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ESTUDOS SOBRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA NA
CONSTRUÇÃO DE SABERES
Os saberes para o exercício da docência perpassam a organização das instituições, as
práticas e os desafios didáticos, o aprendizado individual e coletivo e o enfrentamento
dos desafios e dos dilemas que se manifestam cotidianamente. As três pesquisas, que
compõem este Painel, analisam as possibilidades de formação docente em nível
superior, tanto inicial quanto continuada. O primeiro texto reflete sobre o direito do
estágio curricular a partir de um estudo realizado com estudantes de Pedagogia, frente à
obrigatoriedade do estágio. Destaca as escolhas didáticas para uma turma do noturno,
evidenciando três aspectos pertinentes a três questões ligadas ao preconceito: racial, de
gênero e da desvalorização profissional. O segundo texto discorre sobre uma pesquisa
realizada em um Curso Superior de Gestão Empresarial, que teve como objetivo a
análise da percepção, de alunos e professores, no tocante ao duelo existente entre a
concepção de currículo deste versus o bacharelado em Administração de Empresas e as
estratégicas didáticas para garantia do desempenho profissional. Por sua vez, o terceiro
texto apresenta um programa de formação continuada para professores da educação
básica, cujo modelo é considerado inovador para os moldes tradicionais de capacitação
em serviço. Este programa é desenvolvido junto a universidades públicas, com pesquisa
acadêmica que alia teoria e prática escolar, de modo a produzir e ampliar saberes
docentes com valorização profissional. Os três textos analisam a pertinência da
educação inicial e continuada para a construção de novos saberes por meio da
articulação entre educação básica e ensino superior. As estratégias didáticas são os
diferenciais nas propostas de planejamentos voltados para a prática de ensino e
formação profissional.
Palavras-Chave: Ensino Superior, Didática, Formação Inicial e Continuada.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11294ISSN 2177-336X
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DIFERENÇAS DIDÁTICAS E CURRICULARES NA FORMAÇÃO:
PERCEPÇÕES DE PROFESSORES E ALUNOS
RESUMO
O presente artigo faz parte dos resultados de uma pesquisa realizada em 2012 em uma
instituição de ensino superior, que se dedica à oferta de Cursos Superiores de
Tecnologia na cidade de Belo Horizonte no estado de Minas Gerais. A opção
metodológica pela abordagem qualitativa possibilitou compreender as especificidades
da escolha do curso no ensino superior. Na pesquisa, optou-se pela aplicação de
questionário e entrevista com professores e os alunos do Curso Superior de Gestão
Empresarial, com o intuito de conhecer as estratégias de escolhas do mesmo, no âmbito
do ensino superior. Buscou-se analisar a percepção de alunos e professores desse curso
no tocante ao duelo existente entre a concepção de currículo deste versus o bacharelado
em Administração de Empresas e as estratégicas didáticas, para garantir o desempenho
profissional. As organizações curriculares entrelaçadas com a didática constituíram a
constituição do curso e consequentemente enfatizam a procura de determinado curso. A
pesquisa de cunho qualitativo deu voz aos participantes e trouxe aspectos das escolhas
efetivadas. Ressalta que a pesquisa tomou todas as providências para garantir a
fidedignidade da mesma. Com este objetivo os nomes dos participantes são fictícios
para garantir o anonimato dos participantes. O resultado do estudo permitiu concluir que
há diferenças, porém, uma predileção dos alunos pelo Curso Superior em Gestão
Empresarial por este ser mais célere, focado à prática, com custo mais baixo e responder
às demandas do mercado de trabalho com a mesma eficiência dos bacharelados em
Administração de Empresas. Assim, foi possível constatar que a didática no pautada na
prática foi o diferencial significativo na pesquisa.
Palavras-chave: Didática no ensino superior - Organização curricular. Curso Superior
de Tecnologia em Gestão Empresarial. Bacharelado em Administração de Empresas.
Introdução
O presente artigo faz parte dos resultados de uma pesquisa realizada em 2012 em
uma instituição de ensino superior que se dedica à oferta de Cursos Superiores de
Tecnologia na cidade de Belo Horizonte. Na pesquisa, optou-se pela aplicação de
questionário a 220 alunos e entrevista com quatro professores e sete alunos do Curso
Superior de Tecnologia em Gestão Empresarial, que foram escolhidos conforme a
disponibilidade para a entrevista, que foi registrada através de gravação de áudio.
Este texto busca analisar a percepção de alunos e professores do Curso Superior
de Gestão Empresarial sobre o duelo existente entre a concepção de currículo do curso
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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supracitado versus o bacharelado em Administração de Empresas e as estratégicas
didáticas, para garantir o desempenho profissional.
Curso de Tecnólogo em Gestão Empresarial x Curso de Administração de
Empresas
O mercado de trabalho não dá trégua! Requer às vezes experiência profissional,
ou mesmo formação na área. Na verdade, busca a competência profissional, partindo do
pressuposto que o profissional seja capaz de “administrar a complexidade”, “mobilizar
em um contexto”, “combinar”, “transpor”, “aprender e saber aprender a aprender” e
“envolver-se” (LE BOTERF, 2003, p. 37-81). Tais características conseguem ser mais
atrativas do que qualquer formação que o sujeito possua. Todavia, inicialmente, a
formação tem sido uma condição sine qua non para o relacionamento do mercado de
trabalho com o profissional. Buscando atingir a formação mais célere, muitos alunos
têm optado por ingressar no ensino superior de duração diferenciada, ou seja, nos
Cursos Superiores de Tecnologia a fim de se qualificarem. Nesse sentido, Le Boterf
(2003, p. 21) esclarece que “a noção de qualificação remete a um julgamento oficial e
legitimado, que reconhece em uma ou em várias pessoas capacidades requeridas para
exercer uma profissão, um emprego ou uma função”. E nesse acirramento pela
qualificação, esse curso vem concorrer com os cursos de Administração de Empresas,
que se dedica a uma formação de cinco anos. Concorrência? Não sabemos. Contudo, o
que se observa são alinhamentos e sintonias com as organizações curriculares e
didáticas tanto e curso de Gestão Empresarial quanto os de Administração de Empresas,
com o intuito de captar alunos.
Para atingir os objetivos propostos, buscou-se a percepção dos alunos e
professores do Curso Superior de Tecnologia em Processos Gerenciais para
compreender qual a percepção que eles têm da diferença dos cursos supracitados e as
estratégicas didáticas, para garantir o desempenho profissional. As organizações
curriculares entrelaçadas com a didática constituíram a constituição do curso e
consequentemente enfatizam a procura de determinado curso. A pesquisa de cunho
qualitativo deu voz aos participantes e trouxe aspectos das escolhas efetivadas. Ressalta
que a pesquisa tomou todas as providências para garantir a fidedignidade da mesma.
Com este objetivo os nomes dos participantes são fictícios para garantir o anonimato
dos participantes.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Os alunos têm uma posição muito favorável ao Curso de Tecnólogo que estão
fazendo, chegando a desqualificar o Curso pleno de Administração de Empresas:
Pra mim, é uma da administração de empresas resumida. Em vez de
ficar naquele blá-blá-blá de quatro anos, de ficar enrolando, aqui o
pessoal vem cá em dois anos e “passa a régua” e mostra tudo que tem
que mostrar. Mostra o ponto chave e não fica aqui, fazendo um
trabalhinho aqui, outro trabalhinho ali. Você vai direto no assunto,
aqui você tem uma base de tudo que se faz na administração. Eu
acredito que seja uma administração de empresas resumidamente
falando (Aluno André – Entrevista).
A diferença que eu vejo é o tempo. E as matérias são mais objetivas
no curso de tecnólogo. Pelo que vi, eu ia fazer administração, a
quantidade de matérias que você, depois que forma, você não utiliza
praticamente nada... Então, é perda de tempo você fazer aquelas
matérias. E aqui não, você atinge seus objetivos mais rápidos, são só
dois anos. Na realidade, é mais o tempo que você ganha e o número de
matérias que você faz. O curso é mais objetivo (Aluno Daniel –
Entrevista).
Me parece que a grade curricular dos dois é a mesma, praticamente os
cursos são bem similares, parecidos. Há uma diferença: o tempo.
Administração de empresa: quatro anos. O outro: dois anos. Porém,
tem um detalhe: na administração de empresas, além do tempo que
você tem a mais, o aluno entra sem ter conhecimento prévio nenhum.
Ele está crescendo, começando a conhecer. O profissional de
tecnologia em gestão empresarial já tem esse conhecimento prévio, ele
chega no curso de tecnólogo e começa a buscar novas ferramentas
para se aperfeiçoar (Aluna Carmem – Entrevista). (grifo dos autores)
A carência de uma formação mais teórica, peculiar ao Curso de Gestão
Empresarial, reduzindo o tempo de duração, se constitui como um dos atrativos, que
aumenta a demanda para o mesmo. Para a melhor compreensão, talvez fosse necessário
diferenciar “administrar” e “gerir”.
O termo Gestão vem do latim “Géstio ónis” que quer dizer “administração,
gestão de um negócio”. Já o termo Administração vem do latim “Ad-ministratio ónis”,
significa “serviço, governo, direção, administração, negócio” (VALLE, 2004, p. 317;
69)
No dicionário Houaiss (2004, p. 1.449; 87), ambos os termos têm o mesmo
significado, que é concebido como “ato ou efeito de gerir, administrar”, esse fato
provoca certo conflito no âmbito dos referidos termos. Essa indefinição entre os dois
termos pode ser percebida nos depoimentos dos entrevistados que se traduzem na
própria falta de uma maior definição dos referidos cursos.
