por acção do vento"
Orientadores:
João Carlos Antunes Ferreira Mendes
Professor Adjunto, ISEC
Almerindo Domingues Ferreira
Professor Auxiliar, FCTUC
Raquel Almeida de Azevedo Faria
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Instalações e Equipamentos em Edifícios
COIMBRA
2010
i
ÀQUELES QUE NUNCA ME DEIXARAM DESISTIR…
ii
Agradecimentos
Este espaço é dedicado àqueles que deram a sua contribuição para que esta dissertação
fosse realizada. Peço desde já desculpa àqueles a quem os tenha omitido. A todos eles deixo
aqui o meu agradecimento sincero.
Em primeiro lugar agradeço ao Doutor João Ferreira Mendes e ao Doutor Almerindo
Ferreira pela forma como orientaram o meu trabalho. As notas dominantes da sua
orientação foram a utilidade das suas recomendações e a forma como sempre me
motivaram. Estou grata por ambas, pela ajuda em realização de ensaios e também pela
liberdade de acção que foi decisiva para que este trabalho contribuísse para o meu
desenvolvimento pessoal e me apontasse um caminho a seguir na minha carreira académica.
Ainda uma nota especial para o Doutor Almerindo Ferreira que me proporcionou o
alargamento do meu conhecimento além-fronteiras, me acompanhou e orientou nesta
aventura e que graças a esta conheci, aquilo a que chamo, a minha segunda família.
Assim, em segundo lugar, à família Atkins (Alan, Juanita e Mattew) por me terem
recebido tão bem, por me terem feito sentir parte de sua família e por me terem ensinado
valores tão importantes.
Tal experiência não teria sido possível sem a colaboração do Professor António Sousa, o
qual me acolheu num país diferente e foi incansável na sua disponibilidade e ajuda.
Gostaria ainda de agradecer ao Engenheiro João Sismeiro, o qual esteve sempre
disponível e prestou uma ajuda preciosa na realização dos ensaios experimentais, e sem o
qual não teria sido possível o desenvolvimento desde trabalho.
Fica também aqui uma nota de apreço a todos os colegas do DEM/ISEC que me
apoiaram durante toda esta fase, tendo eles muitas vezes ficado sobrecarregados de
trabalho.
Deixo também uma palavra de agradecimento aos professores ISEC, pela forma como
leccionaram o Mestrado e por me terem transmitido o interesse por estas matérias. São
também dignos de uma nota de consideração os colegas de grupo que me acompanharam
no Mestrado.
iii
Resumo
O transporte eólico de partículas pode causar impactos na natureza de várias formas,
como é o caso das comunicações, dos problemas ambientais e dos problemas de saúde
pública. Para compreender o processo de arrastamento de partículas é importante ter em
consideração o declive da superfície, uma vez que a maior parte das formas naturais da areia
não são horizontais, veja-se o exemplo dos vários tipos de dunas, ou mesmo as simples
superfícies onduladas.
O presente trabalho visa contribuir para o estudo da influência do ângulo de inclinação
no processo de erosão, através da velocidade de atrito local. Três pilhas transversais
triangulares, com declives da superfície barlavento de 10°, 20° e 32°, são então testadas
experimentalmente, e modeladas computacionalmente. Os ensaios realizados no túnel de
vento incluem dois conjuntos de testes. O primeiro conjunto de testes compreende a
medição do contorno de uma duna transversal de areia, a diferentes instantes de tempo de
erosão e o segundo é composto pelas medições da velocidade de atrito local ao longo da
superfície barlavento, para o qual foram utilizadas sondas de Irwin. Os testes experimentais
foram realizados a quatro velocidades do vento, variando de 8.3 até 10.7 m/s.
A modelação computacional, realizada usando o código comercial CFX, pretende
reproduzir as condições experimentais, com o objectivo de avaliar a sua capacidade de
previsão da distribuição da velocidade de atrito ao longo da superfície a barlavento. Os
resultados numéricos são confrontados com os experimentais e é observada uma boa
concordância entre os dois conjuntos. Os resultados experimentais e computacionais da
velocidade de atrito apresentam uma boa correlação com os contornos iniciais de erosão, e
os valores previstos numericamente podem ser considerados como uma boa fonte para a
estimativa da distribuição de velocidade de atrito, pelo menos para situações semelhantes
às estudadas neste trabalho.
Palavras-chave: Declive; erosão eólica; modelação numérica; túnel de vento; velocidade
de atrito; tensão de atrito.
iv
Abstract
Aeolian particle transport can cause impact in nature in a variety of ways, such as
communication, environmental and public health problems. To understand the particle
entrainment process, it is important to take into account the surface slope, as most of the
natural sand surfaces are not horizontal, such as surface ripples and several forms of dunes.
The present work aims to contribute for the study of the influence of the slope angle on
the erosion process, through the local friction velocity. Three transverse triangular piles,
with stoss slopes of 10°, 20°, and 32°, are then tested experimentally, and modeled
computationally. The wind tunnel tests includes two sets of tests. The first experimental set
consists of measurements of the friction velocity across the windward slope, for which Irwin
type sensors were used; the second set comprises the measurement of the contour of a
transverse sand dune, at different time erosion instants. The experimental tests were
conducted at four wind speeds, ranging from 8.3 to 10.7 m/s.
The computational modeling, performed using a commercial CFX code, aimed the
replication of the experimental conditions, with the objective of evaluating its ability to
predict the friction velocity distribution across the windward slope. The numerical results are
compared against the experiments, and a good agreement is observed between both sets.
The computational and experimental friction velocity results show a good correlation with
the initial erosion contours, and the computational results might be regarded as a good
source for the estimation of the friction velocity distribution, at least for situations similar to
the ones studied in this work.
Keywords: Slope; Aeolian erosion; Numerical Modeling; Wind Tunnel; Friction Velocity;
Wall Shear Stress.
v
Índice
Capítulo 1. Introdução 1
1.1 Generalidades 1
1.2 Material granular – A areia 3
1.2.1 Mecanismos de transporte eólico 6
1.2.2 Granulometria 7
1.3 Objectivo 8
1.4 Apresentação do trabalho 8
Capítulo 2. Componente experimental 10
2.1 Fundamentação teórica 10
2.1.1 Ângulo de atrito estático (ou de repouso) 11
2.1.2 Velocidade de atrito crítica 12
2.1.3 Velocidade do vento crítica 15
2.2 Execução laboratorial 17
2.2.1 Equipamento de medida 17
2.2.2 Túnel de vento 22
2.2.3 Geometrias e configuração das pilhas 25
2.2.4 Caracterização da areia 29
2.2.5 Procedimento experimental 29
Capítulo 3. Componente numérica 34
3.1 Fundamentação teórica 34
3.1.1 Dinâmica de Fluidos Computacional - CFD 34
3.1.2 Equações de conservação 37
3.1.3 Modelação da turbulência 38
3.1.4 Tratamento junto à parede 39
3.1.5 Método de discretização 39
3.1.6 Validação do modelo 41
3.2 Simulação numérica 41
3.2.1 Domínio computacional 42
3.2.2 Geração da malha 42
3.2.3 Definição do problema 45
3.2.4 Condições fronteira 46
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos 47
4.1 Resultados experimentais 47
vi
4.1.1 O efeito do ângulo de declive nos valores limite da velocidade de atrito,
tensão de cisalhamento na parede e na velocidade do vento 47
4.1.2 Resultados dos testes de erosão 48
4.1.3 Resultados dos testes de velocidade de atrito 56
4.1.4 Discussão dos resultados experimentais 60
4.2 Resultados numéricos 61
4.2.1 Influência da rugosidade do grão de areia 62
4.2.2 Validação do modelo 63
4.2.3 Discussão dos resultados numéricos 65
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros 69
Bibliografia 73
vii
Lista de Figuras
Figura 1 – Exemplos de material granular .................................................................................. 1
Figura 2 – Exemplos de corpos de areia ..................................................................................... 2
Figura 3 – Vista do parque de carvão da Central Térmica do Pego ........................................... 3
Figura 4 – Início da criação de uma zona abrigada de vento, a sotavento de um pequeno obstáculo, com deposição de areia transportada ...................................................................... 4
Figura 5 – Influência do vento na formação e movimentação das dunas ................................. 5
Figura 6 – Principais tipos de dunas. A-Barchan; B-Longitudinais; C-Transversais; D-Parabólicas; E-Barchanoid (entre transversal e barchan) e F-Estrela ........................................ 5
Figura 7 – Mecanismos de transporte eólico ............................................................................. 6
Figura 8 – Balanço de forças aplicadas numa partícula sujeita a forças aerodinâmicas e de coesão ......................................................................................................................................... 6
Figura 9 – Alguns factores que influenciam o ângulo de repouso ........................................... 11
Figura 10 – Transdutor de pressão eléctrico MULTUR ............................................................. 18
Figura 11 – Dispositivo de medição laser ................................................................................. 18
Figura 12 – Scanivalve de 48 canais ......................................................................................... 19
Figura 13 – Equipamento de monitorização e controlo da Scanivalve .................................... 19
Figura 14 – Caixa de ligação do sistema de aquisição de dados .............................................. 19
Figura 15 – Representação esquemática de um tubo de Pitot ................................................ 20
Figura 16 – Tubo de Pitot utilizado no LAI ................................................................................ 21
Figura 17 – Fotografia de sondas de Irwin montadas na superfície de um dos modelos ensaiados .................................................................................................................................. 21
Figura 18 – Geometria adoptada para a construção das sondas de Irwin ............................... 22
Figura 19 – Túnel do vento do LAI ............................................................................................ 23
Figura 20 – Perfis de velocidade para as diferentes velocidades não perturbadas (U0).......... 24
Figura 21 – Pilhas de areia. a) θ=10°; b) θ=20° e c) θ=32°........................................................ 25
Figura 22 – Pilha de areia antes dos ensaios com guias de madeira laterias e placas de PVC 26
Figura 23 – Posicionamento das pilhas de areia no túnel de vento......................................... 27
Figura 24 – Vista esquemática dos modelos das pilhas com a localização das sondas de Irwin, (esquerda) pilha com declive de 10°, (meio) pilha com declive de 20° e (direita) pilha com declive de 32°. (Medidas na superfície inclinada [mm]) .......................................................... 28
Figura 25 – Granulometria da areia utilizada nos ensaios ....................................................... 29
Figura 26 – Espiral do projecto ................................................................................................. 36
Figura 27 – Volume de controlo elementar (ρ, u, v, w avaliadas no centro do VC) ................. 37
Figura 28 – Domínio computacional utilizada nas simulações numéricas [mm] ..................... 42
Figura 29 – Testes de independência de malha (θ=10° e U0=8.3m/s) ..................................... 43
Figura 30 – Exemplo de Inflation .............................................................................................. 44
Figura 31 – Perfis de erosão da pilha de declive de θ=10° ( .) ........................... 49
Figura 32 - Pilha de areia com declive de 10° após 2 minutos de ensaio ................................ 49
Figura 33 – Pilha de areia com declive de 10° após 10 minutos de ensaio .............................. 50
Figura 34 - – Perfis de erosão da pilha de declive de θ=20° ( .) ......................... 50
Figura 35 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=20° ( .) ............................ 51
Figura 36 – Pilha de areia com declive de 20° após o ensaio de erosão ( ) ....... 52
Figura 37 - Pilha de areia com declive de 32° após 3 minutos de ensaio ................................ 52
Figura 38 - Pilha de areia com declive de 32° após 7 minutos de ensaio (Pilha Barchan) ....... 53
Figura 39 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32° ( .) ............................ 53
viii
Figura 40 - Pilha de areia com declive de 32° após o ensaio de erosão ( ) ........ 54
Figura 41 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32°, segundo o eixo y .......................... 54
Figura 42 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32°, segundo o eixo x .......................... 55
Figura 43 – Resultados obtidos nos testes de repetibilidade (θ=10°) ...................................... 57
Figura 44 – Comparação dos valores de velocidade de atrito dos três declives às quatro diferentes velocidades não-perturbadas ................................................................................. 58
Figura 45 – Comparação dos valores de velocidade de atrito para o ângulo de 32° às quatro diferentes velocidades não-perturbadas ................................................................................. 59
Figura 46 – Comparação entre os perfis de erosão e a os valores de velocidade de atrito .... 60
Figura 47 – Avaliação do efeito de k nos resultados ( ) ............... 62
Figura 48 – Validação do modelo para todas as velocidades testadas (ângulo de inclinação de θ = 20°) ...................................................................................................................................... 64
Figura 49 – Campo de velocidades – software CFX .................................................................. 65
Figura 50 – Confrontação entre os perfis de erosão e resultados das simulações numéricas 67
Figura 51 – Comparação dos resultados experimentais e numéricos ..................................... 67
ix
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Escala de Wentworth simplificada ............................................................................ 7
Tabela 2 – Velocidade do fluido. Valores críticos e de ensaio ................................................. 16
Tabela 3 – Propriedades geométricas das pilhas/modelos ...................................................... 26
Tabela 4 – Valores críticos da velocidade de atrito, tensão de atrito e velocidade do fluido . 48
Tabela 5 – Testes de repetibilidade - valores máx. e médios de desvio para cada declive ..... 57
Tabela 6 – Influência da rugosidade do grão de areia - valores máx. e médios de desvio ...... 63
Tabela 7 – Validação do modelo – valores máximos e médios do desvio [%] ......................... 63
x
Nomenclatura
Abreviaturas
PVC Policloreto de vinilo
LAI Laboratório de Aerodinâmica Industrial
ADAI Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial
CFD Computacional Fluid Dynamics
SIMPLE Semi-Implicit Method for Pressure-Linked Equations
SIMPLEC Semi-Implicit Method for Pressure-Linked Equations Consistent
2D “duas dimensões”
Re número de Reynolds (adim)
VIM Vocabulário Internacional de Metrologia
DNS Direct Numerical Simulation
Letras e símbolos
d diâmetro do grão de areia (mm)
t tempo (min)
dP pressão diferencial (Pa) (ou ΔP)
y+ distância à parede adimensional (adim) (ou y plus)
y distância à parede (m)
z altura acima da superfície (m)
k constante de rugosidade da superfície (m)
uz componente longitudinal da velocidade (m/s)
U0 velocidade não perturbada (m/s)
h altura da pilha (mm)
H altura da crista (mm), H=75 mm
x comprimento (mm)
Ls comprimento total da base da face barlavento (mm) para um dado declive
velocidade de atrito (m/s)
velocidade de atrito crítica (m/s)
xi
velocidade de atrito crítica para uma superfície horizontal (m/s)
velocidade de atrito crítica para um dado declive (m/s)
velocidade do fluido crítica para uma superfície horizontal (m/s)
velocidade do fluido crítica para um dado declive (m/s)
g aceleração da gravidade (m/s2)
A coeficiente, para o ar A=0.1
p2 pressão total (Pa)
p1 pressão estática (Pa)
W teor de humidade (%)
Caracteres gregos
tensão de cisalhamento na parede (N/m2)
θ ângulo de inclinação (°)
α ângulo de atrito estático (ou ângulo de repouso)
massa específica do grão (kg/m3)
massa específica do ar (kg/m3)
δ espessura da camada limite (m), δ=0.1
ν viscosidade cinemática local do fluido (m2/s)
Capítulo 1. Introdução
1
Capítulo 1. Introdução
1.1 Generalidades
Os meios granulares são sistemas com um grande número de partículas com dimensões
superiores a um micrómetro e para as quais as flutuações térmicas são desprezáveis. São
exemplos de materiais granulares (Figura 1): as areias e muitos outros materiais usados na
construção civil, os adubos e fertilizantes, variadíssimos tipos de produtos farmacêuticos,
muitos cereais e outros produtos alimentares, numerosos materiais usados em metalurgia,
etc. Em boa verdade, são materiais omnipresentes em quase toda a actividade humana,
assumindo grande relevância económica no sector industrial.
Figura 1 – Exemplos de material granular (http://www.isel.pt/fisica/Investigacao/Laboratorios/LabMeiosGranulares.html)
Com a evolução recente das técnicas experimentais e computacionais, em particular no
campo dos sistemas de aquisição e processamento de imagens, os meios granulares têm
sido alvo de grande e renovado interesse por parte da comunidade científica internacional,
registando-se, nos últimos anos, um avanço inequívoco na compreensão de alguns
fenómenos bem como a descoberta de outros, de todo inesperados, que têm aberto amplas
perspectivas para novos e estimulantes trabalhos de investigação.
