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Licenciado sob uma Licença Creative Commons ISSN 2179-3441 [T] Estudos Nietzsche, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 263-270, jul./dez. 2012 BURNETT, H. Para ler O nascimento da tragédia de Nietzsche. São Paulo: Loyola, 2012. [I] (A) [A] Vladimir Menezes Vieira Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ – Brasil, e-mail: [email protected] [R] O nascimento da tragédia (1872) é, dentre os escritos de Nietzsche, talvez o mais traiçoeiro para o pesquisador descuidado. À primeira vista, esse livro – o primeiro publicado pelo filósofo, quando ainda era professor de filologia da Universidade da Basiléia – parece oferecer menos problemas críticos do que obras de períodos posteriores. Do ponto de vista formal, assemelha-se a um ensaio clássico do período moderno, com a sequência do texto organizada em seções numeradas. Não encontramos aqui as experimen- tações estilísticas que caracterizarão, por exemplo, o Zaratustra, ou mesmo o uso sistemático de aforismos. Há também uma infinidade de concepções gerais que supostamente permitiriam apreender sem grandes dificuldades o seu conteúdo: trata-se de uma obra de “juventude”, metafísica, integral- mente superada após a publicação de Humano, demasiado humano (1878); dá testemunho de grande subserviência intelectual a Wagner e Schopenhauer, igualmente superada; é um tratado de “estética”, ou ainda de “filologia”. doi: 10.7213/estudosnietzsche.03.002.RS.02

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  • Licenciado sob uma Licena Creative CommonsISSN 2179-3441

    [T]

    Estudos Nietzsche, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 263-270, jul./dez. 2012

    BURNETT, H. Para ler O nascimento da tragdia de Nietzsche. So Paulo: Loyola, 2012.

    [I](A)[A]

    Vladimir Menezes Vieira

    Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niteri, RJ Brasil, e-mail: [email protected]

    [R]

    O nascimento da tragdia (1872) , dentre os escritos de Nietzsche, talvez o mais traioeiro para o pesquisador descuidado. primeira vista, esse livro o primeiro publicado pelo filsofo, quando ainda era professor de filologia da Universidade da Basilia parece oferecer menos problemas crticos do que obras de perodos posteriores. Do ponto de vista formal, assemelha-se a um ensaio clssico do perodo moderno, com a sequncia do texto organizada em sees numeradas. No encontramos aqui as experimen-taes estilsticas que caracterizaro, por exemplo, o Zaratustra, ou mesmo o uso sistemtico de aforismos. H tambm uma infinidade de concepes gerais que supostamente permitiriam apreender sem grandes dificuldades o seu contedo: trata-se de uma obra de juventude, metafsica, integral-mente superada aps a publicao de Humano, demasiado humano (1878); d testemunho de grande subservincia intelectual a Wagner e Schopenhauer, igualmente superada; um tratado de esttica, ou ainda de filologia.

    doi: 10.7213/estudosnietzsche.03.002.RS.02

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    Nenhuma dessas sentenas d conta integralmente do que contm esse livro que o prprio autor, por outras razes, classificou de impossvel1 por ocasio de sua segunda edio em 1886. O nascimento da tragdia tudo e nada disso. Como mostraram diversos comentadores, se possvel classific-lo, de certo modo, como uma obra de juventude, o texto no autoriza abso-lutamente a acusao de servilismo intelectual: em alguns pontos, Nietzsche permanece fiel a Wagner e Schopenhauer aps 1878, em outros j se distancia deles mesmo nos anos precedentes. A esttica e a filologia respondem, segura-mente, por dois grandes eixos tericos que articulam suas vinte e cinco sees. Mas possvel tambm afirmar que o filsofo j se esforava, nesse escrito, por levar seu pensamento alm das categorias tradicionalmente empregadas nessas disciplinas ou reas do saber. No foi circunstancial, por exemplo, a intensa e recrudescente polmica que se seguiu, no mbito filolgico, sua publicao.