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[...] Indago, o que é gerir? O que é administrar? São sinônimos? É
complicado, porque eu não fiz administração de empresas. Mas pelo
início que eu fiz, eu acho que administração de empresa... hoje, eu
acho que quem faz o tecnólogo, se dedica e faz, vai ter um
aproveitamento muito maior do que quem faz administração.
Administração é em cinco anos. Ao invés de você estar colocando em
prática, fica relembrando coisas que viu no primeiro ou segundo
período... O tecnólogo não, você está sempre envolvido, as coisas
estão sempre fresquinhas. Pode ser que complemente, mas se eu
tivesse que fazer uma opção, mesmo eu tendo tempo, eu escolheria o
tecnólogo. Eu tenho essa cultura. Não conheço o curso de
administração, então fica até difícil falar (Aluno Francisco –
Entrevista). (grifo dos autores)
Eu não me sinto em condições de falar porque eu não fiz
administração de empresas. Pelo que eu ouço falar é como se o curso
de gestão empresarial fosse o curso de administração de empresas
bastante resumido (Aluno Manoel – Entrevista). (grifo dos autores)
[...] Gestão de Empresas, Administração de Empresas são sinônimos?
Quais as diferenças? Eu acho que o curso de tecnólogo é bem mais
direto, ele vai direto naquilo que você precisa. Por exemplo, o meu
marido é formado em história, de vez em quando a gente conversa, ele
fala de muita coisa que tem na faculdade que é muito... Vamos dar um
exemplo: você leva um semestre para estudar metodologia de trabalho
científico. Quer dizer, é uma coisa que você não grava. Toda vez que
você precisar de alguma coisa, vai ter que buscar lá na apostila para
fazer um trabalho dentro das normas. Leva-se um semestre para
estudar isso. A gente faz os exercícios aqui, a gente vai buscar lá na
hora para estar fazendo o exercício. Quer dizer, você não perde tempo
estudando aquilo que você não vai utilizar no dia-a-dia. Ele é bem
direto. Se você me perguntasse se ele pega tudo que realmente
necessita, eu não saberia te falar. Mas que ele é mais direto, não tem
tanta enrolação, igual a gente ouve falar que nas faculdades acontece
(Aluna Vanessa – Entrevista). (grifo dos autores).
Deve-se enfatizar que o Curso de Gestão Empresarial trabalha com os seguintes
conteúdos: Comunicação Empresarial, Gestão de vendas, Gestão financeira, Gestão de
Marketing e Gestão de Recursos Humanos. Coincidentemente ou não, os conteúdos do
Curso de Gestão Empresarial são idênticos aos contemplados pelo Curso de
Administração de Empresas, apenas, se distinguindo por possuir uma menor carga
horária.
Além do Curso de Gestão Empresarial, a instituição pesquisada oferece cursos
de: Comunicação Empresarial, Gestão de Vendas, Gestão Financeira, Gestão de
Marketing e Gestão de Recursos Humanos – todos eles, com 1.600 horas de duração, ou
dois anos.
O Curso de Gestão Empresarial não extrapola este somatório de 1.600 horas,
ministradas em dois anos. Deve-se ressaltar que o Curso em pauta, na sua matriz
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curricular, contempla todos os títulos dos cursos listados anteriormente. Tendo em vista
o exposto, questiona-se: Como pode um Curso de Gestão Empresarial ter um
direcionamento específico, e, ao mesmo tempo, possuir uma dimensão ampla, peculiar
de um Curso de Administração de Empresas? Uma docente do Curso procura no seu
depoimento fazer esclarecimentos:
Eu acho que o curso de administração de empresas generaliza mais. A
gestão empresarial está mais voltada para a questão do gestor mesmo.
A administração já envolve a parte específica de finanças, específica
de marketing, específica de recursos humanos. E a gestão empresarial
vai tratar de uma forma menos aprofundada. É uma visão ampla, mas
superficial. Acho que seria assim [...] O que eu vejo nos cursos de
tecnólogo aqui da instituição, nessa parte de gestão, é que isso é como
uma divisão do curso de administração em áreas específicas. Ao invés
de você fazer um curso de administração e fazer uma pós nas áreas de
especialização, você já vai diretamente para a sua área de interesse. Aí
é empresarial, ou financeira, ou marketing, ou recursos humanos
(Professora Lourdes – Entrevista).
Na verificação das Ementas da matriz curricular do Curso de Gestão
Empresarial, e, também, de alguns cursos de Administração de Empresas disponíveis na
Internet, verifica-se que o Curso de Gestão Empresarial foi elaborado fazendo-se uma
síntese/compactação de Cursos de Administração de Empresas. Dessa forma, preteriza-
se as Diretrizes para a Formação de Tecnólogos, que expressam que “Importa,
sobremaneira, a identificação de critérios e referenciais claros e de responsabilidade
das instituições de ensino na oferta de cursos de formação de tecnólogos” (BRASIL,
2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21). Dentre as peculiaridades do Curso de Tecnólogo,
o referido documento menciona que as demandas do mercado de trabalho e da
sociedade devem ser consideradas:
[...] é fundamental que tanto a oferta de formação do tecnólogo como
do bacharel correspondam às reais necessidades do mercado e da
sociedade. Há uma tendência perniciosa de se imaginar e supor uma
certa demanda comum tanto do tecnólogo como do bacharel. Às
vezes, os dois juntos, para a mesma área, sem perfis profissionais
distintos, acarretam confusões nos alunos e no próprio mercado de
trabalho. É necessária clareza na definição de perfis profissionais
distintos e úteis (BRASIL, 2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21).
(grifo dos autores)
Percebe-se que a referida indefinição dos perfis profissionais dos egressos dos
dois cursos ocorre também, no Curso de Gestão Empresarial pesquisado. Quanto à
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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diferença entre os dois cursos, pode ser mais bem entendida pela diferença de
densidade:
[...] a formação do tecnólogo é [...] mais densa em tecnologia. Não
significa que não deva ter conhecimento científico. O seu foco deve
ser o da tecnologia, diretamente ligada à produção e gestão de bens e
serviços. A formação do bacharel, por seu turno, é mais centrada na
ciência, embora sem exclusão da tecnologia. Trata-se, de fato, de uma
questão de densidade e de foco na organização do currículo (BRASIL,
2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21).
Considera-se que os cursos direcionados a uma formação específica, devem ter o
cuidado de não adentrar no campo dos cursos de graduação plena. Pôde-se verificar na
pesquisa realizada, que a estruturação do Curso de Gestão Empresarial é bastante
semelhante a alguns Cursos de Engenharia de Operação, atualmente extintos. As falas
de alguns professores entrevistados podem auxiliar no discernimento entre os referidos
cursos:
Eu fiz administração, tá? Eu vou te falar que a grande vantagem desse
curso de tecnólogo é que trabalha matérias específicas pra área. Eu
estudei direito, e eu nem posso aplicar o que eu aprendi em direito
porque eu teria que chamar um advogado para me defender. Mas é
bom também, porque você tem uma base de tudo, tem uma noção de
tudo. Mas ao mesmo tempo eu não vi matérias, a minha matéria que
estou ministrando hoje eu não vi na minha faculdade, e foi uma boa
faculdade. Então, eu acho que isso é uma evolução. É uma
necessidade que o mercado está colocando, e que felizmente as
escolas estão aderindo e tão desenvolvendo. A especificação do
conteúdo, na necessidade do cliente. O mercado hoje não pode perder
tempo, e ele precisa de pessoas qualificadas. Eu vou te falar que eu
aprendi o que eu estou ensinando hoje foi trabalhando, não foi
estudando. Ou na minha pós, é lógico, eu busquei depois de estar no
mercado trabalhando. O mercado me buscou e me obrigou a buscar
isso. Esses profissionais já vão sair com a formação direcionada para
aquilo que eles escolheram como sendo da área deles, e que muitos já
fazem, já participam dessas áreas. Então eu acho que é a especificação
mesmo, é uma qualificação direcionada para uma determinada área,
coisa que a gente, na escola normal, muitas vezes você entra sem
saber o que você quer. Eu percebo nos meus alunos que eles têm um
perfil diferente, dou aula em três cursos e cada um tem um perfil
diferente (Professor Ricardo – Entrevista). (grifo dos autores)
Principal diferença é na questão conteudista, é claro e evidente que ela
tem um aspecto muito mais sintético. Outra diferença visível é a
própria proposta de velocidade que o curso tem na sua essência, e uma
diferença de perfis de público alvo. Eu vejo uma necessidade que o
próprio mercado está colocando, que ainda, embora não esteja
totalmente conhecido, ele é um processo evolutivo que cada vez mais
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vai ser mais aceito dentro da necessidade de suprimento de vagas na
área gerencial (Professor Lucas).
Gestão é uma ferramenta de organização. Eu acho que a diferença está
justamente aí. Eles fazem 4 semestres de imersão em um determinado
ponto específico do curso de administração. Já a administração lida
com a ciência no geral. Pelo menos é assim que eu compreendo. A
singela opinião de uma advogada sobre a administração (Professora
Rita – Entrevista).
Em síntese, pode-se afirmar que a diferença principal entre o Curso de Gestão
Empresarial e um Curso de Administração de Empresas está centrada na distinção de
tempo a eles conferida, como foi evidenciado nos depoimentos de alunos e professores.