Para além do evidente interesse que a compreensão do comportamento dos meios
granulares tem no sector industrial, o seu estudo tem ainda potenciais aplicações nos
domínios da geologia e da ecologia, permitindo, por exemplo, conhecer a dinâmica das
avalanches, o movimento das dunas e o deslocamento do gelo.
Capítulo 1. Introdução
2
O transporte e movimentação do material granular é muitas vezes influenciado, ou
acontece devido à sua interacção do vento. Assim, por vezes, o transporte aéreo de
partículas pode ser encarado com um flagelo, uma vez que este provoca impactos de forma
transversal, como, por exemplo, no caso dos transportes, nas comunicações e no ambiente.
Estes últimos podem tornar-se problemas de saúde pública quando influenciam a qualidade
do ar. Por outro lado, em muitas partes do globo, os processos eólicos tem um papel
importante na formação da paisagem, através da acumulação de areia ou movimentação de
corpos de areia (Figura 2), podendo dar origem a dunas, lençóis ou línguas de areia. (Mckee,
1982; Huang et al., 2008).
Figura 2 – Exemplos de corpos de areia (www.google.pt)
O estudo da interacção do vento com a superfície terrestre é bastante complexo, já que,
na maioria dos casos, o escoamento é turbulento e tridimensional, e neste tipo de
escoamentos, devido ao elevado número de variáveis envolvidas, é sempre difícil analisar e
prever seu o comportamento.
No entanto, em diversas situações, seria desejável conhecer e até antever o
comportamento do vento, tornando assim possível a previsão de catástrofes naturais
evitando a perda de vidas e de bens materiais.
Também a nível de algumas indústrias, tais como as do sector de energia eléctrica que
utilizam o carvão como matéria-prima (caso da Central Termoeléctrica do Pego – Figura 3),
conseguir antecipar o comportamento do vento, ou seja, conseguir prever a interacção entre
o vento e as pilhas de carvão pode ser muito vantajoso, tanto do ponto de vista económico
como do ponto de vista ambiental. O carvão, uma matéria-prima normalmente importada, é
consumido abundantemente neste tipo de centrais. O seu arrastamento devido à acção do
vento, leva à diminuição da quantidade de matéria-prima armazenada e representa uma
perda significativa a nível económico. Por outro lado, o seu transporte aéreo pode-se
Capítulo 1. Introdução
3
prolongar ao longo de vários quilómetros, afectando a qualidade do ar e, no caso de chegar
a zonas urbanas, poderá tornar-se um risco de saúde pública.
Figura 3 – Vista do parque de carvão da Central Térmica do Pego (www.tejoenergia.com)
1.2 Material granular – A areia
Existem diversos exemplos de material granular, no entanto, no presente estudo foi
utilizado areia.
A areia é um material de origem mineral composta basicamente de dióxido de silício
(sílica), cujo tamanho varia, conforme a escala de Wentworth1, entre 64 µm (1/16 mm) e 2
mm. Forma-se à superfície da Terra pela fragmentação das rochas por erosão, devido à
acção do vento ou da água, sendo então transportadas resultando em sedimentos no mar
ou dunas de areia.
Ao contrário da ideia da maior parte das pessoas, as dunas não são um simples monte
de areia inerte, na verdade, são estruturas naturais dinâmicas, estas crescem, deslocam-se, e
mudam de forma.
De uma forma bastante simplista, pode-se dizer que para a formação de uma duna de
areia têm de se reunir as seguintes condições:
1. Uma grande quantidade de areia solta numa área de baixa vegetação -
normalmente numa costa ou leito de rio, lago ou mar seco;
2. Vento ou brisa que movimente os grãos de areia; e
3. Um obstáculo que leve a areia a perder o ímpeto e assente. O obstáculo pode
ser uma pequena pedra ou uma grande árvore, por exemplo. 1 Escala logarítmica de classificação granulométrica (diâmetro maior) dos fragmentos de sedimentos clásticos (ou detríticos), dos mais finos para os mais grossos, criado em 1922 por C. K. Wentworth.
Capítulo 1. Introdução
4
Uma vez estas variáveis combinadas forma-se uma duna de areia. Quando o vento
recolhe a areia, ela movimenta-se, geralmente a baixa altura. Os principais mecanismos de
transporte da areia pelo vento são: saltação; reptação e suspensão, os quais serão
apresentados mais adiante neste capítulo.
Figura 4 – Início da criação de uma zona abrigada de vento, a sotavento de um pequeno obstáculo, com deposição de areia transportada
A figura 4 mostra, de forma simples, a formação de uma duna. A areia ao encontrar o
obstáculo pára o seu movimento e começa a acumular-se em torno do mesmo. As partículas
maiores ao encontrarem o obstáculo, aglomeram-se formando uma pequena elevação, os
grãos mais leves depositam-se no lado jusante da obstrução, uma vez que é aí que a força do
vento é menor.
Uma duna quando formada, na maior parte dos casos não se mantém imóvel, ela
movimenta-se ao longo tempo, parecendo que vai a deslizar, mantendo a sua forma ao fazê-
lo (Figura 5). Tal sucede, porque à medida que o vento conduz areia ao topo da pilha, ela vai
ficando cada vez mais inclinada, perdendo a estabilidade, fazendo com que esta se
desmorone, fazendo com que a areia “escorregue” pela face de deslizamento. A pilha volta a
ser estável quando a face de deslizamento atinge um dado declive, designado como o ângulo
de repouso e que habitualmente varia entre os 30 e os 34 graus (Figura 5).
Capítulo 1. Introdução
5
Figura 5 – Influência do vento na formação e movimentação das dunas (Adaptado de http://asdunass.blogspot.com/2010_09_01_archive.html)
A própria duna depois de formada se torna num obstáculo contribuindo assim para o
crescimento contínuo de si própria. Dependendo da velocidade e direcção do vento e da
composição da areia, as dunas podem assumir formas e tamanhos diferentes (Figura 6).
A figura 6 mostra alguns dos tipos de dunas mais comuns:
Crescente (Barchan);
Estrela;
Parabólica;
Longitudinais (Seif);
Transversas.
Figura 6 – Principais tipos de dunas. A-Barchan; B-Longitudinais; C-Transversais; D-Parabólicas; E-Barchanoid (entre transversal e barchan) e F-Estrela
(http://wps.prenhall.com/esm_tarbuck_escience_11/32/8321/2130229.cw/content/index.html)
Capítulo 1. Introdução
6
1.2.1 Mecanismos de transporte eólico
De seguida são apresentados os principais mecanismos de transporte eólico de
partículas.
Figura 7 – Mecanismos de transporte eólico (http://www.mrstevennewman.com)
Devido às características das partículas que se deslocam em suspensão, este é o
mecanismo de transporte onde os grãos atingem as alturas mais elevadas e consequentes
longas distâncias. A suspensão é típica em partículas com diâmetro menor do que 60 a 70
µm, como é o caso dos siltes2 e das argilas.
Em saltação as partículas deslocam-se pequenas distâncias de cada vez e os seus
diâmetros variam entre 60 e 500 µm (areias finas e médias.). A trajectória destas partículas é
caracterizada por uma elevação vertical inicial abrupta seguida por um percurso parabólico,
fazendo com que quando retornam à superfície o fazem com ângulos relativamente
pequenos (Figura 7). A figura 8 mostra de forma esquemática quais as forças envolvidas no
mecanismo de transporte de partículas por saltação.
Figura 8 – Balanço de forças aplicadas numa partícula sujeita a forças aerodinâmicas e de coesão (http://www.informaworld.com)
2 Sedimento clástico (rochas sedimentares formadas por detritos de outras rochas que foram transportadas desde o seu local de origem, como acontece, por exemplo, com as areias e as argilas; detrítico) depositado pela água em portos, canais, etc., e cujas partículas têm dimensões que oscilam entre 1/16 e 1/266 mm de diâmetro.
Capítulo 1. Introdução
7
A reptação (ou arrastamento) é típica dos grãos de maiores diâmetros, como é o caso
das areia médias ou grosseiras (d > 500 µm )e caracterizada por ter as trajectórias mais
curtas. O movimento das partículas é devido essencialmente aos impactos entre os grãos em
saltação e a superfície, os quais transferem a energia cinética para as partículas em repouso
no solo.
Considerando todos os mecanismos de transporte referidos, a maior parte dos grãos de
areia desloca-se numa camada junto ao solo, com uma espessura que ronda os 20-30 cm, a
qual aumenta ou diminui, consoante o diâmetro médio das partículas é menor ou maior,
respectivamente. Em média cerca de 75% das partículas deslocam-se em saltação e 25% em
reptação.
1.2.2 Granulometria
De uma forma geral, a parte sólida dos solos é composta por um grande número de
partículas que possuem diferentes dimensões.
A granulometria ou análise granulométrica dos solos é o processo que visa definir, para
determinadas faixas pré-estabelecidas de tamanho de grãos, a percentagem em peso que
cada fracção possui em relação à massa total da amostra em análise.
A análise granulométrica pode ser realizada por peneiração, para o caso de solos
granulares como as areias e os pedregulhos, por sedimentação, no caso de solos argilosos,
ou pela combinação de ambos os processos.
Para usos mais expeditos pode-se usar uma tabela simplificada da Escala de Wentworth,
anteriormente referida (Tabela 1):
Tabela 1 – Escala de Wentworth simplificada
Intervalo granulométrico (mm) Nome >256 Matacão
256 a 64 Bloco ou Calhau 64 a 4,0 Seixo 4,0 a 2,0 Grânulo
2,0 a 0,062 Areia 0,062 a 0,004 Silte
<0,004 Argila Observação: Na natureza, muito dificilmente encontramos sedimentos clásticos totalmente esféricos, portanto as dimensões dadas
na coluna referem-se ao diâmetro maior. O nome Argila tem duas conotações importantes na Geologia: tanto se refere a uma
granulometria muito fina (<0,004 mm) como a um grupo importante de minerais, também conhecidos como Argilo-minerais. Da mesma
forma alguns autores, principalmente nas Engenharias, referem-se a Areia como sinónimo de grãos de quartzo, na medida que a grande
maioria dos grãos da fracção Areia é deste mineral (http://www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php/Granulometria)
Capítulo 1. Introdução
8
1.3 Objectivo
A principal motivação do presente trabalho resultou da necessidade de conseguir
prever e tentar controlar o comportamento de pilhas de armazenamento de material
granular. Saber qual a influência da sua geometria e qual a interferência que o vento tem
sobre estas colinas, as quais podem levar à modificação da geometria das pilhas e à
alteração dos métodos de armazenamento.
Assim, o presente trabalho centra-se no estudo da influência do declive da superfície na
erosão, por acção do vento, de colinas e/ou pilhas de armazenamento constituídas por
material granular, como por exemplo as pilhas de carvão, atrás mencionadas (Figura 3).
1.4 Apresentação do trabalho
O presente trabalho foi dividido em diversas etapas, sendo a primeira a pesquisa
bibliográfica. Esta pesquisa foi efectuada de uma forma global, uma vez que esta
problemática engloba uma série de aspectos diferentes, sendo muitas vezes difícil distinguir
ou mesmo separá-los, e ainda porque estes são variáveis importantes em outros tipos de
estudos. Esta perspectiva mais abrangente serviu também para mais tarde conseguir
interpretar e analisar os resultados obtidos nas diferentes experiências realizadas.
O presente estudo está dividido em seis capítulos. Após este capítulo introdutório, o
segundo capítulo é dedicado à introdução teórica referente a cada um dos restantes grupos
em que se divide a presente abordagem. É feito um enquadramento do material granular
utilizado nos testes de erosão, falando dos mecanismos de transporte e conceito de
granulometria. Seguidamente apresenta-se a fundamentação teórica de alguns dos
conceitos mais pertinentes para a parte experimental, tais como as grandezas que se
pretendem medir, como se efectua o seu cálculo, quais os seus valores críticos e formas de o
calcular. Por fim, são apresentados determinados conceitos relevantes para a simulação
numérica, alguns dos quais são a base de cálculo do software utilizado e outros utilizados
para o processamento dos resultados obtidos nas simulações de forma a obter a grandeza
pretendida para comparação com os testes experimentais.
No terceiro capítulo é apresentada a fase experimental deste trabalho. Descrevem-se as
principais características da montagem, incluindo a aparelhagem utilizada, o túnel de vento,
Capítulo 1. Introdução
9
os modelos construídos e a areia utilizada. Refere-se ainda o procedimento adoptado para
os dois tipos de testes realizados: testes de erosão e testes de velocidade de atrito.
A simulação numérica é apresentada no capítulo quatro. Esta encontra-se dividida em
duas fases, a geração da malha e a simulação propriamente dita. Antes da geração da malha
foram efectuados testes de independência de malha, para assim escolher qual o tamanho do
elemento mais adequado, de forma a obter resultados fidedignos com o menor peso de
processamento possível. Depois destes testes foram escolhidos os restantes parâmetros
necessários para a geração da malha. Para a realização da simulação numérica existem uma
série de parâmetros que têm de ser inseridos no software utilizado, para que assim sejam
recriadas as condições de ensaio no laboratório, uma vez que o objectivo é comparar os
resultados obtidos de forma experimental com os obtidos através da simulação. Estes
parâmetros prendem-se com o tipo de fluido e escoamento que se pretende simular; as
condições-fronteira do domínio computacional e o tipo de estudo que o programa deve
“correr”.
Todos os resultados obtidos neste estudo são apresentados no capítulo cinco. Por uma
questão de organização da apresentação, este encontra-se dividido em dois subcapítulos:
resultados experimentais e resultados numéricos. No primeiro subcapítulo começa-se por
avaliar a influência do declive nos valores limite de algumas grandezas pertinentes, isto
ainda em termos teóricos, com o intuito de confirmar se as conclusões obtidas vão de
encontro aos resultados obtidos, seguidamente são apresentados e discutidos todos os
resultados experimentais. De notar que antes da realização dos ensaios de velocidade de
atrito foram efectuados testes de repetibilidade, resultados dos quais também são
apresentados neste subcapítulo. No subcapítulo 5.2 são mostrados os resultados numéricos.
Um parâmetro muito importante para a realização da simulação numérica é a rugosidade do
grão de areia, tal como será apresentado oportunamente neste estudo, assim
primeiramente foram realizados testes para verificar a sua influência e escolher qual o valor
mais adequado. Depois são apresentadas as conclusões quanto à validação de modelo e por
fim é efectuada a discussão dos resultados obtidos nas várias simulações numéricas, em
termos comparativos com os resultados experimentais.
Por fim, no capítulo seis são destacadas as principais conclusões procedentes da análise
dos resultados obtidos e tecem-se algumas considerações sobre a possibilidade de
continuação do presente estudo em trabalho futuros.
Capítulo 2. Componente Experimental
10
Capítulo 2. Componente experimental
Este capítulo apresenta-se dividido em duas partes. Na primeira será exposta a
fundamentação teórico de alguns dos conceitos abordados ao longo do presente estudo, na
segunda serão apresentados os principais aspectos da execução laboratorial.
As partículas de pequena dimensão, quando expostas ao vento, são susceptíveis de
serem deslocadas quando a velocidade do escoamento ultrapassa um determinado valor
crítico. Tal limite depende da dimensão e material da partícula, da forma do perfil incidente,
mas também da inclinação, ou declive, da superfície exposta.
Apesar de alguns trabalhos disponíveis na literatura, o assunto carece de um estudo
mais aprofundado, tendo em vista a dedução de relações que permitam a incorporação do
efeito do declive em ferramentas de simulação.
Seguidamente far-se-á referência a algumas grandezas importantes, e aos seus valores
limite, adoptados na realização dos vários testes experimentais.
A parte experimental do presente estudo consistiu em dois tipos de testes: os testes de
erosão e os testes de velocidade de atrito, ambos realizados em laboratório, com recurso a
um túnel de vento. Os primeiros foram realizados com recurso a pilhas de areia e tinham
como objectivo observar o comportamento das partículas quando sujeitas a um escoamento
de ar; os testes de velocidade de atrito foram realizados com recurso a modelos rígidos
dessas mesmas pilhas, construídos em madeira, nos quais foram colocados sondas de Irwin
(Irwin, 1981), por forma a medir a velocidade de atrito ao longo da pilha para
posteriormente serem comparados com os valores previstos pela modelação numérica.
2.1 Fundamentação teórica
Todas as grandezas que sejam pertinentes para o presente estudo serão apresentadas
neste capítulo, bem como os valores críticos teóricos que servirão de indicador para os
resultados obtidos nos ensaios realizados.