    Creio que o perigo que cerca uma abordagem precipitada de O nascimento da tragdia se aplica tambm a um de seus mais recentes co-mentrios em portugus. Refiro-me a Para ler O nascimento da tragdia de Nietzsche (2012), de Henry Burnett, elaborado, como informa o autor, a partir de um captulo de sua tese de doutorado A Recriao do Mundo: a dimenso redentora da msica na filosofia de Nietzsche, orientada pelo professor Oswaldo Giacoia Jr. e defendida em 2004 no Programa de Ps-Graduao em Filosofia da Unicamp. Extenso e ttulo poderiam transmitir a impresso de que se trata de obra de carter introdutrio, cujo propsito seria apresentar ao leitor de modo superficial as principais teses defendidas por Nietzsche nessa obra. Esse, entretanto, est longe de ser o caso.

    Burnett declara que seu livro tem uma inteno menos ambiciosa do que a de uma interpretao (p. 7). Creio que essa afirmao subestima seus objetivos e resultados. Para ler... no nem tenciona ser um comentrio exaustivo de O nascimento da tragdia, que d conta de todos os diferentes nveis de leitura articulados por Nietzsche como, por exemplo, o clebre Nietzsche on Tragedy (1981), de Silk e Stern. Por outro lado, no se furta a desenvolver uma interpretao bastante particular do texto nietzscheano. O nico sentido em que se poderia cham-lo de introdutrio , como reconhece o prprio autor, como uma porta de entrada entre tantas que h uma chave de leitura que talvez possa revelar algumas impresses marcantes de seu pensamento naquele momento inicial (p. 7).

    1 KSA I, p. 14.

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    Ainda na mesma passagem, Burnett descreve o que significa transpor essa porta: defender uma autonomia terica para a assim cha-mada primeira esttica de Nietzsche (p. 7) ou, de modo mais preciso, que o livro o centro de um perodo de produo de Nietzsche que pode ser considerado independente dos demais (p. 7-8). Ao lado de outros escritos do assim chamado perodo de juventude, O nascimento da tragdia ser pen-sado, portanto, como um tratado de esttica relativamente bem estruturado (p. 9) que, malgrado seus pontos de contato com questes que emergem de modo mais claro em momentos posteriores da obra nietzscheana, no deve ser concebido como sua verso inferior ou germinal.

    Nessa primeira seo do livro, de cunho mais geral e intitulada Uma obra aberta, Burnett explora as caractersticas centrais de tal projeto esttico. Nietzsche teria buscado na arte uma redeno para a vida a partir de um tipo de respeito aos instintos (p. 10). O que deveria ser redimido no era, evidentemente, a vida enfraquecida do sculo XIX, mas aquela vivida em sua plenitude, num perodo anterior ao estatuto sociopoltico estabelecido na Grcia clssica (p. 11). O retorno Antiguidade se d a contraponto dos estudos filolgicos de sua poca, o que permite ao fil-sofo reinterpretar a origem da tragdia tica e acalentar esperanas de seu renascimento na Modernidade: era o drama musical wagneriano, sugere Burnett, que inspirava Nietzsche e permitia vislumbrar uma retomada do mito numa Modernidade cansada e sem destino (p. 11).

    Sentenas dessa natureza no parecero estranhas aos estudiosos de Nietzsche, especialmente queles familiarizados com O nascimento da tragdia. Mais surpreendente talvez seja aquela que encerra essa sequncia de consideraes: Havia, segundo ele, um determinante dos instintos, algo que Nietzsche chamou de sedimento ou fundamento sonoro e que poderia ser encontrado em vrios motivos musicais atravs dos sculos, principalmente na msica popular (p. 11). Ouso dizer que aqui se encontra o que h de mais original e instigante em Para ler... : a tentativa de alinhavar esses dife-rentes temas, recorrentes na pesquisa nietzscheana, em torno da msica, e em especial da msica popular, e de privilegiar essa questo como possvel porta de entrada para essa obra impossvel.