Por outro lado, as Diretrizes para a Formação do Tecnólogo enfatizam que:
[...] é muito difícil precisar a duração de um curso de formação de
tecnólogo, objetivando fixar limites mínimos e máximos. De qualquer
forma, há um relativo consenso de que o Tecnólogo corresponde a
uma demanda mais imediata a ser atendida, de forma ágil e
constantemente atualizada. (BRASIL, 2002 [Parecer CNE/CP n. 29],
p. 21).
Assim, fica explicito que o tempo é um aspecto difícil de precisar nos dois
cursos em análise, pois só ele não poderia inferir a qualidade de um em detrimento do
outro. Nesse sentido, apresenta-se a fala de um aluno, que compara o Curso de
Formação de Tecnólogos em Gestão Empresarial com o Curso de Graduação em
Administração de Empresas:
Eu tenho uma filha formada numa instituição privada de Belo
Horizonte, em Administração. Hoje ela estuda Comunicação também.
As matérias que ela viu em 4 anos, eu tô vendo em dois.... Ela tá
encabulada de ver as mesmas matérias que nós. Vimos no primeiro
módulo e [...] ela viu em um ano ou dois. Ela viu, me acompanhou nos
exercícios... “Mas vocês estão vendo isso? Não é possível, eu demorei
um ano para ver essa matéria”. Se você quiser fazer um paralelo disso
aí, dá para fazer perfeitamente um comparativo. É um curso
condensado, agregando valores, seguro, e com todo potencial; o que o
pessoal da administração fez em quatro anos, o tecnólogo tem
condição de fazer. Eu tenho uma experiência profissional de vida que
ela ainda não tem, mas com as matérias que eu vi no curso de
tecnólogo e ela viu no de administração, a gente tem condições de
competir, tranquilamente. E ela fica encabulada porque meu curso é
muito mais rápido e eu tive condições de desenvolver todas as
matérias que ele levou os quatro anos (Aluno Rodolfo – Entrevista).
No relato do entrevistado duas dimensões importantes de análise ficaram
evidenciadas. Na primeira ele ressalta a condensação das disciplinas, que na
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organização curricular e dimensão didática foram articulados para garantir que
aprendizagem. Outro aspecto complementar a este se refere à dialogicidade do curso
com suas vivências profissionais. Assim, o Curso Superior de Tecnologia em Gestão
Empresarial se propõe a viabilizar uma formação voltada para o campo de
Gestão/Administração de uma Empresa. Pode-se observar que existe certa competição
entre os profissionais graduados em Cursos de Administração de Empresas, com a
duração de 04 ou 05 anos, e os Tecnólogos em Gestão Empresarial, que são formados
em apenas 02 anos. Essa rivalidade se acirra, ainda mais, quando os egressos dos
referidos cursos se deparam como concorrentes no mercado de trabalho.
Objetivando discernir as semelhanças e as diferenças existentes entre os dois
cursos, foram entrevistados alunos e professores do Curso pesquisado. Segundo o ponto
de vista dos professores entrevistados, o Curso de Tecnólogo em Gestão Empresarial
trabalha os conteúdos utilizando da didática que permite a interlocução com a prática,
no qual geralmente, os alunos são mais interessados, compromissados e já adentram no
curso com um conhecimento experiencial bastante significativo:
(...) Quem faz o curso de tecnologia tem um interesse e um
comprometimento maior. Até porque parece que o perfil parece, é
uma pessoa que já perdeu um certo tempo, ele não teve a oportunidade
de obter o conhecimento quando ele era mais jovem e agora ele está
investindo nisso. Na maioria, é o próprio aluno que paga sua
mensalidade. Então, por isso, ele é mais comprometido, se empenha
mais, é mais proativo e que tem uma sede de conhecimento, uma
vontade de aprender maior que no bacharelado normal. Geralmente o
perfil que está lá (no bacharelado) é a pessoa que ainda não sabe se
realmente quer aquilo ou não, que está fazendo um curso de
administração para, de repente, ver em qual área vai trabalhar (vai
querer marketing, vai querer financeiro, vai querer comercial). Talvez
no meio do curso vai mudar para outro curso, vai pegar administração
com marketing, administração e comércio exterior, ou vai até mudar
de administração e vai fazer direito ou jornalismo. A gente convive
com muito disso no bacharelado. Geralmente é um público que está se
definindo ainda. Aqui não; é um profissional que já tem seus
objetivos, já sabe, estão mais definidos, ele está investindo nele, ele
sabe que depende dele receber algo mais factível. Ele investe e aposta
nesse conhecimento. No bacharelado normal, lógico que tem
exceções, mas a maioria ainda está lá “gastando” tempo para ver se
vai dar. Aqui eles não vêm com esse pensamento. Tanto que eles
exigem isso aí. Quase todas as aulas são consultoria do professor,
porque acaba a aula e eles acompanham, eles querem perguntar
“professor, eu tenho um problema assim, o que eu faço, o que eu não
faço?”. Eles têm um interesse, uma necessidade maior, porque eles já
atuam no mercado, conhecem essa necessidade mais fácil do que um
aluno que saiu do segundo grau e entrou no bacharelado normal. Ele
não tem essa noção. Por outro lado, nosso desafio é muito maior,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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porque a expectativa deles é maior (Professora Balbina – Entrevista).
(grifo dos autores)
As didáticas dos professores possibilitam que conciliação da teoria e da prática
se efetiva nas aulas. Esses pontos de participação efetiva dos alunos na dialogicidade
dos conteúdos trouxeram o lado prático da aprendizagem.
Um aspecto salientado na pesquisa foi analisar diferenças e aproximações da
organização curricular nos dois cursos. As reflexões realizadas a partir dos depoimentos
dos participantes trouxeram o entendimento da simetria da organização curricular nos
dois cursos.
Vale salientar que o diferencial entre os cursos foram destacados pelos
participantes nas instâncias da didática no processo educativo que favorece a
dialogicidade.
Embora existam perfis diferenciados para o Tecnólogo em Gestão Empresarial e
para o Administrador de Empresas, o Curso de Administração começou a inserir ênfases
voltadas para certas especializações, objetivando aumentar a demanda para o referido
curso, embora tais características, em síntese, possam contribuir para a
descaracterização do curso. Segundo depoimento de um professor do Curso pesquisado:
Nó... [...] o MEC está querendo acabar com essa especialização de
curso. Por exemplo: administração com ênfase em hotelaria. Ele já
colocou uma norma e quer que os cursos de administração sejam
somente de administração. Por quê? Ele acha que se focar muito, o
administrador perde o campo de trabalho, porque se ele fez em
hotelaria, ele só pode ir para a hotelaria, não adianta ele ir para uma
grande empresa, que trabalha, por exemplo, como a [empresa x]. Ele
não vai ter conhecimento sobre aquele tipo de administração. Essa é a
visão do MEC. No curso de tecnólogo, eu acho que o objetivo deles é
esse, nem é ser rápido, o objetivo de uns é acabar o mais rápido
possível de estudar. (...) O tecnólogo está ali porque ele precisa, então
a experiência conta muito. Eu acho que aí o tecnólogo tem que ganhar
em relação ao bacharelado e ele ganha. Pelo próprio perfil dos alunos
do curso de tecnólogo, ele consegue agregar muito mais da vida
profissional à experiência do dia-a-dia do que, por exemplo, o aluno
de um curso de administração de cinco anos. Tudo bem, ele recebe
uma gama de informação muito maior que o tecnólogo. Mas ele não
recebe a experiência que, que pelo menos a gente tenta aqui trazer e
passar para os alunos. São situações, perfis de alunos e objetivos
diferentes. Se for para comparar, eu acho que pode ser por esse viés,
por essa condição de experiência que já existe que vai ganhar
substância. E em outro caso, é pra quem está querendo entrar mesmo
no mercado. Ele começa do bê-a-bá, entende um pouquinho do que
acontece, para depois começar a ter experiência até voltar para a sala
de aula e começar a fazer o curso de tecnólogo. E esse pode ser um
caminho para as pessoas novas. Aí ele pode fazer, não o tecnólogo,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11303ISSN 2177-336X
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mas ele pode fazer uma pós-graduação. Ela tem mais ou menos o
perfil de um tecnólogo, no sentido de que ela está mais focada, só que
ela é mais teórica do que o curso de tecnólogo. Se relacionar
tecnólogo com administração / bacharelado, eu acho que são perfis
diferentes e é difícil de analisar. O tecnólogo consegue, com a
experiência, agregar informação. Na administração, ele vai ter
primeiro a informação para depois agregar a experiência (Professor
Rodolfo – Entrevista). (grifo dos autores)
Levando-se em consideração as entrevistas realizadas, considera-se que o Curso
de Gestão Empresarial deveria se constituir como centrado, basicamente, em um único
foco referente ao Curso de Administração de Empresas, que deveria ser trabalhado
criteriosamente e profundamente. Percebeu-se no questionário aplicado, que a maioria
dos alunos deseja ingressar numa Pós-Graduação. Assim, os alunos do Curso
investigado o procuraram por ser um curso mais rápido, compatível com suas
disponibilidades profissionais, que oportuniza àqueles que se evadiram da escola,
voltarem a estudar, podendo mesmo passar à frente de sujeitos que ingressaram em
Cursos mais longos, através do ingresso na Pós-Graduação, em um tempo mais curto.
Além disso, o adentramento ou manutenção no emprego/trabalho se dá, também, de
forma mais veloz.
