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227 Luciana Iost Vinhas Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.227-252, jan./jun. 2009 Um estudo de caso sobre o ensino de língua estrangeira: contrastando lei, teoria e prática Luciana Iost Vinhas Universidade Católica de Pelotas Resumo: O trabalho trata do ensino de língua inglesa em escolas localizadas em uma cidade do Sul do Brasil. É proposto que se contrastem lei, teoria e prática, sendo apresentados os conteúdos, os procedimentos didático-pedagógicos e os objetivos subjacentes identificados na observação de cinco cadernos de alunos matriculados em cinco escolas públicas de Pelotas. A reflexão propõe que, para que ocorra o exercício da cidadania, seria necessário trabalhar, pelo menos, a leitura e a produção textual em sala de aula. Também é importante que se pense sobre o estatuto da disciplina de língua estrangeira nas escolas, devendo haver mais diálogo entre teoria, lei e prática. Palavras-chave: ensino; língua estrangeira; lei, teoria e prática. INTRODUÇÃO Movimentos políticos, dos mais variados tipos, parecem indicar que os problemas enfrentados pela sociedade brasileira na atualidade serão, pelo menos em parte, resolvidos. Mudanças no poder, investigações policiais, greves e protestos de funcionários públicos de diversas funções evidenciam que há algo de novo a surgir. O trabalhador passivo que outrora ocupava esses lugares não mais concorda com as políticas de exclusão, o que deve trazer muitos benefícios para toda a sociedade brasileira. Este estudo situa-se no âmbito da educação. Com uma visão otimista sobre o que está reservado a professores, alunos e funcionários das escolas, proponho uma discussão sobre a situação atual, tentando trazer contribuições. Centro-me no ensino de línguas estrangeiras (LEs), delimitando o debate ao ensino da língua inglesa no ensino fundamental. Esta proposta parte da necessidade de discutir o ensino de língua estrangeira nas escolas brasileiras, dado o estatuto diferenciado dessa disciplina no currículo do ensino fundamental. Justifica-se essa iniciativa considerando-se que, como se sabe, há fatores que dificultam o trabalho do professor de língua inglesa. Pouca carga horária, muitos alunos desinteressados, recursos didático-pedagógicos escassos e salas de aula cheias

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    Um estudo de caso sobre o ensino de lnguaestrangeira: contrastando lei, teoria e prtica

    Luciana Iost VinhasUniversidade Catlica de Pelotas

    Resumo: O trabalho trata do ensino de lngua inglesa em escolas localizadas em umacidade do Sul do Brasil. proposto que se contrastem lei, teoria e prtica, sendoapresentados os contedos, os procedimentos didtico-pedaggicos e os objetivos subjacentesidentificados na observao de cinco cadernos de alunos matriculados em cinco escolaspblicas de Pelotas. A reflexo prope que, para que ocorra o exerccio da cidadania, serianecessrio trabalhar, pelo menos, a leitura e a produo textual em sala de aula. Tambm importante que se pense sobre o estatuto da disciplina de lngua estrangeira nas escolas,devendo haver mais dilogo entre teoria, lei e prtica.Palavras-chave: ensino; lngua estrangeira; lei, teoria e prtica.

    INTRODUO

    Movimentos polticos, dos mais variados tipos, parecemindicar que os problemas enfrentados pela sociedade brasileira naatualidade sero, pelo menos em parte, resolvidos. Mudanas nopoder, investigaes policiais, greves e protestos de funcionriospblicos de diversas funes evidenciam que h algo de novo asurgir. O trabalhador passivo que outrora ocupava esses lugaresno mais concorda com as polticas de excluso, o que deve trazermuitos benefcios para toda a sociedade brasileira.

    Este estudo situa-se no mbito da educao. Com uma visootimista sobre o que est reservado a professores, alunos efuncionrios das escolas, proponho uma discusso sobre a situaoatual, tentando trazer contribuies. Centro-me no ensino de lnguasestrangeiras (LEs), delimitando o debate ao ensino da lnguainglesa no ensino fundamental. Esta proposta parte da necessidadede discutir o ensino de lngua estrangeira nas escolas brasileiras,dado o estatuto diferenciado dessa disciplina no currculo doensino fundamental.