    Na seo seguinte, intitulada A msica dionisaca, Burnett sugere que o privilgio atribudo ao dionisaco para a interpretao da Grcia um dos aspectos mais originais de O nascimento da tragdia, tanto em relao tra-dio filolgica do sculo XIX (p. 14) quanto a seus dois supostos mestres:

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    o dionisaco no existia em Schopenhauer, tampouco em Wagner, o que torna a perspectiva inicial de Nietzsche, pelo menos no que toca herana direta dos dois, indita (p. 18). Mas ele pensado aqui, novamente, em ntima relao com a msica, a qual constitui, segundo o autor, o ncleo do sistema metafsico a partir do qual o filsofo desenvolve as consideraes expostas em seu primeiro livro: msica e uno primordial, este o vnculo simblico da arte com a vida. Da msica tudo fora gerado, no s a tragdia (p. 16).

    a partir desse ponto de vista, igualmente, que se explica a oposio que a obra de Nietzsche inicialmente estabelece entre arte e cincia. O homem terico, argumenta Burnett, o bibliotecrio e revisor a se tornar eternamente cego graas poeira dos livros e aos erros de impresso2 denota uma vida empobrecida, amolecimento dos instintos, fraqueza, cansao (p. 21). A m-sica, que gera tudo o que existe, d combate ao pensamento racional porque tambm o lenitivo contra o enfraquecimento vital. A arte no s gera a cincia, ela tambm a cura de suas impurezas, seu remdio (p. 22).

    A seo seguinte, Socratismo esttico, consagrada discusso da hiptese a respeito da morte da tragdia de que Nietzsche se ocupa nas sees 11-15, que os comentadores costumam tomar como a segunda grande parte de sua obra. Burnett ressalta a ligao entre msica e mito que preside essas passagens (p. 24), de modo que o desaparecimento da experincia trgica coincide com o desenvolvimento de um estilo musical, tal como o da pintura sonora, desprovido de fora geradora. Essa msica, afirma o autor, advm com a degenerao da tragdia, e sua caracterstica principal ter seu poder de revelao esmaecido pela carncia do mito na expresso oral [...] (p. 25). Burnett ainda discute aqui a relao de Scrates, e por conseguinte tambm de Plato, com a msica e a cincia (p. 28-31), temas que retornaro em trechos posteriores de seus livro.

    A quarta seo, Msica popular, poesia, linguagem, apresenta a tese mais original de Para ler.... Burnett toma por base as discusses propostas na seo 5 da obra de Nietzsche, onde se localizam seus primeiros argumentos a respeito de como surgiu a tragdia tica. O filsofo menciona Arquloco como exemplo de um tipo de unio entre apolneo e dionisaco que ganhar a sua expresso mais bem acabada na experincia trgica: a torrente de imagens passionais de que o poeta lana mo seriam descargas apolneas de sua unio musical com a entidade metafsica de que todo o mundo fenomnico mera

    2 KSA, I, p. 120

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    representao, o Uno primordial. Como indica corretamente Burnett, essa hiptese distancia-se de qualquer compreenso da lrica como uma espcie de arte subjetiva, incluindo-se a aquela desenvolvida por Schopenhauer no livro III de O mundo como vontade e representao (p. 31-34).

    Para a leitura que Burnett prope acerca do papel de Arquloco em O nascimento da tragdia, mais importante, contudo, a afirmao que abre a seo 6 dessa obra: no que diz respeito a Arquloco, a pesquisa erudita descobriu que ele teria introduzido a cano popular na literatura [...]3. A msica popular estaria na base da tragdia e da lrica gregas, pois constituiria a experincia apolneo-dionisaca mais fundamental. De modo ainda mais geral, sugere o autor, em todos os povos a msica popular nasceu a partir de um e mesmo impulso. Na exata medida em que tambm verdadeiro afirmar que sempre que a poesia popular foi gerada no interior da cultura correntes dionisacas a acompanharam (p. 35-36). Esta tese seria corroborada por outros exemplos de que Nietzsche lana mo nessas passagens e que se relacionariam com a cultura alem a coletnea de canes Des Knaben Wunderhorn e um movimento da Sinfonia Pastoral, de Beethoven. Como afirma Burnett, tais processos de criao, para a massa popular, so uma catarse da msica em imagens; disso ser gerada a cano estrfica, da excitao do tesouro verbal a partir desse novo princpio de imitao da msica (p. 38).