Tal realidade é expressa por Jiménez (1995), quando estuda os currículos por
competência na educação profissional, expressando que as competências devem ser
identificadas no currículo através dos conhecimentos, habilidades e valores que se quer
através da formação. E talvez esse seja um fator relevante para se por em pauta a
diferenciação dos cursos de Gestão Empresarial e do de Administração de Empresas.
Considerações Finais
Observa-se que os Cursos de Formação de Tecnólogos em Gestão Empresarial
estão sintonizados com as demandas do mercado, atendem preferencialmente aqueles
que não pretendem cursar uma graduação plena, de longa duração, e que adentram em
Cursos mais curtos, que lhes conferem um diploma de nível superior, satisfazendo às
expectativas familiares e de inserção mais rápida no mercado.
Constatou que a instituição na qual se insere o referido curso possui um perfil
nitidamente empresarial, sendo considerada por seus gestores como “uma empresa
inovadora da educação no Brasil”. Essa “empresa-escola” tem conseguido êxito, pois
se encontra em plena expansão, sobretudo, no que se refere aos Cursos Superiores de
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Tecnologia. Os alunos consideraram que a matriz curricular do curso de Gestão
Empresarial é adequada ao formato do curso, embora alguns sujeitos tenham afirmado
que os conteúdos poderiam ser mais trabalhados se a carga horária fosse maior.
Alguns alunos, tanto nos questionários, quanto nas entrevistas, afirmaram que o
Curso de Gestão Empresarial pode ser considerado como um supletivo do Curso de
Administração de Empresas. Contudo, embora o Curso de Gestão Empresarial trabalhe
com uma matriz curricular muito semelhante à utilizada pelos Cursos de Administração
de Empresas e sua carga horária seja muito mais restrita, considera-se que o termo
supletivo seja depreciativo, e não deve ser usado, pois os dois cursos se destinam a
públicos e a nichos bastante diferenciados.
Compreende-se que em síntese, a diferenciação se dá, sobretudo, no prisma da
didática que possibilita um trabalho pautado na dialogicidade aproximando teoria e
prática. No campo das disciplinas de cunho humanístico, que não são ministradas no
Curso de Gestão Empresarial, fato que indubitavelmente prejudica a formação ético-
cidadã dos alunos. Acredita-se que há uma necessidade de se repensar a organização
curricular desses cursos, a fim de que tenham características pontuais e específicas que
os façam distintos dos cursos de Administração de Empresas não somente no período de
duração.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. CNE/CP. Parecer n. 29, de 03 de dezembro de 2012. Estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico,
Brasília: Diário Oficial da União, 13 dez 2002.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.
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SABERES DOCENTES NA RELAÇÃO UNIVERSIDADE/ESCOLA:
A FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO
Resumo
Os professores da Educação Básica constroem, em sua trajetória profissional,
conhecimentos que aliam a formação inicial, suas experiências docentes e a formação
continuada. Questionamos, porém, se a formação continuada em serviço cumpre o seu
papel de construir saberes que contribuam, objetivamente, para a valorização dos
professores e melhoria da prática escolar. No estudo, descrito neste artigo, apresentamos
informes do relatório final de pesquisa, que representa parte constitutiva de um amplo
projeto de investigação comparada, envolvendo universidades públicas na formação
continuada de professores da escola básica. O levantamento das informações, de cunho
teórico-legal, desenvolveu-se junto à Universidade Estadual de Maringá (UEM), com o
objetivo de analisar o que fundamenta a criação e implantação do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), no Estado do Paraná. Os dados foram coletados
em documentos que tratam da criação e implementação do programa e o modo como se
estrutura, enquanto uma formação continuada que se diferencia das tradicionais. O PDE
propicia o afastamento dos professores, diretores e coordenadores de suas atividades
cotidianas, e garante a volta à universidade, pelo período de dois anos. Visa, assim,
estimular a pesquisa científica com encaminhamento coletivo, teórico e prático, de
atividades ligadas ao plano pedagógico e de gestão das escolas estaduais. A formação se
realiza nas universidades públicas, com orientação dos docentes, plano de trabalho,
palestras e cursos, considerando as experiências trazidas do cotidiano escolar. Foi
possível constatar que este modelo, por meio da sua proposta estruturante, possui
limitações e restrições. Porém, ao mesmo tempo, inferimos possibilidades de avanços
significativos aos estudos continuados dos professores, sustentados sobre a prática do
ensino e da aprendizagem nas escolas públicas, e sedimentados pela construção de
conhecimentos científicos específicos.
Palavras-Chave: Formação Continuada; Saberes Docentes; Universidade/Escola.
Introdução
Nos últimos trinta anos, conhecimentos teóricos e práticos acerca da formação
continuada foram influenciados pelos movimentos reformistas e seus desdobramentos
político, econômico e social. Imbernón (2010) pondera que conhecer esse contexto
histórico “[...] implica analisar os acertos e os erros e ter consciência de tudo o que nos
resta conhecer e avançar” (p. 10). Os programas inovadores, em especial, merecem
atenção redobrada dos estudiosos da formação continuada, já que os estudos da área
apontam para um quadro de lacunas e equívocos nas principais propostas anteriormente
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objetivadas junto aos professores, o que é corroborado por Nóvoa (2007, p. 4): “[...]
raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer”.
Este autor acentua, ainda, que “[...] estamos diante de uma espécie de consenso
discursivo” (NÓVOA, 2007, p. 4) por conta dos princípios e objetivos que subsidiam as
ações e discussões pertinentes à formação docente, tanto entre educadores e
pesquisadores dos países da União Europeia quanto em outros países. “[...] É recorrente
a utilização dos mesmos conceitos e linguagens, das mesmas maneiras de falar e pensar
os problemas da profissão docente”, o que não é de todo ruim, já que significa a
compreensão de que há uma necessidade social premente no seio da formação de
professores, e os acordos são bem vindos, desde que movidos por um discurso coerente
e que seja colocado em ação.
Outro fator abordado por Nóvoa, com o qual concordamos, diz respeito à
organização da escola que parece desencorajar um conhecimento profissional, teórico e
conceitual, partilhado com e entre os professores. Peca-se pela falta de investimento em
experiências significativas, que marquem o percurso de formação pessoal e coletivo,
conduzindo a uma “transformação de perspectiva” (MEZIROW, 1990). A formação
continuada deve considerar o desenvolvimento individual, mas nunca desconsiderar que
as dimensões coletivas é que conduzem à emancipação profissional. Experiências
significativas estão intimamente relacionadas com a diversificação de modelos e
práticas de formação, de modo a garantir inovação na construção do saber pedagógico e
científico – dimensões indissociáveis das práticas educativas.
Os professores da Educação Básica constroem, em sua trajetória profissional,
conhecimentos que aliam a formação inicial, suas experiências docentes e a formação
continuada. Com a criação e desenvolvimento de programas que legitimem e instituam
essa modalidade de formação, como um valor indispensável a ser agregado à vida
profissional dos professores, uma questão se apresenta: Como, onde e quando a
formação continuada em serviço cumpre o seu papel de construir conhecimentos que
contribuam, objetivamente, para a melhoria da prática docente; para o convívio pessoal
e a realização profissional? Para Silva (2002), a formação continuada propiciaria a
correção de distorções teóricas e práticas, já que estimula o aprofundamento dos
fundamentos teóricos e o encaminhamento coletivo das atividades de capacitação em
serviço, com vistas ao êxito no ensino e na aprendizagem.
Existe, para além da formação no âmbito da escola, a formação continuada que
se realiza no espaço acadêmico, distante do cotidiano escolar e do grupo didático-
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administrativo que o compõe. Neste sentido, foi criado no Estado do Paraná o Programa
de Desenvolvimento Educacional (PDE), uma política de formação continuada de
professores que possui características inovadoras em relação aos modelos tradicionais
de capacitação em serviço. O PDE é realizado dentro das universidades públicas, e
exige o afastamento dos professores da escola básica das suas funções docentes e
administrativas, com o intuito de desenvolver pesquisa científica atrelada à sua prática
docente.
Neste texto apresentamos os primeiros resultados de um estudo que e parte de
uma pesquisa comparativa de formação continuada em serviço, envolvendo duas
universidades públicas, de duas realidades diferentes, no Paraná e no Ceará. Nossos
primeiros levantamentos ocorreram na Universidade Estadual de Maringá – UEM/PR,
no qual se instala o PDE desde o seu início, em 2007. O PDE será tratado aqui como
PDE/PR, e sua proposta de formação continuada servirá de referência para a próxima
etapa de estudos sobre formação de professores.
Na primeira parte deste artigo traçamos um perfil do Programa, com seu aparato
legal e base textual. No segundo tópico mostramos a metodologia de trabalho da
formação continuada e no último e terceiro item delineamos as primeiras conclusões
deste estudo.
O PDE/PR e a Formação Continuada de Professores
O PDE/PR foi implantado pela Lei Estadual nº 103/2004, atrelado ao Plano de
Carreira dos Professores do Magistério Público do Estado do Paraná e instituído pelo
Decreto nº 4482/05 como pré-requisito para a promoção na carreira do quadro docente.