Capítulo 2. Componente Experimental
11
A grandeza que vai ser estudada é a velocidade de atrito local, este valor só será
quantificado pelo segundo tipo de ensaios efectuado, no entanto, a realização dos ensaios
de erosão é crucial, em termos qualitativos, já que permitem avaliar se as partículas
realmente se movimentam quando a velocidade de atrito ultrapassa o seu valor crítico.
Para estudar qual o efeito do declive da superfície na velocidade de atrito foram
realizados ensaios com diferentes ângulos de inclinação. Estes valores foram escolhidos por
forma a sua aplicação fosse exequível, permitindo obter resultados fiáveis e a obtenção de
conclusões. Este estudo foi efectuado antes da realização dos ensaios propriamente ditos,
devido à necessidade de elaborar componentes de auxílio à construção das pilhas de areia e
modelos em madeira de acordo com os ângulos escolhidos. A gama de valores escolhida tem
directamente a ver com o ângulo de repouso característico da areia, assunto que será
abordado de seguida.
Para a realização dos ensaios de erosão foi ainda necessário estudar qual o valor da
velocidade do vento adequado para cada declive, ou seja, qual o valor mínimo da velocidade
do escoamento necessário para que comece a haver erosão.
2.1.1 Ângulo de atrito estático (ou de repouso)
O ângulo de repouso é o ângulo mais acentuado em que uma pilha de material granular
desassociado permanece estável, ou seja, sem resvalar pela mesma, e é controlado pelo
atrito entre os grãos.
Uma encosta mais inclinada do que o ângulo de repouso é instável e tenderá a colapsar
para alcançar novamente o ângulo estável.
O ângulo de repouso depende de vários factores, tais como, o tamanho e forma das
partículas que constituem a pilha e a quantidade de água existente entre as partículas, tal
como é apresentado na figura 9.
(a) O ângulo de repouso de um monte de partículas aumenta à medida que aumenta o tamanho das partículas e à medida que se tornam mais angulosas. (b) O ângulo de repouso depende da quantidade de água existente entre as partículas. A areia húmida é coesa, pelo que pode suportar vertentes verticais, ao passo que a areia saturada de água flui até se tornar numa fina lente
Figura 9 – Alguns factores que influenciam o ângulo de repouso (Adaptado de Press, F. & Siever, R. (1997))
Capítulo 2. Componente Experimental
12
Assim, em forma de síntese, os factores que podem influenciar o ângulo de repouso
são: o tamanho da partícula; a rugosidade da superfície da partícula; esfericidade da
partícula; humidade da pilha e a homogeneidade da pilha.
O valor do ângulo de repouso pode variar devido a estes factores, sendo diversos os
valores indicados, bastando até consultar autores diferentes. A areia empregue no presente
trabalho, foi a mesma utilizada na investigação levada a cabo por Ferreira e Lambert, (2010),
na qual chegaram à conclusão que o seu ângulo de repouso (α) seria de 32°, assim este foi o
valor adoptado. Os declives da face de montante das pilhas estudadas são de 10°, 20° e 32°.
2.1.2 Velocidade de atrito crítica ( )
A variável crucial para perceber os processos eólicos e a erosão dos solos, segundo
vários autores, tais como Iversen e Rasmussen (1994), é velocidade de atrito crítica ( ),
que é definida como sendo a menor velocidade, junto da superfície, requerida para que as
forças aerodinâmicas superem as forças de atrito e o peso próprio das partículas. Pesquisas
consideráveis têm sido realizadas sobre esta variável através de análise teórica, ensaios em
túneis de vento e investigações no terreno, conforme citado por Huang et al. (2008). Apesar
de terem sido feitos grandes avanços na compreensão da física do transporte de areia desde
os primeiros trabalhos realizados (Bagnold, 1941), quase todas as equações apresentadas
referem-se a valores sobre superfícies horizontais:
(1)
onde (m/s) é a velocidade de atrito crítica numa superfície horizontal, (2650 kg/m3) e
(1,22 kg/m3) são as massas específicas do grão e do ar, respectivamente (Bagnold, 1941), d
(m) é o diâmetro do grão de areia, g (m/s2) é a aceleração da gravidade e A é um coeficiente,
que é praticamente constante, e, para o ar para partículas maiores que 0,2 mm, este toma o
valor de 0.1 (Bagnold, 1941).
No presente estudo a areia utilizada apresenta um diâmetro médio de d=0,5 mm
(secção 2.2.4), fazendo assim com que o valor crítico para a velocidade de atrito seja:
Capítulo 2. Componente Experimental
13
Como se pode ver pela equação (1), a velocidade mínima capaz de movimentar as
partículas varia directamente com a massa específica dos grãos e com o seu diâmetro. No
entanto, esta relação torna-se inversa para o caso dos diâmetros mais pequenos (siltes ou
argilas), devido a cargas electrostáticas ou filmes de humidade que contribuem para o
aumento da ligação entre as partículas.
A humidade (assim como a granulometria, a rugosidade da superfície e a presença de
agentes ligantes) é outro factor extremamente importante. Johnson (1965) modificou a
fórmula de Bagnold de modo a acrescentar-lhe a acção deste factor:
(2)
sendo W o teor em humidade (%) (https://woc.uc.pt/fluc/getFile.do?tipo=2&id=4048) .
No entanto, para o presente estudo toda a areia utilizada foi assumida como estando
seca, uma vez que foi recolhida com suficiente antecedência e estava conservada no
laboratório.
O declive é também um factor importante a ser considerado no estudo dos processos
de arrastamento de partículas. Análises teóricas dos efeitos do declive na velocidade de
atrito crítica foram investigadas por Howard (1977), e se alguns parâmetros forem
desprezados, tais como: a influência da força de coesão entre partículas e os efeitos da
variação do número de Reynolds (Re), uma equação representativa da velocidade de atrito
crítica para o início do movimento de partículas em declives de ângulo θ pode ser obtida
(Howard, 1977; Iversen e Rasmussen, 1994; Huang et al., 2008):
(3)
onde α é o ângulo de atrito estático (ou ângulo de repouso), o valor usado é de 32°, de
acordo com (Iversen e Rasmussen (1994) e Ferreira e Lambert (2010).
Assim as velocidades críticas para cada um dos ângulos de inclinação da superfície
utilizados no presente estudo são as seguintes:
Capítulo 2. Componente Experimental
14
Para alguns dos testes experimentais recorreu-se ao uso de sondas de Irwin (Irwin,
1981), as quais medem uma diferença de pressão ΔP, que pode ser relacionada com a
tensão de cisalhamento na parede (Secção 2.2.1.2). Esta é outra possibilidade para a
abordagem ao estudo da física do transporte de areia, uma vez que a tensão de
cisalhamento está intimamente relacionada com a velocidade de atrito local, tal como foi
apresentado por Bagnold (1941):
(4)
onde (N/m2) é a tensão de cisalhamento na parede ou tensão de atrito. Tal como a
velocidade de atrito, a tensão de atrito requerida para iniciar o movimento de um dado grão
de areia varia com o declive e com a textura da areia, isto é, é mais difícil transportar
partículas (especialmente as de maior diâmetro) numa superfície inclinada no sentido
ascendente do que em superfícies horizontais ou no sentido descendente. Tal sucede
porque contra o movimento dessas partículas actua o efeito da gravidade, o qual depende
do peso da partícula e do ângulo de inclinação da superfície onde estas se encontram. Uma
discussão mais aprofundada pode ser encontrada em Tsoar et al. (1996)
Com os ensaios de erosão apenas será possível avaliar a alteração no perfil da pilha, ou
seja, como se desenvolve a erosão para cada declive e para cada velocidade de escoamento,
para depois poder ser comparado com o valor obtido pela equação (4). A velocidade de
atrito será a única grandeza obtida na fase experimental, através das sondas de Irwin, uma
vez que a comparação será efectuada entre os valores local (medido) e crítico (teórico) da
velocidade de atrito para as várias geometrias ensaiadas.
Por sua vez, os valores de velocidade de atrito local medidos experimentalmente serão
depois a base para ser realizada a validação do modelo simulado com o código comercial
CFX.
Em suma, este trabalho pretende relacionar/comparar a deformação das pilhas, medida
experimentalmente, com a velocidade de atrito local medida no túnel de vento, com recurso
Capítulo 2. Componente Experimental
15
às sondas de Irwin, e com os valores previstos pela modelação numérica, a qual será
apresentada de forma gráfica no capítulo cinco.
2.1.3 Velocidade do vento crítica ( )
Os ensaios de erosão têm como característica serem algo demorados. Assim é deveras
importante um estudo prévio de todos os parâmetros envolvidos no ensaio, uma vez que
dado início ao ensaio, em caso de erro, não é possível corrigir o valor de um parâmetro e
retomar o ensaio, é necessário recomeçar o teste do início.
Como exemplo têm-se o caso da velocidade do vento crítica, que é o valor mínimo da
velocidade do vento que é necessária para arrastar uma partícula. Esta está relacionada com
a velocidade de atrito crítica, tal como foi mostrado por Bagnold (1941), através da equação:
(5)
onde (m/s), é a velocidade de atrito crítica previamente apresentada na equação (1), z
(m) é a altura acima da superfície e k (m) é a constante de rugosidade da superfície.
A velocidade do vento crítica é o valor mínimo necessário para se iniciar o movimento
das partículas, assim, o valor de z é de 0.1 m, uma vez que esta é a espessura da camada
limite (secção 2.2.2).O valor da constante de rugosidade da superfície adoptado é de d/30,
conforme recomendado por vários autores, conforme será discutido na secção 4.2.1.
Assim,
A equação (5), tal como a equação (1), é válida para superfícies horizontais, mas, como
já foi referido anteriormente, o declive é um factor importante nos valores críticos destas
grandezas, assim, também para o caso da velocidade de escoamento do fluido, para cada
ângulo de inclinação existe uma velocidade crítica diferente.
Uma equação semelhante à anterior pode ser obtida substituindo a velocidade de atrito
crítica numa superfície horizontal pela correspondente numa superfície inclinada com um
dado declive (Equação (2)):
(6)
Capítulo 2. Componente Experimental
16
Através desta equação é possível então calcular os valores críticos esperados para cada
uma das pilhas ensaiadas:
De notar que estes são valores teóricos e então poderá haver a necessidade de efectuar
alguns ajustes nos valores de ensaio, tendo estes necessariamente de serem mais elevados
que os calculados. Foram efectuados testes neste sentido, os quais são apresentados de
seguida.
2.1.3.1 Testes da velocidade do fluido
Os valores críticos são normalmente obtidos com recurso a equações que, aquando da
sua formulação, foram efectuadas algumas simplificações. Assim, para avaliar a veracidade
dos valores obtidos pela equação (6), foram utilizados três valores de velocidade não
perturbada diferentes: 8.3; 9.1 e 9.9 m/s, isto apenas para o ângulo de inclinação mais
reduzido – θ=10°.
Tabela 2 – Velocidade do fluido. Valores críticos e de ensaio
Velocidade do Fluido [m/s]
Ângulo (θ) Valor crítico Valor de ensaio
0° vt0 7,09 -
10° vt10º 7,97 9,1
20° vt20º 8,65 9,9
32° vt32º 9,23 9,9
Como se pode observar pela tabela 2, o primeiro valor deveria ser suficiente para iniciar
o arrastamento de partículas, uma vez que é maior que o valor limite calculado. No entanto,
em termos experimentais não foi isso que sucedeu, com esta velocidade não houve quase
erosão. Sendo os dois valores tão próximos ( ), poderão
existir diversas razões que podem justificar o sucedido:
i. Dificuldade em considerar todos os parâmetros reais, e consequente
consideração de simplificações aquando a formulação das equações;
Capítulo 2. Componente Experimental
17
ii. Utilizado um diâmetro de d=0.5 mm, quando esse é um valor médio e não o
valor real de todos os grãos;
iii. , é a velocidade não perturbada fora da camada limite, e o modelo
insere-se dentro desta, tal como foi apresentado na secção 2.2.2, logo a
velocidade do fluido na superfície barlavento da pilha terá de ser
necessariamente inferior a este valor.
Assim sendo, o valor de velocidade do fluido utilizada para a pilha de menor declive foi
9.1 m/s (valor imediatamente acima de todos os estipulados para a realização dos diversos
ensaios), uma vez que com 9.9 m/s erosão foi bastante elevada e rápida, podendo levar a
resultados erráticos.
O mesmo procedimento foi levado a cabo para as outras geometrias (ângulo de 20° e
32°), tendo-se concluído que, para os dois declives, a velocidade não perturbada mais
adequada seria de 9.9 m/s.
2.2 Execução laboratorial
Neste subcapítulo serão apresentadas as principais características da execução
laboratorial do presente estudo, nomeadamente, equipamento de medida, túnel de vento,
instrumentação, construção e geometrias das pilhas utilizadas, granulometria da areia e os
procedimentos experimentais dos ensaios realizados.
2.2.1 Equipamento de medida
Neste subcapítulo serão apresentados os princípios de funcionamento, as
características e outros detalhes relevantes de alguns dos equipamentos utilizados durante a
fase experimental. A maior parte do equipamento de medida utilizado consistia em
instrumentos de pressão.
Recorreu-se a um tubo de Pitot (Secção 2.2.1.1) para controlo da velocidade do
escoamento não perturbado. As suas leituras de pressão foram efectuadas por um
transdutor de pressão eléctrico, da marca MULTUR (Figura 10), tendo este um erro de
leitura inferior a 0.5 Pa.
Capítulo 2. Componente Experimental
18
Figura 10 – Transdutor de pressão eléctrico MULTUR
Para o caso dos testes de erosão foi utilizado um dispositivo de laser de medida de
distância (Dimetix, modelo DLS-B15 (Dimetix)), o qual se encontra a uma altura de 2.77 m do
chão da câmara de trabalho, este tem uma precisão de ±1.5 mm, com um nível de confiança
estatística de 95.4 %. O laser encontra-se montado num sistema de varrimento e trabalha
segundo um plano paralelo à base do modelo, permitindo assim que o dispositivo se
movimente segundo duas direcções perpendiculares (Figura 11). A precisão do controlo do
movimento e o posicionamento do sistema de varrimento são conseguidos através de
motores de passo. Todo o processo é controlado por um algoritmo computacional que foi
desenvolvido por Gonçalves (2008).
Figura 11 – Dispositivo de medição laser (Adaptado de (Ferreira e Lambert, 2010)
Capítulo 2. Componente Experimental
19
No caso de testes de velocidade de atrito foram utilizados sensores de pressão
diferencial do tipo Irwin(Irwin, 1981), os quais serão apresentados na secção 2.2.1.2.
As várias tomadas de pressão, duas por cada sonda de Irwin, duas do tubo de Pitot e
ainda uma tomada de pressão para a atmosfera (pressão de referência), foram ligadas aos
48 canais de uma scanivalve (Figura 12). Esta estava ligada a um equipamento que permitia
ao operador, através de um display, saber o canal que estava a ser adquirido e dispunha de
um controlador solenóide que permitia efectuar a mudança de canal. O varrimento dos
diversos canais utilizados podia ser efectuado manualmente, para efectuar os testes iniciais,
ou de forma automática, através do computador (Figuras 13 e 14).
Figura 12 – Scanivalve de 48 canais Figura 13 – Equipamento de monitorização e controlo da Scanivalve
Os valores de pressão foram adquiridos usando o transdutor de pressão MULTUR
(Figura 10), que transmitia os dados a um computador dotado de uma placa de aquisição
DASH 800 (Figura 14).
Figura 14 – Caixa de ligação do sistema de aquisição de dados
2.2.1.1 Tubo de Pitot
Princípio de Funcionamento
O tubo de Pitot (Figura 15) funciona basicamente como um medidor de pressão
diferencial. A primeira fonte de pressão do sistema é a pressão de impacto ou pressão total
Capítulo 2. Componente Experimental
20
ou pressão de estagnação, tomada na extremidade do tubo de Pitot através de sua entrada
frontal principal, relativa ao fluxo de um dado fluido. A segunda tomada de pressão é a de
pressão estática, que pode ou não ser tomada no mesmo local do tubo de Pitot.
Figura 15 – Representação esquemática de um tubo de Pitot
A diferença de pressão pode então, depois de medida, ser chamada de pressão
dinâmica.
Cálculo da velocidade do fluido
Sabendo-se a pressão dinâmica no escoamento de um determinado fluido, é possível
saber a sua velocidade. Para tal usa-se a Equação de Bernoulli:
(7)
onde p2 é a pressão total (Pa), p1 é a pressão estática (Pa) (ou seja, (p2 - p1) é a pressão
dinâmica (Pa)), u1 é a velocidade do escoamento (m/s) e é a massa específica do fluido
(kg/m3). A figura 16 mostra o tudo de Pitot utilizado nos ensaios efectuados.