    A penltima seo de Para ler..., intitulada A cincia e a arte, tambm a mais longa, e retoma diversos pontos desenvolvidos em passagens anteriores. Burnett comenta aqui primordialmente a parte final da obra de Nietzsche, que discute o possvel ressurgimento da experincia trgica na Modernidade. O ponto de partida para suas consideraes a recolocao da questo acerca da oposio entre cincia e arte, ou entre homem terico e homem artstico, que fora objeto de anlise na terceira seo. O autor se serve aqui da clebre pergunta a respeito de um Scrates musicante, que requalifica essa oposio: Nietzsche teria pretendido mostrar que a civi-lizao deve ao platonismo tanto o otimismo cientfico como a imperiosa recriao infinita da arte, e que esse conjunto aparentemente antagnico est criteriosamente ligado com os instintos plsticos e musicais herdados das divindades helnicas (p. 40). Nesse sentido, o homem imitador, criador, artista, e Scrates era um artista por excelncia, ainda que vencido pela vontade de verdade (p. 41).

    3 KSA, I, p. 48.

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    No sculo XIX, quando a filosofia teria comprovado os limites do otimismo terico, seria possvel restituir msica o seu papel originrio de elemento a partir do qual tudo se desenvolve, desde as substncias mais ele-mentares at as formaes mais complexas da cultura (p. 41-42), como fora o caso na Grcia. Tal restituio implicava, entretanto, distanciar-se criticamente da pera, aquela tentativa anterior de repetio e recriao da Grcia na Europa (p. 42). Como mostra Burnett, Nietzsche qualifica-a, na verdade, como um experimento essencialmente ligado cultura socrtica (p. 42-44).

    Para a reconstituio da experincia grega no sculo XIX, seria antes necessrio que a arte recuperasse o sentido mtico que ela possua na Antiguidade. Em O nascimento da tragdia, esse movimento exige, como mostra Burnett, o solo de uma cultura: na Alemanha que o jovem Nietzsche julgava encontrar o terreno frtil onde o dionisaco poderia novamente florescer. Cincia e arte davam sinais, aqui, de aliana ao projeto nietzscheano, pois se Wagner aquele que incorpora as foras efetivas de um renascimento do sentido trgico na msica, Schopenhauer e Kant so aqueles que, em unssono com o maestro, teriam sido capazes de revelar [...] a fragilidade da cultura alexandrina (p. 45). No elogio ao drama musical wagneriano, pode--se observar o retorno do tema da msica popular, to caro interpretao proposta em Para ler.... Ao contrrio dos tericos que idealizaram a pera, Wagner expresso viva de uma msica que fala para o povo alemo, que seu retrato, de modo que o renascer da tragdia , de muitas formas, um reencontro com a cultura popular alem em sua forma primitiva e in-gnua [...] (p. 48). isso que justifica, em ltima anlise, as esperanas de Nietzsche com relao a um possvel ressurgimento moderno do trgico no seio da cultura germnica. Nas pginas restantes dessa seo, Burnett debrua-se criticamente sobre essa hiptese, chamando a ateno para as dificuldades que ela comporta: por exemplo, o privilgio que a palavra parece deter em certos escritos tericos e tambm em certas obras de Wagner notadamente a tetralogia do Anel do Nibelungo. Por fim, a ltima seo de Para ler..., E as notas dissonantes..., constitui-se quase exclusivamente como um comentrio crtico das ltimas sees de O nascimento da tragdia, especialmente a seo 24, que trata do emprego da dissonncia musical como expresso do dionisaco na msica. Parece-me que a introduo desse tema na obra do filsofo teria em vista seu uso recorrente em certas peras de Wagner por exemplo, em Tristo e Isolda, a que Nietzsche remete com frequncia na terceira parte de seu livro. Burnett, entretanto, aprofunda