(PARANÁ, 2005). Tem como objetivo o aperfeiçoamento permanente e a qualificação
sistemática do professor da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná. Sua meta é
qualitativa em relação à melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas
públicas estaduais. Ele está estruturado para oferecer ao professor da Rede Estadual
uma qualificação profissional diferenciada, que complemente sua formação inicial,
considerando, para isso, sua titulação acadêmica e a produção didático-pedagógica e
científica, além da valorização da sua experiência profissional:
§ 3º. A qualificação profissional do professor no PDE dar-se-á
por meio de estudos orientados, nas modalidades presencial e à
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distância, em programas de pós-graduação de instituições de
ensino superior e que considere a experiência profissional do
professor, bem como pela aplicação do conhecimento relativo à
educação básica e profissional (Decreto nº 4482/05, Capítulo I,
art. 1°).
Tanto no que se refere à qualificação profissional quanto ao Plano de Carreira do
Magistério e à formação continuada, o PDE/PR cumpre o artigo 67, da LDB 9394/96,
que prevê a valorização dos profissionais da educação, de forma integral:
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos
profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos
termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério
público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado,
inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse
fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional
baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do
desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e
avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições
adequadas de trabalho (BRASI/MEC, 1996).
No PDE/PR foram, portanto, delineados objetivos que estabelecem o horizonte
para a formação continuada de professores, segundo as diretrizes estabelecidas pela
LDB 9394/96 e atende aos determinantes políticos do Governo Requião (2003-2010),
para a formação e no avanço na carreira dos professores. É preciso lembrar que, em se
tratando do mecanismo de implementação das políticas educacionais, consta do artigo
69, da LDB, que o Estado, no caso dos sistemas estaduais de educação, deve aplicar,
anualmente, pelo menos 25% da receita resultante de impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino público, em todos os níveis. No cômputo geral da receita
entram as transferências federais feitas via FUNDEB (BRASIL, 1996).
Todavia, o Estado do Paraná, governado por Requião, ampliou para 30% os
recursos destinados à educação pública. Desta forma, as obrigações para com a Lei
federal foram atendidas, o Estado garantiu verba para manter a educação pública, em
todos os seus níveis, e mais a formação continuada através do PDE/PR.
Dentre vários elementos que podem ser considerados inovadores a parceria com
as Instituições Públicas de Ensino Superior do Paraná (IPES) que decorre, segundo a
Secretaria de Estado da Educação (SEED), da viabilização de uma percepção do que
pode vir a ser uma prática pedagógica crítica:
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[...] a percepção de que a essência do Programa encontra
ressonância na reflexão pedagógica crítica nela produzida.
Dessa forma, acreditamos que estamos construindo um
Programa que ultrapassa os limites da ação proposta, pois
viabiliza uma real integração entre a formação inicial e a
formação continuada dos egressos de graduação, que poderá
resultar em outras parcerias ainda mais promissoras (PARANÁ,
2007).
Esse novo modelo de formação continuada visa proporcionar ao professor-PDE
o retorno às atividades acadêmicas de sua área de formação inicial, que serão realizadas,
de forma presencial nas IPES e, de forma semipresencial, em Rede, propiciando
permanente contato do professor-PDE com os demais professores da rede pública
estadual de ensino, apoiados com os suportes tecnológicos necessários ao
desenvolvimento da atividade colaborativa. Este programa demonstrou o seu caráter
interinstitucional, por envolver a SEED, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior (SETI), as sete Instituições Estaduais de Ensino Superior (UEL, UEM,
UNICENTRO, UNIOESTE e UEPG) e as duas instituições federais (UFPR e UTFPR),
no momento da sua implantação e na execução da proposta.
Hoje, passados nove anos, já são treze universidades, faculdades e institutos
envolvidos com o PDE/PR. O Programa atendeu, no ano da sua implantação, 2007, a
1.200 professores da rede estadual de ensino de forma direta e a 44.400 professores de
forma indireta, por meio dos Grupos de Trabalho em Rede. Os professores atendidos
devem pertencer ao Quadro Próprio do Magistério – QPM, e estar no Nível II, Classe 11
do Plano de Carreira do Magistério, em “[...] pleno exercício de suas atividades, visando
à sua promoção ao Nível III, conforme dispõe o Plano de Carreira dos Professores da
Rede Pública de Ensino do Paraná (Lei Complementar n. 103, de 15 de março de
2004)” (PARANÁ, 2007).
Buscando apresentar a estrutura mais relevante de propostas do PDE/PR,
obtivemos dados que versam sobre oferta de vagas e seleção, áreas de estudos e
desenvolvimento da metodologia de trabalho, como segue.
Estruturação do PDE/|PR – aparato teórico-metodológico
O final do segundo semestre de 2006 marca o início da instalação do PDE/PR
junto à comunidade educacional do Paraná. Acontecem as inscrições e o processo de
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seleção para candidatos aptos às vagas disponibilizadas, para início em 2007. Para este
primeiro ano foram aprovados 1.000 professores-educadores da rede estadual, entre
docentes de diferentes áreas do conhecimento; diretores de escola e pedagogos; e
professores lotados nos Núcleos Regionais de Educação (NRE). O primeiro processo
de seleção ao PDE/PR ocorreu em 2006, com o objetivo de suprir 1.200 vagas
distribuídas em dezessete áreas curriculares, que abrangem as disciplinas escolares
(Português, História etc.) e as áreas (Pedagogia, Gestão e Educação Especial). O
Programa destina-se a atender 44.400 professores da rede estadual de ensino de forma
indireta, por meio dos Grupos de Trabalho em Rede, e, diretamente, a um número de
1.200, anualmente, de professores pertencentes ao Quadro Próprio do Magistério
(QPM), que se inscreverem e forem selecionados para participar do Programa.
As atividades do PDE/PR iniciaram-se em 12 de março de 2007, com uma Aula
Inaugural dedicada aos 1200 professores selecionados para o Programa e aos docentes
orientadores das IPES. Teve como palestrante convidado o Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto
da UFRJ, que abordou o tema “A formação continuada de professores como política
pública: um desafio institucional”. Após a aula inaugural, que aconteceu no Teatro
Guaira, em Curitiba, a primeira turma de professores PDE e as primeiras reuniões entre
os representantes da SEED, os professores PDE e os docentes das IES aconteceram nos
municípios onde o Programa seria oferecido.
Nesses encontros eram discutidas a proposta pedagógica e os encaminhamentos
metodológicos para organização dos eventos e atividades de capacitação. Foi distribuído
pelo Governo do Paraná, através da SEED, por meio da Superintendência da Educação
e da Coordenação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, um material
para divulgação da proposta, sob o título de: “Uma Nova Política de Formação
Continuada e Valorização dos Professores da Educação Básica da Rede Pública
Estadual - Documento-Síntese”.
No texto introdutório estão explícitos os seguintes pressupostos para o PDE/PR:
a) reconhecimento dos professores como produtores de conhecimento sobre o processo
ensino-aprendizagem; b) organização de um programa de formação continuada atento às
reais necessidades de enfrentamento de problemas ainda presentes na Educação Básica;
c) superação do modelo de formação continuada concebido de forma homogênea e
descontínua; d) organização de um programa de formação continuada integrado com as
instituições de ensino superior; e) criação de condições efetivas, no interior da escola,
para o debate e promoção de espaços para a construção coletiva do saber.
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Ainda de acordo com este Documento, o novo modelo de formação continuada
proporciona ao professor seu retorno às atividades acadêmicas de sua área de formação
inicial. A capacitação é presencial, no espaço físico das Universidades Públicas do
Estado do Paraná, com diferentes recursos metodológicos e didáticos. Acontecem
contatos, também, semipresenciais através do encontro virtual permanente dos
professores em curso com os demais professores da rede pública estadual de ensino, que
permaneceram nas escolas. Para tanto, foi criado um aparato tecnológico e humano que
fornece o suporte necessário ao desenvolvimento das atividades à distância,
denominadas de “Atividade Colaborativa” (PARANÁ, 2007). Existe uma relação entre
o suporte tecnológico e a atividade colaborativa, que é entendida como uma inter-
relação que possibilita uma “Formação Continuada em Rede” (IDEM).
No âmbito desse Programa, compreende-se como Rede o movimento
permanente e sistemático de aperfeiçoamento dos professores da rede de ensino
estadual. Seu objetivo é instituir uma dinâmica constante de reflexão, discussão e
construção do conhecimento. Nesse processo, o professor é um “sujeito que aprende e
ensina na relação com o mundo e na relação com outros homens, portanto, num
processo de Formação Continuada construída socialmente” (PARANÁ, 2007).
Objetiva-se que essa inter-relação provoque efeitos tanto na Educação Básica como no
Ensino Superior, tais como: redimensionamento das práticas educativas, reflexão sobre
os currículos das Licenciaturas e sua avaliação, e demais discussões pertinentes.
O Programa está estruturado para oferecer ao professor QPM qualificação
profissional diferenciada dos tradicionais cursos de especialização ou de capacitação em
serviço, e que complemente sua formação inicial. Por meio de estudos orientados pelos
professores das Universidades Públicas do Paraná, é trabalhada a produção de pesquisa
sobre um problema detectado pelo Professor PDE a partir de sua prática pedagógica ou
de gestão. A questão, oriunda da vida prática, irá gerar estudos que possibilitem a
elaboração de material didático a ser partilhado em Rede, com os demais professores
que atuam na rede pública, para ser utilizado nas escolas do Estado, como proposta de
intervenção no cotidiano escolar, para melhoria da qualidade nos processos de ensino e
aprendizagem.
A Equipe Pedagógica PDE/SEED divulga aos professores/orientadores das IES,
os objetivos e uma orientação acerca das atividades a serem desenvolvidas, assim como
o modo de executá-las junto à SEED.