0
Capítulo 2. Componente Experimental
21
Figura 16 – Tubo de Pitot utilizado no LAI
2.2.1.2 Sonda de Irwin
Para os testes de velocidade de atrito foram utilizados sensores de pressão diferencial
(dP) do tipo Irwin (Irwin, 1981) montados à superfície do modelo.
As sondas de Irwin são usadas tipicamente em ensaios levados a cabo em túneis de
vento para estimar a pressão à superfície dos modelos, e para os casos em que se pretende
avaliar a velocidade do vento ao nível pedonal em torno de edifícios (Monteiro e Viegas,
1996) As sondas de Irwin são de construção simples, não requerem alinhamento, são
robusta, baratas, e permitem a medição de vários pontos próximos uns dos outros.
O funcionamento destas sondas baseia-se essencialmente na diferença de pressão
estática entre dois pontos: um é complanar com a superfície do modelo e o outro um pouco
acima desta (Figura 17).
Figura 17 – Fotografia de sondas de Irwin montadas na superfície de um dos modelos ensaiados
Tubo de Pitot
Ligação das tomadas de pressão ao transdutor
Capítulo 2. Componente Experimental
22
Estes dois pontos encontram-se situados na fronteira e no interior da camada limite,
respectivamente, e a diferença de pressão entre eles é originada pelo próprio sensor.
As sondas utilizadas foram construídas por Ferreira (1993) e as dimensões adoptadas
para a sua construção podem ser visualizadas na figura 18:
Figura 18 – Geometria adoptada para a construção das sondas de Irwin (Ferreira, 1993)
Devido ao escoamento é criada uma diferença de pressão no sensor, valor que pode ser
relacionado com a tensão de cisalhamento na parede. O valor desta grandeza, obtido para
os vários locais onde se encontravam posicionadas as sondas, foi posteriormente
relacionada com a velocidade de atrito local (Equação (4)).
As sondas utilizadas neste estudo foram construídas e calibradas individualmente por
Ferreira (1993). O autor verificou que todas as sondas apresentavam um comportamento
idêntico quando submetidas a condições semelhantes de escoamento. Assim, sem se
cometerem erros apreciáveis, foi adoptada a mesma curva de calibração para todas as
sondas, a qual seguia a seguinte função:
(8)
onde é a tensão de cisalhamento na parede (N/m2) e dP é a diferença de pressão (Pa).
2.2.2 Túnel de vento
A justificação para a utilização de um túnel de vento para o presente trabalho é
essencialmente porque este tem-se mostrado uma ferramenta valiosa para investigar a base
física dos processos eólicos e modelagem de alguns destes processos, em pequena escala (
Iversen e White (1982); entre outros).
Capítulo 2. Componente Experimental
23
Figura 19 – Túnel do vento do LAI
O túnel de vento utilizado para o presente estudo (Figura 19) encontra-se instalado no
Laboratório de Aerodinâmica Industrial (LAI) da Associação para o Desenvolvimento da
Aerodinâmica Industrial da Universidade de Coimbra (ADAI). Este túnel tem um bocal de
saída com uma secção de 2 m x 2 m seguido de uma câmara de trabalho aberta com 5 m de
comprimento.
O perfil da componente longitudinal (uz) foi obtido pelo Eng.º. João Sismeiro com um
tubo de Pitot na câmara de trabalho quando esta estava vazia. Não foram utilizados
quaisquer tipos de elementos para alterar o perfil de escoamento, tais como, barreiras,
dispositivos de mistura ou elementos rugosos. A medição foi efectuada no centro da câmara,
2.4 m a jusante do bocal de saída e o perfil obtido pode ser descrito pela seguinte expressão:
(9)
onde uz (m/s) é a componente média longitudinal da velocidade, U0 (m/s) é a velocidade não
perturbada e z (m) é a distância ao solo. A espessura da camada limite é δ=0.1 m e o perfil é
caracterizado por α=0.11.
A intensidade de turbulência da componente longitudinal da velocidade permanece
praticamente constante com a altura, e pode ser assumida como sendo de 15 %, sendo esta
aproximação aceitável segundo Ferreira e Oliveira (2009).
Pelas razões mencionadas na secção 2.1.3, foram utilizadas diferentes velocidades não
perturbadas nos ensaios efectuados, tais como, 8.3 m/s; 9.1 m/s; 9.9 m/s e 10.7 m/s, as
quais deram origem a quatro perfis diferentes de velocidade (Figura 20).
Capítulo 2. Componente Experimental
24
Figura 20 – Perfis de velocidade para as diferentes velocidades não perturbadas (U0)
2.2.2.1 Critério de Similaridade
Para o critério de similaridade ser respeitado, é necessário ter em consideração uma
série de parâmetros adimensionais, o que normalmente é bastante complicado, senão
mesmo impossível. No entanto, provavelmente, o requisito mais importante a ser cumprido
é o do número de Reynolds – Re (adim)(White, 1996):
(10)
onde Lc é a dimensão característica (m) e ν é a viscosidade cinemática do fluido (m2/s), para
o caso do ar, .
Segundo algumas referências (Stunder e Arya, 1988; White, 1996), o requisito do
número de Reynolds pode ser aceite se exceder o valor mínimo crítico de aproximadamente
104. A velocidade não perturbada mais baixa utilizada foi de 8.3 m/s, o que corresponde a
um Reynolds de 4.03x104, portanto superior ao valor crítico, podendo-se assim garantir a
independência de Re. Para o cálculo do número de Reynolds, a dimensão característica
utilizada foi a altura inicial da crista da pilha, ou seja, H=0.075m. Uma análise mais completa
sobre esta temática pode ser encontrada em White (1996).
O rácio entre a altura do modelo e a espessura da camada limite do túnel de vento
(H/δ) é outro requisito importante quando se realizam ensaios deste tipo, sendo desejável
que o modelo a ensaiar se encontre inserido até a um máximo de 20% da camada limite
(White, 1996).
Neste caso, a altura da crista é de H=0.075 m e a espessura da camada limite é de δ=0.1
m, ou seja, representa 75% da espessura da camada limite, o que não vai de encontro ao
atrás apresentado. No entanto, este é um critério importante para o caso de estarem a ser
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0 2 4 6 8 10 12
z [m]
uz [m/s]
8.3 m/s 9.1 m/s 9.9 m/s 10.7 m/s
Capítulo 2. Componente Experimental
25
estudados casos reais e com modelos à escala, o que não se aplica ao presente trabalho,
assim isto não é um impedimento para a realização dos ensaios no túnel de vento.
2.2.3 Geometrias e configuração das pilhas
2.2.3.1 Geometrias das pilhas
Todos os testes realizados no presente trabalho, devido às suas características,
trabalham com escoamentos completamente desenvolvidos. Por outro lado, com o intuito
de impedir erros de medição da grandeza pretendida – velocidade de atrito local – e por
imposição da montagem de alguns dispositivos de medição, a zona de monitorização da
velocidade de atrito será realizada na linha média das pilhas, evitando assim efeitos
indesejados das laterais do modelo. Assim, a opção tomada foi a utilização de pilhas
transversais bidimensionais, que apesar de ser uma hipótese simplificadora, não leva à
obtenção de erros significativos.
Como não seria possível a abordagem imediata a todas as configurações, ainda que
trabalhando apenas em 2D - e considerando que para o estudo da influência do declive da
superfície na velocidade de atrito crítica e na sua variação ao longo da superfície (declive
constante), seria preferível trabalhar com superfícies planas - a geometria adoptada para o
perfil dos diversos modelos, experimentais e numéricos, foi a triangular. Esta escolha
prende-se também com a maior facilidade de construir as pilhas de areia e mantê-las
estáveis aquando a preparação dos ensaios.
Assim, no presente estudo, foram utilizadas três pilhas de areia diferentes (Figura 21),
cada uma com as propriedades que estão apresentadas na Tabela 3.
a) b) c)
Figura 21 – Pilhas de areia. a) θ=10°; b) θ=20° e c) θ=32°
Capítulo 2. Componente Experimental
26
Tabela 3 – Propriedades geométricas das pilhas/modelos
Barlavento Sotavento
Modelo
Altura da pilha
h [mm]
Ângulo de declive
θ *°]
Comprimento da base
[mm]
Ângulo de declive
Υ *°]
Comprimento da base [mm]
S10 75 10 425.4 32 120.0
S20 75 20 206.1 32 120.0
S32 75 32 120.0 32 120.0
Como foi referido na secção 2.1.1, a escolha dos ângulos de inclinação para os diversos
modelos não foi efectuada de forma aleatória, esta está intimamente ligada ao valor do
ângulo de repouso.
As geometrias são extrudidas de forma normal ao seu plano com uma largura de 1000
mm (Figura 22).
Figura 22 – Pilha de areia antes dos ensaios com as guias de madeira laterias e placas de PVC
Este valor da largura da pilha foi escolhido de forma que fosse possível assegurar um
fluxo bidimensional na linha central da colina, para assim tentar evitar interferências das
laterais, uma vez que no caso dos ensaios de erosão é aí onde é medido o perfil da pilha, e
no caso dos ensaios de velocidade de atrito é essa a localização das sondas de Irwin.
2.2.3.2 Posicionamento das pilhas
As pilhas foram colocadas no chão da câmara, centradas com a mesma.
Independentemente da geometria utilizada, a crista da pilha foi posicionada 2.5 m a jusante
do bocal de saída e o seu eixo de simetria paralelo com a direcção do escoamento principal
(Figura 23).
1 m
Saída do bocal
Placas de PVC
Capítulo 2. Componente Experimental
27
Figura 23 – Posicionamento das pilhas de areia no túnel de vento (Vista esquemática [mm])
2.2.3.3 Configuração das pilhas de areia
Para a construção das pilhas foram utilizadas duas guias de madeira, construídas de
acordo com os perfis mostradas na Tabela 3. Estas foram aparafusadas ao chão da câmara
de trabalho do túnel com um afastamento entre elas de 1000 mm.
De seguida, o espaço entre as guias foi preenchido com areia, para dar forma às pilhas
foi colocado sobre as guias um tubo de metal e feito deslizar sobre as mesmas. Este
procedimento faz com que a superfície da pilha fique homogénea e nivelada. O tubo foi o
componente escolhido para auxiliar a construção das pilhas, porque este tem uma secção
transversal circular, sendo mais fácil o seu deslizamento sobre as guias, no entanto é preciso
ter algum cuidado na zona da crista, porque se a parte do tubo assente nas duas guias não
contornar essa zona ao mesmo tempo, podem surgir zonas da pilha com perfil diferente do
triangular ou com alturas da crista mais baixas.
Com a pilha de areia devidamente construída, junto das guias de madeira e na parte
interior da pilha (lado da areia) foram colocadas duas placas de PVC (Figura 22), também
estas aparafusadas ao chão, com o intuito de reduzir o efeito das arestas e assegurar um
fluxo bidimensional na linha central da pilha, pelas razões anteriormente apontadas. Este
método foi utilizado para todas as pilhas.
2.2.3.4 Configuração dos modelos de madeira
Para a realização dos ensaios de velocidade de atrito foram feitos modelos em madeira,
construídos de acordo com as pilhas de areia atrás executadas, uma vez que as condições de
ensaio teriam de ser necessariamente semelhantes.
X Y
Z
Capítulo 2. Componente Experimental
28
Em todos os modelos ensaiados as sondas foram colocadas apenas na face barlavento e
a partir da crista do modelo. Tal como se pode ver na figura 24, os sensores foram inseridos
em furos efectuados na superfície das pilhas, com afastamento de 20 mm tanto transversal
como longitudinalmente. Devido ao tipo de material utilizado, não houve a necessidade de
suavizar a superfície em redor dos sensores.
Todas as sondas foram colocadas próximas da linha média longitudinal da pilha, para
não só evitar o máximo possível os efeitos das arestas da pilha, ou seja, assegurar o
escoamento bidimensional na zona de medição, mas também porque essa foi a zona de
medição das alterações de perfil nos ensaios de erosão.
Modelo S10
No caso do primeiro modelo (declive 10°), foram colocadas 15 sondas, estando estas
localizadas até 120 mm do limite da pilha.
Modelo S20
Para a pilha de declive 20°apenas foram amostradas 7 posições situadas entre a crista
do modelo e 80 mm do limite montante da pilha.
Modelo S32
Por fim, no caso da pilha mais íngreme, apenas foi possível colocar 5 sensores,
posicionados até 40 mm do limite da colina.
Figura 24 – Vista esquemática dos modelos das pilhas com a localização das sondas de Irwin, (esquerda) pilha com declive de 10°, (meio) pilha com declive de 20° e (direita) pilha com declive de 32°. (Medidas na superfície
inclinada [mm])
Capítulo 2. Componente Experimental
29
Em todas as pilhas, os sensores não foram colocados até ao limite da pilha uma vez que
os modelos se encontravam apoiados no chão, não deixando assim espaço suficiente por
debaixo do modelo, gerando a impossibilidade de colocar convenientemente a sonda.
2.2.4 Caracterização da areia
As pilhas consideradas no presente estudo utilizaram areia cujo diâmetro predominante
do grão era de d=0.5 mm, de acordo com os testes granulométricos levados a cabo por
(Ferreira et al., 2010), conforme mostrado na figura 25.
Figura 25 – Granulometria da areia utilizada nos ensaios ((Ferreira et al., 2010)
A massa específica da areia, medida para esta granulometria em particular, é
aproximadamente de 1500 kg/m3, teste realizado no laboratório de forma expedita. No
entanto, aquando a realização dos cálculos necessários, o valor utilizado foi de 2650 kg/m3,
uma vez que este é o valor da massa específica de uma partícula (Bagnold, 1941).
2.2.5 Procedimento experimental
Esta componente do trabalho compreende dois tipos de ensaios: os ensaios de erosão e
os ensaios de velocidade de atrito, tendo cada um deles características diferentes e
seguirem procedimentos experimentais distintos, tanto na fase de preparação como na fase
de execução, obrigando assim que a sua apresentação seja efectuada separadamente nas
secções 2.2.5.1 e 2.2.5.2, respectivamente.
2.2.5.1 Ensaios de erosão
Qualquer tipo de ensaio que se realize divide-se, de uma maneira geral, em três partes:
a preparação; a execução e a recolha de dados. Os ensaios de erosão não são excepção.
Capítulo 2. Componente Experimental
30
Depois de realizada a escolha apropriada para os declives a ensaiar, realizadas as guias
para a execução das pilhas de areia (secção 2.2.3) e construídas as colinas na câmara de
trabalho do túnel de vento, é necessário saber qual a velocidade do escoamento adequada à
execução dos ensaios. Os ensaios de erosão são normalmente demorados, tanto na fase de
preparação, como na fase de execução. Assim é recomendável começar o ensaio com uma
velocidade apropriada, querendo com isto dizer que a velocidade não deve ser demasiado
elevada que provoque demasiada erosão, nem demasiado reduzida não erodindo
significativamente a pilha, provocando apenas o movimento das partículas soltas na colina,
levando assim, tanto num caso como no outro, à não obtenção de resultados fiáveis.
Preparação do ensaio
A fase de preparação dos ensaios executados traduzia-se essencialmente na construção
das pilhas de areia na câmara de trabalho do túnel de vento, realizada da forma descrita na
secção 2.2.3.3.
No entanto, antes do início de cada teste de erosão as pilhas foram digitalizadas com
recurso a um dispositivo de varrimento laser de medida de distância (Dimetix, modelo DLS-
B15 (Dimetix)), fazendo assim o registo do perfil inicial da pilha, com o intuito de ser
comparado, tanto com os perfis obtidos ao longo do ensaio como com o perfil teórico de
cada pilha.
A medição é feita sobre a superfície do perfil e a metade da largura da pilha. São
realizados sucessivos pontos de medição com um incremento de 10 mm, estes têm início no
limite montante da pilha e término a cerca de 140 mm após o limite a jusante. A grelha de
pontos utilizada apenas cobria a linha média da pilha, uma vez que esta seria a localização
das sondas de Irwin que foram empregues nos testes de velocidade de atrito (secção
2.2.5.2).