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    significativamente a compreenso dessas passagens ao referir-se novamente ao tema mais original de seu livro, articulando-o questo do mito, em um trecho que julgo inevitvel citar integralmente:

    A referncia prtica que permanece at o fim do livro so os extratos populares da msica; ele se refere em suas conclu-ses sempre cano dionisaca. Numa interpretao livre, podemos dizer que os acordes dissonantes funcionam como multiplicadores, quer dizer, os acordes naturais so alterados e incrementados; isso d ao produto final um estranhamento, como se a melodia que se fazia acompanhar de acordes simples se transformasse em algo inexplicvel. A dissonncia, ento, ex-poria a face mtica da cano, que se manteve oculta pela clareza dos acordes naturais, sinnimos daquela cultura alexandrina bem comportada que depositava esperanas na figura de um homem bom e ingnuo (p. 63).

    Apesar de no almejar uma abordagem exaustiva, Burnett percorre, como se v, as trs grandes partes em que se costuma dividir O nascimento da tragdia. A construo de uma leitura que privilegia a msica, com notvel nfase na msica popular, revela que muitas questes que supomos decididas a respeito desse livro to difcil podem ganhar novas perspectivas pelas mos de um grande intrprete. Para ler... realiza, desse modo, uma importante contribuio para a pesquisa sobre Nietzsche no Brasil, especialmente significativa quando se tem em mente que a esttica costuma receber menor ateno dos comentadores do que outros temas clssicos na obra do filsofo, tais como a superao da metafsica ou a vontade de poder.

    O livro , tambm, uma sntese das preocupaes filosficas de seu autor, que sempre gravitaram, de um modo ou de outro, em torno da msica popular. A afirmao de que O nascimento da tragdia um livro escrito por um artista, dedicado a um artista e destinado aos artistas (p. 9) no poderia ser mais apropriada, considerando-se que Burnett , ele mesmo, msico. Sobre seu interesse nessa obra de artista, suficiente mencionar que ela foi o tema de sua monografia de graduao e tambm de seu ltimo projeto de pesquisa, concludo em 2012.

    O projeto editorial comporta, evidentemente, certos riscos. A opo por uma publicao concisa pode frustrar o leitor que cr ser possvel atravessar as portas abertas por Burnett sem nenhum preparo. Em muitos casos, o autor maneja os complexos conceitos nietzscheanos sem se

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    deter em explicaes tcnicas que comprometeriam a fluidez do texto. Se o estilo resultante combina com rara habilidade preciso e leveza, preciso ter sempre presente que Para ler..., apesar do que poderia sugerir seu ttulo, no uma obra para leigos.

    Como pesquisador em reas afins, no poderia me furtar a mencionar tambm que algumas afirmaes contidas no livro despertaram particularmente minha curiosidade. A autoridade de Curt Paul Janz no me parece suficiente para justificar, por exemplo, a suposio de que se a obra de Nietzsche tivesse sido interrompida por ocasio do festival de Bayreuth [...] pouco da recepo posterior se modificaria [...] (p. 12). Creio, igualmente, que no se faz justia s intenes de Wagner ao sustentar que sua msica apenas renova a forma, mas preserva o contedo irrefrevel da arte musical operstica, como entretenimento banal para os cansados ouvintes modernos (p. 58).

    Mas esse , precisamente, o debate que precisa ser travado, de modo a quebrar o silncio imposto ao primeiro livro de Nietzsche pelos julgamentos apressados com que ele descartado ou aprendido sem maiores dificuldades. A respeito dos impasses que cercam essa obra, Burnett comenta: Se at hoje a rea de esttica no unanimidade nos cursos de filosofia no Brasil, o primeiro livro publicado por Nietzsche como um emblema da esttica contempornea (p. 8). Talvez seja este o momento apropriado para que nietzscheanos e estetas tomem mo o tirso, coroem-se de hera e aceitem o desafio de ler O nascimento da tragdia.

    Recebido: 25/06/2012 Received: 06/25/2012

    Aprovado: 30/07/2012Approved: 07/30/2012