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O Documento Síntese é distribuído via correio eletrônico. Na sua introdução
corrobora a “[...[ instauração de uma nova política de Formação Continuada, a qual
integra a política de valorização dos professores que atuam na Rede Pública Estadual de
Ensino do Estado do Paraná que, por sua vez, incorpora os princípios político-
pedagógicos da SEED” (PARANÁ, SEED, 2010).
A política está embasada, portanto, em princípios que objetivam:
reconhecimento dos Professores como produtores de saberes sobre o ensino e
aprendizagem; organização de um programa de formação continuada atento às reais
necessidades de enfrentamento dos problemas ainda presentes na Educação Básica
paranaense; superação do modelo de formação continuada de professores concebido de
forma homogênea, fragmentada e descontínua; organização de um programa de
formação continuada integrado com as Instituições de Ensino Superior do Estado do
Paraná; criação de condições efetivas, no interior da escola, para o debate e promoção
de espaços para a construção coletiva do saber; consolidação de espaços para
discussões teórico-práticas, utilizando-se de suportes tecnológicos que permitam a
interação entre os Professores participantes do Programa PDE e os demais Professores
da rede.
Reafirma, também, que:
[...] a proposta de formação continuada visa ofertar ao Professor
PDE, através do retorno às atividades acadêmicas de sua área de
formação inicial, condições de atualização e aprofundamento de
seus conhecimentos teórico-práticos, permitindo a reflexão
teórica sobre a prática, possibilitando mudanças na prática
escolar (PARANÁ, 2007)
A concepção epistemológica que embasa o Programa está assim descrita:
[...] norteia-se pelo princípio ontológico do trabalho e, portanto,
tem como preocupação básica a análise da realidade dessa
categoria na sociedade capitalista e nas escolas. Essa concepção
de conhecimento respalda-se em alguns elementos considerados
fundamentais no processo de formação continuada de
professores (...) o conhecimento produzido historicamente pelos
homens, é elemento capaz de informar, expor ou explicitar as
ações humanas como resultado/produto das relações sociais de
produção. Dessa forma, (...) a história dos homens é uma
história de sua existência; é a história do conhecimento e de
como os homens se apropriaram socialmente dos recursos da
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natureza, para a sua sobrevivência, sempre pelo trabalho. Isso
faz dessa categoria mediação ontológica e histórica na produção
do conhecimento (LUKÁCS, 1978).
Ao posicionamento de Lukács (1978) incorporam-se pensamentos de outros
teóricos clássicos e contemporâneos, como Marx (1998, 2004); Saviani (1986); Covre
(1986), Nagel (2003). Deste modo, funda-se uma proposta „ideológica‟ que, no âmbito
do discurso, propõe assento aos encaminhamentos do PDE/PR. A estrutura operacional
do PDE/PR está representada, para fins didáticos, no Plano Integrado de Formação
Continuada, do qual extraímos as seguintes orientações: o Plano contém três grandes
eixos de atividades, quais sejam: *Atividades de Integração Teórico-Prática;
*Atividades de Aprofundamento Teórico; *Atividades Didático-Pedagógicas com
utilização de Suporte Tecnológico.
Estas atividades são realizadas no decorrer do Programa que abrange quatro
períodos, distribuídos em dois anos. Cabe observar que essa organização não pode ser
considerada de forma estanque, uma vez que as atividades que compõem os eixos se
integram e articulam de forma orgânica, de tal modo que as categorias que identificam
cada um dos eixos encontram-se presentes em todas as atividades do Programa.
Para garantir o desenvolvimento do PDE/PR, o Governo do Paraná, através da
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná (SEED) e da Secretaria de Estado da Administração e Previdência
do Paraná (SEAP) firmou um pacto educativo com as Instituições Públicas de Ensino
Superior (IPES), representadas por cinco universidades públicas: Universidade Estadual
de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá (UEM); Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE); Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG);
Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO), além da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal Tecnológica do
Paraná (UFTP). Desse modo, os elementos estruturantes à implantação e execução do
PDE/PR foram sacramentados.
Considerações Finais
Segundo o Documento-Síntese (SEED, 2007), a partir de 2003 o modelo de
desenvolvimento econômico hegemônico das últimas duas décadas altera radicalmente
as demandas dos processos de formação humana e, conforme Kuenzer (1999, p.78),
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diante da complexidade da ação docente, o educador precisa conhecer profundamente a
sociedade de seu tempo, as relações entre educação, economia e sociedade, os
conteúdos específicos, as formas de ensinar, em função do aluno.
Concluímos ser necessário ponderar sobre propostas que contemplem os
aspectos científicos e pedagógicos da profissão docente, contextualizando-as à realidade
sócio-histórica e cultural, primando pelo desenvolvimento da autonomia intelectual e da
prática docente, assim como de sua consciência crítica e reflexiva a respeito de suas
práticas pedagógicas e questões educacionais. O PDE/PR, com base nos elementos
curriculares que o sustentam, vale-se dessa perspectiva de formação docente, tanto no
que justifica a demanda de conhecimentos teóricos e práticos dos professores, quanto na
apropriação de teorias durante as atividades proporcionadas pelo Programa.
A não dissociação entre teoria e prática pode favorecer a construção e o
desenvolvimento da profissão docente. A formação continuada está vinculada aos
saberes da experiência profissional, mas também ao saber teórico. Os conteúdos da
formação teórica articulam-se à prática docente e nela são avaliados, explorados e
resignificados, assim como o trabalho cotidiano do professor, ao tornar-se objeto de
estudo a partir da reflexão sobre os processos de construção da prática, produzindo
novas teorias.
Todavia, consideramos que a implementação de um novo modelo de Formação
Continuada exige um período de transição, pois implica mudanças na cultura das
instituições e no modo de pensar e estruturar a formação, o que não ocorre por meio de
decreto ou de mecanismos puramente burocráticos. Podemos inferir que o professor
PDE/PR é entendido como um produtor de conhecimento sobre o processo ensino-
aprendizagem, ponto que corrobora a proposta de formação continuada já apresentada
anteriormente.
A formação continuada, portanto, pode ser vista como caminho para mobilizar o
pensamento do professor, auxiliar seu pensar e seu agir. Constitui-se, então, num meio
de tornar o professor autônomo, protagonista de sua vida profissional, capaz de
compreender o contexto educacional no qual está inserido, promovendo mudanças
profissionais e educacionais. Valemo-nos de Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 200-
201), para afirmar que “[...] a formação do professor deve acontecer num clima de
pesquisa, de reflexão, de crítica, com estratégias de aprendizagem e de construção da
profissão”.
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Podemos conjecturar que os professores, distanciando-se de uma linguagem do
senso comum, podem ser profissionais mais respeitados, que desenvolverão práticas
escolares mais criativas e produtoras de melhor conhecimento na relação didático-
pedagógica das escolas de Educação Básica.
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DIREITO AO ESTÁGIO E ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA A SUA
EFETIVAÇÃO
Resumo
Esta pesquisa analisa as questões relativas ao direito de vivenciar o estágio, em que os
participantes foram os estudantes de uma turma do curso de Pedagogia, numa
instituição pública mineira, frente à sua obrigatoriedade e as estratégias didáticas de
realização. O estudo teve como objetivo compreender as tessituras das escolhas
didáticas, para repensar a obrigatoriedade do estágio e de possibilitar levantar questões
que facilitam ou dificultam a realização do estágio obrigatório. A pesquisa teve a
abordagem qualitativa e os instrumentos de análise foram os diários de campo dos
estudantes e também as manifestações de falas dos mesmos nos momentos de debates.
Vale salientar que, os aspectos previamente selecionados para a orientação do estágio
foram: a estrutura física da escola; a organização escolar; a dimensão curricular; as
relações estabelecidas entre os diversos segmentos da escola; a rotina e processos
instituintes. Entretanto, o que os estudantes trouxeram de forma intensa para o estudo,
nos depoimentos escritos e falados, foram três aspectos relacionados aos preconceitos:
raciais, de gênero e da desvalorização da docência. Diante desse panorama, as
orientações didáticas tiveram mudanças no percurso da avaliação do estágio. Foi
constatado nessa pesquisa que os preconceitos permeados na escola estavam silenciados
na formação acadêmica. Desta forma, ao dar voz aos estudantes oportunizou discorrer e
refletir sobre o cotidiano das escolas. Assim as considerações desse estudo refletiram
sobre a importância de vivenciar o estágio e de trabalhar as questões trazidas pelos
estudantes.
Palavras – chave: Direito do estágio. Preconceitos. Didática
Introdução
Esta pesquisa analisa as questões relativas ao direito de vivenciar o estágio, em
que os participantes foram os estudantes de uma turma do curso de Pedagogia, numa
instituição pública mineira, frente à sua obrigatoriedade e as estratégias didáticas de
realização. O estudo possibilitou constatar as escolhas didáticas, para esta turma do
turno noturno, foram embasadas no plano de curso e tiveram adequações necessárias
para dar voz aos estudantes e tecer conhecimentos diante das realidades vivenciadas.
Com o intuito de apresentar o estudo este texto foi dividido em três partes. A
primeira reflete sobre a dimensão da obrigatoriedade do estágio numa formação do
Curso de Pedagogia; a segunda apresenta a escolha metodológica da pesquisa realizada
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e as análises dos dados coletados; por fim, na terceira foram tecidas considerações sobre
o estudo realizado.