A dada altura da realização dos ensaios, notou-se que existia uma erosão demasiado
acentuada nas laterais da pilha, junto às placas de PVC, o que fez com que alguns ensaios
tivessem sido interrompidos porque a linha central da pilha onde estavam a ser medidos os
perfis começou a ser afectada. Verificou-se que, devido às irregularidades da placa que
estava no chão da câmara de trabalho do túnel de vento e das próprias placas de PVC,
mesmo estas estando aparafusadas uma à outra, a ligação entre elas não era perfeita. Isto
originou que, devido às diferenças de pressão, areia estivesse a ser sugada, por baixo da
Capítulo 2. Componente Experimental
31
placa de PVC, para a parte exterior da pilha, “roubando” assim material às colinas. A solução
encontrada para tal problema foi a colocação de plasticina nas falhas de ligação entre as
duas placas, a qual se revelou suficiente e possibilitou a realização dos ensaios.
Execução do ensaio e recolha de dados
Consoante as grandezas que se pretendem estudar poderá haver diferenças na forma
como este tipo de ensaios é executado. Neste caso em concreto, uma vez que o que se
pretendia avaliar era a alteração do perfil, a recolha de dados foi parte integrante da
execução do ensaio.
Após a medição inicial, atrás referida, e previamente efectuado o estudo de qual a
velocidade do escoamento mais adequada a cada declive ensaiado (Tabela 2), a pilha foi
exposta a um fluxo de ar.
Uma vez que o aumento da velocidade do túnel, desde o arranque até ser atingida a
velocidade pretendida para o ensaio, é gradual, foi necessário proteger as pilhas durante
essa fase para não ocorrer erosão. Para tal foi colocada uma placa de madeira entre a saída
do bocal e a pilha, a qual apenas foi retirada quando o escoamento estava estável e a
velocidade adoptada tinha sido atingida. Este procedimento foi realizado para cada paragem
do túnel.
O túnel de vento foi parado nos instantes de tempo cumulativos de t = 1, 2, 3, 5, 7, 10,
15 e 20min. De notar que, para algumas pilhas, por razões diversas, não foram necessários
ensaios tão longos.
A cada paragem do túnel, o dispositivo laser foi utilizado para registar as alterações na
superfície das pilhas. O curso de medição ao longo do perfil é executado sequencialmente,
em cada ponto a distância registada é a média de quatro valores adquiridos pelo laser. A
data e hora de cada ponto de medição é também registada e todos os valores são guardados
num ficheiro de texto (*.txt).
As medições realizadas pelo laser não são a altura da pilha, mas sim a distância entre
esta e o instrumento de medida, assim para cada ponto adquirido foi necessário realizar a
diferença entre a distância total do laser ao chão da câmara de trabalho e o valor adquirido.
De notar que a distância total entre o chão e o laser é um valor médio, devido às
irregularidades da placa onde foram construídas as pilhas. Esta informação foi depois
utilizada para determinar a taxa de deformação de cada pilha.
Capítulo 2. Componente Experimental
32
Este procedimento foi depois repetido pelo menos uma vez para cada geometria.
2.2.5.2 Ensaios de velocidade de atrito
Também este tipo de ensaios está dividido em duas partes: a preparação e a execução,
a qual tem inserida a recolha de dados.
Apesar das velocidades utilizadas nos ensaios de erosão, todas as geometrias foram
simuladas a quatro velocidades do escoamento livre diferente (8.3, 9.1, 9.9 e 10.7 m/s), num
total de quinze ensaios, uma vez que o ensaio à velocidade mais baixa para cada pilha foi
realizado duas vezes, para aferir a repetibilidade dos testes. A utilização destas quatro
velocidades teve o intuito da obtenção de um maior número de dados para posteriormente
serem comparados com os resultados previstos pelas simulações numéricas e fazer uma
validação do modelo computacional mais exacta.
Preparação do ensaio
Com os modelos de madeira construídos conforme apresentado na secção 2.2.3.4,
foram inseridas as sondas nos furos e ligadas, de forma sequencial para uma melhor
organização, as tomadas de pressão à scanivalve através de tubos de plástico. Estes foram
etiquetados e numerados, uma vez que era necessário fazer corresponder cada canal da
válvula à respectiva sonda e tomada de pressão.
Ainda com o túnel desligado, confirmou-se que todos os tubos estavam desobstruídos
ou sem fugas. O teste foi realizado com recurso a um pequeno tubo de plástico, soprando,
de forma direccionada, sobre cada uma das tomadas de pressão e utilizando o modo manual
do solenóide para mudar o canal da scanivalve. Apesar de terem sido utilizadas as mesmas
sondas nas três geometrias, este procedimento foi efectuado antes dos ensaios de cada uma
delas.
De seguida os modelos foram colocados na câmara de trabalho do túnel de vento,
aparafusados ao chão e com a mesma localização das pilhas de areia, de forma a recriar as
mesmas condições de ensaio dos testes de erosão.
Para evitar vórtices e outras irregularidades no escoamento de ar através do modelo, foi
ainda colocada plasticina no limite montante da pilha, suavizando assim a transição entre o
chão e a aresta da face barlavento do modelo.
Capítulo 2. Componente Experimental
33
Execução do ensaio e recolha de dados
Tendo o modelo montado no sítio correcto, para a execução deste ensaio é apenas
necessário acelerar o túnel até à velocidade desejada e efectuar a aquisição de dados. Neste
caso não é necessário proteger as pilhas, uma vez que estando o túnel à velocidade
desejada, é só deixar estabilizar o escoamento e fazer a recolha de dados com auxílio do
computador, como já foi mencionado anteriormente.
A execução deste tipo de ensaio é mais rápida do que a do anterior, uma vez que para
cada modelo a forma da colina permanece rígida durante todo o ensaio, não havendo a
necessidade de efectuar a paragem do túnel quando se pretende alterar a velocidade, basta
aumentá-la, deixar o escoamento estabilizar e efectuar nova medição.
Capítulo 3. Componente Numérica
34
Capítulo 3. Componente numérica
3.1 Fundamentação teórica
3.1.1 Dinâmica de Fluidos Computacional - CFD
As simulações numéricas do presente trabalho foram realizadas com recurso a uma
ferramenta de dinâmica de fluidos computacional (CFD – Computacional Fluid Dynamics).
CFD é o termo dado ao grupo de técnicas matemáticas, numéricas e computacionais
usadas para obter, visualizar e interpretar soluções computacionais para as equações de
conservação de grandezas físicas de interesse num dado escoamento. A origem destas
equações de conservação é a teoria de Fenómenos de Transporte e as leis fundamentais da
Física. Assim, pode-se resumir CFD como o conjunto das técnicas de simulação
computacional usadas para predizer os fenómenos físicos ou físico-químicos que ocorrem
em escoamentos.
Quando se realizam este tipo de estudos é necessário fazer a modelação do problema,
esta encontra-se dividida em 6 fases diferentes:
I. Definição do problema físico: identificar grandezas relevantes, domínio físico,
condições-de-fronteira, sistema de coordenadas, etc.;
II. Representação do modelo físico: hipóteses de simplificação; desenho
esquemático do problema e do domínio em estudo;
III. Construção do modelo matemático: tradução do modelo físico por expressões
matemáticas; ligação entre as grandezas relevantes - equações de conservação
(massa, quantidade de movimento, energia, espécies químicas) e condições de
fronteira, iniciais e de “fecho matemático”, inerentes ao problema concreto;
IV. Resolução do modelo matemático: solução das equações; testes de influência
da malha e da discretização temporal; evolução das variáveis dependentes em
função das independentes (tempo; coordenadas espaciais) e de outros
parâmetros do problema (físicos, geométricos, etc.);
V. Análise de Resultados
Capítulo 3. Componente Numérica
35
VI. Validação do modelo (versus dados experimentais; versus resultados numéricos
de outros trabalhos, de outros autores): precisão, grau de confiança, gama de
aplicabilidade, limitações do método.
3.1.1.1 O Uso de CFD
O grande avanço da capacidade de processamento e armazenamento de dados que os
computadores obtiveram nas últimas décadas permitiu uma grande difusão das técnicas de
CFD, tanto nas universidades como nas indústrias. Em ambos os casos o objectivo é a
pesquisa e o desenvolvimento de produtos ou processos em que o escoamento de um ou
mais fluidos está envolvido.
Segundo Versteeg e Malalasekera (1995), as principais vantagens da simulação
numérica em relação à construção de protótipos são:
Redução substancial de tempo e custo de novos projectos;
Habilidade de estudar sistemas nos quais ensaios controlados são difíceis ou
impossíveis de se realizar (por exemplo, sistemas de grande porte);
Obter as condições de óptimo desempenho no projecto;
Habilidade de estudar sistemas sob condições perigosas e além das condições
limites de desempenho (por exemplo, acidentes e estudos de segurança);
Nível de detalhes dos resultados praticamente ilimitado e;
Como item de importância extremamente significativa, pode-se citar a inovação,
ou seja, a geração de novas ideias que podem ser transpostas para outros
desenvolvimentos.
Porém, mesmo com todas essas vantagens, a simulação utilizando CFD não substitui os
dados experimentais, pois são estes que permitem validar as simulações.
Além disso, é necessária mão-de-obra especializada (engenheiros ou técnicos
experientes) para operar os softwares de CFD, isto porque geralmente estas ferramentas são
de fácil domínio da interface gráfica, e de algoritmos bem robustos, o que pode levar o
utilizador mal preparado a obter soluções pouco consistentes e não ter capacidade crítica
para as analisar.
Capítulo 3. Componente Numérica
36
3.1.1.2 Etapas de uma análise de CFD
Um estudo que utilize CFD, de uma forma geral, divide-se em quatro etapas:
I. Construção das geometrias: construção, num software adequado, da geometria
do domínio a ser simulado. De notar que por vezes já nesta etapa são efectuadas
algumas hipóteses simplificadoras, pois por vezes é desnecessário desenhar na
perfeição todos os componentes do domínio computacional.
II. Geração das malhas: uma das etapas mais importantes numa análise CFD, a
geração da malha consiste em discretizar a geometria construída na etapa
anterior em vários elementos volumétricos para que a utilização do método dos
volumes finitos pelo programa de cálculo seja possível.
III. Processamento: etapa principal, a análise propriamente dita, é a resolução das
equações de conservação das quantidades físicas e energia por um software de
CFD apropriado. É nesta etapa que são inseridas as condições-fronteira no
modelo e tem-se como resultado as variáveis desejadas.
IV. Pós-processamento: nesta etapa os resultados provenientes da etapa anterior
são analisados. São identificados problemas relacionados a todas as etapas
anteriores, como inconsistências na geometria, baixo nível de refinamento da
malha em regiões de grandes gradientes, ou ainda erros na determinação das
condições-fronteira. Encontrados os problemas, volta-se ao passo referente,
corrige-se e a análise é reiniciada.
A figura 26 mostra a forma da espiral de projecto para análises numéricas que recorrem
ao uso de CFD:
Figura 26 – Espiral do projecto (Adaptado de Ferreira (2006))
Capítulo 3. Componente Numérica
37
3.1.2 Equações de conservação
Tal como referido anteriormente, o modelo matemático é descrito pelas equações de
conservação e pelas condições iniciais e de fronteira.
Quando se faz referência às equações de conservação não é mais do que um sistema de
equações exactas que traduzem a conservação de massa, quantidade de movimento,
energia e espécies químicas. Estas são equações diferenciais (de derivadas parciais), não-
lineares, acopladas, que derivam das leis fundamentais da Física.
No entanto, para o presente estudo, apenas as equações de conservação ed massa e de
quantidade de movimento são resolvidas pelo software.
Conservação de massa (Costa, 2008)
Aplicando-se o balanço de massa num elemento de fluido (Figura 27), tem-se:
Figura 27 – Volume de controlo elementar (ρ, u, v, w avaliadas no centro do VC)
(11)
Se for utilizada a notação tensorial, a equação anterior apresenta-se da seguinte forma:
(12)
onde é o vector velocidade (m/s). A equação tem unidades de caudal mássico (ou taxa de
variação de massa) por unidade de volume, ou seja, kg/(s.m3).
Conservação da quantidade de movimento (Costa, 2008)
Aplicando-se a segunda lei de Newton num elemento infinitesimal, obtém-se as três
equações de Navier-Stokes:
Capítulo 3. Componente Numérica
38
(13)
A equação tem unidades de força (ou de taxa de variação de Q.M.) por unidade de
volume, ou seja, N/m3.
3.1.3 Modelação da turbulência
Quando se está na presença de turbulência, por norma esta domina todos os outros
fenómenos e resulta num acréscimo, por exemplo, de dissipação de energia, transferência
de calor e massa, e arrasto. Assim, são necessários modelos que tentem reproduzir a
maneira aleatória com a qual a turbulência influencia as propriedades do fluido, os
chamados modelos de turbulência.
3.1.3.1 Modelo K-ε padrão
O modelo K-ε padrão é o utilizado pelo código comercial CFX, e caracteriza-se por ser
semi-empírico e basear-se na modelação das equações de transporte da energia cinética
turbulenta (K) e na sua taxa de dissipação (ε).
Na derivação do modelo K-ε foi assumido que o escoamento é completamente
turbulento e os efeitos da viscosidade turbulenta são desprezáveis. Portanto, o modelo K-ε é
válido apenas para escoamentos plenamente turbulentos.
Então, a equação de transporte para a energia cinética (K) é definida da seguinte forma:
(14)
E a equação de transporte para a taxa de dissipação de K ( ):
(15)
onde, e são constantes e e representam os números de Prandtl3 para K e
(Costa, 2008).
3 Número adimensional que aproxima a razão de difusividade de momento (viscosidade cinemática) e difusividade térmica de um fluido, expressando a relação entre a difusão de quantidade de movimento e a difusão de quantidade de calor dentro do próprio fluido, sendo uma medida da eficiência destas transferências nas camadas limites hidrodinâmica e térmica ( )
Capítulo 3. Componente Numérica
39
3.1.4 Tratamento junto à parede
Nas regiões do domínio onde há baixa turbulência, especialmente próximo das
superfícies sólidas, as equações dos modelos de turbulência não são aplicáveis.
Nestas regiões são utilizadas equações algébricas para a determinação de
(viscosidade turbulenta), estas expressões apenas são válidas numa pequena região do
escoamento, junto à parede, assim, aquando a geração da malha há a necessidade de impor
uma restrição sobre a qualidade da malha utilizada. Esta deve ter os nós dos elementos
próximos da parede localizados numa determinada faixa de distância (y+) para que os
resultados sejam válidos.
A distância adimensional à parede (dimensionless wall distance – y plus ou y+), é uma
grandeza baseada na distância entre a parede e o primeiro nó da malha e a velocidade de
atrito local (Ansys, 2009), sendo definida como:
(16)
onde y (m) é a distância à parede mais próxima e (m2/s) é a viscosidade cinemática local do
fluido.
Além de servir de critério para avaliar a validade dos resultados obtidos, y+ pode ser
ainda utilizado como critério de independência da malha, no entanto, no presente trabalho
não foi utilizada com essa função, e sim como forma de obter o valor da velocidade de atrito
local (Equação (16)), uma vez que esta é a grandeza a ser comparada com os valores
experimentais. Informação suplementar pode ser encontrada em Salim e Cheah( 2009).
3.1.5 Método de discretização
O programa de cálculo utilizado no presente trabalho recorre ao Método dos Volumes
Finitos, que é um método de resolução de equações a derivadas parciais, baseado na
resolução de balanços de massa e quantidade de movimento a um determinado volume de
meio contínuo. Este método evoluiu das diferenças finitas, outro método de resolução de
equações diferenciais, e garante que, em cada volume discretizado, a propriedade em
questão (por exemplo, a massa) obedece à lei da conservação.
Capítulo 3. Componente Numérica
40
Numa fase de análise preliminar de um problema, seleccionam-se as variáveis
relevantes, dependentes e independentes, resultando daí um conjunto de equações de
conservação a resolver: em número reduzido ao essencial e numa forma o mais simples
possível. O passo seguinte no método de integração numérica das equações diferenciais é a
chamada discretização (Patankar, 1980), que tem por função principal “transformar as
equações diferenciais de conservação (‘exactas’, mas irresolúveis) em equações algébricas
(aproximadas, mas resolúveis) ” (Oliveira, 1989). Após esta etapa, o método numérico trata
como principais incógnitas os valores das variáveis dependentes num número finito de
instantes e de localizações.
3.1.5.1 Discretização do domínio espacial
Na discretização espacial, cada fracção do domínio é representada por um ponto ou
nodo. No seu conjunto, os nodos e as linhas que os unem formam uma rede ou malha
computacional, a qual pode ser mais ou menos irregular, mais ou menos estruturada.