    Justifica-se essa iniciativa considerando-se que, como sesabe, h fatores que dificultam o trabalho do professor de lnguainglesa. Pouca carga horria, muitos alunos desinteressados,recursos didtico-pedaggicos escassos e salas de aula cheias

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    colaboram para que o professor no consiga trabalhar os aspectosnecessrios a fim de que seu aluno seja minimamente competenteem alguma habilidade da lngua estrangeira ministrada.

    Em face dessas ponderaes, urgente que a situao doensino da lngua inglesa seja posta em xeque, sendo dois os objetivosque norteiam este estudo: 1) discutir como se ensina inglsatualmente, tendo em vista os contedos abordados, osprocedimentos didtico-pedaggicos adotados e os objetivossubjacentes prtica do professor; e 2) comparar lei, teoria eprtica quanto aos trs aspectos referidos. A fim de cumprir essaproposta, contrasto a lei, a teoria e a prtica por meio de umlevantamento de documentos oficiais, de trabalhos publicados narea de ensino de lnguas estrangeiras e de cadernos de alunos doensino fundamental.

    Busquei contemplar as metas do trabalho por meio de visitasa cinco escolas da rede pblica da cidade de Pelotas1 e, ento,entrando em contato com a coordenao pedaggica dosestabelecimentos, realizei cpia de cadernos de alunos que cursavamo ensino fundamental em cada um deles, sendo os cadernosescolhidos pelos professores responsveis pela disciplina de LnguaInglesa.2 Em cada escola, o responsvel pela seleo do caderno foio prprio professor, a fim de que tivesse a liberdade de escolher oconsiderado mais apropriado, pois, dependendo do aluno, existeuma diferena quanto organizao dos contedos.

    importante referir que somente foi pedido um caderno emcada escola de qualquer uma das quatro sries (quinta a oitava),preferencialmente da sexta srie. Assim, ser possvel discutirsobre como a lngua inglesa est sendo ensinada atualmente nasescolas em que foram coletados os cadernos, sendo possvel umageneralizao para o ensino de ingls na cidade de Pelotas. No foipedido mais de um caderno por escola, visto que, geralmente, onmero de professores que ministra disciplinas de lnguaestrangeira bastante reduzido se comparado quantidade de

    1 s coordenadoras pedaggicas das escolas, eu gostaria de agradecer pelaateno e pelo emprstimo do material utilizado para a elaborao desteartigo. Por motivos ticos, os nomes das escolas no sero aqui citados.

    2 importante referir que, em um primeiro momento, coletei cadernos dealunos que estavam na sexta srie, a fim de manter um padro. No entanto,como ser posteriormente explicado, somente em uma escola isso no foipossvel, sendo coletado um caderno da oitava srie.

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    professores de outras disciplinas. Isso se deve ao fato de a lnguaestrangeira ter, na maioria das vezes, somente um perodo de aulapor semana.

    Para a anlise do material coletado nas escolas, foi selecionadauma folha de cada caderno a fim de expor uma amostra de comoso dispostos os contedos. A seleo das pginas apresentadas foifeita tendo em vista alguma atividade mais comum identificada emcada caderno.

    Este artigo est estruturado em cinco sees. Na primeira, feita uma reviso do que dispem os documentos oficiais sobre oensino de lngua estrangeira, sendo selecionados a Lei de Diretrizese Bases da Educao Nacional (LDB) e os Parmetros CurricularesNacionais de Lngua Estrangeira (PCNs). Na segunda seo, soreferidas duas propostas para o ensino de lngua estrangeira noensino fundamental. Em um terceiro momento, so apresentadosos cadernos dos alunos, acompanhados de uma reflexo sobre oqu, como e para que se est ensinando lngua inglesa. Umdebate contrastando os documentos oficiais, as teorias e as prticas levantado na quarta seo do artigo. Por ltimo, na quinta seo,so apresentadas as consideraes finais.