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ESTÁGIO
A formação de professores num curso de Pedagogia tem suas características
pautadas nas relações humanas. O ensinar e o aprender constituem o aspecto basilar da
formação de professores, que ultrapassa a dimensão apenas teórica. Compreendendo
que a docência se efetiva nas inter-relações, na incerteza, no imprevisto e assim o
processo de ensino e aprendizagem se estabelece numa construção contínua. (TARDIF,
2005; PASCHOALINO, 2009). Com esse entendimento, o curso de Pedagogia, que tem
como finalidade a formação de professores deve proporcionar:
[...] a construção individual e coletiva do conhecimento, a partir
de uma base teórico-prática consistente para a formação do
educador, voltada para a compreensão ampla e fundamentada do
fenômeno educacional. O curso propicia a reflexão sobre
problemas socioculturais e educacionais; valoriza a produção do
conhecimento e as diferentes linguagens presentes na sociedade
contemporânea. Tudo isso na perspectiva de estabelecer a inter-
relação entre a educação, as outras ciências e a realidade social.
O curso visa à formação de um profissional que saiba lidar de
forma dinâmica e dialética com a prática educativa em suas
várias modalidades, sendo a docência a base de sua formação, e
tendo o trabalho pedagógico como base de sua identidade
profissional. (PORTAL FAE, s/d).
As determinações expressas na finalidade do curso de Pedagogia deixa evidente
a complexidade dos saberes necessários para a docência. Com esta lógica, a
compreensão de que dimensões dos saberes que permeiam da docência são plurais e,
portanto a formação deve procurar atender todas as demandas da realidade. Desta
forma,
[...] o saber dos professores deve ser compreendido em íntima
relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula. Noutras
palavras, embora os professores utilizem os diferentes saberes,
essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações,
condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma,
o saber está na interligado ao trabalho. Isto significa que as
relações dos professores com os saberes são relações
estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que
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lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações
cotidianas. (TARDIF, 2005, p. 17).
O autor supracitado, ao refletir sobre a relação do trabalho nos saberes do
professor, salienta o quanto o trabalho em si impõe em contribuições de novos saberes
no cotidiano do professor. Estes saberes passam a integrar a relação de trabalho numa
dimensão intrínseca. Tardif (2005) salienta a importância dos diversos saberes na
formação profissional e explícita quatro dimensões de saberes, que se entrelaçam no
exercício da profissão.
O primeiro grupo, denominado de saberes da formação profissional, que inclui o
arcabouço dos saberes das ciências da educação e da ideologia pedagógica. Esses
saberes são adquiridos na formação dos professores. O segundo se refere aos saberes
disciplinares que estão presentes nos diversos campos de conhecimento, por exemplo,
matemática, ciências, geografia, etc.; e também são trabalhados nas instituições
acadêmicas. Já no terceiro, os saberes curriculares, estão presentes na formação dos
professores e constitui “[...] os programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que
os professores devem aprender a aplicar.” (TARDIF, 2005, p. 38). Esses saberes estão
presentes nos programas educacionais, na cultura filosófica escolhida pela instituição e
se expressa de forma previamente organizada. Diante desses arsenais de saberes, o
professor terá que adequar seu discurso e suas ações e assim possibilitar a constituição
de novos saberes. Neste sentido, outro importante saber vai se constituindo na formação
docente, são os saberes experienciais. “Eles incorporam-se à experiência individual e
coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser.”
(TARDIF, 2005, p.39).
Os movimentos que envolvem esses quatro saberes irão paulatinamente se
misturando e configurando o saber de cada professor, ao mesmo tempo em que este
também influência nos demais colegas constantes e sutis mudanças de saberes.
Os mestres não possuem mais saberes-mestres (filosofia, ciência
positiva, doutrina religiosa, sistema de normas e de princípios,
etc. ) cuja posse venha garantir sua mestria: saber alguma coisa
não é mais suficiente, é preciso também saber ensinar. O saber
transmitido não possui, em si mesmo, nenhum valor formador;
somente a atividade de transmissão lhe confere esse valor. Em
outras palavras, os mestres assistem a uma mudança na natureza
da usa maestria: ela se desloca dos saberes para os
procedimentos de transmissão dos saberes. (TARDIF, 2005, p.
43-44).
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Nesta lógica, novos saberes tomam a dianteira na constituição do saber docente e
há uma valorização pela construção permanente de saberes na ação da prática. Assim,
na dimensão dos saberes da experiência, se estabelecem em todos àqueles que são
vivenciados na prática docente. [...] o professor ideal é alguém que deve conhecer sua
matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos
às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua
experiência cotidiana com os alunos. (TARDIF, 2005, p.39).
O saber da prática ganha um grande aliado nos momentos de estágio na
formação dos professores. Muitas vezes os estudantes chegam a relatar as mudanças de
olhares e de foco quando estão na condição de docente.
Os documentos legais ressaltam a importância e obrigatoriedade da participação
nos estágios:
A formação dos(das) profissionais do magistério da educação
deve ser entendida na perspectiva social e alçada ao nível da
política pública, tratada como direito, superando o estágio das
iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio, por meio
da articulação entre formação inicial e continuada, tendo por
eixo estruturante uma base comum nacional e garantia de
institucionalização de um projeto institucional de formação.
(MEC, 2015, p.8).
A formação dos professores, no âmbito do direito disponibiliza orientações
legais importantes para que o estágio seja vivenciado na prática pedagógica. Assim, a
obrigatoriedade do estágio promulgada na última Lei de Diretrizes e Base da Educação
– LDB (1996). No artigo 84 da referida lei, o estágio aparece na prerrogativa de ser
determinado pelas normas dos sistemas de ensino para sua efetivação.
As orientações legais ao longo do tempo foram se conjecturando e publicações
normativas passaram a constituírem em direcionamentos para as instituições de ensino.
Os cursos de formação inicial de professores para a educação
básica em nível superior, em cursos de licenciatura, organizados
em áreas especializadas, por componente curricular ou por
campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a
complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os
englobam, bem como a formação para o exercício integrado e
indissociável da docência na educação básica, incluindo o
ensino e a gestão dos processos educativos escolares e não
escolares, a produção e difusão do conhecimento científico,
tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia
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de base comum nacional das orientações curriculares,
constituindo-se de, no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas
de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no
mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, compreendendo:
a) 400 (quatrocentas) horas de prática como componente
curricular, distribuídas ao longo do processo formativo;
b) 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio
supervisionado, na área de formação e atuação na educação
básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o
caso, conforme o projeto de curso da instituição;
c) pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às
atividades formativas estruturadas pelos núcleos I e II, conforme
o projeto de curso da instituição;
d) 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de
aprofundamento em áreas específicas de interesse dos
estudantes, como definido no núcleo III, por meio da iniciação
científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria,
entre outras, conforme o projeto de curso da instituição.
(BRASIL [MEC], 2015, p. 30).
As perspectivas legais dispõem de todo um arsenal que legaliza e ampara as
perspectivas do estágio, inclusive com o acompanhamento e as cobranças dos sistemas
educacionais, para com as instituições que realizam os estágios. Em contrapartida,
diante das especificidades de cada instituição, de cada turma, muitas vezes se constatam
as dificuldades no cumprimento legal. Assim, num movimento contínuo, muito mais
lento, também as determinações legais são alteradas para atender as necessidades do
campo educacional.
[…] Por outro lado, é preciso considerar um outro componente
curricular obrigatório integrado à proposta pedagógica: estágio
curricular supervisionado de ensino entendido como o tempo de
aprendizagem que, através de um período de permanência, alguém se
demora em algum lugar ou ofício para aprender a prática do mesmo e
depois poder exercer uma profissão ou ofício. Assim o estágio
curricular supervisionado supõe uma relação pedagógica entre alguém
que já é um profissional reconhecido em um ambiente institucional de
trabalho e um aluno estagiário. Por isso é que este momento se chama
estágio curricular supervisionado.
Este é um momento de formação profissional do formando seja
pelo exercício direto in loco, seja pela presença participativa em
ambientes próprios de atividades daquela área profissional, sob a
responsabilidade de um profissional já habilitado. Ele não é uma
atividade facultativa sendo uma das condições para a obtenção
da respectiva licença. (BRASIL [MEC], 2015, p.31).
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Com essa compreensão o estágio para o curso de Pedagogia é essencial para a
formação profissional. A pesquisa realizada vai tecer as singularidades que se
apresentam no âmbito dos estágios.
CAMPO DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS
A pesquisa realizada teve como participantes os alunos de uma turma do quinto
período de curso de Pedagogia, numa universidade pública, no turno da noite. O estudo
teve como objetivo compreender as tessituras das possibilitou escolhas didáticas, para
repensar as condições da realização do estágio obrigatório e de possibilitar levantar
questões que facilitam ou dificultam a realização do mesmo. A escolha da pesquisa de
abordagem qualitativa foi realizada pela possibilidade de compreender as singularidades
do campo em estudo. (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Os instrumentos de análise
utilizados foram os planejamentos da professora orientadora de estágio, os diários de
campo dos estudantes e também as manifestações de falas dos mesmos nos momentos
de debates.
Vale salientar que mais de 50% das estudantes pesquisados já atuavam na
Educação Infantil. Diante de um público significativo, que já exercia a profissão as
questões propostas pela professora procurou possibilitar a reflexão do estágio com suas
facilidades e ou dificuldades na efetivação do mesmo. Assim, a proposta didática esteve
atenta à singularidade da turma e a necessidade de ampliar o olhar num campo
conhecido.