Existem diversos métodos de discretização espacial, os quais diferem principalmente
nas hipóteses de perfis de variação entre nodos, assim como na dedução das equações de
discretização, que pode ser feita por diversos métodos (Patankar, 1980), baseados em:
diferenças finitas, métodos variacionais, resíduos ponderados, elementos finitos, volumes
finitos, etc. De seguida será apresentada uma breve descrição deste último, uma vez ser este
o adoptado pelo programa de cálculo utilizado no presente trabalho.
3.1.5.2 O Método dos Volumes Finitos
O método dos volumes finitos apresenta como vantagens mais evidentes a simplicidade
e a possibilidade de interpretação física imediata. Começa-se por dividir o domínio de
cálculo num certo número de volumes de controlo contíguos, que não se intersectam, de tal
modo que existe um volume de controlo envolvendo cada ponto da malha. A equação
diferencial é depois integrada para cada um desses volumes. A equação algébrica (de
discretização), assim obtida, exprime o princípio de conservação de uma dada variável
dependente para o volume de controlo finito, do mesmo modo que a equação diferencial de
origem o exprimia para um volume de controlo infinitesimal.
O aspecto mais atractivo do método dos volumes finitos é que a solução resultante
implica que a condição de conservação integral das grandezas (como a massa ou a
Capítulo 3. Componente Numérica
41
quantidade de movimento) seja exactamente satisfeita, quer em qualquer grupo de volumes
de controlo, quer em todo o domínio de cálculo. Portanto, mesmo uma solução obtida para
uma malha grosseira satisfaz balanços integrais exactos (característica de particular
importância numa fase de testes preliminares de um programa de cálculo).
3.1.6 Validação do modelo
A validação do modelo é uma das mais importantes tarefas na modelação em simulação
numérica.
A validação procura reduzir as “desconfianças” e aumentar a credibilidade do modelo.
Os principais objectivos da validação são:
Produzir um modelo que represente o mais próximo possível o comportamento
do sistema real a fim de substituí-lo em ensaios;
Aumentar o nível de aceitação e credibilidade do modelo, para que possa ser
usado em futuras investigações.
No presente trabalho foram apenas estudados três ângulos diferentes, após a validação
do modelo este poderá ser utilizado em trabalhos futuros com pilhas de declives diferentes,
evitando assim o recurso a ensaios experimentais.
3.2 Simulação numérica
Esta componente numérica pretende obter um modelo computacional válido para
futura utilização, para tal os valores previstos pelo software serão comparados com os
obtidos nos ensaios experimentais. Assim sendo, têm de ser simulados todos os casos
executados em laboratório, tentando respeitar as condições para as quais eles foram
executados.
Para os testes numéricos efectuados neste estudo a ferramenta de CFD (Computacional
Fluid Dynamics) utilizada foi o software da Ansys (Ansys, 2009) com o código comercial CFX.
Quando se utilizam este tipo de programas de cálculo existem uma série de parâmetros e
considerações que têm de ser introduzidas aquando a modelação do problema. Estes tanto
dizem respeito ao fluido que está a ser simulado, como ao domínio computacional,
condições iniciais e de fronteira, formas de cálculo, entre outras, ou seja, o utilizador é
responsável por toda a formulação do problema.
Capítulo 3. Componente Numérica
42
Com o intuito de ajudar na organização, tanto de todo o estudo, devido ao número de
casos a simular, como de cada simulação realizada, uma vez que para cada pilha e para cada
velocidade são necessários realizar diversos passos, recorreu-se ao software Ansys
Workbench (Ansys, 2009). Todas as restantes aplicações necessárias foram lançadas a partir
deste, tais como CFX-Mesh, CFX-Pre, CFX-Setup e CFX-Solver, utilizadas para a geração da
malha, definição do problema, condições-fronteira e resolução, respectivamente.
3.2.1 Domínio computacional
Apesar de o software Ansys ter uma ferramenta de desenho, as geometrias que foram
simuladas foram desenhadas com recurso ao software SolidWorks (SolidWorks, 2009), e
depois importadas para o Workbench.
Pelas razões já atrás apresentadas, para os testes realizados foi assumido um domínio
bidimensional, tendo este diferentes dimensões consoante a pilha em estudo, tal como pode
ser observado na figura 28.
Figura 28 – Domínio computacional utilizada nas simulações numéricas [mm]
Devido às características do domínio, a velocidade à entrada (Inlet) segundo a direcção
perpendicular à superfície (eixo Z) é zero e a velocidade uz, na direcção do escoamento (eixo
X), é função apenas da distância normal à superfície (Equação (9)).
3.2.2 Geração da malha
A malha utilizada foi gerada com recurso ao CFX-Mesh. Os parâmetros utilizados na
geração da malha foram os mesmos para todas as geometrias, evitando assim a sua
influência nos diversos resultados obtidos. Os parâmetros foram definidos após terem sido
realizados alguns testes de independência da malha.
Top
(Openning) Inlet Outlet
Pile
Base
Capítulo 3. Componente Numérica
43
3.2.2.1 Independência da malha
Estes testes têm o intuito de avaliar se, para uma certa aplicação, o refinar da malha vai
ou não influenciar os resultados, uma vez que quanto mais apertada for a malha, ou seja,
quanto mais pequenos forem os elementos e maior for o seu número, mais morosa é a
resolução do problema, uma vez que o processamento se torna “mais pesado”.
Assim, para o mesmo modelo, as mesmas condições do problema e os mesmos
parâmetros da malha, excepto o tamanho dos elementos, fazem-se as simulações e depois
comparam-se os resultados.
A figura 29 mostra os testes de independência de malha para caso para o modelo com
um declive de θ=10° e para a velocidade não perturbada de U0=8.3m/s.
Figura 29 – Testes de independência de malha (θ=10° e U0=8.3m/s)
Pela observação da figura 29 pode-se concluir que os valores obtidos pelas duas malhas
são bastante próximos, o valor máximo de diferença entre um caso e outro é de 0,18 m/s a
cerca de 1,08, ou seja, é a meio da face de deslizamento onde há uma grande turbulência, e
consequente alteração brusca de condições em espaçamentos reduzidos.
Assim sendo considerou-se que um maior refinar da malha não levava a alterações
apreciáveis nos resultados, pelo que se adoptou pela malha mais grosseira.
3.2.2.2 Parâmetros da malha
A ferramenta CFX-Mesh permite a programação de uma série de parâmetros da malha.
No entanto, visto que no presente trabalho a parte numérica tinha como objectivo a
-4
-2
0
2
4
6
8
10
0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40
u [
m/s
]
x/Ls
Malha refinada Malha grosseira
Capítulo 3. Componente Numérica
44
obtenção de um modelo válido, foram apenas controladas as características da malha
Spacing e Inflation.
Spacing
No caso do espaçamento (Spacing) apenas se teve em conta o espaçamento do corpo
(body spacing), o qual apenas permite o controlo de um parâmetro, o espaçamento máximo
(maximum spacing), este é o tamanho máximo de elementos que serão utilizados aquando a
criação de triângulos nas faces do corpo e tetraedros no volume do corpo. Este parâmetro
foi ajustado com o valor de 0.4 m.
Inflation
A segunda característica considerada – Inflação (Inflation) – é muito importante em
casos como o em estudo, uma vez que nas regiões junto à parede, os efeitos da camada
limite dão aso a gradientes de velocidade que são maiores perpendicularmente à face, tal
como referido na secção 3.1.4. Assim, nestas regiões, para as malhas serem
computacionalmente eficientes, é necessário que os elementos sejam menores e tenham
maiores proporções (aspect ratios) (Figura 30).
A malha comum gerada pelo software usa elementos tetraédricos, o que pode ser um
problema junto às fronteiras sólidas (parede). Se houver a necessidade de gerar uma malha
de superfície exageradamente fina pode haver a geração de elementos altamente
distorcidos na face (Ansys, 2009), comprometendo assim a geometria. O recurso Inflation
supera este problema ao usar prismas para criar a malha, a qual é resolvida finamente
perpendicular à parede e de forma grosseira paralela a ela.
Figura 30 – Exemplo de Inflation (http://cfd.iut.ac.ir/files/mesh%20,%20rice%20university.pdf)
O número de camadas de inflação (inflation layers) foi estabelecido como sendo 20. A
espessura relativa das camadas adjacentes de inflação é determinada por um factor de
Capítulo 3. Componente Numérica
45
expansão (expansion factor) geométrico. Cada camada sucessiva, conforme nos afastamos
da fronteira para a qual foi aplicada a inflação, é de aproximadamente um factor de
expansão mais espessa do que a anterior. No presente estudo este parâmetro foi definido
como 1.2. Para definir qual a espessura das camadas de inflação, foi escolhida a opção
espessura da primeira camada (first layer thickness), definindo 1.5 mm (2% da altura da
crista) para a altura do primeiro prisma. Toda a parte inferior do domínio computacional
(superfícies com cota zero e faces da pilha) foi estabelecida como fronteiras de inflação
(inflated boundaries), ou seja, é nestas superfícies que vai ser aplicado este recurso.
3.2.3 Definição do problema
Foram assumidas condições de regime permanente, uma vez que o objectivo deste
trabalho é correlacionar os valores computacionais de velocidade de atrito, obtidos através
do parâmetro y+, com os valores medidos através das sondas de Irwin e também com a
deformação sofrida pelas pilhas, e então é importante que as condições de ensaio sejam
semelhantes.
O fluido (ar) é assumido como incompressível e a pressão toma valores relativos.
O escoamento sobre as pilhas de areia é turbulento – secção 2.2.2 –, assim sendo, esta
é uma condição que tem de ser assumida aquando das simulações numéricas. O
conhecimento das características de turbulência do escoamento é essencial para que a
realização de simulações CFD seja coerente e correcta. Os valores adoptados para a
intensidade de turbulência são apresentados na secção 3.2.4.
O programa adopta o modelo de turbulência K–ε padrão para a resolução deste tipo de
problemas que, entre outras características, permite prever escoamentos com gradientes de
pressão adversos (Menter, 1994)
O código comercial utilizado recorre, para a resolução deste tipo de problemas, às
equações de Navier–Stokes usando um método de discretização de volumes finitos. Devido
ao problema do elevado número de iterações, o software utiliza aquilo a que chama um
Coupled Solver (Ansys 2009).
No presente caso foi escolhido esquema de advecção de alta resolução e a convergência
foi assumida como sendo satisfatória quando os resíduos fossem menores do que 10−5.
Capítulo 3. Componente Numérica
46
3.2.4 Condições fronteira
É nesta fase que é efectuada a caracterização do domínio, de todas as suas fronteiras.
O domínio computacional (Figura 28) foi considerado como sendo 2D, mas, uma vez
que existia simetria em relação ao plano central longitudinal, uma condição fronteira do tipo
simetria (symmetry) foi imposta nos limites esquerdo e direito do domínio.
O fluxo de ar na câmara de trabalho do túnel de vento é razoavelmente turbulento, tal
como foi apresentado anteriormente, assim foi especificada uma intensidade de turbulência
de 10% para a parte superior do domínio, na qual foi considerada a condição fronteira do
tipo abertura (openning). O valor de intensidade de turbulência estabelecido foi de 10% ao
invés dos 15% anteriormente referidos (Secção 2.2.2), uma vez que este é o maior valor
disponível no software CFX.
Para o escoamento na saída do domínio (outlet) foram assumidas condições totalmente
desenvolvidas para todas as variáveis e o valor da pressão estática foi fixado como tendo o
valor de 0 (zero) Pa para todas as células. Todas as pressões calculadas no domínio são
definidas relativamente a esta.
O perfil de velocidades utilizado na entrada do domínio (inlet) foi o descrito
anteriormente pela equação (9). Quatro velocidades não perturbadas (U0) diferentes foram
aplicadas: 8.3; 9.1; 9.9 e 10.7 m/s. Foi também definida uma intensidade de turbulência de
10% na entrada.
As superfícies da base do domínio e da pilha foram tratadas como paredes rugosas,
onde a condição antiderrapante (non-slip) foi imposta. A rugosidade do grão de areia (sand
grain roughness ) foi definida como d/30 (Bagnold, 1941), onde d é o diâmetro médio do
grão de areia (d=0.5 mm). O valor k=d/30 só foi definido depois de terem sido efectuados
testes entre este valor e k=d, e ter sido demonstrado que a correlação com os dados
experimentais é melhor para k=d/30 (Secção 4.2.1) A justificação para a realização destes
testes é baseada na discrepância entre as relações existentes para o cálculo de k, tal como
foi apresentado por Ferreira e Lambert (2010)
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
47
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados
obtidos
Apresentam-se e discutem-se neste capítulo os resultados obtidos no presente estudo.
Primeiro serão expostos os resultados experimentais, e posteriormente efectuada a sua
confrontação com os valores obtidos com os testes de erosão e com os testes de velocidade
de atrito. No subcapítulo 4.2 serão exibidos os valores previstos pelas simulações numéricas
e efectuada a sua comparação com os valores obtidos experimentalmente.
Todos os gráficos/diagramas apresentados no presente trabalho têm os seus eixos
normalizados:
Altura – h / H, onde H é a altura da crista (1 é o valor mais alto);
Comprimento – x / Ls, onde Ls é o comprimento da base da face barlavento. (1 é a
posição da crista da pilha); e
Velocidade de atrito – , onde é o valor crítico da velocidade de atrito para
um dado declive, conforme apresentado na tabela 4.
4.1 Resultados experimentais
4.1.1 O efeito do ângulo de declive nos valores limite da velocidade de
atrito, tensão de cisalhamento na parede e na velocidade do vento
Embora o objectivo principal do presente trabalho tenha consistido no estudo da
influência do declive na velocidade de atrito, esta última não é a única grandeza influenciada
pela inclinação da superfície.
A tabela 4 mostra algumas dessas grandezas, já atrás mencionadas, e os seus valores
críticos:
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
48
Tabela 4 – Valores críticos da velocidade de atrito, tensão de atrito e velocidade do fluido ( e (Bagnold, 1941))
Ângulo (θ) [°]
Velocidade de atrito crítica (u*tθ) [m/s]
Tensão de atrito crítica (τtw) [N/m
2]
Velocidade crítica do fluido (vtθ) [m/s]
0 0.33 0.13 7.09
10 0.37 0.16 7.97
20 0.34 0.19 8.65
32 0.43 0.22 9.23
Pela observação da tabela 4 pode concluir-se que o valor de todas as grandezas
aumenta com o aumento do declive, tal como era expectável e como ficará demonstrado
neste estudo.
4.1.2 Resultados dos testes de erosão
O túnel de vento, durante cada ensaio, foi parado em instantes de tempo cumulativos,
observando-se assim que a erosão era gradual e mais acentuada a cada paragem.
Detectou-se que as partículas de maior diâmetro se encontravam na base da pilha, indo
de encontro ao estudo efectuado por Tsoar et al. (1996)e que a área principal de erosão foi
observada sobretudo na crista da pilha e sua vizinhança, sendo estas características comuns
a todos os ensaios.
Tal como já foi mencionada anteriormente, as pilhas tinham uma largura de 1000 mm,
valor que fica a deve-se ao facto de se querer garantir que os efeitos das laterais da pilha
podiam ser desprezados na linha média, o que se veio a confirmar durante os ensaios.
Seguidamente, para cada uma das pilhas, serão tecidas algumas considerações ao
desenrolar dos ensaios, uma vez que para algumas houve a necessidade de repetir os
ensaios e/ou realizá-los a velocidades diferentes.
DECLIVE DE θ=10°
Para o declive de θ=10°, os ensaios foram realizados com uma velocidade não
perturbada de . A evolução da deformação da pilha é mostrada na figura 31.
Uma vez que surgiu o problema da erosão em demasia das partes laterias, este ensaio
foi repetido com o intuito de confirmar a deformação sofrida pela pilha.
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
49
Figura 31 – Perfis de erosão da pilha de declive de θ=10° ( .)
Pela observação da figura 31 pode-se dizer que:
i. A erosão deu-se de forma gradual e contínua, sendo proporcional aos intervalos
de erosão;
ii. Na parte inicial do ensaio a crista desloca-se para jusante do seu local inicial e a
sua altura tem uma redução de cerca de 15% (Figura 32);
Figura 32 - Pilha de areia com declive de 10° após 2 minutos de ensaio
iii. Com o aumentar do intervalo de erosão, a erosão torna-se mais acentuada de
início tendo tendência para estabilizar o valor percentual de redução da altura a
cada paragem. A crista começa a deslocar-se para montante do ponto inicial,
conforme se pode observar na figura 33;
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8
h/H
x/Ls
Teórico Perfil inicial 1 min 2 min 3 min
5 min 7 min 10 min 15 min 20 min
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
50
Figura 33 – Pilha de areia com declive de 10° após 10 minutos de ensaio
iv. Nos dez minutos finais do ensaio aumentou-se o tempo do intervalo de erosão
para cinco minutos. A perda de altura da crista foi mais elevada na primeira
paragem efectuada, na segunda foram de apenas 4%. Deu-se por concluído o
ensaio no final de vinte minutos, uma vez que, devido às novas características da
pilha, esta dificilmente continuaria a ser erodida de forma significativa.