    O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS OFICIAIS

    H, fundamentalmente, dois documentos oficiais queestruturam o regimento interno das instituies de ensino doterritrio nacional: a Lei no 9.394/96 e os Parmetros CurricularesNacionais (PCNs). A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional(Lei 9.394/96) foi sancionada pelo Presidente Fernando HenriqueCardoso em 20 de dezembro de 1996, ao passo que os PCNs foramentregues pelo Ministro da Educao e do Desporto Paulo RenatoSouza aos professores das sries finais do ensino fundamental doisanos mais tarde, em 1998. Assim, ao final da dcada de 1990,parecia que um movimento de renovao dissipava-se pelas escolasbrasileiras.

    Os artigos da Lei no 9.394/96 parecem ser cumpridos pelasescolas; contudo, aqueles relacionados a princpios e a objetivosainda deixam algumas dvidas, por serem de difcil observaodireta. No artigo 22, temos os objetivos da educao bsica: Aeducao bsica tem por finalidades desenvolver o educando,

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    assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio dacidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e emestudos posteriores (Brasil, 1996). Esses objetivos so de difcilavaliao, pois no se sabe se o educando que atinge essas metas aquele com notas boas, aquele que consegue um emprego ou entraem uma faculdade ao sair da escola, ou aquele cujos esforosconcentravam-se em no repetir o ano, por exemplo. Qual seria,ento, o perfil do aluno que atinge os objetivos da educao bsica?

    Quanto lngua estrangeira, o artigo 26, 5, de grandeimportncia. Ele diz respeito parte diversificada do currculo, ouseja, lngua estrangeira, a qual deve ser introduzida nas escolas,obrigatoriamente, a partir da quinta srie do ensino fundamental.A lngua estrangeira moderna a ser trabalhada escolhida pelacomunidade escolar, e, na maioria das vezes, ela o ingls ou oespanhol.

    A Lei 9.394/96 teve boa repercusso nas escolas talvez porser uma lei e, como tal, dever ser cumprida. No entanto, no se podedizer o mesmo dos PCNs que, talvez por no terem o estatuto delei, parecem no ter sido muito considerados pelas instituiesde ensino brasileiras.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais de lngua estrangeirapara o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental apresentamobjetivos que so comuns a todas as disciplinas do currculo. Maisespecificamente acerca da lngua estrangeira, dentro dasobservaes iniciais, referido que a aprendizagem de LnguaEstrangeira uma possibilidade de aumentar a autopercepo doaluno como ser humano e como cidado. Por esse motivo, ele devecentrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em suacapacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo apoder agir no mundo social (p.15).

    Segundo os PCNs, a leitura deve ser o primeiro foco doensino de lngua estrangeira, sendo atribuda uma posio perifricas outras habilidades lingsticas. O foco, no entanto, pode serampliado de acordo com os objetivos do professor. O que considerado com mais nfase o engajamento discursivo do alunopor meio de leitura em lngua estrangeira.

    Muitos eixos temticos podem ser explorados para o trabalhocom a leitura. Conforme explicitado em Leffa (1999),

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    [...] os parmetros esto baseados no princpio da transversalidade,destacando o contexto maior em que deve estar inserido o ensinodas lnguas estrangeiras e incorporando questes como a relaoentre a escola e a juventude, a diversidade cultural, os movimentossociais, o problema da violncia, o trfico e uso de drogas, asuperao da discriminao, educao ambiental, educao paraa segurana, orientao sexual, educao para o trabalho, tecnologiada comunicao, realidade social e ideologia.

    Para desenvolver o engajamento discursivo por meio daatividade de leitura e para mostrar ao aluno que a linguagem umaprtica social, um procedimento pedaggico recomendado pelosPCNs envolve a submisso de todo texto oral e escrito a seteperguntas: quem escreveu/falou, sobre o que, para quem, paraque, quando, de que forma, onde? (Brasil, 1998, p.43). O professordeve nortear sua atividade de leitura pelas perguntas propostas afim de atingir os objetivos maiores de prtica social. Ele deve tomarcuidado para adequar o tema idade dos alunos e ao meio socialem que vivem (cf. ibid., p.44).