[...] a didática, enquanto área da pedagogia dedicada ao ensino,
tem se debruçado sobre a necessidade de qualificar os processos
de ensino e aprendizagem concretizados nas escolas, buscando
formas de compreensão e de reorganização desses espaços para
que se promova o acesso e o efetivo domínio dos instrumentos
socialmente priorizados. (MARIGO, MELLO, 2015, p. 2).
As escolhas didáticas interferem nos processos de ensino-aprendizagem. Em
relação à referida turma que preparava para o estágio e participante da pesquisa, o
trabalho didático foi dividido em duas etapas: uma de preparação para o estágio e outra
de análises das questões relativas ao direito de vivenciá-lo. Assim, uma etapa ocorreu
antes do estágio e a outra após a sua realização em campo. No primeiro momento, a
turma foi dividida em grupos e após uma sensibilização realizada por meio de um
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pequeno vídeo com o texto de Rubens Alves sobre a importância do olhar, os estudantes
levantaram questões, que seriam objetos de suas observações durante o estágio.
Com esse entendimento, a didática escolhida pautou pela dialogicidade. A
perspectiva trabalhada teve o intuito de quebrar um olhar conhecido pela dimensão das
entrelinhas que ocorrem nas relações no âmbito da escola. Com essa lógica a didática
dialógica foi escolhida pela possibilidade suscitar a participação dos alunos, como
também ao estabelecer novos conhecimentos.
[...] o conceito de aprendizagem dialógica como possível
resposta aos desafios de democratizar o acesso ao
conhecimento escolar, nas escolas brasileiras contemporâneas.
Esse conceito vem sendo adotado, em diferentes países do
mundo, inclusive no Brasil, por escolas que decidem se
transformar em comunidades de aprendizagem. Ao passarem
por esse processo de transformação, tais escolas vêm
demonstrando que desafios, como a diversidade cultural, podem
revelar possibilidades de atuação que conduzam a uma educação
de máxima qualidade para todas as pessoas. (MARIGO,
MELLO, 2015, p. 2).
Os aspectos previamente selecionados para a orientação do estágio, a partir
dessa dinâmica foram: a estrutura física da escola; a organização escolar; a dimensão
curricular; as relações estabelecidas entre os diversos segmentos da escola; a rotina e
processos instituintes.
Após a realização do estágio sob a orientação da professora, os estudantes
novamente formaram grupos para refletirem sobre o olhar frente ao estágio vivenciado e
elaborarem análises, como o propósito de evidenciar as facilidades e as dificuldades, no
cumprimento do estágio obrigatório. A atividade requereu a escrita de relatório pelos
grupos e apresentação do mesmo para debate.
As facilidades foram evidenciadas pela organização da universidade de respaldar
as orientações legais e de acompanhar o processo. Em relação às dificuldades
vivenciadas pelos estudantes no período do estágio três aspectos que se evidenciaram
foram relativos aos preconceitos: raciais gênero e desvalorização da docência.
Os estudantes relataram que estes preconceitos estavam escamoteados na
perspectiva do preconceito e se apresentavam com aspecto de normalidade. As análises
realizadas foram elucidando cada preconceito e como ele transparecia nas relações. Em
relação ao preconceito racial, vários estudantes disseram da dificuldade de encontrar
vagas para o estágio. Esse episódio de procura, entrevista e não permissões para o
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estágio foram relatadas por mais dez estudantes, portanto 30% do total da turma. Os
estudantes analisaram que todos que tiveram dificuldades de conseguir a vaga do
estágio são negros. Porém, o fato mais evidente foi relatado por uma estudante, que
disse que após procurar a vaga para a oportunidade de estágio e não conseguir uma
resposta afirmativa, a sua mãe adotiva, que é branca foi à escola na qual ela já tinha tido
a resposta negativa e solicitou a vaga de estágio para a sua filha. Imediatamente, essa
mãe teve a confirmação da vaga para o estágio. Qual foi a surpresa de sua filha quando
teve a notícia.
Entretanto, as surpresas vivenciadas por essa estudante não ficaram restritas a
esse momento. No dia seguinte, quando a estudante foi procurar a escola com o aceite
conseguido pela sua mãe relatou o espanto da direção ao dizer. “[...] você que é a filha
da senhora [...]” (Fragmento das falas, 2015). O espanto, as frases inacabadas, mas
principalmente as atitudes pouco acolhedoras foram evidenciadas por todo estágio. Essa
postura foi debatida como inconcebível e como a escola precisa de uma reflexão no seu
interior sobre esta questão tão séria. O Brasil se proclama um país em que não existem
discriminações raciais, inclusive a conquista de direitos garantida por meio de toda uma
legislação, que pune atos de discriminação. Contudo, nas falas dos estudantes a
discriminação racial se faz presente nas relações estabelecidas nas escolas, durante o
período do estágio de forma velada.
O outro preconceito evidenciado foi a questão de gênero. Na atualidade a
presença do gênero masculino na Educação Infantil e Educação Básica das séries
iniciais também já se faz presente, porém em menor número, que tem similaridade com
o número de estudantes de Pedagogia. Assim, os três estudantes do gênero masculino
relataram que tiveram dificuldades de encontrar a vaga de estágio. Entretanto, as
dificuldades ou estranhamento permaneceram durante o estágio. Os contatos dos
estudantes, futuros professores, que estavam fazendo o estágio com os estudantes da
Educação Infantil e Educação Básica foram cerceados de várias maneiras. Os relatos
trazidos pelos estudantes foram que para eles do gênero masculino o cuidar está
dissociado do educar e todas as tarefas que exigiam cuidados com estudantes, para os
estagiários foram proibidos de fazer. “[...] pode deixar que eu cuido das crianças...”
(Fragmento das falas, 2015). Nos relatos também ficaram evidenciados os limites e os
controles de aproximações, que silenciosamente se impunham das professoras sobre os
estagiários do gênero masculino.
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O terceiro preconceito, apesar de abertamente expresso pela maioria dos
professores nas escolas eram apresentados aos estagiários com toda a naturalidade e se
tratava do preconceito em relação à escolha da docência. Os professores desdenhavam a
profissão e falavam: “Vocês estão novos procurem outro trabalho. Este é muito difícil e
ganha pouco.” (Fragmento das falas, 2015). As várias formas de apresentar o
descontentamento com a profissão marcou a perspectiva de que realizar o trabalho
demandada um esforço excessivo, muitas vezes expresso pela presença no trabalho
mesmo doente. (PASCHOALINO; ALTOÉ, 2015). Os professores que receberam os
estudantes elucidaram de forma contundente o desencanto com a profissão.
Os estudantes de pedagogia ao trazerem estes preconceitos para o debate abriram
a possibilidade de um diálogo, de situações que muitas vezes não se relacionam
necessariamente com o estágio obrigatório. Assim, as demandas para observação da
estrutura e organização das escolas ganharam contornos de molduras impregnadas de
preconceitos.
Uma dinâmica que partindo do concreto, do real vivido, a ele
retorna, mas como “outro” concreto, na medida em que entre o
“primeiro” e o “segundo” concreto, se estaria garantindo a
abstração necessária para sua reinterpretação, via conhecimentos
científicos selecionados, constituídos em conteúdos
programáticos escolares (DELIZOICOV, 1991, p. 184).
Vale salientar que, este estudo não teve a intencionalidade de aprofundar em
nenhum dos preconceitos relatados pelos estudantes de Pedagogia, diante da
profundidade e complexidade das temáticas. Entretanto, possibilitou compreender a
pertinência das alterações do agir didático da professora de estágio. Dessa maneira, ao
dar vozes aos estudantes diante das realidades vivenciadas nas escolas, as falas
começaram a serem tecidas e a didática pautada na forma dialógica permitiu que outras
perspectivas de olhar fossem trazidas à tona. A riqueza do momento do estágio,
enquanto espaço formativo não ficou restrito a um conhecimento de campo,
principalmente, diante das orientações legais ao determinarem que:
Os cursos de formação deverão garantir nos currículos
conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou
interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação
na área de políticas públicas e gestão da educação, seus
fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades
étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional,
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Língua Brasileira de Sinais (Libras) e direitos educacionais de
adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas (BRASIL [MEC], 2015, p. 30).
A formação que se realiza numa didática dialógica permitiu que pelos
conhecimentos já adquiridos pelos estudantes, frente ao novo olhar, suscitasse abrir o
leque de questões e trazer para o debate aspectos muitas vezes silenciados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada possibilitou a interlocução de saberes já adquiridos pelos
estudantes do curso de Pedagogia no período noturno. As experiências vivenciadas do
trabalho docente e a preparação didática realizada pela professora da universidade
possibilitaram olhares diferenciados sobre uma realidade conhecida. Dessa maneira,
outros aspectos foram considerados a partir do estágio realizado.
O direito ao estágio na formação do professor é imprescindível para conhecer os
meandros da atuação profissional. A universidade deve estar atenta para preparar os
estudantes para possibilitar experienciar a complexidade do período de estágio. Diante
desse panorama, este estudo analisou que as orientações didáticas tiveram mudanças no
percurso da avaliação do estágio. Foi constatado nessa pesquisa que os preconceitos
permeados na escola estavam silenciados na formação acadêmica. Considera que, ao dar
voz aos estudantes oportunizou discorrer e refletir sobre o cotidiano das escolas. Assim,
as considerações desta pesquisa refletiram sobre a importância de vivenciar o estágio e
de trabalhar as questões trazidas pelos estudantes, pautadas pela didática dialógica.
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