No final do ensaio, como se pode observar na figura 31, a altura da crista decresceu
para 40% do seu valor inicial e estendeu-se cerca de 35% além do seu limite jusante.
DECLIVE DE θ=20°
Para a realização dos ensaios de erosão para o declive de θ=20° a velocidade não
perturbada utilizada foi de 9.9 m/s. Efectuou-se um ensaio com , mas a
deformação da pilha foi praticamente insignificante, como se pode observar na figura 34:
Figura 34 - – Perfis de erosão da pilha de declive de θ=20° ( .)
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0
h/H
x/Ls
Teórico Perfil inicial 1 min 2 min 3 min
5 min 7 min 10 min 15 min 20 min
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
51
Assim procedeu-se à realização de ensaio com a velocidade de , tendo-se
obtido a deformação apresentada pela figura 35:
Figura 35 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=20° ( .)
A erosão desta pilha foi mais brusca e acentuada que para o caso dos 10°, sendo o
tempo total de erosão apenas de dez minutos. Apesar de o declive ser superior, o que
deveria originar uma maior dificuldade na erosão da pilha, a relação entre o valor usado no
ensaio e o valor crítico da velocidade do fluido, foi superior para este caso.
A erosão deu-se de forma proporcional, ou seja, quanto maior o tempo entre paragens,
maior era a deformação da pilha, não havendo nenhuma altura em que a erosão não tenha
progredido.
Tal como no caso da pilha com θ=10°, a crista começa por se movimentar no sentido da
face de deslizamento, estabilizando depois, e, com a continuação da erosão, acaba por se
deslocar no sentido montante.
Terminou-se o ensaio ao final de dez minutos, uma vez que a pilha se encontrava
completamente “deitada”. A altura da crista teve uma redução de cerca de 80% e a pilha
estendeu-se cerca de vinte e um centímetros além do seu limite jusante (Figura 36).
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
h/H
x/Ls
Teórico Perfil inicial 1 min 2 min 3 min 5 min 10 min
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
52
Figura 36 – Pilha de areia com declive de 20° após o ensaio de erosão ( )
DECLIVE DE θ=32°
Também para o caso da pilha com 32°, a velocidade de escoamento mais adequada
para a realização dos ensaios foi a de .
O primeiro ensaio realizado não correu como o esperado, acabando a pilha por ficar
disforme. Este fenómeno tem como principal justificação as interferências provocadas pelas
laterais da pilha. Pode ser observado na figura 37 a maior erosão das zonas laterais quando
comparadas com a zona central.
Figura 37 - Pilha de areia com declive de 32° após 3 minutos de ensaio
A configuração final da pilha foi considerada disforme, uma vez que se estavam a
ensaiar dunas transversas e no final do ensaio, ou melhor, quando se decidiu dar o ensaio
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
53
por terminado visto que não seria possível retirar conclusões do mesmo, a pilha tinha a
configuração de uma duna Barchan (http://en.wikipedia.org/wiki/Barchan) (Figura 38).
Figura 38 - Pilha de areia com declive de 32° após 7 minutos de ensaio (Pilha Barchan)
Procedeu-se então ao segundo ensaio, a figura 39 mostra a deformação obtida:
Figura 39 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32° ( .)
Esta à partida seria a pilha com maior dificuldade em erodir, uma vez que tem o maior
declive o que significa que os valores limite das grandezas são os mais elevados, mas neste
caso também é aquela em que o valor da velocidade do fluido está mais próximo do valor
crítico.
Pela figura 39 pode-se observar que inicialmente foi difícil iniciar o arrastamento de
partículas, tendo apenas uma redução de cerca de 10% na altura da crista nos primeiros três
minutos de ensaio. Apenas com mais um intervalo de erosão, com a duração de dois
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
h/H
x/Ls
Teórico Perfil Inicial 1 min 2 min 3 min 5 min
Pilha Barchan
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
54
minutos, a crista passou para 55% do seu valor inicial, ou seja, verificou-se uma erosão
bastante acentuada.
Tanto neste caso, como nos apresentados anteriormente, os valores medidos pelas
sondas de Irwin apenas são válidos para o perfil inicial da pilha, uma vez que quando se inicia
o arrastamento de partículas, o perfil altera-se e consequentemente o declive da superfície,
o que pode justificar a mudança na progressão da erosão das pilhas.
Ao final dos cinco minutos de ensaio, deu-se este como terminado, porque, apesar da
altura da pilha ter apenas reduzido para metade, a pilha estava praticamente na horizontal o
que levaria a que esta pouca mais erodisse, tal como se pode ver na figura 40.
Figura 40 - Pilha de areia com declive de 32° após o ensaio de erosão ( )
A figura 41 mostra as medições efectuadas dos perfis obtidos no final deste ensaio sem
ser na linha média da pilha, de forma a auferir qual a sua configuração segundo o eixo x e y
(Figura 23).
Figura 41 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32°, segundo o eixo y
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
h/H
x/L
y = -50 mm y = 0 mm y = 50 mm Média
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
55
Segundo o eixo y a pilha não é uniforme, ela decresce do lado direito para o esquerdo,
significando que há uma maior tendência de erosão desse lado, a qual poderá ter origem na
falta de alinhamento entre a pilha e o túnel, ou seja, estes não estarem centrados, ou então
devido ao escoamento não ser uniforme no sentido transversal. No entanto, o valor médio
da altura está bastante próximo do valor medido na linha central que é a zona onde foram
efectuadas todas as medições para comparação de resultados.
Figura 42 - Perfis de erosão da pilha de declive de θ=32°, segundo o eixo x
Segundo o eixo x, a pilha tem uma maior altura a montante, que, em todos os casos
estudados, foi o sentido preferencial de deslocação da crista após algum tempo de erosão.
Tal como foi já referido, a pilha no final do ensaio (cinco minutos de erosão – figura 39)
estava praticamente horizontal, o que é visível na figura 42. Mais uma vez a distribuição
média da pilha, coincide com a que está patente na zona central da mesma.
Pela figura 42 é também observável a mesma conclusão tirada pela Figura 41, ou seja,
que a pilha erodiu mais do lado esquerdo.
Os perfis medidos durante todos os ensaios de erosão irão ser comparados com os
resultados obtidos nos testes de velocidade de atrito e apresentados na secção 4.1.3.
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
-200-150-100-50050100150200
h/H
y [mm]
x = -40 mm x = 0 mm x = 40 mm Média
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
56
4.1.3 Resultados dos testes de velocidade de atrito
4.1.3.1 Testes de repetibilidade
Foram realizados cinco ensaios de velocidade de atrito para cada geometria, usando
quatro velocidades diferentes para cada declive, perfazendo um total de quinze medições.
Os primeiros dois testes para cada ângulo, realizados à mesma velocidade, tiveram
como objectivo a avaliação da repetibilidade dos ensaios.
Conforme o vocabulário internacional de metrologia (VIM), a repetibilidade (ou
repetitividade) de um instrumento de medição é definida da seguinte forma
(http://www.infometro.hpg.ig.com.br/):
"Aptidão de um instrumento de medição em fornecer indicações muito próximas, em
repetidas aplicações do mesmo mensurando, sob as mesmas condições de medição.
Observações:
1. Estas condições incluem:
a. redução ao mínimo das variações devido ao observador;
b. mesmo procedimento de observação;
c. mesmo observador;
d. mesmo equipamento de medição, utilizado nas mesmas condições;
e. mesmo local;
f. repetições em curto período de tempo.
2. Repetitividade pode ser expressa quantitativamente em termos das
características de dispersão das indicações.".
Portanto, a repetibilidade (ou repetitividade) é a capacidade de um equipamento de
medição repetir diversas vezes o mesmo resultado em condições idênticas de operação, ou
seja, se os resultados de medição se repetem consideravelmente nas condições expostas
acima, podemos dizer que o instrumento possui uma alta repetibilidade, que a
repetibilidade do instrumento não afecta a medição, ou ainda, que a influência causada pela
repetibilidade do instrumento não é significativa.
Uma vez que os sensores utilizados – sondas de Irwin – não tinham sido adquiridos em
nenhum fornecedor certificado, este era um tipo de teste fácil de executar e que serviu para
fazer a despistagem em relação a possíveis erros nos resultados devido aos instrumentos de
medida.
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
57
Assim, para cada uma das geometrias, à velocidade mais baixa de ensaio, foram
efectuadas duas aquisições de dados, espaçadas de um curto intervalo de tempo.
Os resultados obtidos para as três geometrias foram bastante idênticos, assim a figura
43 apresenta apenas o gráfico de dispersão de valores para o caso do declive de θ=10°.
Figura 43 – Resultados obtidos nos testes de repetibilidade (θ=10°)
Os valores máximo e médio de desvio [%] para cada ângulo de inclinação são mostrados
na tabela 5.
Tabela 5 – Testes de repetibilidade - valores máximos e médios de desvio para cada declive
Divergência [%]
Ângulo (θ) Máxima Média
10° 2.26 0,89
20° 4.35 1,82
32° 2.29 0,77
Tendo em conta que o valor médio mais alto de desvio foi de cerca de 4%, concluiu-se
que os ensaios tinham uma boa repetibilidade.
4.1.3.2 Testes de velocidade de atrito
Para cada uma das quatro velocidades utilizadas, a Figura 44 mostra as velocidades de
atrito local normalizadas para cada ângulo de inclinação em diferentes posições da rampa,
consoante a localização das sondas de Irwin – secção 2.2.3.4.
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
58
Figura 44 – Comparação dos valores de velocidade de atrito dos três declives às quatro diferentes velocidades não-perturbadas
A dispersão de pontos é similar em todos os gráficos, no entanto, com o aumentar da
velocidade U0 a mancha de pontos move-se no sentido ascendente do eixo vertical (
), o que indica que a velocidade de atrito local se afasta do valor crítico, sendo assim
mais fácil o arrastamento de partículas. Este aumento foi proporcional, uma vez que para
um aumento de cerca de 10% na velocidade do vento (8.3 para 9.1 m/s) correspondeu a um
aumento de aproximadamente 10% para o ângulo de 10°, 8% para o declive de 20° e 10%
para a pilha mais íngreme, sucedendo o mesmo para as outras velocidades U0. Tal aumento
era esperado, atendendo ao que foi dito em relação à equação (5), na secção 2.1.2.
Para uma dada velocidade e ângulo de inclinação, o valor da velocidade de atrito local
também aumenta ao longo da rampa, estando isto directamente relacionado com o estudo
de Huang et al. (2008), o qual afirma que a velocidade local do vento varia
consideravelmente ao longo de uma rampa, quando uma dada velocidade do vento a
montante incide sobre a mesma. Assim, diferentes velocidades de escoamento são
necessárias para iniciar o movimento de uma partícula, num dado declive e numa dada
posição dessa encosta.
0,0
0,5
1,0
1,5
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
S10 S20 S32
0,0
0,5
1,0
1,5
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
S10 S20 S32
0,0
0,5
1,0
1,5
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
S10 S20 S32
0,0
0,5
1,0
1,5
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
S10 S20 S32
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
59
Para uma dada velocidade do vento, quando comparados os valores obtidos nas três
geometrias, até cerca de 60% da pilha existe uma clara separação entre os pontos de cada
ângulo, com valores adquiridos mais elevados para a pilha menos íngreme. Tal significa que
para a mesma posição relativa na pilha, quanto maior for o declive, maior é a dificuldade em
iniciar o movimento das partículas (valores normalizados). Na parte mais próxima da crista, a
influência do ângulo no efeito da erosão é reduzido, uma vez que a velocidade do vento é
menor no sopé da pilha (devido aos gradientes adversos de pressão), aumenta na encosta
barlavento e atinge o valor máximo próximo da crista (Huang et al., 2008).
Outra forma de analisar os resultados obtidos com as sondas de pressão diferencial, é
avaliar para um mesmo modelo (declive e pontos de aquisição) qual a influência do aumento
da velocidade do escoamento.
Mais uma vez as conclusões obtidas foram semelhantes para as três geometrias, assim a
figura 45 mostra apenas o caso do ângulo de inclinação de 32°.
Figura 45 – Comparação dos valores de velocidade de atrito para o ângulo de 32° às quatro diferentes velocidades não-perturbadas
Tal como era expectável, para um dado declive e numa dada posição da rampa, existe
um aumento da velocidade de atrito normalizada, ou seja, uma vez que o valor crítico da
velocidade de atrito apenas depende do declive e mantém-se constante em toda a
superfície, indicando que quanto maior for a velocidade do fluido, maior será a velocidade
de atrito local e mais fácil se torna o arrastamento de partículas.
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
8.3 m/s 9.1 m/s 9.9 m/s 10.7 m/s
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
60
4.1.4 Discussão dos resultados experimentais
Depois de todos os testes experimentais efectuados, foi realizada a confrontação dos
resultados (Figura 46) com o objectivo de investigar a influência da velocidade de atrito no
efeito de erosão. Apenas serão apresentadas as comparações possíveis, uma vez que nos
testes de erosão as pilhas apenas foram testadas com algumas das velocidades de
escoamento.
Como discutido anteriormente, a erosão deverá ocorrer para os valores normalizados
da velocidade de atrito acima de 1, porém, é importante lembrar que os valores medidos
com as sondas de Irwin foram para um determinado ângulo e para um perfil triangular que
se manteve inalterado em cada ensaio.
Figura 46 – Comparação entre os perfis de erosão e a os valores de velocidade de atrito
No primeiro caso apresentado na figura 46 (θ = 10°), a maior parte dos valores
normalizados da velocidade de atrito são acima de 1, o que significa que a parte do modelo
monitorizada pelas sondas deveria erodir. A pilha erodiu gradualmente, mas manteve-se
inalterada até cerca de 40% do seu comprimento. As sondas mediram valores a partir de
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min7 min 10 min 15 min
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min u*/u*tθ
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
61
cerca de 30%, no modelo. É provável que esta diferença aconteça porque os valores de
velocidade, tal como já foi dito anteriormente, são para o perfil inicial, e também porque o
ensaio durou 20 min, presumivelmente com um maior tempo de ensaio teria existido uma
maior erosão na parte inicial da pilha.
Para o caso com ângulo de inclinação de 20°, todos os valores abrangidos pelas
medições efectuadas pelos sensores são superiores à unidade, o que corrobora os perfis
obtidos nos testes de erosão, além disso, a pilha após 5 min de ensaio, tal como pode ser
observado pela figura 46, erodiu até à posição da primeira sonda colocada no modelo. A
restante alteração do perfil (ensaio até aos 10 min) apenas poderia ser justificada se tivesse
sido possível a colocação de sondas no início do modelo.
Duas velocidades diferentes foram usadas e comparadas no caso da pilha mais íngreme,
os resultados obtidos são similares. Até 45% da pilha não é esperada nenhuma erosão, no
entanto, os valores normalizados da velocidade de atrito são maiores para a velocidade não
perturbada mais elevada, tal como era de esperar e foi anteriormente explicado, o que se
traduziu numa alteração no perfil da pilha mais abrupta.
Para , o perfil obtido após 3 min de erosão valida os valores obtidos pelas
sondas de Irwin, uma vez que a erosão dá-se a partir de , o que para este caso é
para . A partir deste momento do ensaio o perfil começa a ser substancialmente
diferente do inicial e assim os valores medidos pelas sondas já não são aplicáveis.
Para , os valores são apenas válidos até ao final do primeiro minuto de
ensaio, uma vez que a erosão, e consequentemente a alteração do perfil são mais rápidas.
Neste caso (e outros apresentados neste estudo) era mais apropriado construir novos
modelos baseados nos perfis obtidos durante os testes de erosão e realizar novos testes de
velocidade de atrito com as sondas de Irwin, matéria para explorar em trabalhos futuros.
4.2 Resultados numéricos
Os resultados obtidos com as simulações numéricas são previsões da velocidade de
atrito na superfície do modelo da pilha triangular, ou seja, apenas o perfil teórico foi
modelado computacionalmente. Deste modo, apesar de serem confrontados os resultados
obtidos pelos testes de erosão e pelas simulações numéricas, a única forma de os
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
62
correlacionar é usando a medição da primeira paragem de cada ensaio, uma vez que ao
longo dos ensaios de erosão o declive das pilhas vai-se alterando.