    O trabalho com a leitura deve possibilitar no s a discussode diferentes temas, mas, tambm, o contato do aluno com vriostipos de texto, pois a utilizao em sala de aula de tipos de textosdiferentes, alm de contribuir para o aumento do conhecimentointertextual do aluno, pode mostrar claramente que os textos sousados para propsitos diferentes na sociedade (ibid., p.45). Avariedade de texto desperta o interesse do aluno acerca das diversaspossibilidades de colocar-se no engajamento discursivo.

    O aluno deve receber esses textos, colocar-se discursivamentena sociedade e manter uma posio crtica sobre o que seja defendidono que leia. Conforme afirmado nos PCNs, a conscincia crtica decomo a linguagem usada no mundo social pode ser bemdesenvolvida em Lngua Estrangeira, devido ao distanciamentoque ela oferece, possibilitando um estranhamento mais fcil emrelao ao modo como as pessoas usam a linguagem na sociedade(ibid., p.47). Assim podem ser resumidas as principais consideraessugeridas pelos PCNs para o ensino de lngua estrangeira: 1) aatividade necessita propiciar o engajamento discursivo do aluno esua autopercepo como ser humano e como cidado; 2) o focodeve se dar nas atividades de leitura; 3) devem ser abordadosdiferentes eixos temticos na atividade de leitura em lngua

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    estrangeira; 4) os procedimentos didtico-pedaggicos podem,preferencialmente, envolver sete perguntas sobre o texto lido; 5) otema do texto precisa ser adequado idade e ao meio social doaluno; 7) diferentes tipos de texto devem ser apresentados; e 8) oaluno deve desenvolver uma postura crtica.

    O QUE DIZ A LITERATURA

    Nesta seo, so apresentadas duas abordagens sobre comodeve ser trabalhada a LE nas salas de aula do ensino fundamental.A primeira admite a importncia do ensino da leitura (cf. MoitaLopes, 1996); a segunda defende que, na sala de aula de lnguainglesa, deve ser adotada uma abordagem comunicativa, com ofoco nas quatro habilidades escuta, fala, leitura e escrita (cf.Santos, 2001).

    Moita Lopes (1996) faz vrias ponderaes sobre o ensino delnguas estrangeiras, inclusive sobre comentrios e crenas de queas LEs so, muitas vezes, entendidas como desnecessrias para aformao do aluno da escola pblica. Considerando os fatores queinterferem na prtica do professor de lngua inglesa citadosanteriormente, talvez o autor tenha razo, pois, freqentemente, oprofessor de lngua inglesa tem somente um perodo de 50 ou 45minutos por semana para ensinar uma lngua estrangeira cujassemelhanas com a lngua materna dos alunos so muito poucas.

    O autor afirma ser inegvel que a qualidade do ensino deLEs deixa a desejar, principalmente por no ser pensado a partir dafuno social da LE no Brasil. Para Moita Lopes, a nica habilidadeque parece ser justificada socialmente a da leitura, pois asnecessidades de se aprender uma lngua estrangeira como o ingls,geralmente, devem-se a dois fatores: leituras de textos em inglsem certos campos acadmicos e exames de seleo de programasde ps-graduao. O autor ainda registra que a produo cientfica,nas diversas reas do conhecimento, escrita em ingls, muitasvezes por falantes no-nativos, portanto, a habilidade da leituradeve ser privilegiada, para que o ensino de lngua estrangeira noensino fundamental atinja o seu objetivo de ter uma funo social.Moita Lopes (ibid., p.130) afirma que considerar o ingls no Brasilcomo um recurso para a comunicao oral parece negar qualquerrelevncia social para a sua aprendizagem. Ento, caso um aluno

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    tenha necessidade de desenvolver as outras trs habilidades, eledeve procurar um curso de lnguas, pois, na escola, devido scondies j mencionadas, elas no so ensinadas suficientementepara serem aprendidas plenamente. O autor argumenta que oobjetivo do ensino de lngua estrangeira no ensino fundamentaldeve ir ao encontro de sua funo social da sociedade brasileiraatual, ou seja, deve ser centrado na leitura, e essa a nicajustificativa social para a aprendizagem de LE. Moita Lopes (ibid.,p.131) relata que

    No contexto das escolas pblicas brasileiras irreal se advogar ofoco nas chamadas quatro habilidades lingsticas, tendo em vistaas condies existentes no meio de aprendizagem: carga horriareduzida; um grande nmero de alunos por turma; domnioreduzido das habilidades orais por parte da maioria dosprofessores; ausncia de material instrucional extra alm do livroe do giz etc.

    Santos (2001), por sua vez, defende idias que no vo aoencontro daquelas expostas por Moita Lopes (1996). A autora iniciaafirmando que os PCNs so incoerentes, pois, em um primeiromomento, dispem no haver limitaes quanto escolha dalngua estrangeira a ser trabalhada na escola e quanto scapacidades/habilidades a serem desenvolvidas no processo deensino e aprendizagem. No entanto, referem tambm que a funosocial do ensino de uma lngua estrangeira no ensino fundamentalrelaciona-se, sobretudo, prtica da leitura. Tais comentriosestabelecem uma incoerncia discursiva interna (Santos, 2001,p.40).

    Outro aspecto criticado pela autora reside no argumento deque as salas de aula de LE no possibilitam o trabalho com as quatrohabilidades devido falta de material e ao nmero excessivo dealunos por turma. Conforme Santos, esse raciocnio bastanteconveniente para que no se tomem atitudes para a diminuio donmero de alunos por turma e para que no se invista em materiaisapropriados, por exemplo. Mais uma vez, parece que as escolaspblicas so desvalorizadas, pela falta de interesse em investir naeducao, deixando-se de trabalhar plenamente com a lnguaestrangeira para se dar lugar ao argumento de que a funo socialda LE a leitura, bem mais fcil de ser ministrada do que uma aula

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    de produo oral, por exemplo. Para a autora, o foco na leitura umargumento que vem sendo utilizado como uma vertente de naturezaexterna, com o propsito de justificar atitudes e prticaspedaggicas no ensino e aprendizagem em lngua inglesa queconsideramos inadequadas para os nossos dias (ibid., p.41-42). Aautora defende que, para o pleno exerccio da cidadania, talvez oprincipal objetivo do ensino fundamental presente nos PCNs, oaluno deve ter a oportunidade de desenvolver as quatro habilidadesem LE dentro da escola, e no fora dela, o que uma questobastante significativa. A funo social da LE estaria ligada possibilidade de o aluno sair capacitado a receber e produzir textosorais e escritos em lngua estrangeira. Se somente trabalhada aleitura, no existe pleno exerccio da cidadania, pois

    [...] de fundamental importncia que essa busca do ilimitvel,especialmente no contexto da escola pblica, possa voltar-se parao desenvolvimento das mais variadas habilidades de compreensoe de produo do discurso escrito e oral, de forma a permitir oamplo acesso ao conhecimento e ao pleno exerccio da cidadania(ibid., p.42).

    A viso de Santos (2001) tambm sustentada por Klee,Ferra & Moor (2001). As autoras afirmam que a abordagemcomunicativa a teoria que melhor atende a uma das caractersticasnaturais da comunicao, qual seja, a de estabelecer relaes sociais(ibid., p.144).

    Nesta seo, foram apresentadas duas perspectivas acercado ensino de lngua estrangeira nas escolas brasileiras no ensinofundamental. Moita Lopes (1996) defende que se focalize a leitura,ao passo que Santos (2001) apresenta argumentos para que asquatro habilidades sejam trabalhadas igualmente. As justificativaspara essas escolhas visam estabelecer um elo entre a aprendizagemde uma LE e uma funo social, o exerccio da cidadania.

    COMO SE ENSINA

    A fim de esboar um breve perfil de como se tem ensinadoa lngua inglesa em Pelotas, foram coletados cinco cadernos decinco escolas da rede pblica, sendo todas as escolas situadas nazona urbana da cidade. Mediante contato com a coordenao

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    pedaggica das escolas, foi pedido um caderno da sexta srie doensino fundamental. Nas cinco escolas doravante designadas E1,E2, E3, E4, e E5 , foi possvel recolher cadernos dessa srie, excetona E3. Nesta, a lngua espanhola era trabalhada na quinta e na sextasries, sendo a lngua inglesa introduzida somente na stima srie.O caderno da E3, ento, pertence a um aluno da oitava srie doensino fundamental.