À semelhança do que foi efectuado nos ensaios de velocidade de atrito, nas simulações
realizadas foram utilizadas quatro velocidades U0 diferentes para cada declive (8.3; 9.1; 9.9 e
10.7 m/s).
4.2.1 Influência da rugosidade do grão de areia
Foram efectuados testes para avaliar a influência da rugosidade do grão de areia nos
valores previstos da velocidade de atrito local.
Dois valores bastante diferentes de k foram simulados (Figura 47), respectivamente
d/30 (valor recomendado Ferreira e Lambert (2010); Bagnold (1941), entre outros) e d, onde
d = 0.5 mm que é o valor médio do diâmetro da partícula.
Estes testes foram efectuados para o ângulo de inclinação de 32°, e são apenas
apresentados os resultados para a velocidade de escoamento mais baixa, uma vez que se a
influência de k for elevada para um dado caso em particular, o será para todas as simulações
realizadas.
Figura 47 – Avaliação do efeito de k (constante da rugosidade superficial) nos resultados ( )
A figura 47 mostra os valores previstos pelo código CFX e os medidos pelas sondas de
Irwin. Tal como esperado, no caso de menor rugosidade, apresentado no lado direito da
figura, alcançou-se melhor concordância.
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
Experimental Computacional
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
Experimental Computacional
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
63
Tabela 6 – Influência da rugosidade do grão de areia - valores máximos e médios de desvio
Divergência [%]
k [mm] Máxima Média
d 25.7 16.5
d/30 9.9 5.5
Na tabela 6 são apresentados os valores máximos e médios dos erros obtidos para os
dois casos. O desvio máximo obtido foi de 9.9% contra os 25.7% no caso mais rugoso, e o
valor médio do erro foi de 5.5% e 16.5% para k=d/30 e k=d, respectivamente.
Pode-se assim concluir que a rugosidade do grão de areia afecta os resultados
numéricos, e o valor adequado de k, para a granulometria da areia usada, é d/30, tendo sido
este o valor utilizado em todas as simulações numéricas efectuadas.
4.2.2 Validação do modelo
Para efectuar a validação do modelo fez-se a comparação entre os resultados
experimentais dos testes de velocidade de atrito e os resultados numéricos. Em termos
gráficos, as três geometrias inferiram resultados bastante semelhantes, aumentando, no
entanto, o desvio com a diminuição do declive, conforme pode ser observado na tabela 7:
Tabela 7 – Validação do modelo – valores máximos e médios do desvio [%]
Angulo (θ) *°+
U0 [m/s]
10 ° 20 ° 32 °
Divergência [%]
Máximo Média Máximo Média Máximo Média
8.3 19.7 9.2 13.5 6.5 9.9 5.5
9.1 20.6 9.2 13.6 5.6 11.0 6.6
9.9 20.5 9.2 13.8 6.2 11.7 6.2
10.7 19.2 9.0 12.7 5.3 12.3 5.7
Por exemplo, no caso do declive de 20°, as gamas de variação são de 12.7% a 13.8% e
5.3% a 6.5% para os desvios máximo e médio, respectivamente.
As disparidades entre os valores podem-se dever a diversos factores:
i. Possíveis simplificações efectuadas nos fundamentos teóricos onde assenta a
resolução numérica do modelo;
ii. Erro introduzido pelo factor k atrás mencionado;
iii. Erro introduzido pelos instrumentos de medida utilizados no laboratório;
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
64
iv. Provável propagação de erros introduzidos pelo equipamento utilizado e pelos
próprios operadores;
v. Possível simplificação das condições-fronteira introduzidas no software e as
existentes em laboratório;
vi. Perfil de velocidades inserido no programa de cálculo não tem em conta
possíveis perturbações do mesmo.
Estas são algumas das possíveis causas para a diferença entre os valores experimentais
e os numéricos, no entanto, pode-se concluir que as previsões computacionais traduzem
satisfatoriamente os resultados experimentais.
A Figura 48 retrata a comparação efectuada para validar os resultados numéricos. De
forma a evitar a apresentação de resultados redundantes, apenas estão representados os
valores para o declive de 20°, uma vez que as outras duas geometrias apresentam um
padrão semelhante.
Figura 48 – Validação do modelo para todas as velocidades testadas (ângulo de inclinação de θ = 20°)
Os valores computacionais, como se pode observar pela figura 48, aumentam de forma
proporcional com a velocidade do fluido, como se de um offset se tratasse, isto porque, em
termos computacionais, mesmo mudando o perfil de velocidade à entrada do domínio
computacional, facilmente se garante que todas as restantes condições se mantêm
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθ
x/Ls
EXP_8.3m/s COMP_8.3m/s EXP_9.1m/s COMP_9.1m/s
EXP_9.9m/s COMP_9.9m/s EXP_10.7m/s COMP_10.7m/s
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
65
constantes. Tal não é possível em termos experimentais visto existirem sempre factores que
dificilmente são controlados pelos operadores.
Para um mesmo declive, com o aumento da velocidade do fluido, a velocidade de atrito
aumenta, mas o desvio entre os valores experimentais e numéricos mantém-se
praticamente constante.
4.2.3 Discussão dos resultados numéricos
Apesar de não ser objectivo deste trabalho, durante as simulações numéricas, o
comportamento da velocidade uz no domínio computacional foi registado.
O software (CFX – Results) permite a visualização da distribuição do vector de
velocidade, assim é possível observar, entre outras coisas, a recirculação que ocorre na
colina descendente da pilha (sotavento) e qual o ponto de recolamento do escoamento, tal
como é mostrado na figura 49.
Figura 49 – Campo de velocidades – software CFX
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
66
Para todas as geometrias a separação do escoamento ocorre na crista da pilha e o
ponto de recolamento permanece quase constante, sendo aproximadamente a 1 m do início
da pilha (direcção positiva do eixo x). No entanto a zona de recirculação aumenta com o
declive da superfície barlavento da pilha, sendo o seu comprimento, medido a partir da
crista e normalizado através da altura da crista (drecolamento/H), de 7.33, 10.27 e 11.47 para as
pilhas S10, S20 e S32, respectivamente.
Ainda para cada pilha o ponto de recolamento mostrou ser pouco sensível à velocidade
não perturbada do vento, mantendo-se praticamente constante para todos os valores de U0.
Esta observação indica que os valores adoptados para as simulações numéricas estão no
regime de independência de Reynolds.
Assim, visto não terem ocorrido alterações com o aumento da velocidade para cada
ângulo, apenas os casos para U0=8.3 m/s são apresentados na Figura 49.
Em qualquer um dos casos acima apresentados é visível através mancha cromático qual
a variação da velocidade. Na entrada do domínio, tal como seria de esperar devido ao perfil
de velocidades (Figura 20), há um aumento gradual desde a cota zero até ao final da camada
limite, permanecendo depois o seu valor constante até à cota máxima do domínio
computacional.
Depois da validação do modelo apresentada nesta secção (Tabela 7), também os
resultados numéricos foram comparados com os perfis de erosão (Figura 50).
Dada a proximidade entre os valores obtidos pelas sondas de Irwin e os providos pelo
software, as conclusões retiradas da figura 46 são consideravelmente similares às obtidas na
figura 50.
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min7 min 10 min 15 min20 min Computacional
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min10 min Computacional
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
67
Figura 50 – Confrontação entre os perfis de erosão e os resultados das simulações numéricas
Independentemente do valor do ângulo de inclinação, quanto mais baixa for a
velocidade do escoamento, mais fácil é correlacionar os resultados obtidos, uma vez que a
mudança do perfil não é tão brusca, e os resultados computacionais foram obtidos apenas
para o perfil inicial da pilha.
Para uma dada velocidade, aumentar o ângulo de inclinação leva a que a erosão da
pilha se dê mais perto da crista, ou seja, o arrastamento de partículas torna-se mais difícil. A
Figura 50 mostra para o caso que um aumento do declive de 60% (de 20° para
32°) correspondeu a uma diminuição de aproximadamente 20% no limite da área erodida.
Por outro lado, para um mesmo declive, o aumento da velocidade permite uma mais
fácil erosão da pilha, tal como pode ser observado no caso do ângulo de 32°: um aumento de
perto de 8% na velocidade resultou no avanço do limite da área erodida em
aproximadamente 10%, tal como esperado (e segundo Huang et al. (2008), entre outros).
Figura 51 – Comparação dos resultados experimentais e numéricos
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min Computacional
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min
2 min 3 min Computacional
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
u*/u*tθh/H
x/LsTeórico Perfil inicial 1 min2 min 3 min 5 min Computacional Experimental
Capítulo 4. Apresentação e discussão dos resultados obtidos
68
A Figura 51 tem como intenção mostrar a relação entre todos os resultados obtidos
para uma dada velocidade e um dado declive. Todas as conclusões obtidas já foram
apresentadas no presente capítulo.
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros
69
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros
O objectivo do presente trabalho consistiu no estudo da influência do declive da
superfície na erosão, por acção do vento, de colinas/pilhas de armazenamento constituídas
por material granular, recorrendo tanto a ensaios experimentais, como a simulações
numéricas.
Foram utilizadas três geometrias diferentes, todas com perfil triangular, face de
deslizamento de 32° e com uma altura da crista de H=75 mm, mas cada uma delas com um
declive diferente da face barlavento: 10°, 20° e 32°.
Uma vez que a altura da crista era um parâmetro constante, bem como o ângulo da face
sotavento, a alteração do declive fez variar o comprimento total da base das pilhas, assim,
para tentar manter as condições de ensaio, o posicionamento da crista das pilhas, primeiro
em relação ao bocal do túnel de vento e depois em relação à entrada do domínio
computacional, manteve-se inalterado.
As velocidades de escoamento não perturbado utilizadas, tanto nos ensaios de
laboratório como nas simulações numéricas, foram: 8.3, 9.1; 9.9 e 10.7 m/s.
Em termos teóricos, todas as grandezas intervenientes no presente estudo sofrem a
influência do declive da superfície, assim, em termos experimentais, a primeira etapa
efectuada foi avaliar o comportamento da velocidade de escoamento. Concluiu-se que a
velocidade U0 necessária para iniciar o arrastamento das partículas (testes de erosão)
aumenta com o incremento do declive, e devido ao perfil de velocidades (camada limite),
este valor tem de ser 10 a 15% superior ao valor crítico, uma diferença maior pode levar a
uma erosão excessiva o que pode levar à não obtenção de resultados fiáveis.
Pelas razões mencionadas no parágrafo anterior, as pilhas de areia foram ensaiadas as
velocidades específicas consoante o seu declive. No final dos testes de erosão, pode
concluir-se que, independentemente do ângulo de inclinação, as partículas de maior
diâmetro encontravam-se na base da pilha, e que a área principal de erosão foi observada
essencialmente na crista e na sua vizinhança. A crista, no início dos ensaios, deslocou-se para
jusante do seu ponto inicial e, com o decorrer da erosão, teve tendência a deslocar-se para
montante, ficando próxima do limite inicial da pilha. Houve uma redução significativa da
altura máxima da pilha e uma extensão da mesma para além do seu limite inicial a jusante.
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros
70
Nos ensaios de velocidade de atrito, uma vez que se utilizaram instrumentos de medida
(sensores de pressão diferencial – sondas de Irwin), começou-se por realizar testes de
repetibilidade. Os desvios mais elevados tiveram uma ordem de grandeza de 4%, e foram
obtidos apenas para o caso do modelo de declive de 20°, com as outras duas geometrias
obtiveram-se valores na ordem dos 2%, assim concluiu-se que os ensaios tinham boa
repetibilidade.
Com a comparação de todos os valores obtidos com recurso aos sensores de pressão
retiraram-se uma série de conclusões:
i. Para todas as velocidades ensaiadas, a distribuição relativa dos valores para os
três ângulos foi semelhante, no entanto, o aumento da velocidade não
perturbada fez aumentar de forma proporcional a velocidade de atrito local
normalizada para os três casos. Um acréscimo de 10% em U0 correspondeu a
uma adição de cerca de 10% em para todos os declives;
ii. Num mesmo modelo e para uma velocidade do fluido especifica, os valores da
velocidade de atrito local normalizados aumentam ao longo da rampa, ou seja, o
arrastamento de partículas é mais fácil quanto mais perto se estiver da crista da
pilha, e;
iii. Para uma dada velocidade do vento, até cerca de 60% da face barlavento da
pilha, existe uma clara separação dos valores obtidos para os três declives,
sendo o caso da pilha menos íngreme a ter os valores normalizados mais
elevados. Esta observação vai de encontro às conclusões retiradas dos valores
teóricos, quanto maior for o declive, maior é a dificuldade de erosão. Na zona
mais próxima da crista a influência do declive é menor, ou seja, os valores
obtidos nos três modelos são semelhantes. Tal efeito é justificado pela alteração
da velocidade do fluido ao longo da rampa.
Com a fase experimental terminada procedeu-se ao confronto de todos os resultados
obtidos, de forma a avaliar a influência da velocidade de atrito na erosão. De notar que o
arrastamento de partículas só se efectua nos casos em que , e que os valores
obtidos pelas sondas de Irwin são apenas válidos para o primeiro perfil de erosão. Assim, em
todos os casos estudados pode concluir-se, que enquanto não houve uma deformação muito
elevada da pilha, os perfis de erosão corresponderam aos valores obtidos pelas sondas,
tendo-se obtido uma concordância bastante satisfatória entre os resultados experimentais.
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros
71
Na parte numérica foram simulados os modelos construídos para os testes de
velocidade de atrito. À semelhança destes, as simulações foram realizadas a quatro
velocidades não perturbadas diferentes: 8.3, 9.1; 9.9 e 10.7 m/s, para cada uma das
geometrias.
Como as pilhas estudadas são de material granular – areia- esta característica tem de
fazer parte da simulação numérica. Para tal, a primeira etapa foi avaliar a influência da
rugosidade do grão de areia (k) nos resultados obtidos.
Fizeram-se testes com dois valores de k, d e d/30, sendo d=0.5 mm, que é o valor médio
do diâmetro da partícula. Estes foram realizados para o declive de 32° e para U0=8.3 m/s. O
desvio máximo obtido foi de 9.9% contra os 25.7% no caso mais rugoso, e o valor médio do
erro foi de 5.5% e 16.5% para k=d/30 e k=d, respectivamente. Assim concluiu-se que este era
um parâmetro com bastante influência nos resultados e o valor adequado, para a
granulometria de areia utilizada, era de d/30.
De seguida foi efectuada a validação do modelo computacional, para tal fez-se a
comparação entre os resultados experimentais dos ensaios de velocidade de atrito e os
valores previstos pela ferramenta de cálculo. Obtiveram-se desvios entre os resultados, tal
como seria de esperar, uma vez que é bastante complicado reproduzir todas as condições de
ensaio em laboratório. Estas discrepâncias, para uma mesma velocidade, diminuíram com o
aumento do declive e para um mesmo declive, os erros mais baixos ocorreram para as
velocidades limite: 8.3 e 10.7 m/s. Assim, uma vez que os erros obtidos não foram muito
elevados, concluiu-se que os resultados computacionais de constituíam uma boa
base para a estimativa da velocidade de atrito local para problemas similares ao em estudo.
Em relação ao campo de velocidades previsto, observou-se que a zona de recirculação
aumentava com o aumento do declive, no entanto o ponto de recolamento do escoamento
permaneceu constante, sendo aproximadamente a 1 m do limite montante da pilha. Este
comportamento manteve-se praticamente inalterado com o aumento da velocidade não
perturbada do escoamento.
Também os resultados previstos pela simulação computacional foram comparados com
os perfis de erosão. Tal como seria de esperar, devido à proximidade destes com os obtidos
pelos sensores de pressão diferencial, as conclusões alcançadas são similares às obtidas na
discussão dos resultados experimentais.
Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros
72
Como sugestão para trabalhos futuros, relativamente à fase experimental, fica a
construção de novos modelos baseados nos perfis obtidos pelos testes de erosão e
consequente realização de novos ensaios de velocidade de atrito com as sondas de Irwin. Em
relação à parte numérica, a utilização do modelo validado em novas aplicações semelhantes
à do presente trabalho, como por exemplo, mantendo o perfil triangular, usar valores
diferentes para o declive da pilha ou mesmo da altura da crista, com a possibilidade da sua
parametrização.
73
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