    Como j foi mencionado, trs eixos sero observados noscadernos: contedos (C), procedimentos didtico-pedaggicos(PDP) e objetivos subjacentes (OS). Os quadros 1 a 5 detalham esseseixos.

    Na E1, so adotados diferentes procedimentos didtico-pedaggicos para se desenvolverem os contedos. O cadernoanalisado possui diversas folhas fotocopiadas com exerccios, oque facilita o trabalho do professor, pois, assim, ele no perde tantotempo ao escrever exerccios no quadro. H, no entanto, muitosexerccios de completar as frases e de traduo. Alm disso, hmuitos exerccios iguais, repetidos algumas vezes ao longo do ano;contudo, foi possvel a identificao de diversos textos parainterpretao.

    Quadro 1 Eixos observados: E1.

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    A Figura 1 reproduz uma folha do caderno da E1, onde se vuma atividade de leitura. Durante a aula, fora colocado um texto(uma carta) no quadro, e, a partir dele, os alunos responderam aperguntas e preencheram quadros, sendo introduzidos novos itenslexicais. Alm de os alunos realizarem atividades contextualizadascom a leitura, geralmente pedido que faam a traduo do texto.Se os alunos j responderam a perguntas e fizeram outros tipos deexerccios sobre o texto, questiona-se a necessidade de ser feitatambm a traduo.

    Figura 1 Caderno da Escola 1.3

    Na E2, tambm se encontraram alguns exerccios de traduo,no entanto, esses exerccios constituem frases soltas, no abrangendoum texto inteiro, como na E1. No caderno da E1 so identificadosainda vrios exerccios relacionados estrutura da lngua. Outrosexerccios bastante freqentes so completar frases com o verbo tobe, passar frases da forma afirmativa para a negativa ouinterrogativa e seguir o modelo.

    3 No Anexo A, constam as transcries das folhas mostradas.

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    Quadro 2 Eixos observados: E2.

    Apesar do excesso de atividades estruturais, a professora daE2 preconiza algumas prticas com a promoo da interao entreos alunos. Uma delas reside em os alunos recolherem o telefone doscolegas, a fim de que todos tenham os nmeros. A atividadepromove a utilizao oral da lngua estrangeira e umamovimentao dos alunos pela sala de aula, sendo estabelecida,portanto, uma relao diferente entre os alunos e entre o aluno e oprofessor. Na Figura 2, pode ser observada uma folha do cadernoda E2.

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    Figura 2 Caderno da Escola 2.

    No caderno da E3, h um pedao de uma lista de itenslexicais referentes a profisses, que se estendem por mais duaspginas. Esse no um aspecto positivo nessa escola, visto que osalunos passariam praticamente toda a aula copiando palavras doquadro, e a professora teria bastante desgaste para conseguirpassar o mesmo contedo em todas as aulas. Embora haja trabalhocom a leitura nessa escola, ele um pouco ofuscado pela quantidadede exerccios estruturais e de listas de palavras.

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    Quadro 3 Eixos observados: E3.

    Uma das primeiras atividades presentes no caderno da E3 apresente seu colega para a turma. Essa atividade oral na lnguaestrangeira considera no s a interao entre colegas no primeirodia de aula, mas tambm o reconhecimento da importncia decertas expresses do ingls. No entanto, na pgina seguinte, huma tabela da conjugao do verbo to be no presente, nas formasafirmativa, negativa e interrogativa. Durante todo o caderno,atividades de leitura de textos e aspectos metalingsticos sointercalados.

    Mesmo sendo esse caderno da oitava srie do ensinofundamental, importante notar que so trabalhados os mesmoscontedos inscritos na sexta srie das outras escolas, todavia, existeuma diferena bastante significativa quanto diversidade deatividades registradas nesse caderno e nos outros quatro cadernosda sexta srie. Isso pode se dever ao fato de que E3 a nica escolacujo caderno recolhido da oitava srie. Talvez, nessa srie, osalunos tenham mais capacidade para trabalhar com diferentes

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